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Uma Batalha de Honra Margaret Moore Uma Batalha de Honra A warrior's passion Margaret Moore Clássicos Históricos nº 149 Série WARRIOR – Vol. 9 UM HOMEM DE PODER, PACIÊNCIA E PAIXÃO! Bretanha. Poder... Quando Griffydd DeLanyea chegou ao porto de Dunloch, imaginava que sua estada não se estenderia por mais do que quinze dias. O que ele não sabia era que Diarmad MacMurdoch, o homem que fora encontrar, estava interessado em mais que uma simples aliança comercial... Paciência... Griffydd sempre acreditara que as boas coisas da vida chegavam para aqueles que sabiam esperar, mas o galês jamais havia desejado alguma outra coisa como desejava Seona, a filha de Diarmad... Paixão... Fosse na batalha, fosse no amor, Griffydd preferia guardar os sentimentos com cuidado. Mas chegaria o dia em que Seona seria sua esposa Este é um Livro, sem fins lucrativos e de fãs para fãs. A comercialização deste produto é estritamente proibida. Digitalizado e revisado: Judith Lima 1 Clássicos Históricos - 149

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Uma Batalha de Honra Margaret MooreUma Batalha de Honra A warrior's passion !Margaret Moore !

��� !Clássicos Históricos nº 149 Série WARRIOR – Vol. 9 !UM HOMEM DE PODER, PACIÊNCIA E PAIXÃO! !Bretanha. Poder... Quando Griffydd DeLanyea chegou ao porto de Dunloch, imaginava

que sua estada não se estenderia por mais do que quinze dias. O que ele não sabia era que Diarmad MacMurdoch, o homem que fora encontrar, estava interessado em mais que uma simples aliança comercial...

Paciência... Griffydd sempre acreditara que as boas coisas da vida chegavam para aqueles que sabiam esperar, mas o galês jamais havia desejado alguma outra coisa como desejava Seona, a filha de Diarmad...

Paixão... Fosse na batalha, fosse no amor, Griffydd preferia guardar os sentimentos com cuidado. Mas chegaria o dia em que Seona seria sua esposa !!

Este é um Livro, sem fins lucrativos e de fãs para fãs. A comercialização deste produto é estritamente proibida. !Digitalizado e revisado: Judith Lima !

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Uma Batalha de Honra Margaret MooreWarrior

1. A Warrior's Heart (1992) 2. A Warrior's Quest (1993) 3. A Warrior's Way (1994) 4. The Welshman's Way (1995) 5. The Norman's Heart (1996) 6. The Baron's Quest (1996) 7. A Warrior's Bride (1998) 8. A Warrior's Honor (1998) 9. A Warrior's Passion (1998) 10. The Welshman's Bride (1999) 11. A Warrior's Kiss (2000) 12. The Overlord's Bride (2001) 13. A Warrior's Lady (2002) 14. In the King's Service (2003) !!!

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore CAPÍTULO I !!Seona MacMurdoch soluçou e limpou o nariz com o dorso da mão. Segurando

o xale de lã sobre os ombros, ergueu a cabeça e olhou para o céu cinzento. Nenhum sinal da luz do sol e, no hall de pedras contíguo, nenhum som que

pudesse indicar a razão do chamado do pai. Infelizmente, nada havia a ser feito além de esperar que o chefe a chamasse ou

enviasse um de seus homens para buscá-la, supondo que ele lembrasse que à certa hora daquela manhã sua presença fora requisitada.

Respirando o cheiro da terra molhada sob os pés e do sapé molhado sobre a cabeça, limpou novamente o rosto e suspirou com resignação. Depois apoiou as costas na parede, e as chaves de ferro presas ao cinto em torno de sua cintura delgada tilintaram. O olhar alcançava as montanhas que se debruçavam sobre a baía além da fortaleza paterna. De onde estava, podia ver os portões abertos e o porto, onde os navios mercantes da frota de seu pai estavam atracados.

Embora fossem embarcações pesadas, mais largas que longas, os cascos polidos e as proas curvas indicavam a herança nórdica de Diarmad MacMurdoch. Ele e seu povo eram descendentes de escoceses e noruegueses instalados na costa noroeste da Bretanha.

Os outros navios, as embarcações mais longas, estavam atracados em outro local, longe dos olhos do vilarejo e dos comerciantes que visitavam Dunloch.

— Seona! A voz estrondosa do pai assustou-a. Ela ecoava entre as paredes de pedra do

hall como se houvesse soado no interior de uma caverna. No entanto, antes que pudesse atender ao chamado, os guerreiros do conselho

de Diarmad MacMurdoch surgiram na entrada e passaram por ela. O encontro seria privado? Seona estremeceu e convenceu-se de que a reação

era provocada pelo ar frio e úmido da primavera, não pelo temor de ter cometido algum erro.

Envolta nas volumosas camisas amarelas chamadas leine chroich, cuja cor demonstrava a riqueza e o status do grupo, protegidos contra o frio e a chuva por brats, longas peças de tecido que eles amarravam aos largos cintos de couro de forma que caíssem soltas até os joelhos nus como saiais, os queixos envoltos por cuarans de pele de cervo seguras por pinças, os guerreiros nem notaram a presença da filha do chefe ao passarem por ela.

Não que não a vissem ali parada com ar desolado, ou que não soubessem que estava sendo esperada pelo pai. A atitude distante era uma forma de demonstrar o respeito pelo homem que os comandava. Diarmad MacMurdoch passava semanas

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Uma Batalha de Honra Margaret Mooresem dirigir uma única palavra à filha, como se nem tomasse conhecimento de sua existência.

Seona não queria ser notada pelos guerreiros. Desde que atingira a idade de se casar, havia decidido que preferia ser ignorada por todos eles.

Também não queria ver o temor em seus olhos caso Diarmad MacMurdoch decidisse forjar um laço de família com algum deles. Preferia permanecer solteira e inútil, como o pai sempre a descrevera.

Teriam idéia do que sentia diante da perspectiva de tornar-se esposa de um deles? Pensariam que o rubor em seu rosto era provocado pelos sorrisos maliciosos, e não pela certeza de que todos os homens a consideravam feia e sem graça?

— Seona! — o pai gritou novamente. Obediente, ela entrou no hall cavernoso. Não havia janelas e a única ventilação era proveniente da porta coberta e de um buraco no teto de sapé. Um fogo pálido queimava na lareira central, e a fumaça contribuía para a obscuridade.

Apesar da ausência de luz, sabia onde o pai estaria, por isso avançou confiante, como um cego que se move em um aposento familiar.

Envolto no robe negro de pele de urso, o chefe de Dunloch esperava em um banco no extremo oposto do hall, as costas voltadas para a parede. Uma gargantilha de prata cintilava em seu pescoço, realçando o brilho dos olhos que a fitavam com desaprovação sob sobrancelhas tão negras quanto a pele que o aquecia. A barba e os cabelos, recentemente mesclados por mechas prateadas, também haviam sido negros um dia. Apesar da idade, aquele ainda era um homem perigoso que os inimigos deviam respeitar, fosse no comércio ou na guerra.

— Pediu minha presença, pai? — Nunca pedi uma filha — ele respondeu com tom hostil. Seona não respondeu. O anúncio não a surpreendia. Na verdade, testemunhara

o mesmo sentimento expresso diversas vezes. O chefe inclinou-se para a frente. — Você é a mulher mais esquelética que já vi. — Eu sei — ela disse, tentando imaginar aonde levariam as críticas

preliminares. Muitas vezes ele a criticara pelo rosto pálido, pela estranha coloração dos

cabelos, pelos olhos grandes e a boca larga, pelo corpo magro e os lábios carnudos. Dizia que ela havia herdado as características da família materna, que só produzira uma mulher digna de ser olhada, aquela que Diarmad tomara por esposa.

— Para sua sorte, talvez ainda possa usá-la para alguma coisa. — Que tarefa tem para mim? — Seona perguntou, certa de que seria

incumbida de providenciar suprimentos para os navios ou comida para os homens que ele comandava.

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Teremos um visitante muito importante. Ele é de Gales, filho de um barão

rico e poderoso. Virá para concluir um acordo comercial. — Cuidarei para que os aposentos sejam preparados de maneira adequada. E

providenciarei acomodações para seus homens também. — Ele não trará comandados. Seona estranhou o anúncio, mas respirou aliviada. A tarefa seria muito mais

simples se o visitante não se fazia acompanhar por um bando de guerreiros. — Enviei um de meus navios para trazê-lo até aqui, e o pai dele mandou-o

sozinho para demonstrar confiança em mim. Era difícil disfarçar a incredulidade. A reputação de seu pai não costumava

gerar muita confiança entre seus parceiros comerciais. Não que Diarmad MacMurdoch houvesse deixado de cumprir sua palavra ou

lesado algum aliado. Nunca. Mas ninguém jamais saíra de um negócio com ele levando a sensação de ter feito uma transação justa, e nisso estavam certos.

— Muito bem, pai. — Seona preparou-se para partir. — Cuidarei para que tudo seja preparado.

— Ainda há mais. — Sim, pai? — Deve cuidar também para que ele seja mantido... satisfeito... enquanto

estiver conosco. — O que quer que eu faça? O silêncio prolongou-se e a dúvida transformou-se em certeza, provocando

uma raiva que ela mal conseguia conter. — O que quer que eu faça? — repetiu. — Pretende alcovitar sua única filha

pelo bem de um negócio? Devia estar surpresa por não ter feito essa proposta há mais tempo. No entanto, não sou tão feia, nem estou desesperada pela companhia de um homem a ponto de atuar como prostituta!

