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Manual do professor - CONTOS DE FADAS EM QUADRINHOS · Sobre o gênero Chamamos de Histórias em Quadrinhos um gênero textual que abarca dois modos de representação: a palavra

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Título Contos de fadas em quadrinhos: clássicos contados por extraordinários cartunistas

Páginas 128

Organizador Chris Duffy

Ilustração Bobby London et al.

Tradução Rosa Amanda Strausz

Idioma Língua Portuguesa

Categoria 1 (6o e 7o anos do Ensino Fundamental)

Tema (s) Aventura, mistério e fantasia

Gênero Literário Histórias em Quadrinhos

Interdisciplinaridade Com as áreas de Música, História, Geografia e Artes Plásticas

Sobre o gênero

Chamamos de Histórias em Quadrinhos um gênero textual que abarca dois modos de

representação: a palavra e a imagem visual. Portanto, trata-se de um gênero narrativo e

multimodal, cujas histórias são organizadas em uma sequência de pequenos quadros, o que

originou o seu nome. Por isso, consideramos os quadrinhos uma arte sequencial, com largo

alcance na cena contemporânea e com produções de alta qualidade e complexidade.

Elaboração do manual:Danielle Cristina Mendes Pereira

Doutora em Literatura Comparada e professora de Estudos Literários

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Conversa com o professorCaro professor, Os contos de fadas são histórias que permeiam o nosso imaginário, em uma escala mundial. Tal como os homens e as mulheres, as histórias também viajam e, assim são disseminadas e recebem novas roupagens de acordo com as culturas locais. Nesse processo, os contos e os recontos se misturam e formam teias culturais e literárias riquíssimas em torno de narrativas repletas de aventura, mistério e fantasia.

Desse modo, podemos compreender os contos de fadas como situados nas dinâmicas de reflexão sobre a experiência humana, seus valores, sentimentos e formas de viver e en-tender a realidade. Com isso, ressaltamos o caráter sempre atual de tais narrativas, uma vez que discutem aspectos pertinentes a nossa própria humanidade.

A obra Contos de fadas em quadrinhos intensifica essa atualidade e se aproxima do leitor jovem ao eleger o gênero História em Quadrinhos como meio literário. Em uma lin-guagem clara e multimodal, o livro franqueia aos alunos do 6º e do 7º ano do Ensino Fun-damental um universo criativo, que recupera e adapta histórias de vários autores e culturas. São histórias com forte simbolismo e capazes de guiá-los a reflexões sobre o comportamen-to humano, aguçadas pela própria estrutura das narrativas pertinentes aos contos de fadas, com finais muitas vezes em aberto ou com potencial para derivar outras aventuras.

Além disso, ao optar por adaptar os contos de fadas para o gênero História em Qua-drinhos, e, consequentemente, caracterizar-se como multimodal – pois na obra o visual e o escrito conectam-se e integram-se –, o livro inscreve-se na paisagem pós-moderna e ocupa lugar de destaque nas pesquisas mais recentes sobre os letramentos e a centralidade da ima-gem como meio de comunicação na cultura do século XXI. Dentro desse cenário, somos sobrecarregados por imagens a tal ponto que muitas vezes “olhamos” e não vemos, vítimas de uma apreensão anestesiada da visualidade.

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De tal maneira, a leitura de Contos de fadas em quadrinhos será um instrumento po-tente para romper com esta percepção anestesiada e sensibilizar o aluno para a leitura ino-vadora em um mundo sobrecarregado de imagens que clamam por reflexão. Ao ler a obra, o aluno terá a oportunidade de aprender com prazer, em uma linguagem que lhe é acessível e familiar, e, ao mesmo tempo, acionar um repertório milenar e universal, porém atualizado em novas dinâmicas de leitura.

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Quem escreveu a históriaOs contos de fadas fazem parte de um repertório universal, com origem arcaica e de autoria anônima. Desse modo, proliferam versões de diversas histórias com matrizes estruturais idênticas ou semelhantes, ainda que pertencentes a grupos culturais distintos.

