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Faculdade de Medicina - Universidade de Coimbra NOÇÕES BÁSICAS DE OFTALMOLOGIA CLÍNICA UNIVERSITÁRIA DE OFTALMOLOGIA DA FACULDADE MEDICINA UNIVERSIDADE COIMBRA Joaquim Murta Rui Proença Conceição Lobo Pedro Fonseca Eduardo Silva Rufino Silva Pedro Fonseca Coimbra, 2009

Manual Cadeira a 2009

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Faculdade de Medicina - Universidade de Coimbra

NOÇÕES BÁSICAS DE OFTALMOLOGIA

CLÍNICA UNIVERSITÁRIA DE OFTALMOLOGIA DA FACULDADE MEDICINA UNIVERSIDADE COIMBRA

Joaquim Murta

Rui Proença Conceição Lobo Pedro Fonseca Eduardo Silva Rufino Silva

Pedro Fonseca

Coimbra, 2009

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Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

Í N D I C E

I - NOÇÕES BÁSICAS DE ANATOMIA E FISIOLOGIA............................................3 II - OLHO VERMELHO ................................................................................................17 III - TRAUMATOLOGIA OCULAR..............................................................................47

IV - PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL..............................................55

V - PERDA SÚBITA DA VISÃO...................................................................................69

VI - NEUROFTALMOLOGIA.......................................................................................87

VII - MANIFESTAÇÕES OCULARES DOENÇAS SISTÉMICAS............................123

VIII - OFTALMOLOGIA PEDIÁTRICA E ESTRABISMO .......................................141 Oftalmologia Pediátrica ..................................................................................................... 141

Estrabismo......................................................................................................................... 172

IX –FÁRMACOS E OFTALMOLOGIA ........................................................................207

X –URGÊNCIA EM OFTALMOLOGIA .......................................................................219

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I - NOÇÕES BÁSICAS DE ANATOMIA E FISIOLOGIA

Sistema Protector do Globo Ocular

Órbita – Forma de pirâmide quadrangular com o vértice localizado no buraco óptico; está

em conexão com cavidades vizinhas através de alguns orifícios das quais se destacam:

buraco óptico (nervo óptico e artéria oftálmica) e fenda esfenoidal (nervo oftálmico com os

seus 3 ramos – nasal, frontal e lacrimal -, veia oftálmica e III, IV e V pares de nervos

craneanos)

Pálpebras – Estruturas que protegem e lubrificam o globo ocular. São constituidas por 4

camadas de tecidos: pele, camada muscular (elevador da pálpebra superior, músculo de

Müller, orbicular da pálpebras e músculos de Horner e Riolan), camada fibrosa ou tarsos que

contêm numerosas glândulas de Meibomius e conjuntiva tarsal. O espaço entre o bordo livre

das 2 pálpebras chama-se fissura ou fenda palpebral.

Conjuntiva – Fino tecido vascular que recobre a face interna das pálpebras (conjuntiva

tarsal) e esclerótica (conjuntiva bulbar). Entre as duas porções, unindo-as, encontram-se os

fundos de saco (superior e inferior). No lado nasal do globo ocular salienta-se uma prega

(prega semi-lunar) e a carúncula.

Aparelho lacrimal – Constituido pelas glândulas lacrimais, pontos lacrimais, canais

lacrimais, saco lacrimal e canal lacrimo-nasal que drena as lágrimas no meato médio das

fossa nasais.

Globo Ocular

O globo ocular é constituído por 3 camadas (fibrosa, vascular e nervosa, de fora para dentro).

A camada fibrosa com função de protecção é formada pela esclerótica e córnea, a camada

vascular ou uveal pela coroideia, corpo ciliar e íris e a nervosa pela retina.

Esclerótica – Túnica mais externa do globo ocular, de natureza fibrótica, geralmente branca

e opaca, com funções de protecção.

Córnea – Parte anterior da túnica externa do globo ocular, transparente, sendo a estrutura

com maior poder refractivo do globo ocular. Constituída, de fora para dentro, por epitélio,

membrana de Bowman, estroma, membrana de Descemet e endotélio corneano.

Limbo – Junção entre a esclerótica e a córnea, de extrema importância na anatomofisiologia

da córnea pois são onde estão localizadas as células estaminais.

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Íris – Estrutura colorida, contráctil, que protege, fundamentalmente através do seu epitélio

pigmentado localizado na face posterior, a entrada excessiva de luz.

Pupila – Espaço na zona central da íris que regula a entrada dos raios de luz em função da

luminosidade do meio; o seu tamanho é controlado através de inervação simpática e

parasimpática.

Cristalino – Lente biconvexa mantida em posição dentro do globo ocular por um sistema

suspensor especial – o ligamento suspensor ou zónula de Zinn. A sua cápsula constitui a

membrana basal mais espessa do organismo e a sua forma varia sob a acção do seu

ligamento suspensor e do músculo ciliar; estrutura, a seguir à córnea, com maior poder

refractivo.

Câmara anterior – Espaço limitado pela face posterior da córnea, face anterior da íris e

porção intrapupilar da superfície anterior do cristalino; encontra-se preenchida por um fluido

– humor aquoso.

Corpo ciliar – A sua forma grosseiramente triangular é devida essencialmente ao músculo

ciliar; a sua contracção reflecte-se sobre o aparelho suspensor do cristalino permitindo

alterar a sua forma e assim permitir a focagem de objectos colocados perto ou longe

(acomodação). Sob o músculo ciliar situa-se a camada vascular do corpo ciliar responsável

pela produção do humor aquoso. O corpo ciliar e a íris são as principais estruturas envolvidas

na barreira hemato-aquosa.

Câmara posterior – Espaço delimitado pela superfície posterior da íris, interna do corpo

ciliar, equatorial do cristalino e anterior do vítreo; encontra-se igualmente preenchida por

humor aquoso que depois de passar para a câmara anterior, é drenado pelo ângulo da câmara

anterior.

Cavidade vítrea – Espaço relativamente grande, responsável por cerca de 4/5 do volume

total do globo ocular (4 ml) situado entre a face posterior do cristalino e do seu ligamento

suspensor e a retina; é ocupado por um hidrogel transparente chamado vítreo, aderente à

retina na periferia (base do vítreo), na margem do disco óptico, na região perifoveal e à

cápsula posterior do cristalino. É constituído 99% por água, por finas fibrilhas de colagéneo

e raras células.

Coroideia – Túnica de tecido vascular, pigmentado, situada entre a esclerótica e a retina; é

responsável pelo aporte sanguíneo às camadas mais externas da retina.

Retina – Estrutura transparente, à excepção dos vasos retinianos situados na sua parte mais

interna, é composta pelas seguintes camadas: epitélio pigmentado da retina, cones e

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bastonetes, membrana limitante externa, camada granulosa ou nuclear externa (núcleos dos

fotoreceptores), camada plexiforme externa, camada granulosa ou nuclear interna (células

bipolares), camada plexiforme interna, camada de células ganglionares, camada de fibras

nervosas e membrana limitante interna. A retina possui duas áreas de relação directa com o

sangue: os vasos da retina responsáveis pelo aporte sanguíneo às camadas mais internas e a

interface corioretiniana localizada externamente ao epitélio pigmentado, e responsável pela

nutrição das camadas externas da retina onde estão localizados os fotoreceptores. As células

do epitélio pigmentado e as células endoteliais dos vasos da retina com as suas junções

intercelulares especiais, constituem a localização anatómica das barreiras hemato-retinianas

externa e interna, respectivamente. A retina envia os sinais visuais iniciais para o cérebro

através das vias óptico.

Mácula – Área da retina no pólo posterior do globo ocular localizada entre as arcadas

vasculares temporais caracterizada pela presença de mais de uma camada de núcleos de

células ganglionares e pela diminuição das camadas retinianas internas. A fóvea e a fovéola

(constituída exclusivamente por cones e correspondente a uma depressão oval no centro da

fóvea) são responsáveis pela visão central (visão de pormenor).

Disco óptico – Porção do nervo óptico visível no pólo posterior do globo ocular. É composto

pelos axónios das células localizadas na camada de células ganglionares da retina. A artéria e

a veia centrais da retina atravessam o disco óptico.

Vias ópticas- Os impulsos visuais seguem ao longo de um sistema de condução formado por

pelo menos quatro unidades celulares: as células visuais da retina (cones e bastonetes), as

células bipolares (1º neurónio), as células ganglionares da retina e os seus axónios (2º

neurónio) e as células do corpo geniculado externo e os seus axónios (3º neurónio) até

aocortex visual.

O termo fundo ocular refere-se à retina, mácula, coroideia e disco óptico.

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EXAME OFTALMOLÓGICO

Todas as pessoas sujeitas a um exame físico geral devem ser submetidas a um exame

oftalmológico elementar que deve seguir as normas gerais de toda a história clínica tomando

em conta antecedentes pessoais, antecedentes familiares, história pregressa e interrogatório

minucioso da evolução da doença em causa, etc; há, no entanto, aspectos próprios da

especialidade que devem ser focados com mais atenção. Todo o Médico deve saber realizar

adequadamente um exame oftalmológico elementar que lhe vai permitir saber avaliar da

importância relativa das queixas oculares referidas, prescrever um tratamento adequado ou

enviar o doente para um Oftalmologista.

Muitas doenças oftalmológicas cursam nas suas fases iniciais de uma forma silenciosa ou

assintomática, causando graves lesões muitas das vezes irrecuperáveis. A correcta realização

de um exame oftalmológico elementar poderá alertar para a presença destas situações

possibilitando o início de uma terapêutica adequada:

Doenças oculares que podem provocar limitações visuais acentuadas mas que são

potencialmente tratáveis desde que diagnosticadas precocemente: catarata,

glaucoma, retinopatia diabética, degenerescência macular relacionada com a idade,

ambliopia na criança, etc;

Doenças sistémicas com envolvimento ocular que podem ameaçar a vida:

diabetes mellitus, hipertensão arterial, arterite temporal, embolia vascular, etc;

Tumores ou outras doenças do sistema nervoso central que podem ameaçar a

visão ou a própria vida: meningioma, aneurismas, esclerose múltipla, etc.

A correcta realização de um exame oftalmológico exige, para além de um conhecimento

adequado das estruturas internas e externas do globo ocular e da órbita, a aprendizagem de:

Avaliação da acuidade visual (distância e perto)

Pesquisa dos reflexos pupilares

Avaliação da motricidade ocular

Correcta utilização do oftalmoscópio directo quer na simples avaliação da presença

do reflexo vermelho do fundo quer na observação directa do fundo ocular

(fundoscopia)

Avaliação os campos visuais por confrontação

A dilatação da pupila deve-se realizar sempre que se constate diminuição da acuidade visual

ou quando se suspeita de patologia do fundo ocular (ex.º diabetes mellitus).

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Todas as crianças devem ser examinadas antes dos 2 anos e a partir dos 3 anos a avaliação

da acuidade visual é mandatória com o intuito de despistar precocemente ambliopias

(utilização de quadro dos E ou outros similares).

Sempre que o exame inicial ou a história do doente faça suspeitar de outra patologia dever-

se-á recorrer a outros testes:

Eversão da pálpebra superior – quando suspeitamos da presença de corpos

estranhos ou no diagnóstico de determinados tipos de conjuntivites

Teste da fluoresceína – quando suspeitamos de defeito epitelial corneano.

Tonometria - quando se suspeita de glaucoma

Avaliação da profundidade da câmara anterior – sempre que se suspeita de

glaucoma de ângulo estreito e precedendo a dilatação da pupila.

Teste da visão de cores - fundamentalmente em doentes com patologia da retina ou

do nervo óptico

COMO REALIZAR UM EXAME OFTALMOLÓGICO

O exame oftalmológico deve seguir as normas gerais de toda a história clínica.

Os sintomas mais frequentes do doente do foro oftalmológico são:

Diminuição da acuidade visual – indagar quando se iniciou, se é uni ou bilateral,

progressiva ou brusca, para longe ou para perto, a forma como se apresenta –metamorfopsia

(alteração da forma dos objectos), nictalopia (dificuldade de visão nocturna), etc.

Dor ou incómodo ocular – investigar forma de início, intensidade, localização,

irradiação. Pode manifestar-se sob diversas formas: sensação de fadiga ocular, ardor,

fotofobia, etc

Modificações externas do globo ocular

Diplopia – investigar se é mono (normalmente relacionada com alterações dos meios

de transparência do globo ocular – exº catarata) ou binocular (perturbação do alinhamento

dos dois globos oculares por causas neurogénicas ou musculares)

Secreções – investigar qual o aspecto, natureza aguda ou crónica, lateralidade, etc.

Na realização da história clínica investigar ainda cirurgias oculares anteriores, diagnóstico de

doenças oculares, história de traumatismos, medicações gerais ou locais, presença de

doenças sistémicas, profissão do doente, ambiente de trabalho, etc. A história familiar

reveste-se igualmente de importância capital em numerosas afecções do foro oftalmológico.

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Deve ser realizado igualmente um exame geral.

Quanto ao exame objectivo do globo ocular e anexos ele deve ser objectivo, completo, não

descurando qualquer estrutura ocular, e extremamente atento ao pormenor.

O equipamento necessário a um exame oftalmológico básico é constituído por: foco de luz

manual, cartão para avaliação de visão de perto, oftalmoscópio directo, lupa, tiras ou gotas

de fluoresceína a 2%, midriáticos e analgésicos tópicos.

O biomicroscópio possibilita uma melhor inspecção e avaliação directa das estruturas do

segmento anterior do globo ocular. É um instrumento obrigatório em qualquer sala de

consulta de um Oftalmologista, apesar de estar presente em muitas salas de urgência gerais.

1- Avaliação da acuidade visual à distância

A acuidade visual à distância é usualmente registada como uma relação comparando a

capacidade visual do doente com uma capacidade visual padrão. Assim, o primeiro número

representa a distância entre o doente e a escala de avaliação enquanto o segundo número

representa a distância à qual as referidas letras podem ser visualizadas por uma pessoa

normal (escala de Snellen). Uma acuidade visual de 20/80 indica que o doente reconhece um

determinado símbolo a uma distância de 20 pés que é visualizado por uma pessoa com uma

visão normal à distância de 80 pés.

Considera-se normal uma visão de 20/20 apesar de haver muitas pessoas que conseguem ver

melhor que 20/20 (20/15 ou mesmo 20/12). Para além desta escala existem escalas decimais

(20/20 = 1.0; 20/40 = 0.5; 20/200 = 0.1) e escalas métricas (20/20 = 6/6; 20/100 = 6/30).

A acuidade visual é normalmente avaliada à distância de 20 pés ou 6 metros; distâncias

maiores são pouco práticas enquanto em distâncias menores, pequenas variações podem

induzir erros com algum significado.

Para avaliar a acuidade visual de distância numa escala de Snellen convencional deve-se:

1. Colocar o doente à distância correcta (20 pés ou 6 metros) da escala de Snellen que deverá estar bem iluminada; se o doente usa óculos regularmente, a avaliação deverá ser realizada com eles.

2. Avaliar cada olho separadamente. 3. Perguntar ao doente qual a mais pequena linha de letras que consegue ler pelo menos

metade das letras. 4. Registar a avaliação da visão tendo em conta que (por ex.º 20/20) o primeiro número

corresponde à distância que o teste foi realizado e o segundo à linha de letras mais pequena que o doente conseguiu ver pelo menos metade delas.

5. Repetir o exame par o segundo olho. 6. Se a visão é inferior ou igual a 20/40 repetir o teste colocando um buraco estenopeico

à frente do olho ou mesmo dos óculos do doente.

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Se o doente não consegue visualizar as letras maiores:

1. Reduzir a distância entre o doente e a escala e registar em numerador a nova distância utilizada (por exº 5/70).

2. Se o doente não consegue ver nenhuma letra a 1 metro, levantar a mão e perguntar ao doente se consegue contar um determinado número de dedos; regista-se por exº conta dedos a 30 cm.

3. Caso não consiga contar dedos, avaliar se consegue detectar movimento da mão e regista-se visão de movimentos de mão.

4. Se o doente não vê movimentos de mão, recorre-se a um foco de luz e pesquisa-se se consegue detectar a presença de luz e a sua direcção; regista-se percepção de luz, percepção de luz com projecção (se identifica direcção) ou sem percepção de luz.

Diminuição da visão vs incapacidade visual

O termo diminuição da visão refere-se a um estado dos olhos enquanto incapacidade visual

refere-se a uma condição da pessoa. Duas pessoas com a mesma diminuição de visão podem

ter diferentes níveis de incapacidade visual dependendo da sua capacidade de adaptação e

compensação. Na tabela 1.1 sumariza-se as diferenças entre diminuição de visão e

incapacidade visual.

Tabela 1.1 - Diminuição da Visão vs Incapacidade Visual~

Diminuição de Visão Incapacidade Visual Comentário 20/12 a 20/25 Visão normal Adulto jovem saudável vê

normalmente mais de 20/20 20/30 a 20/40 Visão útil visão de leitura sem lupa, visão para

aquisição de carta de condução 20/30 a 20/70 Visão pouco limitante Pode não causar grande limitação

mas deve-se tentar melhorar com correcção ou investigar patologia associada

20/80 a 20/160 Baixa de visão moderada Para ler é necessário utilizar óculos

de leitura mais fortes ou lupas de magnificação

20/200 a 20/400 Baixa de visão acentuada; Mobilidade e orientação da pessoa considerada cegueira legal está assegurada mas não consegue

ver números de autocarro, sinais de tráfico,etc; para ler necessita de lupas de grande magnificação

Contar dedos entre Baixa de visão profunda Grande dificuldade na mobilidade 1.5 e 2.5 metros e orientação da pessoa; o uso de

bengala é útil para a exploração do meio ambiente. Pessoas muito

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motivadas poderão ler com lupas de elevada magnificação

Contar dedos inferior Cegueira quase total Tem de recorrer a auxiliares não a1.5 metros visuais Sem percepção luminosa Cegueira total Dependente de auxiliares não visuais

2- Avaliação da acuidade visual de perto

A avaliação da acuidade visual de perto deve ser realizada sempre que o doente tem queixas

de visão ao perto ou quando a avaliação da visão de longe é difícil ou mesmo impossível

(doente acamado por ex.º).

Se o doente já utiliza óculos para perto, o teste deve ser realizado com eles. Assim, o doente

segura no cartão de avaliação à distância especificada no próprio cartão que é normalmente

de 35 cm. Enquanto o examinador tapa um olho o doente tenta ler as letras mais pequenas do

cartão; o teste é então repetido para o outro olho.

O tamanho das letras e a distância a que é realizado o teste pode variar pelo que devemos

registar estes dois parâmetros (por ex.º J5 a 40 cm). Caso não se disponha deste tipo de

cartão poder-se-á utilizar a lista telefónica ou um jornal desde que se registe o tamanho

aproximado das letras e a distância a que foram lidas.

3- Avaliação da acuidade visual num doente que não coopere

Em doentes que não consigam ou não queiram cooperar ou em simuladores é necessário

recorrer a outras manobras como por ex.º a alteração ou não da expressão facial face à luz ou

a um movimento brusco da nossa mão. À excepção da cegueira cortical devida a uma

destruição generalizada do cortex visual, uma reacção pupilar à luz bem activa sugere

igualmente a presença de visão.

4- Inspecção

Para além de proceder à inspecção das pálpebras, tecidos circundantes e fenda palpebral,

realizar palpação das pálpebras e rebordo orbitário. A inspecção da conjuntiva, fundos de

saco conjuntivais e esclerótica deverá ser feita com a ajuda de um foco de luz manual

pedindo ao doente que olhe para cima enquanto se retrai a pálpebra inferior e que em seguida

olhe para baixo retraindo a pálpebra superior. A inspecção da córnea e íris realizar-se-á em

seguida.

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5- Pesquisa dos reflexos pupilares

A pesquisa dos reflexos pupilares é obrigatória no exame oftalmológico. Os reflexos

pupilares directo e consensual deverão ser avaliados numa sala com reduzida luminosidade e

com o doente a olhar para um objecto ao longe; a visão ao perto determina miose.

Para pesquisar o reflexo pupilar directo à luz, dever-se-á dirigir o foco de luz ao olho direito

e ver se a pupila se contrai (reflexo normal); repetir para a pupila esquerda. Para pesquisar o

reflexo pupilar consensual, dirigir o foco de luz ao olho direito e observar se a pupila

esquerda se contrai à semelhança da direita (resposta consensual normal); repetir para a

pupila esquerda e observar a resposta da pupila direita. Esta observação poderá revelar

doenças do foro neurológico (a descrição do defeito aferente será realizada mais à frente).

Dever-se-á igualmente inspeccionar a pupila procurando alterações da sua forma e tamanho

(anisocória) que podem ser resultado de processos locais intraoculares (ex.º lesão do

esfincter pupilar após crise de glaucoma agudo, aderências da íris ao cristalino após crise de

uveíte, etc) ou intracraneanos (aneurisma base cérebro).

6- Avaliação da motilidade ocular

Investigar as ducções (movimentos de cada olho) e as versões (movimentos dos dois olhos

na mesma direcção).

O doente deve seguir um objecto nas 6 direcções chamadas as 6 posições cardinais do olhar.

Este exame permite assim testar cada músculo extra-ocular na sua acção primária (tabela 1.2)

diagnosticando assim uma parésia ou paralisia de um músculo extra-ocular.

Tabela 1.2 – Posições cardinais do olhar Posição do olhar Músculos envolvidos Para cima e para a direita Recto superior direito Pequeno oblíquo esquerdo Para a direita Recto externo direito Recto interno esquerdo Para a direita e para baixo Recto inferior direito Grande oblíquo esquerdo

Para cima e para a esquerda Recto superior esquerdo Pequeno oblíquo direito Para a esquerda Recto externo esquerdo Recto interno direito

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Para a esquerda e para baixo Recto inferior esquerdo Grande oblíquo direito

7- Oftalmoscopia directa

Quando examinar o olho direito do doente deve segurar o oftalmoscópio directo com a mão

direita e utilizar o seu olho direito; para o olho esquerdo do doente utilizar a mão esquerda e

o seu olho esquerdo.

Dilatação pupilar

A dilatação farmacológica da pupila facilita a oftalmoscopia directa. Recomenda-se a

utilização de tropicamida a 1% e fenilefrina a 2.5%. No entanto ter atenção a:

Profundidade da câmara anterior parecer diminuta, não dilatar pois caso contrário

poderemos desencadear uma crise de glaucoma agudo.

Caso o doente esteja sob vigilância neurológica e os reflexos pupilares estejam a ser

vigiados (traumatismo cerebral por ex.º) não dilatar até que Neurologista ou

Neurocirurgião dê autorização.

Para realizar uma oftalmoscopia directa deve-se:

1. Pedir ao doente que fixe um objecto situado ao longe.

2. Seleccionar o tamanho do foco luminoso.

3. Começar a oftalmoscopia do olho direito do doente a cerca de 30 cm segurando o

oftalmoscópio com a mão direita e observando com o seu olho direito.

4. Colocar a mão livre na cadeira ou no ombro do doente de molde a auxiliar a nossa

propriocepção.

5. Aproximar lentamente do olho do doente fazendo um ângulo de cerca de 15º

externamente ao eixo visual.

6. Quando se visualizar um vaso retiniano, segui-lo até ao disco óptico que se situa

internamente em relação ao centro da retina.

7. Examinar o disco óptico, vasos retinianos, retina e mácula.

8. Repetir o exame para o olho esquerdo.

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Reflexo vermelho do fundo ocular (luar pupilar)

O reflexo vermelho corresponde à luz reflectida do fundo ocular e pode ser facilmente

visualizado através do oftalmoscópio directo e a uma distância de cerca de 30 cm. Sempre

que existe opacificações dos meios de transparência observam-se sombras mais ou menos

escuras pelo que se deverá dilatar a pupila com o intuito de uma avaliação mais correcta.

Este exame reveste-se de capital importância na observação de lactentes no diagnóstico de

opacificações dos meios transparentes do globo ocular (exº catarata congénita)

Disco óptico

O disco óptico normal é, na maioria dos casos, ligeiramente oval com o diâmetro maior no

meridiano vertical e apresenta uma coloração rosada. Existe muitas vezes uma depressão

central na sua superfície chamada excavação fisiológica que quando aumentada faz suspeitar

da presença de patologia glaucomatosa. Observa-se, no entanto, uma grande variabilidade da

aparência do disco óptico. Assim, as camadas do globo ocular que apresentam pigmento –

epitélio pigmentado da retina e coroideia – podem não atingir o bordo do disco óptico

produzindo uma zona hipopigmentada em crescente, situação frequentemente observada na

miopia do lado temporal do disco. Pode igualmente observar-se uma zona de

hiperpigmentação junto ao bordo do disco. Também o aparecimento de fibras mielínicas no

disco óptico e retina produzem um efeito característico de uma opacificação cor

esbranquiçada e de limites mal definidos como de uma plumagem se tratasse, no bordo do

disco óptico.

O disco óptico é também uma medida de referência no fundo ocular pelo que as lesões e as

distâncias podem ser referenciadas em discos-diâmetros (1 disco-diâmetro é

aproximadamente 1.5 mm).

Circulação Retiniana

A circulação retiniana é composta por artérias e veias que se dispõem a partir do disco

óptico. A artéria central da retina divide-se a nível do disco óptico ou imediatamente a seguir

em 4 ramos que se distribuem pelos quadrantes temporais superior e inferior e nasais

superior e inferior. Estão localizadas na camada de fibras nervosas e são as responsáveis pela

nutrição das camadas mais internas da retina. Um sistema venoso organizado de forma

semelhante vai até ao disco óptico por onde sai do globo ocular pela veia central da retina; é

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possível observar uma pulsação espontânea a nível do disco (com colapso durante a sístole)

em cerca de 80% de casos. A relação normal do diâmetro veia-artéria é de 3:2.

As artérias, para além de apresentarem uma coloração mais clara, têm um reflexo à luz mais

acentuado que as veias. Deve-se prestar atenção aos cruzamentos arterio-venosos (alterados

na hipertensão arterial por exº).

Retina

A retina apresenta normalmente uma coloração uniforme vermelho-alaranjada devido

fundamentalmente à presença do epitélio pigmentado mas também do epitélio da coroideia e

do sangue. Em indivíduos de raça negra por ex.º o fundo apresenta-se muito mais escuro

devido à presença de uma quantidade superior de pigmento.

Mácula

A mácula localiza-se temporal e ligeiramente inferior em relação ao disco óptico sendo a sua

coloração mais escura que a da retina circundante devido às células do seu epitélio

pigmentado serem de maiores dimensões e com maior quantidade de pigmento. Em alguns

olhos é possível observar uma coloração ligeiramente amarela devido à presença de

pigmento xantofílico.

A depressão central da fóvea actua à oftalmoscopia como um espelho côncavo produzindo

um reflexo que se chama reflexo foveal.

8- Avaliação campo visual por confrontação

O examinador coloca-se em frente ao doente ao qual se pede para ocluir por ex.º o olho

esquerdo com a mão esquerda; o examinador oclui entretanto o seu olho direito e o campo

visual do olho esquerdo do examinador é tomado como referência para avaliar o campo

visual do olho direito do doente. O doente fixa então o olho esquerdo do examinador e

deverá contar os dedos do examinador nos 4 quadrantes do campo visual. A mesma manobra

será então repetida para o olho contrário.

9- Eversão pálpebra superior

A eversão da pálpebra superior é muitas vezes necessária para procurar corpos estranhos

conjuntivais ou para avaliar outros sinais importantes no diagnóstico diferencial de diversas

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patologias nomeadamente as conjuntivites. A aplicação de um anestésico tópico facilita esta

manobra.

10- Teste da fluoresceína

A coloração da córnea com fluoresceína (corante verde-amarelo) é muito importante no

diagnóstico dos defeitos epiteliais da córnea. Depois de instilar uma gota de anestésico

tópico aplica-se a fluoresceína em tiras ou sob a forma de gotas e pede-se ao doente para

pestanejar com o intuito de espalhar o corante na córnea. A identificação de áreas de

impregnação verde brilhante permitem fazer o diagnóstico de doença epitelial nesse local; a

observação com luz azul realça estas áreas de impregnação.

Ter em atenção que:

É preferível utilizar tiras de fluoresceína do que soluções pois estas últimas podem

ser contaminadas.

Perguntar sempre ao doente se é portador de lentes de contacto hidrófilas e removê-

las antes do exame sob pena de tingirmos a lente de contacto de amarelo.

11- Tonometria - avaliação da pressão intraocular

A pressão intraocular (PIO) depende, em grande parte, do fluxo do humor aquoso para fora

do globo ocular; quanto maior a resistência ao fluxo maior a pressão intraocular. Alterações

na produção de humor aquoso podem também ter um efeito no valor de PIO.

A avaliação da PIO, juntamente com a visualização do disco óptico e respectiva excavação

através da oftalmoscopia, são fundamentais para o despiste e controle da evolução dos

doentes glaucomatosos.

A avaliação da PIO pode realizar-se digitalmente, através de tonómetros de indentação como

o tonómetro de Schiotz (baratos e de simples utilização), tonómetros de aplanação como o de

Goldmann, tonómetros sem contacto, de jacto de ar, ou por tonómetros electrónicos.

12- Avaliação da profundidade da câmara anterior

Quando a câmara anterior é pouco profunda a íris fica convexa; assim, quando incidimos

uma luz do lado temporal do globo ocular a íris nasal fica sombreada de uma forma tanto

mais acentuada quanto menor for a profundidade da câmara anterior. Este facto pode indiciar

a presença de um glaucoma de ângulo fechado ou um ângulo estreito que pode fechar se

procedermos inadvertidamente a uma dilatação pupilar.

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I - NOÇÕES BÁSICAS DE ANATOMIA E FISIOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

16

13- Avaliação da visão de cores

Será descrito em capítulo mais à frente.

14- Avaliação por grelha de Amsler

Este teste serve para avaliar a função macular mas será igualmente descrito mais adiante.

SUMÁRIO DOS PASSOS DE UM EXAME OFTALMOLÓGICO

1. Avaliar a acuidade visual separadamente para cada um dos olhos

2. Proceder à avaliação do campo visual por confrontação para cada um dos olhos

3. Inspeccionar as pálpebras e os tecidos circundantes

4. Inspeccionar a conjuntiva e a esclerótica

5. Avaliar os movimentos oculares

6. Avaliar os reflexos pupilares (directo e consensual)

7. Inspeccionar a córnea e a pupila

8. Avaliar a profundidade e transparência da câmara anterior

9. Avaliar a transparência do cristalino através da oftalmoscopia directa

10. Oftalmoscopia directa avaliando o fundo ocular tomando particular atenção ao disco

óptico, vasos retinianos e mácula

11. Avaliar grosseiramente pressão intraocular

Page 17: Manual Cadeira a 2009

II - OLHO VERMELHO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

17

II - OLHO VERMELHO

Os doentes que recorrem aos cuidados médicos com problemas do foro oftalmológico podem

apresentar situações graves, as quais necessitam tratamento urgente, ou apenas situações

simples, mas cuja sintomatologia causa alarme e preocupação. Uma das situações clínicas

mais frequentes é a do “olho vermelho”.

A causa de um “olho vermelho” pode ser uma situação simples, como uma hemorragia

subconjuntival ou uma conjuntivite infecciosa que se resolve expontaneamente ou que pode

ser facilmente tratada por um médico não-Oftalmologista.

Ocasionalmente, as situações que causam “olho vermelho” correspondem a doenças mais

graves, como a uveíte anterior, a queratite ou o glaucoma agudo. Um doente com uma destas

situações, potencialmente ameaçadoras da visão, requer uma observação por Oftalmologista,

cuja diferenciação, conhecimentos e instrumentos de exame são necessários para tomar

decisões terapêuticas correctas.

Objectivos

Qualquer médico não-Oftalmologista deve ser capaz de determinar quando um doente com

“olho vermelho” requer a intervenção atempada de um Oftalmologista ou quando pode

avaliar e tratar apropriadamente o doente. Para alcançar este objectivo deve:

Saber executar os passos diagnósticos básicos

Reconhecer os sinais de perigo de um “olho vermelho”

Saber descrever o tratamento dos casos simples que pode tratar e reconhecer as

situações mais complexas que devem ser enviadas ao Oftalmologista.

Saber descrever as complicações potenciais do uso prolongado de anestésicos e

corticosteróides tópicos.

História clínica e exame oftalmológico

É geralmente possível diagnosticar correctamente uma situação de “olho vermelho”, com

uma certeza suficiente para iniciar um tratamento correcto ou enviar um doente necessitando

de cuidados diferenciados, a partir de um interrogatório completo e cuidadoso e de um

simples exame oftalmológico.

Um cuidadoso interrogatório permite distinguir entre um início agudo ou gradual da

sintomatologia. É particularmente importante averiguar as circunstâncias em que ocorreu um

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II - OLHO VERMELHO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

18

traumatismo ocular, sobretudo para averiguar da possibilidade da existência de um corpo

estranho intraocular, o qual pode passar despercebido ao exame oftalmológico.

Na ausência de história de traumatismo ou de corpo estranho, é necessário averiguar a

natureza e severidade da dor ocular ou do desconforto e da existência ou não de baixa de

visão, essenciais no diagnóstico diferencial das diferentes patologias oculares.

O exame oftalmológico é relativamente simples, mesmo não dispondo de grandes meios

técnicos, já que o globo ocular é facilmente acessível ao exame clínico.

Informação básica

“Olho vermelho” é uma designação descritiva para a hiperémia ou congestão dos vasos

conjuntivais e ciliares do globo ocular, a qual pode ocorrer em diferentes situações clínicas,

algumas simples e de tratamento fácil, como as conjuntivites, outras tradutoras de uma

doença ocular potencialmente grave. O diagnóstico diferencial pode, na maior parte das

vezes, ser feito através de um cuidadoso interrogatório e de um simples exame

oftalmológico, já que o globo ocular é facilmente acessível ao exame clínico. A orientação

correcta de cada caso pode geralmente ser instituida sem o recurso a meios técnicos

sofisticados.

SINTOMAS associados ao ”olho vermelho”

Dor ocular

A dor ocular traduz um processo inflamatório ou uma elevação da pressão intraocular e

quase sempre está associada a uma situação potencialmente grave. As conjuntivites podem

ocasionar incómodo ocular ou sensação de corpo estranho, mas raramente causam dor. A

presença ou ausência de dor ocular permite caracterizar dois quadros clínicos: “olho

vermelho” não-doloroso e doloroso.

Alteração da visão

A existência de uma baixa súbita da acuidade visual é tradutora de uma situação

potencialmente grave. As conjuntivites não originam perda de visão, devendo este sintoma

ser distinguido de turvações momentâneas da visão causadas por secreções.

Hiperémia ocular

A abertura das pálpebras para observação do padrão de hiperémia ocular é outra chave

para o diagnóstico diferencial de um “olho vermelho”. A inflamação da mucosa conjuntival

origina uma distribuição uniforme da hiperémia por todo o globo ocular, superficial e não

atingindo a zona periquerática, isto é, ao redor do limbo corneano. A hiperémia ciliar, por

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II - OLHO VERMELHO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

19

oposição, é mais profunda e de localização periquerática, traduzindo um processo

inflamatório interno ou um aumento de pressão intraocular.

Fotofobia

A fotofobia é uma sensibilidade anormal à luz que acompanha as uveítes ou é

secundária a uma inflamação corneana. Os doentes com conjuntivite habitualmente têm uma

sensibilidade normal à luz.

Halos coloridos

A visão de círculos em arco-íris ou de halos coloridos à volta de pontos de luz são

sintomas usuais de edema da córnea, frequentemente resultantes de um aumento súbito da

pressão intraocular. Deste modo, os halos coloridos são um sinal de alerta sugerindo o

diagnóstico de glaucoma agudo, num doente com “olho vermelho”.

