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Sandra Serra 2011-10-08 Edições Sílabo 1 Manual de Gestão de Pessoas e do Capital humano

Manual de Gestao de Pessoas e Do Capital Humano Capitulo I

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* Capítulo 1 - O que é a gestão de pessoas/recursos humanos?

«A gestão seria fácil... se não fossem as pessoas.»Adesso (1996).

«... Tal como os penteados e as roupas, as ideias na gestão vão e vêm. Todavia, há uma que tem prevalecido deforma consistente nos últimos vinte anos: as organizações mais bem sucedidas são as que utilizam de forma maiseficaz os seus recursos humanos».

Price(1997, p. 6).

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QUESTÕES A QUE SABERÁ RESPONDER NO FINAL DESTE CAPÍTULO

o  O que é a gestão de recursos humanos?o  Quais os principais papéis e actividades associados à gestão de pessoas e do capital humano?o  Como a gestão de pessoas se insere no quadro da gestão em geral?o  Qual a evolução da gestão de recursos humanos, tanto globalmente como na Europa e em Portugal?o  Quais os principais desafios competitivos que se colocam às organizações contemporâneas?o  Qual o impacto que esses desafios colocam à gestão de recursos humanos?

§1. Introdução«As pessoas são o nosso activo mais importante» - eis uma afirmação recorrente nos relatórios de contas e nosdiscursos dos executivos. O seu conteúdo, todavia, nem sempre é validado pela prática organizacional.Frequentemente, as decisões de gestão das pessoas, ao contrário das decisões financeiras, são tomadas de formapouco rigorosa e com conhecimento pouco avançado.1 Um desafio que se coloca às organizações contemporâneasé o da criação de valor - uma responsabilidade de todas as áreas e mesmo de todos os membros da organização. Aforma como as pessoas são geridas é fundamental para o valor de longo prazo de uma empresa. E igualmentecrucial que a gestão das pessoas demonstre a sua contribuição para o valor organizacional, sob pena de perder (ounão ganhar) credibilidade como função de gestão.Uma tarefa crucial para os gestores é, pois, a de compreender como as organizações podem gerir as pessoas de talforma que aumentem a respectiva capacidade produtiva e criativa, ao mesmo tempo que mantêm em limitessustentáveis os custos associados ao trabalho. A necessidade de cumprir este triângulo faz com que as organizaçõesenfrentem dois desafios simultâneos: (1) gerar ambientes de trabalho estimulantes e criadores; (2)controlar/neutralizar comportamentos indesejados. No primeiro caso, as empresas têm procurado aproximar-se daspráticas das empresas que proporcionam os melhores locais de trabalho. No segundo, implementam medidasdestinadas a desencorajar, por exemplo o absentismo. Em empresas como a Wal Mart e a Southwest Airlines, a tradi-cional justificação ao chefe foi substituída pela chamada para um número central, que monitoriza os comportamentosde uma forma mais distante apoiada em software desenhado expressamente para o efeito!É neste novo cenário que o presente capítulo se situa. O seu objectivo é o de erigir as fundações para o resto dotexto. Nele se abordam os seguintes temas:o  Define-se e caracteriza-se a «gestão de pessoas», procedendo-se ao enquadramento e definição desta função naorganização, e expondo-se as suas principais áreas de actuação. São também examinadas as peculiaridades dagestão de pessoas em pequenas e médias empresas (PME).o  Apresenta-se o enquadramento histórico, dando conta da evolução da gestão de pessoas no contexto mundial eem Portugal. Descreve-se o desenvolvimento da disciplina desde o início da Revolução Industrial até aos dias de hojee destaca- -se, no final, o crescimento da função em Portugal.

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CAIXA 1.1. UMA QUESTÃO INICIAL: PESSOAL, PESSOAS OU RECURSOS HUMANOS?

§ 2. A GRH no quadro global da gestão

2.1. Gerir para que as organizações funcionem

John Rockefeller afirmou que a boa gestão consiste em demonstrar às pessoas comuns como é que elas devemfazer o trabalho de pessoas excepcionais. Volvidas seis décadas sobre a morte daquele que, então, ostentou o títulodo homem mais rico do mundo, Carlos Slim, um dos actuais homens mais ricos do mundo,1 reinventa um velhoprovérbio chinês: nos tempos que correm não é suficiente saber pescar, sendo igualmente necessário saber comocomercializar e distribuir o peixe. Estes aforismos proferidos por alguns dos mais reputados fazedores de fortunaslançam algumas notas sobre a natureza da gestão, dos gestores e da sua relação com a vida das organizações.

A emergência da gestão de empresas como profissão e disciplina científica é relativamente recente, cabendo oscréditos iniciais de tal formalização a fundadores como Max Weber, Frederick Taylor e Henry Fayol? Apesar de adefinição de gestão não colher unanimidade, pode dizer-se, de uma forma simples, que se refere à capacidade defazer com que as organizações funcionem.3 O modo como tal objectivo pode ser alcançado tem sido alvo de debatenos últimos 100 anos, desde as primeiras publicações de Taylor e Weber. A discussão continua até hoje (ver Caixa1.2).

CAIXA 1.2. DRUCKER, A GESTÃO PASSADA E A GESTÃO FUTURA

Uma questão que nos suscitou discussões diversas enquanto o livro era redigido foi o do seu título. A escolha maisóbvia seria «Manual de gestão de recursos humanos». É a designação disciplinar estabelecida e amplamente usada eaceite. Todavia, os sinais são claros: mais e mais autores e organizações vão descartando esta designação, a favor 

de outras como employee care, capitai humano, talento. Optámos então por um título que reflectisse os novosmovimentos: «Manual de gestão de pessoas e do capital humano». A intenção é a de reflectir as mudanças em cursona função RH em muitas organizações e, afinal, a própria changing face da GRH?

Mais do que cumprir as funções administrativas tradicionais, cuja importância de resto não se discute, a GRHconsiste cada vez mais no aproveitamento estratégico do talento humano, aos vários níveis da organização, para criar e sustentar vantagens competitivas. As funções administrativas vão sendo tornadas mais eficientes graças aosmodelos de e-nabled HRM, isto é, ao uso de ferramentas electrónicas, algumas das quais serão discutidas neste livro.A função GRH passa a assumir a responsabilidade de criar parcerias estratégicas entre a organização e os seusmembros, por via do acompanhamento, escuta, desenvolvimento e tratamento digno dos membros da organização.Desta forma, o novo papel dos gestores de pessoas consiste em criar capital humano, nas suas diversas vertentes,incluindo o capital social e o capital psicológico (veja secção «Para além do capital humano» no capítulo introdutório)?

Gerir pessoas à entrada do século XXI continua, pois, a passar por funções tradicionais como o processamento desalários, o cumprimento da lei laboral e a oferta de «cuidados primários» de qualidade {e.g., refeições adequadas)?Mas requer, cada vez mais, o desenho de novas parcerias estratégicas e a utilização do talento humano nas suas

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Peter Drucker foi por muitos considerado o pai da moderna gestão. Nascido na Áustria em 1909, publicou quase40 livros e centenas de artigos, tornando-se uma das figuras mais influentes da gestão e de áreas com elasconectadas. Em 1937 fugiu ao regime nazi, estabelecendo-se nos Estados Unidos, onde viria a ensinar nasuniversidades de Columbia e Nova Iorque, entre outras. Defensor convicto da boa gestão, foi consultor deinúmeras organizações de caridade e sem fins lucrativos, como igrejas, hospitais e escolas. Não cobravahonorários em boa parte do seu trabalho de consultoria. Noutros casos, aconselhava os CEO da General Motors,da Ford e do Banco Mundial.Este visionário estabeleceu novos paradigmas e maneiras de pensar (e.g., as organizações como orquestrassinfónicas), rompeu com velhas práticas e políticas, cunhou novos termos e expressões (e.g., os trabalhadoresdo conhecimento), trouxe formas inovadoras de olhar assuntos antigos. Morreu com 95 anos, na sua casa emLos Angeles. Importa aqui compreender o paralelo que estabeleceu entre o que tinha sido a gestão até aos anos80 e 90 do século passado, e aquilo que deverá ser a gestão para o século XXI.

Dez velhos princípios de gestãoo A gestão é só para empresas.o Existe uma única forma correcta de organizar o A missão da gestão é gerir pessoas.o Os clientes são o cerne da estratégia do negócio.o Cada indústria tem o seu mercado e tecnologias específicas.o A gestão executa-se comandando e controlando a empresa e os seus fornecedores.o A nação é o nosso espaço económico fundamental; o resto é exportação ou «internacionalização».o O domínio da gestão é a nossa organização.o Gestão e empreendedorismo são virtudes antónimas; é-se uma coisa ou outra, não ambas.o O triunfo do gestor mede-se pelo culto da sua celebridade.

Gestão no século XX!o A gestão é uma actividade universal.o A estrutura deve ser um mosaico de soluções organizativas.o As pessoas lideram-se, não se «gerem».o Os não-clientes são mais importantes do que os clientes.o A principal ameaça vem de fora do seu mercado e das tecnologias com que lida.o Gere-se a cadeia de valor através de parcerias entre pares cada vez mais independentes.o O espaço da gestão não está politicamente delimitado. As empresas devem organizar-se por negócios àescala global e não geograficamente.o A gestão deve estar virada para fora e não para dentro da organização.o Gestão e empreendedorismo são duas virtudes irmãs. Um empreendedor que não saiba gerir matará onegócio.o Um gestor que não saiba inovar tem o seu futuro hipotecado.o O teste derradeiro ao bom gestor é o da sucessão.A profissionalização da gestão e o aprofundamento dos conhecimentos relativos à sua prática conduziram a umaespecialização por áreas de aplicação: produção, marketing, finanças, pessoas. A gestão de pessoas surge por necessidade de compreender e intervir no plano da componente organizacional que diz respeito às pessoas eseus comportamentos. Como se discutirá neste capítulo, a génese da função RH é gradual e progressiva, tendocolhido ensinamentos articulados e formalizados em áreas científicas mais maduras, como a psicologia, asociologia, a gestão e a economia.

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2.2. O que é a gestão de pessoas/recursos humanos?

As pessoas são um factor chave para o sucesso organizacional. O impacto da gestão de pessoas no desempenhoorganizacional tem sido demonstrado empiricamente em múltiplos trabalhos de investigação. Os mais antigos abordamo impacto de práticas específicas como a compensação, a formação ou os sistemas de gestão do desempenho. Osmais recentes reportam a influência de práticas progressistas de GRH ou o efeito virtuoso da sofisticação dos recursoshumanos - detectáveis nos investimentos em planeamento de RH, selecção e desenvolvimento de competências eprodutividade, ou no desenvolvimento de instrumentos de aferição da função pessoal, como o HR scorecardl A ideiasubjacente a estes últimos estudos é a de que o desempenho das pessoas e das organizações melhora devido àsrelações complementares entre os vários conjuntos de práticas de gestão de pessoas. Na gíria anglo-saxónica, estasrelações são conhecidas como bundles e frequentemente associadas ao conceito de práticas de trabalho de altodesempenho ou alto empenhamento (veja Evidência 1.1). A GRH não se limita todavia à implementação deste conjuntode práticas de alto envolvimento, pois existem igualmente práticas de baixo envolvimento cuja contribuição para acriação de valor tem sido empiricamente comprovada - como é o caso do outsourcing de actividades periféricas para aonegócio (veja Capítulo 14).

EVIDÊNCIA 1.1. GESTÃO DE PESSOAS BASEADA EM EVIDÊNCIA

EvidênciaA adopção de configurações de práticasde trabalho de elevado desempenhotem um efeito positivo nos resultadosorganizacionais.

Base empírica/científicaTal como confirmado por evidência meta-analítica de Liuet al. (2006), essas práticas incluem a gestão dacompensação, a segurança de emprego e a flexibilidadetemporal.