— Eu disse que devia dormir com o homem? Só pedi que fizesse meu hóspede sentir-se bem-vindo.

— Farei com que ele seja instalado em aposentos adequados a um aliado valioso. Providenciarei para que haja boa comida à mesa e bebida fresca para aplacar sua sede... mas não suprirei nenhuma outra necessidade.

Diarmad encolheu os ombros e assumiu uma expressão aborrecida. — Está ficando mais velha a cada dia, Seona, e nunca foi bela. Podia encontrar

companhia bem pior que Griffydd DeLanyea. O pai dele é um homem poderoso, também descende de nórdicos e... Bem, talvez se você...

— Se fosse para a cama com ele, talvez conseguisse obrigá-lo a se casar comigo? Pai, quem vive dizendo que nenhum homem compra o que pode saborear de graça? Além do mais, não estou à venda, como peles ou ouro.

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— O casamento não passa de uma barganha. E esse não seria diferente. Eu a

alimentei e vesti durante todos esses anos, deixando-a viver como uma sanguessuga em minha pele. É hora de alguém levá-la daqui.

— Vai me oferecer como uma mercadoria estragada? — Se for preciso... — Sou sua filha! — E daí? Tenho filhos para me sucederem e lutarem por mim. Para que serve

uma filha? Mesmo que se case, vai precisar de um dote... E de onde virá esse dote, senão dos meus bens?

— Eu não pedi para nascer! — Nem eu pedi para tê-la em minha casa. — Não vou me envergonhar... De repente, Diarmad levantou-se como um espírito vingador. — Não fale de vergonha diante de mim, menina! Não tenho sentido outra coisa

nos últimos vinte anos, desde que você nasceu. Vergonha por ter tido uma primogênita! Vergonha por ser pai de uma criatura magra e fraca. Vergonha por ser tão feia. Vergonha por nenhum homem aceitá-la, por mais que eu a tenha oferecido!

As palavras feriam como chicotadas, apesar de já tê-las ouvido antes. Exceto a última frase. Aquela era uma novidade. — Quanto? — perguntou com um fio de voz. Foi a vez de Diarmad reagir com

surpresa. — O quê? — Quanto está disposto a pagar para que alguém se case comigo? — Não importa. — Para mim é importante. Assim saberei meu valor. — Quinhentas peças de prata. E nem assim alguém a aceitava! Nenhum homem com fortuna ou poder

interessara-se por ela, e só a eles o pai estenderia sua oferta. Caso contrário, a manteria por perto para cuidar de sua casa.

Sendo assim, não tinha importância se um homem da escolha dele não a aceitasse, decidiu, erguendo o queixo com orgulho.

— Devia estar feliz com minha presença — disse. — Pelo menos cuido da casa. Não sou mais barata do que seria qualquer esposa? Outra mulher exigiria atenção, ou, na falta dela, bens materiais para compensá-la. Mas há muito aprendi a não pedir nem esperar nada. Cumprirei meu dever... mas não irei além dele, nem por você, nem por outro homem qualquer.

— Filha...! — Serva — ela interrompeu. — Pouco mais que escrava.

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Uma serva atenderia ao desejo de seu senhor sem argumentar! E uma

escrava conheceria seu lugar. Por Deus, devia tê-la afogado quando nasceu. — Sim, devia, mas é tarde demais para isso. E para sua sorte, não sou uma

serva. Com isso, Seona partiu. Segurando-se à proa encurvada para manter-se em pé na embarcação de

Diarmad MacMurdoch, Griffydd DeLanyea respirou o ar salgado e olhou para as montanhas escarpadas daquele território esquecido por Deus. Gales também tinha muitas montanhas, mas havia vales e árvores férteis. Ali no norte, tudo que podia ver era uma imensidão de rochas tocada por pequenas porções de verde. Talvez a terra não parecesse tão árida quando o navio se aproximasse.

Felizmente não teria de viver ali. Só precisava estabelecer um acordo com Diarmad MacMurdoch, dono de uma grande frota de navios mercantes.

O rebanho,do pai de Griffydd produzia muita lã de boa qualidade, e os arrendatários do barão haviam encontrado prata nas montanhas perto do castelo em Craig Fawr. Os dois produtos levariam muita riqueza à família, desde que conseguissem comercializá-los em vários mercados. O barão DeLanyea não sabia muito sobre navegação e transporte, e por isso decidira pagar pela experiência de um navegador respeitado.

— Mas tenha cuidado, meu filho — ele o prevenira antes da partida. — Diarmad MacMurdoch é ardiloso. Ele tentará vencê-lo a qualquer custo com seus truques dramáticos. Por isso envio você, Griffydd. Sei que tem a paciência necessária para vencê-lo.

Quando o navio fez uma curva para aproximar-se do porto, Griffydd sorriu lembrando as últimas palavras do pai. Paciência? Oh, sim, era uma qualidade com que podia contar. E também sabia conter explosões emocionais que considerava tolas demonstrações de imaturidade.

Desde criança, sempre desprezara as exibições sentimentais, considerando-as prova de fraqueza e desequilíbrio. Como a mãe, sabia esconder seus sentimentos.

Diferente do primo e irmão adotivo, Dylan, cujas emoções podiam ser vistas estampadas em seu rosto. Dylan apaixonava-se por uma mulher diferente a cada dia e orgulhava-se desses envolvimentos. Era pai de três filhos bastardos, e vivia esvaziando a bolsa para sustentar as crianças e suas mães.

Aos olhos de Griffydd, o comportamento incauto de Dylan era tolice, uma estúpida demonstração de vaidade que acabaria por levá-lo à ruína. Não era virgem, mas também não fazia declarações de amor eterno. E por que faria, se nunca sentira nada além do prazer da união física? Nenhuma emoção jamais o afetara como os bardos afirmavam que devia ser o amor. Sabia que tal sentimento existia, e os pais eram a prova disso, mas nunca sentira o desejo incontrolável, o anseio poderoso que

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Uma Batalha de Honra Margaret Mooretornava todo o resto sem importância. Nunca havia experimentado o desespero de não ser correspondido pela mulher amada.

O capitão do navio gritou uma ordem e a tripulação entrou em ação. Todos tinham a aparência de viquingues, com longos cabelos louros, barbas

espessas e imundas e roupas cujo cheiro sugeria anos de uso contínuo sem lavagem. Quando os homens baixaram as velas e prepararam os remos, a embarcação contornou uma rocha e começou a aproximar-se de uma baía protegida por pedras. De um lado, no alto de um

penhasco, havia uma torre circular de pedras que parecia abandonada e negligenciada.

No interior da baía, dezenas de embarcações menores usadas para transporte e comércio permaneciam ancoradas. Não podia ver um único navio mais longo e baixo, os modelos de guerra nórdicos que toda a Bretanha temia.

O capitão apontou para as edificações visíveis além da praia. — Dunloch — gritou para Griffydd, que reconheceu o comentário com um

movimento de cabeça. Os remos foram postos na água e, a um sinal do capitão, os homens

começaram a movê-los em harmonia. O mais surpreendente era que cantavam para manter o ritmo das remadas, as pás entrando e saindo da água como se fossem uma só.

Enquanto cantarolava a melodia, que não era difícil de aprender, Griffydd examinou o vilarejo e notou uma grande quantidade de construções de pedras, as paredes de madeira de uma fortaleza numa encosta mais elevada, a atividade na praia que indicava a construção e o reparo de embarcações à vela, os peixes secando sobre a areia, as mulheres e crianças que trabalhavam e brincavam junto ao mar.

Dunloch parecia ser um local muito próspero, e Griffydd se lembraria disso quando Diarmad reclamasse do inverno rígido, o que sem dúvida faria.

O capitão parou a seu lado. — Canta bem — comentou, falando o idioma que era comum entre os homens

da costa da Bretanha, uma mistura de gaulês, norueguês e celta. — Receio que este seja um vilarejo muito pobre — suspirou, olhando para a praia com expressão compungida. — Foi um inverno duro.

Griffydd conteve um sorriso. — Também sofremos os rigores do inverno em Gales. No entanto, vejo que a

praia tem peixe em abundância. — Oh, é sempre assim por aqui. Num dia muito peixe, na semana seguinte,

nenhum alimento. — É uma pena. Sabe se os filhos do chefe estão no vilarejo? Uma expressão cautelosa e aliviada surgiu no rosto do capitão.

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Não. Griffydd gostou de ouvir a informação, e podia compreender a reação do

homem. Diarmad tinha seis filhos corpulentos e rudes que eram conhecidos pela arrogância desdenhosa com que tratavam todos que encontravam. Comandavam suas próprias frotas e ocupavam seis vilarejos distintos a um dia de viagem de Dunloch. Dar a cada filho um vilarejo havia sido uma estratégia astuta, pensava o barão DeLanyea. Caso contrário, as crias do chefe de Dunloch passariam todo o tempo disputando a fortuna, o poder e o território que ainda pertencia ao pai.

Griffydd podia ver nitidamente as pessoas na praia, e sabia que também podia ser visto por elas. Tendo isso em mente, caminhou até um de seus baús na popa do navio para compor-se.

Pronto, Griffydd DeLanyea sentiu-se mais seguro, certo de que seria bem-sucedido na missão de contratar transporte para as mercadorias do pai. Acreditava sinceramente que concluiria o negócio e estaria novamente em casa em não mais que quinze dias. É grande a ingenuidade dos jovens. !!!!!!

CAPÍTULO II !!O navio ainda estava sendo ancorado quando Griffydd começou a estudar os

homens reunidos no porto. O mais forte no centro do grupo usando a pele de Urso devia ser Diarmad. Não

só ocupava a posição reservada ao líder, como correspondia exatamente à descrição oferecida por seu pai.