Secreções

As secreções ou exsudatos são tipicamente o resultado de uma inflamação conjuntival

ou das pálpebras e não ocorrem nas uveítes ou no glaucoma agudo. Os doentes queixam-se

muitas vezes de terem as pálpebras “coladas” quando acordam. As queratites e úlceras de

córnea são situações potencialmente graves que podem ser ou não acompanhadas de

exsudação.

Prurido

O prurido ocular, embora seja um sintoma não específico, usualmente indica uma

conjuntivite alérgica.

SINAIS associados ao ”olho vermelho”

Diminuição da acuidade visual

A existência de uma baixa da acuidade visual sugere uma situação potencialmente

grave como uma queratite, uveíte ou glaucoma. Nunca ocorre na simples conjuntivite a não

ser que exista envolvimento corneano associado.

Hiperémia ciliar

A hiperémia ou congestão ciliar é uma dilatação dos vasos conjuntivais profundos e

episclerais que rodeiam a córnea. É mais facilmente visível à luz do dia e aparece como um

anel violáceo no qual os vasos individuais são melhor observados ao biomicroscópio. A

hiperémia ciliar é um sinal de alerta e é observado com frequência em olhos com queratite,

uveíte e glaucoma. De um modo geral, não se observa nas conjuntivites.

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II - OLHO VERMELHO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

20

Hiperémia conjuntival

A hiperémia conjuntival é uma dilatação dos grandes vasos mais superficiais da

conjuntiva bulbar. É um sinal não específico e pode ser observado em quase todas as

situações que causam “olho vermelho”.

Opacidades corneanas

Num doente com olho vermelho, a existência de opacidades corneanas significa

sempre doença. Estas opacidades podem ser detectadas por iluminação directa com um foco

luminoso, ou podem ser observadas com um oftalmoscópio directo (com uma lente positiva

interposta), sendo evidenciadas contra o reflexo vermelho do fundo ocular. Podem ocorrer

vários tipos de opacidades corneanas:

- Precipitados queráticos ou depósitos celulares no endotélio corneano, geralmente

demasiado pequenos para serem visíveis sem o auxílio de um biomicroscópio, mas

ocasionalmente formando grandes agregados visíveis a olho nu. Os precipitados queráticos

podem resultar de uma uveíte.

- Turvação difusa obscurecendo a pupila e os pormenores da íris, característica do

edema da córnea e frequentemente observada no glaucoma agudo.

- Opacidades localizadas devidas a queratite ou úlceras da córnea.

Disrupção do epitélio corneano

A disrupção do epitélio corneano pode acontecer nas inflamações da córnea e em

traumatismos. Pode ser detectada de duas formas:

- Observando o reflexo luminoso corneano de um foco de iluminação enquanto o

doente move o olho em diferentes direcções. As soluções de continuidade do epitélio causam

uma distorção e irregularidades do reflexo luminoso corneano.

- Aplicando fluoresceína na superfície ocular externa (teste da fluoresceína). Um

epitélio doente ou com áreas desnudadas coram de verde brilhante.

Anomalias pupilares

A pupila, num olho com uveíte anterior, é tipicamente mais pequena do que a do olho

adelfo, devido ao espasmo reflexo do músculo esfincter da íris, causado pela inflamação. A

pupila pode igualmente ser distorcida por sinéquias posteriores que são aderências

inflamatórias entre a íris e o cristalino. No glaucoma agudo a pupila está geralmente em

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II - OLHO VERMELHO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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midríase média (cerca de 5 a 6 mm), fixa e apenas ligeiramente irregular. As conjuntivites

não afectam a forma da pupila nem os reflexos pupilares.

Câmara anterior estreita

Num olho vermelho, uma câmara anterior baixa ou estreita, deve sugerir sempre a

possibilidade de um glaucoma agudo de ângulo estreito. A profundidade da câmara anterior

deve ser estimada através da iluminação lateral com um foco luminoso. Se possível, a

profundidade da câmara anterior do olho vermelho deve ser comparada com a do olho não

afectado.

Pressão intraocular elevada

A pressão intraocular não é habitualmente afectada pelas situações comuns que causam

olho vermelho com excepção da uveíte anterior e do glaucoma agudo. A pressão intraocular

deve ser avaliada com um tonómetro quando se suspeita de um glaucoma agudo de ângulo

fechado.

Secreções

O tipo de secreção pode ser uma importante indicação da etiologia de uma

conjuntivite. Um exsudato purulento ou mucopurulento sugere uma causa bacteriana. As

secreções serosas (aquosas, claras) sugerem uma etiologia virusal. Secreções mucosas

escassas, brancas e adesivas surgem, por vezes, nas conjuntivites alérgicas e na

queratoconjuntivite sicca, uma situação conhecida comumente como “olho seco”.

Adenomegália pré-auricular

O aumento de volume de um nódulo linfático pré-auricular é um sinal frequente nas

conjuntivites virusais, não se observando, habitualmente, nas conjuntivites bacterianas. A

adenomegália pré-auricular pode ser uma característica proeminente de algumas variedades

raras de conjuntivites crónicas granulomatosas, conhecidas colectivamente como síndroma

oculo-glandular de Parinaud.

Proptose

A proptose é um deslocamento anterior do globo ocular. Quando súbita sugere a

existência de uma doença grave da órbita ou do seio cavernoso; em crianças, deve levantar a

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II - OLHO VERMELHO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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suspeita de uma infecção ou de um tumor da órbita. A causa mais comum de proptose

crónica é a doença tiroideia. No entanto, as lesões tumorais orbitárias também causam

proptose e devem ser diagnosticadas atempadamente.

A proptose pode ser acompanhada de hiperémia conjuntival e limitação dos

movimentos oculares. As proptoses muito pequenas são mais facilmente detectadas se o

médico se posicionar detrás do doente sentado e, olhando para baixo, comparar a posição

relativa de ambas as córneas.

COMO EXAMINAR

Na avaliação de um doente com um “olho vermelho” devem ser utilizados 9 passos

diagnósticos:

1. Determinar se a acuidade visual está conservada ou diminuída, utilizando a escala de Snellen.

2. Decidir, por inspecção, qual o padrão de hiperémia (conjuntival, ciliar), se existe uma combinação de padrões ou se o “olho vermelho” é devido a uma hemorragia subconjuntival.

3. Detectar a presença de secreções conjuntivais e categorizar a quantidade (abundante ou escassa) e as características (purulenta, mucopurulenta ou mucosa).

4. Detectar opacidades da córnea, incluindo precipitados queráticos grandes, irregularidades da sua superfície, edema corneano, leucoma corneano ou um reflexo corneano irregular. O exame deve ser realizado com o auxílio de um foco luminoso.

5. Procurar soluções de continuidade do epitélio corneano por coloração da córnea com fluoresceína.

6. Avaliar a profundidade da câmara anterior (normal ou estreita); detectar qualquer nível líquido presente na câmara anterior: sangue (hifema) ou pús (hipópion).

7. Detectar irregularidades das pupilas e determinar se uma pupila é maior do que outra (anisocória); observar a reactividade das pupilas à luz para determinar se uma pupila é mais lenta do que a outra ou não-reactiva.

8. Na suspeita de uma pressão intraocular elevada, como no glaucoma agudo de ângulo fechado, e se um tonómetro está disponível, a medição da pressão intraocular pode ajudar a confirmar o diagnóstico.

9. Detectar a presença de proptose, malfunção palpebral ou alguma limitação dos movimentos oculares.

CAUSAS DE “OLHO VERMELHO”

- Glaucoma agudo de ângulo fechado - Conjuntivite

- Uveíte - Hemorragia subconjuntival

- Queratite - Queratoconjuntivite sicca

- Episclerite - Pterigium

- Esclerite - Doenças dos anexos

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II - OLHO VERMELHO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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- Abrasões e corpos estranhos - Secundário a anomalias da função palpebral

Como interpretar os achados

Embora muitas situações possam causar “olho vermelho” e os sinais e sintomas associados,

em várias doenças, se possam sobrepor em alguma extensão, existem alguns sinais e

sintomas de perigo. A presença de um ou mais destes sinais de perigo devem alertar o

médico de que o doente tem uma situação que requer uma observação oftalmológica.

No Quadro I estão sumarizados os sinais e sintomas mais significativos no diagnóstico

diferencial de “olho vermelho”. No texto seguinte, um ponto de exclamação (!) após um

sinal ou sintoma significa sinal de perigo.

Quadro I. - Sinais de “olho vermelho”. Diagnóstico diferencial

Sinais Enviar a

Oftalmologista se presente

Glaucoma agudo

Uveíte anterior Queratite Conjuntivite

bacteriana Conjuntivite

virusal Conjuntivite

alérgica

Hiperémia ciliar Sim + + + - - -

Hiperémia conjuntival

Não + + + + + +

Opacificação corneana

Sim + - + - +/- -

Disrupção do epitélio corneano

Sim - - + - +/- -

Anomalias pupilares

Sim + + +/- - - -

Câmara anterior estreita

Sim + - - - - -

Pressão IO elevada Sim + +/- - - - - Proptose Sim - - - - - -

Secreções Não - - +/- + + +

Adenomegália pré-auricular

Não - - - - + -

Nota: + geralmente presente; - geralmente ausente; +/- pode ou não estar presente

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II - OLHO VERMELHO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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OLHO VERMELHO

Do ponto de vista de sistematização clínica é possível evidenciar dois grande quadros

clínicos de “olho vermelho”: doloroso e não-doloroso.

No quadro clínico de “olho vermelho não-doloroso” incluímos situações como as

conjuntivites (infecciosas e não-infecciosas), a hemorragia subconjuntival e, ainda, outras

causas menos comuns que podem cursar com hiperémia ocular (pinguécula, pterigium,

tumores) e/ou palpebral (blefarite, ordéolo, chalázio).

No quadro clínico de “olho vermelho doloroso”, a hiperémia ciliar e a dor ocular são as

manifestações proeminentes. Estas traduzem um processo inflamatório ocular (uveíte,

queratite, episclerite ou esclerite) ou uma elevação da pressão intraocular (glaucoma agudo),

situações que exigem uma actuação médica urgente para evitar graves sequelas.

OLHO VERMELHO NÃO-DOLOROSO

A- CONJUNTIVITES

As conjuntivites são inflamações agudas ou crónicas da conjuntiva bulbar e/ou tarsal que

podem ter uma causa infecciosa (bacteriana, virusal, por clamídeas, fúngica ou parasitária)

ou não infecciosa (alérgica, imune, ocupacional, iatrogénica ou mecânica). São quase sempre

situações clínicas de pouca gravidade.

Sintomas

“Olho vermelho”, desconforto ou sensação de corpo estranho (provocada pelos vasos

dilatados da conjuntiva), lacrimejo, secreções.

Sinais

Hiperémia conjuntival (inflamação uniforme da mucosa conjuntival, por todo o globo

ocular); edema ou quemose; folículos e/ou papilas na conjuntiva tarsal; hemorragias

conjuntivais;

Secreções (o tipo de secreção varia com o tipo de conjuntivite).

Caracteristicamente:

- não existe congestão periquerática - não existem alterações significativas da visão - não se observam alterações dos diâmetros pupilares nem dos reflexos fotomotores

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II - OLHO VERMELHO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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1- Conjuntivites bacterianas

As conjuntivites bacterianas são a causa mais frequente de “olho vermelho” e quase

todos os casos respondem bem à aplicação tópica de antibióticos, que atingem altas

concentrações locais.

Sintomas

• “Olho vermelho”; desconforto ocular (ausência de dor); sensação de corpo estranho; quase sempre bilateral.

• Secreções purulentas; pálpebras edemaciadas e aderentes, em especial ao acordar.

Sinais

• Hiperémia conjuntival; secreções purulentas ou mucopurulentas; papilas ou folículos ausentes; edema palpebral; sem adenomegália pré-auricular

Etiologia

Geralmente Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis, Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae (especialmente em crianças), Moraxella lacunata...

As bactérias ultrapassam os mecanismos de defesa da superfície ocular externa: pálpebras (barreira física, reflexo do pestanejo), lágrimas (efeito de arrastamento, lisozima, β-lisina, Lactoferrina, IgG, IgA), e conjuntiva (barreira física, tecido linfóide associado à conjuntiva)

Tratamento

Antibióticos tópicos de largo espectro em colírio, 1 gota de 3 em 3 horas (ex.: cloranfenicol, quinolonas, bacitracina/neomicina/polimixina B, gentamicina) durante o dia, combinado com o mesmo antibiótico, em pomada, ao deitar. Conselhos de higiene para evitar contágios (objectos contaminados).

Melhoria clínica esperada em 2 a 3 dias, embora o tratamento deva ser prolongado durante 1 semana.

A não observação de melhoria clínica após 3 dias de tratamento, deve motivar nova observação, eventualmente por um Oftalmologista.

Casos especiais

Os casos de conjuntivite em recém-nascidos (de etiologia variada - bacteriana,

gonocóccica, por clamídeas, herpética, química) devem ser observados com urgência por um

Oftalmologista.

As formas hiperagudas, com início rápido, secreções purulentas muito abundantes, quemose e edema palpebral (geralmente provocadas por Neisseriae gonorrhoea) necessitam antibioterapia sistémica e observação por Oftalmologista.

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II - OLHO VERMELHO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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A investigação microbiológica é reservada para os casos de conjuntivite neonatal, hiperaguda, membranosa ou pseudo-membranosa, refractária, crónica, ou que ocorrem em imunodeprimidos.

2- Conjuntivites virusais

Este tipo de conjuntivite está geralmente associado a infecções respiratórias superiores e

pode ser de carácter epidémico. São geralmente conjuntivites auto-limitadas e para as quais

não existe tratamento específico, excepto para a infecção por Herpes simplex que geralmente

causa uma queratite, com dor ocular.

Sintomas

Início agudo, geralmente unilateral; “olho vermelho”; sensação de corpo estranho; lacrimejo intenso; fotofobia.

Sintomas sistémicos; história de contágio ou de conjuntivite em vários membros da mesma família; início cerca de 8 dias após a exposição.

O envolvimento do outro olho, geralmente de forma menos intensa, ocorre vários dias depois.

Sinais

Hiperémia conjuntival intensa; secreções aquosas, geralmente abundantes; Folículos na conjuntiva tarsal (pequenas proeminências cinzentas, rodeadas por

vasos) Característica a existência de uma adenopatia pré-auricular; Pode haver formação de membranas conjuntivais; podem existir hemorragias

conjuntivais punctiformes. Podem surgir infiltrados corneanos (por um mecanismo imune) cerca de 3 a 4

semanas após o início dos sintomas.

Etiologia

Mais frequentemente causada por um adenovírus (cerca de 40 serotipos identificados). Variantes:

Febre adeno-faringo-conjuntival: conjuntivite com faringite e febre, geralmente em crianças (adenovirus serotipo 3 e 7)

Queratoconjuntivite epidémica: transmissão por contacto (adenovirus serotipo 8, 19 e 37)

Conjuntivite hemorrágica aguda: conjuntivite associada a hemorragias subconjuntivais (vírus Coxsackie ou enterovirus)

Tratamento

Não existe tratamento específico. Tratamento conservador com lágrimas artificiais. Os antibióticos tópicos são geralmente prescritos nas conjuntivites virusais porque,

por vezes, não é possível distinguir clinicamente uma conjuntivite virusal de uma bacteriana.

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A conjuntivite virusal tipicamente piora nos primeiros 4 a 7 dias de evolução e pode não resolver antes de decorrerem 2 a 3 semanas.

É muito contagiosa e os doentes devem ser instruídos no sentido de evitarem a sua transmissão (objectos contaminados); o período de contágio dura 7 a 10 dias.

3- Conjuntivites por clamídeas

O Tracoma, causado pelos serotipos A, B, Ba e C da Chlamydia trachomatis, é a causa

mais frequente de cegueira evitável em todo o mundo. É uma doença endémica em países do

Norte de África, Médio Oriente, Índia e Sudoeste da Ásia. É raro em países ocidentais. Mais

frequentes são as conjuntivites de inclusão causadas pelos serotipos D, E, F, G, H, I, J, K da

Chlamydia trachomatis.

As conjuntivites de inclusão causadas por clamídeas, emboram possam ter um início

agudo, são geralmente crónicas, com períodos de agravamento e remissão. Quase todas as

conjuntivites agudas são bilaterais, mas a conjuntivite por clamídeas pode ser unilateral. A

doença é óculo-genital, sendo a infecção genital associada geralmente subclínica.

O diagnóstico deve ser suspeitado quando a infecção persiste, apesar da terapêutica

antibiótica convencional, devendo o doente ser observado por um Oftalmologista.

Conjuntivite de inclusão por clamídeas

É uma doença sexualmente transmitida, surgindo tipicamente em adultos jovens.

Período de incubação de 2 a 19 dias. Pode existir uma história de infecção genital (vaginite,

cervicite, uretrite).

Sintomas

Início agudo ou subagudo, seguido de hiperémia crónica; secreções mucóides; fotofobia.

Infecção genital assintomática em 5 a 20% das mulheres. Nas mulheres: uretrite, cervicite, endometrite, salpingite; nos homens: epididimite, balanite, prostatite, uretrite.

.

Sinais

Início unilateral; o olho adelfo pode ser atingido semanas depois. Folículos na conjuntiva tarsal superior; infiltração e espessamento da conjuntiva;

panus corneano superior; adenopatia pré-auricular; secreções mucóides.

Diagnóstico

Exame directo (esfregaços); imunofluorescência indirecta; culturas celulares; técnicas imuno-enzimáticas (ELISA) e PCR.

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II - OLHO VERMELHO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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Tratamento

Observação por Oftalmologista. Antibioterapia tópica e sistémica - tetraciclinas:

Doxiciclina 100 mg p.o., 12-12 h ou eritromicina 250-500 mg p.o., 6-6 h, 3 semanas Tratar doente e parceiro sexual. Aplicação tópica de pomada de tetraciclina, eritromicina ou ofloxacina, 2-3 i.d.,

durante 4 semanas.

4-Conjuntivites alérgicas

As conjuntivites de origem alérgica ou imune são um grupo de entidades clínicas

distintas:

- Conjuntivite alérgica sazonal - Conjuntivite alérgica perenial - Queratoconjuntivite vernal - Conjuntivite flictenular - Blefaroconjuntivite de contacto - Queratoconjuntivite límbica superior

Sintomas

Prurido ocular (sintoma sugestivo); ardor ocular; lacrimejo; fotofobia; bilateral. História de crises sazonais (primavera/verão) ou sintomas pereniais com

exacerbações periódicas; história de exposição a alergenos conhecidos. Pode ou não haver antecedentes pessoais ou familiares de atopia (asma, rinite

alérgica, febre dos fenos).

Sinais

Geralmente mínimos; ligeira hiperémia conjuntival; papilas na conjuntiva tarsal superior (pequenas saliências vermelhas, por vezes com um aspecto designado “em pedra de calçada”).

Edema conjuntival ou quemose; secreções mucosas ou de tipo filamentoso. O diagnóstico é geralmente feito pela história clínica, sendo a existência de prurido

ocular, muito sugestivo de conjuntivite alérgica.

Tratamento

Eliminar o agente causal, se possível.

Dependendo da gravidade e sintomatologia:

Compressas frias, lágrimas artificiais Colírio de quetotifeno ou olopatadina, 2 i.d. Vasoconstritor / anti-histamínico tópico, 4 i.d. (ex: nafazolina/feniramina) Nos casos mais graves ou que não respondem à medicação, poderão ser utilizados

corticosteróides tópicos, sob vigilância de oftalmologista. Poderão estar indicados anti-histamínicos sistémicos se o prurido for muito intenso.

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Conjuntivite alérgica sazonal: ocorre na primavera, outono ou ambos; os alergenos são

os pólens e ervas; reacção precoce ou tardia mediada por IgE.

Conjuntivite alérgica perene: todo o ano, com períodos de agravamento; os alergenos

são pêlos de animais, pó da casa, ácaros, fungos, pólens; história de outras doenças atópicas;

reacção precoce ou tardia mediada por IgE.

Queratoconjuntivite atópica ou vernal: forma grave, surgindo em crianças, com

história de atopia, com formação de nódulos de Trantas e de papilas gigantes

(“cobblestone”), podendo estar associada a queratite ou úlceras de córnea.

OLHO VERMELHO DOLOROSO

A- GLAUCOMA AGUDO

O glaucoma agudo de ângulo fechado é uma forma menos comum de glaucoma causado por

um oclusão completa e súbita do ângulo da câmara anterior por tecido da íris. O glaucoma

agudo é uma situação distinta do glaucoma crónico, que não causa dor nem hiperémia ocular

mas apenas uma baixa progressiva da visão e alterações dos campos visuais.

O crescimento do cristalino durante a vida causa um estreitamento progressivo da câmara

anterior do globo ocular. Num olho predisposto a glaucoma agudo, a dilatação da pupila (por

luz intensa ou por midriáticos), pode causar uma obstrução aguda dos canais de drenagem do

humor aquoso através do ângulo camerular. A pressão intraocular sobe rapidamente até

valores na ordem dos 60 mm Hg, causando edema corneano e baixa de visão. Existe uma dor

reflexa, inflamação e manifestações sistémicas incluindo cefaleias intensas e,

ocasionalmente, náuseas e vómitos. Estes sintomas podem, inclusivamente, encobrir os

sinais oculares. O diagnóstico deve ser suspeitado em doentes idosos com um olho vermelho

unilateral devido a uma hiperémia periquerática, com turvação da córnea e uma pupila em

midríase média fixa.

Sintomas

Início súbito; dor ocular intensa; baixa súbita da visão; visão de halos coloridos à

volta das luzes; fotofobia; cefaleias frontais; náuseas; vómitos.

Sinais

Hiperémia ciliar; edema da córnea; pupila em midríase média fixa; a íris parece deslocada anteriormente, com um estreitamento da câmara anterior.

A palpação bidigital do globo ocular revela a existência de um globo ocular duro, sem flutuação, quando comparado com o olho contralateral.

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Estes sinais com a constatação de uma pressão intraocular elevada são diagnósticos de glaucoma agudo de ângulo fechado.

O olho adelfo tem uma anatomia e predisposição semelhante.

Factores de risco

Idade maior; hipermetropia; sexo feminino; história familiar.

Factores precipitantes

Midriáticos tópicos; anticolinérgicos sistémicos (anti-histamínicos, anti-psicóticos);

acomodação (leitura); fraca iluminação (noite).

Conduta

Numa crise de glaucoma agudo, deve ser iniciado o tratamento sem demoras, mesmo

antes do envio do doente a um serviço de urgência oftalmológica.

Tratamento

Instilação tópica de colírio de pilocarpina a 2%, uma gota a cada 10 minutos. Instilação tópica de colírio de um ß-bloqueador (ex. timolol a 0,5%).

Administração de inibidores da anidrase carbónica: acetazolamida 250-500 mg i.v. ou 500 mg p.o., numa só dose. Administração de agentes osmóticos em perfusão: manitol 1-2 g/Kg i.v., durante 30 a 45 minutos (um frasco de manitol a 20% contem 100g de manitol).

O estado cardiovascular e o equilíbrio hidroelectrolítico do doente devem ser

avaliados antes da utilização de agentes osmóticos, inibidores da anidrase carbónica e ß-

bloqueadores.

Após iniciar o tratamento de emergência, o doente deve ser encaminhado, com

urgência, a um serviço de Oftalmologia. Lesões permanentes do nervo óptico podem ocorrer

dentro de horas se a crise não for revertida. O tratamento médico pode não ser suficiente para

controlar a crise de glaucoma agudo e ser necessário realizar uma intervenção cirúrgica ou

uma iridotomia por laser.

Se após a realização de 2 cursos de terapêutica médica máxima, a PIO permanece elevada, está indicada a realização, se for possível visualizar a íris, de uma iridotomia periférica por laser (YAG).

Se não for possível realizar uma iridotomia periférica por laser (YAG), está indicada intervenção cirúrgica (iridectomia ou, nalguns casos, cirurgia filtrante).

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Está indicado tratar preventivamente o olho adelfo, pois existe uma probabilidade de 40 a 80% de desenvolver uma crise de glaucoma agudo de ângulo fechado nos próximos 5 anos.

B- UVEÍTE

Uveíte define-se como uma inflamação das estruturas intraoculares (íris, corpo ciliar,

coróideia e retina) tendo numerosas causas, exógenas (infecciosas) ou endógenas

(autoimunes).

A uveíte anterior (irite, iridociclite ou ciclite), sobretudo na sua forma aguda, provocam um

quadro clínico de “olho vermelho doloroso”. As uveítes intermédias e posteriores geralmente

causam apenas uma baixa da visão, ocasionalmente com sintomas de “corpos flutuantes do

vítreo” e, de um modo geral, sem hiperémia ou dor ocular.

Classificação anatómica das uveítes:

Uveítes Anteriores 35% Uveítes Intermédias 2% Uveítes Posteriores 55% Panuveítes 8%

1.Uveite anterior

Sintomas

Uveíte aguda: “olho vermelho”; dor ocular permanente; baixa moderada ou marcada da visão; fotofobia; lacrimejo.

Uveíte crónica: episódios recorrentes de um ou mais dos sintomas agudos. É frequente a história de episódios prévios ou de crises recorrentes de uveíte.

Sinais

Uni ou bilaterais Hiperémia ciliar Pupila em miose Irregularidade pupilar por sinéquias posteriores (aderências da íris ao cristalino). Precipitados queráticos (pequenos ou não-granulomatosos; grandes ou granulomatosos). Exsudato inflamatório na câmara anterior Baixa da pressão intraocular (ocasionalmente elevação).

Etiologia

Idiopática (cerca de 50% dos casos). Associada ao HLA B27: espondilite anquilosante; uveíte anterior associada ao HLA

B27; síndroma de Reiter; doença inflamatória intestinal; artrite psoriática;

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Artrite idiopática juvenil (crianças); queratouveíte herpética; infecções virusais; doença de Behçet; sarcoidose; sífilis; tuberculose; conectivites; traumatismos; outras causas.

Existem casos de uveítes que correspondem a entidades oftalmológicas próprias, sem associação com nenhuma doença sistémica (ex.: uveíte heterocrómica de Fuchs).

Conduta

Observação urgente por Oftalmologista. O tratamento, destinado a suprimir a inflamação, deve ser orientado por

Oftalmologista e iniciado o mais depressa possível para evitar sequelas (sinéquias posteriores e anteriores, bloqueio pupilar, hipertensão intra-ocular, formação de catarata, baixa permanente de visão).

O estudo etiológico de uma uveíte pode requerer uma colaboração multidisciplinar.

Tratamento

Midriáticos/Cicloplégicos (diminuem a sintomatologia, previnem a formação de sinéquias, rompem as sinéquias já formadas);

Corticosteróides tópicos (mais utilizados), em injecções perioculares ou por via sistémica;

Nas uveítes intermédias, posteriores e panuveítes estão indicados imunossupressores por via sistémica: corticosteróides em doses elevadas, citostáticos, ciclosporina A e outros imunomoduladores, agentes biológicos.

C - EPISCLERITE e D- ESCLERITE

Nestas situações observa-se uma hiperémia localizada ou sectorial da conjuntiva, com edema

e inflamação nodular dos tecidos subjacentes. A episclerite é uma inflamação da episclera,

isto é, a camada vascular situada entre a conjuntiva e a esclera, situação habitualmente pouco

grave. A esclerite é uma inflamação localizada ou difusa da própria esclera, dolorosa, muitas

vezes prolongada e potencialmente grave para o olho.

Sintomas

Episclerite: dor moderada, exacerbada pelo pestanejo; “olho vermelho” em sector; início súbito, uni ou bilateral; fotofobia, lacrimejo; acuidade visual conservada.

Esclerite: dor intensa, constante; “olho vermelho” em sector ou difuso; início insidioso; fotofobia, lacrimejo; acuidade visual conservada ou não.

Em ambos os casos é frequente uma história de episódios recorrentes.

Sinais

Episclerite: hiperémia conjuntival em sector (raramente difusa), devida ao engurgitamento dos vasos episclerais; elevação nodular localizada, móvel sobre a esclera; dolorosa ao toque.

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Esclerite: hiperémia mais profunda, com uma cor violácea ou azulada da esclera; inflamação da esclera, episclera e conjuntiva; pode haver escleromalácia e proincidência para o exterior (estafiloma escleral); pode haver sinais inflamatórios intraoculares e baixa de visão.

A esclerite pode apresentar-se sob várias formas clínicas: anterior difusa; anterior nodular; anterior necrotizante com inflamação; anterior necrotizante sem inflamação; e esclerite posterior.

Etiologia

Episclerite: Idiopática (mais comum); artrite reumatóide; sarcoidose; lupus eritematoso sistémico; granulomatose de Wegener; policondrite recidivante; poliarterite nodosa; doença de Behçet; doença inflamatória intestinal; espondilite anquilosante; síndroma de Reiter; hiperuricémia; herpes zooster; sífilis; tuberculose; outras causas.

Esclerite: Artrite reumatóide; granulomatose de Wegener; policondrite recidivante; lupus eritematoso sistémico; doença mista tecido conjuntivo; esclerodermia; polimiosite / dermatomiosite; outras causas.

Tratamento

Episclerite: o tratamento requer a utilização de corticosteróides tópicos, em injecções peri-oculares ou sistémicos e o seguimento por um Oftalmologista.

Esclerite: as esclerites requerem geralmente um tratamento imunossupressor por via sistémica (tratamento da doença de base); os corticosteróides tópicos e perioculares estão contraindicados. Seguimento por um Oftalmologista e, mesmo que a história não sugira uma etiologia subjacente deverá ser feito sempre um estudo laboratorial do doente.

E- QUERATITES

As doenças inflamatórias da córnea (queratites) são situações potencialmente perigosas para

a visão e está quase sempre indicado a observação urgente do doente por um Oftalmologista.

O seu diagnóstico requer a observação do reflexo luminoso da córnea e a coloração com

fluoresceína ou outro corante vital. Nas queratites pode observar-se uma alteração do brilho

normal da córnea e irregularidades do seu reflexo luminoso.

O teste da fluoresceína (em colírio ou com fitas-teste) revela-se essencial para o diagnóstico

de lesão epitelial. No epitélio intacto a fluoresceína é toda arrastada pelo filme lacrimal.

Quando existe uma solução de continuidade epitelial, a fluoresceína cora de verde o estroma

corneano exposto, fenómeno melhor visível com a utilização de uma luz azul.

O uso de corticosteróides tópicos está associado a um risco aumentado de queratites infecciosas e de hipertensão ocular, pelo que o seu manuseio deve ser efectuado por Oftalmologistas e sob apertada vigilância.

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Uma única aplicação de um anestésico tópico pode ser necessária para permitir um exame oftalmológico, mas aplicações repetidas atrasam a reepitelização corneana e estão contraindicadas.

1- Abrasão corneana

Solução de continuidade do epitélio corneano após traumatismo (úlcera traumática da

córnea, queratite traumática).

Sintomas

Dor ocular; fotofobia; sensação de corpo estranho (sem corpo estranho); lacrimejo; História de traumatismo do olho (arranhadura, folha de papel, ramo de árvore, etc)

Sinais

Defeito epitelial evidenciável pelo teste da fluoresceína Hiperémia conjuntival ou periquerática Conduta

Eversão da pálpebra superior para excluir a existência de corpo estranho

Tratamento

Pomada de antibiótico de largo espectro; penso oclusivo (24 a 48 horas, dependendo da extensão da abrasão)

Cicloplegia (ex: 1 gota de ciclopentolato 2%) se a abrasão for extensa

2- Queratites infecciosas

As queratites infecciosas podem ter uma etiologia bacteriana, fúngica, parasitária ou

virusal. Estas podem surgir numa córnea sem lesões pré-existentes mas, mais

frequentemente, surgem:

após traumatismo (abrasão corneana) em portadores de lentes de contacto em doentes imunocomprometidos em doentes com patologia corneana crónica após uso de corticosteróides tópicos

Sintomas

“Olho vermelho”; sensação de corpo estranho ou dor ao pestanejar; dor permanente moderada ou intensa;

Fotofobia; baixa de visão; secreções purulentas.

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Sinais

Hiperémia ciliar; opacidade corneana focal de cor branca; se existir uma úlcera o defeito epitelial pode ser evidenciado pelo teste da fluoresceína.

Secreções purulentas ou muco-purulentas; edema palpebral; esxudato inflamatório na câmara anterior.

Etiologia

Bacteriana: etiologia infecciosa mais comum; em geral, uma queratite é considerada como sendo de origem bacteriana até prova laboratorial em contrário. Deve-se suspeitar de outra etiologia quando o tratamento antibiótico se mostra ineficaz.

Fúngica: deve ser considerada quando existe um traumatismo corneano com matéria orgânica, em portadores de lentes de contacto ou em doentes imunocomprometidos.

Acantameba: em portadores de lentes de contacto hidrófilas, por deficiente higiene ou contaminação durante a natação com lentes de contacto.

Micobactérias atípicas: após traumatismos penetrantes ou após enxertos de córnea. Virus Herpes simplex: queratite herpética.

Para além das opacidades corneanas cicatriciais que podem originar, as infecções da

córnea, nomeadamente as causadas por Pseudomonas, podem propagar-se rapidamente e

causar um infecção intraocular (endoftalmite). Estas situações requerem uma identificação

do agente causal e uma actuação terapêutica pronta.

Conduta

Perante a suspeita de uma queratite infecciosa, o doente deve ser enviado a um serviço de

Oftalmologia. A identificação do microorganismo causal e o tratamento (tópico e sistémico)

obrigam muitas vezes a um internamento em meio hospitalar.

3- Queratite bacteriana

Sintomas

-“Olho vermelho”; sensação de corpo estranho ou dor ao pestanejar; dor moderada ou

intensa;

- Fotofobia; baixa de visão; secreções purulentas.

Sinais

- Hiperémia ciliar; opacidade corneana focal de cor branca (infiltrado); se existir uma úlcera, o defeito epitelial pode ser evidenciado pelo teste da fluoresceína.

- Secreções purulentas ou muco-purulentas; edema palpebral; reacção inflamatória na câmara anterior, com ou sem formação de hipópion.

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Etiologia

Uma queratite é considerada como sendo de origem bacteriana até prova laboratorial em contrário ou se a terapêutica se revelar ineficaz;

As bactérias mais comuns são os Staphylococcus, Streptococcus, Moraxella, Serratia e mais raramente as Pseudomonas;

É mandatório iniciar o tratamento com antibióticos de largo espectro após colheitas para identificação do gérmen causal.

Tratamento

- Antibióticos de largo espectro, variando com a gravidade do quadro clínico: fluoroquinolonas, tobramicina (formas comerciais); antibióticos fortificados, geralmente em associações; antibióticos por via sistémica.

4- Queratite fúngica

Frequentemente história de traumatismo com matéria vegetal (ramo de árvore, folha de

planta). Curso clínico mais indolente que na queratite bacteriana.

Sintomas

“Olho vermelho”; fotofobia; sensação de corpo estranho ou dor ao pestanejar; dor permanente moderada ou intensa; baixa de visão.

Sinais

Opacidade corneana esbranquiçada (infiltrado) com bordos evidentes; o epitélio pode

estar elevado ou ulcerado; hiperémia ciliar; secreções muco-purulentas;

Podem existir lesões satélites ao redor do infiltrado primário.

Etiologia

Fungos filamentosos: Fusarium; Aspergillus (traumatismo com matéria orgânica) Fungos não-filamentosos: Candidas (doenças oculares prévias, uso de corticosteróides, etc). Colheitas para identificação do fungo; eventualmente biópsias.

Tratamento

Anti-fúngicos tópicos; eventualmente orais.

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5- Queratite por Acantamoeba

Deve ser suspeitada em doentes com história de uso de lentes de contacto, deficiente

higiene das lentes de contacto (uso de água corrente para lavar as lentes, desinfecção

infrequente) ou natação com uso de lentes de contacto.