Por conseguinte, a gestão das pessoas não deve (por definição, não pode) ficar exclusivamente nas mãos dosespecialistas, sendo fundamental o envolvimento dos demais gestores e chefias. Desde o planeamento às vendas, dalogística à gestão financeira, do chão da fábrica aos palcos de intervenção dos vendedores e demais agentescomerciais - os gestores devem perceber o papel das pessoas e intervir na sua gestão. Desse modo, podem motivar osseus colaboradores na implementação das estratégias organizacionais, desenvolvendo-lhes atitudes, expectativas ecomportamentos que são fundamentais para a melhoria da organização ao longo do tempo.

A gestão de pessoas refere-se então às políticas, práticas e sistemas que influenciam o comportamento, as atitudes eo desempenho dos membros da organização no sentido de aumentar a competitividade e a capacidade deaprendizagem da organização (Caixa 1.3). Estes processos incluem:o  A determinação das necessidades de RH (planeamento de RH);o  A atracção da potenciais novos membros (recrutamento);o  A sua escolha e contratação (selecção);o  A formação relativamente aos procedimentos de trabalho e o desenvolvimento de competências futuras (formaçãoe desenvolvimento; gestão de carreiras);o  A avaliação da sua actuação (avaliação de desempenho)o  A retribuição e motivação (compensação);o  A criação de um ambiente de trabalho positivo (climas organizacionais positivos,1 relações laborais construtivas,saúde ocupacional, estética e higiene no trabalho).

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CAIXA 1.3. GESTÃO DE PESSOAS, DE RECURSOS HUMANOS, DE CAPITAL HUMANO: UM ELENCO DEDEFINIÇÕES

Como a literatura define a GRH e conceitos afins? Eis uma amostra de possibilidades:o O conjunto de políticas, práticas e sistemas que influenciam o comportamento, as atitudes e o desempenhodos empregados?o Políticas e práticas relacionadas com o fornecimento e utilização do recurso laboral requerido para que a firmaalcance os seus objectivos comerciais.»o «Um conjunto de práticas e processos que incluem, de forma não exclusiva, os seguintes: atracção e selecçãode empregados de forma alinhada com a direcção e a intenção estratégica da organização; gestão e facilitaçãodo avanço e desenvolvimento de carreira dos empregados; estar a par ou além das regras e legislação derelações industriais e outras áreas de política laboral como a saúde incluem, de forma não exclusiva, osseguintes: atracção e selecção de empregados de forma alinhada com a direcção e a intenção estratégica daorganização; gestão e facilitação do avanço e desenvolvimento de carreira dos empregados; estar a par ou alémdas regras e legislação de relações industriais e outras áreas de política laboral como a saúde e segurançaocupacionais, equidade, diversidade e não-discriminação; assegurar procedimentos uniformes e informaçãosobre as diversas dimensões do emprego e das políticas de recursos humanos disponíveis para os empregadosque as queiram consultar.»o «Uma extensão dos requisitos tradicionais da gestão de pessoal, que reconhece a interacção dinâmica dasactividades de pessoal entre si e com os objectivos e o planeamento estratégico da organização.»o O sistema de GRH é «uma abordagem global de gestão que inclui os aspectos de recrutamento/selecção,retenção, desenvolvimento, ajustamento e gestão da mudança.»o «A gestão de recursos humanos é o processo global de gestão das pessoas nas organizações»o A estratégia de RH «é usada deliberadamente por uma empresa para adquirir ou manter uma vantagem faceaos seus concorrentes no mercado. Trata-se do grande plano ou abordagem global que a organização adoptapara assegurar o uso efectivo das pessoas que a compõem para cumprir a sua missão.»o A gestão do capital humano é «uma abordagem estratégica da gestão das pessoas, centrada nas questõescríticas para o sucesso da organização»?o Capital humano: «o know how, as destrezas e as capacidades dos indivíduos de uma organização. Reflecteas competências que as pessoas trazem para o trabalho»?

o  Capital humano: «a soma das competências, conhecimentos e experiência da força de trabalho de umaorganização»?

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Estas práticas devem ser estruturadas de forma a atrair, desenvolver e reter o capital humano essencial à prossecuçãodos objectivos organizacionais. Neste sentido, uma GRH eficaz é estratégica - contribui para a estratégia, participa nasua implementação e reforça-a. Por conseguinte, as práticas de GRH são uma fonte de vantagem competitiva,sobretudo quando desenvolvem pessoas e equipas cujas características são difíceis de imitar pela concorrência9. Talobjectivo requer uma abordagem vertical (a estratégia organizacional e a estratégia de RH têm que estar articuladas) ehorizontal (as práticas de gestão de pessoas têm que ser consistentes entre si). De uma forma simples, a GRH pode ser representada como na Figura 1.1. As várias componentes são seguidamente explanadas.

FIGURA 1.1. ACTIVIDADES DA GRH NA ORGANIZAÇÃO

  ENTRADA/ATRACÇAO DE TALENTOUm dos desafios mais relevantes da gestão de pessoas consiste em preparar, adaptar e criar as bases necessárias parauma eficaz atracção e selecção de pessoas talentosas, e em assegurar um eficaz ajustamento entre as pessoas e aorganização. Entre os processos envolvidos encontram-se o recrutamento e outras opções de contratação, a selecção ea adaptação das pessoas aos ambientes de trabalho.

Como a literatura define a GRH e conceitos afins? Eis uma amostra de possibilidades:o O conjunto de políticas, práticas e sistemas que influenciam o comportamento, as atitudes e o desempenhodos empregados?o Políticas e práticas relacionadas com o fornecimento e utilização do recurso laboral requerido para que a firmaalcance os seus objectivos comerciais.»o «Um conjunto de práticas e processos que incluem, de forma não exclusiva, os seguintes: atracção e selecçãode empregados de forma alinhada com a direcção e a intenção estratégica da organização; gestão e facilitaçãodo avanço e desenvolvimento de carreira dos empregados; estar a par ou além das regras e legislação derelações industriais e outras áreas de política laboral como a saúde incluem, de forma não exclusiva, osseguintes: atracção e selecção de empregados de forma alinhada com a direcção e a intenção estratégica daorganização; gestão e facilitação do avanço e desenvolvimento de carreira dos empregados; estar a par ou alémdas regras e legislação de relações industriais e outras áreas de política laboral como a saúde e segurançaocupacionais, equidade, diversidade e não-discriminação; assegurar procedimentos uniformes e informaçãosobre as diversas dimensões do emprego e das políticas de recursos humanos disponíveis para os empregadosque as queiram consultar.»o «Uma extensão dos requisitos tradicionais da gestão de pessoal, que reconhece a interacção dinâmica dasactividades de pessoal entre si e com os objectivos e o planeamento estratégico da organização.»o O sistema de GRH é «uma abordagem global de gestão que inclui os aspectos de recrutamento/selecção,retenção, desenvolvimento, ajustamento e gestão da mudança.»o «A gestão de recursos humanos é o processo global de gestão das pessoas nas organizações»o A estratégia de RH «é usada deliberadamente por uma empresa para adquirir ou manter uma vantagem faceaos seus concorrentes no mercado. Trata-se do grande plano ou abordagem global que a organização adoptapara assegurar o uso efectivo das pessoas que a compõem para cumprir a sua missão.»o A gestão do capital humano é «uma abordagem estratégica da gestão das pessoas, centrada nas questõescríticas para o sucesso da organização»?o Capital humano: «o know how, as destrezas e as capacidades dos indivíduos de uma organização. Reflecteas competências que as pessoas trazem para o trabalho»?o Capital humano: «a soma das competências, conhecimentos e experiência da força de trabalho de umaorganização»?

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  DESENVOLVIMENTOA organização deve ser um espaço de contínua aprendizagem e desenvolvimento, permitindo a aquisição e odesenvolvimento de competências que se ajustem às necessidades estratégicas da organização. Os processos de GRHinseridos neste domínio são a formação, o desenvolvimento, a gestão de carreiras, a gestão de competências e a reten-ção da força de trabalho (veja Evidência 1.2).

EVIDÊNCIA 1.2. GESTÃO DE PESSOAS BASEADA EM EVIDÊNCIA

EVIDÊNCIA BASE EMPIRICA/CIENTIFICAAs empresas com níveis muito baixos em turnover dosseus empregados são menos lucrativas do que asempresas com níveis moderados de turnover.

Dados de Reichheld (1996) sugerem que um aumentoda retenção de 80 para 90% de profissionais emempresas de corretagem resultava numa melhoria de150% do valor actual líquido médio dos novoscorretores.

  ENQUADRAMENTO ORGANIZACIONALA gestão de pessoas não é realizada num cubículo organizacional. Para ser estratégica e competitiva, requer aconsideração permanente das envolventes interna e externa, ligando as práticas de GRH aos objectivos estratégicosda organização, no respeito pela regulamentação vigente. E pois fundamental que a gestão global da organizaçãorequeira o envolvimento da função RH na definição e na implementação da estratégia, e que os especialistas eresponsáveis pelo departamento de RH sejam capazes de fazer jus a essa incumbência.

  RESULTADOSA gestão de pessoas deve assumir um papel fundamental na obtenção de resultados organizacionais. Não pode poisdescurar os benefícios que proporciona, nem os custos em que incorre ou faz incorrer. Entre os processos quecontribuem para essa finalidade contam-se a motivação através da implementação de sistemas de medição de

desempenho e transmissão dq feedback, assim como os sistemas de compensação que garantam a equidadeexterna, interna e individual. Acresce que as pessoas, por razões diversas, abandonam (ou têm que abandonar) asorganizações, sendo pois fundamental assegurar uma eficiente política de saídas/desvinculações.

  ENQUADRAMENTO MACROA gestão de pessoas não existe num vazio nem fora da história. É necessário que saiba interpretar a envolventeexterna e mantenha actualizada a sua função. É fulcral que saiba lidar eficazmente com as tendências sociais,políticas, económicas e demográficas - e com as acções dos concorrentes. Os actuais gestores de pessoas lidamcom a força de trabalho com maior nível educacional da história.1 Mas essa oportunidade não é apanágio exclusivode qualquer empresa, antes requer a capacidade para ser competitivo na guerra pelo talentos - seleccionando-os,desenvolvendo-os e retendo-os. As filosofias e práticas de gestão das pessoas reflectem pois as mudanças na

envolvente externa, sendo o desafio hoje extensivo às tecnologias de informação e de comunicação, que criamoportunidades de comunicação globais e em tempo real entre os membros de uma força de trabalho geograficamentedispersa.

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Para que melhor se compreenda o esquema representado na Figura 1.1, importa acentuar o efeito recíproco devárias actividades. Eis dois exemplos:

1.  A entrada de pessoas talentosas facilita os processos de desenvolvimento. Mas as empresasconhecidas por facultar oportunidades de desenvolvimento aos seus colaboradores também ficam mais

capacitadas para atrair talentos.2.  Os talentos e o desenvolvimento das pessoas contribuem para melhorar os resultados organizacionais.Mas as empresas que obtêm melhores resultados também ficam mais capacitadas para despender recursos nacontratação dos melhores talentos e em actividades de desenvolvimento.

Pelas razões apontadas, aos profissionais de RH não basta possuir capacidades técnicas na área. É tambémnecessário que possuam competências ao nível do negócio e do mercado, conhecimentos sobre gestão eimplementação da mudança, competências de relacionamento interpessoal com colegas de outras áreas (incluindo a jurídica), e capacidades de gestão «política» que lhes permitam influenciar os actores chave na organização.2 Assimpoderão credibilizar a sua actuação estratégica na organização.