As expressões dos homens que o cercavam sugeriam algo menos que alegria pela chegada de Griffydd.

Isso não surpreendia o jovem galês. Alianças, fossem políticas ou comerciais, não eram um assunto que se pudesse tratar com leveza. As políticas afetavam o comercio, e as comerciais influenciavam na política. Nenhuma transação da magnitude do acordo que Griffydd pretendia negociar podia ser considerada simples.

O navio foi finalmente ancorado e Griffydd desembarcou. Diarmad MacMurdoch aproximou-se com os braços abertos para oferecer o beijo de boas-vindas.

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Seja bem-vindo a Dunloch! — o chefe gritou com entusiasmo. — Minha

casa é sua! Diarmad recuou e Griffydd conteve o ímpeto de torcer o nariz para o forte odor

emanado pelo homem. — Agradeço as palavras gentis, Diarmad. Meu pai, o barão DeLanyea, enviou

seus comprimentos e alguns presentes de Craig Fawr. Os olhos do líder brilharam com um misto de prazer e ganância. — Transmita minha gratidão quando voltar. Ele está bem, espero. — Muito bem. — É bom saber. Um homem decente... Um grande lutador! O barão DeLanyea

esteve na Cruzada! — o chefe declarou, aparentemente para benefício dos homens que o cercavam. — Quase foi morto, mas os pagãos não conseguiram liquidá-lo, embora tenham arrancado seu olho. Não é verdade, jovem DeLanyea?

— Sim, foi o que aconteceu. — Sua mãe está bem? — Sim, muito bem. — Bom, bom! — Diarmad gritou, passando os braços em torno do visitante

como um urso amistoso. E a semelhança também se estendia ao cheiro. — Vamos entrar e comemorar!

Griffydd foi levado por uma rua que cortava o vilarejo até a fortaleza. O gales sentia os olhos dos habitantes, mas não se importava com a atenção

que despertava. Em vez disso, concentrou-se no que via, a oficina do ferreiro, onde diversos homens trabalhavam, as casas construídas com pedras e sapé, os celeiros e depósitos, os edifícios de madeira e até os montes de estéreo, sinal de que muitos cavalos eram mantidos no lugar. Cães latiam e corriam em torno do grupo, e o maior de todos devia pertencer a Diarmad, porque uma palavra do chefe foi suficiente para fazê-lo calar.

— Está usando uma bela malha, DeLanyea — Diarmad notou com tom casual. — E sua espada também é uma maravilha. Deve ter sido ura ano próspero.

— A malha e a espada foram presentes de amigo de meu pai quando fui sagrado cavaleiro. O manto e broche tambem.

- Tem amigos muito generosos. - E poderosos na corte. Dinrmad fitou-o em silêncio. Griffydd emitiu um

suspiro melancólico. Como deve saber, o rei aumentou nossos impostos novamente, e o inverno foi

muito rígido. Houve uma pausa quase imperceptível antes de Diarmad responder: - Oh, sim?

- Soube que também sofreram os rigores do clima - Griffydd continuou.

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore- É verdade, é verdade! Haviam alcançado a elevada parede de madeira da

fortaleza. Quando passaram pelo portão, Griffydd notou os estábulos, os galpões e alojamentos, o poço... mas tudo empalidecia em comparação ao enorme hall de pedra no centro da propriedade. Apesar de ser menor que o de seu pai, ainda impressionava por ser maior e mais imponente que qualquer outra construção Gall-Gaidheal que já vira.

Diarmad convidou-o a entrar com um gesto orgulhoso, - Bem, aqui estamos nós! Não é tão bom quanto o de seu pai, eu sei, mas é

bom demais para um homem pobre como eu. Griffydd sabia que o chefe daquele povoado não era pobre, mas nada disse.

Entrou e teve a sensação de estar em uma caverna. Não havia janelas, e o teto de sapé dava um aroma de terra ao ar. A fumaça subia na direção de um único buraco no alto da construção, mas boa parte dela permanecia no interior do aposento iluminado por lamparinas a óleo e tochas presas a anéis de ferro nas paredes. As lamparinas queimavam óleo de baleia, a julgar pelo cheiro, e o fogo na lareira central proporcionava mais luz e um calor agradável depois do ar frio da praia. Bancos e mesas ocupavam boa parte do salão, e sobre elas alguém já arrumara pratos e canecas.

Um movimento súbito à direita de Griffydd chamou sua atenção e ele se virou a tempo de ver uma jovem sentada em um banco num canto afastado. Ela usava um vestido simples de lã marrom, uma peça de corte reto que ia do pescoço ao chão sem um único adorno. Um cinto frouxo pouco acima do quadril servia para regular o comprimento da roupa, tornando a metade superior mais ampla e cheia. Cabelos vermelhos e espessos caíam brilhantes até sua cintura.

Ela o fitou com seus grandes olhos escuros e exibiu uma expressão marcante, algo composto por orgulho e arrogância, vulnerabilidade e medo.

Uma expressão muito atraente. Como ela. Nesse momento, foi como se o ar deixasse seus pulmões e o coração parasse de

bater. E de repente a pulsação retornou vibrante, rápida, tão ressonante que todos na sala deviam ouvi-la.

A mulher não se movia ou falava, mas o encarava com expectativa, os lábios entreabertos como se pretendesse emitir algum som.

Griffydd esperou que ela pronunciasse ao menos uma palavra. Então Diarmad aproximou-se e quebrou o encanto. — Seona! — gritou. A jovem levantou-se e foi imprimir o beijo de boas-vindas no rosto do

visitante. Ela cheirava a relva e ar marinho, um perfume de tamanha pureza natural que o agradava muito mais que os valiosos ungüentos das terras mais distantes do Oriente.

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Uma Batalha de Honra Margaret MooreHavia sido beijado antes, mas aquela carícia inocente e delicada fizera seu

sangue ferver nas veias, provocando uma reação mais poderosa do que fora capaz de desencadear a mais apaixonada amante.

— Essa é Seona — Diarmad anunciou ao lado dele. — Seona, este é Sir Griffydd DeLanyea de Craig Fawr.

Ao inclinar-se para cumprimentá-la, Griffydd foi tomado de assalto por um desejo intenso e teve uma idéia quase selvagem. Teria Diarmad ordenado que ela o esperasse ali por tê-la designado para servi-lo durante sua estadia no vilarejo? E seriam seus deveres mais amplos do que os de uma simples serva?

Tais coisas já haviam acontecido em outras viagens que empreendera em nome do barão, mas sempre recusara a hospitalidade, reconhecendo nela uma tática para distraí-lo dos negócios.

Dessa vez, entretanto... Dessa vez aceitaria sem hesitação. — E uma felicidade conhecê-la, Seona — disse, demonstrando uma gentileza

que surpreendeu até a ele mesmo. Depois, Griffydd DeLanyea fez algo ainda mais incomum. Sorriu. — Seona é minha filha — Diarmad declarou com um sorriso orgulhoso. Filha? Griffydd não foi capaz de esconder o espanto. Aquela mulher delicada

com olhos de feiticeira e cabelos de ninfa era filha do grotesco e rude Diarmad MacMurdoch?

Percebeu que o chefe o observava e baniu o sorriso do rosto. Furioso, decidiu que o diabólico Diarmad usaria todas as táticas de negociação,

e não hesitaria em usar os encantos da filha para seduzir um oponente. Devia estar enfeitiçado. Nenhuma mulher conseguira despertar sentimentos tão

intensos, principalmente em um primeiro encontro. Ouvira dizer que os Gall-Gaidheal eram parcialmente cristãos, mas uma parte

do povo ainda mantinha costumes pagãos. Um arrepio percorreu suas costas e ele se virou, percebendo que a missão seria

mais difícil do que imaginara. Diarmad era ainda mais astuto do que havia antecipado.

Seona viu Griffydd DeLanyea ocupar seu lugar à mesa à direita do anfitrião. Esperava que o nobre gales fosse um homem baixo, moreno e atarracado,

como todos os de seu povo. Em vez disso, deparara-se com um guerreiro alto de olhos cinzentos e longos cabelos castanhos que tocavam os ombros musculosos. O rosto anguloso fora tingido pelo sol e a pele exibia os sinais deixados pela brisa do mar. O nariz era reto, a mandíbula, forte como o resto dele. Estava bem vestido com o traje típico de seu povo, a malha cintilante, a túnica e o manto negro e longo.

Notara todas essas coisas ao vê-lo entrar e havia sido surpreendente.

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Uma Batalha de Honra Margaret MooreEntão ele a fitara com aqueles olhos cinzentos e graves, e o que vira ali fora

suficiente para disparar seu coração. O que havia visto? Aprovação, certamente, o que era uma raridade. Admiração,

também. Talvez até desejo. Em toda sua vida, nenhum homem jamais a fitara como se a considerasse digna

de algum interesse além da comida e da bebida que servia. Ao ver o hóspede sentado ao lado de seu pai, recordava a sensação de tocar

aquele rosto áspero e forte com os lábios e a emoção despertada pelo contato. O que mais a surpreendia era saber que, se o pai repetisse o pedido, não

hesitaria em atendê-lo. Na verdade, suspeitava que aceitaria até uma proposta de casamento com o

jovem galês, caso o pai a pedisse. Infelizmente, todo o sentimento que vira nos olhos de Griffydd DeLanyea

desaparecera quando ele tomara conhecimento de sua identidade. Por quê? Talvez guardasse seus sorrisos para as criadas, mais acessíveis e apropriadas

para aquecerem sua cama do que a filha do homem que o abrigava em sua casa. Talvez estivesse planejando um jogo. Era possível que houvesse deixado

transparecer o desejo, dando a Griffydd a idéia de que poderia ser usada para favorecer suas estratégias.