Na obra em questão, Contos de fadas em quadrinhos, temos uma coletânea de narrati-vas adaptadas para o gênero das Histórias em Quadrinhos, organizadas por Chris Duffy e escritas e ilustradas por vários cartunistas norte-americanos, dentre os quais: Bobby Lon-don, Emily Carroll, Gilbert Hernandez, Vanessa Davis, Gigi D. G., Ramona Fradon, Jaime Hernandez, Luke Pearson, Brett Helquist, Joseph Lambert, Raina Telgemeier, Charise Me-ricle Harper, Graham Annable, Jillian Tamaki, Karl Kerschl, David Mazzucchelli e Craig Thompson. Na obra, Duffy também é responsável pela adaptação do conto “O príncipe e a tartaruga”. É importante notar que Duffy escolheu um número equilibrado de cartunistas homens e mulheres em sua equipe, o que vai ao encontro do processo de seleção de contos de fadas pensado por ele para a obra, com um número equivalente de personagens mascu-linas e femininas com protagonismo nas narrativas.

Duffy é editor de Histórias em Quadrinhos e, como tal, assume um trabalho quase in-visível, uma vez que se destacam nelas, sobretudo, o trabalho dos roteiristas e ilustradores – embora ele também atue como ilustrador. Ele tem larga experiência em sua área, com várias publicações, dentre as quais se destaca a coletânea em quadrinhos Nursery Rhimes Comics, indicada ao Prêmio Eisner de quadrinhos, obra com colaboração de cinquenta cartunistas que adaptaram diversas parlendas e cantigas de ninar.

Podemos perceber pontos comuns entre essas duas obras, uma vez que ambas adap-tam narrativas anônimas e coletivas para a linguagem das Histórias em Quadrinhos. Da mesma forma, o trabalho de editor orienta o tom das adaptações; isto é, ao convidar artis-

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tas e fornecer-lhes a tarefa de adaptação, processa-se, ao mesmo tempo, a escolha por um modo específico de realizar a nova escrita do conto, a partir do olhar estético do artista convidado. Ou seja, o trabalho do editor e organizador é fundamental para o delineamento da identidade da obra.

Originalmente, a obra foi escrita em língua inglesa. É graças à tradução competente de Rosa Amanda Strausz que podemos ler a sua versão em língua portuguesa. Jornalista e escritora premiada, a carioca Strausz recebeu o prestigiado Prêmio Jabuti.

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Mergulho no livro

Contos de fadas em quadrinhos é uma obra organizada em 2013 e publicada pelo selo Galera Record, em 2015. O livro propõe-se a apresentar na linguagem das Histórias em Quadrinhos – arte sequencial e multimodal – adaptações de contos de fadas. Inscreve uma categoria literária arcaica e tradicional, a dos contos de fadas, em um gênero contemporâneo, os quadrinhos, através do emprego de uma linguagem muito próxima à do adolescente atual e à da proposição, pela via da narrativa, de questões para reflexão sobre os valores e o comportamento humano.

A pesquisadora Nelly Novaes Coelho caracteriza os contos de fadas como narrativas antiquíssimas, que datam de cerca de 4.000 anos antes de Cristo, com manifestações em culturas orientais e ocidentais. De modo amplo, podemos reconhecer nos contos de fadas: a ausência de autoria subjetiva, a criação coletiva, a presença do maravilhoso e de cenário e personagens pertencentes ao universo medieval e/ou fantástico. Do mesmo modo, reco-nhecemos neles a indeterminação temporal, o que gera as frases iniciais clássicas de muitas destas narrativas, como “Era no tempo do Rei”, “No tempo em que os animais falavam”, ou a clássica “Era uma vez”.

Em relação a sua estrutura, destacamos a proposição de André Jolles, que percebeu tais contos como “formas simples”, de autoria não especificada e derivadas de imagens ar-quetípicas e coletivas. Como forma simples, o conto de fadas apresenta uma estrutura ca-racterizada pela abertura e pela flexibilidade, que permite o seu reconto sem que seja neces-sária a sua reprodução literal. Desse modo, o conto de fadas abre-se à possibilidade de uma renovação contínua.