Analogamente, aos restantes responsáveis organizacionais requerem-se conhecimentos, competências e capacidadespara monitorar e implementar uma gestão de pessoas capaz de simultaneamente produzir resultados e corresponder àsaspirações e motivações dos indivíduos. Ou seja: a gestão de pessoas será tanto mais eficaz quanto mais os gestoresem todos os níveis e áreas possuírem competências relacionais, comportamentais e mesmo técnicas relacionadas comessa mesma gestão de pessoas. Os responsáveis de RH podem assumir um papel relevante nessa matéria: (a)assegurando a formação e o desenvolvimento de competências interpessoais disseminadas pela organização; (b)contribuindo para implementar políticas de selecção e promoção que não tenham em atenção apenas as competênciastécnicas; (c) facultando apoio aos gestores de outras áreas (por exemplo, nas entrevistas de selecção e de avaliação dedesempenho (d) dando o exemplo.

2.3.  A GESTÃO DE PESSOAS EM PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS

Muito do conhecimento acumulado sobre a gestão de pessoas é sobretudo dirigido para grandes organizações, nasquais os departamentos de pessoal assumem uma dimensão considerável ou, pelo menos, um peso ocasionalmenterespeitável nas decisões de gestão. O esquema apresentado na Figura 1.1 representa melhor a estrutura da funçãoGRH em organizações de grandes dimensões do que em pequenas e médias empresas (PME). A origem dadiferença reside em diversas particularidades das PME (embora sejam igualmente apanágio de organizações demaior dimensão mas com políticas de RH pouco desenvolvidas):

o  O papel de gestor de RH não está geralmente atribuído a nenhum quadro em particular, nem sequer aum órgão específico. O papel de gestor de RH está normalmente concentrado no presidente da empresa, ounum director que acumula o cargo com mais duas ou três outras funções. As suas coordenadas para gerir pessoas são frequentemente o senso comum, a experiência própria ou o «diz-que- -disse». Nos casos maisextremos, diversas actividades de gestão de pessoas estão atribuídas a um pequeno «serviço de pessoal» -ou a alguém, que para além dos assuntos de «pessoal» também supervisiona matérias de compras ou decontabilidade.o  Em muitas PME, estão ausentes mecanismos estruturados e padronizados de gestão de pessoas, comoa análise de funções, a gestão do desempenho, ou os processos de recrutamento e selecção. Estesmecanismos despontam mais como resposta a necessidades momentâneas e espontâneas da organização,do que a um planeamento e preparação para o futuro.

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o  Alguns conteúdos da gestão administrativa de pessoas são, por vezes, a preocupação predominantepara os responsáveis. Incluem-se neste grupo o cumprimento das obrigações legais em matéria de legislaçãolaboral, o processamento de salários, de seguros e de descontos legais, o planeamento de folgas, pausas eperíodos de férias, algumas questões imediatas de higiene e segurança no trabalho, assim como a gestãoinformal de pessoas e da relações entre elas {e.g., gestão de conflitos e gestão de equipas).o  As actividades de formação e desenvolvimento são frequentemente focalizadas no curto prazo, nemsempre se relacionam com as necessidades do negócio (ou apenas se relacionam com necessidadespontuais, não estratégicas), e descuram frequentemente as motivações individuais. A detecção denecessidades de formação é muito informal ou não existe em absoluto.o  As capacidades das pessoas são geralmente consideradas no âmbito das suas funções actuais,havendo pouco conhecimento daquilo que um indivíduo é capaz de fazer fora do seu departamento ousecção. Assim se desperdiçam competências disseminadas pela organização, se desmotivam as pessoasque as possuem, se perdem oportunidades de negócio e se desperdiça potencial competitivo.o  As capacidades de gestão e a delegação são pouco desenvolvidas. Grande parte das PME começa por uma ideia colocada em prática por alguém com uma competência técnica significativa - por exemplo, umengenheiro de software que se vê obrigado não apenas a desenvolver o produto e o mercado, mas também a

gerir pessoas e a empresa. Nem todos os técnicos são, todavia, bons gestores de pessoas - particularmentequando a sua formação na área é escassa. Acresce que os afazeres do negócio nem sempre deixammargem para a formação, gerando-se um círculo vicioso em toda a organização (a insensibilidade e aescassez de competências de gestão de pessoas por parte do responsável pela empresa reper- cute-se nosrestantes membros organizacionais).

Estas características da GRH em PME (e, em boa verdade, em muitas organizações de grandes dimensões) podemlevar os responsáveis a desconfiar da utilidade e aplicabilidade dos princípios, instrumentos, técnicas e métodosexpostos neste livro. Esperate, no entanto, que o leitor interessado ultrapasse esta visão imediata e redutora da fun-ção pessoal, por três razões:

1.  Embora muitos elementos expostos ao longo do livro tenham sobretudo em vista as «melhores práticasde GRH», que enaltecem um ideal de gestão de pessoas (frequentemente extraído de «lições» obtidas emempresas de grande dimensão, por vezes de outros países), são igualmente apreciadas «outras práticas deGRH»,2.  Na economia do conhecimento em que vivemos, a GRH tem um impacto notório sobre o desempenhodos empregados e da organização. Qualquer responsável que tenha a seu cargo a gestão de pessoas devesaber como aumentar a produtividade da sua organização através da gestão do talento e do capital humano.Estamos convictos de que muitos gestores beneficiarão com o entendimento de boas práticas de GRH e com amelhor compreensão de factores que explicam as atitudes e os comportamentos dos seus colaboradores.

3.  Embora seja essencial assegurar o pagamento dos salários no final do mês/não é menos crucial que a

organização aprenda e progrida. As envolventes actuais das empresas não se compaginam com a mera gestãodo presente e do statu quo. E como pode uma organização evoluir se não aproveitar o potencial contidos nosseus colaboradores, não fomentar o seu desempenho e não estimular a sua criatividade e o potencial inovador.

Nos próximos capítulos serão apresentados e discutidos os instrumentos e métodos através dos quais umaorganização pode evoluir, numa perspectiva de futuro e de crescimento sustentado. Antes de explorar o futuro,analisamos o passado, nomeadamente o passado da função RH no mundo e em Portugal. Para conhecer o futuro,nada melhor como saber como ele foi moldado pela história.

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§3. Enquadramento histórico da GRH no contexto mundial e em Portugal

3.1.  As relações de trabalho nos primórdios da revolução industrial

Muitos problemas de gestão das pessoas, como aliás da gestão em geral, são consequência das profundastransformações decorrentes da revolução industrial. Com ela, as pequenas unidades familiares de produção artesanalforam sendo substituídas por instalações fabris de grandes dimensões, concentrando centenas ou mesmo milharesde pessoas num mesmo local de trabalho. Nestas instalações, as condições eram genericamente degradantes, aprodução pouco organizada, os conflitos e os acidentes frequentes, os salários baixos, o trabalho infantilgeneralizado, as jornadas de trabalho ultrapassando frequentemente as quinze horas, pelo menos seis dias por semana. Note-se que só no último quartel do século XIX se generalizou o descanso semanal ao domingo. A falta deorganização, eram frequentes os castigos corporais, infligidos por capatazes e supervisores como instrumento decontrolo de comportamentos, mesmo para infracções aparentemente menores como faltas de pontualidade.

Era pois um sistema de trabalho desumano, com reduzidas preocupações de eficácia na gestão das pessoas, menosainda com o bem-estar dos trabalhadores. Para além de castigos corporais, aplicados sobretudo a crianças, apunição consistia normalmente na aplicação de uma multa (redução de salário) ou despedimento imediato, extensivoa toda a família, o que implicava também a perda de alojamento. Note-se que a relação de trabalho se estabeleciacom a família, sendo o alojamento (normalmente em camaratas) providenciado pelo proprietário.

A doença ou a perda de emprego significavam o abandono e a miséria, pois não existiam quaisquer sistemas deprotecção ou de segurança social. Vigoravam, enfim, os princípios da livre iniciativa e da sobrevivência dos maisfortes ou mais capazes, tidos como «leis naturais» do funcionamento das economias ao tempo da revolução indus-trial. A prepotência dos empregadores e as leis do mercado não regulamentado eram também característicasfundamentais da relação de trabalho nas primeiras décadas da sociedade industrial. Os sindicatos eram muitofragmentados e de âmbito regional, sendo os seus membros frequentemente vítimas de perseguições - que reduzia asua capacidade de contestação e de luta por melhores salários.

Não existiam gestores, muito menos gestores de pessoal, cabendo aos proprietários e seus familiares «pôr a coisa afuncionar», baseando-se na intuição e na experiência adquirida e, sobretudo, na imposição da disciplina. De origensmodestas, na maioria dos casos, os proprietários «geriam» as suas fábricas com mão-de-ferro e recorrendo quaseexclusivamente a membros da sua própria família. O guarda-livros, homem de confiança do proprietário, era o únicoempregado administrativo incumbido dos assuntos de pessoal, que se reduziam ao pagamento de salários, apósdeduzidas as multas por infracções e o custo de alojamento. A «gestão» estava praticamente circunscrita à função decontrolo, e esta reduzia-se a uma combinação de ameaças directas ao trabalhador, em caso de incumprimento, e aum clima de medo de despedimentos arbitrários.

3.2. A génese da função pessoal

A crítica a este estado de coisas provinha sobretudo de movimentos sociais reformistas, que questionavam ascondições opressivas e degradantes em que os operários viviam e trabalhavam, e os horários de trabalho desumanos aque estavam sujeitos. Alguns proprietários introduziram melhorias nas suas fábricas, mas tratava-se de excepções nopanorama geral da indústria (veja Caixa 1.4). Embora tratando-se de casos isolados entre os empregadores, estamaneira diferente de encarar as pessoas e o trabalho fundava-se na ética protestante e encontrava apoio em algunssectores adeptos da reforma social, sobretudo entre os quakers. Foi, aliás, em fábricas de proprietários quakers queapareceu, já no final do século XIX, o embrião do que viria a ser a função pessoal/recursos humanos.

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CAIXA 1.4. UMA GESTÃO DE PESSOAS HUMANIZANTE NUM MAR DESUMANIZANTE

Com efeito, na origem do que viria mais tarde a designar-se por função pessoal, estão os chamados welfare offtcers,funcionários encarregados de zelar pela melhoria das condições de trabalho e de alojamento e pelo apoio aostrabalhadores doentes ou mais necessitados. Esta função foi quase sempre ocupada por uma mulher. E foi criada parasatisfazer as preocupações humanistas de alguns empregadores adeptos da reforma social ou que partilhavam outrasmotivações de natureza religiosa - bem como para limitar a influência sindical no interior das empresas, susceptível deocorrer em resultado da grande conflitualidade que caracterizou a relação entre o empregador e os empregados durantequase todo o século XIX.

Estas políticas de humanização do trabalho, bastante progressivas para a época (veja Caixa 1.4), incluíam medidasdestinadas a melhorar as condições de trabalho e de vida e que pretendiam, em última análise, contribuir para umaexistência mais digna e, sobretudo, «moralmente mais sã». Tais preocupações constituem uma viragem marcante napostura e na filosofia dos empregadores, embora mesmo os mais progressivos se reservassem o direito de decidir,como autocratas benevolentes, o que era melhor para os seus empregados, independentemente da vontade que estespudessem exprimir.

As preocupações sociais e com o bem-estar dos empregados mantiveram-se como uma vertente essencial da função,ainda hoje estando presentes em muitas acções e políticas como, por exemplo, as que visam a compatibilizaçãotrabalho-família. A tradição humanista e assistencialista de «cuidar» dos empregados contribuiu também para atribuir uma característica «feminina» a esta função. Com efeito, as primeiras welfare ojficers foram mulheres, e ainda hoje a

função RH apresenta uma das mais elevadas taxas de feminização nas equipas de gestão. Mas as preocupações com obem-estar moral e físico dos empregados nunca estiveram desligadas do desejo de controlo social dos seuscomportamentos. Este aspecto justifica que a função tenha quase sempre sido exercida por alguém da confiança doempregador que, nos primeiros tempos, era com frequência a sua mulher ou outra senhora da família. Noutros casos, afunção era desempenhada por um antigo supervisor que, sem formação adequada, dependia inteiramente do apoio doempregador, a quem devia a lealdade.

