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Presidência da República Controladoria-Geral da União Manual de Processo Administrativo Disciplinar Brasília, 2012.

Manual de PAD

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  • Presidncia da RepblicaControladoria-Geral da Unio

    Manual de Processo Administrativo

    Disciplinar

    Braslia, 2012.

  • Controladoria-Geral da UnioCorregedoria-Geral da Unio

    Esplanada dos Ministrios, Bloco A, 2 Andar. Braslia-DFCEP: 70054-900

    [email protected]

    JORGE HAGE SOBRINHOMinistro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da Unio

    LUIZ AUGUSTO FRAGA NAVARRO DE BRITTO FILHO

    Secretrio-Executivo da Controladoria-Geral da Unio

    WALDIR JOO FERREIRA DA SILVA JNIOR Corregedor-Geral da Unio

    VALDIR AGAPITO TEIXEIRA

    Secretrio Federal de Controle Interno

    JOS EDUARDO ROMOOuvidor-Geral da Unio

    MRIO VINCIUS CLAUSSEN SPINELLI

    Secretrio de Preveno da Corrupo e Informaes Estratgicas

    COORDENAO-GERAL DOS TRABALHOSAlexandre Cordeiro Macedo

    Gilberto Waller JniorMarcelo Pontes Vianna

    EQUIPE TCNICAAderson Mendes Matos

    Alexandro Mariano PastoreAnderson Teixeira do Carmo

    Andr Luis SchulzAndr Luiz Silva Lopes

    Antnio Carlos Vasconcellos NbregaArmando de Nardi NetoDaso Teixeira Coimbra

  • Darcy de Souza Branco NetoEdson Leonardo Dalescio S Teles

    Elza Flvia de Pinheiro Teixeirarica Bezerra Queiroz Ribeiro

    Gilbeto Frana AlvesGustavo Henrique de Vasconcellos Cavalcanti

    Isabela Silva OliveiraJoo Marcelo Neiva Pedatella

    Jnia Bumlai Freitas SousaLarissa Samara de Almeida Rocha

    Laurent Nancym Carvalho PimentelLeandro Jos de Oliveira

    Leone Napoleo de Sousa NetoLcia Noriko Hanasiro

    Luis Augusto Pacheco de ArajoLuiz Henrique Pandolfi Miranda

    Mrcio de Aguiar RibeiroMarcus Vinicius Pinto Schtruk

    Paula Arajo CrreaRaoni Parreira Maciel

    Rodrigo Vieira MedeirosRafael Amorim de AmorimRicardo Carvalho GomesRoberta Caris Siqueira

    Stefanie Groenwold CamposWalter Godoy Neto

    REVISO FINALAlan Lacerda de Souza

    Aline Cavalcante dos ReisChristiane de Castro Gusmo

    Renata Ferreira da RochaRicardo Augusto Panquestor Nogueira

  • 5Sumrio

    Manual de Processo Administrativo Disciplinar 1

    1. O Sistema de Correio do Poder Executivo Federal 13

    2. Noes de Direito Administrativo Disciplinar 152.1. Legislao Fundamental 162.2. Princpios Aplicveis 17

    2.2.1. Princpio do Devido Processo Legal 172.2.2. Princpio da Ampla Defesa e do Contraditrio 182.2.3. Princpio do Informalismo Moderado 192.2.4. Princpio da Verdade Real 192.2.5. Princpio da Presuno de Inocncia ou de no culpabilidade 202.2.6. Princpio da Motivao 21

    3. Responsabilizao 213.1. Responsabilidade Administrativa 223.2. Responsabilidade Civil 233.3. Responsabilidade Penal 243.4. Responsabilizao no mbito do Tribunal de Contas da Unio 28

    4. Responsabilidade Disciplinar 294.1. Abrangncia Objetiva 29

    4.1.1. Atos da vida privada 304.1.2. Irregularidades cometidas antes da aposentadoria ou de pena expulsiva 32

    4.2. Abrangncia Subjetiva 354.2.1. Manuteno das vinculaes estatutrias do servidor pblico em frias, licenas ou outros afastamentos e conflito de interesses 39

    4.2.2. Situao de servidores e empregados pblicos cedidos 424.2.3. Agentes Pblicos que no se sujeitam abrangncia da Lei n 8.112/90. 44

    5. Dever de Apurar 485.1. Conhecimento do fato supostamente irregular 50

    5.1.1. Denncia annima 535.2. Obrigatoriedade da apurao 58 5.3. Autoridade Competente 60

    6. Procedimentos Disciplinares 646.1. Procedimentos Investigativos 64

  • 66.1.1. Investigao Preliminar 696.1.2. Sindicncia Investigativa 716.1.3. Sindicncia Patrimonial 73

    6.2. Procedimentos Contraditrios 786.2.1. Sindicncia Acusatria 78

    6.2.1.1. Fases da sindicncia acusatria 816.2.1.2. Composio da comisso 836.2.1.3. Prazos da sindicncia 836.2.1.4. Desnecessidade de instaurao da sindicncia acusatria previamente ao processo administrativo disciplinar 84

    6.2.2. Processo Administrativo Disciplinar sob o Rito Sumrio 876.2.3. Processo Administrativo Disciplinar sob o Rito Ordinrio 89

    7. Procedimentos Especiais 907.1. Processo Administrativo Sancionador no mbito de licitaes e contratos 90

    7.1.1. Sanes Administrativas Aplicveis a Licitantes e Contratados 967.1.1.1. Advertncia 967.1.1.2. Multa 977.1.1.3. Suspenso temporria de participar em licitao e impedimento de contratar com a Administrao 977.1.1.4. Declarao de Inidoneidade 98

    7.2. Termo Circunstanciado Administrativo 99

    8. Processo Administro Disciplinar Rito Ordinrio 1028.1. Fases: instaurao, inqurito (instruo, defesa e relatrio) e julgamento 1028.2. Prazos: contagem e prorrogao 105

    8.2.1. Contagem 1058.2.2. Prorrogao 1078.2.3. Continuidade da Apurao 108

    9. Instaurao do Processo Administrativo Disciplinar 1119.1. Momento da instaurao 1129.2. Local da instaurao 1139.3. Competncia para instaurar o PAD/Sindicncia 1199.4. Afastamento preventivo dos acusados 1219.5. Portaria de instaurao 122

    9.5.1. Requisitos formais essenciais 1239.5.2. Publicao da portaria 126

  • 79.5.3. Alcance dos trabalhos da comisso 1289.6. Comisso de Inqurito 130

    9.6.1. Constituio da comisso de inqurito. 1319.6.2. Competncia para designao dos membros da comisso de inqurito. 1329.6.4. Pr-requisitos do presidente da comisso 1369.6.5. Qualificaes pessoais dos integrantes da comisso de inqurito 138

    9.6.6. Designao de servidores 1399.6.7. Designao do secretrio. 1419.6.8. Incio dos trabalhos da comisso. 1419.6.9. Atribuies dos integrantes da comisso. 1419.6.10. Impedimento e suspeio dos membros integrantes da Comisso de Inqurito 146

    9.6.10.1. Impedimento 1479.6.10.2. Suspeio 149

    9.6.11. Relaes de Parentesco 1549.6.12. Obrigaes de imparcialidade e independncia dos membros integrantes da comisso disciplinar. 155

    10. Instruo processual 16110.1. Comunicao dos atos processuais 161

    10.1.1. Notificao prvia. 162

    10.1.1.4. Efeitos da notificao prvia 167

    10.1.2. Intimao 16810.1.3. Citao 172

    10.2. Smula Vinculante n 5 17510.3. Instruo Probatria 182

    10.3.1. Introduo 18210.3.2. Teoria Geral 18210.3.3. Finalidade 18310.3.4. Destinatrios 18310.3.5. Congruncia com o Resultado da Apurao. 18310.3.6. Valorao Probatria. 18410.3.7. Objeto e Indeferimento 18510.3.8. nus Probatrio 18610.3.9. Cuidados Prticos 18610.3.10. Meios 18810.3.11. Diligncias 188

    10.3.11.1. Disposies gerais 18810.3.11.2. Deslocamentos 189

  • 810.3.12. Percia e Assistncia Tcnica 19010.3.12.1. Percia 19110.3.12.2. Percias Mdicas 19310.3.12.3. Incidente de Sanidade Mental 19610.3.12.4. Assistncia Tcnica 19910.3.13. Testemunhas 19910.3.13.1. Capacidade para testemunhar 20110.3.13.2. Dever de depor 20210.3.13.3. Regularidade da intimao da testemunha 203

    10.3.14. Inquirio 20510.3.15. Contradita 20810.3.16. Acareao 20910.3.17. Influncia do acusado durante a colheita do depoimento 21010.3.18. Interrogatrio 212

    10.3.18.1. Procedimento 21410.3.18.2. Direito do acusado ao silncio e no auto-incriminao 21710.3.18.3. Interrogatrio de vrios acusados 21810.3.18.4. Do no comparecimento do acusado 21910.3.18.5. Procurador do acusado 22010.3.18.6. Gravao do interrogatrio 22210.3.18.7. Confisso. 223

    10.3.19. Da Oitiva Fora da Sede 22410.3.20. Realizao de Teleaudincia. 226

    10.3.20.1. Procedimento da teleaudincia 22910.3.20.2. Da realizao do interrogatrio por teleaudincia 230

    10.3.21. Carta Precatria 23210.3.21.1. Interrogatrio por Carta Precatria 233

    10.3.22. Restries produo de provas no processo administrativo disciplinar 23410.3.22.1. Provas ilcitas 234

    10.3.22.1.1. Pertinncia da prova requerida 23410.3.22.1.2. Da idoneidade probatria questionada 23510.3.22.1.3. Teoria dos Frutos da rvore Envenenada 23710.3.22.1.3. Excludente de ilicitude da prova 23910.3.22.1.4. Princpios constitucionais e provas ilcitas 240

    10.3.22.2. Provas requeridas com o afastamento das clusulas da reserva de sigilo 24010.3.22.3. Busca e apreenso 24110.3.22.5. O Correio eletrnico ou e-mail institucional e e-mail particular privado - critrios de utilizao como prova 244

  • 910.3.22.6. Gravaes clandestinas (telefnica e ambiental) 24510.3.22.7. Afastamento do sigilo fiscal art. 198, CTN e Lei Complementar n 104/2001 24810.3.22.8. Afastamento do sigilo bancrio 252

    10.3.23. Prova Emprestada 25410.3.23.1. Procedimento 25610.3.23.2. Envio de informaes para rgos externos. 256

    10.3.24. A busca da verdade material e valorao do conjunto probatrio 25910.4. Indiciao 260

    10.4.1. Introduo e Caractersticas da indiciao 26010.4.2. Elementos da infrao disciplinar 264

    10.4.2.1. Primeiro Elemento: Tipicidade 26510.4.2.2. Segundo Elemento: Antijuridicidade ou ilicitude 266

    10.4.2.2.1. Estado de Necessidade 26710.4.2.2.2. Legtima Defesa 26710.4.2.2.3. Estrito Cumprimento de Dever Legal e Exerccio Regular de Direito 268

    10.4.2.1.Terceiro Elemento: Culpabilidade 26810.4.3. Classificao em funo do resultado 269