Mas não fazia sentido. Se Griffydd DeLanyea fosse realmente arguto, como seu pai, não teria mudado de expressão ao saber que era filha de seu anfitrião. Teria feito o possível para conquistá-la, e não hesitaria em tirar vantagem de sua solidão e do ressentimento que nutria pelo pai.

Mas ele não sabia sobre esses sentimentos. Não tinha o poder de alcançar os recantos mais sombrios de seu coração e compreender suas emoções, por mais que a estudasse com aqueles profundos olhos cinzentos. O que significava que tinha de sufocar aquela excitação selvagem que a invadia, o desejo ardente por um homem que acabara de conhecer.

Os homens do conselho começaram a ocupar seus lugares à mesa. Enquanto era apresentado a cada um Griffydd a ignorava por completo.

E dai? Estava habituada àquele tipo de tratamento, nao? — Seona! — o pai gritou, fazendo-a pular. Levando a garrafa de vinho que

deixara numa mesa próxima, foi servir a bebida enquanto outras mulheres entravam com a comida e cerveja, para aqueles que preferiam o líquido mais amargo. Os homens de seu pai falavam em voz baixa e lançavam olhares desconfiados para o visitante.

Nem todos viam com simpatia uma aliança com o galês. Alguns, como o mais velho companheiro do chefe, Eodan, não questionariam seus planos. Outros, como o

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Uma Batalha de Honra Margaret Moorereligioso Iosag, buscariam pelos sinais de Deus quanto a quem deviam escolher por aliados.

E não podia esquecer aqueles que eram como Naoghas, um conselheiro corpulento e moreno que Seona nunca apreciara, e que teriam preferido uma aliança com os escoceses. Naoghas e seus amigos diziam ser descendentes da casa real de Escócia, ignorando qualquer influxo de sangue do norte. Aceitavam apenas os aliados escoceses, e mais nenhum.

Quanto ao pai, Seona sabia que ele faria pactos com quem oferecesse as maiores vantagens.

Chegou à ponta da mesa e os dedos tremeram quando começou a servir o vinho na caneca do hóspede galês. Mordeu o lábio, tentando recuperar o controle, temendo que o pai denunciasse sua falta de jeito se derrubasse uma única gota da valiosa bebida, temendo ainda mais encontrar os olhos do inquietante visitante.

— Ouvi dizer que sua irmã se casou — o pai disse a DeLanyea. — Sim, há um ano. — Com o cunhado do barão Etienne DeGuerre... Uma bela aliança para sua

família. Seona serviu a bebida na caneca do pai. — Sim, temos consciência disso, mas foi uma união de amor. — Oh, sim! — A resposta soava sarcástica. — Uma união de amor que

relaciona sua família aos homens mais poderosos da Inglaterra! Assustada com a insolência paterna, Seona descuidou da garrafa e deixou cair

algumas gotas de vinho sobre a mesa. Constrangida, deixou o recipiente em cima da mesa e secou as gotas com a barra do vestido.

Quando terminou, notou que o pai a encarava com fúria assustadora enquanto Griffydd DeLanyea se mantinha impassível. Depois de beber um pouco do vinho forte, ele afirmou com tom contido:

— Se Rhiannon não o amasse, o casamento não teria acontecido, mesmo que Frechette fosse o herdeiro do trono.

— Ora, vamos ser francos, meu rapaz! — Diarmad protestou, enquanto Seona se afastava apressada. — Seu pai teria...

— Meu pai jamais usaria uma filha para realizar ambições próprias. — Apesar do tom prosaico, ele lançou um olhar significativo na direção de Seona. — Ao contrário de muitos homens que conheço.

A humilhação tingiu seu rosto de vermelho e ela segurou a garrafa com força, tentando conter o tremor das mãos.

Sabia o que Griffydd insinuava e queria repetir as afirmações que fizera para o pai. Não se deixaria usar. No entanto, embora tivesse coragem para enfrentá-lo em particular, não ousava desafiar a autoridade paterna diante de um estranho. Por isso

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Uma Batalha de Honra Margaret Mooreescondeu o constrangimento e a vergonha da melhor maneira possível o continuou trabalhando.

Porque nada mais havia a fazer. Griffydd tentou não notar o rosto vermelho de Seona. Era mais importante

mostrar a Diarmad que havia percebido sua intenção de usar a filha para atraí-lo. Portanto, continuaria a ignorá-la como fazia desde que tomara conhecimento

de sua identidade. Tinha uma responsabilidade com o pai, e iria cumpri-la, apesar da jovem atraente.

A conversa sobre casamento sugeria que Diarmad tinha planos. Sem dúvida, descobrira que era um homem solteiro, sem compromisso algum, e esperava selar a barganha entre ele e os DeLanyea com um casamento.

Logo compreenderia que Griffydd não se deixava envolver pelos encantos de uma mulher, por maiores que fossem. Por mais que essa mulher fizesse seu sangue ferver.

Griffydd olhou para Diarmad de maneira a dar a entender que sentia-se insultado por seus comentários, mas perdoaria as insinuações, um gesto magnânimo pelo qual esperava gratidão.

— Não quero discutir amor e casamento — disse com tom neutro. — Então não falaremos sobre isso! — concordou o chefe, fingindo estar mais

interessado no guisado que uma criada servia. O que o levara a falar sobre o casamento de sua irmã? Talvez quisesse

descobrir se o hóspede era um homem paciente. Logo descobriria que a ira de Griffydd DeLanyea não era facilmente

despertada. Crescia aos poucos, devagar, mas, uma vez provocada, queimava forte e duradoura, como o sol sobre o deserto.

Quanto a outras emoções que pudesse experimentar, Griffydd decidiu, ele as regularia. Era senhor de si mesmo. Não era como Dylan, com suas amantes, seus filhos e suas explosões temperamentais infantis e ridículas.

Pensaria no dever e esqueceria jovens encantadoras com cabelos sedosos e brilhantes como o fogo.

Depois de beber um pouco do vinho, Griffydd correu os olhos pela sala repleta de homens barbados. Até onde teriam conhecimento dos planos do líder?

Tinha a impressão de que Diarmad não costumava revelar suas idéias a ninguém. Era o tipo de homem que apreciava a sensação de poder conferida pelos segredos. Além do mais, o silêncio reduzia os riscos de uma traição.

E quanto a Seona, cujo nome o fascinava? Era melhor pensar nela como uma astuta conspiradora, pelo menos por

enquanto. Assim poderia controlar as emoções que ela despertava. Precisava contê-las.

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Confesso que meu pai ficou surpreso com sua reação favorável à nossa

proposta — comentou, disposto a esquecer a perigosa mulher. — Ele temia que não desejasse associar-se a ninguém que não pertencesse ao seu povo.

— Meu povo? — Diarmad repetiu. — Os Gall-Gaidheal. — Por que eu criaria limites quanto aos povos com quem negocio, ou quanto

aos nomes das pessoas cujos bens transporto para ganhar dinheiro? — Tem razão. Além do mais, já existe uma aliança entre sua família e a do

chefe do clã Ruari. — Griffydd citou um poderoso grupo Gall-Gaidheal. — Soube que seu filho mais velho vai se casar com a filha dele.

— Parece saber muito sobre meus assuntos, jovem DeLanyea. — Também sei que esse líder reclama o trono de rei dos escoceses. — Mostre-me um homem, seja escocês ou Gall-Gaidheal, que não acredite ter

direitos sobre o trono da Escócia. — Que eu saiba, você não se interessa por ele. Diarmad riu. — Não, nunca fiz essa reclamação. O pai de meu pai era nórdico e Haakon, rei

da Noruega, exerce seu domínio sobre mim. — Entendo. De qualquer maneira, o casamento de seu filho não é exatamente

uma união amorosa, e serve para ligá-lo a um importante clã. Mais uma vez, Diarmad gargalhou. — Não se trata de um relacionamento de amor. Nem de uma ameaça ao seu

povo. O pai da noiva de meu filho passa muito tempo pensando no trono escocês e negligencia os negócios, mas pensar é tudo que ele faz. Descanse, DeLanyea, e diga a seu pai que meus filhos e eu, bem como todos os nossos aliados, nos manteremos longe da costa de seu território assim que chegarmos a um acordo.

— Ele ficará satisfeito com essa notícia. — Quanto ao casamento, Corcadail poderia se sair muito pior, e não muito

melhor. O mesmo pode ser dito do homem que desposar minha filha. — Estou certo de que ela será uma ótima esposa. Aliás, é surpreendente que

ainda não tenha se casado. — Achei que devia esperar pelo homem ideal — Diarmad respondeu. — E

você? Por que ainda não se casou? Na sua idade, a maioria dos homens já tem família. Eu, por exemplo, já era pai de Seona e dois meninos.

— Não tenho pressa, Diarmad. — E suponho que já tenha muitos filhos. Ouvi dizer que um galês não costuma

associar paternidade e casamento. — É verdade. No entanto, ainda não tenho filhos. — Nem filhas?

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Page 17: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreGriffydd estranhou a pergunta do anfitrião. — Não, nem filhas. Não sou pai de criança alguma. - Então deve ser cuidadoso. E astuto, também. — Sim, acho que pode dizer tais coisas a meu respeito. — Seona terá um belo dote. E é virgem Griffydd cortou um pedaço de carne e manteve-se em silêncio, lembrando que não desejava falar sobre amor e casamento. Tinha a impressão de que não raciocinava com clareza naquela noite. Devia

estar discutindo o novo desenho dos navios mercantes e a segurança oferecida pelas embarcações, em vez de falar sobre associações entrei família e matrimônios.