Robert Owen nasceu em 1771, filho de uma modesta família galesa. Adepto da reforma social, implementoualgumas melhorias assinaláveis na sua fábrica de New Lanark, na Escócia - como a limitação do trabalho infantil, aredução do horário de trabalho, a construção de bairros operários com habitações unifamiliares, entre muitas outras.Talvez mais importante, Owen foi pioneiro no reconhecimento da importância das pessoas numa organização, aquem designava por «máquinas vitais» (isto é,Viais importantes do que as máquinas propriamente ditas). É credi-tado como o pai do movimento cooperativo. OToole designou-o «o Thomas Edison da invenção social».Nos seus intentos não habitavam apenas referências filantrópicas - ele acreditava que as empresas beneficiariameconomicamente da gestão humanizada, e conferiu suporte a essa convicção ao obter elevadas rentabilidades noseu empreendimento. Mas não parece descabido considerar - até pelo percurso seguido em idade mais avançada -que havia nele um genuíno respeito pela dignidade humana. Uma porção substancial de conquistas das sociedadesmodernas {e.g., proibição do trabalho infantil, horários de trabalho humanizados, serviços sociais para ostrabalhadores) teve a sua génese no trabalho deste inventor social - que aliás se deparou com resistências vultosas,incluindo, paradoxaímente, da parte dos seus trabalhadores.

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Esta ligação íntima ao topo ajuda a perceber a grande desconfiança com que a função tem sido vista pelos sindicatose reflecte uma das tensões que tem atravessado toda a história da gestão de pessoas:

o  A necessidade de uma ligação estreita aos níveis mais elevados da organização, cujo apoio é essencialpara que a função RH possa desempenhar eficazmente o seu papel.o  A importância de ganhar a confiança dos trabalhadores, de compreender as suas necessidades e

aspirações, aspectos essenciais para que a GRH se possa assumir como o seu interlocutor privilegiado naorganização.

Conquistar a confiança de ambos - capital e trabalho - constitui uma das maiores dificuldades dos gestores depessoas.

3.3. A profissionalização da gestão e a estruturação da função pessoal

Apesar da tradição HUMANISTA a que se fez referência, a estruturação da função pessoal na generalidade dasorganizações só teve lugar nas primeiras décadas do século XX, em resultado da adopção da filosofia taylorista, coma sua ênfase nos aspectos essencialmente técnicos da produção e no controlo de custos do trabalho. Embora osganhos de produtividade constituíssem a preocupação central e em nome da qual tudo era aceitável, os princípios dagestão «científica» conduziram a uma profunda transformação na gestão das pessoas, criando os fundamentos doque viria a ser a gestão de pessoal durante quase todo o século XX.

A divisão do trabalho suscitou novos problemas, que até então se não tinham colocado. Os conceitos de selecção ede definição de posto de trabalho, as necessidades de formação, a avaliação de desempenho e a gestão deincentivos passaram a constituir vertentes da gestão operacional de RH decorrentes directamente da aplicação dotaylorismo. Este implicou uma maior sofisticação na organização do trabalho e na consequente gestão das pessoasque o executavam. Assim, estas tarefas de gestão do pessoal deixaram de ser acessíveis a qualquer um, passando arequerer a aquisição e gestão de determinadas competências e conhecimentos. Numa das suas obras, Peter Drucker3 atribuiu ao taylorismo o qualificativo de «ideia mais eficaz do século», justamente por demonstrar que «achave da produtividade é o conhecimento e não o esforço»? Ou seja, a aplicação da filosofia taylorista requereu umaanálise rigorosa e sistemática do trabalho, o que pressupôs o desenvolvimento de uma gestão profissional e, no seuseio, de uma «organização do trabalho e gestão dos trabalhadores».

Ademais, os ritmos de trabalho infernais impostos pela lógica produtivista do taylorismo, a fadiga e a monotoniageradas pela sobre-especialização de tarefas, assim como a necessidade de metodologias «científicas» de selecçãoe de avaliação de desempenho constituíram novos desafios requerendo conhecimento especializado. Em suma, otaylorismo profissionalizou a gestão e gerou necessidades de conhecimento sobre o trabalho e a produção, que sópoderiam ser satisfeitas com o desenvolvimento de estudos superiores sobre matérias do trabalho e da empresa.

3.4. Os serviços de pessoal

Cerca de 1910, no auge do taylorismo na indústria norte-americana, a designação welfare officer começou a cair emdesuso, passando os serviços responsáveis pelos assuntos dos empregados a ser designados por «gestão doemprego» {employment management) ou «serviço de pessoal» (personnel office). No entanto, por força da lógicataylorista que a viu nascer, o embrião da função pessoal foi, em muitos casos, durante as duas primeiras décadas doséculo XX, parte integrante da função produção. As funções do departamento de «gestão do emprego» incluíam todoo leque de actividades que a filosofia taylorista requeria, a que se adicionavam ainda algumas herdadas da tradiçãoassistencialista, como proporcionar cuidados de enfermagem em caso de doença ou acidente, a criação de umabiblioteca na empresa, e o aconselhamento financeiro às famílias. Também Henry Ford, apesar da sua obsessão com

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a eficiência, criou um «departamento sociológico», que procurava aconselhar os empregados sobre os meiospossíveis para alcançarem o bem-estar no trabalho. As suas funções compreendiam, por exemplo, visitas àsresidências dos empregados «para garantir que estas estavam arrumadas e limpas, que os empregados não bebiamem excesso e mantinham uma vida sexual sem mácula, e que usavam devidamente os seus tempos livres...».

O exemplo de Ford, com a criação de um departamento específico para tratar de assuntos dos empregados, fezescola, sobretudo entre as grandes empresas norte-americanas. A criação de um departamento de empregocomeçou a generalizar-se, antes mesmo de 1920. Estes departamentos procuravam integrar algumas preocupaçõestípicas do welfarismo na filosofia taylorista da empresa. Tais serviços, normalmente integrados em organizações degrande dimensão e estrutura burocrática, mantinham funções de natureza essencialmente administrativa (controlo deassiduidade, pagamento de salários, etc.), a que se associavam as já referidas componentes operacionais(recrutamento, avaliação de desempenho, etc.) e, nalguns casos, assistenciais. A estas componentes veio ainda juntar-se uma nova valência, a das relações laborais e sindicais, desenvolvida como resposta ao receio do contágioda revolução bolchevique e das relações de trabalho conflituosas que persistiam na generalidade das empresas nasprimeiras décadas do século XX.Apesar dos exemplos acima referidos, a co-existência entre o welfarismo e o taylorismo não foi pacífica. Com a

adopção de métodos tayloristas, os ganhos de produtividade a todo custo deixavam pouco espaço parapreocupações humanistas com o bem-estar (físico) dos trabalhadores. Privilegiar o bem-estar ou a eficiênciaeconómica constituiu, assim, uma das primeiras controvérsias desta área da gestão.

Ao sugerir que o desempenho não depende apenas da retribuição financeira e da disciplina imposta no local detrabalho, como era pressuposto pelo taylorismo, mas também das relações interpessoais entre empregados, e entreestes e os vários níveis de gestão, a escola das relações humanas, desenvolvida na sequência dos estudos de Haw-thorne, que se iniciaram em 1924, tornou-se na primeira tentativa de conciliação entre a lógica humanista, queprivilegiava o bem-estar dos trabalhadores, e a lógica da eficiência económica, tão cara ao taylorismo. A perspectivadas relações humanas acabou por se diluir no campo mais vasto das ciências comportamentais e, sobretudo, nocomportamento organizacional, mas a grande influência das relações humanas nas escolas de gestão norte-

americanas, particularmente em Harvard, foi determinante para o desenvolvimento da perspectiva soft da GRH, ochamado «modelo de Harvard» a que adiante se fará referência.

3.5. A valia estratégica da GRH

A relativa estabilidade e consolidação que a função pessoal e a gestão, em geral, viveu até à década de 1970 foiprofundamente abalada pelas transformações ocorridas no ambiente externo das organizações, decorrentes esimbolicamente associadas ao choque petrolífero de 1973. Uma concorrência acrescida resultante da abertura dosmercados e da desregulamentação, a influência crescente de um leque cada vez mais diversificado de stakeholders,os novos estilos de vida e os avanços tecnológicos são algumas das mudanças observadas no ambiente externo,com impactos assinaláveis nas organizações.

Confrontadas com necessidades de permanente reajustamento às novas condições ambientais, as empresas foramobrigadas a desenvolver capacidades de adaptação rápida a essas novas condições, um processo com apreciáveisimplicações internas, em termos de organização e de relação entre os indivíduos e a empresa. As mudanças internasexigidas pelas novas solicitações e desafios implicaram a agilização de estruturas e de processos, e a flexibilizaçãoda força de trabalho, mas também compreenderam mudanças no papel desempenhado pela função pessoal. Acontribuição de todos e de cada indivíduo na organização, e a contribuição da própria função para reforçar a posiçãocompetitiva da empresa, tornaram-se preocupações centrais da gestão, incluindo da gestão das pessoas. Ou seja, afunção pessoal passou a ter o negócio como preocupação central e a utilização eficiente das pessoas como objectivoda sua acção quotidiana. Mas longe de reduzir o seu foco na eficiência económica no imediato, a função pessoaladquiriu uma posição mais proactiva e orientada para os objectivos de longo prazo do negócio, tendo como

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preocupação fundamental a obtenção da melhor contribuição de cada indivíduo (agora visto como um activo daorganização) e da própria função RH para os resultados e competitividade da empresa, criando valor para aorganização.1

Neste novo quadro conceptual, considera-se que a posição competitiva da empresa passa, em boa parte, pela

capacidade de a equipa de gestão gerir esse processo de mudança e pela sua% capacidade de atrair, desenvolver,compensar e manter as competências nucleares, formando uma equipa de colaboradores flexível e com níveis eleva-dos de empenhamento organizacional e de envolvimento no projecto da empresa. A mobilização do empenhamentodos colaboradores torna-se a actividade central do gestor de RH, ao ponto de muitos designarem esta perspectivacomo o modelo de «elevado empenhamento»

Com a emergência deste novo paradigma da competitividade, a gestão «redescobriu» a importância das pessoas egradualmente foi tomando consciência de que a posição competitiva da empresa depende, em larga medida, dadisponibilidade de pessoas qualificadas, da capacidade de as envolver no projecto da empresa e de as transformar em factor de vantagem competitiva3 Como observou Ulrich,4 os factores de competitividade tradicionais - custo,tecnologia, distribuição, produção, inovação - podem, mais tarde ou mais cedo, ser copiados. Restam, como factores-

chave não imitáveis, as pessoas. A sua gestão torna-se um processo estratégico, cuja contribuição é central para osresultados e a competitividade da empresa.Embora não seja fácil estabelecer uma relação de causa-efeito entre as actividades de GRH e os resultados daempresa, diversos estudos empíricos têm vindo a confirmar que, nas organizações com boas práticas de gestão daspessoas e do capital humano, são detectados níveis mais elevados de desempenho? Ou seja, a evidência disponívelparece apontar no sentido de que as organizações de maior sucesso são as que sabem tirar melhor partido dascompetências e do talento dos seus membros.

3.6. As perspectivas universalista e contingencial da GRH

Duas posições têm alimentado o debate sobre a melhor maneira de concretizar essa contribuição. De um ladoencontram-se os apoiantes da perspectiva universalista, segundo a qual algumas práticas são mais eficazes por conduzirem a melhores resultados, independentemente das circunstâncias.i É, por isso, conhecida com a abordagemdas «melhores práticas». Além de analisar a eficácia de práticas isoladas, esta perspectiva admite que estas«melhores práticas» produzem benefícios de forma aditiva, ignorando-se eventuais incompatibilidades e contradiçõesentre elas.ii Ou seja, segundo este ponto de vista, uma organização que adopte as «melhores práticas» derecrutamento e as «melhores práticas» de formação, por exemplo, poderá aspirar a um melhor desempenho do queoutra que se limita a adoptar as «melhores práticas» de recrutamento. Por outro lado, as «melhores práticas» sãomais eficazes e isso será verdade para qualquer organização.