    10.4.4. Erro de Tipo e Erro de Proibio 27010.4.5. Princpio da Insignificncia ou da Bagatela. 272

    10.4.6. Enquadramento das infraes disciplinares. 27310.4.7. Conflito aparente de normas. 273

    10.5. Enquadramentos previstos na Lei n 8.112/90 27510.5.1. Descumprimento de Deveres. 276

    10.5.1.1. Art. 116, inciso I (exercer com zelo e dedicao as atribuies do cargo) 27610.5.1.2. Art. 116, inciso II (ser leal s instituies a que servir) 27610.5.1.3. Art. 116, inciso III (observar as normas legais e regulamentares) 27710.5.1.4. Art. 116, Inciso IV (cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais) 27810.5.1.5. Art. 116, inciso V (atender com presteza: a) ao pblico em geral, prestando as informaes requeridas, ressalvadas as protegidas por sigilo; b) expedio de certides requeridas para defesa de direito ou esclarecimento de situaes de interesse pessoal; s requisies para a defesa da Fazenda Pblica) 27910.5.1.6. Art. 116, inciso VI (levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver cincia em razo do cargo) 28010.5.1.7. Art. 116, inciso VII (zelar pela economia do material e a conservao do patrimnio pblico) 281

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    10.5.1.8. Art. 116, inciso VIII (guardar sigilo sobre assunto da repartio) 28210.5.1.9. Art. 116, inciso IX (manter conduta compatvel com a moralidade administrativa) 28310.5.1.10. Art. 116, inciso X (ser assduo e pontual ao servio) 28410.5.1.11. Art. 116, inciso XI (tratar com urbanidade as pessoas) 28610.5.1.12. Art. 116, inciso XII (representar contra ilegalidade, omisso ou abuso de poder) 287

    10.5.2. Infrao s Proibies 28810.5.2.1. Art. 117, inciso I (ausentar-se do servio durante o expediente, sem prvia autorizao do chefe imediato) 28810.5.2.2. Art. 117, inciso II (retirar, sem prvia anuncia da autoridade competente, qualquer documento ou objeto da repartio) 28910.5.2.3. Art. 117, inciso III (recusar f a documentos pblicos) 28910.5.2.4. Art. 117, inciso IV (opor resistncia injustificada ao andamento de documento e processo ou execuo de servio) 29010.5.2.5. Art. 117, inciso V (promover manifestao de apreo ou desapreo no recinto da repartio) 29010.5.2.6. Art. 117, inciso VI (cometer a pessoa estranha repartio, fora dos casos previstos em lei, o desempenho de atribuio que seja de sua responsabilidade ou de seu subordinado) 29110.5.2.7. Art. 117, inciso VII (coagir ou aliciar subordinados no sentido de filiarem-se a associao profissional ou sindical, ou a partido poltico) 291

    10.5.2.8. Art. 117, inciso VIII (manter sob sua chefia imediata, em cargo ou funo de confiana, cnjuge, companheiro ou parente at o segundo grau civil) 29210.5.2.9. Art. 117, inciso IX (valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da funo pblica) 29210.5.2.10. Art. 117, inciso X (participar de gerncia ou administrao de sociedade privada, personificada ou no personificada, exercer o comrcio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditrio) 29310.5.2.11. Art. 117, inciso XI (atuar, como procurador ou intermedirio, junto a reparties pblicas, salvo quando se tratar de benefcios previdencirios ou assistenciais de parentes at o segundo grau, e de cnjuge ou companheiro) 29710.5.2.12. Art. 117, inciso XII (receber propina, comisso, presente ou vantagem de qualquer espcie, em razo de suas atribuies) 29810.5.2.13. Art. 117, inciso XIII (aceitar comisso, emprego ou penso de estado estrangeiro) 30110.5.2.14. Art. 117, inciso XIV (praticar usura sob qualquer de suas formas) 30110.5.2.15. Art. 117, inciso XV (proceder de forma desidiosa) 30210.5.2.16. Art. 117, inciso XVI (utilizar pessoal ou recursos materiais da repartio em servios ou atividades particulares) 30410.5.2.17. Art. 117, inciso XVII (cometer a outro servidor atribuies estranhas

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    ao cargo que ocupa, exceto em situaes de emergncia e transitrias) 30410.5.2.18. Art. 117, inciso XVIII (exercer quaisquer atividades que sejam incompatveis com o exerccio do cargo ou funo e com o horrio de trabalho) 30510.5.2.19. Art. 117, inciso XIX (recusar-se a atualizar seus dados cadastrais quando solicitado) 307

    10.5.3. Infraes sujeitas pena de demisso previstas no art. 132. 30710.5.3.1. Art. 132, inciso I (crime contra a administrao pblica) 30710.5.3.3. Art. 132, inciso III (inassiduidade habitual) 31110.5.3.4. Art. 132, inciso IV (improbidade administrativa) 313

    10.5.3.4.1. Tratamento Jurdico do Ato de Improbidade Administrativa 31310.5.3.4.2. Procedimento Administrativo. 31610.5.3.4.3. Enriquecimento Ilcito por aquisio de bens desproporcional aos rendimentos ou evoluo patrimonial. 32010.5.3.4.4. Declarao de Bens dos Servidores. 323

    10.5.3.5. Art. 132, inciso V (incontinncia pblica e conduta escandalosa, na repartio) 33010.5.3.6. Art. 132, inciso VI (insubordinao grave em servio) 33110.5.3.7. Art. 132, inciso VII (ofensa fsica, em servio, a servidor ou a particular, salvo em legtima defesa prpria ou de outrem) 33210.5.3.8. Art. 132, inciso VIII (Aplicao irregular de dinheiros pblicos) 33310.5.3.9. Art. 132, inciso IX (revelao de segredo do qual se apropriou em razo do cargo) 33410.5.3.10. Art. 132, inciso X (leso aos cofres pblicos e dilapidao do patrimnio nacional) 33510.5.3.11. Art. 132, inciso XI (corrupo) 33610.5.3.12. Art. 132, inciso XII (acumulao ilegal de cargos, empregos ou funes pblicas) 337

    11. Defesa 34011.1.Citao 34011.2. Defesa Escrita 34511.3. Revelia 347

    12. Relatrio Final 35112.1. Requisitos 35112.2. Penalidades Aplicveis 353

    12.2.1. Penalidades Disciplinares: Advertncia 35812.2.2. Penalidades Disciplinares: Suspenso 36112.2.3. Penalidades Disciplinares Expulsivas: Demisso, Cassao de Aposentadoria ou Disponibilidade e Destituio de Cargo em Comisso 365

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    12.3. Remessa a Autoridade Instauradora 368

    13. Julgamento 36913.1. Da competncia para o julgamento 36913.2. Casos de impedimento e suspeio da autoridade julgadora 37113.3. O valor do relatrio para o julgamento 37413.4. O acusado se defende dos fatos 37613.5. Julgamento objetivo para as penas capitais 377

    14. Rito Sumrio 38114.1. Consideraes gerais 38114.2. Procedimento: acumulao ilegal de cargos 38314.3. Procedimento: abandono de cargo e inassiduidade habitual 387

    15. Prescrio 39015.1. Noes Gerais 39015.2. Incio do prazo prescricional 39115.3. Interrupo do prazo prescricional 39715.4. Suspenso do prazo prescricional 40715.5. Prescrio na hiptese de crime 40915.6. Abandono de cargo 41615.7. Fato prescrito (maus antecedentes e registro nos assentamentos) 417

    16. Nulidades 41916.1. Generalidades 41916.2. Princpio do Prejuzo 42516.3. Espcies de Nulidades 426

    16.3.1. Nulidades absolutas 42616.3.1.1. De competncia 42716.3.1.2. Relacionados comisso 42716.3.1.3. Relacionados ao direito de defesa 42716.3.1.4. Relacionados ao julgamento 42816.3.2. Nulidades Relativas 428

    Biblioteca 433

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    1. O Sistema de Correio do Poder Executivo Federal

    A Controladoria-Geral da Unio (CGU) foi criada no dia 2 de abril de 2001, pela Medida Provisria n 2.143-31. Inicialmente denominada Corregedoria-Geral da Unio (CGU/PR), o rgo vinculado diretamente Presidncia da Repblica. A CGU teve, originalmente, como propsito declarado o de comba-ter, no mbito do Poder Executivo Federal, a fraude e a corrupo e promover a defesa do patrimnio pblico.

    Quase um ano depois, o Decreto n 4.177, de 28 de maro de 2002, in-tegrou a Secretaria Federal de Controle Interno (SFC) e a Comisso de Coor-denao de Controle Interno (CCCI) estrutura da ento Corregedoria-Geral da Unio. O mesmo Decreto n 4.177 transferiu para a Corregedoria-Geral da Unio as competncias de Ouvidoria-geral, at ento vinculadas ao Ministrio da Justia.

    A Medida Provisria n 103, de 1 de janeiro de 2003, convertida na Lei n 10.683, de 28 de maio de 2003, alterou a denominao do rgo para Contro-ladoria-Geral da Unio, assim como atribuiu ao seu titular a denominao de Ministro de Estado do Controle e da Transparncia.

    Mais recentemente, o Decreto 5.480, de 30 de junho de 2005 e o Decreto n 5.683, de 24 de janeiro de 2006, alteraram a estrutura da CGU, conferindo maior organicidade e eficcia ao trabalho realizado pela instituio trazendo Corregedoria-Geral da Unio uma estrutura para acompanhamento, fiscaliza-o e orientao dos trabalhos correcionais, criando, tambm a Secretaria de Preveno da Corrupo e Informaes Estratgicas (SPCI), responsvel por desenvolver mecanismos de preveno corrupo. Desta forma, o agrupa-mento das principais funes exercidas pela CGU controle, correio, pre-veno da corrupo e ouvidoria foi efetivado, consolidando-as em uma nica estrutura funcional.

    O Sistema de Correio do Poder Executivo Federal regulado pelo Decre-to n 5.480/2005. Constitui-se de unidades voltadas s atividades de preveno e apurao de irregularidades disciplinares, desenvolvidas de forma coordenada e harmnica.

    A Controladoria-Geral da Unio integra o sistema na condio de rgo central. H, ainda, as unidades setoriais, que atuam junto aos Ministrios e so

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    vinculadas tcnica e hierarquicamente ao rgo central; as seccionais, que atu-am e fazem parte dos rgos que compem a estrutura dos Ministrios e suas entidades vinculadas (autarquias, fudanes, empresas pblicas e sociedades de economia mista), com superviso tcnica das respectivas unidades setoriais; e a Comisso de Coordenao de Correio, instncia colegiada com funes consultivas, cujo objetivo de atuao o fomento da integrao das diversas unidades, bem como a uniformizao de entendimentos adotados no mbito do Sistema de Correio.

    Nesse sentido, a correio mostra-se como uma das reas de atuao fun-damental da Controladoria-Geral da Unio. Conforme o disposto nos arts. 3, II, c, 15 e 16 do Decreto 5.683, de 24/01/06, regulamentado pela Portaria/CGU n. 335, de 30/05/06, suas atividades so desenvolvidas pela Corregedoria-Geral da Unio/CRG, cuja atuao apresenta natureza preventiva e repressiva.

    Preventivamente, s unidades da Corregedoria-Geral da Unio compete orientar os rgos e entidades supervisionados no s em questes pontu-ais, como tambm por meio de aes de capacitao na rea correcional , e realizar inspees nas unidades sob sua ingerncia o que permite visualizar, de um modo geral, a qualidade dos trabalhos disciplinares na unidade inspecio-nada e a estrutura fsica e de recursos humanos disponvel. Repressivamente, a Corregedoria-Geral da Unio realiza atividades ligadas apurao de possveis irregularidades disciplinares cometidas por servidores pblicos federais e apli-cao das devidas penalidades.