Outro estudo interessante acerca dos contos de fadas foi o empreendido pelo pes-quisador russo Vladimir Propp, que estudou uma série de contos populares, em busca de

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estruturas fixas que pudessem caracterizá-los. Propp encontrou bases para descrever uma morfologia do conto maravilhoso, na qual propõe ideias como a existência de um número limitado de tipos de personagens e de ações por eles cometidas na narrativa.

Destaca-se na pesquisa de Propp a sua compreensão sobre o equilíbrio que circunda o conto popular, de modo que, por exemplo, a uma situação de proibição sucede-se a trans-gressão; em uma situação de dano, ocorrerá a reparação; assim como em uma situação de perda, haverá a recuperação, por exemplo.

Cabe dizer que, inicialmente, os contos de fadas não eram narrativas voltadas para crianças, por excelência. Se pensarmos no cenário histórico da Época Medieval, na qual muitos dos contos de fadas que circulam na contemporaneidade surgiram e foram dissemi-nados, podemos perceber a existência de uma ideia muito diversa de infância, se compara-da à de nosso tempo.

De fato, a criança na Idade Média era percebida como um adulto em miniatura e a relação desta com a família era feita em bases muito distintas, sem o reconhecimento de um sentimento de grande apego ao ser infantil, diante da grande mortalidade de crianças à época.

No mais, importa também compreender que o período considerado como infância era extremamente curto e se findava quando a criança tinha cerca de 7 anos, quando já es-taria apta ao trabalho no campo, se fosse um camponês. Diante desse cenário e do fato de haver uma maioria ágrafa na população medieval, sem representação na linguagem escrita, não havia uma literatura especificamente voltada ao público infantil.

Portanto, os contos de fadas circulavam também, e largamente, entre a população adulta, em narrativas que transmitiam visões de mundo e lições de moralidade. Suas te-máticas, nas versões medievais, tocavam em temas como violência e sexualidade, o que foi devidamente editado por autores como Perrault, os Irmãos Grimm e Andersen, posterior-mente, em suas adaptações. Abordam tarefas difíceis e desafios que devem ser superados pelos protagonistas, a fim de que alcancem sua realização.

Muitos dos temas relativos aos contos de fadas tratam simbolicamente de questões fundamentais para a sobrevivência na sociedade medieval, como o alimento, a posse da ter-ra, as relações com os poderosos e as doenças. O maravilhoso com seus elementos de fanta-sia insere-se nos contos – nas formas de fadas, bruxas, monstros, amuletos, poções e roupas mágicas – e apresenta estratégias para a resolução dos conflitos presentes nas narrativas.

As histórias adaptadas em Contos de fadas em quadrinhos preservam as características aqui mencionadas e apresentam narrativas multimodais significativas, nas quais a imagem visual e a palavra escrita conjugam um texto pleno de significados, com potencial para

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entreter e estabelecer o pensamento crítico, ao mesmo tempo. Aliam-se a oportunidade de divertir-se com as histórias às reflexões sobre questões como o papel feminino, a luta contra a fome e a opressão, e a compreensão sobre os objetivos pessoais, que estão presentes nas narrativas e colaboram para a formação do aluno como leitor e cidadão.

O processo de adaptação das histórias ocorre na transformação do gênero narrativo conto para o gênero das Histórias em Quadrinhos; além disso, por serem consideradas for-mas simples, essas histórias são recontadas a partir de outras perspectivas, em linguagem estética e vocabulário muito próximos do aluno e, ao mesmo tempo, por meio da inserção, em alguns contos, de rumos inesperados para histórias já conhecidas no imaginário po-pular, acréscimo capaz de conferir olhares inovadores que instigam os seus jovens leitores.

Nesse contexto, as ilustrações da obra estabelecem com o texto escrito relações múl-tiplas, em uma variação que se apresenta desde a confirmação do teor presente no texto escrito pela imagem visual até o acréscimo de informações ao leitor, através da combinação dos modos visual e escrito. Logo, as relações estabelecidas entre texto visual e texto escrito compõem a obra como um objeto estético, de modo complementar.