Sintomas e sintomas

Início mais gradual que nas queratites bacterianas. Sinais e sintomas precoces: sensação de corpo estranho; visão turva; hiperémia

ciliar. Fase de estado: dor; hiperémia ciliar; alterações do epitélio (infiltrados subepiteliais);

espessamento dos nervos corneanos Progressão: dor intensa, desproporcinada com a inflamação; infiltrado anular

característico

Diagnóstico

Colheita de córnea / biópsia; culturas; esfregaços (Giemsa, Calcofluor) Microscopia confocal da córnea in vivo

Tratamento

Propamidina 0,1% (Brolene); Neomicina; Miconazol, clotrimazol, e ketoconazol oral. Polihexametileno biguanide (PHMB) 0.02% Tratamento 6 a 12 meses; recorrências frequentes.

6- Queratite herpética

As infecções virusais são, na sua maioria, autolimitadas, excepto a infecção por Herpes

simplex que deve ser controlada por terapêutica antivirusal específica e que, quando não

diagnosticada atempadamente, pode ocasionar graves sequelas oculares. A queratite

herpética pode envolver o epitélio, o estroma e o endotélio e pode ter uma mecanismo

fisiopatológico infeccioso, imunológico ou neurotrófico.

Sintomas

“Olho vermelho” unilateral; dor ocular; fotofobia; lacrimejo; baixa de visão; ocasionalmente rash vesicular cutâneo ou história de episódios prévios.

Sinais

Úlcera corneana herpética (padrão dendrítico ou ramificado típico, úlcera linear ou geográfica), melhor visualizada após a aplicação de fluoresceína; hiperémia ciliar; diminuição da sensibilidade corneana;

Podem coexistir outras manifestações: uveíte, erupção cutânea vesicular, queratite estromal, úlcera neurotrófica.

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Conduta

Perante a suspeita de queratite herpética, o doente deve ser observado por um Oftalmologista.

O tratamento desta situação requer a utilização de cicloplégicos e aplicação tópica de aciclovir, trifluoridina ou outros anti-virusais.

7- Queratites marginais

As úlceras ou abcessos corneanos localizados próximo do limbo podem indicar um tipo

de reacção de hipersensibilidade a antigénios microbianos ou ser uma manifestação ocular de

uma doença autoimune local ou sistémica. Requerem, com frequência, tratamento com

corticosteróides tópicos ou sistémicos.

Contudo, outros tipos de queratite podem ser significativamente exacerbadas pelos

corticosteróides e é aconselhável o envio a um Oftalmologista antes de iniciar qualquer

tratamento.

8- Queratites relacionadas com o uso de lentes de contacto

Várias patologias corneanas podem estar relacionadas com a utilização de lentes de

contacto. O diagnóstico diferencial nem sempre é fácil e deve ser realizado por um

oftalmologista.

A existência de dor ocular, hiperémia ciliar, fotofobia intensa, secreções purulentas ou

baixa de visão num portador de lentes de contacto é indicação para a sua remoção imediata.

Etiologia

a. Ulceração corneana por uso prolongado

A anóxia resultante de um uso prolongado de lentes de contacto pode ocasionar necrose

do epitélio corneano (semelhante ao ocasionado pelos RUV), com uma ulceração

epitelial central.

Sintomas

Dor intensa; fotofobia; lacrimejo; sensação de corpo estranho; história de uso prolongado de lente de contacto.

Sinais

Hiperémia ciliar; a aplicação de fluoresceína permite observar uma coloração punctiforme e fina do epitélio corneano e/ou uma abrasão corneana central de maiores dimensões.

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Tratamento

Tal como nas abrasões mecânicas extensas da córnea, um esquema terapêutico pode consistir na suspensão do uso de lentes de contacto, aplicação de um colírio de ciclopentolato a 2%, pomada de antibiótico e oclusão ocular durante alguns dias. É recomendável a observação por um oftalmologista.

b. Queratite infecciosa

Queratite bacteriana, fúngica, por acantameba, por virus herpes simplex. A presença de dor

intensa sugere uma etiologia infecciosa.

c. Outros problemas relacionados com lentes de contacto e que causam “olho

vermelho”

Hipersensibilidade a preservantes das soluções das lentes de contacto Conjuntivite papilar gigante Depósitos na lente de contacto Síndroma da lente apertada Neovascularização corneana

9 - Queratite punctiforme superficial

Queratite não específica, mas relativamente comum, podendo ser observada nas

seguintes situações:

Síndroma do olho seco (diminuição da secreção lacrimal) Blefarite Traumatismos crónicos Queratopatia de exposição (incompleta oclusão palpebral) Toxicidade a medicamentos tópicos (antibióticos, preservantes dos colírios) Queratoconjuntivite por RUV Uso de lentes de contacto Triquíase e entrópion (contacto dos cílios com a córnea)

Sintomas

Dor ocular; fotofobia; “olho vermelho”; sensação de corpo estranho.

Sinais

Defeitos epiteliais corneanos punctiformes, evidenciáveis pela fluoresceína.

Tratamento

Dependente da causa. Poucas microulcerações: lágrimas artificiais; Microulcerações abundantes: antibioterapia tópica (como se tratasse de uma abrasão

corneana).

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10- Queratoconjuntivite por raios ultravioletas

A exposição à luz ultravioleta emitida por aparelhos de soldadura (arco voltaico), por

lâmpadas de UV ou por reflexão dos raios UV na neve, pode causar uma necrose retardada

do epitélio corneano (cerca de 6 a 12 horas após a exposição).

Sintomas

Dor intensa; sensação de corpo estranho; “olho vermelho”; fotofobia; lacrimejo; visão turva.

A história de uma exposição prévia (6 a 12 horas antes) permite geralmente fazer o diagnóstico.

Sinais

A aplicação de fluoresceína permite observar uma queratite punctiforme superficial, confluente, de localização interpalpebral.

Hiperémia conjuntival; edema palpebral; edema corneano suave a moderado; miose.

Tratamento

Cicloplegia: 1 gota de colírio de ciclopentolato a 2% Pomada de antibiótico de largo espectro; penso oclusivo durante 24 horas. Analgésicos p.o.

F- OUTRAS CAUSAS DE OLHO VERMELHO

1- Hemorragia subconjuntival

A hemorragia subconjuntival pode ser devida a um traumatismo ou ocorrer de modo

expontâneo, num olho de resto normal.

Sintomas e sinais

“Olho vermelho”; ausência de dor; hemorragia em toalha, sectorial, localizada sob a conjuntiva.

Etiologia

Manobra de Valsava (tosse, espirro, elevação de pesos); hipertensão arterial; alterações da coagulação; idiopática; traumatismo (pode ser isolada ou estar associada a rotura do globo ocular)

Conduta

- História: Hemorragias ou problemas de coagulação? Medicação (aspirina, cumarínicos)? Traumatismo, elevação de pesos, manobra de Valsava? Tosse aguda ou crónica? Hemorragias recorrentes? - Exame ocular: excluir traumatismo com rotura do globo ocular - Verificar tensão arterial

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- Se recorrentes: excluir problemas de coagulação Se não existe história de traumatismo ou de sobredosagem de tratamento anticoagulante,

raramente se encontra uma causa. O doente deve ser tranquilizado de que esta situação

melhora e desaparece expontaneamente em 1 a 2 semanas, não necessitando tratamento.

2- Pterigium

Crescimento anormal que consiste numa prega triangular de tecido que avança

progressivamente sobre a córnea, geralmente do lado nasal. É frequente observar-se uma

inflamação localizada da conjuntiva associada ao pterigium. O pterigium é mais frequente

em climas quentes e, embora a sua etiologia não esteja completamente esclarecida, vários

factores irritativos oculares parecem estar na sua génese.

Sinais e sintomas

Hiperémia conjuntival localizada, crescimento anormal sobre a córnea, ardor e irritação ocular.

Tratamento

Lágrimas artificiais; Anti-inflamatórios não-esteróides; A excisão cirúrgica está indicada se o pterigium cresce e ameaça comprometer o

eixo visual. 3- Doenças dos anexos

Um “olho vermelho” pode também ocorrer secundariamente a patologia palpebral

(blefarite, ordéolo, chalázio e tumores palpebrais), do aparelho lacrimal (dacriocistite) ou da

órbita (celulite orbitária, doença tiroideia e lesões vasculares da órbita).

a. Blefarite

A blefarite é uma inflamação aguda ou crónica do bordo palpebral. A etiologia tem sido

atribuída a uma disfunção das glândulas sebáceas (blefarite seborreica), a algumas espécies

de estafilococos (blefarite estafilocócica) ou outros microorganismos.

Sintomas e sinais

Eritema do bordo palpebral, “caspa” nos cílios, queda de cílios, irritação ocular.

Tratamento

A resposta ao tratamento é frustrantemente lenta e as recaídas são frequentes.

Erradicação da infecção estafilocócica com aplicações frequentes de antibióticos apropriados

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Tratamento da seborreia do couro cabeludo para prevenir a disseminação da seborreia para os olhos

Limpeza das pálpebras para aliviar a blefarite seborreica

b. Ordéolo

Um ordéolo é uma infecção bacteriana aguda de um folículo de um cílio. O abcesso

geralmente supura de modo expontâneo, sendo uma situação auto-limitada.

Sintomas e sinais

Lesão inflamatória, com edema, eritema e dor localizados no bordo palpebral; pode estar associado a blefarite.

Tratamento

A aplicação de massagem e o uso de pomada de antibiótico local pode acelerar o seu curso natural.

c. Chalázio

Quisto das glândulas de Meibomio. A infecção das glândulas de Meibomio, mais

profundamente situadas na pálpebra, pode causar um edema difuso em redor da glândula

infectada. A supuração expontânea é rara por as glândulas serem envolvidas pelo tarso. Uma

reacção crónica de tipo granulomatoso pode deixar um quisto residual (chalázio) que pode

requerer incisão e curetagem.

Sintomas e sinais

Nódulo subcutâneo palpebral palpável, com ou sem edema, eritema e dor localizados.

Tratamento

Nos estados infecciosos agudos, devem ser prescritos antibióticos mas a aplicação local de compressas quentes está indicada. Se não existem sinais de infecção aguda, os chalázios podem ser tratados com a aplicação de uma pomada de antibiótico-corticosteróide 2 i.d. (monitorizando a pressão intraocular) e massagem suave sobre a lesão.

Se o chalázio persiste para além de 3 a 4 semanas de tratamento médico adequado, está indicada a observação por oftalmologista para incisão e curetagem.

Doentes idosos com blefarite unilateral crónica ou chalázios persistentes ou recorrentes devem ser

observados por um Oftalmologista, para excluir a possibilidade de um tumor palpebral (adenocarcinoma

sebáceo).

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d. Celulite orbitária

Infecção dos tecidos orbitários, geralmente oriunda de um foco infeccioso adjacente

(sinusite aguda, particularmente etmoidite, infecção dentária, dacriocistite), traumatismo ou

cirurgia prévia.

Sintomas

“Olho vermelho”; dor; visão turva; febre; cefaleias; diplopia.

Sinais

Edema inflamatório tenso das pálpebras; quemose conjuntival; proptose; dor aos movimentos oculares, geralmente com diminuição da motilidade.

Pode haver baixa de visão, edema do disco óptico e febre.

Conduta

Esta situação é tratada com antibióticos administrados por via parenteral. É conveniente o internamento para tratamento i.v., particularmente em crianças, nas quais esta situação se pode complicar rapidamente de uma meningite, ou ser necessário efectuar uma drenagem cirúrgica.

Enviar o doente a um serviço de Oftalmologia.

e. Dacriocistite aguda

Infecção do saco lacrimal, geralmente causada por uma obstrucção do canal lacrimo-

nasal. Pode ser recorrente.

Sintomas

Dor e sinais inflamatórios no canto interno, sobre a região lacrimal Lacrimejo, secrecções Febre

Sinais

Tumoração inflamatória no canto interno, sobre a região lacrimal; pode observar-se propagação dos sinais inflamatórios para as pálpebras inferior e superior;

Saída de secrecções mucóides ou purulentas pelo ponto lacrimal, quando se exerce pressão sobre a região lacrimal; pode haver formação de fístulas ou complicar-se de celulite.

Tratamento

Antibioterapia sistémica: Crianças - Amoxicilina+clavulanato 20-40 mg/Kg/dia p.o. (3 i.d.) ou cefaclor 20-40 mg/Kg/dia p.o. (3 i.d.); Adulto - Amoxicilina+clavulanato 500 mg p.o. 8-8 h ou cefalexina 500 mg p.o. 6-6 h

Antibioterapia tópica: colírio e pomada de antibiótico de largo espectro.

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Conduta

Se houver febre, sinais de infecção sistémica ou a formação de abcesso, o doente deve ser enviado a um serviço de Oftalmologia, pois pode ser necessária antibioterapia i.v. ou drenagem cirúrgica de um abcesso lacrimal.

Após resolução do episódio agudo, deve ser ponderada a correcção cirúrgica (Dacriocistorinostomia - DCR).

G- PROBLEMAS SISTÉMICOS ASSOCIADOS

1- Infecções respiratórias superiores e febre

As infecções das vias respiratórias superiores acompanhadas ou não por febre podem

estar associadas com conjuntivite, particularmente quando são causadas por adenovírus do

tipo 3 e do tipo 7 (ambos causadores da febre adeno-faringo-conjuntival). A conjuntivite

alérgica pode estar associada a rinite sazonal ou à febre dos fenos.

2- Eritema multiforme

O eritema multiforme é uma doença sistémica grave, possivelmente resultante de uma

resposta alérgica a medicamentos, e que pode ocasionar uma conjuntivite grave com

cicatrizes conjuntivais irreversíveis, lesões corneanas e perda de visão. No eritema

multiforme são observadas lesões cutâneas eritematosas em forma de alvo ou de olho de boi.

O nome de síndroma de Stevens-Johnson é dada à forma de eritema multiforme associado a

envolvimento ocular.

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL

Na prática clínica, quase todos os casos de conjuntivite ligeira ou moderada são tratados sem

ajuda laboratorial. Isto representa um compromisso da forma ideal de tratamento mas é

justificada pelos gastos económicos associados à obtenção de esfregaços e culturas, numa

doença comum e benigna.

A maior parte dos clínicos, após realizarem o diagnóstico clínico presumptivo de

conjuntivite bacteriana, procedem directamente à prescrição de um tratamento tópico com

antibióticos de largo espectro de acção.

Os casos de presumível conjuntivite bacteriana que não melhoram após 3 dias de tratamento

devem ser observados por um Oftalmologista para confirmação do diagnóstico eestudos

laboratoriais apropriados.

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II - OLHO VERMELHO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

45

Para além disso, nos casos de conjuntivite purulenta hiperaguda, quando são produzidas

abundantes secreções purulentas, está indicada a observação por Oftalmologista e a

realização de culturas, por causa da possibilidade de uma etiologia gonocóccica. A

conjuntivite gonocóccica é uma doença grave e que ameaça potencialmente a visão.

Em casos de dúvida quanto à etiologia de uma conjuntivite pode estar indicada a realização

de esfregaços das secreções conjuntivais ou de um raspado conjuntival para confirmar a

impressão clínica. Caracteristicamente são observados leucócitos polimorfonucleares e

bactérias nas conjuntivites bacterianas, linfócitos nas conjuntivites virusais e eosinófilos nas

conjuntivites alérgicas.

RECOMENDAÇÕES TERAPÊUTICAS

A- Anestésicos tópicos

Os anestésicos tópicos nunca devem ser prescritos para uma analgesia prolongada em casos

de inflamação intraocular ou traumatismos por três razões:

1. Os anestésicos tópicos inibem o crescimento e a cicatrização do epitélio da córnea. 2. Embora raramente, podem ocorrer reacções alérgicas graves após instilação de

anestésicos tópicos. 3. A anestesia da córnea abole o reflexo protector do pestanejo, expondo a córnea à

desidratação, lesão e infecção.

B- Corticosteróides tópicos

Os corticosteróides tópicos têm três efeitos secundários oculares potencialmente graves:

1. Queratite: os corticosteróides tópicos favorecem o aparecimento de queratites causadas pelo vírus herpes simplex e de queratites fúngicas. Os corticosteróides podem mascarar os sintomas da inflamação, fazendo com que o doente se sinta melhor, enquanto a córnea pode liquefazer-se e eventualmente perfurar.

2. Catarata: O uso prolongado de corticosteróides, quer em aplicação local, quer administrados por via sistémica, conduz frequentemente à formação de catarata.

3. Pressão intraocular elevada: A aplicação local de corticosteróides durante 2 a 6 semanas pode causar um aumento da pressão intraocular em aproximadamente um terço da população. A aumento da pressão pode ser grave numa pequena percentagem de casos. Podem ocorrer lesões do nervo óptico e perda permanente de visão.

A utilização de antibióticos associados a corticosteróides tem o mesmo risco que a utilização

isolada de corticosteróides. Os corticosteróides tópicos, isolados ou em associação, não

devem ser utilizados sem a supervisão de um Oftalmologista.

Page 46: Manual Cadeira a 2009

II - OLHO VERMELHO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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PONTOS A RELEMBRAR

Se existe uma baixa súbita e significativa da acuidade visual, o diagnóstico de conjuntivite é extremamente improvável.

O teste da fluoresceína deve ser sempre realizado para testar a integridade do epitélio corneano, em casos de “olho vermelho”.

Uma assimetria das pupilas num doente com “olho vermelho” é um sinal de alerta para uma doença potencialmente grave.

TRATAR OU ENVIAR A UM OFTALMOLOGISTA?

As situações seguintes podem ser tratadas apropriadamente por qualquer médico não

Oftalmologista:

Conjuntivites Blefarites Hemorragia subconjuntival Ordéolos ou chalázios

Apenas os casos que requerem tratamentos prolongados ou nos quais não é obtida uma

rápida melhoria clínica devem ser enviados a um Oftalmologista.

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III – TRAUMATOLOGIA OCULAR Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

47

III - TRAUMATOLOGIA OCULAR

Objectivos

Um Médico deve saber avaliar qualquer traumatismo orbitário ou ocular, saber instituir,

fundamentalmente em situações de urgência oftalmológica como por exemplo nas

queimaduras químicas, um tratamento sempre que necessário e determinar se requer a

observação imediata de um Oftalmologista.

Para atingir estes objectivos deverá aprender a:

Identificar quais as situações urgentes em Oftalmologia e agir de acordo com isso

Realizar uma história clínica correcta

Examinar um olho traumatizado

Avaliar e registar a acuidade visual de maneira tão precisa quanto possível

Avaliar se determinado traumatismo pode ser resolvido por ele ou se o deverá enviar

a um Oftalmologista.

Um dia será confrontado com o aparecimento de um traumatismo ocular e os conhecimentos

que possuir no tratamento dos traumatismos oculares poderão significar a preservação da

visão de um olho que de outro modo estaria condenado à cegueira. A finalidade deste

capítulo será por um lado promover a confiança necessária na abordagem de traumatismos

oculares de maior ou menor intensidade e por outro, ensinar as técnicas básicas e os

conhecimentos suficientes no diagnóstico e tratamento inicial dos traumatismos do globo

ocular e das estruturas que o rodeiam.

Informação básica

Órbita

O rebordo orbitário protege o globo ocular do impacto de objectos de grandes dimensões

Um fractura do rebordo orbitário não causa normalmente uma diminuição da visão A parede inferior da órbita (pavimento) pode, em virtude da sua reduzida espessura,

fracturar após uma contusão orbitária provocada por exemplo por um murro ou uma bola de ténis. O conteúdo orbitário incluindo os músculos recto inferior ou pequeno oblíquo pode assim ficar encravada na fractura provocando enoftalmia, uma restrição dos movimentos verticais e visão dupla (diplopia)

Uma fractura da parede interna da órbita, nomeadamente do osso etmóide, pode estar associada ao aparecimento de um enfisema subcutâneo das pálpebras

Page 48: Manual Cadeira a 2009

III – TRAUMATOLOGIA OCULAR Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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A fractura a nível do canal óptico ou na sua vizinhança, através do qual passam a artéria oftálmica e o nervo óptico, pode causar lesão do nervo óptico com a consequente perda de visão.

Pálpebras

As pálpebras fecham de uma maneira reflexa sempre que o globo ocular é ameaçado O pestanejar mantém a córnea transparente através de um contacto permanente entre

a superfície corneana e o filme lacrimal Em caso de paralisia facial a superfície do globo ocular fica seca bem como exposta a

outros tipos de agressões A integridade dos bordos palpebrais assegura uma correcta oclusão das pálpebras e

uma adequada drenagem das lágrimas.

Aparelho lacrimal

A drenagem das lágrimas processa-se a nível do lado interno das pálpebras através fundamentalmente do ponto lacrimal inferior, continuando-se pelos canalículos lacrimais até ao saco lacrimal e daí até ao meato inferior das fossas nasais através do canal lacrimo-nasal

A ausência de um diagnóstico de laceração do canalículo lacrimal inferior assim como de uma adequada correcção cirúrgica pode acarretar um lacrimejo crónico (epífora).

Conjuntiva e Córnea

O epitélio corneano cicatriza normalmente de uma forma rápida após uma abrasão Pequenas ulcerações da conjuntiva cicatrizam rapidamente e podem,

consequentemente, esconder um traumatismo perfurante do globo ocular.

Câmara anterior

Em traumatismos penetrantes do globo ocular existe muitas vezes saída de humor aquoso resultando uma câmara anterior estreita ou ausente.

Íris e corpo ciliar

Após uma ferida a nível do limbo ou da córnea, a íris pode prolapsar através da ferida resultando uma pupila irregular

Traumatismos contundentes do globo ocular podem desencadear o aparecimento de irites (dor, olho vermelho, fotofobia, e miose)

As contusões podem alterar a forma da pupila por desinserção da raiz da íris ou lesões do bordo pupilar

As contusões do globo ocular podem desencadear rupturas de pequenos vasos sanguíneos no ângulo da câmara anterior causando hemorragia na câmara anterior (hifema). Pequenos hifemas desaparecem, na maioria das vezes, de forma expontânea.

Page 49: Manual Cadeira a 2009

III – TRAUMATOLOGIA OCULAR Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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Cristalino

Traumatismos do cristalino desencadeiam normalmente a formação de catarata Traumatismos fechados do globo ocular podem causar uma desinserção parcial do

cristalino (subluxação). Vítreo

Perda da sua transparência pode ser devida a hemorragia, inflamação ou infecção

Retina

A retina é protegida externamente pela esclerótica (mais resistente) e pela coroideia (camada vascular subjacente)

A retina é fina e bastante vulnerável. Se a sua superfície for traccionada ou perfurada por um corpo estranho, pode desenvolver-se um descolamento da retina

Uma hemorragia da retina pode ocorrer após um traumatismo directo ou indirecto A retina fica esbranquiçada quando está edemaciada Uma lesão macular reduz drasticamente a visão sem que daí resulte cegueira

completa.

Quando examinar

A maioria dos traumatismos oculares acompanham-se de olho vermelho e dor. No entanto,

alguns traumatismos apresentam-se de uma forma mais silenciosa. Por exemplo, os

traumatismos perfurantes com objectos aguçados podem desencadear unicamente um olho

ligeiramente vermelho.

O examinador deve estar particularmente atento a traumatismos perfurantes causados por

pequenos corpos estranhos, a maioria das vezes aços, resultantes da percussão de metal

contra metal ou contra pedra. O corpo estranho intraocular não desencadeia dor pois tanto o

cristalino como a retina e o vítreo não possuem terminações sensitivas que determinem dor.

Se suspeitarmos de patologia do segmento posterior nomeadamente descolamento da retina

ou corpo estranho intraocular, é mandatório o envio do doente a um Oftalmologista. Importa

lembrar que não deverá aplicar pomadas de molde a não interferir com uma boa visualização

do fundo ocular.

Como examinar

Num doente com um traumatismo ocular dever-se-á realizar um interrogatório tão completo

quanto possível bem como um exame completo do globo ocular e das estruturas vizinhas que

inclui: acuidade visual, exame externo, observação das pupilas, movimentos oculares e

oftalmoscopia.

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III – TRAUMATOLOGIA OCULAR Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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Interrogatório

Na avaliação de um doente com traumatismo ocular torna-se extremamente importante

investigar a hora, local e tipo de traumatismo (contuso ou perfurante; queimadura por ácido

ou por base, etc), a história do passado ocular do doente, alergias medicamentosas bem como

vacinas em dia, nomeadamente para o tétano. No entanto, sempre que estiver em causa um

traumatismo urgente como é o caso por exemplo de uma queimadura química por uma base,

devemos instituir um tratamento imediato pelo que a obtenção de uma história cuidadosa

deverá ser realizada mais tarde.

Sempre que o doente estiver inconsciente ou com dificuldade em responder ao interrogatório

tentar-se-á obter informações junto dos acompanhantes, devendo o Médico estar, em

qualquer caso, preparado a iniciar o tratamento ou enviá-lo para um centro especializado

mesmo que não tenha obtido qualquer informação.

Avaliação da acuidade visual

A avaliação da acuidade visual dever-se-á realizar o mais pormenorizadamente possível.

Caso haja uma escala de Snellen avaliar-se-á de acordo com as instruções enumeradas

anteriormente. Caso não se disponha de qualquer escala de avaliação dever-se-á avaliar a

capacidade do doente ler algo (revista, jornal, etc) registando-se o tamanho e tipo de letra

utilizada bem como a distância utilizada. Registar sempre a visão em ambos os olhos. Caso o

doente apresente uma visão inferior à visão de leitura, determinar se ele consegue contar os

dedos, aperceber-se de movimentos de mão ou se tem percepção e projecção luminosa.

Exame externo

Deve sempre realizar-se um exame às estruturas externas do globo ocular que pode incluir

inspecção palpebral, eversão das pálpebras (contraindicada se houver suspeição de ruptura

do globo ocular) ou teste da fluoresceína. A utilização de gotas anestésicas (nunca as

prescrever para o doente levar para casa) facilita imenso a avaliação da acuidade visual e o

exame oftalmológico.

Com a ajuda de um foco luminoso poderemos constatar a presença de câmara anterior pouco

profunda ou prolapso do tecido uveal indiciando perforação do globo ocular.

Page 51: Manual Cadeira a 2009

III – TRAUMATOLOGIA OCULAR Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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Reflexos pupilares

A presença de um defeito pupilar aferente indica lesão do nervo óptico.

Motilidade muscular

Hematoma orbitário pode restringir os movimentos oculares.

Restrição dos movimentos verticais e diplopia vertical faz-nos suspeitar de fractura da base

da órbita.

Limitação dos movimentos oculares e proptose acompanhada de crepitação e sopro orbitário

são sugestivos de fístula carótido-cavernosa.

Oftalmoscopia

Pesquisar o reflexo vermelho do fundo. Caso não se observe (hifema, formação de catarata

por tumefacção do cristalino, hemorragia do vítreo) enviar de imediato para um

Oftalmologista. Se o fundo ocular for visível, pesquisar edema, hemorragias retinianas ou

eventualmente descolamento da retina. Em caso de suspeição de traumatismo penetrante

enviar de imediato para Oftalmologista.

Exames radiológicos

Deve-se pedir exames radiológicos sempre que se suspeitar de fractura facial, orbitária ou de

corpos estranhos na órbita. Se um doente referir que esteve a percurtir é obrigatório exame

radiológico (Rx ou TAC da órbita). A RMN deve ser evitada sempre que se suspeitar de

corpo estranho metálico.

Tratamento

Um Médico pode não saber tratar de um modo definitivo todas as entidades referenciadas

mas tem a obrigação de iniciar o tratamento em todos os casos.

1- Urgência extrema

Situação clínica em que o tratamento deve ser instituido em minutos. Uma

queimadura química da conjuntiva e da córnea é o caso mais típico de uma situação de

urgência oftalmológica. Uma queimadura por bases resulta normalmente em lesões oculares

de maior gravidade que uma queimadura por ácidos pois os agentes básicos (cal, lixívia, etc)

penetram os tecidos oculares mais profunda e rapidamente. Todas as queimaduras químicas

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III – TRAUMATOLOGIA OCULAR Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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requerem uma irrigação imediata e abundante do globo ocular seguida de envio urgente para

um Oftalmologista.

2- Urgência

Estas situações clínicas necessitam de tratamento a ser instituido no espaço de

algumas horas.

Traumatismos perfurantes do globo ocular (não se aconselha a utilização de pomadas ou de penso oclusivo). Deve-se fazer Rx ou TAC da órbita sempre que se suspeite de corpo estranho radio opaco e enviar de imediato a um Oftalmologista.

Corpos estranhos na conjuntiva ou córnea necessitam unicamente de anestesia tópica seguida de remoção através de irrigação vigorosa ou com cotonete.

Nas abrasões de córnea deve-se: - Proceder a anestesia tópica da superfície do globo ocular - Realizar uma inspecção cuidadosa - Aplicar fluoresceína para facilitar a observação da abrasão - Prescrever antibiótico e cicloplégico de acção curta tópicos, este último para

aliviar as dores - Ocluir com penso duurante 24 horas - Enviar para Oftalmologista os casos mais grave

O diagnóstico de hifema exige o envio imediato do doente para um Oftalmologista. Pode provocar elevação da pressão intraocular, necessitando de tratamento médico ou cirúrgico, pode ser sinal de ruptura do globo ocular ou obstruir a presença de outras lesões graves como luxação do cristalino ou descolamento da retina.

Um Clínico Geral pode suturar uma ferida das pálpebras desde que a ferida não seja profunda e que não haja envolvimento da fenda palpebral ou dos canalículos lacrimais.

Queimaduras por radiações ultravioletas (após soldar ou depois de exposição solar na neve) necessitam de aplicação de anestesia tópica, inspecção cuidadosa, antibióticos tópicos, agentes cicloplégicos e oclusão ocular.

3- Situações semi-urgentes

Estas situações clínicas podem ser enviadas a um Oftalmologista no espaço de 1 a 2

dias. Uma fractura da órbita ou uma hemorragia subconjuntival pós-traumática, desde que

não se suspeite de ruptura do globo ocular ou hemorragia intraocular, em que o envio para

um Oftalmologista se deve fazer de imediato, podem ser consideradas situações semi-

urgentes.

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III – TRAUMATOLOGIA OCULAR Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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TRATAMENTO

Para proceder ao tratamento de traumatismos oculares o médico deve saber realizar irrigação

ocular, remover corpos estranhos, prescrever medicação ocular apropriada, fazer oclusão

palpebral e conhecer técnicas elementares de sutura palpebral.

Irrigação ocular

A irrigação ocular deve ser realizada após a instilação de um anestésico tópico pedindo ao

doente para olhar para diversas direcções enquanto se irriga profusamente a córnea e os

fundos de saco conjuntivais situados de maneira oposta. Recomenda-se a utilização de

frascos de solução salina, plastificados; no entanto, salienta-se, mais uma vez, que no caso de

uma queimadura química devemos utilizar de imediato água, qualquer que seja a sua

proveniência.

Remoção de corpos estranhos

Para proceder à remoção de um corpo estranho superficial na córnea ou conjuntiva, deve-se

utilizar uma cotonete e tentar, de maneira suave, removê-lo após a instilação prévia de um

anestésico tópico. A irrigação em jacto de uma solução salina pode muitas vezes desalojar

um corpo estranho superficial a nível da córnea ou conjuntiva.

Sempre que seja necessário o recurso a um instrumento aguçado como uma agulha para

proceder à sua remoção, o doente deve ser enviado a um Oftalmologista. Chama-se a atenção

para o caso particular da queimadura de córnea em redor de uma limalha que pode induzir

em erro o Médico Assistente, necessitando pois dos cuidados especializados do

Oftalmologista de molde a evitar traumatismos desnecessários que podem levar a lesões

graves da córnea (perfuração inclusivé)

Prescrição de medicação ocular

Todo o médico deve saber prescrever:

Cicloplégicos – Homotropina e ciclopentolato 1% podem ser utilizados para relaxar a íris e o corpo ciliar, aliviando as dores na maioria dos traumatismos oculares não penetrantes. Os cicloplégicos de longa duração como a atropina estão usualmente contra-indicados.

Antibióticos em colírio ou em pomada podem ser utilizados com segurança na limpeza de feridas; no entanto, se for necessário a sua utilização frequente ter em atenção as reacções alérgicas ou as infecções resistentes.

Page 54: Manual Cadeira a 2009

III – TRAUMATOLOGIA OCULAR Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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Anestésicos em colírio ou em pomada nunca devem ser prescritos. A sua utilização repetida é tóxica para o epitélio corneano.

Corticósteroides tópicos ou em pomada nunca devem ser prescritos pelo Clínico Geral em traumatismos oculares, sem a prévia consulta de um Oftalmologista, devido aos seus efeitos secundários quando aplicados de forma continuada.

Oclusão palpebral

Penso moderadamente compressivo deve ser utilizado após traumatismos com lesões do epitélio corneano (abrasões corneanas) e após remoção de corpos estranhos. Aplicar 2 pensos oftálmicos ou um penso juntamente com gaze e fita adesiva, colocada obliquamente e com tensão moderada para prevenir a abertura do globo ocular.

Em traumatismos oculares mais graves (traumatismos perfurantes do globo ocular ou hifema) deve-se aplicar um protector não maleável com o intuito de proteger o olho de traumatismos adicionais, antes de ser observado por um Oftalmologista.

Sutura palpebral

As feridas palpebrais superficiais que não envolvam a fenda palpebral ou os canalículos

lacrimais podem ser suturadas pelo Clínico Geral. Todas as outras devem ser enviadas ao

Oftalmologista.

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IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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IV - PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL

Na formação básica de um Clínico Geral é necessário saber identificar e estar familiarizado

com as principais causas de perda progressiva da acuidade visual no adulto, nomeadamente,

glaucoma, catarata e degenerescência macular relacionada com a idade e, por último,

identificar as características básicas de cada uma delas. Ainda que não discutida neste

capítulo não se deve esquecer uma outra causa de perda progressiva da acuidade visual que é

a retinopatia diabética. Para além da identificação das características dos diferentes quadros

clínicos deve ser capaz de identificar e avaliar a cabeça do nervo óptico, classificando-o de

normal, glaucomatoso ou anormal mas não glaucomatoso. Também deve ser capaz de

avaliar a transparência do cristalino assim como o estado funcional e aparência da mácula.

Para atingir estes objectivos deve aprender a:

Ser capaz de identificar as características do nervo óptico que permitam dizer que este é normal ou anormal;

Ser capaz de identificar uma catarata e determinar o seu efeito potencial na acuidade visual do doente;

Ser capaz de determinar se a catarata é a única causa da diminuição da acuidade visual do doente;

Ser capaz de examinar a mácula com o oftalmoscópio e identificar os sinais e sintomas de uma maculopatia;

A - GLAUCOMA

Introdução

O glaucoma é uma das causas mais importantes de cegueira. A prevenção da cegueira pode

ser efectuada pela detecção precoce do glaucoma e seu tratamento médico e/ou cirúrgico. O

glaucoma, na fase inicial, desenvolve-se habitualmente de uma forma assintomática sem

dor, inflamação ocular ou halos (luminosos ou cromáticos em redor dos focos luminosos). A

acuidade visual diminui sem que o paciente se aperceba da sua progressiva incapacidade

visual.

O glaucoma tem uma evolução insidiosa porque as alterações dos campos visuais só são

detectadas em fases avançadas da doença. Os principais defeitos dos campos visuais são os

escotomas arqueados (área com redução ou ausência de acuidade visual) e o estreitamento

dos campos visuais sem alteração da acuidade visual central, até fases avançadas da doença.

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IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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A detecção precoce do glaucoma, na sua fase assintomática, é importante porque, quando

tratado adequadamente, pode prevenir a evolução para a cegueira.