Mas se Diarmad queria mesmo uma aliança dessa espécie, era inevitável que acabasse falando sobre a filha mais cedo ou mais tarde. Griffydd temeu ter revelado demais na primeira vez em que a vira.

— Já chega dessa conversa! — Diarmad decretou. Chamando a atenção de todos ao se levantar para um brinde. — A uma aliança entre os Gall-Gaidheal de Dunloch e os galeses de Craig Fawr!

Todos os homens ficaram em pé, inclusive Griffydd, para brindar e beber. O chefe jogou-se de volta na cadeira, enquanto o hospede permanecia em pé e

dirigia-se ao anfitrião. — Se me dá licença, Diarmad, acho que vou me recolher. Foi uma longa

jornada, e amanhã teremos um dia cheio tratando de negócios. — Sim, vá descansar. — Ele estalou os dedos. — Seona! Leve nosso hóspede

aos seus aposentos! Apesar do espanto por vê-lo tratar a própria filha com tão grande descaso,

Griffydd tentou não demonstrar surpresa. Também estava chocado com o fato de o chefe ter dado à filha a tarefa de acompanhar um visitante do sexo masculino ao local onde ele dormiria.

Seona mantinha-se imóvel, olhando para o pai como se não houvesse escutado a ordem, mas o brilho em seus olhos indicava o contrário.

Griffydd ponderou sobre o próximo passo. Devia solicitar outra acompanhante, ou esperar pelo desenrolar dos eventos? Discreto, olhou em volta.

Todos haviam parado de comer e beber para observá-lo, alguns com escárnio, outros com simples curiosidade. O mais interessante era que ninguém parecia sequer reconhecer a presença de Seona.

Devia ser mais um teste, pensou. — Fico satisfeito por reconhecer que sou um homem honrado e digno de sua

confiança. É bom saber que percebeu que tratarei sua filha com o respeito que ela merece — e inclinou-se diante de Diarmad.

Depois, olhou para Seona, sugerindo que a decisão caberia a ela. ! 17

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Page 18: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreSeona nada disse. Em silêncio, pegou uma das tochas presas aos ganchos na

parede e dirigiu-se à porta, onde parou para esperá-lo. Griffydd inclinou-se mais uma vez diante do anfitrião e retirou-se. !!CAPÍTULO III !!Relutante, Seona indicou o caminho para o alojamento onde os convidados de

Diarmad MacMurdoch costumavam ser instalados. Ficava fora das paredes da fortaleza, além do bosque de pinheiros às margens do riacho que descia as montanhas para o mar.

Segurando a tocha, tentou concentrar-se no terreno acidentado e não tomar conhecimento da presença próxima de Griffydd DeLanyea. Mesmo assim, era como se fossem as únicas duas pessoas num raio de muitos quilômetros.

Envolto em seu manto escuro como um espírito noturno, Griffydd cantava uma iorram, a canção que determinava o ritmo dos remos manejados pelos homens do seu pai. A cadência suave era familiar, mas soava diferente quando entoada pelo timbre profundo do forasteiro. Havia uma certa melancolia na voz dele, uma tristeza intrínseca que parecia acentuar a solidão no peito de Seona.

Mas como um homem rico, filho de um nobre respeitado, poderia compreender a solidão que era sua Companheira diária?

Quando chegaram no alojamento, Seona afastou a pesada cobertura de lã que protegia a entrada. Griffydd a seguiu, e ela deixou a tocha em um dos anéis da

parede, iluminando a mobília: a mesa sobre cavaletes, os bancos, as camas contra a parede e a bagagem do hóspede em um canto.

Virou-se para encarar o honrado convidado de seu pai. — Este ambiente é muito grande para abrigar um homem sozinho, mesmo que

temporariamente — ele observou. — A maioria dos hóspedes de meu pai costuma trazer muitos homens. — Uma comitiva? — Exatamente. Griffydd cruzou os braços como se quisesse proteger-se. Poderia estar experimentando sentimentos semelhantes aos dela? Sentiria a

tensão existente entre eles, a estranha excitação? — Estou muito cansado. Se me der licença, lady... — Não sou uma lady. — É filha de Diarmad MacMurdoch, não?

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Oh, sim... embora ele preferisse que não fosse. No entanto, meu pai não é

um lorde, e por isso não sou uma lady. De qualquer maneira, agradeço pelo cumprimento. — E mudou de assunto. — Pensei que um homem de sua categoria não viajasse sem urna grande comitiva.

— Está insinuando que vou precisar de proteção? Ou teme que me sinta sozinho?

— Oh, não! É valioso demais para ser posto em risco... pelo menos fisicamente. E creio que está habituado à solidão. — Realmente, costumo considerar minha companhia bastante agradável. Mas

como chegou a essa conclusão? — Bem, chegou aqui sozinho, nao? — É verdade. Mas fico me perguntando se não reconheceu meu gosto pela

solidão por compartilhar dele. — Talvez. — E também vive em um aposento grande e vazio? Ela balançou a cabeça. — Vivo numa construção muito pequena. — Entendo. Seu pai prefere tê-la por perto. Prefere garantir sua segurança a

valorizar o conforto. Seona riu com sarcasmo. — Moro sozinha em minha própria casa na fronteira do vilarejo, perto da torre

em ruínas, meu lorde. — Sir — ele a corrigiu. — Só serei um lorde quando meu pai morrer e eu

herdar o título de barão. — Sir Griffydd. — Apenas Griffydd. Pode usar meu primeiro nome, se quiser. — Obrigada. — Bem, se não corro nenhum risco físico, que outros perigos devo temer? Seona encolheu os ombros. — Pelo que disse no salão, creio que já deve saber. No entanto, se meu pai

insinua que faço parte desse acordo comercial, ele o faz sem meu conhecimento. — Então tem a Visão? É uma feiticeira? — Por Deus, não! Sou cristã, como você. — É um alívio saber disso, mas sinto-me confuso. Tenta prevenir-me contra

alguma coisa que afirma desconhecer? — Sei que pode compreender a que me refiro — ela respondeu constrangida.

— Não quero parte das ofertas que meu pai pretende fazer. — De minha parte, prefiro não fazer suposições de espécie alguma. Griffydd aproximara-se enquanto falava, e Seona percebeu que o fato de poder

tocá-lo, se desejasse, a abalava profundamente. ! 19

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Está tentando dizer que seu pai pretende usá-la, e que não aprova essa

intenção? Ela assentiu em silêncio. — E esse é um princípio geral, uma regra que orienta sua vida diária, ou é a

mim que nao aprova? — Minha reação não tem relação alguma com sua pessoa. Ele levantou uma sobrancelha. — Não sei se devo sentir-me lisonjeado pela resposta. — Não procuro insultá-lo, mas também não ofereço lisonjas. A única coisa

que desejo é deixar claro que, sejam quais forem as afirmações de meu pai, não pretendo estender meus deveres além dos limites da hospitalidade.

— Entendo. Está dizendo que não tem a intenção de passar a noite comigo. — Exatamente. — Bem, eu não a teria convidado para ficar. Ser um nobre implica em algumas

responsabilidades, especialmente quando se está hospedado na casa de alguém. Jamais teria esperado ser aceito na cama da filha de meu anfitrião... embora nunca tenha me sentido tão tentando a ignorar as normas de cortesia.

Seona engoliu em seco. Griffydd a encarava com um olhar intenso, e sabia que não era uma beldade. As palavras do nobre galês podiam ser apenas elogios vazios, mas o cumprimento acendeu em seu peito um fogo que se espalhou rapidamente por todo o corpo.

Também sabia que sorria como uma pateta, mas não podia evitar. Nenhum outro homem havia dito palavras tão importantes paia ela, e a aprovação que via nos olhos do forasteiro não podia ser um truque.

De repente, ele a segurou pelos ombros e puxou-a para mais perto, inclinando a cabeça.

— Seus escrúpulos são valiosos, Seona. Bela Seona. No momento em que os lábios tocaram os dela, sentiu-se derreter como a cera sobre uma chama. Não teria sido capaz de esquivar-se ao beijo, mesmo que quisesse, e retribuiu com paixão assustadora, a mão tocando o peito musculoso sob o manto de tecido espesso.

A boca movia-se sobre a dela com urgência, tornando o beijo mais íntimo e ardente. Seona deixou escapar um gemido e colou ao corpo dele.

E então, subitamente, Griffydd afastou-se. Ofegante, perdida, encarou-o com os olhos cheios de dúvidas, os lábios ainda

queimando depois do beijo arrebatador. Ele respirou fundo e empurrou-a com delicadeza, atônito com o desejo que o

dominava. Jamais sentira nada parecido. Nunca! Devia haver algo de errado com ele... ou com ela.

— Enfeitiçou-me? — perguntou. — Lançou sobre mim algum encanto? ! 20

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— O que... quer dizer? — ela devolveu num sussurro. — Por mais tentadora que seja a idéia de dividir minha cama com você, sou

um homem honrado, e não serei seduzido pela filha de meu anfitrião. — Não estou tentando seduzi-lo! Griffydd cerrou os punhos para conter a ira. Diarmad mandara a própria filha

acompanhá-lo como parte de um plano para forçar um casamento entre eles, o que forjaria uma aliança entre seu pai e o Gall-Gaidheal.

— Onde está o pretendente ciumento? Ou será um pai irado que entrará a qualquer momento me acusando de tê-la desonrado?