    Ademais, ao rgo central compete padronizar, normatizar e aprimorar procedimentos atinentes atividade de correio, por meio da edio de enun-ciados e instrues; gerir e exercer o controle tcnico das aes desempenha-das pelas unidades integrantes do Sistema, com a avaliao dos trabalhos e pro-positura de medidas a fim de inibir e reprimir condutas irregulares praticadas por servidores pblicos federais em detrimento do patrimnio pblico.

    A Controladoria-Geral da Unio tambm apresenta competncia para ins-taurao de procedimentos disciplinares em situaes de inexistncia de con-dies objetivas para sua realizao no rgo ou entidade de origem, da com-plexidade e relevncia da matria, da autoridade envolvida e da participao de servidores de mais um rgo ou entidade.

    s unidades setoriais e seccionais, por sua vez, compete propor medidas para padronizar e aprimorar procedimentos operacionais relacionados s ativi-dades correcionais; instaurar ou determinar a instaurao de processos discipli-

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    nares; supervisionar os rgos e entidades a elas submetidas, com o registro de dados e informaes essenciais apresentao dos resultados alcanados.

    Os titulares das unidades setoriais e seccionais devem ser servidores p-blicos ocupantes de cargos efetivos, com nvel de escolaridade superior e, pre-ferencialmente, graduados em Direito ou ocupantes da carreira de finanas e controle. A indicao do titular das unidades seccionais demandar anlise pr-via do rgo central, conforme dispe o artigo 8o., pargrafo 1o do Decreto 5.480/2005.

    2. Noes de Direito Administrativo Disciplinar

    O Direito Administrativo Disciplinar um ramo do Direito Administrativo, que tem por objetivo regular a relao da Administrao Pblica com seu corpo funcional, estabelecendo regras de comportamento a ttulo de deveres e proi-bies, bem como, a previso da pena a ser aplicada.

    O Direito Administrativo, nas palavras de Hely Lopes Meirelles, o con-junto harmnico de princpios jurdicos que regem os rgos, os agentes e as atividades pblicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado1. Ou seja, no compete ao Direito Administrativo tratar da concepo do Estado, sua atividade legislativa, judicial ou social, objeto de estudo de outros ramos do Direito. Sua funo a organizao interna da Admi-nistrao Pblica, sua hierarquia, seu pessoal, o funcionamento dos seus servios e suas relaes com os administrados.

    Para bem executar as atividades que lhe so incumbidas, a Administrao pre-cisa de meios para organizar, controlar e corrigir suas aes. Surge, portanto, a necessidade de meios hbeis a garantir a regularidade e o bom funcionamento do servio pblico, a disciplina de seus subordinados e a adeso s leis e regras dele decorrentes, o que, no conjunto, denomina-se Direito Administrativo Disciplinar.

    O Direito Administrativo Disciplinar, como ramo do Direito Administrativo, possui relaes com outros ramos do Direito, notadamente o Direito Constitu-cional, o Penal, o Processual (civil e penal) e o do Trabalho. Importante destacar que se por um lado, o Direito Administrativo Disciplinar possui interface com outros ramos do Direito, por outro no se pode confundi-lo com os mesmos.

    1 MEIRELLES, p. 40.

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    Como exemplo, mesmo se uma infrao disciplinar fosse tambm considerada como crime, no se poderia tratar o ilcito administrativo da mesma forma que o penal, pois se aquele trata de um direito em regra disponvel, este protege um direito indisponvel, considerado mais relevante sob a luz do Direito, fundamen-tado em outras normas e princpios.

    2.1. Legislao Fundamental

    Na Administrao Pblica Federal, o processo administrativo disciplinar tem como base legal a Constituio Federal, que veio a ser regulamentada pela Lei n 8.112/90, em seus Ttulos IV (do Regime Disciplinar, artigos 116 a 142) e V (do Processo Administrativo Disciplinar, artigos 143 a 182).

    Entretanto, a Lei no 8.112/90 apresenta algumas lacunas relativas ao pro-cesso administrativo disciplinar que demandam integrao por meio de outras legislaes aplicveis, com destaque para as seguintes:

    a) Lei no 9.784/99 (Lei de Processo Administrativo) regula o processo ad-ministrativo no mbito da Administrao Pblica Federal. A aplicao das regras elencadas na Lei Federal n 9.784/99 aos processos administrativos disciplinares (regidos por lei especial Lei no 8.112/90) ser subsidiria, vale dizer, a lei geral incidir nas partes omissas e sempre que no houver disposio especial no Es-tatuto dos Servidores Pblicos Federais, como prev o artigo 69;

    b) Lei no 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) alm de trazer disposies para responsabilizar agentes pblicos por atos de improbidade, agrega aspectos especficos para o processo administrativo disciplinar, definindo os atos de improbidade administrativa e cominando penas passveis de serem aplicadas a agentes pblicos.

    Aplica-se ainda ao Processo Administrativo Disciplinar os princpios cons-titucionais regentes da Administrao Pblica, como os da legalidade, impes-soalidade, moralidade, publicidade e eficincia, alm de princpios processuais, tais como o do devido processo legal (due process of law), da ampla defesa, do contraditrio, da presuno de no culpabilidade etc. As normas do Cdigo de Processo Penal e do Cdigo de Processo Civil podem valer subsidiariamente no direito disciplinar, ou seja, desde que no haja norma especial regendo a matria.

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    2.2. Princpios Aplicveis

    Na tarefa da promoo da responsabilizao mediante processo adminis-trativo disciplinar deve atentar-se no somente aos princpios bsicos da Admi-nistrao Pblica previstos no artigo 37 da Constituio Federal. O processo administrativo disciplinar deve observncia aos demais princpios acautelados na Carta Magna. Desta forma, aos princpios setoriais expressos na Carta Magna somam-se os de carter mais amplo, ligados aos direitos individuais e aos pro-cessuais, cujos de maior relevncia encontram-se elencados a seguir:

    2.2.1. Princpio do Devido Processo Legal

    O princpio do devido processo legal est previsto no art. 5, inciso LIV, da Constituio Federal, e considerado o princpio fundamental do processo administrativo, eis que se configura a base sobre a qual os demais se sustentam. Representa, ainda, a garantia inerente ao Estado Democrtico de Direito de que ningum ser condenado sem que lhe seja assegurado o direito de defesa, bem como o de contraditar os fatos em relao aos quais est sendo investigado.

    Por esse princpio, nenhuma deciso gravosa a um determinado sujeito po-der ser imposta sem que, antes, tenha sido submetido a um processo cujo pro-cedimento esteja previamente previsto em lei, ou seja, impe o cumprimento dos ritos legalmente previstos para a aplicao da penalidade2. Nem mesmo um falta considerada leve pode ter sua penalidade aplicada sem obedincia aos ritos processuais estabelecidos na lei no. 8112/90.

    Nesse sentido, o artigo 143 da lei no. 8112/90:

    Art. 143. A autoridade que tiver cincia de irregularidade no servio p-blico obrigada a promover a sua apurao imediata, mediante sindicncia ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

    Da mesma forma, por se tratar de uma garantia constitucional, no pode a Administrao Pblica desobedecer os ritos previstos em lei visando uma maior agilidade. Esta eventual desateno aos ditames legais no pode ocorrer nem mesmo a pedido do acusado, por se tratar de direito indisponvel.

    No mesmo sentido, quando se fala em rito sumrio, previsto no artigo 133 da lei no. 8.112/90, a Administrao somente poder utiliz-lo para apurao das faltas de acumulao ilegal de cargos, empregos e funes pblicas, abando-

    2 MADEIRA, p. 54.

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    no de cargo e inassiduidade habitual, no cabendo ao gestor a apurao neste rito de outra falta disciplinar.

    2.2.2. Princpio da Ampla Defesa e do Contraditrio

    Pilares do devido processo legal disciplinados no art. 5, inciso LV, da Consti-tuio Federal e arts. 2, caput, e pargrafo nico, X, da Lei 9.784, de 29/01/99, facultam ao acusado/indiciado, durante todo o processo, a efetiva participao no processo, possibilitando-lhe a utilizao de todos os meios de defesa admiti-dos pelo ordenamento jurdico.

    O princpio da ampla defesa significa permitir a qualquer pessoa acusada o direito de se utilizar de todos os meios de defesa admissveis em direito. im-prescindvel que ele seja adotado em todos os procedimentos que possam gerar qualquer tipo de prejuzo ao acusado3. Portanto, deve ser adotado em todos os procedimentos que possam ensejar aplicao de qualquer tipo de penalidade ao investigado (sindicncia punitiva, PAD).

    No processo adminsitrativo disciplinar o princpio expresso no artigo 143 da Lei 8.112/90:

    Art. 143. A autoridade que tiver cincia de irregularidade no servio p-blico obrigada a promover a sua apurao imediata, mediante sindicncia ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa. (grifo nosso)

    No seu artigo 156, a Lei no. 8.112/90 vem esmiuar como poderia ser exercida a ampla defesa:

    Art. 156. assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermdio de procurador, arrolar e reinquirir testemu-nhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial.

    O princpio do contraditrio dispe que a todo ato produzido pela comisso caber igual direito de o acusado opor-se a ele ou de apresentar a verso que lhe convenha ou ainda de fornecer uma interpretao jurdica diversa daquela feita pela acusao4. No curso da apurao dos fatos e aps a notificao prvia, que comunica o servidor da deciso da comisso sobre a sua condio de acusado,

    3 MEDAUAR, p. 173.

    4 MEDAUAR, p. 171.

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    deve haver notificao de todos atos processuais sujeitos ao seu acompanha-mento, possibilitando ao acusado contradizer a prova produzida.

    2.2.3. Princpio do Informalismo Moderado

    O princpio do informalismo moderado significa, no processo administrativo disciplinar, a dispensa de formas rgidas, mantendo apenas as compatveis com a certeza e a segurana dos atos praticados, salvo as expressas em lei e relativas aos direitos dos acusados. Odete Medauar5 explicita que o princpio do infor-malismo moderado se traduz na exigncia de interpretao flexvel e razovel quanto a formas, para evitar que estas sejam vistas como um fim em si mesmas, desligadas das verdadeiras finalidades do processo.

    A sua previso legal est no artigo 22 da lei no. 9.784/99:

    Art. 22. Os atos do processo administrativo no dependem de forma deter-minada seno quando a lei expressamente a exigir.

    2.2.4. Princpio da Verdade Real

    Tambm chamado de princpio da verdade material, no se admitindo a verdade sabida no processo administrativo disciplinar. A Comisso Disciplinar deve buscar, na medida do possvel, o que realmente teria acontecido, no se contentando apenas com aquela levada ao processo pelos envolvidos6.

    Desse princpio decorre que a Administrao tem o poder-dever de tomar emprestado e de produzir provas a qualquer tempo, atuando de ofcio ou me-diante provocao, de modo a formar sua convico sobre a realidade ftica em apurao.

    Neste mesmo diapaso, temos que o nico efeito da revelia no processo adminsitrativo disciplinar o da nomeao de defensor dativo, no se reputando como verdadeiro os fatos imputados ao acusado.

    Nestes termos, o artigo 164 da lei no. 8.112/90:

    Art. 164. Considerar-se- revel o indiciado que, regularmente citado, no apresentar defesa no prazo legal.

    5 MEDAUAR, p. 176.

    6 MADEIRA, p. 50.

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    1o A revelia ser declarada, por termo, nos autos do processo e devol-ver o prazo para a defesa.