É importante sublinhar que o processo de adaptação deve ser pensado como o de uma releitura, a qual implica uma dinâmica de nova escrita. Na obra em questão, não se quer fidelidade absoluta às narrativas dos contos de fadas, mas a inserção de novas possibilidades de compreensão do universo simbólico por elas semeado, o que se intensifica pela própria estrutura aberta e flexível do gênero.

Por outro ângulo, é necessário compreender que não há contos de fadas originais, uma vez que estes são frutos de criação coletiva que se abre a múltiplas versões, tendo sido fixados no suporte escrito muito tempo após as suas criações, por autores como Charles Perrault, no fim do século XVII, e os Irmãos Grimm e Hans Christian Andersen, no século XIX, como mencionado anteriormente.

Para a tarefa de adaptação, o ilustrador e editor da obra, Chris Duffy, leu e selecio-nou várias versões de contos de fadas a partir de alguns critérios. Foram eles: a presença de contos oriundos de contextos culturais diversos, a seleção tanto de contos amplamente conhecidos, como de contos pouco divulgados na cultura ocidental, e o equilíbrio de pro-tagonistas masculinas e femininas nas histórias adaptadas.

Assim, foram selecionados tanto contos famosos como os de origem europeia – por exemplo, na adaptação dos Irmãos Grimm – como de origem japonesa, indígena, africana e árabe, nesse caso específico, pela adaptação de “As mil e uma noites”. Embora muitas das adaptações de origem não europeia tenham sido coletadas em livros traduzidos por autores europeus ou americanos, persiste o desejo de apresentar e promover um conhecimento

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mais amplo e plural em relação aos contos de fadas. Portanto, a escolha dos contos em Con-tos de fadas em quadrinhos configura um olhar que valoriza a perspectiva multicultural e a igualdade de gênero, em uma agenda engajada com questões da pós-modernidade.

Embora a obra não se proponha a estabelecer versões completamente inversas ou es-critas pela chave da paródia, as pequenas intervenções presentes em algumas das versões ressaltam representações femininas mais potentes, que independem da ajuda de um per-sonagem masculino, às vezes, ou que dão voz a um personagem feminino. Como exemplo, em “As 12 princesas dançarinas”, na versão da cartunista Emily Carroll, é a filha mais nova quem decide casar-se com o herói, a despeito da promessa de seu pai.

Além disso, em “As 12 princesas dançarinas” deparamo-nos com um enigma a ser desvendado, posto como prova para o protagonista masculino, um rapaz pobre. O conto encaixa-se no que Bruno Bettelheim compreende como um conto que aborda a questão da mediocridade, o que daria ao leitor infantil e juvenil a ideia de que mesmo o sujeito mais incapacitado e ingênuo poderia realizar seus sonhos. Essa perspectiva repete-se em outras narrativas como “O gato de botas” e “Os músicos de Bremen”, por exemplo.

Outros motes clássicos dos contos de fadas aparecem no livro, como o reconheci-mento de outro personagem por parte do protagonista, que aparece em “O príncipe e a tartaruga”, ‘Rapunzel” e “Dentinho, o cachorro”, e como o desafio dado ao personagem pro-tagonista como parte de sua realização, presente em “As 12 princesas dançarinas”, “Rupels-tiltskin”, “Baba Yaga” e “Tremendo de medo”. Em “O menino que desenhava gatos”, por sua vez, embora exista uma prova vencida pelo protagonista, este a cumpre sem consciência de seu potencial. E segue sem compreender por que as pessoas não aceitam seu único desejo: o de ser um desenhador de gatos.

“O menino que desenhava gatos” apresenta um desfecho que não resolve a situação inicial do protagonista, assim como desestabiliza a sua condição de herói, pois, apesar de todos assim o considerarem, ele não se vê deste modo. Outras narrativas da obra apresen-tam o mesmo desfecho insólito, como, por exemplo, “O coelho não vai ajudar” e “A história sem fim de Azolino” que, ironicamente, termina e, ao mesmo tempo, continua a fazer jus ao título.