As acusações sem fundamento e a súbita mudança de disposição pegaram-na de surpresa, e Seona não reagiu.

— Para uma mulher que diz não concordar com as estratégias do pai, parecia muito ansiosa para entregar-se. Ou o beijo foi só uma tática para despertar meu apetite? Não importa. O plano de Diarmad teria

fracassado. Poderiam me acusar de falta de cortesia e desonra caso me deitasse com você, mas, para um gales, possuir uma mulher não significa assumir o compromisso de um casamento.

— Mas, eu... Foi você quem me beijou! — O que estava fazendo nos aposentos de um homem solteiro a esta hora da

noite? E com que entusiasmo expressou sua honestidade! Foi muito astuta, Seona. Deve considerar-se muito sedutora, ou não estaria esperando que o desejo me queimasse a ponto de impedir-me de enxergar a armadilha. Meu pai preveniu-me contra Diarmad MacMurdoch. É uma pena que não tenha me aconselhado também contra você!

— Porque não há conselho algum a ser dado. Só quero que saiba que não participo dos planos de meu pai.

— Não? — Ele a fitou com um misto de sarcasmo e dúvida. — Então, que plano está traçando?

— Nenhum! É essa a gratidão que recebo por ter sido honesta com você? — Lembrou o brilho que vira em seus olhos quando ele a elogiara e ficou ainda mais furiosa. — Devia ter percebido que não é digno de confiança.

— Eu não mereço confiança? Se há alguém aqui em quem não se pode confiar, esse alguém é você!

— Não sou eu quem está dizendo mentiras! Griffydd segurou-a pelo braço, revelando mais animosidade do que os próprios

pais poderiam ter suspeitado que possuísse. — Do que me acusa?

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Uma Batalha de Honra Margaret MooreSim, estava furioso. Fora enganado por uma mulher adorável, uma jovem a

quem desejava a ponto de sentir-se prestes a perder o controle, apesar de todo o ressentimento.

Devia estar ficando louco, enlouquecido lentamente por Diarmad MacMurdoch e sua filha, que permanecia diante dele com a postura orgulhosa e desafiante de uma rainha.

— Tire as mãos de mim! — ela ordenou com firmeza. Griffydd obedeceu sem protestar.

— De que mentiras me acusa? — insistiu. Uma fúria intensa queimava em seus olhos, mas a voz soou contida, cheia de

sarcasmo. — Já que sou tão tentadora, sir, é melhor deixá-lo descansar. Durma bem. E saiu sem olhar para trás. !Griffydd passou alguns minutos imóvel, tomado pela perplexidade. Seona já

devia estar em sua casa, mas ainda esperava que um punhado de Gall-Gaidheal liderados pelo beligerante Diarmad invadissem seus aposentos exigindo que se casasse com Seona, caso não quisesse morrer. Caíra numa armadilha.

Agira impulsivamente, como Dylan. Não pensara nas conseqüências do que havia feito.

Agira com o coração, em vez de usar a cabeça. Cometera um erro. Uma fraqueza. Uma tolice. Acima de tudo, uma grande

tolice. A presença de Seona em seus aposentos devia fazer parte de uma estratégia, e

sua aparente honestidade não passava de um truque. Apesar do que dissera, ela devia participar ativamente dos planos do pai. Afinal, ninguém a empurrara para dentro do alojamento e a obrigara a ficar.

Griffydd retirou a espada da bainha. Com movimentos habilidosos, torceu o punho e movimentou a arma em todas as direções até sentir a mão novamente firme, livre de qualquer sinal de tremor.

Até voltar a ser senhor de si mesmo. Aborrecido com a própria ingenuidade, jurou pensar apenas no pacto

comercial. Ignoraria Seona MacMurdoch e seu rosto fascinante, suas maneiras encantadoras e seus grandes olhos castanhos.

Ela o enganara uma vez e não permitiria que isso voltasse a acontecer. Seona parou no alto da colina perto da torre em ruínas. Dali podia ver o porto

de Dunloch e o vilarejo, onde algumas luzes brilhavam ocasionalmente na escuridão da noite. O som de vozes embriagadas soava no interior da casa paterna, as canções

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Uma Batalha de Honra Margaret Moorefestivas sugerindo que Diarmad estava de bom humor, certamente antecipando bons lucros em conseqüência do pacto com a família do jovem galês.

Triste, olhou para o oceano iluminado pela lua cheia. Se ao menos pudesse navegar para longe dali, ou fugir para algum lugar onde

encontrasse a liberdade... dos deveres, do pai, da constante desaprovação, de seus planos e esquemas.

Mas para onde iria uma mulher sozinha sem amigos ou dinheiro? Os irmãos a mandariam de volta para casa, temendo a perda do controle de seus povoados se ofendessem o pai ao abrigá-la. Nenhum outro chefe correria o risco de cair em desgraça com Diarmad MacMurdoch, o respeitado e poderoso comandante da maior frota de navios da região. Ele possuía as embarcações, os homens e as armas, e seria capaz de destruir dezenas de vilarejos, caso quisesse punir os inimigos.

Também não poderia buscar abrigo em algum lugar santificado. Os sacerdotes haviam sofrido muitos ataques nórdicos ao longo dos anos e eram gratos pela proteção de Diarmad. Sem dúvida, revelariam seu paradeiro. Podia até ver o pai arrastando-a para fora de uma capela, os religiosos impotentes para detê-lo.

E conseguira tornar a situação ainda pior. Fora uma tola, uma mulher ingênua dominada pela atração por um belo

forasteiro, humilhada enquanto só tentava fazer o bem. E de quem era a culpa? Se estivesse no lugar dele, o que pensaria de tão ousada

visita e de um beijo tão generoso? Devia estar feliz por ele ter se zangado. Caso contrário, até onde teria ido em

sua luxúria? Pelo menos, a única conseqüência era o ressentimento de ambas as partes, e

muita desconfiança por parte do visitante. Seona sorriu. Considerando a capacidade do pai de levar sempre a melhor em

todas as barganhas que fazia, Griffydd DeLanyea devia estar feliz por ter despertado sua desconfiança. Assim estaria atento.

Mas... e se ele revelasse a Diarmad tudo o que acontecera em seus aposentos, ou o que despertara suas suspeitas?

Seu pai não a apreciava sem motivo justo. Certamente consideraria uma interferência dessa natureza imperdoável. Se soubesse que tentara prejudicá-lo nos negócios, sua ira seria tão devastadora que ele não se contentaria com ofensas verbais.

Talvez a tirasse de sua casa. Havia sido difícil convencê-lo a deixá-la viver sozinha, longe das especulações maldosas.

Talvez a mandasse para um convento. Essa era uma ameaça que ele repetira diversas vezes.

Seona tomou uma decisão. ! 23

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Uma Batalha de Honra Margaret MooreTinha de garantir que o jovem DeLanyea não contaria a seu pai o que havia

acontecido no alojamento de hóspedes naquela noite. Por mais humilhante que fosse voltar a falar com o galês, não podia correr o risco de ser delatada. !!!!!

CAPITULO IV !!A luz do amanhecer tentava vencer a barreira formada por nuvens baixas, e

Griffydd caminhava sonolento por entre as árvores que beiravam o riacho perto de seus aposentos. Vestindo calça de malha, túnica e calçando botas, levava o manto sobre um ombro e guiava-se pelo som da água corrente.

Passara boa parte da noite acordado, decidindo como conduzir a negociação e tentando não pensar em Seona.

Diarmad MacMurdoch era um vilão desprezível capaz de tudo, inclusive de usar a própria filha como isca para uma armadilha, e só um tolo se deixaria envolver por tão óbvio ardil. Suspirando, massageou a nuca dolorida esperando que a água fria ajudasse a clarear sua mente confusa.

Venceu a barreira formada pelas árvores e parou ao deparar-se com uma cena inusitada.

Ali, ao lado do riacho, iluminada por um pálido raio de sol, a filha de Diarmad segurava um bebê nos braços. Jamais vira cena tão encantadora.

Griffydd precisou de mais um instante para perceber que Seona não estava sozinha. Alguns passos à frente, outra jovem lavava um pedaço de tecido na água do rio. Era o que outros homens consideravam bonita, com um perfil delicado e um pescoço longo e delgado enfatizado pelos cabelos escuros trançados em torno da cabeça. Apesar da postura inclinada, era evidente que seu corpo também possuía encantos e atrativos.

Um menino brincava ao lado dela tentando alcançar a superfície do rio com um graveto, e a mulher interrompeu a tarefa para censurá-lo com expressão severa. Sim, era bela, mas o sorriso paciente de Seona e o tom carinhoso com que chamou a criança para perto de si o atraíam muito mais.

De repente, o garoto escorregou na margem rochosa do riacho e caiu na água. A mulher emitiu um grito aflito ao ver que a correnteza o levava para longe de suas mãos.

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Page 25: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreSegurando o bebê, Seona levantou-se enquanto Griffydd jogava o manto no

chão e corria para a margem. Atento à cabeça que submergia de tempos em tempos, acompanhou a correnteza conforme aprendera a fazer ainda jovem, quando o pai o ensinara a observar os peixes para pescá-los, caso tivesse de alimentar-se por conta própria.

Lá! A cabeça da criança emergiu, e Griffydd puxou o menino para fora da

correnteza gelada. Tossindo e tremendo, o pequeno agarrou-se a ele. — Pronto, acabou. Você está salvo — murmurou em galês, assustado a ponto

de esquecer que o garoto não entenderia uma palavra do que dizia. Cauteloso, caminhou para a região mais elevada da margem, evitando as pedras escorregadias.