    2o Para defender o indiciado revel, a autoridade instauradora do pro-cesso designar um servidor como defensor dativo, que dever ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nvel, ou ter nvel de escolaridade igual ou superior ao do indiciado.

    2.2.5. Princpio da Presuno de Inocncia ou de no culpabilidade

    O princpio da presuno de inocncia, consagrado no artigo 5, inciso LVII, da Constituio Federal, estabelece que ningum ser considerado culpado at o trnsito em julgado de sentena penal condenatria. Por esse princpio, o acusado/indiciado durante o processo disciplinar e enquanto no houver deciso final condenatria deve ser considerado inocente. O nus de provar a respon-sabilidade da Administrao7.

    Em razo deste princpio no se pode tratar o acusado como condenado, impondo restries descabidas, ou sem previso legal.

    Os atos cautelatrios podero ser impostos ao acusado por no se tratar de medida que viole tal princpio, neste sentido o afastamento preventivo:

    Art. 147. Como medida cautelar e a fim de que o servidor no venha a influir na apurao da irregularidade, a autoridade instauradora do processo disciplinar poder determinar o seu afastamento do exerccio do cargo, pelo prazo de at 60 (sessenta) dias, sem prejuzo da remunerao.

    Pargrafo nico. O afastamento poder ser prorrogado por igual prazo, findo o qual cessaro os seus efeitos, ainda que no concludo o processo.

    Da mesma forma as medidas restritivas do artigo 172 da lei no. 8.112/90:

    Art. 172. O servidor que responder a processo disciplinar s poder ser exonerado a pedido, ou aposentado voluntariamente, aps a concluso do pro-cesso e o cumprimento da penalidade, acaso aplicada.

    7 MADEIRA, p. 52.

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    2.2.6. Princpio da Motivao

    O princpio da motivao surge como mais um instrumento de garantia da Administrao e dos administrados quanto ao atendimento do interesse pbli-co, revestindo-se, de certo modo, em uma forma de publicidade da vontade da Administrao estampada nos seus atos. Portanto, a razo e os fundamentos de qualquer deciso administrativa que implique restries a direitos dos cidados devem obrigatoriamente ser explicitados8.

    Nesse sentido o disposto no artigo 50 da lei n. 9.784/99:

    Art. 50. Os atos administrativos devero ser motivados, com indicao dos fatos e dos fundamentos jurdicos, quando:

    I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

    II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanes;

    III - decidam processos administrativos de concurso ou seleo pblica;

    IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatrio;

    V - decidam recursos administrativos;

    VI - decorram de reexame de ofcio;

    VII - deixem de aplicar jurisprudncia firmada sobre a questo ou discre-pem de pareceres, laudos, propostas e relatrios oficiais;

    VIII - importem anulao, revogao, suspenso ou convalidao de ato administrativo..

    3. Responsabilizao

    O servidor pblico federal que comete um ilcito no desempenho de suas atribuies poder responder pelo ato nas instncias civil, penal e administrativa (artigo 121 da Lei n 8.112/90). Essas responsabilidades possuem caractersticas prprias, sofrendo gradaes de acordo com as situaes que podem se apre-sentar como condutas irregulares ou ilcitas no exerccio das atividades funcio-nais, possibilitando a aplicao de diferentes penalidades, que variam de instn-cia para instncia. Dessa forma, falta do cumprimento dos deveres no exerccio da funo pblica ou em razo de transgresso de deveres ou proibies do

    8 MELLO, p. 108.

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    margem responsabilidade administrativa; danos patrimoniais causados Admi-nistrao Pblica ou a terceiros ensejam a responsabilidade civil; e a prtica de crimes funcionais e contravenes, a responsabilizao penal.

    3.1. Responsabilidade Administrativa

    A responsabilizao do servidor pblico decorre da Lei n 8.112/90, que lhe impe obedincia s regras de conduta necessrias ao regular andamento do servio pblico. Nesse sentido, o cometimento de infraes funcionais, por ao ou omisso praticada no desempenho do cargo ou funo, gera a respon-sabilidade administrativa (artigo 124), sujeitando o servidor faltoso imposio de sanes disciplinares. Em geral, os deveres e proibies ao servidor pblico esto previstos nos artigos 116, 117 e 132 da Lei n 8.112/909.

    Ao tomar conhecimento de falta praticada pelo servidor cabe Adminis-trao Pblica apurar o fato, aplicando a penalidade porventura cabvel. Na ins-tncia administrativa a apurao da infrao disciplinar ocorrer por meio de sindicncia contraditria ou de processo administrativo disciplinar (artigo 143). Isso porque o processo disciplinar lato sensu o instrumento de que dispe a Administrao para apurar a responsabilidade do servidor por infrao praticada no exerccio de suas atribuies, ou que tenha relao direta com as atribuies do cargo que ocupa (artigo 148).

    Importa registrar que ao servidor pblico investigado em sindicncia puniti-va ou em processo administrativo disciplinar so assegurados todos os direitos constitucionais, inclusive ao contraditrio e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (artigo 5, inciso LV, Constituio Federal).

    Uma vez comprovada a infrao disciplinar pela prpria Administrao P-blica por meio de sindicncia punitiva ou de processo administrativo disciplinar poder resultar, ao servidor pblico faltoso, a aplicao das sanes previstas no artigo 127 do Estatuto Funcional, a saber: I-advertncia; II-suspenso; III-demis-so; IV-cassao de aposentadoria ou disponibilidade; V-destituio de cargo em comisso; VI-destituio de funo comissionada.

    9 MEIRELLES, p. 494.

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    3.2. Responsabilidade Civil

    A responsabilidade civil do servidor pblico consiste no ressarcimento dos prejuzos causados Administrao Pblica ou a terceiros em decorrncia de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, provocados em decorrncia do exerccio de suas atribuies (artigo 122 da Lei no 8.112/90 e artigo 37, 6, da Constituio Federal). A responsabilidade civil do servidor pblico perante a Administrao subjetiva e depende da prova da existncia do dano, do nexo de causalidade entre a ao e o dano e da culpa ou do dolo da sua conduta. O dano pode ser material ou moral10.

    A Lei no 8.112/90 estabelece duas situaes em que o servidor poder ser chamado a ressarcir os prejuzos causados ao errio. Na primeira, quando cau-sar danos diretamente Administrao Pblica. Na segunda, quando causar da-nos a terceiros no exerccio da funo pblica11.

    Na hiptese de dano causado Administrao Pblica, prev o artigo 46 da Lei no 8.112/90, que a indenizao do prejuzo financeiro causado pelo servidor poder ocorrer ainda no mbito administrativo, mediante desconto autorizado do valor devido em folha de pagamento, aps regular processo administrativo cercado de todas as garantias de defesa do servidor, conforme prev o artigo 5, inciso LV, da Constituio Federal. A indenizao ao errio ser previamente comunicada ao servidor para pagamento, no prazo mximo de 30 (trinta) dias, podendo ser parcelada. O valor de cada parcela no poder ser superior a 10% (dez por cento) da sua remunerao. Quando o pagamento indevido houver ocorrido no ms anterior ao do processamento da folha, a reposio ser feita imediatamente, em nica parcela.

    Na hiptese de valores recebidos em decorrncia de cumprimento a de-ciso liminar, a tutela antecipada ou a sentena que venha a ser revogada ou rescindida, sero eles atualizados at a data da reposio. O servidor em dbito com o errio, que for demitido, exonerado ou que tiver sua aposentadoria ou disponibilidade cassada, ter o prazo de 60 (sessenta) dias para quitar o dbito. A no quitao do dbito no prazo previsto implicar sua inscrio em dvida ativa para cobrana por meio de ao de execuo judicial. O vencimento, a remunerao e o provento no sero objeto de arresto, seqestro ou penhora, exceto nos casos de prestao de alimentos resultante de deciso judicial (arti-gos 46 a 48).

    10 DI PIETRO, p. 588-589.

    11 MEIRELLES, p. 496.

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    A obteno do ressarcimento poder ocorrer, tambm, mediante Tomada de Contas Especial (TCE). A TCE um processo administrativo, regulamentado pela Instruo Normativa TCU n 56/2007, que visa apurao de responsa-bilidade pelos danos causados Administrao Pblica Federal e obteno do respectivo ressarcimento. A TCE tem a finalidade, portanto, de apurar os fatos, identificar os responsveis e quantificar o prejuzo causado ao errio. De acordo com o art. 1 da IN/TCU n 56/2007 c/c o art. 8 da Lei no 8.443/92 (Lei Orgnica do TCU), so determinantes para a instaurao de TCE a ocorrncia de pelo menos um dos seguintes fatos: a) omisso no dever de prestar contas; b) no comprovao da aplicao dos recursos repassados pela Unio, median-te convnio, contrato de repasse ou instrumento congnere; c) ocorrncia de desfalque, desvio ou desaparecimento de dinheiros, bens ou valores pblicos; e d) prtica de ato ilegal, ilegtimo ou antieconmico de que resulte dano Admi-nistrao Pblica Federal.

    No mbito judicial, geralmente o dbito regularmente apurado ser inscrito em dvida ativa da Unio e constituir ttulo executivo passvel de cobrana por intermdio de ao de execuo fiscal proposta pela Unio perante o Poder Ju-dicirio (Lei n 6.830/80). Entretanto, existem outras formas de ressarcimento judicial dos prejuzos causados ao errio pelo servidor, tais como a ao indeni-zatria (de ressarcimento ou reparatria) e a ao de improbidade administrati-va de que trata a Lei n 8.429/92.

    Destaque-se, pela relevncia, o Termo Circunstanciado Administrativo (TCA), instrumento processual desenvolvido pela Controladoria-Geral da Unio por meio da Instruo Normativa CGU n 4, de 17.02.2009, com o objetivo de solucionar os casos onde o dano ou o desaparecimento do bem ocorreu por conduta culposa do servidor, acarretando prejuzo inferior ao limite previsto para a dispensa de licitao (atualmente, no valor de R$ 8.000,00). O TCA ser objeto de detalhamento mais adiante neste Manual.

    3.3. Responsabilidade Penal

    A responsabilidade penal do servidor pblico decorre da prtica de infra-es penais (artigo 123) e sujeita o servidor a responder a processo crime e a suportar os efeitos legais da condenao. A responsabilidade penal decorrente das reas do Direito Penal e Processual Penal, cuja aplicao da penalidade deve ser definida pelo Poder Judicirio nos casos de conduta dolosa ou culposa, sem possibilidade de haver hipteses de responsabilidade objetiva. Se for comprova-

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    do o delito, o servidor ser responsabilizado criminalmente, devendo sofrer as sanes penais cabveis, que podero ser, conforme o caso, privao de liberda-de, restrio de direitos ou multa (artigo 32, incisos I, II e III, do Cdigo Penal).

    Para fins penais, o conceito de servidor pblico mais amplo e, de acordo com o artigo 327 do Cdigo Penal, considera-se funcionrio pblico quem, em-bora transitoriamente ou sem remunerao, exerce cargo, emprego ou funo pblica. Por sua vez, o pargrafo 1 do artigo 327 do Cdigo Penal equipara a funcionrio pblico quem exerce cargo, emprego ou funo em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de servio contratada ou conveniada para a execuo de atividade tpica da Administrao Pblica.

    Os principais crimes funcionais contra a Administrao Pblica esto tipifi-cados nos artigos 312 a 326 do Cdigo Penal, cujas sanes variam de acordo com o grau de lesividade aos princpios e interesses administrativos, e so pro-cessados mediante ao penal pblica incondicionada, proposta pelo Ministrio Pblico perante o Poder Judicirio.