São narrativas sem uma preocupação focada no aspecto moral, como em “Mingau doce”, “João e Maria”, “Branca de Neve” e “Rapunzel”. O ponto central passa a ser ou uma busca incessante por sua identidade, como em “O menino que desenhava gatos”, ou estraté-gias de resistência diante da opressão, como em “A história sem fim de Azolino”.

Mesmo nas adaptações dos contos de fadas mais clássicos, podemos perceber na obra traços inovadores, sobretudo no que tange ao final das histórias, que se instauram para

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além do “felizes para sempre”. Nesse sentido, as histórias revelam continuações que trazem decisões inesperadas sobre as personagens, como o final da madrasta de João e Maria, que passa a obedecer aos meninos, o de Chapeuzinho Vermelho, que sai para um piquenique com a avó, ou da madrasta de Branca de Neve, que termina por arder no inferno.

Outro ponto a destacar é a presença de referências oriundas do universo cultural pop nas ilustrações, que também orientam novos olhares para os contos de fadas, atualizando--os e tornando-os mais próximos de seus leitores adolescentes. A isso, alia-se o diálogo com a linguagem do cinema, como pode ser visto em “As 12 princesas dançarinas”, com quadri-nhos que emulam imagens e ângulos produzidos pela câmera.

Portanto, podemos compreender em Contos de fadas em quadrinhos um diálogo in-tenso entre um repertório cultural, amplo e fundamental para se pensar o imaginário cole-tivo, e questões pertinentes às culturas da pós-modernidade e suas linguagens, o que con-tribui para a formação de nossos alunos como leitores críticos e capazes de pensar a partir de estruturas narrativas multimodais sobre comportamentos e valores humanos.

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Pré-leitura Como preparação para o trabalho junto a sua turma em torno da obra Contos de fadas em quadrinhos consideramos importante a leitura da obra Quadrinhos e arte sequencial, de Will Eisner. O livro aborda elementos fundamentais sobre a linguagem do gênero Histórias em Quadrinhos. Do mesmo modo, aconselhamos conhecer A leitura dos quadrinhos, de Paulo Ramos.

Sobre os contos de fadas, sugerimos a leitura da obra de Nelly Novaes Coelho, O conto de fadas: símbolos, mitos e arquétipos. Como complemento, seria interessante também ler os livros O grande massacre de gatos, de Robert Darnton; Morfologia do conto maravilhoso, de Vladimir Propp; e A psicanálise dos contos de fadas, de Bruno Bettelheim, os quais propõem visões sobre os contos de fadas sob os ângulos dos estudos históricos, da crítica estrutura-lista e da psicanálise, respectivamente.

Em relação ao trabalho com a turma, recomendamos que esta seja preparada a partir das seguintes atividades:

• Pedir a turma que se divida em grupos e pesquise o que são contos de fadas, pensan-do, cada grupo, em um exemplo.

• Ir à biblioteca com a turma e pesquisar livros do gênero, incentivando a turma à lei-tura.

• Conversar sobre os contos de fadas e questionar se são contos apenas para crianças. Falar sobre as principais características e tipos de personagens dos contos de fadas.

• Escolher um conto de fadas e lê-lo com a turma. Pedir que os alunos reescrevam o conto, pensando-o a partir de um contexto contemporâneo ou inserindo um novo final.

• Levar a turma a apresentar as adaptações dos contos para os demais alunos.

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• Conversar sobre as principais características das Histórias em Quadrinhos e orientar os estudantes para a adaptação do conto reescrito para a linguagem em quadrinhos.

• Convidar um quadrinista para conversar com a turma, por videoconferência ou pes-soalmente.

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Pós-leitura Após a leitura da obra Contos de fadas em quadrinhos com a turma, recomendamos a organização de atividades pedagógicas que potencializem a capacidade de compreensão e análise crítica por parte dos alunos. Nesse sentido, sugerimos a realização das seguintes atividades:

• Converse com a turma sobre a obra. Pergunte sobre as narrativas de que mais gosta-ram e solicite que comentem sobre elas. Leve os alunos a refletirem sobre os pensa-mentos e sentimentos que a leitura das narrativas despertou neles.