O glaucoma evolui geralmente com aumento da pressão intraocular acima da média-

padrão o que torna obrigatório a medição sistemática ou de rotina da tensão intraocular

como meio de detecção. Uma elevação da pressão intraocular prolongada conduz à lesão da

cabeça do nervo óptico; em alguns casos são detectadas alterações do nervo óptico mesmo

com tensões intraoculares aparentemente dentro dos parâmetros normais.

Assim, o exame do fundo ocular, em especial do nervo óptico, é um outro importante meio

de detecção do glaucoma. Contudo, há outras patologias que podem originar alterações do

nervo óptico, como por exemplo os tumores cerebrais, o que faz da observação do nervo

óptico, através da fundoscopia, um importante meio semiológico.

Informação Básica

Pressão Intraocular

O olho tem um sistema próprio de produção e drenagem de humor aquoso. O humor aquoso

é produzido ao nível do corpo ciliar, flui através da área pupilar para atingir a câmara

anterior, passando ao canal Schlemm através da malha trabecular e posteriormente atingindo

o sistema venoso.

A resistência à passagem do humor aquoso ao nível da malha trabecular e canal Schlemm irá

dar origem à pressão intraocular. A pressão intraocular está directamente dependente da

facilidade com que o fluxo de humor aquoso flui pelo trabéculo e canal de Schlemm. Assim

quanto maior a resistência ao fluxo maior a pressão intraocular do olho. Ainda que o olho

seja constituído por vários compartimentos, para efeitos de pressão intraocular pode ser

considerado como um espaço fechado. Consequentemente, a pressão exercida dentro do

globo ocular é semelhante em toda a estrutura ocular. A maioria dos olhos tem uma pressão

intraocular inferior a 21 mmHg.

Geralmente, na forma insidiosa de glaucoma o ângulo da câmara anterior permanece aberto;

esta forma de glaucoma é denominada de glaucoma de ângulo aberto. Mais raramente, o

ângulo da câmara anterior pode ocluir-se com tecido da íris, o que provoca um súbito

aumento da pressão intraocular e dá origem ao denominado glaucoma do ângulo fechado, o

que constitui uma urgência médica. O súbito aumento da pressão intraocular provoca

sintomas que não surgem de forma insidiosa, e inclui dor, náusea, visualização de halos em

redor das luzes. Numa crise aguda do glaucoma de ângulo fechado surge um olho vermelho,

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IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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lacrimejo com córnea turva, pupila em mídriase média e duro à palpável digital. Este tipo de

situação conduz habitualmente o doente a um Serviço de Urgência, devendo imediatamente

ser instituida terapêutica apropriada para baixar a pressão intraocular e evitar perda

irreversível da visão.

Nervo Óptico

O nervo óptico é composto por mais de 1.2 milhões de fibras do nervo óptico. Estas fibras

nervosas têm a sua origem nas células ganglionares da retina e formam o feixe do nervo

óptico, que transporta a informação visual para o cortex cerebral. A interrupção do feixe de

fibras do nervo óptico resulta alteração da acuidade visual e campo visual.

O nervo óptico pode ser visualizado no seu ponto de origem através da oftalmoscopia, sendo

este ponto denominado de disco óptico. O disco óptico apresenta frequentemente uma

depressão central denominada “excavação”. O tamanho de excavação do nervo óptico varia

de indivíduo para indivíduo. A descrição completa do disco óptico é feita no Capítulo 1.

Relação entre o PIO e o Nervo Óptico

A pressão intra-ocular (PIO) é exercida sobre todas as paredes do nervo óptico e vasos

sanguíneos. A vascularização do nervo óptico é efectuada através de ramos da artéria

oftálmica, por sua vez um ramo da artéria carótida interna. Se a pressão no olho é demasiada

elevada pode resultar numa deficiente perfusão do nervo óptico. Se a situação se mantiver,

pode levar à lesão do nervo óptico. Uma agressão mecânica pode também causar lesão do

nervo óptico.

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IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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A lesão do nervo óptico resulta numa perda dos campos visuais. Esta perda é selectiva e

pode transformar-se numa perda severa e total com o tempo. A detecção da perda dos

campos visuais de origem glaucomatosa é efectuada através da campimetria. A acuidade

visual central não é afectada inicialmente.

Quando proceder ao exame

A oftalmoscopia deve fazer, obrigatoriamente, parte do exame oftalmológico de rotina. Deve

ser prestada particular atenção aos doentes com predisposição para o glaucoma, como sejam

os pacientes idosos ou com história familiar de glaucoma. Recomenda-se um rastreio cada 2

a 4 anos em pacientes com mais de 40 anos, com base no princípio de que a incidência

aumenta com a idade. Esta incidência é maior na população de origem africana, que tendo

um mais elevado risco de desenvolvimento do glaucoma, se recomenda que entre os 20 e 39

anos, se deve rastrear cada 3 a 5 anos.

Como examinar

Medição da pressão intraocular:

Várias são as metodologias possíveis para a avaliação da pressão intraocular. A palpação

detecta sómente o nível de dureza do globo ocular, não sendo adequada para controlar as

variações de tensões intraoculares nos doentes glaucomatosos. A tonometria é a melhor

metodologia para medir a pressão intraocular e pode ser efectuada através de vários

métodos. A tonometria por indentação com aparelho de Schiotz envolve a utilização de

instrumentação de baixo custo e uso simples. A tonometria de aplanação produz leituras

mais reprodutivas e fiáveis, contudo é mais dispendiosa.

Observação do fundo ocular:

A observação do fundo ocular deve ser feita obrigatoriamente na avaliação dum doente com

suspeita de glaucoma, no sentido de detectar alterações do disco optico compatível com

excavação glaucomatosa.

Avaliação do campo visual:

Na avaliação oftalmológica de um doente com suspeita de glaucoma deve-se efectuar uma

perimetria para avaliar o campo visual. Habitualmente é feita uma perimetria computorizada

que permite detectar alterações e, sobretudo, fazer um seguimento adequado dessas

alterações.

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IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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Gonioscopia:

O Oftalmologista deve também proceder ao exame das estruturas do ângulo da câmara

anterior utilizando uma lente de contacto especial em contacto com a córnea anestesiada

topicamente (gonioscopia).

Como interpretar os dados

A descrição do aspecto do disco óptico é geralmente feito em função da sua cor e do

tamanho da depressão central (fisiológica).

A cor do nervo óptico pode ser importante na determinação do grau de atrofia do nervo

óptico devido ao glaucoma ou a outra causa.

A palidez temporal do nervo óptico pode ocorrer como resultado de patologias que levem à

lesão das fibras nervosas, como sejam tumores cerebrais, inflamação do nervo óptico ou

estados avançados de glaucoma.

O termo papila glaucomatosa refere-se ao aumento do tamanho da excavação

comparativamente ao disco óptico. Isto é a relação excavação/disco, obtida pela comparação

entre os seus diâmetros.

Quanto maior o diâmetro da excavação, maior a possibilidade de estarmos perante um disco

óptico glaucomatoso. Uma excavação igual ou maior que metade do tamanho do disco

óptico - relação excavação/disco óptico > 0.5 - deverá sempre levantar suspeitas de

glaucoma. Uma excavação grande deve ser suspeita se apresentar uma palidez central do

disco. A avaliação da depressão da excavação faz-se pela localização do ponto de curvatura

dos vasos retinianos sobre o bordo, o que permite uma melhor localização do seu limite.

O disco óptico é geralmente simétrico entre os dois olhos. Discos que exibam uma relação

excavação/disco assimétrica devem levantar suspeitas. Em alguns casos, o edema do disco

óptico pode estar presente (papiledema, quando provocado por aumento da pressão

intracraneana).

Orientação do doente glaucomatoso ou com suspeita de glaucoma

A Tabela 1 providencia uma metodologia de análise do nível de risco de glaucoma. Perante

um nível de risco moderado a elevado o doente deve ser referenciado para um

Oftalmologista para uma avaliação posterior. Além disso, qualquer doente que apresente um

ou mais das seguintes condições deve ser encaminhado para o Oftalmologista.

Pressão intra-ocular superior a 21 mmHg;

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IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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Pressão intra-ocular não elevada mas com um diferencial entre os olhos superior a 5 mmHg;

Diâmetro da papila igual ou superior a metade do diâmetro do disco óptico (ratio excavação/diâmetro > 0.5);

Uma excavação significativamente maior num dos olhos; Sintomas de glaucoma agudo;

Tabela 1 - Análise dos factores de risco do glaucoma Análise dos factores de risco do glaucoma

Score dos factores de risco baseados na história clínica Variáveis Categoria Score

Idade < 50 anos 50-64 anos 65-74 anos > 75 anos

0 1 2 3

Raça Caucasiano / outros

Origem africana 0 2

Antecedentes Familiares de Glaucoma

Negativo ou positivo em: . Parentes não em 1º grau . Positivo em parentes . Positivo em irmãos

0 1 2

Último exame oftalmológico < 2 anos

2-5 anos > 5 anos

0 1 2

(*) Outras variáveis como a miopia ou hipermetropia elevada, hipertensão arterial, uso de corticoesteroides e talvez diabetes, não são suficientemente para serem referenciados como score mas devem ser considerados na avaliação total do risco do glaucoma. Nível de Risco do Glaucoma Score Global Elevado Moderado Baixo

4 (encaminhamento obrigatório) 3 (encaminhamento aconselhável) < 2

B- CATARATA

Relevância

A catarata pode ocorrer como resultado de uma anomalia genética ou congénita, sendo

contudo a catarata senil a mais frequente. Ou seja, em indivíduos com mais de 70 anos,

existe sempre algum grau de catarata. Na realidade, a catarata relacionada com a idade

ocorre em cerca de 50% na população entre os 65 e os 74 anos e cerca de 70% na população

com mais de 75 anos.

Page 61: Manual Cadeira a 2009

IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

61

A catarata é a causa mais comum de perda da acuidade visual não corrigível com lentes.

Contudo, o seu tratamento cirúrgico é uma das mais bem sucedidas intervenções cirúrgicas,

sendo actualmente a facoemulsificação do cristalino com implantação de lente intraocular

(LIO) de câmara posterior a técnica preferencial.

Um dos mais importantes aspectos a considerar antes da intervenção cirúrgica é confirmar

que a causa da perda da acuidade visual é devida à catarata e não a outra qualquer causa,

nomeadamente, glaucoma ou alterações maculares. Contudo, não se deve esquecer que estas

causas podem coexistir e embora possam tornar a avaliação mais difícil, devem ser

equacionadas e tomadas em consideração no prognóstico visual pós cirurgia de catarata.

Informação Básica

Cristalino

O cristalino permite focar as imagens no plano da retina. O cristalino está suspenso do corpo

ciliar por um conjunto de filamentos denominado zonula, colocada entre a íris e o corpo

vítreo. A contracção do músculo ciliar permite executar o processo de focagem

(acomodação). O cristalino está envolvido por uma cápsula de membrana basal elástica

transparente. A cápsula envolve uma camada anterior epitelial cuboidal, o córtex e o núcleo

do cristalino. O cristalino não tem nem inervação nem vascularização e a sua nutrição

provem do humor aquoso e do vítreo.

O cristalino continua a crescer ao longo da vida. As suas células epiteliais produzem fibras

corticais, conduzindo a um aumento lento no tamanho, peso e densidade através dos anos;

35% do seu conteúdo total é constituido por proteínas. A percentagem de proteínas

insolúveis aumenta com o envelhecimento do cristalino e a formação da catarata.

Catarata

Há catarata sempre que existe uma opacidade ou descoloração do cristalino, quer seja

pequena, localizada ou haja uma completa perda da transparência. Clinicamente, o termo

catarata deve ser reservado às opacidades que afectam a acuidade visual, pois muitos

cristalinos ditos normais têm pequenas opacidades sem significado funcional.

A catarata é descrita e classificada de acordo com a zona do cristalino envolvida no processo

de opacificação. Estas zonas de opacificação podem ser subcapsulares, corticais ou

nucleares e pode ter uma localização anterior ou posterior. Para além da opacificação no

núcleo e cortex, pode haver uma alteração cromática do cristalino. A catarata pode também

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IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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ser classificada de acordo com o seu estado de desenvolvimento. A catarata pode então ser

classificada como imatura se apresentar ainda cortex transparente remanescente ou madura

se o cortex estiver totalmente opacificado.

A causa mais comum de catarata é o envelhecimento. Outros factores causais são o trauma,

a inflamação, os defeitos metabólicos ou nutricionais e as radiações. As cataratas podem

desenvolver-se muito lentamente ao longo dos anos ou progredir rapidamente, dependendo

da causa ou do tipo de catarata.

Sintomas de catarata

Os pacientes apercebem-se, inicialmente, de uma imagem turva, enquanto o cristalino perde

a sua capacidade de resolução e definição dos objectos. Os doentes apercebem-se primeiro

da alteração da qualidade da acuidade visual e só depois da sua diminuição. O grau de

incapacidade provocada pela catarata depende do tamanho e localização da opacidade. As

opacidades axiais, afectando as áreas subcapsular central ou nuclear, provocam uma maior

incapacidade visual que uma opacidade periférica.

Os doentes com esclerose nuclear podem desenvolver uma miopia progressiva devido ao

aumento do poder refractivo por densificação do núcleo. Por vezes, estes doentes descobrem

que podem de novo ler sem os óculos habituais, fenómeno denominado acuidade visual

secundária. Podem igualmente aperceber-se de imagens duplas ou múltiplas monoculares

(diplopia), devido às irregularidades refractivas do cristalino. Com o núcleo do cristalino de

tom amarelado, os objectos parecem mais acastanhados ou amarelados do que na realidade.

Os doentes com catarata subcapsular posterior podem aperceber-se de rápida diminuição da

acuidade visual com deslumbramento, imagem turva e distorção, mais observável em

ambientes com maior luminosidade. Este tipo de catarata está frequentemente associado a

causas metabólicas, como sejam a diabetes mellitus, e ao uso de corticoesteróides.

Ao fim de algum tempo, todas as cataratas conduzem a diminuição da acuidade visual. O

grau da incapacidade pode variar de dia para dia.

Quando examinar

O doente com diminuição da acuidade visual deve ser examinado para tentar determinar a

sua causa. Ao diagnosticar a presença da catarata é importante avaliar o grau de

envolvimento da retina e do nervo óptico nesta diminuição. A oftalmoscopia não permite,

muitas vezes, obter uma imagem clara da retina.

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IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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Como examinar

As seguintes metodologias de exames são úteis para determinar se a perda de acuidade

visual é atribuível à catarata, a uma qualquer outra causa ou a uma combinação de causas:

Acuidade visual: O primeiro passo é a confirmação da diminuição da acuidade visual;

Reflexo pupilar: É importante saber como executar o exame pupilar básico e também conhecer as possíveis implicações neurológicas da resposta pupilar. Mesmo as situações de catarata avançada não produzem um defeito pupilar aferente;

Oftalmoscopia: A observação fundoscópica do Médico será mais ou menos semelhante à AV do paciente, isto é, a catarata afectará de modo semelhante a visualização do fundo ocular pelo Médico como a visão do doente para o exterior.

Como interpretar os achados clínicos

Uma catarata na sua fase inicial não será visível sem ajuda de equipamento especializado.

Nas suas fases mais avançadas a catarata torna-se densa e pode dar origem a uma papila

branca ou leucocória. O cristalino pode ser avaliado com o oftalmoscópio. A opacificação

parcial do cristalino aparecerá como negro contra o reflexo vermelho do fundo. Geralmente,

quanto mais densa a catarata, menor o reflexo vermelho do fundo ocular e pior a acuidade

visual.

Para além da oftalmoscopia, um Oftalmologista executa como rotina um exame

biomicroscópico, que permite uma observação estereoscópica do cristalino e das estruturas

oculares do segmento anterior.

Tratamento

É fundamental avaliar primariamente que a perda de visão é atribuível maioritariamente à

catarata e não a uma qualquer outra causa. Havendo uma conjugação de causas é importante

avaliar se há benefício com a sua extracção. O encaminhamento de um paciente com

catarata para a cirurgia deve ser baseado no princípio de que esta deve ser extraída sempre

que a sua repercussão visual interfere significativamente na execução das suas tarefas

habituais. Deve-se avaliar se a catarata interfere nas actividades diárias limitando a

capacidade de condução, leitura, prática de desportos ou “hobbies” do paciente. Doentes

com diminuição da acuidade visual, que afecta a sua actividade diária, devido à catarata

benefeciarão de intervenção cirúrgica com implantação de lente intra-ocular.

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IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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C- DEGENERESCÊNCIA MACULAR RELACIONADA COM A IDADE

Relevância

Nos países do hemisfério ocidental, a degenerescência macular relacionada com a idade

(DMRI) é a principal causa de perda de acuidade visual (AV) irreversível (20/200 ou pior)

na população com mais de 50 anos. A incidência e a prevalência da DMRI têm vindo a

aumentar, seja pelo envelhecimento geral da população, seja pelo aumento das situações

implicadas no seu aparecimento, seja ainda pela melhoria dos diagnósticos. A forma mais

precoce da doença (drusen) contribui com cerca de 85 a 90% dos casos e em regra não

provoca sintomas relevantes. As formas tardias ou avançadas da doença (DMRI com atrofia

geográfica (evolução lenta) e DMRI exsudativa (forma de evolução muito rápida) são

responsáveis por 10 a 15% dos casos e podem provocar perda grave e irreversível da visão

central ou de leitura. As formas precoces da doença podem evoluir para as formas tardias e o

risco aumenta com idade e a gravidade das lesões predisponentes, podendo o risco de

progressão anual chegar aos 10%. Assim sendo, como há certos tipos de degenerescência

macular possíveis de tratar, é importante identificar estes quadros clínicos e encaminhá-los

para os centros especializados.

Informação básica

Anatomia macular

A mácula é uma pequena área oval situada cerca de 2 diâmetros-disco, temporal e

ligeiramente inferior ao disco óptico. Na mácula há cones e bastonetes e é a área responsável

pela acuidade visual central. A mácula central (zona foveolar avascular) é avascular e tem

uma coloração mais escura que a retina circundante. Nesta área a densidade dos cones é

mais elevada e não há bastonetes presentes. A depressão central da fovea actua como um

espelho concavo à oftalmoscopia, produzindo um reflexo luminoso (reflexo foveolar).

Alterações da DMRI

Nas alterações maculares devidas à idade incluem-se os drusen, alterações degenerativas do

epitélio pigmentar da retina e membranas subretinianas neovasculares.

- Drusen são nódulos hialinos (ou corpos coloides) depositados na membrana de

Bruch que separa o epitélio pigmentado da retina (camada mais externa da retina) da camada

interna dos vasos coroideus. Os drusen podem ser pequenos e discretos ou grandes, com

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IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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formas irregulares e bordos indefinidos. Pacientes que apresentam apenas drusen tendem a

ter uma AV normal, ou quase normal, e uma metamorfopsia mínima. As metamorfopsias

(distorção das imagens na sua zona central) levam progressivamente à diminuição da

acuidade visual central; podem ser avaliadas com a grelha de Amsler.

- As alterações degenerativas do epitélio pigmentar podem ocorrer com ou sem

drusen. Estas alterações degenerativas manifestam-se por áreas de hiperpigmentação ou

atróficas despigmentadas. O efeito na acuidade visual é variável.

- Cerca de 20% dos olhos com DMRI desenvolvem neovascularização subretiniana.

A passagem dos vasos da camada coroideia interna para o espaço subepitelial pigmentar e

eventualmente para o espaço subretiniano significa que há um defeito na membrana de

Bruch.

A rede neovascular subretiniana pode estar associada com o aparecimento de hemorragias

subretiniana, fibrose, degenerescência epitelial pigmentada e atrofia dos fotoreceptores. A

hemorragia pode resultar numa perda súbita da acuidade visual. Quanto maior a membrana e

mais perto da zona foveolar avascular pior o prognóstico para a acuidade visual central.

A angiografia fluoresceína (AF), uma técnica de diagnóstico muito utilizada em

Oftalmologia, pode ser necessária para identificar a neovascularização. A administração

intravenosa de fluoresceína e o subsequente exame fotográfico ajuda a mostrar com clareza

a rede vascular retiniana e coroideia. Contrariamente às artérias e veias retinianas normais,

os neovasos podem ser identificados porque derramam fluoresceína. Também, o epitélio

pigmentar actua como uma barreira óptica e física à fluoresceína e consequentemente a

angiografia fluoresceínica facilita a identificação dos defeitos do epitélio pigmentar. A

indocianina verde é outro corante utilizado para demonstrar a presença de neovasos.

As alterações relacionadas com a idade estão quase sempre totalmente limitadas ao pólo

posterior. Consequentemente, o doente com degenerescência macular pode ter uma acuidade

visual muito baixa mas, geralmente, retêm uma acuidade visual periférica funcional. Alguns

tipos de ajuda visual são por vezes necessários para ajudar os doentes, como sejam os

magnificadores de alta potência e telescópios. Para além da idade, outras causas de

maculopatia crónica incluem alterações metabólicas ou hereditárias.

Quando examinar

Qualquer doente com diminuição da AV requer uma observação para determinar a sua

causa. Ao avaliar um paciente com perda ou distorção da AV central, devem ser realizados

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IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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todos os esforços, para examinar a mácula com o oftalmoscópio; uma opacidade na córnea,

cristalino ou vítreo pode não permitir uma adequada visualização da mácula.

Como examinar

As seguintes técnicas são especialmente úteis para avaliar a degenerescência macular como

causa de perda de AV ou de alterações qualitativas da AV:

Avaliação da AV Teste com grelha de Amsler. O teste de Amsler, é um método de diagnóstico útil de

avaliação da função macular. O teste é executado colocando o paciente a olhar com um dos olhos de cada vez o “spot” central de grelha de linhas horizontais e verticais. Este tipo de grelha é impressa em linhas brancas sobre um fundo preto.

Pergunta-se ao doente se nota irregularidades nas linhas. Estas podem ser referenciadas

como ondas nas linhas, zonas turvas ou cinzentas, ou mesmo zonas de ausência das linhas -

escotomas.

Uma linha recta, um ângulo recto ou um quadrado são figuras geométricas nas quais o olho

consegue distinguir distorções mais facilmente. Com o quadro colocado à distância normal

de leitura (30 cm) de cada olho, a grelha de Amsler mede 10º para cada lado do ponto de

fixação. Isto permite uma avaliação de 5.36 mm em todas as direcções a partir do centro da

mácula. Consequentemente a mácula é avaliada neste simples exame.

Avialação da sensibilidade ao contraste, que pode estar diminuida, desde as fases iniciais;

Oftalmoscopia. A área macular é estudada por oftalmoscopia directa; algumas vezes é útil pedir o doente para visualizar directamente a luz do instrumento. A dilatação da pupila pode ser necessária para um exame mais adequado;

Outros exames. Um Oftalmologista pode recorrer a outro tipo de metodologia para melhor avaliar a mácula e a sua funcionalidade. Metodologias como o exame

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IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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biomicroscópico estereoscópico, retinografia (fotografia do fundo ocular), angiografia fluoresceínica ou com verde de indocianina e tomografia de coerência óptica (OCT) podem ser necessários para determinar as alterações patológicas.

Como interpretar os resultados

O aspecto da mácula frequentemente não reflecte de modo previsível a acuidade visual.

Sinais como drusen, áreas de hiper e hipopigmentação, exsudatos subretinianos e

hemorragias ou neovascularização são importantes e devem ser detectados no exame

macular. A ausência do reflexo foveolar e o aspecto mosqueado do epitélio pigmentar

subjacente estão entre os sinais mais precoces da doença macular.

Tratamento

O tratamento com cura total é ainda difícil, senão impossível. Os planos terapêuticos

segundo as diferentes formas de degenerescência macular relacionada com a idade são

diversos e estão em constante evolução. O tratamento profiláctico das formas precoces da

doença, com suplementos vitamínicos e minerais em altas doses, pode estar indicada nos

pacientes com maior risco de progressão. Em relação às formas tardias da doença, e

concretamente a atrofia geográfica não tem tratamento conhecido. Por sua vez o tratamento

da DMRI exsudativa segue as recomendações de vários estudos (“Macular Photocoagulation

Study”, “Treatment of Macular Degeneration with Photodinamic Therapy Study”

“Verteporfirin in photodinamic Therapy”, “Marina study” e “VISION study”) que vão desde

a terapêutica com fotocoagulação laser, à terapêutica fotodinâmica e às injecções intra-

vítreas de anti-angiogénicos. As terapêuticas actuais para as formas exsudativas permitem

preservar a visão, existente no início do tratamento, em cerca de 70 a 90% dos casos e

melhorá-la em cerca de 30%. Torna-se por isso essencial um diagnóstico precoce para que o

tratamento se inicie, antes de haver perda acentuada de visão.

Prognóstico

O prognóstico da doença, é habitualmente reservado. Todos os doentes com DMRI devem

ser informados sobre o prognóstico e o valor potencial dos tratamentos, os riscos, os

benefícios e as complicações desses tratamentos, que devem ser discutidos e equacionados

com o doente.

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IV – PERDA PROGRESSIVA DA ACUIDADE VISUAL Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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Encaminhamento

Um doente que apresente uma ou mais dos seguintes sintomas ou sinais deve ser

encaminhado para um Oftalmologista:

Início recente de perda de AV; Início recente de metamorfopsia ou distorção da AV central; Início recente de escotoma ou zona cega; Anormalidade oftalmoscópica do aspecto da mácula, como seja a presença de drusen,

alterações degenerativas do epitélio pigmentar, exsudatos e membranas neovasculares subretinianas.

O doente incapacitado visualmente

Apesar do tratamento, alguns doentes ficam com uma diminuição significativa da acuidade

visual. Estes doentes são potenciais candidatos para os serviços de subvisão e devem ser

encaminhados para Oftalmologistas capazes de providenciar estes serviços. O uso de

sistemas de ajuda visual vai permitir que uma parte destes doentes, considerados incapacitados,

desempenhe as suas actividades independentemente da ajuda de terceiros.

ASPECTOS A RETER

Deve-se suspeitar de glaucoma sempre que ao exame oftalmoscópico aparecer uma excavação larga com palidez central ou uma importante assimetria entre ambas as excavações;

A indicação primária para extracção da catarata é a incapacidade que provoca nas actividades diárias do paciente;

Sempre que um doente idoso apresente qualquer alteração da área macular à fundoscopia ou a sintomatologia o faça supor, deve ser encaminhado para uma consulta de Oftalmologia, dado que tais sinais ou sintomas podem estar relacionados com a existência de DMRI. Esta situação, sobretudo na forma exsudativa, pode evoluir para perda grave, rápida e potencialmente irreversível da visão central e pode requerer tratamento o mais precocemente possível.

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V – PERDA SÚBITA DE VISÃO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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V - PERDA SÚBITA DE VISÃO

A perda súbita ou a redução acentuada da visão, no espaço de minutos ou horas, traduz

geralmente uma situação oftalmológica que requer observação e tratamento urgente. O

Médico encarregado dos cuidados primários deve saber reconhecer as situações que podem

causar perda súbita da visão, de modo a poder enviar com urgência ao Oftalmologista, ou

mesmo iniciar terapêuticas, quando necessário. O resultado visual final está muitas vezes

dependente de um diagnóstico precoce correcto e de um tratamento iniciado atempadamente.

As causas principais de perda súbita da visão são:

Glaucoma agudo Hemorragia do vítreo Descolamento da retina Oclusão da artéria central da retina Trombose da veia central da retina Nevrite óptica aguda Secção traumática do nervo óptico

Objectivos

É fundamental saber avaliar um doente que se apresenta com queixas de perda brusca da

visão (seja da acuidade visual, seja do campo visual) de maneira a construir um diagnóstico

diferencial e reconhecer as situações que exijem uma actuação urgente. Para atingir estes

objectivos deve aprender a:

Saber quais as questões que deve perguntar ao doente; Saber utilizar técnicas de exame apropriadas, dando atenção especial às respostas

pupilares, à avaliação dos campos visuais e à oftalmoscopia; Saber as situações que com maior probabilidade causam perda brusca da visão.

História clínica e exame oftalmológico

Alguma das perguntas mais importantes a fazer ao doente que se queixa de perda brusca

de visão incluem:

A perda da visão foi transitória ou é persistente? A perda da visão é monocular ou binocular? Como correu e de que modo? Surgiu abruptamente ou desenvolveu-se ao longo

horas, dias ou semanas? Qual é a idade do doente? Que outras doenças tem? Há ou não uma história anterior de visão normal?

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V – PERDA SÚBITA DE VISÃO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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Avaliação da acuidade visual

O primeiro passo a executar num doente que se queixa de perda súbita da visão é determinar

a gravidade da baixa da acuidade, em cada olho, com a correcção óptica que usa.

Avaliação dos campos visuais por confrontação

A verificação de uma acuidade visual normal não garante a não existência de uma perda de

visão. É importante avaliar todo o campo visual, incluindo a visão periférica. Por exemplo

um doente que perdeu toda a visão periférica, de um lado, em ambos os olhos (hemianópsia

homónima) apresenta habitualmente resposta normais na avaliação da acuidade visual

central.

Reacções pupilares

A reacção pupilar à luz é muito útil para avaliar uma baixa da visão, especialmente quando a

reacção é assimétrica. Com um foco luminoso é possível apresentar uma luz forte,

sucessivamente a um e ao outro olho, de maneira a observar as reacções pupilares. Quando

há uma lesão na retina ou no nervo óptico de um dos olhos, os centros de controle do

tamanho da pupila reconhecem a luz que atingiu o olho normal como sendo mais brilhante.

Assim, quando o foco luminoso se move do olho normal para o olho doente, a pupila do olho

doente pode continuar a dilatar. Este teste quando positivo indica-nos a presença dum defeito

aferente pupilar relativo, também denominado pupila de Marcus Gunn. A presença ou

ausência de um defeito aferente relativo é, muitas vezes, um dado importante no processo de

avaliação de uma perda de visão monocular.

Oftalmoscopia

A oftalmoscopia é provavelmente o exame mais importante para avaliar a perda de visão,

porque permite a inspecção directa do fundo do olho e avaliar a transparência dos meios

oculares.

Tonometria

A tonometria ao medir a pressão intraocular pode ajudar a confirmar a presença de uma

situação de glaucoma de ângulo fechado que pode ser responsável de perda brusca de visão.

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V – PERDA SÚBITA DE VISÃO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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PERDA SÚBITA DE VISÃO

1- GLAUCOMA AGUDO

Causa de perda súbita de visão que cursa com um quadro clínico de “Olho vermelho

doloroso”.

2- HEMORRAGIA DO VÍTREO

A hemorragia do vítreo, ou hemovítreo, é geralmente causada por um sangramento

abundante, a partir de vasos normais ou de neovasos retinianos, para o interior da cavidade

vítrea.

Esta situação pode resultar directamente de neovascularização da retina secundária a

retinopatias isquémicas. A retina isquémica liberta factores angiogénicos (ex: VEGF), sendo

o sangramento dos frágeis neovasos associados à retinopatia diabética proliferativa e à

retinopatia isquémica secundária a oclusão da veia central da retina, as causas mais

frequentes de hemorragia do vítreo.

A segunda causa mais comum é uma rotura de vasos normais da retina, causada por uma

rasgadura da retina ou um descolamento posterior do vítreo, quando o vítreo cortical está

aderente aos vasos retinianos.

Sintomas

Perda súbita de visão, indolor, aparecimento súbito de pontos negros ou de luzes em “flash”.

As pequenas hemorragias do vítreo causam turvação da visão e múltiplos pontos negros; as moderadas são percebidas como fios escuros; as hemorragias densas causam uma grande baixa de visão podendo esta ficar reduzida apenas a percepção luminosa.

Sinais

Hemorragia grave: o reflexo vermelho do fundo pode estar ausente e não se conseguir observar o fundo ocular.

Hemorragia moderada: o sangue pode obscurecer parte da retina e dos vasos retinianos.

Dependendo da etiologia pode haver outras alterações oftalmoscópicas.

Etiologia

Retinopatia diabética proliferativa; oclusão venosa retiniana com neovascularização; rasgadura da retina; descolamento da retina; descolamento posterior do vítreo; degenerescência macular relacionada com a idade; traumatismo; tumor intraocular; hemorragia subaracnóide ou subdural; outras causas.

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V – PERDA SÚBITA DE VISÃO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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Diagnóstico diferencial

Uveíte posterior (o início não é geralmente tão súbito); Descolamento da retina (este pode ocorrer com hemorragia do vítreo e os sintomas

serem iguais).

Conduta

História: Doença ocular ou sistémica? Traumatismo? Uma história detalhada é muito importante, sobretudo para verificar a possibilidade

de doenças sistémicas como a diabetes ou de um traumatismo. Exame oftalmológico completo, incluindo oftalmoscopia indirecta, e observação de

ambos os olhos (o olho adelfo pode indicar uma causa possível do hemovítreo). Enviar a um Oftalmologista para esclarecimento da etiologia. Podem ser necessários

exames complementares de diagnóstico (ecografia, angiografia fluoresceínica). Na ausência de visualização conveniente do fundo ocular, uma ecografia é

mandatória para excluir um possível descolamento da retina.

Tratamento

Dirigido à causa subjacente; o doente deve ser observado e seguido por um Oftalmologista.

Pode optar-se por um tratamento conservador: repouso com elevação da cabeceira da cama elevada (30-45º), com ou sem oclusão bilateral, até visualização da retina; controlo ecográfico periódico.

Pode ser necessária uma intervenção cirúrgica a curto prazo ou diferida. Indicações para vitrectomia: hemovítreo associado a descolamento da retina;

hemorragia com mais de 2 a 3 meses de duração; hemovítreo associado a glaucoma.

3. DESCOLAMENTO DA RETINA

O descolamento da retina ocorre quando se acumula líquido subretiniano entre o espaço

potencial existente entre a retina neuso-sensorial e o epitélio pigmentado da retina.

Dependente do mecanismo de acumulação do líquido subretiniano, os descolamentos da

retina podem ser classificados em regmatogéneos, exsudativos ou traccionais.

O termo regmatogéneo deriva do grego “rhegma”, que significa solução de continuidade ou

rasgadura. O descolamento regmatogéneo da retina ocorre quando uma rasgadura da retina

permite uma passagem de líquido para o espaço subretiniano, separando a retina neuro-

sensorial do epitélio pigmentado. Este é o tipo mais frequente de descolamento da retina.

A tracção vítreo-retiniana é responsável pela ocorrência dos descolamentos regmatogéneos

da retina. Com a idade, ocorre uma liquefacção do vítreo (sinérese vítrea) que origina um

descolamento posterior do vítreo. Na maioria dos casos, o vítreo separa-se da retina sem

qualquer sequela, originando por vezes sintomas – fotópsias. No entanto, nalguns casos,

existem fortes aderências vítreo-retinianas que podem originar uma rasgadura da retina. O

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V – PERDA SÚBITA DE VISÃO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

73

vítreo liquefeito pode então passar através da rasgadura dando origem ao descolamento da

retina.

Existem uma série de situações que predispõem ao descolamento posterior do vítreo ao

acelerarem a sua liquefacção: miopia, afaquia ou pseudofaquia, história familiar e

inflamação.

História

Inquirir sobre factores de risco que predispõem a um descolamento posterior do vítreo:

miopia, cirurgias oculares prévias, história familiar; descolamento regmatogéneo no outro

olho.

Sintomas

Fotópsias (percepção de luzes ou flashes no campo visual); causada por estimulação mecânica da tracção vítreo-retiniana; podem ser induzidas por movimentos oculares e são mais visíveis com pouca iluminação.

Corpos flutuantes do vítreo; Sombra ou cortina movendo-se sobre o campo visual; Defeito no campo visual. Perda de visão central ou periférica; quando a mácula é descolada (extensão do

líquido subretinianao até à mácula), o doente tem uma baixa grande da visão central.