Nos últimos anos, tem vindo a ganhar terreno uma outra perspectiva, suportada em diversas pesquisas que têm

mostrado que, mais do que boas práticas isoladas, o que realmente conduz a melhores resultados é o pacotecompleto dessas práticas, a sua consistência interna, as sinergias e complementaridades que podem ser obtidas –bundles. Para os partidários deste modelo, as práticas devem, acima de tudo, ser consistentes e adequadas àscircunstâncias, isto é, ajustadas à estratégia da organização e ao contexto em que esta desenvolve a sua actividade.Trata-se de abordar as práticas no seu conjunto, habitualmente designado por «configuração» ou «arquitectura»,para dar a ideia de um sistema harmonioso de práticas coerentes entre si.

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3.7. Os modelos Soft e Hard

A designação «gestão de recursos humanos» encontrou inicialmente alguma resistência, por parte dos gestores depessoal, mas a mudança de rótulo rapidamente se impôs nos meios práticos e académicos, como forma de acentuar o contraste da nova abordagem relativamente às práticas tradicionais da gestão de pessoal, ainda que nem sempreesta mudança de designação tenha sido acompanhada das correspondentes mudanças de papel da função.Todavia, as mudanças na natureza da relação de trabalho e no papel da função foram perceptíveis a partir demeados dos anos 1980, mudanças essas que se acentuaram na década seguinte,iii existindo evidência de que elastambém têm ocorrido em Portugal, embora matizadas pelo contexto e com algum desfasamento temporal, como secomprovará adiante.É, com efeito, a partir dos anos 1980 que a função RH se liberta da sua conotação tradicional (uma combinação detrabalho administrativo, dona de casa, assistente social e de bombeiro para apagar fogos com os sindicatos, comoescreveu Peter Drucker1) para se enquadrar estrategicamente com a estratégia do negócio. O ano de 1984 é o anoda viragem. E esse o ano da publicação de dois livros que geraram os modelos teóricos hoje conhecidos como deHarvard e Michigan. O livro Strategic Human Resource Management, de Fombrun, Tichy e Devanna, é a obra dereferência do modelo de Michigan? A obra Managing Human Assets: The Grounbreaking Harvard Business SchoolProgram, de Beer, Spector, Lawrence, Quinn-Mills e Walton tem a mesma importância para o modelo de Harvard. Oprimeiro modelo tem sido designado de hard, o segundo de soft. As suas premissas são diferentes e dão origem adiferentes práticas de gestão (veja Quadro 1.1). A realidade mostra, todavia, que a retórica soft podê estar associadaa práticas hard.

QUADRO 1.1. A COMPARAÇÃO ENTRE AS PREMISSAS DOS MODELOS DE GRH HARD E SOFT

Modelo hard Modelo soft

Foco nos «recursos». Foco nos «humanos»

Teoria X (as pessoas são preguiçosas e não gostam dotrabalho;para que trabalhem devidamente, é necessáriocontrolá-las).

Teoria Y (as pessoas são proactivas e capazes deexercerem autocontroío ao serviço dos objectivos detrabalho com que estão comprometidas; procuram realizar trabalho com significado para as suas vidas)

Controlo estreito (o comportamento humano deve ser controlado por sanções e pressões externas).

Controlo através do empenhamento (o comportamento éestimulado pela auto-regulação).

Homem económico. Homem económico e social.

(Humanismo utilitário)As pessoas são instrumentos ao serviço dos finsorganizacionais e da sua vantagem competitiva. Devemser geridas de forma desapaixonada e racional.

(Humanismo desenvolvimentista). As pessoas empenham-se no trabalho se se confiar nelas, se puderem trabalhar com autonomia e se forem apoiadas no seudesenvolvimento.

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Modelo hard Modelo soft

Os recursos humanos são um factor de produçãocujos custos devem ser minimizados.

as devem ser apoiadas e o seu empenhamento fomentado.

Os recursos devem ser seleccionados e geridos deacordo com as necessidades estratégicas daorganização.

A organização valoriza diversos stakeholders, sendo oscolaboradores um dos tipos mais relevantes

Mais importante do que reter colaboradores écontratar os que assegurem produtividade e eficiência

A retenção dos colaboradores é procurada através daconstrução de redes sociais. O empenhamento e aidentificação com a organização são cruciais

A formação incide na função específica realizada pelocolaborador. A melhor formação deve ser usada comos melhores empregados.

O desenvolvimento pessoal e organizacional é crucial. Importadesenvolver o potencial humano para benefício daorganização e dos colaboradores.

A avaliação de desempenho enfatiza no desempenhoindividual focalizado na função específica.

A avaliação de desempenho enfatiza a capacidade detrabalhar em equipa e de realizar outras actividades (e.g.,voluntariado em acções de cidadania empresarial).

Ênfase: racionalidade, custos, controlo. Ênfase, motivação, comunicação, liderança, confiança,envolvimento.

Modelo de Michigan. Modelo de Harvard.

3.8. Gestão de recursos humanos versus gestão de pessoal

Aliás, nos últimos anos, têm sido usadas diferentes nomenclaturas, tais como capital intelectual, capital humano,activos humanos ou gestão do talento, com conceitos alinhados com a perspectiva da GRH e procurando evoluir paraalém dela, nomeadamente quanto à contribuição das pessoas para a definição da estratégia de negócio e a demons-tração dos impactos humanos nos resultados das organizações.

Nas duas primeiras décadas de vida do novo modelo, o debate sobre a distintividade da GRH foi intenso, reflectindouma certa ambiguidade associada à designação. Uma síntese possível dos aspectos que permitem distinguir a GRHda gestão de pessoal é a seguinte:

o  A GRH tem uma natureza proactiva e estratégica, assumindo que os indivíduos são activos que devem

ser geridos de acordo com os objectivos de longo prazo do negócio. A gestão de pessoal era essencialmenteuma gestão operacional e desligada da gestão geral.o  A GRH adopta uma perspectiva integrada da gestão das pessoas e uma visão holística da organização,o que requer a compreensão de conceitos de comportamento organizacional como cultura e poder. A gestãode pessoal limitava-se a utilizar técnicas, mais ou menos sofisticadas, mas que não constituíam, nem seancoravam, num corpo conceptual coerente e global.o  A GRH leva em conta a individualidade de cada empregado, procurando desenvolver em cada um oscomportamentos consistentes com uma cultura de empenhamento. A gestão de pessoal recorria aotratamento estandardizado do «pessoal» e baseava a eficácia da sua acção em mecanismos de controloexternos ao próprio indivíduo.o  A GRH assume-se como uma actividade de gestão e, logo, da responsabilidade de todos os gestores. A

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gestão de pessoal era deixada aos especialistas, com reduzida interacção com a equipa de gestão donegócio.

o  A GRH adopta uma visão mais unitarista da organização, isto é, admite que os objectivos dos indivíduose da organização podem convergir para benefício mútuo. A gestão de pessoal mantinha uma perspectiva

adversativa das relações industriais.

Além de mudanças nas preocupações e nas práticas dos gestores de RH, a nova perspectiva trouxe oreposicionamento da função como parte integrante da equipa de gestão, e um novo estatuto para o gestor de RH:

o  Nas organizações em que o modelo tradicional da administração de pessoal servia de quadroorientador, as actividades desempenhadas pelos gestores de pessoal eram essencialmente de naturezaadministrativa e operacional, pouco interferindo com a restante actividade da empresa. Na generalidade doscasos, o gestor de pessoal exercia a sua actividade com relativo alheamento da área do negócio, para o queem muito contribuía o facto de poder realizar toda a sua carreira sem formação em gestão. A falta de umalinguagem comum com as outras áreas da gestão conduzia a dificuldades de comunicação e de articulação

das práticas de gestão das pessoas com a gestão das outras áreas funcionais. Frequentemente, o Director (ou Chefe) de Pessoal era pois um ente de menor poder na organização, dificilmente lhe cabendosignificativa capacidade de intervenção estratégica.o  O processo de credibilização da função, decorrente da adopção do novo modelo, permitiu um acessomais fácil do gestor de RH à gestão de topo, condição indispensável para o sucesso do seu papeltransformacional. Esta credibilização explica, aliás, o entusiasmo com que a maioria dos académicos epráticos da área abraçou o novo modelo.1 A integração na equipa de gestão (de topo) implicou, porém, adevolução à linha de uma parte considerável da gestão operacional (ou a sua aquisição em regime deoutsourcing), pressupondo que os gestores de linha possuem conhecimentos de gestão de pessoas ereceptividade para assumir esse papel.

3.9. A nova GRH como modelo multifacetadoE AJUSTADA AOS CONTEXTOS

Apesar destes traços comuns, não deve presumir-se que o novo modelo/concepção de GRH é uniforme e deaplicação universal. Pelo contrário, é multifacetado e de natureza contextual. Um dos cambiantes maisfrequentemente apontados na literatura é o que coloca a ênfase da GRH em recursos ou activos, realçando asfacetas estratégicas e unitárias do modelo. Designado na literatura por modelo hard, ou de Michigan, esta perspectivaentende as pessoas como recursos ou activos, geríveis de acordo com critérios racionais e económicos, maispróximos da abordagem do capital humano. De acordo com esta visão, a estratégia de recursos humanos deveseguir a estratégia do negócio.

Noutra variante, conhecida na literatura por modelo soft, ou de Harvard, a ênfase é colocada em humanos, reflectindouma visão mais humanista e pluralista das organizações. A tese do modelo de Harvard é a de que, sendo as pessoasum recurso especial, a estratégia de negócio deve em grande medida equivaler à estratégia de recursos humanos daempresa. Nesta última variante, é clara a inspiração na escola das relações humanas e nos quadros teóricos docomportamento organizacional. Na visão soft, a gestão orienta a sua acção para a motivação das pessoas, o seuenvolvimento e participação na tomada de decisão e o desenvolvimento de uma cultura organizacional baseada naconfiança e no trabalho em equipa. Reconhece ainda que a GRH é uma actividade e uma responsabilidade de todosos gestores e não matéria reservada aos especialistas funcionais. Estas duas perspectivas reflectem, afinal, umamaior orientação para os resultados no modelo de Michigan e uma maior orientação para as pessoas no modelo deHarvard.

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Note-se que, para a gestão, a questão não se coloca em termos de escolha entre um ou outro modelo. A adopçãodas perspectivas soft ou hard depende, em grande medida, do contexto e das condições do mercado, verificando-seuma migração de uma perspectiva mais soft para uma perspectiva mais hard, em períodos de maior retracção, e ocaminho inverso em períodos de maior desafogo?

3.10. A individualização das políticas de RH e a segmentação da força de trabalho

Um desenvolvimento importante do modelo de GRH traduz-se na segmentação da força de trabalho. Ou seja, se oobjectivo último da GRH consiste em potenciar a contribuição de cada indivíduo para a competitividade da empresa,importa ter em conta a contribuição relativa de cada um e a diferente importância estratégica das competências e dosinteresses de cada um. Empresas como a Tesco e a Southwest Airlines tratam os empregados como clientes internos,pesquisando as suas necessidades e preferência como acontece com os clientes.1 No limite, trata-se daindividualização das políticas de RH, mas uma primeira aproximação pode ser obtida com a segmentação interna daforça de trabalho. Se as empresas fazem a segmentação dos clientes para melhor corresponderem às suasnecessidades, porque não proceder de igual modo em relação aos seus membros? Trabalho de Lynda Gratton,professora na London Business School, ilustra os benefícios potenciais desta prática, designadamente a possibilidadede melhor corresponder aos diferentes segmentos de membros da organização (e.g., jovens estudantes, jovens mães,chefes de família, etc.)?