• Explore os sentidos presentes tanto no texto escrito, como no visual. Mostre como a ilustração ocupa um papel vital na obra em quadrinhos, ao acrescentar novos elemen-tos para a interpretação textual. Discuta os processos de interação entre texto visual e texto verbal presentes nos contos dos livros.

• Peça aos estudantes para escolher as ilustrações que considerem mais relevantes. Soli-cite que escrevam um texto a partir destas ilustrações.

• Divida a turma em grupos. Peça a cada grupo para escolher um conto do livro e adap-tá-lo para a linguagem do cinema, filmando-o.

• Exiba para os alunos o filme Malévola. Organize um debate com os alunos sobre a obra e o papel do personagem feminino dentro dela.

• Peça aos alunos que escolham uma das narrativas do livro, na qual apareça um per-sonagem feminino. Solicite aos alunos um texto em que compare a construção do personagem feminino no conto escolhido e no filme Malévola.

• Solicite aos alunos que pesquisem outros contos de fadas e os adapte para a linguagem das Histórias em Quadrinhos. Imprima a coletânea e a disponibilize na biblioteca da escola ou faça uma exposição da mesma nos murais da escola.

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InterdisciplinaridadeInterdisciplinaridade é um conceito dos meados da década de 1960, surgido na França, a fim de atender a reivindicações de ordem social, política e econômica que não encontravam respostas em uma única área de saber ou disciplina. No Brasil, a interdisciplinaridade aparece nas últimas Leis de Diretrizes e Bases (LDB) e nos Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação Nacional (PCNs).

Apesar de ser um conceito, atualmente, bastante conhecido, ainda encontramos resis-tência, aqui e ali, na utilização de métodos interdisciplinares em suas rotinas. O trabalho interdisciplinar exige planejamento coletivo, a fim de abarcar conteúdos e atender a objeti-vos de interesse de mais de uma disciplina.

A obra Contos de fadas em quadrinhos é um instrumento potente para o trabalho in-terdisciplinar, pois apresenta elementos significativos para aplicação em múltiplas áreas do ensino. Propomos, aqui, uma abordagem interdisciplinar a partir da obra que envolva as áreas de Língua Portuguesa e Literatura, Música, História, Geografia e Artes Plásticas.

Propomos a construção de um projeto interdisciplinar em torno das áreas supracita-das, nas quais podem ser elaboradas, em parceria, atividades como:

• Estudo do contexto histórico dos contos de fadas, e, a partir dele, construção de uma feira cultural medieval, com a participação dos alunos. Na feira, podem acontecer apresentações de esquetes, poemas, narrativas curtas, pinturas e músicas relativas ao universo da Idade Média e dos contos de fadas;

• Mapeamento geográfico dos grupos culturais aos quais as narrativas estão atreladas;• Construção de livro de Histórias em Quadrinhos, com contos de fadas pesquisados e

adaptados pelos alunos.As atividades aqui elencadas são conexas e podem ser feitas em conjunto pela equipe

de professores das áreas mencionadas.

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Para saber mais...Ariès, Philippe. História social da criança e da família. São Paulo: Editora LTC, 2017. Bettelheim, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1978.Coelho, Nelly Novaes. O conto de fadas: símbolos, mitos, arquétipos. São Paulo: Editora DCL, 2003.Darnton, Robert. O grande massacre dos gatos e outros episódios da história cultural fran-cesa. Rio de Janeiro: Editora Graal, 2011.Eisner, Will. Quadrinhos e arte sequencial. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1989.Goldin, Daniel. Os dias e os livros: Divagações sobre a hospitalidade da leitura. São Paulo: Editora Pulo do Gato, 2012.Jolles, André. Formas simples. São Paulo: Editora Cultrix, 1976.Nikolajeva, Maria; SCOTT, Carole. Livro ilustrado: palavras e imagens. São Paulo: Editora Cosac Naify, 2011.Propp, Vladimir. Morfologia do conto maravilhoso. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2006.Ramos, Paulo. A leitura dos quadrinhos. São Paulo: Editora Contexto, 2009.

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