A criança o encarava com olhos cheios de pavor, os lábios azulados e a respiração arfante. Griffydd massageava os braços roliços com a mão livre, tentando aquecê-lo da melhor maneira possível.

A jovem passou por Seona e correu até ele, arrancando o menino de seus braços e agradecendo com uma enxurrada de palavras em gaélico.

Tentando não lembrar a última vez em que falara com Seona, Griffydd recolheu o manto ao vê-la aproximar-se.

— Diga a ela para envolver a criança nisto. Sorrindo com um misto de alívio e gratidão, Seona falou com a jovem, que aceitou o manto para cobrir o menino.

— Obrigada — disse a filha de Diarmad, embalando o bebê. — Não foi nada. O menino parou de tremer e pôs um dedo na boca enquanto examinava o

homem que salvara sua vida. — Fionn e sua mãe também agradecem — Seona observou. Olhou para a

jovem e disse algumas palavras em gaélico, e Griffydd reconheceu seu nome. Ela devia estar fazendo as apresentações.

— As duas crianças são filhos dela? — perguntou. — Sim. Está é Lisid. A mulher sorria, alisando os cabelos com movimentos estudados para seduzir,

uma atitude no mínimo surpreendente para alguém que acabara de ver o filho sendo arrastado para a morte.

— O menino é Fionn — Seona prosseguiu. — E este anjo em meus braços é Beitiris.

Um rubor tingia seu rosto delicado. Griffydd não sabia como comportar-se diante dela. Era desconcertante lidar com uma mulher de tantas nuances. Num minuto era quase uma menina tímida, no outro, uma donzela espirituosa e, por fim, uma mulher tentadora.

— Não quero incomodá-las — ele disse, virando-se para partir. ! 25

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Page 26: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Não, por favor, espere! Griffydd parou e olhou para trás. Não era o único a reagir com surpresa diante

do pedido enfático, porque Lisid também parecia chocada. — Eu... gostaria de falar com você, Griffydd — Seona gaguejou. — Isto é, a

menos que esteja com frio e queira vestir roupas secas. Talvez mais tarde... — Fui treinado para suportar o frio, e um galês não se importa com a umidade.

Se tem algo a dizer, prefiro que seja agora. Seona pediu licença a Lisid que, relutante, pôs o filho no chão para pegar o

bebê e afastar-se. — Quero falar sobre o que aconteceu ontem à noite. Pretende dizer alguma

coisa a meu pai? Griffydd ergueu uma sobrancelha numa expressão intrigada. — Por favor, não diga nada. Seona viu uma emoção brilhar nos olhos cinzentos, mas não soube identificá-

la. — Continua afirmando que agiu por vontade própria? — ele perguntou com

tom neutro. — Talvez deva cumprimentá-la por sua coragem... mas não o farei. — E olhou para Lisid. — É uma pena que ela esteja aqui, ou poderia tentar seduzir-me novamente.

Vermelha, Seona tentou conter a ira para não dizer algo de que pudesse arrepender-se.

— Por favor, Sir Griffydd... — Griffydd. Depois daquele beijo, não precisamos mais de títulos. Não contribuiria para a própria humilhação implorar pela compreensão de um

estranho. — Apreciaria se não discutisse a noite passada com meu pai. Caso contrário,

sofrerei terríveis conseqüências. — Foi ele quem ordenou que me acompanhasse ao alojamento. — Mas não foi ele quem me obrigou a demonstrar tão grande disponibilidade. — Quer dizer que seu pai a punirá por isso? — Por tentar preveni-lo, sem dúvida. — Mas se eu revelar sua falta de compostura, ele abrandará a pena. Na

verdade, creio que ficará satisfeito se souber que o plano foi tão eficiente. — Não! — Lágrimas queimavam os olhos de Seona. Mais uma vez, teve a

impressão de ver a emoção estampada no rosto do forasteiro. Preocupação, talvez? — Eu não permitiria que seu pai a ferisse. Foi impossível esconder a surpresa. — Você não permitiria? — É evidente que não.

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Uma Batalha de Honra Margaret MooreHavia tanta convicção que Seona quase acreditou que um estranho a protegeria

da ira paterna. Antes que pudesse responder, ouviram uma comoção entre as árvores do

caminho que levava do riacho à fortaleza. — DeLanyea! — Diarmad surgiu como um javali selvagem do meio do

bosque. Um pequeno grupo o seguia e um sorriso distendeu seu rosto quando se deparou com o impassível Griffydd e a agitada Seona. — Felizmente o encontrei! — gritou entusiasmado. — Não o vi no alojamento e deduzi que estivesse aqui. E Seona, também.

Olhou para Lisid e seus filhos com ar carrancudo, como se a censurasse por estar ali.

Naoghas, marido de Lisid, também parecia contrariado com sua presença. Mesmo distante, Seona notou a expressão petulante de Lisid que, aborrecida,

afastou-se puxando Fionn pela mão. — Estava ajudando Lisid com as crianças — explicou —, e Sir Griffydd veio

lavar-se. Foi a Providência que o mandou, porque Fionn caiu no riacho e teria se afogado se Sir Griffydd não o resgatasse.

— Realmente? — Diarmad falou em voz alta. — Então devemos empenhar nossa gratidão, DeLanyea.

— E a minha — Naoghas acrescentou, apesar do evidente mau humor. — Sou marido de Lisid — anunciou com tom beligerante, sem sequer tentar disfarçar o ciúme.

Tentando evitar um confronto, Seona interferiu: — Nosso hóspede ainda não conseguiu dedicar-se a sua higiene matinal. Creio

que devemos deixá-lo em paz para lavar-se. — Aprecio sua gentileza — o galês respondeu. — Estava pensando em sair para caçar esta manhã, já que o tempo é tão bom

— Diarmad anunciou. — Teremos tempo para discutir negócios mais tarde. — Como quiser. — Bom, bom! — Infelizmente, não trouxe minhas armas de caça. — Temos armas de sobra. E também poderá usar um de nossos melhores

cavalos. Griffydd levou uma mão ao peito e inclinou-se. — Sua generosidade muito me honra. Seona começou a afastar-se, pensando em como ocuparia seu tempo enquanto

os homens estivessem caçando. Esperava que Griffydd DeLanyea guardasse segredo sobre o que havia acontecido na noite anterior. Vira a preocupação estampada em seu

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Uma Batalha de Honra Margaret Moorerosto quando expressara o temor de uma eventual punição, e era isso que alimentava suas esperanças.

— Seona! A voz estrondosa de Diarmad a fez parar. — Ainda não lhe dei permissão para partir. Vermelha, tentou imaginar qual era

a intenção do pai, além de humilhá-la tratando-a como se fosse uma criança. — Desculpe-me, meu pai, mas peço licença para retirar-me. Tenho muitas

coisas para fazer. — Vá ao salão e espere por mim — Diarmad ordenou, dispensando-a com um

gesto que costumava usar com os cães. Talvez não fosse tão importante quanto os animais. Griffydd não viu Seona afastar-se. Em vez disso, voltou a atenção para seu

anfitrião e o marido de Lisid. Tinha de estar sempre precavido. Precisava lembrar que estava ali para

concluir um acordo comercial entre seu pai e MacMurdoch, não para interferir em assuntos familiares que não eram de sua conta.

Não devia ter insinuado que se colocaria entre Seona e Diarmad, embora ele a tratasse como a uma escrava.

Talvez isso também fosse parte de um plano. Era possível que estivessem tentando despertar sua piedade pela jovem. Apesar dos protestos, era bem provável que ela só houvesse se aproximado dele naquela manhã por ter falhado em sua tentativa de seduzi-lo e forçar um casamento. Certamente preferia evitar que o pai tomasse conhecimento de seu fracasso.

— Bem, vou deixá-lo a sós para preparar-se. Estarei esperando em meu salão para o café da manhã, DeLanyea.

Griffydd inclinou-se mais uma vez enquanto Diarmad afastava-se, seguido por seus guerreiros silenciosos. Naoghas ainda lançou um olhar hostil em sua direção antes de desaparecer entre as árvores.

Apesar de ter salvo o filho dele da morte, era um forasteiro, um galês com sangue normando numa terra de Gail-Gaidheal e escoceses. Isso podia gerar animosidade.

Nenhum guerreiro astuto duvidaria de que Griffydd DeLanyea era um lutador bem treinado e habilidoso, e o ciúme era sempre uma possibilidade.

Ou teria sido outro tipo de ciúme o responsável pela hostilidade de Naoghas? Imaginar Seona num abraço apaixonado com o homem moreno e corpulento

provocou uma intensa e desconfortável mistura de emoções. Ciúme, raiva, ressentimento... coisas que jamais sentira de maneira tão contundente em toda sua vida.

Então lembrou-se da sedutora Lisid e seus sorrisos de gratidão. ! 28

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Uma Batalha de Honra Margaret MooreA frustração e o desânimo arrancaram um suspiro de seu peito. Sem dúvida, o

guerreiro sentia ciúme da esposa... mas a primeira mulher a invadir sua mente fora Seona. Devia estar enlouquecendo!

Griffydd virou-se e voltou à margem do riacho. Arrancou a túnica e jogou-a no chão antes de ajoelhar-se para lavar o rosto com a água gelada.

O choque de temperatura não serviu para aplacar o fogo que o queimava por dentro.

Sentado sobre os tornozelos, olhou para a correnteza e as colinas rochosas do outro lado, tentando recuperar o autocontrole. Tinha de tirar Seona MacMurdoch da cabeça!

Pelo menos Dylan não estava ali. O irmão adotivo sempre o acusara de ter uma pedra no lugar do coração, afirmando que as mulheres só o aceitavam por imaginarem a mesma rigidez em outras partes de sua anatomia.