  O NÚCLEO E A PERIFERIADiversos modelos de segmentação foram sugeridos, mas dois deles adquiriram notoriedade. O primeiro, o modelo dafirma flexível, considera a força de trabalho como estando dividida entre núcleo e periferia. A periferia é constituídapor colaboradores que realizam trabalhos temporários (e.g., fabricação de uma dada bebida num pico de procura noVerão), que executam tarefas sem grande valia para a vantagem competitiva da empresa, que não têm que ser realizadas por pessoas com grande experiência na organização e que antes podem ser executadas por pessoas«disponíveis» no mercado. O núcleo é constituído por colaboradores que realizam tarefas com as seguintes caracte-rísticas:

o  As tarefas estão sujeitas a mudanças em função das circunstâncias. Requerem, pois, colaboradoresflexíveis e dispostos a l idar com as contingências de cada momento.o  As tarefas produzem resultados de longo prazo. Por exemplo, a penetração no mercado ou aconstrução de uma base sólida de clientes requer colaboradores com relações de longo prazo com aempresa, não se compaginando, por exemplo, com trabalhadores temporários.o  As tarefas são complexas e/ou requerem acesso a informação crucial para a empresa. Exigem, pois,que os colaboradores estejam comprometidos com a organização e intrinsecamente motivados para afunção.o  As tarefas podem requerer competências específicas que apenas a longa experiência organizacional e

o conhecimento profundo da realidade da empresa permite realizar.

A estes dois planos correspondem regimes de emprego distinto. Ao grupo nuclear, constituído por empregadospermanentes e qualificados, a organização proporciona segurança no emprego e boas condições de trabalho, umarelação de longo prazo, empenhamento mútuo, práticas de flexibilidade funcional e de GRH de natureza mais soft.Com o grupo periférico, constituído por empregados com relações temporárias ou ocasionais, a organizaçãoestabelece uma relação de trabalho precário, de curto prazo, com condições e compensações determinadas pelomercado de trabalho, externalizável sempre que possível e recorrendo a práticas de flexibilidade numérica e de GRHde tipo hard. O leitor pode compreender melhor as particularidades e as vantagens deste tipo de relação laboral lendoo Capítulo 14.

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  GERIR RH EM FUNÇÃO DA SUA IMPORTÂNCIA E ESCASSEZOutro modelo considera dois parâmetros. O valor do capital humano é o valor da contribuição do indivíduo para osresultados e a competitividade da empresa. A singularidade/escassez do capital humano é a medida em que oindivíduo é «único». A singularidade é tanto maior quanto mais difícil for substituir aquela pessoa por outra no mer-

cado de trabalho sem comprometer os resultados da empresa. O modelo advoga que devem adoptadas estratégiasde segmentação da força de trabalho, de tal modo que a organização deve tratar de forma diferente os seusmembros, que têm valor e singularidade distintas. Ou seja, combinando estes dois parâmetros, Lepak e Snell obtêmquatro configurações (veja Figura 1.2), a cada uma correspondendo uma política de RH distinta:

1.  O modelo de desenvolvimento interno é aplicável a casos em que o capital humano é escasso evalioso. E o modelo desejável para gerir o «núcleo» da firma flexível antes referido, e visa suscitar odesenvolvimento do contrato relacional dos indivíduos com a empresa. Implica o investimento mútuo docolaborador e da empresa.2.  O modelo da aquisição é aplicável a casos em que o capital é importante mas não escasso. Aorganização não tem interesse em investir no desenvolvimento destes colaboradores por duas razões:(1) pode contratar no mercado outras pessoas, cujas competências não são escassas no mercado; (2)

dado que as competências são transferíveis para outras empresas, a empresa perderia o investimentose o colaborador abandonasse a organização em direcção à concorrência.3.  O modelo de aliança é aplicável a colaboradores com competências escassas/singulares, masnão suficientemente valiosas para justificarem a sua internali- zação. A organização não investe nosindivíduos, mas numa relação de parceria e cooperação mútua. Pode ser o caso do contrato de umaempresa com um jurista - é suficientemente importante para justificar a parceria e boas condiçõescontratuais, mas não tão crucial que justifique a sua internalização e um forte investimento emdesenvolvimento interno.4.  O modelo de contratação faz sentido para colaboradores que não são escassos nem valiosos.As suas competências podem ser contratadas no mercado com grande facilidade, por exemplo atravésde empresas de trabalho temporário. O investimento em formação é pois muito pouco provável. E a

relação de troca é fundamentalmente transaccional.

FIGURA 1.2. MODELO DE GRH DE LEPAK E SNELL: DIFERENTES MODELOS DE GRH PARACOLABORADORES COM DIFERENTES NÍVEIS DE VALOR E DE SINGULARIDADE/ESCASSEZ

Colaboração/aliançaRelação de confiança, estável, masdesligada do negócio (e.g., jurista,médico.)

Desenvolvimento internoRelação de longo-prazo, empenhamento mútuo,investimento em formação e desenvolvimento,carreira apelativa {e.g., indivíduos comcompetências centrais para a empresa).

ContrataçãoRelação transaccional, trabalhoprecário, subcontratação,cumprimento contratual (e.g., serviçosde limpeza).

AquisiçãoRelação utilitária com benefícios mútuos, carreiraindividual, preços de mercado (e.g., informáticos,contabilistas).

Baixo ← Valor do capital humano → Elevado

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O desenvolvimento e a aplicação destes modelos pressupõem a compreensão das diferenças individuais, para o quefoi crucial a contribuição da disciplina do comportamento organizacional? Esta área do saber foi instrumental nacredibilização da GRH, sustentando conceptualmente o reconhecimento das diferenças individuais e o tratamento decada empregado enquanto ser único e distinto. Tal reconhecimento reflecte uma mudança da gestão. Com efeito, osquadros teóricos anteriores baseavam-se no estabelecimento de uma relação entre a gestão e «os trabalhadores»,

entendidos como entidade colectiva abstracta, só agora tendo sido possível passar a privilegiar um relacionamentoentre a gestão e «cada» trabalhador.

O Quadro 1.2 contrasta as visões tradicional e emergente da gestão de pessoas, tal como entendidas a partir da funçãofinanceira.

QUADRO 1.2. AS VISÕES TRADICIONAL E EMERGENTE DA GESTÃO DE PESSOAS

Visão tradicional Visão emergente

Os empregados como custos. Os empregados como investimentoe fonte de valor.

A função RH corno centro de custo. A função RH como parceiro estratégico.As métricas de RH são criadaspelo departamento de GRH.

O departamento financeiroestá progressivamente envolvidona criação de métricas de RH.

Fraco esforço para compreender o retorno dos gastos com RH.

Esforços para medir o retorno do investimentoe as relações de causa-efeito.

O capital humano é consideradoocasionalmente no preço de fusõese aquisições.

O capital humano é habitualmente incluídono preço de fusões e aquisições.

§4. A GRH na Europa e em Portugal

«Na sua concepção moderna, o nosso entendimento da gestão em geral, e da gestão de recursos humanos emparticular, tem sido fortemente influenciado pelo pensamento nos Estados Unidos da América. Isto não é porventurasurpreendente perante um país que é desde há décadas a maior e mais poderosa economia mundial. A cultura e aspráticas de gestão americanas têm sido amplamente disseminadas e, na GRH como noutras áreas, há sinais dahegemonia do modelo americano.»

4.1. GRH na Europa

Embora as considerações feitas até agora correspondam a uma definição geral de GRH, elas assentam em trabalhospredominantemente desenvolvidos nos EUA, ou seja, num contexto institucional marcadamente diferente do

europeu.iv Nos EUA, as empresas têm uma independência organizacional considerável, estão inseridas numa culturade forte individualismo e orientação para os resultados, com baixos níveis de regulamentação do Estado e deinterferência sindical (nomeadamente no que diz respeito à protecção do emprego, requisitos legais quanto àcompensação, horários de trabalho e tipos de contratos), e operam segundo padrões de propriedade diferentes doseuropeus, com claro predomínio do sector privado.

Estas diferenças levam alguns autores a falar de um modelo europeu de GRH, no sentido em que certascaracterísticas são claramente distintas deste lado do Atlântico.vAssim, ao nível europeu, tem-se verificado nasúltimas décadas um foco na promoção do empowerment, no aumento da comunicação interna com os empregados,na necessidade de melhorar os processos de integração organizacional, no papel do recrutamento, na formação edesenvolvimento e na ligação entre compensação e desempenho.

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CAIXA 1.5. ALGUMAS ESPECIFICIDADES DO MODELO EUROPEU DE GRH RELATIVAMENTE AOAMERICANO

Apesar destes pontos comuns, uma análise mais fina permite detectar uma variedade de abordagens entre os váriospaíses europeus, pelo que não se poderá falar de um modelo europeu de GRH. Existem muitas áreas de diferenciação,como por exemplo a importância das práticas de promoção de igualdade de oportunidades, o papel da flexibilização esegurança do emprego, a medição e o reforço do serviço da inovação e do cliente, bem como do papel daresponsabilidade social das empresas. Os níveis de participação dos trabalhadores e dos seus representantes nas

decisões empresariais são também bastante diferenciados,5 em grande medida devido a diferenças culturais e a razõeshistóricas.

No caso português, é possível também detectar alguns traços distintivos do modelo, que reflectem sobretudo ascondicionantes históricas, sociais e culturaisf bem como algumas peculiaridades demográficas da função RH. A GRHem Portugal tem experimentado uma forte e rápida evolução, em particular após a adesão à União Europeia e à moedaúnica. Estes dois acontecimentos, juntamente com a globalização dos mercados e o desenvolvimento tecnológico,suscitaram um conjunto de desafios às empresas portuguesas, que exaltam a competitividade e o papel que as pessoasdesempenham no aumento da competitividade organizacional.

Este foco no incremento da produtividade passa não só pelo aumento da capacidade de inovação das empresas, mas

também pelo reconhecimento da necessidade de melhoria da capacidade de gestão, particularmente no que diz respeitoà definição de objectivos, à medição do desempenho, à transmissão dc feedback, à comunicação aberta (horizontal evertical), ao desenvolvimento de competências, à promoção da motivação e do empenhamento e ao aumento daexigência.

Numa economia dominada por pequenas e médias empresas, geralmente detidas e geridas pelos membros de umafamília, esta área funcional sofreu uma evolução ao longo dos anos, sendo possível distinguir três períodos na suamudança a partir do início do século XX: até 1974, de 1974 a meados da década de 1980, e a partir da década de 1990.A estes importa acrescentar uma quarta fase, que se tem desenhado na história mais recente.

o  O modelo europeu é menos individualista - ou seja, menos facilitador da liberdade do empregador relativamente aos trabalhadores. Existe a consciência de que os negócios necessitam de ser controlados ede que os empregados devem ser tratados de modo socialmente responsável.

o  O papel do Estado é mais acentuado na Europa do que nos EUA, e isso reflecte- -se, por exemplo, emlegislação sobre despedimentos, salários, horários de trabalho, relações industriais, direitos sindicais,qualidade de vida no trabalho. Ao nível supra-nacional, o papel comunitário (e.g., Carta Social Europeia) éigualmente notório.

o  O papel dos sindicatos, os níveis de sindicalização e a participação dos representantes dos trabalhadoresna vida das empresas são mais elevados na Europa (designadamente nos países nórdicos e,especialmente, na Alemanha).

o  Há maior quantidade de pequenas e médias empresas, e de empresas familiares, na Europa do que nosEUA. Estas empresas são menos pressionadas para obter resultados de curto-prazo, pois não estãosubmetidas aos ditames de Wall Street? É pois menor a tendência para, por exemplo, enveredarem por processos de downsizing que se reflictam positivamente nas cotações bolsistas.