Sinais

A retina descolada presenta-se elevada, com uma coloração discretamente opaca, convexa, com superfície enrugada e ondula livremente com os movimentos oculares (excepto se existe uma grave vitreorretinopatia proliferativa).

Podem ser observadas soluções de continuidade na retina: rasgaduras em forma de ferradura, com um “flap”; 60% das rasgaduras ocorrem no quadrante temporal superior, 15% no nasal superior, 15% no temporal inferior e 10% no nasal inferior.

Podem existir uma hemorragia do vítreo, um defeito pupilar aferente e pressão intraocular baixa.

Etiologia

Descolamento regmatogéneo: rasgaduras da retina, traumatismos; Descolamento exsudativo: neoplasias, uveítes, anomalias congénitas; Descolamento traccional: por tracção da retina provocada por membranas vítreas

(retinopatia diabética proliferativa, traumatismos, descolamentos regmatogéneos de longa evolução, inflamações intraoculares).

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Conduta

Enviar a um serviço de urgência de Oftalmologia

Tratamento

Os descolamentos regmatogéneos exigem uma cirurgia urgente. Os doentes com descolamentos regmatogéneos que envolvem ou ameaçam a mácula

devem ser colocados em repouso no leito, com penso oclusivo bilateral, até serem submetidos a intervenção; os descolamentos que não ameaçam a área macular devem ser operados, de preferência dentro de 1 a 2 dias.

Os descolamentos exsudativos têm tratamento médico. Os descolamentos traccionais podem exigir uma cirurgia urgente ou programada.

Cirurgia

Os objectivos da cirurgia são identificar e selar todas as rasgaduras da retina, isto é,

promover o contacto entre a retina e o epitélio pigmentado subjacente. Isto pode ser

conseguido aproximando a parede do globo ocular da retina descolada (indentação escleral)

ou empurrando a retina descolada para a parede ocular (tamponamento interno). O fecho das

rasgaduras é conseguido criando adesões ou cicatrizes coriorretinianas ao redor das

rasgaduras através de diatermia, crioterapia ou fotocoagulação laser.

Retinopexia pneumática

Procedimento cirúrgico ambulatório em que é injectado no vítreo, por via

transconjuntival, uma bolha de gás expansível. O doente é posicionado de modo à tensão

superficial da bolha encostar a retina ao epitélio pigmentado; esta manobra fecha a rasgadura

e permite a reabsorção do líquido subretiniano. As adesões coriorretinianas ao redor da

rasgadura são depois produzidas por fotocoagulação laser.

Doentes com rasgaduras pequenas, localizadas superiormente, são bons candidatos a

esta técnica, podendo ser uma alternativa à técnica clássica.

Indentações esclerais (técnica clássica)

As indentações esclerais são feitas com explantes de silicone sólido ou em esponjas. É

realizada uma peritomia conjuntival e isolados os músculos rectos. Em seguida são

identificadas as rasgaduras com o oftalmoscópio indirecto e tratadas com crioterapia.

Seguidamente é suturada o explante à esclera, de modo a fechar as rasgaduras. Pode ser

necessário drenar o líquido subretinianao, através de uma esclerotomia, para aproximar a

parede do globo ocular da retina descolada.

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V – PERDA SÚBITA DE VISÃO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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Vitrectomia e tamponamento interno

Inicialmente, a vitrectomia posterior via pars plana era utilizada para tratar hemovítreos,

descolamentos traccionais diabéticos e vitreorretinopatias proliferativas. Hoje muitos

cirurgiões usam esta técnica como tratamento primário de descolamentos regmatogéneos da

retina não complicados.

A vitrectomia é realizada habitualmente com três porteas de entrada (esclerotomias).

Após remoção do vítreo e das tracções vítreo-retinianas, é drenado o líquido subretiniano

através da rasgadura ou de uma retinotomia, durante a troca líquido de perfusão-ar. O

tratamento das rasgaduras retinianas é geralmente feito por endofotocoagulação laser. O

tamponamento interno pode ser feito com ar, gás expansível ou óleo de silicone.

Complicações

As complicações deste tipo de cirurgia podem ser numerosas. A vitreorretinopatia

proliferativa é, no entanto, a causa mais frequente de falência da cirurgia. Nesta situação

formam-se membranas na superfície da retina e na cavidade vítrea, causando tracções e

redescolamento da retina. Estas membranas são compostas por proliferações de células

derivadas do epitélio pigmentado da retina, células gliais e fibrócitos. Os factores de risco

incluem o número e tamanho das rasgaduras, o número de cirurgias prévias e a inflamação

associada.

4- OCLUSÃO DA ARTÉRIA CENTRAL DA RETINA

A oclusão da artéria central da retina, provocada por um obstáculo mecânico, extrínseco ou

intrínseco, causa profundas alterações do débito sanguíneo retiniano e uma perda súbita da

visão, de prognóstico reservado. Quando a oclusão arteriolar está localizada num ramo de

artéria central da retina apenas uma parte da retina fica isquémica e há apenas perda parcial

da visão. A causa é frequentemente embólica pelo que é importante procurar a sua origem.

Algumas horas após o acidente vascular as camadas internas da retina tornam-se

opalescentes devido ao edema. A interrupção aguda do fluxo arterial retiniano origina um

edema das camadas internas da retina e picnose nuclear das células ganglionares. A

interrupção prolongada causa lesões irreversíveis, com necrose isquémica, e a retina torna-se

opalescente e esbranquiçada, mais no pólo posterior, como resultado de um aumento da

espessura da camada de fibras nervosas e das células ganglionares. A fovéola assume o

aspecto de uma mancha cor-de-cereja (“cherry-red spot”) pela combinação de dois factores:

(1) a coróideia e o epitélio pigmentado da retina, sob a fóvea, permanecem intactos e (2) a

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V – PERDA SÚBITA DE VISÃO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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retina foveolar é irrigada pela coriocapilar. Como nesta localização as camadas mais internas

da retina estão ausentes, a retina mantém-se transparente e permite a visualização da

circulação coroideia, mantendo a coloração vermelha normal. A palidez da retina, em

contraste com a zona central vermelha cria o quadro oftalmoscópico característico da oclusão

da artéria central da retina, a mancha cor-de-cereja (“cherry-red spot”). Um quadro

oftalmoscópico semelhante pode ser observado na doença de Tay-Sachs e na doença de

Niemann-Pick, por alteração selectiva das células ganglionares da fóvea.

Após a oclusão da artéria central da retina há morte e atrofia das camadas internas da retina,

sendo estas substituídas por uma cicatriz fibroglial homogénea, com perda acentuada da

visão. A opacificação da retina, que geralmente ocorre entre 15 minutos a algumas horas,

resolve-se em 4 a 6 semanas com restabelecimento do fluxo sanguíneo arterial retiniano. No

entanto, é possível observar a persistência de um estreitamento arteriolar retiniano e palidez

do disco óptico.

Por vezes, é possível a visão ser pouco afectada na presença de uma oclusão da artéria

central da retina. Tal situação resulta da existência de uma arteríola cilio-retiniana, presente

em cerca de 10% da população, e que irriga a fóvea. Nestes casos, a acuidade visual

geralmente recupera em duas semanas, em cerca de 80% dos casos, para 4/10 ou mais.

História

A queixa mais frequente é a de uma baixa súbita da visão, indolor e persistente. Alguns doentes apresentam uma história prévia de amaurose fugax, isto é, episódios

transitórios de perda de visão e recuperação expontânea, em alguns segundos a minutos.

Inquirir sobre sintomas de arterite temporal em doentes mais idosos. História de cefaleias, claudicação ao mastigar, hiperestesia do couro cabeludo, dores musculares e articulares proximais, anorexia, perda de peso, febre.

Interrogar sobre problemas médicos que podem predispor à formação de êmbolos (fibrilhação auricular, endocardite, coagulopatias, doença aterosclerótica, estados de hipercoaguabilidade).

História de cirurgias prévias, história de abuso de drogas.

Sintomas

Perda súbita da visão, no espaço de segundos, unilateral e sem dor; Em 90% dos casos a visão fica reduzida a percepção luminosa; Pode haver uma história prévia de amaurose fugax.

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Sinais

Retina de cor esbranquiçada no pólo posterior, com uma mancha cor-de-rosa no centro da mácula (pode demorar algum tempo a surgir);

Estreitamento acentuado da rede vascular arterial e interrupção da corrente sanguínea venosa, com segmentação da coluna sanguínea;

Podem visualizar-se êmbolos em cerca de 20 % dos casos; Defeito pupilar aferente marcado; As alterações oftalmoscópicas resolvem dentro de dias ou semanas, deixando apenas

uma palidez do disco óptico como sinal visível.

Etiologia

Hipertensão arterial (2/3 dos doentes) Diabetes mellitus Doença valvular cardíaca (1/4 dos doentes) Anomalias cardíacas (persistência do foramen ovale) Embolismo (causa mais frequente de oclusão da artéria central da retina em doentes

idosos) - Mais frequentemente colesterol - Leuco-êmbolos - vasculite, retinopatia de Purtscher, endocardite séptica - Êmbolos de gordura após fracturas ósseas - Êmbolos de líquido amniótico - complicação da gravidez - Tumores – mixoma auricular - Êmbolos de talco – drogas intravenosas - Corticosteróides – injecções intralesional ou retrobulbares - Êmbolos de ar após traumatismos ou cirurgia - Materiais sintéticos usados na cirurgia cardíaca e vascular

Coagulopatias (anemia de células falciformes, ac. anti-fosfolipídeos) Doença aterosclerótica (aterosclerose da carótida em 45% dos casos) Arterite de células gigantes (pode causar OACR ou neuropatia óptica isquémica) Estados de hipercoaguabilidade Doenças vasculares do colagéneo Policitémia Outras causas raras

Tratamento

Quando o exame oftalmoscópico revela um quadro de oclusão da artéria central da retina

recente, estamos perante uma situação de verdadeira urgência oftalmológica. O

restabelecimento do fluxo sanguíneo retiniano deve ser tentado e o doente deve ser tratado

por Médico Oftalmologista urgentemente.

Como medida de emergência, um Clínico Geral pode tentar comprimir o globo ocular com a

palma da mão, de modo firme, por períodos de dez segundos, aliviando outros dez segundos,

repetidamente e durante cerca de cinco minutos. Por vezes a alteração súbita da pressão

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V – PERDA SÚBITA DE VISÃO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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intraocular induzida pela pressão manual pode ajudar a mobilizar um êmbolo e contribuir

para o restabelecimento da circulação.

Instituir imediatamente após o diagnóstico, se a baixa de visão ocorreu há menos de 24

horas:

Massagem ocular imediata (digital) Acetazolamida 500 mg IV ou 2 comprimidos de 250 mg oral e um betabloqueador

tópico (ex.: timolol a 0.5%) para baixar a pressão intraocular Administrar CO2 a 5% com 95% de oxigénio (em meio hospitalar), com

monitorização da pressão sanguínea, pulso e estado mental. Paracentese da câmara anterior V.S. se o doente tem mais de 55 anos, para excluir uma arterite de células gigantes;

se a V.S. está elevada, administrar corticosteróide i.v. em altas doses Enviar a Oftalmologista para tratamento e estudo.

5- OCLUSÃO DA VEIA CENTRAL DA RETINA

A oclusão ou trombose da veia central da retina é uma das doenças vasculares da retina mais

frequentes. Clinicamente a perda da acuidade visual pode ser grave, mas o modo de

aparecimento é caracteristicamente menos brusco do que na oclusão da artéria central da

retina. O quadro oftalmoscópico caracteriza-se pela presença de hemorragias retinianas,

dilatação venosa acentuada, manchas algodonosas, edema macular e edema do disco óptico.

Apesar do aspecto dramático do fundo do olho, em que as hemorragias predominam, a

oclusão da veia central da retina não é uma verdadeira urgência oftalmológica, uma vez que

não há um tratamento imediato eficaz.

As oclusões da veia central da retina podem ser genericamente divididas em dois tipos:

isquémica e não-isquémica. A forma não-isquémica é uma forma moderada da doença,

podendo apresentar-se com uma relativa boa visão, apenas com algumas hemorragias

retinianas e raras manchas algodonosas, sem defeito pupilar aferente e com boa perfusão da

retina. Esta forma pode resolver-se com recuperação da acuidade visual ou evoluir para a

forma isquémica.

A forma isquémica é grave, podendo surgir de início ou progredir a partir de uma forma não-

isquémica. Geralmente causa grande baixa de visão, hemorragias retinianas extensas e

manchas algodonosas, com defeito pupilar aferente relativo e zonas de fraca perfusão da

retina. Esta forma pode evoluir para um glaucoma neovascular e perda total da visão.

A artéria e veia central da retina têm uma membrana adventícia comum quando saiem da

cabeça do nervo óptico e passam através da lâmina cribosa. Esta posição anatómica

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predispõe à formação de trombos na veia central por vários factores que incluem diminuição

do fluxo sanguíneo (compressão), alterações da parede vascular (vasculites) e alterações

sanguíneas (deficiência de factores trombolíticos, aumento de factores de coagulação). As

alterações arterioscleróticas da artéria central da retina originam compressão da veia,

causando alterações hemodinâmicas, alterações endoteliais e formação de trombos. Este

mecanismo pode explicar a associação entre a doença arterial (hipertensão arterial) e a

oclusão da veia central da retina.

A oclusão da veia central da retina causa um aumento da resistência à drenagem venosa, com

estase sanguínea e lesões isquémicas da retina. A isquémia retiniana estimula a produção de

factores angiogénicos (“Vascular Endothelial Growth Factor”, VEGF) na cavidade vítrea, o

qual estimula a neovascularização no segmento posterior e anterior do globo ocular,

complicações que podem ocorrer nesta patologia.

O prognóstico da oclusão da veia central da retina depende do restabelecimento do sistema

venoso por recanalização, dissolução do coágulo ou formação de shunts.

A oclusão da veia central da retina ou de um ramo venoso constituem a segunda causa mais

frequente de retinopatias vasculares. Embora possa ocorrer em todos os grupos etários, 90%

dos casos surgem em doentes com mais de 50 anos. A forma não isquémica é mais frequente

do que a isquémica.

História

História: problemas médicos, medicações, doenças oculares? (Hipertensão arterial, diabetes mellitus, doenças cardiovasculares, hemorragias ou alterações da coagulação, vasculite, doenças autoimunes, uso de contraceptivos orais, história de glaucoma).

Verificar pressão arterial Avaliação médica completa, em especial para excluir uma causa cardiovascular Exame oftamológico completo

Sintomas

Perda súbita da visão, usualmente unilateral e sem dor. Pode ser assintomática A perda de visão pode ser súbita ou mais gradual, em dias ou semanas; pode ser

ligeira ou grave

Sinais

Hemorragias retinianas em todos os quadrantes do fundo ocular (ou localizadas, no caso de oclusão de um ramo venoso); podem ser superficiais, em mancha (“dot and blot”), e/ou profundas

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Veias retinianas dilatadas e tortuosas Edema e hemorragias do disco óptico (especialmente nas fases iniciais) Edema macular Podem coexistir manchas algodonosas ou neovascularização da retina e disco óptico

(complicação das formas isquémicas). Formas isquémicas:

- manchas algodonosas (>10), hemorragias retinianas extensas, frequentemente com defeito pupilar aferente e acuidade visual < 1/10.

Formas não-isquémicas: - alterações moderadas do fundo ocular, frequentemente sem defeito pupilar aferente e

com acuidade visual >1/10.

Conduta

História: problemas médicos, medicações, doenças oculares? Verificar pressão arterial Avaliação médica completa, em especial para excluir uma causa cardiovascular Exame oftamológico completo

A angiografia fluoresceínica é um exame muito útil na avaliação da isquémia retiniana (áreas

de não-perfusão capilar), do edema macular e da existência de neovascularização. No

entanto, apenas se revela útil após a reabsorção das hemorragias retinianas (cerca de 4

semanas), que impedem a visualização conveniente da vascularização retiniana

Etiologia

As oclusões venosas retinianas podem estar associadas a:

Doenças vasculares sistémicas

Hipertensão Diabetes mellitus Doença cardiovascular

Discrasias sanguíneas

Policitémia vera Linfomas Leucemias

Alterações da coagulação

Resistência proteína C activada Anticoagulante lúpico Anticorpos anticardiolipina Proteína C Proteína S Antitrombina III

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Paraproteinemia and disproteinemias

Mieloma múltiplo Crioglobulinémia

Vasculite

Sífilis Sarcoidose

D. Autoimunes - LES

Contraceptivos orais em mulheres

Outras causas raras (trauma, drusens do disco óptico, etc.)

Evolução

O doente deve ser observado por um Oftalmologista, sobretudo porque tem de ser

vigiada a sua evolução.

Formas não-isquémicas: observação cada 4 semanas, durante pelo menos 6 meses Formas isquémicas: observação cada 2-3 semanas, durante pelo menos 6 meses Os casos que desenvolvem isquémica e neovascularização necessitam tratamento OVCR não-isquémica:

- Recuperação completa, com boa recuperação da visão, em apenas 10% dos casos - 50% dos casos têm uma acuidade visual final de 1/10 ou menos - 1/3 dos casos evoluem para uma forma isquémica, geralmente no primeiro ano

de evolução • OVCR não-isquémica:

- Mais de 90% dos doentes apresentam uma acuidade visual final de 1/10 ou menos - Cerca de 60% dos doentes desenvolvem neovascularização e complicações

associadas - Cerca de 10% dos casos podem desenvolver OVCR ou outra oclusão venosa no

mesmo olho ou no olho adelfo dentro de 2 anos

Tratamento

Não existe tratamento médico eficaz para a prevenção ou tratamento da oclusão da veia

central da retina. É importante identificar e tratar qualquer problema médico associado, para

reduzir complicações futuras.

Suspensão de anticonceptivos orais; mudança para outra medicação anti-hipertensora; tratar as causas médicas subjacentes

Controlar a pressão intraocular, se esta está elevada Vários tratamentos medicos têm sido preconizados, mas sem consenso científico:

Ácido acetilsalicílico; anti-inflamatórios não-esteróides; anticoagulantes.

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As complicações da OVCR podem e devem ser tratadas. A fotocoagulação laser é o

tratamento de escolha conhecido das complicações associadas a retinopatias vasculares

(retinopatia diabética, oclusões venosas,...). A fotocoagulação laser panretiniana tem sido

usada no tratamento das complicações neovasculares da OVCR mas, no entanto, não existem

protocolos definitivos para indicações e para o momento exacto da sua utilização.

Isquémia e neovascularização:

Fotocoagulação laser panretiniana Crioterapia da retina Injecções intra-vítreas de anti-VEGFs Edema macular:

Fotocoagulação laser focal Injecções intra-vítreas de corticosteróides Injecções intra-vítreas de anti-VEGFs

Complicações

Neovascularização - do segmento anterior, podendo causar glaucoma neovascular - do segmento posterior, podendo causar hemovítreo

Edema macular (causa mais frequente de baixa de visão, mais na não-isquémica) - pode resolver com recuperação de visão - pode desenvolver alterações degenerativas com prognóstico visual pobre - pode desenvolver edema macular cistóide dando origem a um buraco macular

Fibrogliose peri-macular Atrofia óptica

6- NEVRITE ÓPTICA AGUDA

Inflamação aguda do nervo óptico na sua porção intraocular (papilite) ou extraocular (nevrite

óptica retrobulbar). Em crianças, a maioria dos casos de nevrite óptica são processos

imunologicamente mediados relacionados com infecções virusais ou outras, ou com

imunizações. No adulto, frequentemente está associada à esclerose múltipla, sendo muitas

vezes a primeira manifestação, embora possa ocorrer isoladamente. Estudos a longo prazo

demonstraram que até 75% das mulheres que se apresentam com nevrite óptica vêm a

desenvolver esclerose múltipla. Ocasionalmente pode ser devida a processos infecciosos

envolvendo a órbita e os seios peri-nasais ou ocorrer no contexto de uma infecção virusal

sistémica.

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Nevrite óptica

Adulto Criança Unilateral Bilateral

Nevrite óptica retrobulbar Papilite

Frequentemente associada com dor nos movimentos oculares Frequentemente associada a cefaleias

Mais frequentemente idiopática Mais frequente após infecções ou imunizações Grande probabilidade de episódios recorrentes de desmielinização do SNC e do diagnóstico de esclerose múltipla

Baixa probabilidade de episódios recorrentes de desmielinização do SNC e do diagnóstico de esclerose múltipla

Sintomas

Perda de visão no espaço de horas (raro) ou dias (mais comum) podendo ser mínima ou profunda

Usualmente unilateral (mas pode ser bilateral, e em tempos diferentes) Idade típica: 18-45 anos (mas pode surgir em crianças) Dor orbitária, especialmente com o movimento ocular Alteração adquirida da visão cromática Percepção reduzida da intensidade da luz Pode haver sintomas neurológicos acompanhantes ou história de uma síndroma

virusal prévia (vias respiratórias superiores, gastrointestinal)

Sinais

Baixa da acuidade visual (ligeira, moderada ou grave) Deficiente visão cromática Defeito pupilar aferente relativo ou pupila de Marcus-Gunn Defeitos no campo visual (escotomas: central, cecocentral, arqueado, altitudinal)

Outros sinais:

Edema do disco óptico com ou sem hemorragias peripapilares (papilite - mais frequente em crianças e adultos jovens)

Disco óptico de aspecto normal (nevrite óptica retrobulbar - mais comum em adultos).

Etiologia

Idiopática; esclerose múltipla; infecções virusais (sarampo, parotidite, varicela,

mononucleose infecciosa, herpes zooster); inflamações contíguas das meninges, órbita ou

seios perinasais; inflamações granulomatosas (tuberculose, sífilis, sarcoidose); uveítes.

Diagnóstico diferencial

Neuropatia óptica isquémica

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Edema agudo da papila (sem baixa da visão, sem alterações da visão cromática, sem dor)

Hipertensão arterial grave Tumores intraorbitários ou intracraneanos Neuropatias ópticas tóxicas ou nutricionais

Conduta

Exame oftalmológico e neurológico completo Envio do doente a um serviço de Oftalmologia e/ou Neurologia Estudo laboratorial (sangue, LCR, auto-anticorpos), imagiológico (RMN do SNC e

órbitas), outros (campos visuais, potenciais occipitais evocados)

Tratamento

Corticoterapia sistémica endovenosa (altas doses, i.e. Metilprednisolona 1 gr por dia, 3 a 5 dias; seguida de corticoterapia oral curta).

Prognóstico

Em crianças o prognóstico para uma recuperação visual é geralmente bom Em adultos, é comum uma recuperação gradual e lenta da visão; em geral a visão

começa a melhor semanas após o início É comum persistirem déficites da visão cromática e da sensibilidade ao contraste O prognóstico visual final é variável, sendo geralmente pior em doentes que vêm a

desenvolver esclerose múltipla Até 75% dos doentes adultos do sexo feminino e 35% do masculino que inicialmente

apresentam nevrite óptica vêm a desenvolver esclerose múltipla.

Diagnóstico diferencial

Papiledema (sem baixa da visão, sem alterações da visão cromática, sem dor) Neuropatia óptica isquémica Hipertensão arterial grave Tumores intraorbitários ou intracraneanos Neuropatias ópticas tóxicas ou nutricionais

a. Nevrite óptica (Papilite)

A nevrite óptica é uma inflamação do nervo óptico, frequentemente sem causa conhecida,

mas que pode surgir como primeira manifestação de esclerose múltipla. Uma perda súbita de

visão e um defeito pupilar aferente relativo são os componentes habituais do quadro da

nevrite óptica. O disco óptico apresenta-se edemaciado e hiperémico. A observação

oftalmológica e neurológica é fundamental e o início do tratamento urgente.

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V – PERDA SÚBITA DE VISÃO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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b. Nevrite óptica retrobulbar

Um doente que apresenta uma perda monocular da visão, a qual progride num período de

horas ou dias, e que se acompanha de dor nos movimentos oculares e com um quadro

oftalmológico normal deve fazer pensar numa nevrite óptica retrobulbar. A visão está

diminuída e pode haver defeito pupilar aferente. A observação oftalmológica e neurológica é

fundamental e o início do tratamento urgente.

c. Papiledema

O papiledema é um edema do disco óptico causado por um aumento da pressão

intracraniana. Em contraste com as outras causas de edema do disco óptico, a visão está

geralmente preservada e é um fenómeno bilateral, que se desenvolve em horas a semanas.

Como o espaço subaracnoideu do cérebro é contínuo com as baínhas do nervo óptico, o

aumento da pressão do LCR é transmitido à cabeça do nervo óptico resultando em edema

visível no exame do fundo ocular. Enquanto na nevrite óptica a visão está diminuída e há

alteração dos reflexos pupilares, no papiledema a acuidade visual e os reflexos pupilares

estão geralmente normais. As causas de papiledema são potencialmente ameaçadoras da

vida, exigindo um diagnóstico e tratamento precoces:

Lesões do CNS ocupando espaço (tumores) Hipertensão intracraniana idiopática (pseudotumor cerebri)

d. Neuropatia óptica isquémica (não arterítica)

O edema do disco óptico com perda da visão num indivíduo idoso deve fazer pensar num

problema vascular degenerativo (arteriosclerose), mais do que numa causa inflamatória. A

neuropatia óptica isquémica é uma situação de origem vascular que se caracteriza por um

edema pálido do disco óptico, muitas vezes com hemorragias lineares, em chama de vela,

baixa da acuidade visual e alterações do campo visual. A alteração do campo visual atinge de

preferência os campos superior ou inferior e é designada de altitudinal.

e. Neuropatia óptica isquémica arterítica (arterite de células gigantes)

O aparecimento de uma neuropatia óptica isquémica num doente com mais de sessenta anos

deve fazer pensar numa arterite de células gigantes (ou arterite temporal). Outros sintomas

desta forma de arterite sistémica incluem cefaleias, febre, perda de peso, dor e

hipersensibilidade muscular e das articulações, desconforto no acto de pentear o cabelo e a

característica dor ao mastigar. As alterações oftalmológicas podem incluir também diplopia e

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V – PERDA SÚBITA DE VISÃO Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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perda brusca da visão (isquémia em múltiplos territórios vasculares – oclusão da artéria

central da retina, enfartes coroideus, isquémia muscular, etc). A presença de uma neuropatia

óptica isquémica num indivíduo idoso implica um pedido laboratorial da velocidade de

sedimentação (VS). Característicamente encontra-se muito elevada e permite suspeitar do

diagnóstico e iniciar um tratamento precoce (corticoterapia sistémica). Um tratamento

precoce pode evitar uma perda irreversível da visão e o envolvimento do olho adelfo, pelo

que estes doentes devem ser encaminhados, com urgência, para um Oftalmologista.

f. Hipertensão arterial grave

A hipertensão arterial maligna ou acelerada causa geralmente um edema bilateral do disco

óptico mas com alterações retinianas características

g. Tumores intraorbitários

Embora geralmente causem uma perda mais lenta da visão, no diagnóstico diferencial deve

considerar-se, nalguns casos, a hipótese de uma compressão tumoral do nervo óptico no seu

trajecto orbitário. A realização de uma tomografia axial computorizada da região orbitária

está indicada.

h. Neuropatias ópticas tóxicas ou nutricionais

Geralmente causam uma perda progressiva de visão mas originam escotomas centrais ou

centocecais e uma redução da visão cromática, podendo causar atrofia do disco óptico.

Causas de neuropatia óptica nutricionais incluem o tabaco, o etanol, a tiamina e a vitamina B12.

Causas de neuropatia óptica incluem fármacos e químicos como o metanol, o etilenoglicol, o tolueno, o etambutol, isoniazida, digitálicos, vincristina e amiodarona.

i. Traumatismo do nervo óptico (compressão, secção)

Um traumatismo craneano violento, atingindo a região orbitária, pode originar fracturas das

paredes orbitárias e lesão do nervo óptico por compressão ou mesmo secção, com perda

brusca da visão. A secção do nervo óptico causa uma perda irreversível e completa da visão

com abolição reflexos pupilares, muitas vezes com um quadro oftalmoscópico normal.

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VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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VI - NEUROFTALMOLOGIA

A Neuroftalmologia é a área da Oftalmologia respeitante às afecções do Sistema Nervoso

relacionadas com a Oftalmologia: a via óptica aferente (as fibras relacionadas com a

transmissão e processamento da informação visual) e as vias eferentes (as vias relacionadas

com o controlo oculomotor e função pupilar), o nervo facial (oclusão palpebral e lacrimação)

e o nervo trigémio (sensibilidade ocular e dos anexos e lacrimação).

Estima-se que praticamente metade de todos os neurónios do córtex cerebral sejam dedicados

ao processamento da informação visual.

A via aferente da retina ao córtex visual primário é constituída pelos fotorreceptores e por 3

neurónios:

1. fotorreceptores 2. células bipolares 3. células ganglionares da retina (e os seus axónios, incluindo quiasma óptico e vias

ópticas) 4. neurónios geniculocalcarinos

O grau de detalhe do exame neuroftalmológico varia consoante as queixas do doente. Por

exemplo num doente com um enfarte occipital é indispensável a avaliação da acuidade visual,

visão cromática e campos visuais. Nas diplopias e anisocórias, a realização de campimetria é

geralmente dispensável, ao contrário de doentes com hipertensão intracraniana ou neoplasias

paraquiasmáticas. A maioria das técnicas de exame neuroftalmológico envolvem material

especializado e que geralmente não está disponível mas existem vários exames simples que

são muitas vezes suficientes para uma avaliação sumária neuroftalmológica.

TESTES DO NERVO ÓPTICO E VIAS ÓPTICAS

1 - Acuidade visual

O exame da Acuidade Visual (AV) é feito em cada olho separadamente. A AV do doente

pode ser testada por qualquer não Oftalmologista com os óculos do doente ou através de um

buraco estenopeico (orifício feito com um alfinete num papel, por exemplo). Podem ser

testadas a AV com uma escala de perto (e com óculos de perto em doentes presbíopes) e para

longe (geralmente a 6 metros e com uma escala de Snellen).

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VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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(Exemplo de Escala de Snellen para avaliação da AV a 6m)

2 - Visão cromática

Geralmente é testada com tabelas especiais mas podemos ficar com uma ideia pedido para

comparar em cada olho a saturação de cor de um objecto vermelho (a tampa de uma caneta,

por exemplo). Doentes com patologias do nervo óptico vêem o vermelho menos brilhante no

olho envolvido por comparação com o olho saudável.

3 - Sensibilidade ao contraste

A sensibilidade ao contraste é outra medida da função visual e está geralmente afectada em

patologias do nervo óptico (mas também em maculopatias e cataratas, por exemplo). É

pesquisada com o auxílio de um quadro com letras ou barras em diferentes tonalidades de

cinzento.

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VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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(Escala de Pelli-Robson para avaliação da visão de contraste)

4 - Campos visuais

O exame dos campos visuais ajuda a localizar e identificar patologias a vários níveis da via

óptica. É especialmente útil na avaliação de doentes com queixas de diminuição da AV mas

que apresentam uma AV central preservada, para localização das lesões ou após tratamento.

De notar que a imagem é invertida a nível da retina, ou seja, em relação à fixação, o campo

visual nasal é captado pela retina temporal, o campo superior pela retina inferior, etc. A

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VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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região localizada 15 graus temporais à fixação e que corresponde à papila ou disco óptico

equivale à mancha cega na campimetria, uma vez que não existem aí fotorreceptores.

Os campos visuais são testados monocularmente podendo ser utilizados vários métodos.

Uma forma simples consiste em pedir ao doente para, tapando um olho de cada vez, olhar

para um ponto da face do examinador e pedir para referir que partes da face estão ausentes.

O método de confrontação consiste em pedir para, fixando um dos olhos do examinador,

contar quantos dedos são mostrados em cada quadrante. As alterações encontradas podem

depois ser confirmadas por exames mais rigorosos e especializados, nomeadamente por

perimetria computorizada.

A disposição das fibras com origem nas metades nasal e temporal de cada olho ao longo da

via óptica leva a que seja possível localizar aproximadamente as alterações a partir do padrão

de defeito campimétrico encontrado. Deste modo, lesões de um dos nervos ópticos (por

exemplo devidas a isquémia, compressão ou desmielinização) provocam defeitos unilaterais

ipsilaterais no campo visual. Existem vários padrões não específicos mas característicos de

diferentes patologias do nervo óptico (altitudinais superiores ou inferiores na isquémia,

centrais ou centrocecais nas nevrites e em algumas neuropatias hereditárias).

Lesões do quiasma óptico e posteriores ao quiasma afectam fibras nervosas com origem em

ambos os olhos e induzem portanto defeitos campimétricos binoculares que têm a

característica de respeitarem geralmente o meridiano vertical que divide os hemicampos

visuais de cada lado. Assim, lesões na vizinhança do quiasma óptico (por exemplo tumores

da hipófise), ao afectarem os axónios das células ganglionares com origem na metade nasal

de cada retina (que decussam a nível do quiasma), induzem geralmente um padrão de defeito

binocular dos hemicampos temporais (hemianópsia bitemporal).

Lesões localizadas posteriormente ao quiasma óptico (por exemplo AVC, tumor ou doença

desmielinizante), ao afectarem as fibras com origem na metade temporal da retina ipsilateral

e da retina nasal contralateral, induzem hemianópsias do hemicampo contralateral à lesão -

hemianópsia homónima lateral direita ou esquerda. De notar que a divisão das fibras

genicocalcarinas num feixe inferior que forma um cotovelo a nível do lobo temporal – ansa

de Meyer - e num feixe que segue directamente para a cisura calcarina, pode originar

defeitos campimétricos homónimos restritos a um quadrante - quadrantópsias homónimas

superiores ou inferiores, respectivamente. De realçar ainda que as hemianópsias podem ser

completas e incompletas (consoante afectem parcial ou totalmente os respectivos

hemicampos) e dentro das incompletas o grau de congruência (isto é, a semelhança do

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defeito nos 2 hemicampos) pode ajudar a localizar a lesão. De um modo geral quanto mais

congruente for a hemianópsia incompleta, mais posterior é a lesão na via óptica.

Existe uma excepção à bilateralidade dos defeitos campimétricos em lesões

retroquiasmáticas. Quando olhamos em condições de binocularidade, existe sobreposição

dos 60 graus centrais de ambos os campos visuais. A porção mais periférica dos hemicampos

temporais de cada olho não tem correspondência na via óptica respectiva com fibras do olho

contralateral e existem lesões que podem afectar ou poupar selectivamente esta região com

forma de crescente da periferia temporal do campo visual - crescente temporal.

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VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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5 – Fundoscopia

O fundo ocular (a retina e a porção mais anterior do nervo óptico – a papila ou disco óptico)

pode ser observado directamente através da pupila com um oftalmoscópio. A papila normal

tem uma forma ovalada vertical, com bordos bem definidos e de cor rosada, sendo ainda

visualizáveis os vasos da retina no mesmo plano de focagem dos vasos da papila. Em

determinadas afecções da papila ou mesmo intracranianas existe edema da papila e a papila

aparece elevada e com os bordos indefinidos. Pode existir atrofia da papila em situações em

que existe patologia crónica do nervo óptico (por exemplo em tumores, inflamação ou

isquémia crónica) e nestes casos a papila aparece pálida e esbranquiçada. Por outro lado é

possível observar a retina e respectivos vasos de forma a excluir causas retinianas de baixa

de visão. Idealmente a fundoscopia deve ser realizada após dilatação pupilar com colírios

midriáticos e observação do fundo ocular na lâmpada de fenda.