    Embora a maioria das condutas delituosas contra a Administrao Pblica figure nos artigos supracitados do Cdigo Penal, isso no significa que outras transgresses do tipo no possam se somar quelas, responsabilizando igual-mente o servidor pblico na instncia criminal, mas desde que sejam previstas em leis federais especiais e extravagantes haja vista a competncia privativa da Unio em legislar sobre direito penal (artigo 22, inciso I, da Constituio Fede-ral) , exatamente para coibir ilcitos outros, preenchendo lacunas deixadas pelo Cdigo Penal brasileiro, visando proteger interesses administrativos12.

    Nesse sentido, cita-se a Lei Federal n 4.898/65, como exemplo, que dis-ciplina o abuso de autoridade (ou abuso de poder) que configure crime. Nessa mesma esteira, merece meno a Lei n 8.666/93 (Lei das Licitaes e Contra-tos Administrativos), tendo em vista que nos artigos 89 a 98 h tipificao de determinadas condutas consideradas criminosas.

    O procedimento de responsabilizao criminal dos servidores pblicos est previsto nos artigos 513 a 518 do Cdigo de Processo Penal, destacando-se nesse rito especial a possibilidade de resposta por escrito do servidor pblico antes de o juiz decidir quanto ao recebimento da denncia (artigos 514 e 516). Recebida a denncia pelo juiz, o processo seguir seu curso pelo rito ordinrio.

    Quando a infrao disciplinar estiver capitulada como crime, o respectivo processo dever ser remetido ao Ministrio Pblico para instaurao da ao penal cabvel, conforme artigos 154, pargrafo nico e 171 da Lei n 8.112/90.

    12 MEIRELLES, p. 500-501.

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    A remessa do processo disciplinar ao Ministrio Pblico Federal deve ocorrer aps a concluso, em decorrncia da observncia dos princpios da legalidade, do devido processo legal e da presuno de inocncia. Nada obstante, o proces-so disciplinar pode ser encaminhado pela comisso disciplinar a qualquer mo-mento autoridade instauradora, para que esta, se entender cabvel, e o caso assim o exigir, remeta ao Ministrio Pblico Federal.

    De acordo com as circunstncias do caso concreto, as sanes administra-tivas, civis e penais podero ser aplicadas ao servidor (artigo 125), sem que se considere dupla ou tripla punio para o mesmo fato irregular (princpio do non bis in idem).

    Todavia, embora se consagre, em princpio, a independncia das instncias, h situaes em que, uma vez decididas no processo penal, repercutem neces-sariamente nas instncias civil e administrativa. Excepcionalmente, o resultado do juzo criminal produzir efeitos no mbito disciplinar.

    Cabe registrar que o afastamento da responsabilidade administrativa ocor-rer nos casos de sentena penal absolutria que negue a existncia do fato ou a autoria. Portanto, se inexistiu o fato no resta qualquer tipo de responsabilidade. Da mesma maneira, a deciso penal que afasta a autoria no deve ser contraria-da nas demais instncias.

    A Lei no 8.112/90 e o Cdigo Civil brasileiro tratam a matria da seguinte forma:

    Lei n 8.112/90 Art. 126: A responsabilidade administrativa do servidor ser afastada no caso de absolvio criminal que negue a existncia do fato ou sua autoria.

    Cdigo Civil Art. 935: A responsabilidade civil independente da cri-minal, no se podendo questionar mais sobre a existncia do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questes se acharem decididas no juzo criminal.

    As provas produzidas no processo criminal podem ser insuficientes para a respectiva condenao, dadas as caractersticas prprias daquele juzo. Entre-tanto, o conjunto probatrio pode ser plenamente adequado para a apenao nas instncias administrativa e/ou civil, at porque sero produzidas indepen-dentemente do andamento do processo penal.

    A concluso de que o fato no caracteriza um crime tambm no inviabiliza o processo administrativo disciplinar, tendo em vista que esse mesmo fato pode configurar um ilcito funcional. Em outros termos, ainda que no tenha realizado

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    todos os elementos da definio legal do crime, o fato pode ser considerado suficientemente grave para a Administrao e estar enquadrado nas descries mais abrangentes da Lei no 8.112/90.

    Dessa forma, o servidor pblico pode ser absolvido na esfera penal, mas serem encontrados nos autos elementos caracterizadores de uma infrao dis-ciplinar, que a doutrina denomina de falta ou conduta residual13. Nessa circuns-tncia, se demitido aps apurada sua responsabilidade administrativa, o servidor no dever ser reintegrado, caso o processo criminal conclua pela absolvio por insuficincia de provas, vendo-se confirmada essa orientao na seguinte deciso exarada pelo Egrgio Supremo Tribunal Federal:

    FUNCIONRIO PBLICO DEMISSO ABSOLVIO CRIMINAL. Em-bora possa ter sido absolvido o funcionrio na ao penal a que respondeu, no importa tal ocorrncia a sua volta aos quadros do servio pblico, se a absolvi-o se deu por insuficincia de provas, e o servidor foi regularmente submetido a inqurito administrativo, no qual foi apurado ter ele praticado o ato pelo qual veio a ser demitido. A absolvio criminal s importaria anulao do ato demis-srio se tivesse ficado provada, na ao penal, a inexistncia do fato, ou que o acusado no fora o autor .

    (MS no 20.814, Relator Ministro: Aldir Passarinho, Data de Julgamento: 22.03.1991, STF Pleno, Data de Publicao: 24.05.1991)

    Sob outro ngulo, registre-se que a transao penal, prevista no artigo 98, inciso I da Constituio Federal, no inibe a apurao administrativa mediante processo administrativo disciplinar, haja vista que as infraes e respectivas san-es possuem fundamentos legais distintos e no se compensam.

    Nos casos em que a sentena penal condenatria for decorrente da prtica de crime funcional e que este tenha correlao com os deveres administrativos, a exemplo do crime de corrupo passiva (artigo 317 do Cdigo Penal), conduta havida tambm como ilcito administrativo, por violao do previsto no artigo 117, inciso XII, da Lei n 8.112/90, o fato enseja, consequentemente, a respon-sabilizao administrativa, na forma legal cabvel (artigos 63 e 64 do Cdigo de Processo Penal)14.

    Registre-se, ainda, que nos crimes praticados com abuso de poder ou viola-o de dever para com a Administrao Pblica, se a pena aplicada ao servidor for a privao da liberdade por tempo igual ou superior a um ano, um dos efeitos

    13 Smula n 18 do Supremo Tribunal Federal: Pela falta residual no compreendida na absolvio pelo juzo criminal, admissvel a punio administrativa do servidor pblico.

    14 CARVALHO FILHO, p. 703.

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    dessa condenao a perda do cargo, funo pblica ou mandato eletivo (artigo 92, inciso I, do Cdigo Penal), o mesmo ocorrendo no caso de condenao por crime de improbidade administrativa (artigo 12, inciso III, da Lei n 8.429/92). Note-se, porm, que os efeitos de que trata o artigo 92 do Cdigo Penal no so automticos, devendo ser motivadamente declarados na sentena, conforme dispe o pargrafo nico do dispositivo em tela, somente se efetivando a medida com a deciso penal transitada em julgado.

    Mas, caso haja condenao com aplicao de pena de privao da liberda-de por crime que tenha conexo com a sua funo pblica, duas hipteses de penalizao podem ocorrer: a) se a pena imputada for por tempo inferior a quatro anos, o servidor ficar afastado de seu cargo ou funo, perdendo o seu vencimento, sendo devido a seus familiares o auxlio-recluso, conforme dispe o artigo 229 da Lei n 8.112/90; b) se a pena for superior a quatro anos, o servi-dor perder o cargo, a funo pblica ou o mandato eletivo (artigo 92, inciso I, alneas a e b, do Cdigo Penal)15.

    3.4. Responsabilizao no mbito do Tribunal de Contas da Unio

    A regularidade de contas julgada pelo Tribunal de Contas da Unio TCU no impede a responsabilizao disciplinar do gestor, bem como o julgamento pela irregularidade das contas no necessariamente impe a responsabilizao disciplinar, conforme Parecer GQ-55 da AGU, de 30.01.1995, vinculante:

    ASSUNTO: Contraditrio, ampla defesa, prescrio e conseqncias do julgamento da regularidade de contas pelo Tribunal de Contas da Unio no processo administrativo disciplinar. [...] 29. A deciso do TCU, adotada em vista de sua funo institucional, repercute na ao disciplinar dos rgos e entidades integrantes da administrao pblica na hiptese em que venha negar especialmente a existncia do fato ou a autoria. 30. O julgamento da regularidade das contas, por si s, no indica a falta de tipificao de infrao administrativa [...].

    15 Art. 92 - So tambm efeitos da condenao: I - a perda de cargo, funo pblica ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes

    praticados com abuso de poder ou violao de dever para com a Administrao Pblica; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos

    demais casos.

  • 29

    4. Responsabilidade Disciplinar

    4.1. Abrangncia Objetiva

    Preliminarmente, cabe registrar que a Lei n 8.112/90 estabelece o regime disciplinar entre os artigos 116 e 142, definindo as infraes administrativas (ar-tigos 116, 117 e 132), as penalidades administrativas (artigos 127 e 129 a 135), a competncia para aplicao das penalidades (artigo 141) e o prazo prescricional (artigo 142). Lado outro, o processo administrativo disciplinar corresponde ao rito, sequncia ordenada de atos que compem o apuratrio e encontra-se disciplinado nos artigos 143 a 182 da referida Lei.

    A clareza quanto ao alcance do processo disciplinar de fundamental impor-tncia. A autoridade instauradora, quando do juzo de admissibilidade, verificar a pertinncia subjetiva e objetiva para determinar a instaurao do processo. A comisso processante conduzir as apuraes dentro dos limites fixados. Do mesmo modo, a autoridade julgadora proferir sua deciso atenta demarcao legal em comento.

    Antes de aprofundar nas abrangncias objetiva e subjetiva do processo dis-ciplinar, vale destacar que ato ilcito aquele comportamento contrrio ao or-denamento jurdico, podendo se revelar tanto na modalidade comissiva (ao) quanto na omissiva (omisso), e enseja a produo de efeitos negativos (sano). O ilcito administrativo-disciplinar, por sua vez, toda conduta do servidor p-blico que, no mbito de suas atribuies ou a pretexto de exerc-las, deixa de observar dever funcional ou transgride proibio prevista em lei.

    Cabe destacar que a apurao de responsabilidade disciplinar deve estar voltada para a suposta prtica de ato ilcito no exerccio das atribuies do cargo do servidor pblico, salvo hipteses previstas em legislao especfica. Tambm passvel de apurao o ilcito ocorrido em funo do cargo ocupado pelo ser-vidor que possua relao indireta com o respectivo exerccio. Ambas as hip-teses de apurao esto previstas no artigo 148 da Lei no 8.112/90, conforme transcrio abaixo:

    Art. 148. O processo disciplinar o instrumento destinado a apurar res-ponsabilidade de servidor por infrao praticada no exerccio de suas atribui-

  • 30

    es, ou que tenha relao com as atribuies do cargo em que se encontre investido.

    Extrai-se do artigo acima que a apurao recai sobre o quadro de servido-res pblicos e restringe-se s infraes funcionais listadas nos artigos 116, 117 e 132 da Lei n 8.112/90, bem como em leis especficas, no caso de determinadas carreiras.