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4.2. GRH em Portugal até 1974

As primeiras décadas do século XX caracterizaram-se por uma grande instabilidade política, associada à queda damonarquia e à instauração da República. Num país predominantemente agrícola, as poucas zonas industrializadasconcentravam-se nas grandes cidades: Porto, Braga, Aveiro, Coimbra, Lisboa e Setúbal. Os trabalhadores da indústriamanifestavam o seu activismo na luta por melhores salários e condições de vida através de greves, tendo sido aprovadalegislação que regulamentava a duração da semana de trabalho, aprovava o direito à greve e admitia a constituição desindicatos. Este período de efervescência laboral e grande rotatividade de governos terminou em 1926, com ainstauração de uma ditadura que reprimiu fortemente o movimento sindical e criou o «corporativismo», que reconhecia opapel da iniciativa privada como motor do progresso económico, proibia greves e promovia modelos corporativos deassociação para empregados e para empregadores, com uma função social. Em contrapartida, a educação e aformação profissional eram consideradas pouco importantes.

O início da guerra colonial, em África, na década de 1960, deu origem a um forte surto de emigração, acentuando-se oatraso educacional e económico do país. Os baixos salários praticados serviram para atrair algum investimentoestrangeiro, que em consequência originou um aumento salarial e de produtividade, bem como maiores preocupaçõescom a educação e a formação profissional, numa estrutura industrial essencialmente trabalho-intênsiva.

Na década de 1970, com a deterioração das condições económicas e políticas, o descontentamento sentido serviu paraincubar o crescente movimento de oposição política. A gestão de pessoas teve um papel totalmente reactivo eadministrativo, com um estatuto muito desvalorizado na empresa. Tratava-se geralmente de uma secção ou de umdepartamento dependente da direcção administrativa e financeira, embora algumas multinacionais já apresentassemalgumas políticas não-administrativas de gestão de pessoas, como a formação. Não havendo cursos de psicologia esociologia em escolas públicas, que só foram permitidos depois de Abril de 1974, era escassa a formação superior nesta área, oferecida em escolas como o Instituto Superior de Psicologia Aplicada.

4.3. GRH em Portugal de 1974 a meados da década de 1980

Na sequência do 25 de Abril, assistiu-se a uma sucessão de governos quasi-comu- nistas, durante os quais osprincipais sectores da economia foram nacionalizados. Cria- ram-se comissões de trabalhadores nas empresas,enquanto os donos e gestores das grandes empresas eram afastados e os sindicatos assumiam um papelpredominantemente conflitual nas relações de trabalho. Em reacção a esta nova envolvente política e económica, osdepartamentos de pessoal mantiveram-se reactivos e dedicados à negociação colectiva. As vagas de gestão erampreenchidas tendo por base critérios políticos. A produtividade e a rentabilidade eram baixas. A nova legislação dotrabalho proibia os despedimentos, bem como qualquer tipo de flexibilidade numérica, funcional e financeira. Nãoexistiam incentivos monetários à motivação, nem critérios de desempenho e desenvolvimento para promoções.

As direcções de pessoal cresceram durante este período, tornando-se centralizadas e assumindo um importantepapel nas médias e grandes empresas, visto terem que lidar quase diariamente com sindicatos poderosos. A gestãodos direitos sociais dos trabalhadores juntou-se às outras tarefas burocráticas destes departamentos (salários, fériase registos dos empregados), mas foram igualmente aparecendo serviços de recrutamento e selecção, de formação,de análise e qualificação de funções e até de planeamento de RH, embora quaisquer destas actividades estivessemlonge de integradas com a estratégia da empresa. Os departamentos de pessoal eram fundamentalmente geridos por licenciados em direito.

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4.4. GRH em Portugal a partir de 1990 até à mudança de século

A entrada de Portugal na então Comunidade Europeia suscitou grandes desafios de competitividade económica dopaís. Era necessário tornar rentáveis as empresas públicas, a fim de as privatizar. As consequências destes esforços

foram sentidas também em empresas mais pequenas e mais flexíveis. As privatizações em larga escala foram pre-cedidas por períodos de reestruturação interna, onde o papel do capital humano foi reconhecido - particularmente anecessidade de contratação de pessoas com talento e conhecimento (e.g., novas tecnologias, marketing), a evoluçãopara culturas organizacionais menos burocráticas e mais viradas para os objectivos, a criação de canais para umacomunicação interna mais aberta, e a implementação de algumas políticas de flexibilização. Graças aos ganhos deprodutividade, muitas empresas começaram a remunerar acima dos contratos colectivos, criando pacotes adicionaisde benefícios para alguns segmentos dos seus quadros, bem como incentivos contingentes ao desempenho.

A lógica conflitual das relações de trabalho com os sindicatos começou a transfor- mar-se, acompanhada pela perdade influência destas estruturas institucionais e de um maior diálogo através das comissões de concertação social,comissões tripartidas englobando representantes do governo, das associações patronais e das confederações sindi-cais. Neste período, foram criadas inúmeras empresas de consultadoria na área de GRH, os departamentos de RHviram a sua dimensão ser diminuída, embora o seu poder tenha aumentado e a adesão às modas internacionais degestão se tenha tornado mais notória. A dimensão burocrática diminuiu, com a introdução dos sistemas deinformação, e progressivamente foi crescendo o alcance estratégico desta função.

Não obstante, a função burocrática/administrativa continuou a ser relevante: as novas tecnologias ofereceram novasformas de gestão da componente administrativa e criaram novos focos de conflito. A introdução de controlobiométrico de assiduidade nos hospitais portugueses (através do chamado «dedómetro») suscitou críticas da classemédica que nele viu laivos de «controlo tipo fabril» ou «policial»

Os directores de RH têm actualmente mais formação de nível superior (comparativamente com os outros gestores),fundamentalmente em áreas de gestão e ciências sociais? É também uma função predominantemente feminina, umavez que a maioria dos directores e técnicos de RH é do sexo feminino. Esta evolução, em especial o aumento daconcorrência, criou os incentivos aos gestores para se tornarem mais eficientes e eficazes, desenvolvendoestratégias funcionais mais consistentes com as metas da empresa, com reflexo nas políticas e actividades de gestãode RH em Portugal. Pode pois concluir-se que esta função está em evolução para uma mais clara gestão estratégicade RH, particularmente nas empresas de maior dimensão.

4.5. GRH em Portugal na actualidade

Apesar de a maior parte das empresas portuguesas não ter ainda o gestor mais sénior de RH sentado no conselhode administração, tem sido registada uma evolução significativa, no sentido de uma maior componente estratégica da

função. A maior parte das empresas de média ""fe grande dimensão já tem uma estratégia escrita de RH, com envol-vimento na definição da estratégia empresarial (veja Caixa 1.6), senão desde o início,pelo menos a título consultivo. A dificuldade na cessação dos contratos de trabalho, pela rigidez da legislação detrabalho ainda em vigor em Portugal, poderá ser uma explicação para este papel activo da GRH, uma vez que oscustos envolvidos são muito elevados.

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CAIXA 1.6. GRH NA ESTRATÉGIA DE VÁRIAS EMPRESAS OPERANDO EM PORTUGAL

Um dos cinco princípios corporativos da SIEMENS Portugal«Damos autonomia aos nossos COLABORADORES - para atingir níveis excepcionais de desempenho. Os nossoscolaboradores são a chave do nosso sucesso. Trabalhamos numa rede global de conhecimento e aprendizagem. Anossa cultura empresarial caracteriza-se pela sua diversidade, pelo diálogo e pelo respeito mútuo, assim comopelos objectivos claros e por uma liderança eficaz.»

SIVA Grupo SAG«As apostas na inovação e nos recursos humanos constituíram, desde a primeira hora, os valores centrais de umaorganização que elegeu como missão atingir a excelência na valorização das Marcas representadas, naoptimização dos recursos e na qualidade dos serviços prestados ao Cliente e, como consequência, na rentabilidadeda operação global.»

Três valores no Centro Hospitalar de Vila Real/Peso da Régua relacionados com os RH

1.  Ética«Defender e aplicar princípios éticos nas relações pessoais, profissionais e institucionais que se estabelecem».

2.  Organização«Assumir como principais directrizes organizativas a agilidade de procedimentos, o planeamento estratégico e aeficiência e sustentabilidade, permitindo criar uma estrutura menos hierarquizada e com permanente capacidade deadaptação à mudança»

3.  Realização e satisfação«Ser uma instituição hospitalar onde se promove a realização e satisfação pessoal e profissional de todos os seuscolaboradores».

Sonae SierraCultura empresarial«A nossa Cultura Empresarial baseia-se em valores e princípios como a Liderança, a Disponibilidade para aMudança, a Lealdade e Rigor e a Transparência. A Sonae Sierra aposta no desenvolvimento de capacidades comoforma de criar valor, conduzindo os negócios a posições de liderança, no âmbito onde operam, e baseia a suaprática quotidiana no profissionalismo, na lealdade, na frugali- dade, na gestão do risco e na adopção de métodosde gestão que, de forma célere, detectem e corrijam situações adversas. Assim, adopta práticas que permitem aavaliação sistemática da fiabilidade da performance dos negócios e do grau de cumprimento dos valores eprincípios da Sonae Sierra, designadamente com a recolha de opinião dos colaboradores e do exterior. Nestesentido, mantém como característica fundamental da cultura do Grupo uma atitude permanente de disponibilidadepara a mudança.»

Responsabilidade com os colaboradores«A política de Gestão de Recursos Humanos da Sonae Sierra incorpora valores e princípios como a Igualdadeno Tratamento, o Desenvolvimento Profissional e a Segurança. Assumimos como responsabilidade para com osnossos colaboradores internos proporcionar a todos elevados níveis de satisfação, designadamente derealização profissional, através do incentivo à frequência de programas de informação, educação e formaçãoprofissional bem como garantir um ambiente de trabalho preventivo de riscos profissionais e que não ponha emcausa a saúde e segurança dos colaboradores internos e externos.

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Contrariamente à visão anglo-saxónica da GRH, em Portugal os departamentos de RH desempenham um papelespecialista/centralista, sem que haja uma significativa delegação das responsabilidades de gestão de pessoas aosgestores de linha. Em vez de um papel de coordenação e criação de políticas, os departamentos de RH no país man-têm o poder de linha na maior parte das actividades, talvez como forma de garantir a credibilidade da função a nívelda empresa.

Alguns aspectos diferenciadores da GRH à portuguesa prendem-se com a característica feminina da culturaportuguesa, em conjugação com a baixa tolerância de incertezavi- paradoxalmente combinada com fracascompetências de planeamento? Com base nos inquéritos do grupo CRANET alguns desses aspectos são aquiexplanados:

o  É comum a utilização de fontes de recrutamento baseadas no conhecimento pessoal - isto é, nasreferências, que na sua conotação negativa se traduzem pelo termo cunha. Também a entrevista pessoal éutilizada como principal técnica de selecção.o  A promoção do empenhamento organizacional não é um objectivo central à GRH em Portugal, sendo oempenhamento menos organizacional e mais «personalizado», nomeadamente relativamente às chefias

directas^ Ou seja: mais do que promover o empenhamento na organização, promove-se o empenhamentonas chefias - facto compatível com o paternalismo português,vii mas que pode suscitar efeitos perversosrelacionados com o favoritismo, o nepotismo e a recompensa das fidelidades pessoais mais do que domérito.o  Utilizam-se parcamente algumas oportunidades de flexibilidade contratual. Contrariamente à maioriados seus parceiros europeus, Portugal é um dos países que menos utilizam os contratos de trabalho a tempoparcial. Em contrapartida, as empresas nacionais são grandes utilizadoras de contratos a prazo. Esta ênfasenos contratos a prazo está associada à rigidez da legislação de trabalho, sendo estes muitas vezes umaespécie de prolongamento do processo de selecção ou do período experimental, ou seja, o primeiro passopara uma contratação duradoura. As empresas começam por contratar a termo, podendo avaliar a qualidadedo trabalhador e assim decidir com mais informação se devem ou não integrá-lo «no quadro». No entanto, as

mudanças anunciadas nos últimos anos, nomeadamente a intenção de introduzir o conceito de flexigurança,prometem alterar radicalmente este cenário (Caixa 1.7).