Testes da função pupilar

O exame das pupilas engloba os seguintes parâmetros:

diâmetro e presença de anisocória (diferença de diâmetro de ambas as pupilas) reflexo à luz (directo e consensual) pesquisa de defeito pupilar aferente relativo (teste de Marcus Gunn) dilatação no escuro constrição para perto

As pupilas devem ser testadas no escuro e com o doente a focar um objecto à distância (para

evitar o reflexo para perto). Devem ter o mesmo diâmetro e forma circular, embora

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VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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assimetrias de até 1 mm possam ser normais, especialmente se ambas dilatarem bem e com

velocidade semelhante. As pupilas contraem à luz e para perto por acção do sistema nervoso

parassimpático e dilatam no escuro por acção do simpático. Em regra, numa anisocória, uma

pupila que não dilate é mais evidente no escuro e uma pupila que não contraia é mais visível

à luz.

Existem vários reflexos pupilares que podem ser pesquisados de uma forma simples com um

foco de luz:

Reflexo Directo: ao fazer incidir um foco de luz num dos olhos, a pupila desse olho contrai.

Reflexo Consensual: ao fazer incidir um foco de luz num dos olhos também contrai a pupila contralateral (as fibras nervosas da retina nasal decussam no quiasma, além de que há sinapse de fibras nervosas entre cada núcleo pré-tectal e ambos os núcleos de Edinger-Westphal.

Defeito Pupilar Aferente Relativo (teste de Marcus Gunn): deve ser pesquisado no escuro e consiste em após alguns segundos a incidir um foco luminoso numa pupila, ao passarmos o foco luminoso para a pupila contralateral rapidamente, esta, em vez de contrair pelo reflexo directo, dilata. Este sinal, tão fácil de pesquisar, é um dos sinais mais importantes e sensíveis de patologia assimétrica do nervo óptico (podendo contudo estar presente também em algumas patologias retinianas graves ou em patologias bilaterais simétricas do nervo óptico).

Em algumas patologias com repercussões na pupila existe uma assimetria dos reflexos

pupilares à luz e para perto sendo importante a pesquisa do reflexo para perto (acomodação).

Pede-se ao doente que foque um objecto pequeno à medida que se vai aproximando este do

doente.

Reflexos pupilares normais - reflexo directo à direita e consensual à esquerda e ausência de défice pupilar aferente relativo quando feixe de luz passa para o olho esquerdo

Défice pupilar aferente relativo à esquerda: a pupila esquerda dilata – em vez de se manter contraída - quando o feixe de luz passa do olho direito para o olho esquerdo

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EXAME DAS PÁLPEBRAS O exame das pálpebras inclui:

posição das pálpebras (ptose e retracção) função do elevador das pálpebras avaliação dos movimentos palpebrais relativamente com os movimentos oculares avaliação de massas ou edema palpebral

Imagem da AAO (American Academy of Ophthalmology)

Normalmente a margem palpebral superior localiza-se 1-1,5 mm abaixo do limbo superior

(pesquisa-se sempre a posição palpebral na posição primária do olhar e com o doente sentado

confortavelmente). Se a margem palpebral se encontrar muito elevada o doente apresenta

retracção palpebral; pelo contrário, se estiver muito abaixo do limbo existe ptose ou

blefaroptose.

(Olho direito – retracção pálpebras superior e inferior: Olho esquerdo – Ptose)

Uma afecção relativamente frequente e que induz alteração nas pálpebras é a paralisia facial:

o nervo facial inerva o músculo orbicular das pálpebras e os músculos da mímica facial. A

função deste músculo pode ser avaliada pedindo ao doente que feche os olhos com força

enquanto o examinador contraria este movimento com os polegares. A mímica facial é

testada pedindo ao doente para enrugar a testa, sorrir, soprar, enquanto se tenta observar a

existência de eventuais assimetrias faciais.

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EXAME DOS MOVIMENTOS OCULARES E DA POSIÇÃO DA CABEÇA

Movimentos oculares

Em Neuroftalmologia são muito importantes as alterações agudas dos movimentos oculares.

Devem ser testadas as versões e ducções em todas as posições cardinais do olhar (ver

capítulo Estrabismo).

Pesquisa-se o alinhamento ocular tal como descrito no capítulo de Estrabismo: observa-se o

centramento do reflexo da luz nas pupilas (Hirschberg) e efectua-se o teste de cover para

longe e para perto usando sempre a melhor correcção óptica do doente.

Nos casos que apresentem diplopia deve-se averiguar se a diplopia é mono ou binocular

efectuando a oclusão monocular: a diplopia binocular desaparece com a oclusão de um olho.

O estudo/exame dos movimentos oculares engloba a pesquisa de nistagmus – trata-se de um

tipo de movimento repetitivo e involuntário de vaivém dos globos oculares.

As alterações da direcção do olhar são uma manifestação comum de lesão supra-nuclear. O

movimento do olhar de perseguição é testado pedindo ao doente para seguir um objecto em

movimento lento (ex: caneta); as sacadas são testadas solicitando ao doente que fixe

rapidamente um alvo numa determinada localização.

Posição da cabeça

É importante observar se o doente apresenta uma posição preferencial do olhar ou posição

preferencial da cabeça. Esta pode dever-se a causas não oftalmológicas (torcicolo cervical,

surdez unilateral, por ex.) ou a causas oftalmológicas (posição de bloqueio de nistagmus,

posição de alívio da diplopia binocular nas paralisias dos nervos oculomotores). Os doentes

com paralisias do VI par geralmente rodam a cabeça para o lado da paralisia, os doentes com

ptose palpebral elevam o queixo.

Testes da órbita

Nas situações de retracção palpebral por vezes parece existir pseudo-proptose, tal como

acontece na miopia unilateral, na assimetria facial e no enoftalmus contra-lateral. A proptose

diagnostica-se pela observação dos globos oculares desde cima com o doente sentado e a

olhar em frente e pode ser quantificada pelo exoftalmómetro (ver figura):

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exoftalmometria (imagem AAO)

O diagnóstico diferencial de proptose é extenso dado que se trata provavelmente do sinal

mais importante de orbitopatia. Na neuroftalmologia interessam particularmente a doença de

Graves e as orbitopatias associadas a compressão das vias eferentes, sendo importante

pesquisar a pulsatibilidade da proptose e alterações vasculares orbitárias para despiste de

síndromas da fenda esfenoidal, especialmente fístulas do seio cavernoso e tumores das

estruturas adjacentes (ex tumores intra-cónicos com invasão do seio cavernoso). As massas

intra-orbitárias geralmente desviam o globo ocular na direcção contrária à da lesão.

A - PATOLOGIA DO NERVO ÓPTICO E VIA VISUAL AFERENTE

À patologia do nervo óptico dá-se o nome de neuropatia óptica. Esta pode ser posterior (se

associada a uma papila de aspecto normal) ou anterior (associada a edema da papila).

Frequentemente, cerca de 4 a 6 semanas após o início do processo, as papilas desenvolvem

atrofia óptica, que pode ser segmentar ou difusa. A atrofia óptica além de poder ser devida a

neuropatia, pode ainda ser provocada por patologia a vários níveis nas vias ópticas,

nomeadamente compressão, inflamação, doença desmielinizante, hipertensão intracraniana

ou isquémia. Pode também ser devida a doença ocular primária do nervo óptico (glaucoma,

por exemplo).

Além de poderem induzir perda da AV central e defeitos campimétricos variados as

neuropatias caracterizam-se geralmente por discromatopsia (alteração na visão das cores) e

diminuição da sensibilidade ao contraste, além de alterações dos reflexos pupilares (defeito

pupilar aferente relativo).

Os principais tipos de neuropatias são:

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Inflamatórias (nevrite óptica): idiopática e associada a doença desmielinizante (por exemplo associada à Esclerose Múltipla), infecções sistémicas, doença inflamatória sistémica, neuromielite óptica

Vasculares: neuropatia óptica isquémica anterior (associada a arterite de células gigantes ou não)

Compressivas: neoplásicas ou não Hereditárias Tóxicas e nutricionais Traumáticas Hipertensão intracraniana Glaucomatosa Anomalias congénitas da papila

1 – Nevrite óptica

Dá-se o nome genérico de nevrite óptica a inflamações do nervo óptico. Existem vários tipos

de nevrite óptica, incluindo de etiologia infecciosa (sífilis, bartonelose, herpes zoster) ou

associadas a doença inflamatória sistémica (sarcoidose, lúpus, doença inflamatória

intestinal). Contudo, na maioria dos casos a nevrite é idiopática ou associada a esclerose

múltipla.

A nevrite óptica idiopática é mais frequente em mulheres jovens e caracteriza-se por uma

diminuição variável da AV, geralmente unilateral e de início agudo ou subagudo, com dor

aos movimentos oculares em quase todos os doentes e défice pupilar aferente relativo. À

campimetria observa-se a presença de escotoma frequentemente central e à fundoscopia pode

visualizar-se edema da papila (nevrite óptica anterior ou papilite) ou papila de aspecto

normal em 2/3 dos casos (nevrite óptica retrobulbar). Apesar da grande maioria dos casos

evoluírem favoravelmente com recuperação completa da visão central em muitos dos casos,

estes doentes devem ser referenciados. Além de poder ser necessário instituir tratamento com

corticosteróides endovenosos em doses altas (a corticoterapia oral isolada está

contraindicada) de forma a acelerar a resolução dos sintomas esta afecção está associada a

um risco elevado de vir a desenvolver esclerose múltipla (50% dos casos aos 15 anos). A

ressonância magnética nuclear pode demonstrar alterações do sinal na substância branca

periventricular compatíveis com lesões desmielinizantes e prever o risco de vir a desenvolver

esclerose múltipla. Em alguns doentes com risco elevado de desenvolverem esclerose

múltipla pode estar indicado iniciar terapêutica específica com fármacos imunomodeladores.

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2 - Neuropatia óptica isquémica anterior (NOIA)

A Neuropatia Óptica Isquémica Anterior (NOIA) é a neuropatia óptica aguda mais frequente

acima dos 50 anos. Resulta da oclusão das artérias ciliares posteriores curtas e longas, ramos

da artéria oftálmica. Geralmente pensa-se que os processos oclusivos estejam relacionados

com fenómenos locais de aterosclerose ou vasculite, uma vez que processos embólicos não

foram identificados. As NOIA são mais frequentes em papilas com predisposição

constitucional (papilas pequenas e com escavação pouco acentuada – “crowded disc”).

Clinicamente, caracteriza-se por uma baixa súbita da AV unilateral e indolor, que pode

progredir ao longo de várias horas ou dias e que é quase sempre acompanhada de defeito

pupilar aferente relativo. Devido à anatomia das artérias ciliares posteriores o defeito

campimétrico mais característico é um defeito altitudinal superior ou inferior. À fundoscopia

observa-se geralmente edema da papila (frequentemente sectorial superior ou inferior)

acompanhado de hemorragias peripapilares e exsudados moles e com o tempo acaba por se

desenvolver atrofia da papila.

Apesar do mau prognóstico visual e de não haver tratamento específico para esta neuropatia

é importante o diagnóstico correcto de modo a fazer o rastreio de factores de risco vasculares

e a evitar o diagnóstico incorrecto de nevrite óptica que pode ter consequências graves no

tratamento deste doentes.

Por outro lado, 10% dos casos de NOIA estão associados a arterite de células gigantes, com

risco elevado de atingimento do olho contralateral, tornando a pesquisa desta doença

inflamatória sistémica imprescindível em todos os doentes com NOIA de modo a poder

iniciar rapidamente o tratamento com corticóides. A arterite de células gigantes pode dar

sintomas constitucionais variados, nomeadamente astenia, anorexia e perda de peso, além de

cefaleias e claudicação mandibular. Analiticamente é característico haver elevação da

velocidade de sedimentação e proteína c reactiva, que devem ser sempre pesquisadas.

3 – Neuropatias ópticas tóxicas e nutricionais

Estas neuropatias são frequentemente multifactoriais podendo coexistir vários factores

causais:

tóxicos (tabaco, metanol, envenenamento por chumbo, álcool etílico) farmacológicos (etambutol, amiodarona) nutricionais (défice em vitamina B12 e ácido fólico)

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Caracterizam-se clinicamente por perda progressiva e geralmente simétrica da acuidade

visual, com alterações da visão cromática e escotomas centrais ou centrocecais. Com o

tempo acaba por se desenvolver atrofia óptica. Apesar de nesta fase a neuropatia ser

irreversível, o reconhecimento precoce destas afecções pode permitir a suspensão do agente

causal e correcção nutricional, com melhoria do prognóstico visual.

4 – Papiledema

Papiledema é o termo usado para o edema da papila quase sempre bilateral causado pela

hipertensão intracraniana (HTIC).

Existem inúmeras causas possíveis de HTIC. Dentro das mais frequentes destacam-se:

hidrocefalia massas intracranianas: neoplasias, abcessos, hemorragias intracranianas infecções e inflamações meníngeas trombose venosa cerebral e outras causas de estase venosa cerebral hipertensão intracraniana idiopática

Qualquer que seja a causa, a HTIC induz estase do fluxo axoplasmático a nível dos axónios

do nervo óptico. Inicialmente pode não haver diminuição da AV mas com o tempo

desenvolve-se gliose e atrofia óptica com defeitos campimétricos e perda da AV

irreversíveis. De notar que apesar do papiledema ser indicativo de HTIC, nem sempre a

HTIC induz papiledema.

Clinicamente, além das queixas de cefaleias, observa-se geralmente preservação da AV nas

fases iniciais podendo haver à campimetria. aumento da mancha cega bilateral. Na

fundoscopia as papilas apresentam-se hiperémicas e edematosas, com bordos mal definidos e

apagamento da escavação fisiológica da papila. Pode ainda observar-se ausência da pulsação

venosa espontânea e o ingurgitamento e tortuosidade vasculares, bem como hemorragias

peripapilares e exsudados duros em casos mais graves.

O facto de muitas das etiologias de hipertensão intracraniana e de papiledema serem

potencialmente letais justifica o envio com urgência para avaliação oftalmológica e

neurológica e realização de exames imagiológicos e punção lombar (para medição directa da

pressão intracraniana e análise do líquor).

É de realçar que existem alterações constitucionais da papila que podem dificultar

diagnóstico diferencial com papiledema – pseudopapiledema. Tal acontece por vezes em

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doentes hipermétropes, com anomalias papilares congénitas ou com drusens da papila

(corpos refringentes na espessura da papila diagnosticáveis por ecografia ocular).

5 – Patologia do quiasma óptico

Os nervos ópticos convergem posteriormente no quiasma óptico, onde decussam as fibras

nervosas com origem na retina nasal de ambos os olhos. O facto de nesta estrutura com cerca

de 1 cm3 de volume estarem todos os axónios das células ganglionares torna-a especialmente

susceptível a lesões focais, particularmente lesões expansivas na vizinhança da sela turca.

Dentro destas as mais comuns são os adenomas da hipófise, que está localizada abaixo do

quiasma óptico. Estas neoplasias benignas necessitam em regra de crescer cerca de 1 cm

antes de começarem a comprimir o quiasma óptico e a induzir alterações visuais. É frequente

serem diagnosticados adenomas de pequenas dimensões em TAC ou ressonâncias realizadas

por qualquer motivo, mas estas lesões não induzirem alterações visuais. Outras patologias

menos frequentes que podem induzir compressão a nível do quiasma óptico são os

craniofaringiomas e os meningiomas (do esfenóide, por exemplo). Por outro lado, a artéria

carótida interna e o seio cavernoso estão em relação com a face lateral do quiasma, podendo

patologias a este nível também determinar alterações visuais.

Seja qual for a etiologia, as lesões a nível do quiasma óptico induzem diminuição da AV e da

visão cromática e da de contraste, com hemianópsia bitemporal que respeita geralmente o

meridiano vertical mas que pode ser bastante assimétrica entre os 2 campos visuais.

6 – Patologias retroquiasmáticas

As fibras nervosas com origem nas células ganglionares da retina nasal após decussarem no

quiasma óptico seguem pela via óptica, juntamente com as fibras nervosas com origem na

retina temporal ipsilateral e após sinapse no corpo geniculado lateral, até ao hemisfério

cerebral correspondente. Cada via óptica e o córtex occipital contêm portanto a

representação do hemicampo contralateral, de forma que lesões posteriores ao quiasma

óptico induzem hemianópsias (ou quadrantanópsias) homónimas do lado contralateral ao da

lesão. As alterações campimétricas causadas por lesões na porção mais anterior da via óptica

são relativamente raras, sendo muito mais frequentes hemianópsias induzidas por lesões

posteriores ao corpo geniculado lateral, nomeadamente a nível das radiações ópticas e córtex

visual primário.

O córtex visual primário encontra-se localizado no lobo occipital e é o destino principal das

aferências retinianas. Encontra-se dividido pela fissura interhemisférica no lobo occipital

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esquerdo e direito (e no hemicampo visual direito e esquerdo, respectivamente). Cada lobo

occipital (e cada hemicampo) é dividido pela fissura calcarina que é perpendicular à fissura

interhemisférica num quadrante visual superior e inferior. A nível do córtex cerebral existe

uma representação ampliada das aferências retinianas com origem na mácula, que

representam mais de metade de toda a área cortical visual primária.

A grande maioria das hemianópsias homónimas causadas por lesões corticais são resultado

de isquémia nos territórios das artérias cerebrais média e posterior, sendo as neoplasias

menos frequentes. Em caso de suspeita de hemianópsia homónima por confrontação estes

doentes devem ser referenciados para confirmação diagnóstica e realização dos exames

imagiológicos apropriados para posterior orientação terapêutica.

7 – Perda transitória de visão

Por perda transitória de visão entendem-se crises de perda súbita de visão ou defeitos

campimétricos de duração inferior a 24 h, análogas aos acidentes isquémicos transitórios

(AIT). Apesar de poderem ser provocados por patologia ocular primária (glaucoma agudo de

ângulo fechado, drusens da papila, oclusões parciais da veia central da retina, etc) estes

episódios são geralmente causados por isquémia a nível do sistema nervoso central. O facto

das queixas serem mono ou binoculares pode auxiliar à localização do processo isquémico

(anterior ou posterior ao quiasma óptico, respectivamente) e constitui o passo mais

importante na avaliação inicial das perdas transitórias de visão. No entanto, em doentes com

queixas de perdas campimétricas isso nem sempre é fácil e a realização de campimetria por

confrontação por vezes pode ser de grande auxílio. A investigação etiológica deve incluir

uma história completa dos antecedentes nomeadamente história de enxaqueca, de acidentes

isquémicos prévios e factores de risco cardiovasculares. O exame físico sumário deve incluir

medição da pressão arterial e glicemia capilar e palpação do pulso radial (que pode

evidenciar uma arritmia como causa dos sintomas). Estes doentes devem ser referenciados

para o oftalmologista para exclusão de causas oculares e para o neurologista para ser feito o

diagnóstico etiológico. Entre outros exames pode estar indicado fazer ecodoppler carotídeo

ou angio-ressonância magnética (para pesquisar placas de aterosclerose nos vasos

intracranianos e do pescoço) e electrocardiograma e ecocardiograma (para pesquisar

arritmias, valvulopatias e outras patologias cardíacas). Além do tratamento etiológico quando

possível, está geralmente indicada a prescrição de antiagregantes plaquetares a estes doentes

e correcção de eventuais factores de risco cardiovasculares.

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B – PATOLOGIA DAS PUPILAS

O exame das pupilas apesar de não consumir muito tempo e de não exigir equipamento

especializado frequentemente serve para identificar a existência de patologia e mesmo

estabelecer o diagnóstico sem mais exames. A avaliação dos reflexos pupilares fornece

informação objectiva acerca do nervo óptico. Apesar de qualquer patologia que diminua a

visão poder em teoria levar a alterações dos reflexos pupilares, patologias que afectem o

nervo óptico induzem geralmente alterações em maior grau da função pupilar mesmo que o

grau de diminuição da acuidade visual não seja significativo.

O tamanho da pupila é regulado por 2 músculos de acções opostas: o dilatador e o esfíncter

da pupila. Quando a luz incide num dos olhos ambas as pupilas contraem de igual modo

(reflexos directo e consensual). A informação aferente é transmitida pelas células

ganglionares da retina através do nervo óptico, quiasma e faixas ópticas até ao núcleo pré-

tectal do mesencéfalo. Ambos os núcleos pré-tectais recebem aferências de ambos os olhos e

enviam eferências para ambos os núcleos de Edinger-Westphal. Daqui saem fibras

parassimpáticas que viajam ao longo do trajecto do III par até ao gânglio ciliar na órbita. As

fibras pós-ganglionares inervam o músculo ciliar (responsável pela acomodação do cristalino)

e o esfíncter da pupila (constrição da pupila) numa proporção de 30:1. A dilatação pupilar é

mediada por fibras adrenérgicas do sistema nervoso simpático, com origem no hipotálamo. O

1º neurónio da via desce do hipotálamo até à coluna cervical. O 2º neurónio viaja através do

plexo braquial e sobre o ápex do pulmão até ao gânglio cervical superior, próximo da

bifurcação da artéria carótida comum. O 3º neurónio sobe ao longo da espessura da

adventícia da artéria carótida interna, através do seio cavernoso e entra na órbita juntamente

com o ramo oftálmico do V par. As fibras simpáticas inervam o dilatador da íris e os

músculos de Müller, estes responsáveis em grau menor pela elevação da pálpebra superior.

Existem fibras simpáticas com origem no gânglio cervical superior e que são responsáveis

pela sudorese e vasodilatação.

Na presença de uma anisocória (assimetria dos diâmetros pupilares) deve-se proceder a um

exame sistemático dado que apesar de frequentemente se estar na presença de uma anisocória

fisiológica existem patologias potencialmente mortais cujo primeiro sinal pode ser uma

anisocória. Anisocórias inferiores a 0,3 mm não são geralmente detectáveis. As anisocórias

são causadas geralmente por um desequilíbrio entre o sistema nervoso simpático e

parassimpático, podendo também ser pós-traumáticas e congénitas.

O primeiro passo na avaliação de uma anisocória é determinar qual é a pupila anormal (a

miotica ou a midriática), o que nem sempre é fácil. Por vezes a existência de outros sinais

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VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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pode facilitar este processo (ex. ptose, exotropia). Na maioria dos casos esta identificação

baseia-se na comparação do diâmetro pupilar no escuro e na luz.

Se a anisocória for maior no escuro, a pupila anormal é geralmente a miotica (e a anomalia

está no dilatador da pupila ou no simpático). Se for maior à luz a pupila anormal é a

midriática (e a anomalia está no esfíncter da pupila ou no parassimpático).

De seguida devem ser avaliados os reflexos pupilares à luz com atenção à simetria da

resposta e realizado o teste de Marcus Gunn.

CAUSAS DE ANISOCÓRIA:

1 – Miose (anisocória maior no escuro):

A existência de miose pode estar relacionada com a utilização de fármacos (por exemplo

colírios antiglaucomatosos à base de pilocarpina) ou com patologia ocular (cirurgias prévias,

síndroma pseudoexfoliativo, sinéquias posteriores). Com excepção destas causas oculares, as

anisocórias maiores no escuro são mais frequentemente devidas às 2 seguintes situações:

1.1 – Anisocória fisiológica

Cerca de 15-20% da população tem diferenças variáveis ao longo do tempo dos diâmetros

pupilares de etiologia indefinida e que podem alternar entre os olhos. A anisocória destes

casos é geralmente inferior a 0,5 mm e mantida na luz e no escuro ou maior no escuro. Nestes

casos pode ser útil observar fotos antigas do doente que confirmam ser a situação crónica. Os

reflexos pupilares são normais e simétricos.

1.2 - Síndroma de Horner

A síndroma de Horner deve-se à interrupção a qualquer nível da via simpática responsável

pela dilatação pupilar e caracteriza-se clinicamente pela tríade miose, ptose e anidrose (isto é

ausência de sudorese) ipsilaterais. Os casos congénitos apresentam também heterocromia da

íris (íris ipsilateral mais clara que a contralateral).

A miose da síndroma de Horner é tipicamente ligeira e inferior a 1mm e, à observação num

ambiente iluminado, a actividade do constritor da íris contralateral (mediada pelo

parassimpático) pode mascarar a anisocória. Por outro lado, além da anisocória ser maior no

escuro, existe um atraso na dilatação da pupila miótica no escuro (superior a 15 segundos em

alguns casos) que é muito característica.

A ptose ligeira (1 a 2 mm) observada nesta síndroma deve-se a interrupção da inervação do

músculo de Müller, não ocorrendo a ptose completa que é característica das parésias do III

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VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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par (ver adiante). A anidrose, devida a lesões do 1º e 2º neurónio da via simpática, é pouco

frequente e não tem grande valor diagnóstico.

A aplicação de colírio de cocaína (que inibe a recaptação da norepinefrina na junção

neuromuscular) provoca a dilatação das pupilas em condições normais. Na síndroma de

Horner a pupila afectada não dilata (ou dilata menos que o olho contralateral) porque existe

pouca norepinefrina na junção neuromuscular pós-ganglionar. A diferenciação de lesões do 1º

e 2º neurónios das lesões do 3º neurónio pode ainda ser feita por recurso a colírio de

hidroxianfetamina, que promove a libertação de norepinefrina na junção neuromuscular e a

dilatação pupilar em casos de Horner do 1º e 2º neurónios, mas não do 3º neurónio.

A síndroma de Horner pode ter múltiplas etiologias relacionadas com lesões a qualquer nível

da cadeia simpática, algumas delas graves como a dissecção carotídea, tumores do ápex do

pulmão, tumores intracranianos ou cervicais, pelo que é importante a referenciação urgente

para confirmação diagnóstica e exames adicionais. Uma percentagem significativa de lesão

do 2º neurónio é tumoral e o doente deve ser referenciado a um internista.

2 - Midríase (anisocória maior na luz)

Além de poderem ser causadas por traumatismos, cirurgias oculares e patologias oculares

(sinéquias posteriores, glaucoma de ângulo fechado) as anisocórias mais aparentes à luz que

ao escuro podem estar relacionadas com a utilização de fármacos midriáticos ou com

patologia a nível do parassimpático.

2.1 – Midríase farmacológica

Existem várias substâncias que induzem midríase, por vezes após exposição involuntária em

que a associação causal por vezes pode ser difícil de estabelecer. Estas substâncias são

agonistas simpáticos ou antagonistas parassimpáticos e entram na composição de colírios

(atropina, tropicamida, fenilefrina, por exemplo) ou outro tipo de medicamentos

(nebulizadores broncodilatadores, reguladores da função intestinal). Por vezes a midríase

ocorre após exposição a pesticidas organofosforados ou após contacto com algumas plantas,

muitas vezes após o doente esfregar os olhos com as mãos contaminadas.

A midríase farmacológica pode ser uni ou bilateral e caracteriza-se por ser de grandes

dimensões (diâmetro pupilar superior a 7 mm) e de contorno regular, observando-se

frequentemente ausência de reflexos à luz e ao perto (especialmente no caso de antagonistas

parassimpáticos). Para confirmar o diagnóstico de midríase farmacológica procede-se a

aplicação de pilocarpina a 0,1% (para excluir Pupila de Adie, ver adiante) e pilocarpina a 1%

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VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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verificando-se que a pupila midriática não contrai (ou contrai menos que a pupila normal

contralateral). É importante confirmar-se o diagnóstico de midriase farmacológica de forma a

excluir causas graves de anisocória, mesmo que em muitas situações nunca se chegue a

identificar o agente causal específico.

2.2 – Pupila tónica de Adie

A pupila de Adie resulta de lesões do gânglio ciliar ou das fibras nervosas parassimpáticas

pós-ganglionares. Caracteriza-se pela existência de uma anisocória maior à luz que ao escuro.

A pupila afectada encontra-se dilatada e reage mal à luz e melhor ao reflexo ao perto

(dissociação luz-perto), além de que demora a voltar a dilatar (daí “tónica”). Por vezes a

pupila aparece miótica depois do doente estar a ler na sala de espera. A razão desta assimetria

nas respostas à luz e ao perto deve-se ao facto de haver mais fibras nervosas pós-ganglionares

para o músculo ciliar (acomodação) do que para o esfíncter da íris (reflexo à luz), numa

relação de 30:1.

Esta afecção de etiologia desconhecida é benigna e a anisocória tem tendência a resolver com

o tempo ou a reverter ficando a pupila mais miótica que a contralateral, É mais frequente em

mulheres jovens, pode ser bilateral e provoca fotofobia (pela midríase) e dificuldade na visão

para perto (pela parésia da acomodação). Pode ser confirmada farmacologicamente pelo facto

da pupila afectada contrair com pilocarpina diluída a 0,1% (ao contrário da pupila normal)

devido a fenómenos de hipersensibilidade resultantes da desinervação.

2.3 - Parésia/paralisia do III par

As fibras parassimpáticas que inervam o esfíncter da pupila ocupam a porção dorsomedial e

mais superficial do nervo oculomotor, o que as torna especialmente susceptíveis à

compressão. Deste modo, parésias do III par em que existe envolvimento pupilar devem fazer

suspeitar imediatamente de lesões compressivas ao longo do trajecto do nervo. A causa mais

comum de compressão são aneurismas a nível da junção da artéria comunicante posterior

com a carótida interna, os quais geralmente crescem para baixo e para dentro, comprimindo

as fibras pupilares. Assim, a questão fundamental na avaliação inicial das parésias do III par é

avaliar se existe ou não compromisso pupilar. Note-se que numa fase inicial pode não haver

anisocória nem alterações dos reflexos pupilares mas estas alterações surgem eventualmente

na 1ª semana, pelo que estes doentes devem ser seguidos atentamente nos primeiros dias.

A midríase das lesões compressivas do III par quase nunca surge isoladamente. Existem

outros sinais associados de parésias do III par, nomeadamente ptose e limitação global ou

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parcial dos músculos extraoculares inervados por este nervo (ver adiante) que devem ser

pesquisados. A pupila afectada encontra-se em midríase - não tão acentuada na maioria dos

casos como nas midríases farmacológicas - e a anisocória é mais acentuada na luz que no

escuro. Além do compromisso dos músculos extraoculares e da ptose presentes nestas

situações, o diagnóstico das parésias do III par pode ser feito farmacologicamente. A pupila

em midríase não contrai em resposta à pilocarpina a 0,1% (ao contrario da pupila de Adie)

mas contrai com a pilocarpina a 1% (ao contrario das midríases farmacológicas).

O risco elevado de ruptura dos aneurismas da comunicante posterior torna urgente a avaliação

das parésias do III par em que existe compromisso pupilar, sendo necessária a realização

urgente de exames imagiológicos (angio-TAC ou angio-RMN e por vezes angiografia

cerebral).

C - PATOLOGIA PALPEBRAL

Os principais movimentos palpebrais são os realizados pelo músculo orbicular (MO -

inervado pelo VII par) e pelo músculo elevador da pálpebra superior (EPS – inervado pelo III

par). No pestanejo apresentam inervação equilibrada recíproca mas noutras alterações este

equilíbrio pode estar alterado, constituindo mais uma pista no diagnóstico e na pesquisa de

alterações centrais dos movimentos palpebrais.

Além do orbicular e o EPS, existe outro músculo que contribui para a manutenção da abertura

da fenda palpebral. Trata-se do músculo de Müller, dependente do sistema nervoso simpático

e localizado no tarso superior.

As lesões neuro-musculares e as lesões dos nervos periféricos podem causar défices da

motricidade palpebral, tais como ptose variável ao longo do dia na miastenia gravis, ptose na

paralisia do III par, ptose progressiva nas miopatias mitocondriais (ex: síndroma de Kearns-

Sayre), retracção palpebral na doença de Graves e na regeneração aberrante do III Par. Uma

pálpebra com a forma de um S horizontal pode ser sugestivo de neurofibromatose (os

neurofibromas palpebrais podem ainda causar ptose mecânica). Por vezes observa-se

equimose palpebral em situações de neuroblastoma, leucemia ou amiloidose.

Lesões centrais que causam alterações dos movimentos palpebrais

Consideram-se três grupos de lesões supra-nucleares dos movimentos palpebrais: as

alterações da coordenação entre os movimentos oculares e palpebrais, as alterações do

pestanejo e da posição estática da pálpebra superior e ainda as alterações dos movimentos

palpebrais voluntários.

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O núcleo da comissura posterior controla a inibição da modulação nervosa do EPS, estando

envolvido em dissociações entre o movimento ocular e palpebral, como a retracção palpebral

observada, por exemplo, na síndroma de Parinaud (paralisia da supraversão), na doença de

Parkinson e na paralisia progressiva supra-nuclear.

O pestanejo espontâneo e o reflexo consistem em dois mecanismos: a inibição do tónus da

actividade basal do EPS (que mantém a fenda palpebral aberta) e da acção do m. orbicular. A

inibição do EPS precede e prolonga a actividade do MO. O pestanejo espontâneo nos adultos

apresenta variabilidade individual estimada entre 10-20 por minuto. A sua frequência altera-

se significativamente em doentes com patologia neurológica relacionada com deficits de

transmissão nos receptores dopaminérgicos. Esta configuração normal está comprometida,

por exemplo, na doença de Parkinson e no blefarospasmo.

Lesões periféricas que causam alterações dos movimentos palpebrais

Paralisia facial (VII Par)

Trata-se de uma afecção relativamente frequente e que induz alterações da função palpebral.

A paralisia/parésia do VII par pode ser central ou periférica.

O VII par craneano (N. Facial) controla os músculos responsáveis pela mímica facial e pelo

pestanejo. Lesões do VII par podem resultar em paralisias faciais, originando alterações da

função palpebral (pestanejo, oclusão da fenda palpebral, lagoftalmus) e alterações da

integridade do filme lacrimal.

A paralisia do VII par pode ser causada pela infecção pelo V. Herpes Zoster (síndroma de

Ramsay-Hunt), trauma ou tumores mas, em cerca de metade dos casos, a causa não é

identificada (paralisia de Bell).

Um dos aspectos mais importantes das paralisias faciais consiste no tratamento

oftalmológico, dado que a função visual pode ficar gravemente comprometida: olho seco,

úlceras de exposição, falta de pestanejo e ectropion paralítico/lagoftalmus. Na maioria dos

casos o tratamento inicia-se pela prescrição de colírios lubrificantes durante o dia e oclusão

do globo ocular com pomada durante a noite. Em casos graves pode mesmo ser necessário

efectuar tarsorrafia (sutura das pálpebras).

1 - Ptose

As anomalias da posição das pálpebras incluem a oclusão involuntária da fenda palpebral,

geralmente associada à impossibilidade de abrir os olhos - ptose.

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Ptose dta/ pseudo-ptose esq (blefarocalásia)

Tipos de Ptose:

- Miogénica: ou por défice de função do EPS. Pode ser congénita ou adquirida. Esta última

frequentemente associa-se a doenças musculares localizadas ou difusas, como a distrofia

muscular ou a distrofia miotónica.

- Aponevrótica– resulta da deiscência, degenerescência ou desinserção da aponevrose do EPS

da sua inserção normal no tarso superior. É o tipo mais frequente de ptose na idade adulta

- Neurogénica – resulta de defeitos da inervação do EPS. Pode ser congénita ou adquirida.

Neste capítulo falaremos da adquirida, especialmente da ptose de instalação súbita no

contexto de paralisia do III Par e das paralisias supra-nucleares (“ptose central”). Também

pode estar associada à síndroma de Horner

Neuro-muscular – resulta de anomalias da junção neuro-muscular, como acontece na miastenia gravis e no botulismo.

Mecânica – resulta de excesso de peso palpebral que interfere com o movimento palpebral (edema palpebral, tumores palpebrais, por exemplo)

Ptose mecânica por angioma palpebral

Traumática – resulta de traumatismo do EPS ou da respectiva aponevrose (ex: laceração palpebral).

Na maioria dos casos a ptose resulta do enfraquecimento da aponevrose do EPS causada pela

idade avançada ou por traumatismo.