    4.1.1. Atos da vida privada

    Os atos praticados na esfera da vida privada do servidor pblico em prin-cpio no so apurados no mbito da Lei no 8.112/90 e s possuem reflexos disciplinares quando o comportamento relaciona-se com as atribuies do car-go. Excetue-se, dessa regra, a previso legal especfica de irregularidade admi-nistrativa incita ao comportamento privado ou social do servidor, a exemplo da prevista no Estatuto da Atividade Policial Federal16 (Lei no 4.878/65).

    Naturalmente, o servidor pblico no escapa dos preceitos dos cdigos de tica ou de conduta, mas no haver necessariamente a incidncia de normas disciplinares sobre os mesmos atos. No mesmo sentido, a depender da natureza do ato, poder o agente ser responsabilizado nas esferas civil e/ou penal, sem que se cogite qualquer reprimenda disciplinar.

    Todavia, embora repisado que o processo administrativo disciplinar alcana atos praticados por servidores pblicos e que guardam vinculao com respec-tivo cargo pblico, o prprio Estatuto traz a ressalva de que a apurao pode abarcar infrao que tenha relao indireta com as atribuies do cargo.

    A exceo legal evidencia que o servidor poder ser processado por atos ou comportamentos praticados longe da repartio ou fora da jornada de traba-lho, inclusive na sua vida privada, desde que guardem relao direta ou indireta com o cargo ocupado, com as suas atribuies ou com a instituio a qual est vinculado.

    A este respeito, Di Pietro assevera que a m conduta na vida privada, para caracterizar-se como ilcito administrativo, tem que ter, direta ou indiretamente, algum reflexo sobre a vida funcional, sob pena de tudo, indiscriminadamente, poder ser considerado procedimento irregular (...)17.

    16 Exemplo de exceo: Estatuto da Polcia Civil da Unio e do Distrito Federal Lei no 4.878/65, artigo 43.

    17 DI PIETRO, p. 596.

  • 31

    No obstante a possibilidade trazida a lume, a repercusso disciplinar dos atos cometidos pelo servidor em sua vida privada uma exceo. Dito isto, resta-nos delimitar o alcance do regime disciplinar em relao a tais condutas, sem contudo afrontar as garantias de liberdade pessoal e de privacidade da pes-soa consagrados pela Constituio Federal18.

    O fundamento legal para eventual repercusso administrativa-disciplinar de atos da vida privada do servidor extrado do artigo 148 da Lei n 8.112/90, que prev a apurao de responsabilidade por infrao que tenha relao com as atribuies do cargo em que se encontre investido.

    A redao no deixa dvida acerca da abrangncia de condutas cometidas fora do estrito desempenho das atribuies do cargo, ou seja, os reflexos de eventual desvio de conduta do servidor ultrapassam os limites do espao fsico da repartio e as horas que compem sua jornada de trabalho. Incluem-se a perodos de frias, licenas ou afastamentos autorizados. Exige-se, porm, que as irregularidades tenham alguma relao, no mnimo indireta, com o cargo do servidor ou com suas respectivas atribuies, ou que de alguma maneira afetem o rgo no qual o infrator est lotado.

    Antnio Carlos Alencar de Carvalho recomenda que muita ponderao e cautela presidam a apreciao concernente repercusso administrativa da conduta da vida privada do servidor pblico. Defende o autor que s em ca-sos inquestionveis de prejuzo para a atividade funcional ou prestgio direto do funcionrio em face das atribuies especficas de seu cargo, prejudicadas pela ao consumada no mbito particular, que se pode discutir eventual apenao disciplinar19.

    Observada a existncia de uma relao pelo menos indireta com o cargo do suposto infrator, o ato privado poder ser enquadrado nos dispositivos da Lei n 8.112/90, por exemplo, como descumprimento dos deveres funcionais de lealdade instituio, de conduta compatvel com a moralidade administrativa ou de urbanidade para com as pessoas, bem como desrespeito s proibies de manifestaes de desapreo ou prtica da usura.

    Em sentido oposto, os atos cometidos pelo servidor que no tenham a m-nima pertinncia com o cargo no implicam repercusso disciplinar.

    Percebe-se que h outras sanes no meio social a que est sujeito o indiv-duo e no se pode pretender recorrer ao direito disciplinar pelo simples fato do

    18 Artigo 5, inciso X - so inviolveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenizao pelo dano material ou moral decorrente de sua violao;

    19 CARVALHO, p. 136-137.

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    responsvel pelo ato censurvel se tratar de um servidor pblico. Em resumo, a repercusso disciplinar sobre atos de vida privada residual e excepcional, amparada pela parte final do art. 148 da Lei n 8.112/90.

    4.1.2. Irregularidades cometidas antes da aposentadoria ou de pena expulsiva

    Firmada a noo de que o processo administrativo disciplinar o instrumen-to legal para apurar responsabilidade de servidor por infrao praticada no exer-ccio de suas atribuies, ou que tenha relao com as atribuies do cargo em que se encontre investido, infere-se que as supostas irregularidades ocorreram no perodo em que o infrator mantinha vnculo estatutrio com a Administrao.

    No escapa da apurao disciplinar o servidor removido ou redistribudo aps a prtica da infrao. Do mesmo modo, responder se j estiver ocupando novo cargo. A justificativa de que remanesce o poder-dever da Administrao de apurar os fatos irregulares de que teve conhecimento e, quando cabvel, o condenado sofrer a reprimenda prevista na Lei n 8.112/90.

    Nas hipteses acima suscitadas, em que se tem a manuteno do vnculo estatutrio, a competncia para instaurao ser da autoridade da unidade de lotao do servidor poca da infrao, independentemente da data da cincia da irregularidade pela Administrao. A regra aplicvel ao caso de investidura em outro cargo pblico federal, no mesmo ou em distinto rgo.

    Jos Armando da Costa ilustra a situao ora aventada:

    Se a falta somente veio chegar ao conhecimento do chefe quando o indigi-tado faltoso j havia sido removido para outro rgo regional, o processo, nesse caso, dever ser aberto pela autoridade sob cujo comando tenha ocorrido a falta, ainda que no mais esteja subordinado a esta o servidor removido20.

    No tocante ao julgamento, convm antecipar que se o acusado estiver ocu-pando novo cargo pblico federal em outro rgo, a deciso competir auto-ridade desse segundo rgo.

    Nesta linha, o Advogado-Geral da Unio, por meio do Aviso-AGU n 331, de 14.10.2010, aprovou o Parecer-MP/CGU/AGU n 01/2010, nos termos do Despacho do Consultor-Geral da Unio n 73/2010. Em que pese versar sobre a competncia ministerial para aplicar pena de demisso, os fundamentos indi-cam que a competncia para julgamento est vinculada ao poder hierrquico no

    20 COSTA, 2011, p. 202/203.

  • 33

    momento da referida deciso. Em outros termos, o acusado ser julgado pela autoridade a qual se encontra subordinado na data do julgamento.

    O caso em tela cingia-se definio da competncia para julgamento de processo, com proposta de demisso, envolvendo servidor lotado em autarquia do Ministrio das Minas e Energia, mas cuja transgresso teria ocorrido quando vinculado a autarquia do Ministrio da Fazenda, conforme Parecer-MP/CGU/AGU no 01/2010 abaixo:

    9. A quem compete julgar o PAD - certo que, nos casos de demisso do servidor, que constitui a proposta constante do relatrio, a competncia sempre do Presidente da Repblica (art. 141, I). Contudo, o Senhor Presidente da Repblica a delegou aos seus Ministros (Decreto n. 3.035, de 27.04.1999), para, no mbito dos rgos da Administrao Pblica Federal direta, autr-quica e fundacional que lhes so subordinados ou vinculados (art. 1), julgar processos administrativos disciplinares e aplicar penalidades, nas hipteses de demisso e cassao de aposentadoria ou disponibilidade de servidores (art. 1, I).

    10. Ento, se o processo devesse ser a ele remetido, nenhuma dificuldade quanto competncia surgiria. A dificuldade nasceu da delegao cometida a seus Ministros, para que agissem no mbito dos rgos da Administrao Pblica Federal direta, autrquica e fundacional que lhes so subordinados ou vinculados. Em sendo assim, parece-me que, se o servidor tivesse permane-cido na CVM [Comisso de Valores Mobilirios], no haveria dvida de que o Ministro competente, em razo da delegao, seria o Ministro da Fazenda. Tendo, porm, o servidor assumido cargo na Agncia Nacional do Petrleo, no pode o Ministro da Fazenda julgar o processo, sob pena de transpor os lindes da delegao que lhe foi outorgada e que est limitada aos rgos que lhe so subordinados.

    11. Em assim sendo, o Ministro competente para agir em nome do Presi-dente o Senhor Ministro de Minas e Energia, j que o servidor que responde ao processo no tem mais nenhuma vinculao com o cargo que anteriormente ocupava, e que, hoje, servidor efetivo da Agncia Nacional do Petrleo, Gs Natural e Biocombustveis - ANP, autarquia vinculada ao Ministrio das Minas e Energia.

    Do mesmo modo que a investidura em novo cargo e ou os deslocamentos do cargo originrio no representam bice instaurao de processo disciplinar, prevalece o entendimento de que o fim do vnculo funcional no empecilho para a apurao.

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    Nesta direo, manifestou-se a Advocacia-Geral da Unio (AGU), no Pare-cer-AGU n GM-1, vinculante, ao apontar a manuteno do processo e do regi-me disciplinares inclusive nos casos de desvinculao do servio pblico depois do cometimento da falta funcional:

    Ementa: No impeditivo da apurao de irregularidade verificada na administrao federal e de sua autoria o fato de os principais envolvidos terem se desvinculado do servio pblico, anteriormente instaurao do processo disciplinar. (...)

    9. Impe-se a apurao se o ilcito ocorre no servio pblico, poder-dever de que a autoridade administrativa no pode esquivar-se sob a alegao de que os possveis autores no mais se encontram investidos nos cargos em razo dos quais perpetraram as infraes (...).

    17. Embora a penalidade constitua o corolrio da responsabilidade ad-ministrativa, a inviabilidade jurdica da atuao punitiva do Estado, advinda do fato de alguns dos envolvidos nas transgresses haverem se desligado do servio pblico, no de molde a obstar a apurao e a determinao de au-toria no tocante a todos os envolvidos, inclusive em se considerando o plausvel envolvimento de servidores federais, bem assim o julgamento do processo, com a conseqente anotao da prtica do ilcito nas pastas de assentamentos funcionais, por isso que, em derivao dessa medida: (...)

    c) no caso de reingresso e no ter-se extinguido a punibilidade, por fora do decurso do tempo (prescrio), o servidor pode vir a ser punido pelas faltas investigadas no processo objeto do julgamento ou considerado reincidente (...).

    Sobre o assunto, destaque-se deciso do Superior Tribunal de Justia em relao ao seguinte julgado:

    Ementa: Mandado de segurana. Administrativo. Ministro dos Trans-portes. Ex-servidores do DNER. Procedimento administrativo. Apurao das irregularidades possivelmente cometidas quando no exerccio das respectivas funes. Possibilidade. Ausncia do alegado direito lquido e certo. No se vis-lumbra o alegado direito lquido e certo, considerando que a Administrao est, no exerccio de seu direito, apurando as possveis irregularidades dos im-petrantes, quando no exerccio de suas funes. Ordem denegada.