CAIXA 1.7. FLEXIGURANÇA - A CURA OU A DOENÇA?

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1.  «(A flexigurança) pretende combinar uma adequada protecção ao trabalhador e flexibilidade suficiente nomercado de trabalho que permita às empresas tomar as medidas necessárias de reestruturação para se manteremcompetitivas em que o processo de recrutamento e o despedimento de trabalhadores sejam facilitados, isto é, oobjectivo É a protecção das pessoas e não a protecção do posto de trabalho. O posto de trabalho está sujeito àsmutações industriais, aos avanços tecnológicos e à exigência de qualificação e competência profissional dostrabalhadores.»2.  «Flexigurança é um novo termo em debate acerca do futuro do mercado de trabalho na Europa e odesenvolvimento de políticas sociais. Refere-se à conciliação de elevados níveis de flexibilidade laboral com elevadosníveis de segurança. Ou seja, a flexigurança significa não ter que escolher entre flexibilidade e segurança, mas antesconciliar formas flexíveis de trabalho com garantias de protecção social tais como o acesso a formação profissional.Por exemplo, se os trabalhadores renunciam a um aumento salarial durante um determinado período, sãocompensados com flexibilidade interna: formação contínua, que lhes garante um lugar futuro no mercado de trabalho:redução no número de horas de trabalho, que favorece a gestão do tempo e a conciliação trabalho-família; etc. Ou seja(...), os trabalhadores recebem mais protecção social e segurança em troca de medidas de flexibilidade que tambémbeneficiam a empresa.»3.  «[O sistema dinamarquês] da flexigurança combina generosos benefícios pela perda do emprego, fortesincentivos para obter rapidamente um novo posto de trabalho e regras brandas de contratação e despedimento. Istoencoraja os empregadores dinamarqueses a criar empregos, impelindo os beneficiários a regressarem ao trabalho. Oresultado: uma queda do desemprego de 8% em 1994 para 4,8% em 2005. As leis rígidas de protecção do posto detrabalho têm o efeito perverso de deixar as pessoas sem trabalho. A Alemanha e França são generosos com osbenefícios, frouxos na suspensão dos subsídios de desemprego e inflexíveis na contratação e no despedimento. Estasleis desencorajam as empresas de contratar e discriminam os desempregados, erguendo barreiras à sua entrada nomercado de trabalho. As mulheres e as minorias são desproporcionalmente atingidas.»4.  «Se quisermos simplificar podemos dizer que a 'Flexigurança' é uma combinação de despedimentos flexíveis comsubsídios de desemprego generosos. O modelo tem sido aplicado na Dinamarca e na Holanda e está a ser debatido naUnião Europeia, tendo já dado origem ao livro verde (...) Porém, existem fundadas dúvidas de que a aplicação dessemodelo em Portugal possa ter o mesmo sucesso que tem tido naqueles países do Norte da Europa. (...) A introdução,como contrapartida pela flexibilização do mercado de trabalho, de subsídios de desemprego mais generosos pode ter um efeito perverso. É que os portugueses não têm mesma consciência preocupação cívica que têm os dinamarquesesou dos holandeses. É pois, muito provável que a concessão de elevados subsídios de desemprego viesse a contribuir para a criação de novos subsídio-dependentes que se limitariam a usufruir dos generosos subsídios de desemprego,fugindo, 'como o diabo da cruz', da oferta de um novo emprego.»

Desafios ao leitor:o  Haverá outras razões pelas quais a flexigurança poderá não ter sucesso em Portugal? Estarão osempresários e outros agentes económicos preparados para assumir uma postura responsável?o  Discuta este ponto de vista de Isabel Meireles: «A questão (...) que se coloca é se é possível fazer um transplante de um modelo de 'flexigurança' de um dador que é incompatível com o paciente, que searrisca, assim, a morrer. Sabemos todos que a mentalidade e a predisposição laborais de um portuguêsnão são exactamente iguais à de um dinamarquês, nem sequer aproximadas, nomeadamente emcaracterísticas como o rigor, organização, pontualidade, transparência e tantas outras que para osorgulhosos vikings são genéticas e que para os lusitanos vão levar gerações a adquirir. Em qualquer caso,é certo que há que abanar o sistema instalado, mais que não seja para fazer jus ao aforismo popular deque se não morrer da doença, morre da cura»

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Por outro lado, a gestão de pessoas em Portugal aproxima-se do modelo anglo-saxó- nico num vasto conjunto deactividades, das quais se salienta a utilização maioritária de sistemas de incentivos monetários indexados ao

desempenho individual e organizacional. Também a comunicação com os empregados se tem vindo a tornar maisfrequente, individualizada e directa, com menor intermediação dos sindicatos. As novas tecnologias têmevidentemente um papel activo, nomeadamente a Intranet, que facilita a comunicação. Fortes investimentos emacções de formação e desenvolvimento de competências têm sido feitos pelas organizações portuguesas, notando-se uma preocupação crescente com a medição do impacto desse investimento.

E ainda notória a introdução de processos de gestão do desempenho, aplicáveis a diferentes categorias de membrosda organização. Este esforço alargou-se à administração pública, onde tradicionalmente a avaliação de desempenhonão tinha credibilidade ou sequer impacto na evolução das carreiras ou no pacote remuneratório dos funcionários.Em suma, em Portugal, a função de gestão de pessoas tem vindo a viver uma evolução profunda desde o início doséculo XXL Embora com alguns anos de atraso, tem vindo a acompanhar a evolução noutros países, nomeadamente

os de tradição anglo- -saxónica. Assim, foi passando de uma função reactiva e administrativa/burocrática para umpapel gradualmente de maior proactividade e resposta às condições da envolvente.Ou seja, tem assumido maior envolvimento na estratégia da organização, tendo esta evolução sido acompanhada deuma mudança na denominação dos departamentos - de gestão de pessoal para GRH, e, actualmente, para gestãoestratégica de RH ou mesmo gestão de activos humanos. A postura dos indivíduos tem acompanhado esta mudança,valorizando-se progressivamente menos os empregados obedientes mas passivos, e cada vez mais os colaboradoresactivos (veja Caixa 1.8). Um longo caminho permanece todavia por percorrer. Um trabalho da Deloitte indica que amaioria das empresas não tem um administrador com o pelouro exclusivo dos recursos humanos, acumulando-o comoutras funções, e que a influência da GRH na formulação da estratégia continua a ser limitada. A experiência dosautores deste livro também mostra que o conformismo e a passividade dos colaboradores continuam a ser apanágiode muitas organizações, tanto devido a características pessoais como a factores de contexto (e.g., liderança autocrá-

tica; cultura organizacional que confunde discordância com deslealdade; cultura nacional que valoriza a distânciahierárquica e a reverência perante figuras de autoridade).

CAIXA 1.8. DO EMPREGADO AO DETENTOR DE CAPITAL HUMANO

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Sandra Serra2011-10-08Edições Sílabo

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1.  O empregadoA organização científica do trabalho, na senda de correntes anteriores, criou uma nova classe de trabalhadores, os«empregados». A palavra «empregado» vem do francês employée e expressa uma história de um século. Oempregado é uma criação da era industrial e de uma série de inovações de gestão que resultaram na emergênciade um novo tipo de especialista: o especialista em obediência. A história da criação do empregado é relatada por Roy Jacques no livro Manufacturing the Employee. Ele mostra como as organizações criaram há cerca de umséculo um novo tipo que tão bem as serviu durante tanto tempo: o empregado fiel e leal, premiado pela obediênciamais do que pela capacidade pensante. Quando o trabalho se torna intensivo em conhecimento, as forças doemployée tornam-se fraquezas e a sua obediência passa a valer pouco. A história da gestão de empresas é pois,também, a história da fabricação de tipos comportamentais, tal como reflectido na mudança das designações sofridpela área responsável pelo tratamento da «maquinaria humana»: gestão de pessoal, gestão de recursos humanos,gestão de pessoas, employee care. As próprias pessoas foram recebendo diversos nomes, incluindo o clássico«recursos humanos» ou o moderno «colaboradores», passando por soluções mais recentes, como «membros» naDHL Portugal ou «associados» na Wal-Mart? Porque os nomes contam, a discussão não é irrelevante: cada nomeconta uma história e a história dos nomes reflecte aquilo que as organizações pensam sobre quem nelas trabalha.

2.  Um empregado especialEm Outubro de 2007 estalou um conflito entre José Rodrigues dos Santos e a RTP, a propósito da alegadainterferência do poder político na televisão pública. A administração da empresa emitiu um comunicado em quetratava o jornalista como «empregado». Uns dias depois, em entrevista de Almerindo Marques, então Presidente doConselho de Administração, ao Diário de Notícias, podia ler-se o seguinte excerto:

P: «Mas o inquérito vai avaliar não o facto mas sim o comportamento de José Rodrigues dos Santos enquanto'empregado', para utilizar uma expressão da Administração. É isso?R: A este propósito estão sempre a chegar factos novos. O Público de hoje [ontem] escreve que havia um trabalhosobre pivôs e ele é que introduziu esses temas, sem que lhe tivessem feito essas questões. O jornal repete asdeclarações que ele fez. Se há ou não responsabilidade do jornal, não é coisa do nosso apuramento.»

E mais à frente;P: «Se o caso se tivesse passado com um qualquer redactor ou técnico da casa, semo grau de visibilidade de Rodrigues dos Santos, o comunicado teria tido este teor? R: Não sou capaz de lheresponder porque nunca houve outra situação igual. Para este Conselho, é nosso dever tratar igualmente todos osquadros, independentemente da função ou mérito profissionais.»P: Utilizou a palavra 'quadro', que é uma palavra mais polida. No comunicadotrata-o quatro vezes como 'empregado'. Não é acintoso?R: Não vale a pena especular sobre isso. Para nós é um empregado como qualquer outro dos 2500 empregadosdesta casa».

3.  O detentor de capital humano

A noção de empregado vem dando lugar à de talento ou de detentor de capital humano? Esta noção pode ser decomposta em quatro subtipos de capital:o  Capital intelectual - o que sabemos?o  Capital emocional - como nos relacionamos com os outros?o  Capital social - quem conhecemos?o  Capital psicológico - o que somos?

O papel da gestão de recursos humanos consiste, neste novo contexto, em:o  Criar condições para que as pessoas sintam que o seu capital é valorizado na empresa;o  Colocar esse processo em sintonia com o desenvolvimento dos objectivos da organização.

Numa lógica de desenvolvimento do capital humano, os principais talentos são, de algum modo, trabalhadoresvoluntários: eles apenas permanecem na organização enquanto esta proporcionar terreno fértil para odesenvolvimento do seu capital. Quando isso deixa de acontecer, procurarão valorizá-lo noutro local. Quanto maior ocapital de um indivíduo, nas quatro vertentes referidas, maior será a sua mobilidade no mercado de trabalho - e maior a necessidade de a empresa lhe criar condições que impeçam a sua saída.

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^ Marchington e Grugulis (2000).

iii Storey (1992); Clark et al (1998); Hall e Torrington (1998a; 1998b); Gallie et al( 1998).

(Instrumentalismo utilitário).

As pessoas são instrumentos ao serviço dos fins organizacionais e da sua vantagem competitiva. Devem ser geridas de forma desapaixonada e racional.

Guest (1987, 1989); Storey (1992); Legge (1989, 1995a, 1995b); Beaumont (1993); Price (1997); Cabral- -Cardoso (1999); Boxall e Purcell (2000).

<!) Legge (1995a); Storey (1995).

^ Para uma análise das diferenças transculturais na gestão de pessoas, veja Rego e Cunha (2008a). Sobre as especificidades europeias, veja Brewster (2007).

v Brewster (1995, 2007).

{1) Hofstede (1991).

vii Jesuino (2002); Cunha e Rego (2007).