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As causas neuroftalmológicas de ptose incluem a síndroma de Horner, a paralisia do III Par e

a miastenia gravis. A ptose palpebral superior na síndroma de Horner raramente ultrapassa os

2 mm dado que esse é o grau de função do músculo de Müller, inervado pelo Simpático. A

pálpebra inferior frequentemente aparenta estar elevada na síndroma de Horner (“ptose

inversa”) porque o músculo tarsal inferior é também inervado pelo Simpático. A ptose na

paralisia do III Par pode estar ausente, ser parcial ou completa, dependendo do grau de lesão

da divisão superior do N oculomotor comum. A ptose bilateral pode ser observada nas lesões

do núcleo centro-caudal dado haver envolvimento dos núcleos do III Par.

2 - Retracção palpebral

Trata-se da abertura excessiva da fenda palpebral, observando-se a esclera superior ao limbo

corneano na posição primária do olhar.

As principais causas neuroftalmológicas de retracção palpebral são: miopática (ex: orbitopatia

de Graves, em que pode ser uni ou bilateral) e neuropática (ex: lesões supra-nucleares na

síndroma de Parinaud, frequentemente associadas a alterações do mesencéfalo dorsal na

região da comissura posterior).

Ptose à direita, retracção palpebral à esquerda

Refere-se ainda a pseudo-retracção palpebral que resulta da resposta fisiológica à ptose da

pálpebra contra-lateral (lei de Hering). Quando se suspeita de retracção palpebral deve-se

excluir ptose contra-lateral.

A retracção palpebral pode ainda resultar de traumatismo prévio ou cirurgia, pelo que é

importante interrogarem-se estes antecedentes, bem como o seu início e variação temporal.

3 - Blefarospasmo

Definem-se por contracções bilaterais, episódicas e involuntárias do músculo orbicular. Na

maioria dos casos aparecem em adultos (5ª década) com um predomínio pelo sexo feminino

(3:1). Por vezes podem-se associar a espasmos involuntários dos músculos da face inferior

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(síndroma de Meige ou disquinésia orofacial). Na maioria dos casos desconhece-se a

etiologia (blefarospasmo essencial) que possivelmente estará relacionada com disfunção dos

gânglios basais e do sistema límbico. Frequentemente estes casos evoluem para situações de

blefarospasmo bilateral. Pode estar presente em doentes com Parkinson, doença de

Huntington, paralisia progressiva supranuclear, esclerose múltipla e ainda nos enfartes do

tronco cerebral.

Nas crianças é raro, tratando-se geralmente de uma situação benigna e auto-limitada mas que

também pode estar associada à síndroma de Tourette.

Actualmente o tratamento do blefarospasmo consiste na quimio-desinervação pela injecção

de toxina botulínica no M. Orbicular. Em casos graves pode estar indicada a cirurgia

(miectomia do Orbicular ou raramente secção selectiva do VII Par).

Síndroma de Meige

D – PATOLOGIA DOS MOVIMENTOS OCULARES

1 - Paralisias supra-nucleares

São as paralisias do olhar conjugado (ex: restrição do olhar conjugado para a direita) e do olhar

não conjugado (ex: convergência), cuja regulação integra o sistema vestibular, a via do

movimento de perseguição e a via das sacadas. Geralmente são as sacadas que estão alteradas nas

fases iniciais das paralisias supra-nucleares, só posteriormente sendo atingidos os movimentos de

perseguição pelas lesões mais extensas. As principais pistas no diagnóstico deste tipo de lesões

são a alteração do reflexo óculo-vestibular (responsável por manter a fixação do olhar apesar dos

movimentos da cabeça) e o fenómeno de Bell. Nos doentes com alterações dos movimentos

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verticais é importante realizar o teste da cabeça da boneca que testa o reflexo óculo-vestibular - a

elevação do globo ocular é sugestiva de paralisia supra-nuclear.

As sacadas originam-se na formação reticular paramediana pôntica (sacadas horizontais) e no

fascículo intersticial rostral medial longitudinal acima do núcleo vermelho, no mesencéfalo

(sacadas verticais). Na génese dos movimentos de perseguição (mais complexos) estão

envolvidas várias estruturas como o cerebelo (vermis, pedúnculos cerebelosos médios),

região occipito-temporo-parietal, córtex medial superior temporal e córtex frontal. Esta

complexa rede nervosa envia neurónios para os centros integradores dos movimentos

oculares localizados sobretudo no mesencéfalo, onde se conectam com os núcleos dos pares

craneanos óculo-motores e com neurónios aferentes do labirinto, entre outros.

As lesões hemisféricas podem apresentar-se com alterações dos movimentos de perseguição

para o lado da lesão, ao contrário do que acontece com a via das sacadas: as lesões

geralmente são do lado contrário à direcção das sacadas, ou seja, em lesões da via direita

observam-se sacadas para o lado esquerdo. As paralisias dos movimentos de perseguição são

raras e quando observadas sugerem lesão estrutural do SNC ou epilepsia.

A distinção entre alterações dos movimentos de perseguição e alterações das sacadas pode ser

importante: nas doenças do cerebelo e do tronco cerebral podemos observar alterações

irregulares dos movimentos de perseguição, pelo que os doentes necessitam de efectuar

sacadas rápidas para conseguirem seguir um alvo em movimento. Em doentes com enfartes

da ponte que envolvam apenas a formação reticular paramediana pôntica, as sacadas

horizontais podem estar alteradas e o movimento de perseguição preservado, porque a

maioria das fibras dos movimentos de perseguição não fazem sinapses neste local.

2 - Paralisias e parésias periféricas ou infra-nucleares

Nesta secção abordaremos apenas as paralisias adquiridas, excluindo as congénitas.

Consideramos paralisia se não existir qualquer inervação do músculo (quebra completa da via

eferente) e parésia se persistir alguma função muscular, isto é, quando se verifica algum grau

de inervação (défice variável da via eferente).

A principal queixa dos doentes com parésias/paralisias infranucleares é a diplopia (imagem

dupla). Nestas situações um determinado objecto está alinhado com a fóvea de um dos olhos

e com uma região extrafoveal do olho contra-lateral.

Na avaliação inicial da diplopia deve-se estabelecer se a diplopia é mono ou binocular

efectuando a oclusão monocular: a diplopia binocular desaparece com a oclusão de um dos

olhos. Com raríssimas excepções a diplopia monocular é causada por alterações oculares:

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VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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astigmatismo, queratocone, iridotomias, membrana pré-retiniana, catarata, sub-luxação do

cristalino.

As diplopias binoculares (que desaparecem com a oclusão monocular) podem classificar-se

em transitórias ou permanentes. No primeiro grupo as mais frequentes são as diplopias que

variam com a posição do olhar (ex: diplopia vertical apenas no olhar para baixo e para dentro

nas parésias do IV par) e as diplopias que variam de intensidade ao longo do dia (ex: diplopia

mais grave ao final do dia na miastenia gravis).

As diplopias binoculares permanentes classificam-se em neurogénicas (por paralisias dos

pares craneanos) e miogénicas/restritivas (por restrição dos movimentos oculares, na maioria

dos casos secundária a patologia da órbita). Nas diplopias restritivas geralmente não existem

diferenças entre as versões e as ducções.

É importante perguntar ao doente quais as posições do olhar em que tem diplopia, quais os

factores desencadeantes, a duração da diplopia, factores de alívio (ex: o repouso alivia a

diplopia na miastenia) e sintomatologia associada. Uma história clínica mal executada pode

induzir em erros graves de diagnóstico.

Paralisias/parésias dos nervos oculomotores

Os III, IV e VI pares cranianos inervam os músculos extra-oculares responsáveis pelo

posicionamento e movimento dos globos oculares na órbita. As paralisias dos músculos extra-

oculares resultantes de lesões num ou em todos estes nervos cranianos resulta na falência de

movimentos oculares, habitualmente perdendo-se a coordenação de movimentos binoculares:

estrabismos paralíticos. Os estrabismos paralíticos são por regra inconcomitantes e a diplopia

varia com a direcção do olhar.

Paralisia do III par

Um doente com paralisia (ou parésia) do III par pode apresentar quadros clínicos muito

distintos, desde paralisias vasculopáticas isoladas do III par (que melhoram após algum

tempo de evolução) até parésias associadas a lesões potencialmente mortais (como

aneurismas intracranianos). As causas mais significativas associadas a paralisia do III par são

a hemorragia sub-aracnoideia (ruptura de aneurisma da A. Comunicante posterior), meningite

ou lesões infiltrativas das meninges (neoplásicas e infecciosas).

Na paralisia do III par deve-se pesquisar o envolvimento da via pupilar eferente pois as lesões

do III par associadas a alterações da pupila podem dever-se a aneurisma da artéria

comunicante posterior, obrigando nestes casos a estudo imagiológico complementar. No

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VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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entanto, nas paralisias recentes do III par sem envolvimento da pupila na apresentação os

doentes deverão ser observados diariamente na primeira semana para excluir o aparecimento

de lesão do parassimpático (envolvimento pupilar).

Doente com Aneurisma da A. comunicante posterior esq e paralisia do III par.

Na paralisia unilateral do III par observamos frequentemente ptose, hipotropia e exotropia do lado

afectado (tanto o m. OS e o m. RE mantêm a respectiva inervação). Geralmente observa-se ptose,

que em certos casos pode ocluír a pupila; se a ptose não for grave (e não ocluír totalmente a

pupila) a midríase pode ser sintomática (encadeamento com a luz); a paralisia da acomodação por

vezes associada às lesões do III par causa visão desfocada para perto.

A apresentação clínica da paralisia do III par pode-nos orientar para o local mais provável da

lesão neurológica, pelo que importa distinguir o tipo de paralisia segundo o local provável da

lesão neurológica: paralisia do III par nuclear, infra-nuclear e fascicular (nesta incluem-se as

paralisias completas do tronco nervoso – intracranianas – e as paralisias das divisões superior

ou inferior – intraorbitárias).

Ao longo do seu trajecto o III par tem relação com outros pares cranianos, nomeadamente a

nível da fenda esfenoidal e seio cavernoso pelo que devem também ser pesquisadas as

funções do IV par (observar a intorsão das veias conjuntivais), do V par (pesquisar a

sensibilidade corneana e a sensibilidade facial) e do VI par (abdução).

Nos doentes com paralisias do III par é importante pesquisar a regeneração aberrante, cuja

presença sugere uma lesão sub-aguda ou crónica, provavelmente de natureza compressiva.

Outros sinais neurológicos podem estar presentes, constituindo pistas adicionais na suspeita

clínica de localização da lesão do III par.

Paralisias isoladas do III par

Definem-se pela ausência de outros sinais neurológicos e podem ser completas e incompletas.

São mais frequentes nos doentes com idade superior a 60 anos associando-se geralmente a

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HTA, aterosclerose e/ou diabetes mellitus. Este tipo de paralisias não envolvem quase nunca

a função pupilar. Apesar de terem geralmente evolução benigna e de a paralisia poder

resolver em alguns meses em casos especiais (paralisias recorrentes, dolorosas, com evolução

ao longo de alguns meses) pode ser necessário estudo adicional.

Parésia do III par esquerdo: exotropia e hipotropia em posição primária. Observar ainda défice na adução e

elevação

Paralisia do IV par

Trata-se da paralisia mais frequente dos movimentos cicloverticais.

Na suspeita de paralisia do IV par é importante documentar as versões e observar fotos

antigas do doente, bem como determinar a amplitude fusional. Nas paralisias antigas a

posição preferencial da cabeça (inclinação para o lado contralateral ao lado afectado)

frequentemente está presente em fotos antigas e os doentes geralmente apresentam boa

amplitude de fusão.

Parésia do OS dto

O IV par, dado ser aquele que tem o trajecto intracraniano mais longo é muito susceptível a

lesão associada aos traumatismos cranianos fechados.

É o único nervo craniano que emerge do lado oposto do tronco cerebral (na face dorsal do

mesencéfalo) ao músculo extra-ocular que inerva.

As causas mais prováveis de paralisias adquiridas do IV par são: TCE fechado, HTA,

Diabetes, vasculopatias, tumores cerebrais. A miastenia gravis deve ser considerada

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especialmente em casos que agravam ao longo do dia; no entanto a parésia do IV par isolada

habitualmente não está associada a ptose, uma das características da miastenia. A paralisia

isolada do IV par raramente é causada por Esclerose Múltipla.

As paralisias isoladas do IV par são muito difíceis de diagnosticar por estudos imagiológicos

mas, tal como nos outros estrabismos paralíticos, o exame motor ocular e o exame

oftalmológico permitem o diagnóstico clínico.

Na síndroma da fenda esfenoidal, tal como nas lesões compressivas do seio cavernoso, pode

observar-se envolvimento variável de outros nervos (III, V, VI e S Simpático).

À semelhança dos outros estrabismos paréticos o tratamento das paralisias do IV par pode ser

conservador (oclusão, prescrição de lentes prismáticas) ou cirúrgico (cirurgia dos M.

Oblíquos).

Paralisia do VI par

As paralisias do VI são as paralisias oculomotoras mais frequentes.

Paralisia do R. Ext dto (observar a endotropia em posição primária)

O VI par craniano (nervo abducente) inerva o músculo recto externo. Tipicamente os doentes

queixam-se de diplopia binocular horizontal que agrava ao olharem na direcção do músculo

parético.

Nas paralisias periféricas do VI par observam-se desvios do alinhamento ocular apenas no

plano horizontal, ao contrário das lesões do núcleo deste nervo craniano, em que existe

geralmente paralisia do olhar ipsilateral, por envolvimento das conexões com o núcleo do III

par (ver Estrabismo).

Tal como o IV par, o VI par apresenta um longo trajecto no espaço sub-aracnoideu, o que

explica a sua lesão em situações de hipertensão intracraniana em que pode ocorrer

estiramento do nervo contra o clivus. A associação frequente das lesões do VI par à HIC

torna obrigatória a pesquisa de edema da papila em todos os doentes com parésias do VI par.

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VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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Paralisia do VI par direito (ausência de abdução ao olhar para a direita)

Nos idosos a causa mais frequente de parésias do VI par é a mononeuropatia isquémica,

especialmente em doentes com factores de risco cardiovasculares, devendo nestes casos ser

excluída a arterite de células gigantes. Nas paralisias do VI par em jovens deve ser feito

sempre estudo imagiológico pela relativa frequência de etiologias potencialmente graves

(neoplasias, por exemplo) e eventualmente punção lombar e outros exames de diagnóstico.

O diagnóstico diferencial de paralisia/parésia do VI par (défice da abdução) faz-se com

endoforias descompensadas, fracturas da parede interna da órbita com encarceramento do M.

Recto Medial, orbitopatia de Graves, lesões orbitárias (especialmente neoplasias) e miastenia

gravis.

Tratamento dos estrabismos paralíticos

Tratamento conservador – inicialmente limitado a observação e medidas de alívio sintomático: oclusão monocular para alívio da diplopia (desvios graves do alinhamento ocular) ou prescrição de lentes prismáticas se o ângulo do desvio for pequeno.

Tratamento cirúrgico – nos doentes que não recuperam a função muscular até 1 ano após a instalação da paralisia, que apresentam diplopia binocular e ptose, pode ser necessária cirurgia de estrabismo e/ou cirurgia reparadora da ptose no caso das paralisias do III par. Por vezes, em alternativa, opta-se pela injecção de toxina botulínica no músculo antagonista do músculo paralítico.

3 – Miastenia Gravis

Trata-se de uma doença auto-imune em que o organismo produz autoanticorpos que

bloqueiam a acção ou aceleram a degradação dos receptores da acetilcolina. Caracteriza-se

por fadiga muscular acentuada que melhora com o repouso. É mais frequente em mulheres na

2ª década de vida; nos homens geralmente tem início mais tarde, a partir dos 50 anos.

Em 90% dos casos afecta os músculos oculomotores e o elevador da pálpebra superior

caracterizando-se por ptose e diplopia que se acentuam com o esforço muscular e ao longo do

dia. Os sintomas podem agravar-se com infecções associadas, calor e alguns fármacos

(aminoglicosídeos, por exemplo).

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VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

117

A característica principal da miastenia gravis é a variabilidade tanto da ptose como do

alinhamento ocular. Os doentes podem apresentar ainda fraqueza dos músculos faciais,

dificuldade na mastigação e deglutição, bem como astenia dos membros e do tronco, nos

casos mais graves com dificuldade respiratória.

De notar que apesar de mais de metade dos doentes terem inicialmente envolvimento ocular

exclusivo, apenas numa fracção destes a doença se mantém ocular (miastenia gravis ocular).

A generalização dos músculos afectados nestes doentes dá-se em regra nos primeiros 2 a 3

anos após o início das queixas oculares.

Pesquisa-se com o teste do Edrofónio (Tensilon®), um inibidor da acetilcolinesterase: a ptose

e a diplopia melhoram após a injecção e.v., permitindo o diagnóstico de miastenia gravis.

Também se pode avaliar a melhoria da ptose com repouso ou após aplicação de gelo sobre a

pálpebra (o teste com gelo não é tão sensível na diplopia).

Analiticamente podem ser doseados os anticorpos anti-receptores da acetilcolina. O timo

pode produzir anticorpos, pelo que se imagiologicamente estiver aumentado de volume pode

estar indicado efectuar timectomia. Outras opções terapêuticas são a plasmaferese, inibidores

da acetilcolinesterase e, nas fases de agravamento clínico, corticoterapia sistémica.

Deve-se considerar a miastenia gravis no diagnóstico diferencial de todos os doentes com

alterações dos movimentos oculares de início recente, especialmente nos casos associados a

ptose palpebral. A miastenia gravis pode simular qualquer combinação de parésias

oculomotoras.

4 – Nistagmus

Nistagmus são oscilações involuntárias e rítmicas dos movimentos oculares, podendo ter

ambas as fases de igual amplitude e velocidade (nistagmus pendulares) ou, mais

frequentemente, uma fase lenta seguida de um movimento sacádico de refixação (nistagmus

sacádicos).

Os nistagmus podem ser congénitos (motores ou sensoriais) ou adquiridos (com maior

interesse em Neuroftalmologia). Podem também ser conjugados ou desconjugados

(dissociados) e classificados ainda quanto ao tipo de movimentos (horizontais, verticais,

torsionais ou qualquer combinação destes vários tipos). Apesar de poderem ser unilaterais,

nestes casos deve-se pesquisar sempre a presença de nistagmus bilateral assimétrico.

Os nistagmus adquiridos podem ter origem em qualquer lesão que afecte os mecanismos da

fixação: o sistema vestibular, o reflexo óculovestibular e o sistema de integração que engloba

o cerebelo, as vias vestibulares e núcleos oculomotores.

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VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

118

Nistagmus associado a hipovisão

Aparece em doentes cuja acuidade visual para longe (mono ou binocular) é inferior a 1/10.

Este tipo de nistagmus é frequentemente monocular e surge 1 a 20 anos após a instalação do

défice visual. É geralmente pendular (horizontal ou vertical) e frequentemente melhora com a

convergência, de forma que a visão para perto geralmente é melhor que a visão para longe.

O nistagmus pode também estar relacionado com doenças oftalmológicas congénitas (ex:

acromatópsia, glaucoma congénito, amaurose congénita de Leber, hipoplasia congénita do

nervo óptico) embora geralmente nestas situações o nistagmus seja geralmente de tipo

sacádico.

Os nistagmus secundários a défices visuais adquiridos tendem a ser pendulares (ex: nevrite

óptica, lesões isquémicas da protuberância ou esclerose múltipla).

Podem também surgir nistagmus monoculares pendulares adquiridos não atribuíveis a défice

visual acentuado que, ao contrário dos primeiros, necessitam de avaliação imagiológica

obrigatória para excluir lesões da protuberância, cerebelo e mesecéfalo (as mais frequentes,

nomeadamente as lesões de EM). Geralmente são incapacitantes por causarem oscilopsia

mesmo na posição primária do olhar (sensação de ver os objectos a “balançar”).

Nistagmus parético

Trata-se do tipo mais frequente de nistagmus e ocorre associado à manutenção prolongada da

posição extrema do olhar para um dos lados, em doentes com parésias oculomotoras ou com

alterações nos mecanismos que mantém a posição extrema do globo ocular na órbita (álcool,

fármacos – sedativos e anticonvulsivantes -, lesões a nível do tronco cerebral e cerebelo).

Caracteristicamente não surge em posição primária e na maioria dos casos não necessita de

tratamento.

O diagnóstico diferencial deste nistagmus é feito com o nistagmus fisiológico que se pode

manifestar em qualquer pessoa nas posições extremas do olhar (horizontal, apenas).

Apresenta uma amplitude pequena e uma velocidade grande e não apresenta outras alterações

dos movimentos oculares, nem diplopia binocular. Além disso, o nistagmus fisiológico

extingue-se com o tempo e desaparece quando o olho se desloca para uma posição

ligeiramente menos excêntrica.

Nistagmus vestibular

O nistagmus vestibular pode ser central ou periférico, é geralmente de tipo sacádico e

caracteriza-se geralmente por respeitar a lei de Alexander, ou seja agrava-se quando o doente

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VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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olha na direcção da fase rápida do nistagmus. O nistagmus vestibular periférico está

associado a patologia do ouvido e via vestibular (ex. doença de Menière e labirintite), estando

geralmente associado a surdez e vertigem e agravando com os movimentos da cabeça e

melhorando com a fixação (piora no escuro, por ex).

O nistagmus vestibular central está associado a patologia do tronco cerebral e cerebelo, não

estando geralmente associado a vertigem e surdez. Geralmente não se agrava com os

movimentos da cabeça.

Nistagmus “Downbeat”

Este nistagmus é um nistagmus sacádico cuja fase rápida se dirige para baixo. Está

geralmente presente em posição primária melhorando no olhar para cima e agravando no

olhar para baixo, com agravamento da oscilopsia (e perturbação grave da leitura, por

exemplo).

O nistagmus “downbeat” está frequentemente associado a lesões da junção cervico-medular e

do cerebelo.

Nistagmus “Upbeat”

Trata-se doutro nistagmus sacádico, em que a fase rápida se dirige para cima. Geralmente

agrava ao olhar para cima, podendo estar associado a lesões da medula alongada, cerebelo, e

tronco cerebral.

Nistagmus pendular adquirido

Trata-se de um dos tipos mais frequentes de nistagmus, sendo muito incapacitante pela

oscilopsia associada. A causa mais frequente é a Esclerose Múltipla e as neuropatias ópticas

desmielinizantes.

Nistagmus “Seesaw”

É um nistagmus raro, pendular não conjugado e alternante com ciclos de elevação e intorsão

de um dos olhos e depressão e extorsão do olho contralateral, com reversão no ciclo seguinte.

É muito característico de lesões paraquiasmáticas, nomeadamente tumores pituitários e

craniofaringioma com compressão do quiasma óptico e consequente diminuição da acuidade

visual. Pode ainda ser encontrado na displasia septo-óptica e nas lesões do tronco cerebral.

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VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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Tratamento dos nistagmus

O tratamento do nistagmus tem como objectivo diminuir a oscilopsia e melhorar a acuidade

visual. Existem vários fármacos usados empiricamente para tentar melhorar o nistagmus

(baclofeno, valproato, clonazepam) mas, com a excepção actualmente da gabapentina e da

memantina no nistagmus pendular adquirido, os resultados são geralmente maus.

E - PATOLOGIA DA ÓRBITA

Os sinais clínicos de patologia orbitaria são: vascularização, quemose e edema conjuntival,

proptose e espessamento palpebral. Na maioria das lesões orbitárias o exame motor ocular,

exame oftalmológico e exame das pupilas completam o estudo clínico.

A proptose é avaliada com o exoftalmómetro: consideram-se patológicas em doentes

emétropes as proptoses acima de 22 mm e com assimetrias superiores a 3 mm. Se a proptose

for acompanhada de dor, deve-se suspeitar de síndroma da fenda esfenoidal ou lesões

localizadas no seio cavernoso e vizinhança – caracterizados por proptose e edema orbitário,

parésias/paralisias dos músculos inervados pelos nervos que entram na órbita (III, IV, VI) e

alterações da sensibilidade (V par).

Na fístula carotido-cavernosa um sinal característico é a dilatação dos vasos episclerais e

conjuntivais (“vasos de medusa”), bem como o espessamento da veia oftálmica superior

observado nos exames imagiológicos.

1 - Orbitopatia tiroideia / Orbitopatia de Graves

A orbitopatia de Graves é uma doença auto-imune em que surgem autoanticorpos dirigidos

contra os fibroblastos orbitários e contra a glândula tiróide, mais frequentemente associado ao

hipertiroidismo. Em cerca de 20% dos casos a orbitopatia precede o hipertiroidismo e em

30% dos casos não existe hipertiroidismo odendo cursar com hipo ou normotiroidismo.

A orbitopatia de Graves aparece em cerca de 25% dos doentes com doença de Graves.

Tipicamente a orbitopatia de Graves é mais frequente em mulheres na 4ª década de vida mas

pode surgir em qualquer idade. A apresentação clínica da orbitopatia é muito variável, desde

a forma ligeira auto-limitada (mais frequente, geralmente apresenta úlceras corneanas de

exposição) até às formas mais graves em que se pode distinguir a fase aguda/activa e a fase

não activa da doença.

Os sinais clínicos dividem-se em: palpebrais (é a causa mais frequente de retracção

palpebral), corneanos (secundários à exoftalmia e exposição do globo ocular), musculares

(espessamento dos músculos extra-oculares com diplopia variável de tipo restritivo) e

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VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

121

orbitários (proptose, hipertensão intra-ocular e compressão do nervo óptico a nível do ápex

orbitário).

O diagnóstico da orbitopatia de Graves é sobretudo clínico mas necessita de avaliação

adicional sobre a função tiroideia (doseamento de T3 e T4, TSH e anticorpos anti-tiroideus) e

sobre as lesões orbitárias (ecografia orbitária, TAC ou mais raramente RMN).

O tratamento local médico oftalmológico deve ser instituído no início da orbitopatia e

consiste em hidratantes da superfície ocular e penso oclusivo se necessário e fármacos anti-

hipertensores oculares se indicado.

(orbitopatia de Graves em fase activa)

Na fase activa ou inflamatória da orbitopatia de Graves o tratamento geralmente consiste na

corticoterapia sistémica, podendo ser associados fármacos supressores da tiróide,

imunossupressores e radioterapia quando os outros estão contraindicados. Em casos extremos

com risco de perda da visão pode ser necessário efectuar descompressão orbitária urgente

para aliviar a compressão do nervo óptico.

A fase não activa da orbitopatia caracteriza-se pela estabilização dos sinais clínicos,

permitindo o planeamento atempado das cirurgias necessárias. Quando necessário, inicia-se

pela descompressão da órbita para tratamento da neuropatia óptica compressiva e da

proptose. Segue-se a cirurgia de Estrabismo (tratamento da miopatia restritiva e da diplopia

binocular permanente) e por fim a cirurgia palpebral (tratamento da retracção palpebral e

úlceras de exposição).

2 - Oftalmoplegia externa progressiva crónica (OEPC)

Trata-se de uma doença caracterizada pela paralisia progressiva lenta dos músculos extra-

oculares. Geralmente apresenta-se com ptose bilateral simétrica seguida de oftalmoparésia

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VI – NEUROFTALMOLOGIA Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

122

meses ou anos após a instalação da ptose. Na maioria dos casos não se verifica envolvimento

dos músculos ciliar e pupilar.

A OEPC é uma das manifestações mais comuns das miopatias mitocondriais e pode associar-

se a quadro de fraqueza muscular esquelética generalizada mais comum no hemicorpo

superior. O tratamento é sintomático e controverso Raramente está indicada cirurgia de

correcção da ptose dada a ausência do fenómeno de Bell. A cirurgia de músculos extra-

oculares não produz resultados satisfatórios, pelo que actualmente em situações de diplopia

binocular incapacitante se opta por tratar os doentes com oclusão monocular, prescrição de

prismas e, eventualmente, injecção de toxina botulínica no músculo responsável pelo desvio.

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VII – MANIFESTAÇÕES OCULARES DE DOENÇAS SISTÉMICAS Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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VII - MANIFESTAÇÕES OCULARES DE DOENÇAS SISTÉMICAS

Introdução

Quase todas as doenças sistémicas poderão apresentar manifestações oculares. É importante

que qualquer Médico tenha conhecimento das principais manifestações oculares das doenças

sistémicas mais frequentes. Por sua vez o Oftalmologista está obrigado a colaborar no

diagnóstico destas doenças, através das suas manifestações oculares e a participar no seu

tratamento.

Uma enumeração de todas as manifestações oculares das doenças sistémicas está para além do

objectivo deste capítulo. A retinopatia diabética é a primeira causa de cegueira no mundo

ocidental entre os 20 e os 65 anos. A sua descrição será por isso mais detalhada. Outras

doenças serão abordadas de forma mais sucinta ou meramente descritiva.

A- RETINOPATIA DIABÉTICA

Introdução

A retinopatia diabética é a complicação ocular mais grave da Diabetes Mellitus. É de carácter

progressivo e constitui a primeira causa de cegueira na faixa etária dos 20 aos 65 anos.

Estima-se que o risco de cegueira nos diabéticos é 10 a 20 vezes superior ao da população não

diabética. Em regra não existe retinopatia diabética avaliável na observação do fundo do olho

antes de decorrerem 5 anos de doença. No entanto, em cerca de 5% dos casos os pacientes já

têm retinopatia diabética no momento do diagnóstico da diabetes tipo 2, o que significa que o

paciente já tem a doença há pelo menos 5 anos. Na diabetes tipo 1 a retinopatia não ameaça a

visão até aos cinco primeiros anos após o diagnóstico nem antes da puberdade. Após 15 anos

de diabetes, praticamente todos os diabéticos tipo 1 e cerca de 2/3 do tipo 2 possuem

retinopatia diabética não proliferativa. A perda de visão pode ocorrer de três formas

(isoladamente ou em conjunto): neovascularização, edema macular e/ou isquémia macular. O

tratamento padronizado para a retinopatia diabética inclui um bom controlo metabólico e da

tensão arterial, a fotocoagulação laser e a cirurgia. A eficácia dos anti-angiogénicos intra-

vítreos no tratamento da neovascularização retiniana e do edema macular está a ser testada,

isoladamente e em associação com a fotocoagulação laser.

Page 124: Manual Cadeira a 2009

VII – MANIFESTAÇÕES OCULARES DE DOENÇAS SISTÉMICAS Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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Epidemiologia

O aumento da esperança de vida deu origem a uma maior prevalência de doenças crónicas e

de entre elas sobressai a diabetes mellitus. A diabetes afecta, no mínimo, 10 milhões de

cidadãos europeus. Nos EUA, a diabetes tipo 1 representa 5-10% da população diabética

(entre 800 000 e 1,6 milhões). Em Portugal, o Inquérito Nacional de Saúde forneceu-nos uma

aproximação à prevalência da diabetes em Portugal. Numa amostra da população portuguesa

com cerca de 50 mil pessoas, este inquérito estima em menos de 5% o número de diabéticos,

cerca de 500 mil pessoas. Este número estaria aliás de acordo com outras estimativas da

ordem dos 2-4% na população em geral. Em relação à incidência, através da rede "Médicos-

sentinela" foi possível obter estimativas para Portugal da ordem dos 2,5 por mil habitantes,

valor que tem vindo a aumentar em ambos os sexos e com valores mais elevados para o sexo

feminino. As taxas de incidência da diabetes são superiores às dos AVCs ou dos enfartes

agudos do miocárdio.

Dados mais recentes – o estudo da prevalência da diabetes em Portugal publicado em 2009 -

mostraram números muito mais elevados que o esperado. Assim, a prevalência da diabetes

verificada para a população portuguesa foi de 11,7%, com diferenças significativas entre os

homens (14,2%) e mulheres (9,5%). Tinham diagnóstico prévio da doença 6,6% das pessoas e

5,1 % das pessoas não sabiam que tinham diabetes. Em números totais o estudo aponta para a

existência de 905.035 portugueses entre os 20 e os 79 anos com diabetes, dos quais 395.134

(43,6% do total) não sabem que são portadores desta doença crónica. Com “Pré-Diabetes” foi

encontrada uma percentagem de 23,2% entre os 20 e 79 anos, o que corresponde a 1.782.663

pessoas com “Pré-Diabetes”. Assim, cerca de 35% da população portuguesa, entre os 20 e os

79 anos (2.687.698 portugueses), sofre de diabetes ou de “pré-diabetes”. Os Açores aparecem

com os valores regionais mais elevados do país com uma prevalência de 14,3% (9,2% com

diabetes diagnosticada e 5,1% com diabetes não diagnosticada).

Não existem dados epidemiológicos seguros sobre a incidência e prevalência da retinopatia

diabética em Portugal. A prevalência de retinopatia diabética (com qualquer grau de

gravidade) na população diabética é de cerca de 30%. A prevalência de retinopatia diabética

com perda de visão é de 10%. A probabilidade de um paciente diabético vir a ser portador de

retinopatia diabética irá depender principalmente do seu tipo de diabetes (Tipo 1 ou Tipo 2),

da duração da doença, do controlo metabólico e do risco familiar. Há maior risco de

retinopatia diabética na diabetes tipo 1, se existir mau controlo metabólico, maior duração da

doença e/ou outros casos de retinopatia diabética em familiares próximos. Após 15 anos de

doença, a prevalência da retinopatia diabética é de cerca de 98% para diabetes tipo 1 e 58%

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VII – MANIFESTAÇÕES OCULARES DE DOENÇAS SISTÉMICAS Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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para a diabetes tipo 2. A prevalência de cegueira devida à retinopatia diabética (visão igual ou

inferior a 1/10) é de cerca de 5% e a incidência é de cerca de 1,2%.

Prevenção da retinopatia diabética.

O aparecimento da retinopatia diabética pode ser adiado e as suas fases mais graves podem

ser evitadas se forem tomadas as medidas necessárias.

As primeiras medidas de prevenção da retinopatia diabética devem incluir um bom controlo

da glicémia, da tensão arterial, do colesterol e do peso e a promoção do exercício físico.

Todos os diabéticos tipo 2 devem ser observados por um Oftalmologista, com dilatação da

pupila, logo na altura do diagnóstico da diabetes e depois anualmente. Os diabéticos tipo 1

devem ser observados logo no início da puberdade e, quando a doença surge após a

puberdade, devem ser observados no máximo 5 anos após o início da doença.

Quando surge retinopatia diabética será o Oftalmologista a avaliar a gravidade da doença e a

estabelecer os prazos de observação.

Fisiopatologia

Crê-se que a exposição da retina a altas concentrações de glicose é responsável pelas lesões

retinianas. A gravidade da retinopatia correlaciona-se com um mau controle metabólico e um

controle com glicémias quase normais atrasa a progressão da retinopatia diabética. Foram

propostos vários mecanismos moleculares e várias hipóteses para explicar a toxicidade da

glicose associada à retinopatia diabética. Esta toxicidade resultaria fundamentalmente da

hiperglicémia prolongada que daria início a uma cadeia de reacções químicas, tendo sido

descritas duas vias diferentes: a via da glicosilação não enzimática e a via do poliol. Durante

uma hiperglicémia prolongada, a glicose liga-se ao grupo amino de proteínas (sem que haja

actuação enzimática – via da glicosilação não enzimática), dando origem aos produtos

intermediários da glicosilação, um processo reversível com a normalização da glicémia. Em

seguida, agora por um mecanismo enzimático e irreversível, tais produtos intermediários

passam a Produtos Finais da Glicosilação (PFG), que têm a propriedade de aprisionarem à sua

estrutura proteínas não glicosiladas. Os PFG ligam-se a receptores celulares diversos

presentes nas células endoteliais, monócitos, linfócitos e macrófagos, levando a um aumento

da permeabilidade endotelial e da actividade pró-coagulante. Os PFG ligam-se também às

proteínas estruturais das hemácias, alterando sua forma e função, alteração que pode ser

doseada por um exame laboratorial – o do doseamento da hemoglobina glicosilada. Ao

ligarem-se às proteínas livres os PFG causam também proliferação da matriz extracelular e

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VII – MANIFESTAÇÕES OCULARES DE DOENÇAS SISTÉMICAS Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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inactivação do óxido nítrico, levando a uma perda da auto-regulação capilar, inclusive

retiniana. A via do Poliol, está mais relacionada com o derrame microvascular, em que a

glicose em excesso no sangue é convertida a sorbitol, pela acção de uma enzima chamada de

aldolase redutase. O sorbitol além de causar lise celular por aumento da osmolaridade é

convertido a mioinisitol, depressor da sódio/potássio ATPase, o que provoca lesão nas células

de Schwan e pericitos (célula mesenquimatosa, encontrada ao redor dos capilares e no caso

dos retinianos com capacidade contráctil).