    (MS no 9.497, Relator Ministro: Jos Arnaldo da Fonseca, Data de Julga-mento: 10.03.2004, 3a Seo, Data de Publicao: 18.10.2004)

  • 35

    Enfrentando essa questo, a Comisso de Coordenao de Correio (CCC) da Controladoria-Geral da Unio aprovou o Enunciado n 2, de 04.05.2011, nos seguintes termos:

    EX-SERVIDOR. APURAO. A aposentadoria, a demisso, a exonerao de cargo efetivo ou em comisso e a destituio do cargo em comisso no obstam a instaurao do procedimento disciplinar visando apurao de irre-gularidade verificada quando do exerccio da funo ou cargo pblico.

    Assim sendo, a aposentadoria ou a aplicao de penas capitais decorrentes de outro processo administrativo disciplinar, no impedem a apurao de irre-gularidade praticada quando o ex-servidor encontrava-se legalmente investido em cargo pblico.

    Insta destacar que a Lei n 8.112/90 j preveu tais situaes dispondo sobre a penalidade cabvel no caso de ex-servidores que tenham cometido falta disci-plinar no exerccio da funo, a saber:

    a) o servidor faltoso que j se encontre aposentado est passvel de ter sua aposentadoria cassada (art. 134);

    b) aquele que foi exonerado do cargo a pedido, poder ter tal situao con-vertida em destituio do cargo comissionado ou em demisso (art. 135 e art. 172, p. nico, respectivamente).

    Ademais, eventual penalidade expulsiva tem o condo de frustrar o retorno do ex-servidor em caso de reintegrao administrativa ou judicial no primeiro processo em que sofreu a pena capital (art. 137). Convm observar que a por-taria que materializa a penalidade expulsiva deve ser formalmente publicada e a concluso registrada nos assentamentos funcionais do ex-servidor. A cautela visa tornar o ato jurdico perfeito e acabado, afastando eventual alegao de prescri-o da segunda irregularidade no caso de anulao da primeira sano.

    4.2. Abrangncia Subjetiva

    Oportuno iniciar o presente tpico com a leitura atenta do artigos 1 ao 3 da Lei no 8.112/90, razo pela qual sero transcritos a seguir:

    Art. 1: Esta Lei institui o regime jurdico dos servidores pblicos civis da Unio, das autarquias, inclusive as em regime especial, e das fundaes pbli-cas federais.

  • 36

    Art. 2: Para os efeitos desta Lei, servidor a pessoa legalmente investida em cargo pblico.

    Art. 3: Cargo pblico o conjunto de atribuies e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.

    Pargrafo nico. Os cargos pblicos, acessveis a todos os brasileiros, so criados por lei, com denominao prpria e vencimento pago pelos cofres p-blicos, para provimento em carter efetivo ou em comisso.

    Em sede disciplinar, verifica-se que o plo passivo sofre uma restrio em comparao com as esferas civil e penal. O processo administrativo disciplinar da Lein 8.112/90 limita-se aos agentes referidos nos artigos 2 e 3 do diploma legal em apreo.

    Observe-se que a abrangncia subjetiva no processo administrativo disci-plinar no se confunde com o conceito de funcionrio pblico oferecido pelo Cdigo Penal21, o qual abarca quem, embora transitoriamente ou sem remu-nerao, exerce cargo, emprego ou funo pblica, alm de incluir quem exer-ce cargo, emprego ou funo em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de servio contratada ou conveniada para a execuo de atividades tpicas da Administrao Pblica.

    A Lei de Improbidade Administrativa (Lei n 8.429/92) ainda mais abran-gente, considerando agente pblico todo aquele que exerce, ainda que transito-riamente ou sem remunerao, por eleio, nomeao, designao, contratao ou qualquer forma de investidura ou vnculo, mandato, cargo, emprego ou fun-o nas entidades mencionadas no artigo 1 do referido diploma legal22. E mais, a lei aplicvel, no que couber, quele que, mesmo no sendo agente pblico, induza ou concorra para a prtica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta23.

    21 Artigo 327: Considera-se funcionrio pblico, para os efeitos penais, quem, embora transitoria-mente ou sem remunerao, exerce cargo, emprego ou funo pblica.

    1 Equipara-se a funcionrio pblico quem exerce cargo, emprego ou funo em entidade pa-raestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de servio contratada ou conveniada para a execuo de atividades tpicas da administrao pblica.

    22 Artigo 2: Reputa-se agente pblico, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remunerao, por eleio, nomeao, designao, contratao ou qualquer outra forma de investidura ou vnculo, mandato, cargo, emprego ou funo nas entidades mencionadas no artigo anterior.

    23 Artigo 3: As disposies desta lei so aplicveis, no que couber, quele que, mesmo no sendo agente pblico, induza ou concorra para a prtica do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

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    Portanto, o grau de vinculao do agente com a Administrao Pblica re-vela se estar sujeito responsabilizao na esfera administrativa, independente-mente de figurar como ru segundo os amplos limites estabelecidos no Cdigo Penal e na Lei n 8.429/92.

    Importante destacar tambm que o processo administrativo disciplinar da Lei n 8.112/90 no alcana os empregados pblicos das empresas pblicas e sociedades de economia mista. Tais agentes, ainda que contratados mediante concurso pblico, so regidos pela Consolidao das Leis Trabalhistas CLT e no pelo regime estatutrio dos servidores pblicos. Isso no siginfica que os empregados pblicos das Estatais fujam responsabilidade disciplinar e adminis-trativa, uma vez que se submetem aos normativos internos que tais entidades venham adotar, podendo prever deveres e proibies a serem observadas por seus funcionrios e dispondo das penalidades cabveis no caso de conduta ina-dequada.

    Dessa forma, os sujeitos que interessam ao presente estudo so os ocupan-tes de cargos pblicos. Eis a abrangncia subjetiva do processo disciplinar da Lei n 8.112/90: servidores pblicos federais.

    Retornando aos dispositivos da Lei n 8.112/90, o conceito de servidor p-blico est ligado ao de cargo pblico, do qual sobressai a noo de que se trata de um conjunto de atribuies e deveres, a despeito de algumas compensaes e eventuais prerrogativas.

    Nesta linha, Maral Justen Filho apresenta o seguinte conceito de cargo p-blico: uma posio jurdica criada e disciplinada por lei, sujeita a regime jurdi-co de direito pblico peculiar, caracterizado por mutabilidade por determinao unilateral do Estado e por inmeras garantias em prol do ocupante24.

    O provimento dos cargos pblicos pode ser efetivo ou em comisso, conso-ante disposto no artigo 9 da Lei n 8.112/90, conforme abaixo:

    Art. 9 A nomeao far-se-:

    I em carter efetivo, quando se tratar de cargo isolado de provimento efetivo ou de carreira;

    II em comisso, inclusive na condio de interino, para cargos de con-fiana vagos. (Redao dada pela Lei n 9.527, de 10/12/97)

    Pargrafo nico. O servidor ocupante de cargo em comisso ou de natu-reza especial poder ser nomeado para ter exerccio, interinamente, em outro cargo de confiana, sem prejuzo das atribuies do que atualmente ocupa, hi-

    24 JUSTEN FILHO, p. 580.

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    ptese em que dever optar pela remunerao de um deles durante o perodo da interinidade. (Redao dada pela Lei n 9.527, de 10/12/97).

    A nomeao em cargo efetivo exige a aprovao em concurso pblico e aps trs anos de efetivo exerccio podem conferir estabilidade ao servidor p-blico. No entanto, poder figurar como acusado tanto o servidor estvel como aquele em estgio probatrio. No procede a restrio da garantia do processo disciplinar apenas ao primeiro. O inciso II do pargrafo 1 do artigo 41 da Cons-tituio Federal deve ser interpretado em harmonia com os incisos LIV e LV do artigo 5 da Carta Maior, restando assegurado a todos o devido processo legal e aos acusados em geral, mesmo em sede administrativa, o contraditrio e a ampla defesa.

    Assim sendo, grife-se que o processo disciplinar obrigatrio para a apu-rao de faltas disciplinares imputadas a servidor em estgio probatrio e, por conseguinte, plenamente cabvel a aplicao da penalidade de demisso. A pena expulsiva no se confunde com a exonerao decorrente de reprovao no estgio probatrio. Na segunda hiptese, o servidor ser exonerado (no demitido) por no ter satisfeito as condies do estgio probatrio e o ato no possui natureza de sano disciplinar.

    Ao lado dos cargos efetivos, esto os cargos em comisso (no qual se in-cluem os cargos do Grupo de Direo e Assessoramento Superiores DAS), cujo provimento transitrio e a nomeao livre, porm a exonerao tam-bm pode ocorrer a qualquer tempo.

    Sem adentrar em pormenores da diferenciao entre cargo em comisso e funo de confiana, anote-se a previso do artigo 37, inciso V, da Constituio Federal:

    Artigo 37, inciso V: as funes de confiana, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comisso, a serem pre-enchidos por servidores de carreira nos casos, condies e percentuais mnimos previstos em lei, destinam-se apenas s atribuies de direo, chefia e asses-soramento; (Redao dada pela Emenda Constitucional n 19, de 04.06.98)

    Depreende-se do dispositivo constitucional que os postos de direo, chefia e assessoramento podero ser atribudos a ocupantes de cargo efetivo (funo de confiana) ou providos por pessoas estranhas aos quadros do rgo (cargo comissionado).

    De qualquer forma, tanto os servidores pblicos ocupantes de cargos efe-tivos como em comisso estaro sujeitos a processo administrativo disciplinar.

  • 39

    A diferena que a eventual penalidade expulsiva contra ocupante de cargo em comisso (que no possui vnculo definitivo com a Administrao) consiste na destituio do cargo em comisso (inciso V do artigo 127 da Lei n 8.112/90), reservando-se a figura da demisso (inciso III do artigo 127 da Lei n 8.112/90) penalidade aplicvel aos servidores ocupantes de cargos efetivos.

    Questo interessante refere-se repercusso da destituio de cargo em comisso quando o agente ocupa cargo efetivo em outro rgo. O entendi-mento dominante de que se ambos os rgos pertencerem ao mesmo ente federado (por exemplo, dois rgos federais, independentemente se do Poder Executivo, Legislativo ou Judicirio) e forem disciplinados pelo mesmo Estatuto, a transgresso disciplinar perpetrada no exerccio de cargo em comisso re-percutir no cargo efetivo originrio. Ressalve-se os casos em que os cargos em comisso e efetivo so de diferentes entes federados, em virtude da autonomia que caracteriza a federao. Alerte-se sobre a exceo quando o ato cometido no cargo em comisso de outro ente federado configura infrao apenada com expulso em lei de aplicao nacional, a exemplo dos ilcitos previstos na Lei de Improbidade Administrativa (Lei n 8.429/92).

    Diante das consideraes trazidas acerca da abrangncia subjetiva do pro-cesso disciplinar, pode-se afirmar que o polo passivo ser ocupado por servidor pblico lato sensu, estvel ou em estgio probatrio em cargo efetivo, ou ocu-pantes de cargo em comisso e funo comissionada.

    4.2.1. Manuteno das vinculaes estatutrias do servidor pblico em frias, licenas ou outros afastamentos e conflito de interesses

    Durante os perodos de frias, licenas e outros afastamentos, o servidor pblico mantm o vnculo funcional com a Administrao Pblica, razo pela qual deve observar os deveres, obrigaes e impedimentos consignados no res-pectivo Estatuto.

    Conforme visto anteriormente, o artigo 148 da Lei n 8.112/90 abarca os atos irregulares indiretamente associados s atribuies do cargo do servidor faltoso. Assim, eventual falta disciplinar cometida nos perodos em tela ser pas-svel de apenao.