O VEGF ou factor de proliferação do endotélio vascular (produzido pelas células do EP,

células de Muller, células ganglionares e pericitos) parece ter um papel preponderante na

formação de neovasos na papila e/ou na retina e no aumento da permeabilidade vascular que

conduz ao edema macular. Actua inibindo a apoptose das células endoteliais, promovendo a

sua proliferação e aumentando a permeabilidade da barreira hemato-retiniana. A sua produção

aumenta na presença de hipóxia.

Outros mecanismos propostos para explicar a retinopatia diabética, incluem o “stress”

oxidativo, a activação da proteina kinase C, a formação de produtos finais de glicosilação, a

produção de óxido nítrico, a inflamação de baixa intensidade, etc.

As alterações neuronais associadas à retinopatia diabética incluem morte celular, gliose e

alteração do metabolismo do glutamato e podem surgir antes de aparecerem sintomas francos

ou sinais de alteração vascular. A nível vascular podem surgir igualmente várias alterações

antes de aparecerem sinais ou sintomas de retinopatia diabética. São exemplos o aumento da

permeabilidade da barreira hemato-retiniana, as alterações na auto-regulação e o aumento do

fluxo sanguíneo. À medida que a doença avança as alterações tornam-se manifestas e

aparecem hemorragias, microaneurismas e áreas de oclusão capilar. A retinopatia diabética

poderá ser considerada uma doença micro-angiopática, inflamatória e neuro-degenerativa.

As lesões na retinopatia diabética

Os microaneurismas são geralmente o primeiro sinal fundoscópico da retinopatia diabética.

Normalmente aumentam em número e tamanho com o decorrer da doença; são originados por

uma fragilidade da parede vascular capilar retiniana, levando a uma protusão e incompetência

vascular de que pode resultar derrame microvascular, hemorragia e edema de retina. Os

exsudatos duros são resultado do extravasamento de plasma através das áreas fragilizadas,

levando a uma acumulação de lipoproteínas além de macrófagos repletos de lipídos, dispostos

ao redor dos microaneurismas. Há regressão espontânea em meses ou anos, caso não haja

perpetuação do derrame ou no caso de fotocoagulação a laser. Caso contrário, surgem os

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VII – MANIFESTAÇÕES OCULARES DE DOENÇAS SISTÉMICAS Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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depósitos crónicos, levando a uma estrutura em placa densa podendo tornar-se permanentes.

Os exsudatos duros sub-foveais deixam sequelas com diminuição da acuidade visual, devido a

lesões nos fotorreceptores. A oclusão nos capilares retinianos na camada de fibras nervosas

origina isquémia e interrupção do fluxo axoplasmático com acúmulo do material transportado

pelos axônios ocasionando um aspecto branco e opaco. Estas lesões são conhecidas como

manchas algodonosas ou exsudatos moles. As hemorragias profundas (puntiforme) são

características da retinopatia diabética. Se forem superficiais (em chama de vela) ou apenas

periféricas deve suspeitar-se de outra etiologia que não a retinopatia diabética. O edema da

mácula é a principal causa da diminuição da acuidade visual na retinopatia diabética não

proliferativa. Resulta de alteração da barreira hemato-retiniana com aumento da

permeabilidade e derrame a nível dos capilares e arteríolas acarretando um espessamento

retiniano focal ou difuso. As IRMAs (intra-retinal microvascular abnormalities ou anomalias

microvasculares intra-retinianas) são dilatações, tortuosidades e irregularidade no calibre dos

capilares retinianos. A neovascularização é uma complicação grave da retinopatia diabética

que pode levar a perda acentuada ou total de visão por hemovítreo, proliferação vítreo-

retiniana e/ou descolamento da retina. A oclusão capilar e arteriolar e a perda da auto-reto-

regulação dos vasos retinianos condicionam uma diminuição do aporte de oxigénio. Sob

hipóxia persistente os pericitos, as células endoteliais e o epitélio pigmentar da retina irão

libertar factores de crescimento vascular (tais como o factor de crescimento de fibroblasto

básico, factor de crescimento do endotélio vascular e factor de crescimento de substância

análoga a insulina), promovendo uma neovascularização compensatória.

Classificação da retinopatia diabética

A retinopatia diabética pode ser classificada de acordo com a sua gravidade em proliferativa

(RDP) e não proliferativa (RDNP). A mais utilizada é a classificação clínica internacional do

GDRPG – Global Diabetic Retinopathy Project Group 2002 (quadro 1) feita com base na

observação do fundo ocular/retinografia e tendo como base a classificação do ETDRS (Early

Treatment Diabetic Retinopaty Study).

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VII – MANIFESTAÇÕES OCULARES DE DOENÇAS SISTÉMICAS Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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Classificação da RD / Grau de gravidade proposto

Sinais encontrados na fundoscopia

Sem retinopatia aparente Sem alterações RD não proliferativa ligeira Risco de RDP – 1 ano: 5%

Apenas microaneurismas

RD não proliferativa moderada. Risco de RDP – 1 ano: 5-27%

Mais do que apenas microaneurismas mas menos do que RDNP grave.

RD não proliferativa grave Risco de RDP – 1 ano: 50%

Qualquer um dos seguintes: (regra 4:2:1) - hemorragias intraretinianas nos quatro quadrantes (nº ≥ 20 hemorragias por quadrante) - vasos em rosário em dois ou mais quadrantes -anomalias microvasculares intraretinianas (IRMA) em pelo menos um quadrante - Sem sinais de retinopatia proliferativa

RDNP muito grave Risco de RDP - 1 ano: 75%

2 ou mais lesões de RDNP grave

RD proliferativa -Neovascularização ou -Hemorragia vítrea/pré-retiniana

A RDP pode ser classificada de acordo com a sua gravidade da seguinte forma:

RDP baixo risco NVD (neovasos no disco óptico) <1/4 DA (disco de área) ou NVE (neovasos “elsewhere” ou não papilares) <1/2 DA.

RDP alto risco NVD (no DO ou dentro de 1 D) mas com área ≥ 1/4 do D ou NVE associada a hemorragia vítrea ou pré-retiniana.

RDP com doença ocular diabética avançada

Qualquer dos seguintes: hemovítreo/ hemorragia pré-retiniana Rubeose da íris Descolamento de retina traccional Proliferação fibrovascular com tracção

O edema macular pode ser classificado como clinicamente significativo se apresentar:

Espessamento da retina a 500 µm ou menos da fóvea ou Exsudatos duros e espessamento da retina a 500 µm ou menos da fóvea ou Espessamento retiniano com área ≥ a 1 DD e a menos de 1 DD do centro da fóvea.

A classificação Clínica Internacional / Graus de gravidade do Edema macular (GDRPG –

Global Diabetic Retinopathy Project Group 2002; International Council of Ophthalmology

utiliza a seguinte terminologia:

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VII – MANIFESTAÇÕES OCULARES DE DOENÇAS SISTÉMICAS Cadeira de Oftalmologia - Faculdade de Medicina - Coimbra

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Classificação / Grau edema macular Sinais encontrados

EM aparentemente ausente Sem espessamento aparente da retina ou exsudados duros

EM aparentemente presente Algum espessamento retiniano ou exsudados duros no pólo posterior

Se está presente edema macular (EM), pode ser classificado da seguinte forma:

Ligeiro: Algum espessamento retiniano ou exsudados duros no pólo posterior mas distantes do centro da mácula Moderado: Espessamento retiniano ou exsudados duros aproximando-se do centro da mácula mas não o atingindo Grave: Espessamento da retina ou exsudados duros atingindo o centro da mácula

A presença de exsudados duros constitui um sinal de edema macular, recente ou em fase de

reabsorção. O Edema Macular Diabético (EMD) é definido como um espessamento da retina.

Classicamente a observação tridimensional da retina é efectuada pela observação do fundo

ocular com lente usando o biomicroscópio/fotografias estereoscópicas do fundo ocular. O

OCT (ocular optic coherent tomography ou tomografia de coerência óptica) ao mostrar fluido

intra ou sub-retiniano permite quantificar o edema retiniana e avaliar a sua progressão com ou

sem tratamento.

A angiografia fluoresceínica é o exame complementar standard para a avaliação da

retinopatia diabética. Permite identificar os focos ou áreas de oclusão e de derrame capilar e

arteriolar, os microanuerismas e os neovasos. Constitui, de facto, o único meio de detectar e

estudar áreas de isquémia retiniana e, particularmente, de isquémia macular. Outras situações

em que a angiografia fluoresceínica poderá ser usada são a avaliação de alterações da

acuidade visual sem causa aparente, os quadros de RDNP severa para determinar o grau de

isquémia retiniana e na detecção de NVE subtis em pacientes com RDP. A angiografia

fluoresceínica não é um método adequado para o rastreio de RD.

Tratamento

Tratar a retinopatia diabética é uma tarefa difícil e complexa. Múltiplos factores influenciam o

resultado da acção terapêutica. O atraso no tratamento é a causa mais evidente de insucesso

terapêutico mas outros factores existem que levam ao insucesso ou sucesso relativo no

controlo da RD, particularmente no controlo do edema macular difuso. A intervenção ao nível

dos factores sistémicos é crucial para o sucesso de qualquer das propostas terapêuticas. Nunca

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será demais referir que está amplamente provado que o rigoroso controlo metabólico da

diabetes, da hipertensão arterial e dislipidémias, assim como evitar factores de risco tais como

a obesidade (controlo do perímetro abdominal e índice de massa corporal) são importantes

para a evolução desta patologia, assim como a prática regular de exercício e a alimentação

com fibras, verduras e frutos, dieta de tipo Mediterrânica. É geralmente aceite, e de acordo

com as observações e conclusões de vários estudos, o interesse e sinergismo terapêutico de:

1- controlo metabólico com redução tanto quanto possível do Hb A1c para valores 7

% ou o valor da glicémia em jejum de 110 mg/dl;

2- controlo da TA diastólica sempre 80 mmHg, sistólica 130mmHg. (ADA);

3- controlo do colesterol e triglicerídeos;

4- redução da obesidade com dieta adequada;

5- programa de actividade física diária;

6- função renal mantida.

A nível oftalmológico recomenda-se o seguinte PROTOCOLO:

1- Sem lesões de retinopatia diabética: Controle oftalmológico anual

Excepções:

Diabetes tipo 1 – o primeiro controlo será feito após a puberdade ou depois de

passados 5 anos do diagnóstico de diabetes. A partir do início da puberdade o controlo anual é

obrigatório dado o alto risco de complicações e carácter agressivo das mesmas.

Gravidez – A primeira observação deverá ser efectuada antes da concepção ou o mais

cedo possível no primeiro trimestre, sendo as reavaliações aos 3-6 meses se não for detectada

RD (ou esta for ligeira) ou 1-3 meses se for detectada RDNP moderada. Estadios mais graves

são abrangidos pelo protocolo respectivo de acordo com a gravidade.

2- a – Com retinopatia não proliferativa ligeira ou moderada mas sem edema macular:

controle oftalmológico anual (ligeira) ou semestral (moderada);

2- b -Retinopatia diabética não proliferativa ligeira ou moderada com edema macular

ameaçando a fóvea: tratar o edema macular com fotocoagulação laser e reavaliar às 8 a 12

semanas. Se o edema não ameaçar a fóvea (não clinicamente significativo) recomenda-se

reavaliar entre 2 a 4 meses.

3- Com retinopatia diabética não proliferativa grave

Avaliações a cada 2-4 meses. Os períodos mais curtos são aconselhados para os diabéticos

tipo1, insistindo na necessidade de optimizar o controlo metabólico (mais de metade dos

pacientes (50,2%) desenvolverão RD proliferativa em menos de 1 ano e cerca de 1/3 destes

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(14,6%) terão RDP de alto risco). Apesar de nos estudos ETDRS, não ser formalmente

recomendada a fotocoagulação panretiniana, deverá ser uma opção nestes doentes, em

especial nos seguintes casos: doentes que não vão cumprir com o esquema de seguimento

(lembramos que o controlo deve ser realizado pelo menos de 4 em 4 meses); mau controlo

metabólico da diabetes; ter realizado previamente cirurgia de catarata; ter catarata parcial que

vai impedir futura fototerapia laser; laser prévio a cirurgia de catarata; gravidez; olho adelfo

com RD proliferativa; hipertensos graves; diabetes 1 no jovem – por ter um desenvolvimento

muito agressivo e rápido.

No caso de uma RDNP muito grave aconselha-se uma panfotocoagulação (em 4 ou 5 sessões

cada uma de 400-500 impactos de 500 micra na retina), com intervalos médios de 3 semanas

entre sessão. Se existir edema macular associado dever-se-á proceder de acordo com o que se

descreve à frente. O doente deverá ser controlado ao fim de aproximadamente 2-4 meses do

fim do esquema de fotocoagulação panretiniana (PRP) e, se a RD se encontrar inactiva e

estável, passar a ser reobservado cada 6 meses.

4- -Retinopatia diabética proliferativa

Na RDP deve ser realizada, logo que possível, a fotocoagulação laser panretiniana (PRP)

sendo esta ainda mais urgente, nos casos de RDP com critérios de alto risco, devido à

possibilidade de perda acentuada de visão por hemorragia vítrea. Neste caso será

recomendável terminá-la em um a dois meses, em sessões espaçadas de uma a duas semanas

efectuando 500-600 impactos de 500 micra na retina ou equivalente, de acordo com a lente de

tratamento laser em uso. O controlo oftalmológico, após a realização da fotocoagulação

panretiniana, deve ser efectuado, preferencialmente, ao fim de 2-3 meses, devendo ser

encurtado este período nos casos mais graves. Os doentes já com pan-fotocoagulação, nos

quais não se verificou uma regressão completa dos neovasos, ou que apresentem novas áreas

de neovascularização na retina, no disco ou no segmento anterior (íris), ou ainda com novas

hemorragias vítreas, têm indicação para a realização de reforço do laser, em padrão “fill in”

(confluência) podendo ir até aos 4 ou 5 mil spots. Se ainda assim a situação não se estabiliza

ou se se observam zonas de risco, deve-se proceder a cirurgia vítreo-retiniana (CVR). A

vitrectomia está também indicada em casos de proliferação fibrovascular com tracção macular

associada, hemovítreos refractários ou recorrente, descolamentos traccionais da retina que

coloquem a visão em risco, rubeose ou neovasos refractários ao laser.

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Conclusão

A Retinopatia Diabética é a primeira causa de cegueira na idade produtiva. É uma doença

multifactorial sendo o tempo de duração da Diabetes mellitus e o controle metabólico os

principais factores de risco. A patogénese da retinopatia diabética permanece ainda apor

compreender na sua totalidade. Os achados fundoscópicos que se encontram na retinopatia

diabética são os microaneurismas, exsudatos duros, manchas algodonosas, hemorragias intra,

ou pré-retinianas, edema da mácula, IRMAs, vasos em rosário, neovascularização e

descolamento de retina. Os microaneurismas são os primeiros achados fundoscópicos. O

edema de mácula por um lado, o hemovítreo e o descolamento de retina, por outro, são as

principais causas de cegueira na retinopatia diabética não proliferativa e proliferativa,

respectivamente. O diagnóstico precoce, a prevenção (recomendações gerais de controle

metabólico, pela Hb glicosilada, prevenção de co-morbilidade e cuidados na gravidez) e o

seguimento são importantes para retardar o início ou progressão da retinopatia diabética,

levando a um melhor prognóstico. O tratamento padronizado para a retinopatia diabética é a

fotocoagulação laser, focal ou em grelha macular para o edema macular e a fotocoagulação

pan-retiniana para a RDP. As formas complicadas de retinopatia diabética proliferativa

poderão ser tratadas cirurgicamente.

B- RETINOPATIA HIPERTENSIVA

Introdução

A hipertensão arterial (HTA) está associada a lesões vasculares no cérebro, coração, rins e

olhos. A retinopatia hipertensiva consiste num conjunto de alterações dos vasos da retina que

estão relacionadas com lesões microvasculares causadas pela pressão arterial elevada. A HTA

causa constrição arteriolar focal e/ou generalizada, muito provavelmente mediada por auto-

regulação. Esta é a resposta primária das arteríolas da retina à HTA. No entanto, o grau de

constrição depende da fibrose pré-existente. Por esta razão, a vasoconstrição hipertensiva é

observada, na sua forma pura, apenas em indivíduos jovens. Em indivíduos mais idosos, a

rigidez das arteríolas da retina devida a esclerose previne o aparecimento do mesmo grau de

vasoconstrição observado nos indivíduos mais jovens. Uma duração prolongada de uma

tensão arterial particularmente elevada pode levar ao aparecimento de alteração da

permeabilidade da barreira hemato-retiniana, com derrame de plasma e glóbulos vermelhos,

aparecimento de hemorragias, manchas algodonosas e depósitos lipídicos intra-retinianos

(exsudatos duros) em forma de estrela macular. O aumento brusco da TA (hipertensão

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acelerada) pode estar associado a necrose fibrinóide a nível das arteríolas coroideias, edema

da papila, manchas algodonosas, hemorragias e oclusão de áreas da coriocapilar.

Patogénese

A retinopatia hipertensiva é caracterizada por:

Vasoconstrição arteriolar: pode ser focal ou difusa. A HTA grave pode levar ao

desenvolvimento de manchas algodonosas.

Aumento da permeabilidade vascular: provoca hemorragias retinianas em forma de

chama de vela e edema da retina. O edema crónico da retina pode resultar no

aparecimento de exsudados duros, à volta da fóvea, com uma configuração macular

em estrela. O edema do disco óptico surge na HTA acelerada.

Arteriolosclerose: Ocorre espessamento da parede do vaso, caracterizado

histologicamente por hipertrofia e hialinização. O sinal clínico mais importante é a

presença de alterações em cruzamentos arterio-venosos. A sua presença indica que a

HTA está presente há muitos anos.

Estadiamento

1. Classificação de Keith-Wagener-Barker (1939)

Alterações vasos da retina Manifestações sistémicas

Grupo 1 Vasoconstrição ligeira das arteríolas, esclerose e arteríolas tortuosas

HTA ligeira, assintomática

Grupo 2 Contrição focal, esclerose e cruzamentos arterio-venosos

HTA persistente Poucos sintomas

Grupo 3 Retinopatia: manchas algodonosas, arteriolosclerose e hemorragias

HTA persistente Cefaleias, vertigens, alterações ligeiras das funções renal, cardíaca e cerebral

Grupo 4 Edema neuro-retiniano, papiledema; estrias de Siegrist*; pontos de Elschning**

TA persistentemente aumentada. Cefaleias, astenia, perda ponderal, dispneia; alteração das funções renal, cardíaca e cerebral

*Hiperpigmentações lineares do epitélio pigmentado localizadas sobre vasos coroideus com esclerose (coroidopatia hipertensiva) ** Áreas do epitélio pigmentado amareladas (fase aguda) ou hiperpigmentadas e com uma margem hipopigmentada (fase de cicatrização) que recobrem zonas de oclusão da coriocapilar (coroidopatia hipertensiva).

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2. Classificação de Scheie (a mais utilizada - 1953):

Estadio 0 – diagnóstico de HTA, mas sem alterações visíveis a nível da retina Estadio 1 – Estreitamento arteriolar difuso, sem contrição focal; alargamento do reflexo luminoso com compressão arterio-venosa mínima Estadio 2 – Estreitamento arteriolar mais pronunciado, com contrição focal; alteração do reflexo da luz e cruzamentos artério-venosos mais pronunciados Estadio 3 – Estreitamento focal e difuso com hemorragia retiniana; arteríolas com aspecto em fio de cobre; cruzamentos com compressão artério-venosa mais proeminente Estadio 4 – Edema da retina, exsudados duros, edema do disco óptico; arteríolas com aspecto em fio de prata; cruzamentos artério-venosos muito alterados

3. Classificação de Scheie modificada

Grau 0 – sem alterações Grau 1 – raros estreitamentos arteriais Grau 2 – Estreitamentos arteriais com constrições focais Grau 3 – alterações encontradas no grau 2 + hemorragias da retina e/ou exsudados Grau 4 – grau 3 + edema do disco

Sintomas

Pode estar associada a cefaleias. A diminuição da acuidade visual pode ocorrer em estadios

mais avançados.

Sinais

- Vasoconstrição arteriolar localizada ou generalizada, normalmente bilateral - HTA crónica:

alterações dos cruzamentos artério-venosos arteriolosclerose alargamento do reflexo da luz (aspecto em fio de cobre e de prata) manchas algodonosas hemorragias em chama de vela macroaneurismas arteriais oclusão de um ramo da artéria ou veia central da retina

- HTA maligna (acelerada): exsudados duros, com configuração macular em estrela edema retiniano manchas algodonosas hemorragias em chama de vela papiledema Necrose fibrinóide

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Diagnóstico diferencial

Retinopatia diabética: as hemorragias normalmente são mais pequenas; os microaneurismas

são comuns.

Doenças do colagéneo: podem apresentar-se com múltiplas manchas algodonosas, mas sem outros sinais característicos de retinopatia hipertensiva.

Anemia: predomina a hemorragia, sem alterações marcadas nas artérias Retinopatia por radiação: pode ser semelhante à retinopatia diabética. Oclusão da veia central da retina ou oclusão de ramo da veia central da retina:

hemorragias múltiplas, unilaterais, veias dilatadas e tortuosas, sem vasoconstrição arteriolar; pode ser consequência de HTA.

Tratamento

Controlar a HTA e, se for secundária, tratar a causa.

C- DOENÇAS HEMATOLÓGICAS

Além de hemorragias subconjuntivais e de hifemas (sangue na câmara anterior) espontâneos,

os pacientes portadores de leucemias podem apresentar sinais de hiperviscosidade e congestão

retiniana, predispondo à oclusão venosa retiniana (de ramo ou da veia central). O sinal mais

característico (mas não patognomónico) das leucemias é a mancha de Roth no fundo de olho,

(hemorragias com acumulação de fibrina no centro). Além disso, os doentes podem

desenvolver edema de papila como manifestação de envolvimento do SNC ou palidez de

papila. Existe envolvimento ocular em cerca de 100% das leucemias. Os infiltrados retinianos

podem assemelhar-se a manchas algodonosas. Nas anemias poderá opbservar-se hemorragias,

exsudatos algodonosos e tortuosidade venosa. O aumento acentuado da viscosidade sanguínea

tem sido demonstrado nas policitémias e leucemias, que se caracterizam por um acréscimo

absoluto ou relativo do número de elementos celulares existentes na corrente sanguínea. O

mesmo acontece nas hemoglobinopatias com aumento da viscosidade e resistência ao fluxo

sanguíneo, iniciando-se, assim um círculo vicioso de deficiência em oxigénio cada vez maior,

falciformação progressiva e estase venosa mais acentuada. Valores muito elevados de

viscosidade plasmática estão presentes ainda em muitas disproteinémias e são uma

característica da macroglobulinémia, a qual se caracteriza pela presença no sangue de

globulinas de grande peso molecular. Também no mieloma múltiplo a presença duma

hiperproteinémia causa um acentuado aumento na viscosidade plasmática. Um aspecto de

relevo na patologia vascular retiniana destas doenças é o facto de, em muitos casos, o sistema

venoso retiniano ser o único que apresenta lesões, encontrando-se os vasos uveais, cerebrais e

de outros territórios vasculares do organismo, completamente normais.

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O quadro oftalmoscópico que se observa nestas doenças caracteriza-se pela turgescência

venosa, mais ou menos acentuada, mostrando-se os ramos venosos dilatados e sinuosos. As

lesões vasculares são mais acentuadas na periferia. Podem surgir zonas de edema,

microaneurismas e neovascularização. As lesões exsudativas são geralmente profundas e

constituem exsudatos duros. Na policitémia o sinal mais característico é a dilatação venosa

generalizada com coloração avermelhada muito acentuada do fundo. Na drepanocitose são

mais frequentes as neoformações vasculares, principalmente na periferia.

Finalmente na macroglobulinémia e na mielomatose os ramos venosos, dilatados e muito

tortuosos, adoptam aspectos característicos em “fiada de salsichas” ou em “colar de pérolas”,

com extrema abundância de microaneurismas.

A alteração capilaro-venosa inicial fundamentalmente responsável pelo desencadeamento do

processo lesivo parece ser a proliferação endotelial reactiva à maior viscosidade, estase e

hipoxémia local, a qual acarreta alteração da Barreira Hemato-Retiniana, com exsudação,

formação de microaneurismas e desenvolvimento de pequenas oclusões capilaro-venosas que

mais contribuem para o agravamento do processo.

D- DOENÇAS IDIOPÁTICAS

1- Sarcoidose

É uma doença crónica que afecta vários órgãos entre os quais o globo ocular. As

manifestações oculares surgem em cerca de 20 - 50% dos casos e constituem o primeiro sinal

da doença em cerca de 7%. Pode apresentar a nível ocular uveíte anterior, uveite posterior,

uveite intermédia, nevrite óptica e granulomas conjuntivais ou da glândula lacrimal.

A sarcoidose é particularmente comum em mulheres de origem africana entre os 20 e 40 anos

de idade. As alterações laboratoriais incluem calcémia aumentada (12% dos doentes),

elevação da enzima de conversão da angiotensina (75%) e alterações no exame radiológico do

tórax (80%). Surgem queixas de astenia em 50% dos casos. A biopsia da conjuntiva é fácil e

informativa. As alterações oculares da sarcoidose podem ocorrer sem quaisquer sintomas

pelo que é importante enviar para exame oftalmológico todos os doentes com suspeita de

sarcoidose. O envolvimento do sistema nervoso central é mais frequente quando há alterações

oculares.

Uma das alterações que pode ocorrer na sarcoidose é o aparecimento do olho seco por

infiltração inflamatória da glândula lacrimal, uma situação que surge também numa grande

variedade de patologias do foro reumatológico. Note-se que estas doenças do tecido conectivo

apresentam também alterações do fundo ocular em que predominam as vasculites. Nestas

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situações, contudo, as arteriolites são as mais frequentes. Os sintomas que são característicos

de olho seco incluem a sensação de ardor ou de corpo estranho (areias) nos olhos,

especialmente no fim do dia. Há também acumulação de muco nas pálpebras ao acordar. Por

vezes, os pacientes aceitam com dificuldade um diagnóstico de olho seco por apresentarem

epífora, por a secura do olho ser tal que causa lacrimejo reflexo. O tratamento inclui a

aplicação em colírio de lágrimas artificiais e por vezes um colírio lubrificante ao deitar. Por

vezes, em associação com patologias sistémicas graves, como na artrite reumatóide a situação

pode ser grave e causar problemas corneanos.

2- Toxémia da gravidez

Pode provocar oclusão dos vasos coroideus e descolamento exsudativo da retina. Em regra

melhora após o parto.

E- NEOPLASIAS

1- Metástases

Afectam o globo ocular e anexos em 5% dos carcinomas. O pulmão, a mama, e o tracto

genito-urinário masculino são os locais mais frequentes de origem das metásteses. Estas

podem provocar diminuição da acuidade visual, exoftalmia e defeitos do campo visual ao

atingirem o SNC, a coroide ou a órbita.

2- Linfoma histiocitário: Afecta o olho e o cérebro. Causa uveite refractária ao tratamento

com anti-inflamatórios.

Síndrome de Von Hippel-Lindau

Associação de hemangioblastoma de retina ou nervo óptico com manifestações sistémicas,

como hemangioblastoma de medula espinal ou cerebelo, tumores como carcinoma renal ou

feocromocitoma, quistos renais, pâncreáticos, hepáticos, pulmonares ou nos ovários e

policitemia. O hemangioblastoma de retina aparece entre a 2ª e 3ª décadas de vida e causa

diminuição da acuidade visual.

Neurofibromatose

Doença autossómica dominante com penetrância e expressividade variadas.

Caracteristicamente, os pacientes com neurofibromatose apresentam nódulos de Lisch na íris.

Podem apresentar fibromas das pálpebras, neurofibromas plexiformes e hemiatrofia facial. O

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glaucoma congénito que pode surgir é unilateral, associado a neurofibroma ou hemiatrofia

facial no mesmo lado e é de difícil controle. No fundo de olho, pode haver nevus coroideu,

astrocitomas de retina ou gliomas do nervo óptico.

Síndrome de Sturge-Weber

Doença caracterizada pela presença de hemangiomas em pele e meninges. Glaucoma

congénito pode estar presente no mesmo lado do nevus flameus, principalmente se a lesão de

pele afecta a pálpebra superior. É de difícil tratamento. Também pode desenvolver

hemangioma da episclera ou de corpo ciliar.

F- ALTERAÇÕES HORMONAIS

1- Oftalmopatia tiroideia

Poderá existir oftalmopatia tiroideia com eutiroidismo. De facto, muitos casos apresentam a

doença oftalmológica sem evidências clínicas ou laboratoriais da doença endócrina. A

oftalmopatia tiroideia é a causa mais comum de exoftalmia (ou proptose) uni e bilateral. O

paciente poderá apresentar queixas de lacrimejo, fotofobia, sensação de corpo estranho e

diplopia. Há dois estágios da doença orbitária: inflamatório agudo e quiescente. Na fase

aguda, o olho apresenta-se congestionado, com edema palpebral e periorbital, com hiperemia

conjuntival (mais pronunciada na região da carúncula) e quemose. Há infiltração celular de

tecidos intersticiais e hipertrofia dos músculos extrínsecos. Os pacientes podem desenvolver

quadros de olho seco. Caracteristicamente, apresentam o sinal de Von Grafe: ao olhar para

baixo, a pálpebra superior não acompanha o movimento ocular em sincronia. Esses pacientes

desenvolvem retracção palpebral e proptose. A preocupação nessa fase é a queratopatia de

exposição e a neuropatia compressiva. Devido à proptose e à retracção palpebral, não é

possível a muitos desses pacientes realizar oclusão palpebral, mantendo conjuntiva e córnea

expostas. Também devido à hipertrofia e à congestão dos músculos extrínsecos, pode haver

compressão do nervo óptico, o que leva a diminuição da acuidade visual e defeitos de campo

visual. Esses pacientes podem ser tratados com corticoterapia, radioterapia ou descompressão

orbitária dependendo de cada caso.

Na fase não-aguda, o paciente pode desenvolver diplopia e restrição dos músculos, como

resultado de fibrose dos mesmos. A cirurgia de estrabismo está indicada em casos específicos.

2- Tumores da hipófise: compressão do quiasma ou nervos craneanos com defeitos

campimétricos, diminuição da acuidade visual e oftalmoplegia.

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G- ALTERAÇÕES PSÍQUICAS

Alterações funcionais visuais podem estar associadas a histeria, somatização ou simulação. As

queixas mais frequentes incluem perda de visão monocular ou binocular, visão tubular,

diplopia, espasmos palpebrais e dor ocular.O diagnóstico diferencial com alterações orgânicas

pode ser difícil. Existem vários testes para detectar simulação. Um método simples consiste

em avaliar a acuidade visual a distâncias diferentes. Se um paciente vê 1/10 a 6 metros, deve

ver 2/10 a 3 metros e 4/10 a 1,5 metros. Um simulador em regra vê sempre 1/10 a qualquer

distancia.

Manifestação ocular – pálpebras, músculos, anexos

Doenças sistémicas associadas

Entrópion / Ectrópion Penfigóide cicatricial, doença de Hansen, síndrome de Stevens-Johnson

Exoftalmia Doenças de tiróide, pseudotumor orbitário, celulites orbitárias, vasculites orbitárias, mucormicose, fístula arteriovenosa, trombose de seio cavernoso

Retracção palpebral Doenças da tiróide, síndrome de Parinaud, hidrocefalia, síndrome de Down, uremia

Ptose Idade, paralisia ou regeneração aberrante de III par, síndrome de Horner, miastenia gravis, distrofia miotónica, miopatia

Edema da pálpebra Alergia, anasarca, hipotiroidismo, síndrome da veia cava superior

Xantelasmas Hipercolesterolémia Poliose (cílios ou sobrancelhas brancos prematuramente)

Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada, síndrome de Waardenburg

Madarose (perda de cílios) Alopecia generalizada, psoríase, mixedema, LES, Sifilis, doença de Hansen, doenças psiquiátricas

Estrabismo Sistema nervoso central, pares craneanos, miopatias Manifestação ocular – Conjuntiva Doenças sistémicas associadas Hemorragia sub-conjuntival HTA, manobra de Valsalva, discrasias sanguíneas,

idiopática, deficiência em vitamina C Pigmentação conjuntival Alteração racial, melanoma, doença de Addison,

gravidez, radiação, drogas (clorpromazina), intoxicação por metal (arginose)

Simbléfaro (aderência entre conjuntiva tarsal e ocular)

Síndrome de Stevens-Johnson, radiação, penfigóide cicatricial

Olho seco Querato-conjuntivite sicca, doenças reumatológicas, alergias.

Conjuntivite Alergias, infecçao por clamídeas, herpes Manifestação ocular – Córnea, esclera, episclera

Doenças sistêmicas associadas

Esclerite LES, artite reumatóide, doença de Wegener, poliarterite nodosa, herpes zóster

Opacificação da córnea, ceratite Doenças metabólicas (mucopolissacaridose, mucolipidose), paralisia do facial com exposição da córnea, artrite reumatóide, LES

Anel de Kaiser-Fleischer D. Wilson Esclera azul Osteogénese imperfeita Dilatação dos vasos episclerais Melanoma de úvea, fístula arteriovenosa, policitemia

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vera, leucemia, trombose de veia oftálmica ou de seio cavernoso

Manifestação ocular – Úvea (íris, coróideia e corpo ciliar)

Doenças sistémicas associadas

Heterocromia de íris Síndrome de Horner, carcinoma metastático, síndrome de Waardeburg, hemossiderose, siderose, leucemia, linfoma.

Uveíte anterior Doenças reumatológicas (artrite reumatóide, artrite reumatóide juvenil), infecciosas (sífilis, tuberculose, toxoplasmose, Hansen), doença de Behçet, sarcoidose, espondilartropatias

Aniridia (ausência de íris) Tumor de Wilms Metástases para coróide Mama, pulmão, sistema gastrointestinal, rins, testículos Manifestação ocular – Cristalino Doenças sistêmicas associadas Ectopia lentis (luxação ou subluxação do cristalino)

Síndrome de Marfan, síndrome de Weil Marchesani, homocistinúria

Catarata Galactosemia, rubéola congênita, síndrome de Down, síndrome de Patau, síndrome de Edwards, síndrome de Turner

Microesferofaquia (cristalino pequeno e redondo) Síndrome de Weil Marchesani Manifestação ocular – Retina e nervo óptico Doenças sistêmicas associadas Astrocitoma de retina e nervo óptico Esclerose tuberosa Glioma de nervo óptico Neurofibromatose Hemangioma capilar da retina Síndrome de von Hippel-Lindau

Estrias angióides Pseudoxantoma elástico, doença de Ehlers-Danlos, doença de Paget

Edema da papila HTA, Arterite de células gigantes, hipertensão intra-craneana benigna (bilateral ou papiledema)