    Neste ponto, merecem realce a licena para tratar de interesses particula-res (artigo 91 da Lei n 8.112/90) e a licena incentivada (Medida Provisria n 2.174-28, de 24.08.2001). Em ambas as hipteses tem-se a inaplicabilidade da

  • 40

    proibio fixada no inciso X do artigo 117 da Lei n 8.112/90, que impede o ser-vidor de participar de gerncia ou de administrao de empresas e de exercer atos de comrcio. O pargrafo nico25 acrescentado pela Lei n 11.784/2008 ao referido dispositivo estatutrio, estendeu ao servidor licenciado para tratar de assuntos particulares o mesmo tratamento antes conferido pela citada Medida Provisria ao servidor que aderiu a licena incentivada. Colocou-se um ponto final na discusso sobre a falta de isonomia entre as duas espcies de licena.

    Todavia, observe-se que na parte final do inciso II do pargrafo nico do artigo 117 da Lei n 8.112/90, o legislador preocupou-se em rechaar eventual conflito de interesses. Vale dizer, a gerncia ou administrao de empresas e comrcio no podem resultar na prtica de outros ilcitos, tampouco configurar conflito de interesses entre o pblico e o privado26.

    Em que pese a ausncia de tipificao expressa do conflito de interesses, o servidor pblico licenciado permanece adstrito aos deveres funcionais, notada-mente de moralidade e de lealdade com a instituio.

    Mais uma vez, destacamos o magistrio de Antnio Carlos Alencar de Car-valho:

    65) Servidor em gozo de licena para tratar de assuntos particulares se sujeita ao poder hierrquico da Administrao Pblica e pode ser demitido em caso de exerccio de atividades incompatveis com o cargo ocupado.27

    Embora no tenha fora de lei e seja dirigida s altas autoridades sujeitas ao Cdigo de Conduta da Alta Administrao Federal, convm atentar para o teor da Resoluo Interpretativa da Comisso de tica Pblica (CEP) n 8, de 25.09.2003, na qual so encontradas balizas para a definio das situaes carac-terizadoras de conflito de interesses:

    25 Lei n 8.112/90, artigo 117: Ao servidor proibido: X - participar de gerncia ou administrao de sociedade privada, personificada ou no personi-

    ficada, exercer o comrcio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditrio; (Redao dada pela Lei n 11.784, de 22/09/08)

    Pargrafo nico: A vedao de que trata o inciso X do caput deste artigo no se aplica nos seguin-tes casos: (Todo o pargrafo acrescentado pela Lei n 11.784, de 22/09/08)

    I - participao nos conselhos de administrao e fiscal de empresas ou entidades em que a Unio detenha, direta ou indiretamente, participao no capital social ou em sociedade cooperativa constituda para prestar servios a seus membros; e

    II - gozo de licena para o trato de interesses particulares, na forma do art. 91 desta Lei, obser-vada a legislao sobre conflito de interesses.

    26 Referncias: Cdigo de tica Profissional do Servidor Pblico Civil do Poder Executivo Federal (aprovado pelo Decreto n 1.171/94), no Cdigo de Conduta da Alta Administrao Federal, de 18.08.2000, e no Decreto n 6.029/2007 (que estabelece o Sistema de Gesto da tica do Poder Executivo).

    27 CARVALHO, p. 1063.

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    Comisso de tica Pblica - Resoluo Interpretativa-CEP n 8, de 25.09.03.

    1. Suscita conflito de interesses o exerccio de atividade que:

    a) em razo da sua natureza, seja incompatvel com as atribuies do cargo ou funo pblica da autoridade, como tal considerada, inclusive, a ativi-dade desenvolvida em reas ou matrias afins competncia funcional;

    b) viole o princpio da integral dedicao pelo ocupante de cargo em co-misso ou funo de confiana, que exige a precedncia das atribuies do cargo ou funo pblica sobre quaisquer outras atividades;

    c) implique a prestao de servios a pessoa fsica ou jurdica ou a manu-teno de vnculo de negcio com pessoa fsica ou jurdica que tenha interesse em deciso individual ou coletiva da autoridade;

    d) possa, pela sua natureza, implicar o uso de informao qual a auto-ridade tenha acesso em razo do cargo e no seja de conhecimento pblico;

    e) possa transmitir opinio pblica dvida a respeito da integridade, moralidade, clareza de posies e decoro da autoridade.

    2. A ocorrncia de conflito de interesses independe do recebimento de qualquer ganho ou retribuio pela autoridade.

    Registre-se que, em 27.10.2006, por iniciativa da Controladoria-Geral da Unio, a Presidncia da Repblica encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei n 7.528/2006, que Dispe sobre o conflito de interesses no exerccio do cargo ou emprego do Poder Executivo Federal e impedimentos posteriores ao exerccio do cargo ou emprego.

    Consta do artigo 3 do Projeto de Lei as seguintes definies:

    I - conflito de interesses: a situao gerada pelo confronto entre interes-ses pblicos e privados, que possa comprometer o interesse coletivo ou influen-ciar, de maneira imprpria, o desempenho da funo pblica; e II - informao privilegiada: a que diz respeito a assuntos sigilosos ou aquela relevante ao pro-cesso de deciso no mbito do Poder Executivo Federal que tenha repercusso econmica ou financeira e que no seja de amplo conhecimento pblico.

    Por fim, cumpre-nos assinalar que a licena mdica nem sempre representa obstculo ao acompanhamento do processo administrativo disciplinar pelo ser-vidor, tampouco constitui bice demisso. Diante de alegaes dessa natureza, cabe comisso recorrer a junta mdica oficial, que indicar se de fato o motivo da licena impossibilita o servidor de acompanhar o feito. A orientao de que,

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    em caso positivo (servidor no rene condies de acompanhar o processo), se no houver procurador constitudo nos autos, que sejam suspensos os trabalhos da comisso.

    De se ressaltar que a licena mdica, independente de seu motivo, no obs-taculiza a aplicao da penalidade que foi precedida de procedimento disciplinar regular, no qual, naturalmente, o servidor acusado teve oportunidade de se de-fender pessoalmente ou por intermdio de procurador.

    4.2.2. Situao de servidores e empregados pblicos cedidos

    Da leitura do artigo 14328 da Lei no 8.112/90, verifica-se que a autoridade competente deve promover a imediata apurao de fatos supostamente irregu-lares cometidos no exerccio do cargo pblico e que lhe cheguem ao conheci-mento. Ou seja, a apurao dessa responsabilidade administrativa est ligada de forma indissocivel ao fato de o infrator exercer um cargo pblico poca do cometimento da infrao.

    Dessa feita, partindo-se da indisponibilidade do interesse pblico, questio-na-se como deve a Administrao agir nas hipteses de servidores pblicos fe-derais cedidos para Estatais e de empregados pblicos federais cedidos para a Administrao Direta, autrquica ou fundacional que cometem irregularidades funcionais contra Administrao Pblica.

    a) Servidores Pblicos Federais cedidos para Estatais

    O servidor pblico federal que comete irregularidade funcional enquanto cedido entidade Estatal pode ser responsabilizado pela Lei no 8.112/90. A aplicao de penalidade disciplinar que tenha impacto na relao estatutria exis-tente entre o servidor e a Unio est condicionada prvia apurao da falta cometida por meio de processo administrativo disciplinar, o qual, entre outros requisitos, instaurado por autoridade administrativa competente e conduzido por comisso composta por servidores estatutrios estveis, conforme prev os artigos 143 e 149 da Lei n 8.112/90. Dessa forma, cumpre entidade Estatal apurar internamente os fatos, sem prejuzo de encaminhar desde logo a notcia da irregularidade para o rgo de origem, a fim de que este instaure o compe-tente processo administrativo disciplinar.

    28 Art. 143. A autoridade que tiver cincia de irregularidade no servio pblico obrigada a pro-mover a sua apurao imediata, mediante sindicncia ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

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    b) Empregados Pblicos Federais cedidos para a Administrao Direta, autrquica ou funcional.

    O empregado pblico de estatal que comete irregularidade funcional en-quanto cedido Unio, suas autarquias ou fundaes para ocupar cargo em comisso, se sujeita ao processo administrativo disciplinar previsto na Lei n 8.112/90, uma vez que se encontra investido em cargo pblico. O processo dever ser instaurado pela autoridade competente do local do fato e conduzido sob observncia dos requisitos da lei. Ao seu fim, competir igualmente au-toridade do local do fato julgar o feito, uma vez que o empregado ocupa cargo pblico vinculado quela unidade e, portanto, nessa condio, submete-se sua estrutura hierrquica. De se frisar que, a depender da gravidade da infrao, a autoridade competente poder impor a pena de destituio do cargo em comis-so a teor do que dispe o art. 135 da Lei n 8.112/90.

    O resultado deste processo disciplinar deve ser encaminhado a sua empre-sa estatal de origem, para adoo das medidas cabveis, especialmente no que toca verificao dos reflexos no contrato de trabalho existente. Isto porque, ainda que cedido, o empregado pblico mantm sua relao de emprego com a estatal a qual se origina, devendo observncia aos seus regulamentos internos, inclusive no que diz respeito aos deveres e proibies a ele imposto.

    Cumpre ainda apontar que existem possibilidades nas quais o empregado pblico cedido a outras entidades de Direito Pblico sem a ocupao de car-go em comisso, mas por existir previso legal ou convnio entre a estatal e o ente pblico. De se ressaltar que, no caso de notcia de irregularidade envol-vendo tal agente, no cabe a instaurao de processo administrativo disciplinar em desfavor de empregado pblico, visto que ele no detm a prerrogativa de ter sua conduta apurada nos termos da Lei n 8.112/90. Todavia, impera, nes-sa situao, o dever da autoridade local de apurar as irregularidades que tiver conhecimento, a fim de elucidar a veracidade dos fatos e verificar o possvel envolvimento de outros agentes no caso. Sustenta-se ainda que, alm do dever de apurar, a autoridade do local dos fatos aquela que melhor rene condies de determinar a produo das provas necessrias para a comprovao ou no dos fatos tidos irregulares.

    Tal entendimento vai ao encontro de manifestao da Consultoria-Geral da Unio quando da anlise do caso de servidores cedidos a outros rgos. O assunto foi abordado pela Nota-Decor/CGU/AGU n 16/2008-NMS, na qual resta firmado o entendimento de que os processos de apurao de irregulari-dade devem ser preferencialmente instaurados no local de ocorrncia dos fatos e, ao seu fim, encaminhados para deciso da autoridade qual se vincula ori-

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    ginariamente o cargo originrio do servidor (esse assunto ser aprofundado no item 9.3).

    De modo que, pelos mesmos fundamentos, a autoridade competente de-ver determinar a apurao de todo indcio do cometimento de irregularidades por parte de empregado pblico no ocupante de cargo em comisso que est cedido unidade sob sua responsabilidade. A apurao dever ocorrer me-diante processo administrativo em que seja assegurado ao empregado pblico acusado os meios aptos para se defender, em consonncia com o que prev a Lei n 9.784/99.

    A concluso do apuratrio dever ser remetida empresa pblica qual se vincula o empregado pblico, para julgamento e/ou adoo das providncias cabveis, luz dos seus normativos internos e da CLT, aplicando, sempre que for o caso, a penalidade cabvel. Repisa-se aqui o dito anteriormente, acerca do em-pregado pblico dever observncia aos regulamentos internos de sua empresa, independente de se encontrar cedido.

    Necessrio destacar a responsabilidade da autoridade competente para apurao dos fatos, de sempre comunicar a empresa estatal da existncia de