Griffydd jamais respondera às provocações, nem revelara o quanto as palavras do irmão o perturbavam. Sabia que tinha um coração. Então não amava os pais, as pessoas mais finas e adoráveis de toda a Inglaterra? Não amava o lar, o país, os irmãos... e o próprio Dylan? Só não costumava proclamar os sentimentos para todos que quisessem ouvi-lo.

Nem engravidava as mulheres com quem se deitava. Dylan sempre havia estranhado o fato do irmão não ter filhos, até que uma de

suas amantes confidenciara que Griffydd sempre recuava. E Dylan não compreendera como um homem podia privar-se do maior de todos os prazeres. Afinal, que importância tinha se uma mulher ficava grávida? Não era nenhuma vergonha para uma galesa ou para a criança, e menos ainda para o pai, desde que ele cumprisse seus deveres e cuidasse do sustento de ambos.

Dylan jamais entenderia. Para Griffydd o amor não era um jogo. O coração de uma mulher não era um brinquedo, e uma criança não podia ser tratada como um bem, uma posse, um objeto. O amor de uma mulher e o nascimento de um filho acarretavam deveres e responsabilidades, bem como felicidade.

Griffydd sacudiu os cabelos molhados, como se pudesse livrar-se dos problemas junto com as gotas de água.

Jurando manter a mente voltada apenas para os negócios, sem desperdiçar tempo e energia com uma mulher intrigante, ou sua família e seus amigos, Griffydd vestiu a túnica e voltou para o alojamento. !!

CAPITULO V !!! 29

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Uma Batalha de Honra Margaret MooreHorrorizada, Seona encarou o pai através do salão vazio. — Não olhe para mim como se eu houvesse pedido para cortar um dedo! —

Diarmad vociferou. — Não vou atendê-lo — disse, olhando para a pilha de roupas sobre a mesa. —

Fiz o que me pediu ontem à noite, mas não voltarei aos aposentos de Griffydd DeLanyea! Não seria decente.

— Você irá se eu mandar! Ela respirou fundo e tentou recuperar a calma. Era inútil gritar com o pai. Ele

simplesmente responderia com outros gritos, mais altos que os dela. A última coisa que queria era que alguém ouvisse o que seu pai estava propondo.

— Você vai fazer o que eu disser! — Diarmad insistiu furioso, esmurrando a mesa com violência assustadora. — Quero dar um presente ao forasteiro, e você deve ensiná-lo a usá-lo corretamente.

— Estou certa de que um homem da idade dele é capaz de vestir-se sem a minha ajuda.

— O brat é uma peça típica da nossa região. E se ele não souber ajustá-lo e perdê-lo? Não queremos que fique envergonhado!

— Oh, não, não suportaríamos tamanha culpa — Seona respondeu indignada. — Envergonhe-me tratando-me como se eu fosse

um objeto que pode ser barganhado, atirando-me sobre ele como se eu fosse uma porca num mercado de carnes, mas não o deixe sofrer a vergonha de cometer um engano com suas roupas! Diarmad aproximou-se e agarrou-a pelo braço.

— Escute aqui, Seona, você vai fazer o que estou dizendo, se não quiser arrepender-se!

— O que vai fazer? — ela gritou furiosa, tentando livrar-se da mão que a segurava. — Surrar-me? Foi isso que fez com minha mãe antes de ela fugir?

— Sua mãe partiu com outro homem, como está farta de saber. E deixou você comigo, o que significa que é melhor obedecer-me, se não quiser apodrecer num convento.

— Talvez eu prefira apodrecer em qualquer outro lugar a continuar vivendo aqui!

— Muito bem! Isso pode ser arranjado... mas até lá seguirá minhas ordens, e quero que ajude o galês a vestir o brat. Vá de uma vez!

E caminhou para a porta arrastando-a, levando as roupas que recolheu sobre a mesa.

— Espere! — Seona protestou. — Farei o que está dizendo, mas não me arraste pelo vilarejo como se eu fosse um cachorro.

Diarmad parou e entregou as roupas, fitando-a com um misto de desconfiança e desdém.

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Já era hora de ouvir a voz da razão. Ela já estava saindo quando ouviu as últimas palavras do pai. — Pelo menos sabemos que o homem não fará avanços impróprios. Ele não

suporta nem olhar para você! Griffydd massageou as pernas com um pedaço de tecido, tentando aquecê-las.

A água do riacho era mais fria do que imaginara! Desde que voltara do rio, um vento gelado soprava do porto. Por conta disso, o

imenso alojamento era quase tão frio quanto o exterior, especialmente para um homem nu.

Acendera uma fogueira na lareira, mas ainda não havia conseguido parar de tremer.

Pensou em todas as vezes em que Sir Urien Fitzroy, considerado o melhor treinador de lutadores da Inglaterra e velho amigo de seu pai, havia insistido para continuarem a prática armada no frio, até mesmo sob forte nevasca. Quando Dylan reclamara que Fitzroy estava tentando matá-los lentamente, o treinador apontara que as batalhas nem sempre acontecem sob um clima ameno, e que às vezes um homem precisa sobreviver sozinho, caso se perca do exército. E isso implica em viajar com frio, molhado e faminto.

Apesar de entender o argumento, Griffydd odiara cada minuto das lições de sobrevivência.

Enquanto vestia a calça, concluiu que naquele dia fizera algo ainda melhor do que garantir a própria sobrevivência: salvara a vida de uma criança. Esperava que o menino Fionn não contraísse um resfriado, ou coisa pior.

— Sir Griffydd! Ele parou ao ouvir a voz familiar. — O que é? — perguntou gritando, terminando de vestir-se com movimentos

apressados. O que Seona MacMurdoch fazia na porta de seus aposentos, gritando seu nome como se o mundo estivesse prestes a desabar?

— Trago presentes de meu pai! Um sorriso sardônico distendeu os lábios do galês antes de ser substituído por

uma expressão desinteressada. Afastou a cobertura da porta e encontrou Seona parada na soleira, os braços

ocupados por diversas peças de roupa e o rosto contorcido numa máscara de contrariedade.

— Presentes? — perguntou sem convidá-la a entrar. Ela assentiu e entregou as peças.

— Roupas — anunciou. — Um leine chroich, brat e cuarans. Era óbvio que não queria estar ali.

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Uma Batalha de Honra Margaret MooreComo também havia ficado evidente, pela maneira como o pai a tratara, que o

relacionamento entre eles era conturbado, para dizer o mínimo. Podia até acreditar que ela o detestava. Diarmad fora tão ríspido, que Griffydd começava a considerar possível que Seona fosse sincera em suas afirmações sobre não querer fazer parte dos planos paternos.

No entanto, ela era filha de MacMurdoch, uma Gall-Gaidheal, e por isso tinha de estar alerta.

— Obrigado — disse, recuando um passo e estendendo os braços para aceitar os presentes.

Mas ela não os entregou. — Devo demonstrar a maneira correta de usá-los — resmungou. — Sei como vestir-me. — Eu sei que sim — Seona respondeu de cabeça baixa. — Mas meu pai me

mandou aqui para ajudá-lo. Ele teme que não saiba ajustar as roupas adequadamente, e que acabe envergonhado pela queda do brat.

— Envergonhado? —- Sim, porque... os homens não vestem mais nada sob ele. — Quer dizer que Diarmad receia que eu fique nu, caso tente vestir o brat

sozinho? — Exatamente — ela confirmou ruborizada. Griffydd sentiu vontade de rir. E teria gargalhado, se Seona não estivesse

parada diante dele. — Devo admitir que a idéia de encontrar-me seminu diante de estranhos não é

nada atraente, especialmente com esse vento frio soprando lá fora. Acha mesmo que devo usar esse traje? Não estou habituado a cavalgar sem... proteção. Não sei se a experiência será agradável.

Teve a impressão de que ela sorria, mas não podia afirmar com certeza. — Talvez tenha razão. Pode voltar da caçada bastante... irritado em certas

partes do corpo. — Por outro lado, não quero insultar meu anfitrião recusando um presente. — Suponho que possa usar o brat sobre sua calça. — De repente ela sorriu, e

a expressão de felicidade tornou-a ainda mais atraente. — E nesse caso, não precisaria da minha ajuda.

Por alguma razão, a conclusão não o agradou. — Como já disse, não tenho a intenção de insultar seu pai recusando um

presente — respondeu, subitamente determinado a usar o traje Gall-Gaidheal. — Sendo assim, temo não ter opção senão atender ao pedido de Diarmad.

— Teme? Nunca pensei que um homem como você pudesse temer alguma coisa.

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Tem razão. Mas assumo com seriedade a função de hóspede e representante

de meu pai. Seria uma vergonha usar de maneira incorreta um traje local. E não gosto de parecer tolo ou ignorante. Espero que tenha piedade de mim e ajude-me, Seona.

— Não creio que seja um homem digno de piedade. — Vou interpretar o comentário como um elogio. No entanto, odiaria perder as

roupas em público. — Posso dizer como deve ajustá-las — ela propôs com tom de desafio. —

Assim, não vai poder acusar-me de estar tentando seduzi-lo enquanto cumpro as ordens de meu pai.

— Ontem à noite afirmou que estava desafiando as ordens de Diarmad. O que a tornou tão obediente de repente?

Ela o encarou com uma firmeza enervante. — Todos os guerreiros sabem que há um momento para avançar e outro para

recuar. Hoje, optei pelo recuo. Seona era mesmo uma guerreira. Não exibia fraquezas que despertassem o

desejo de protegê-la, nem era frágil e chorona como a maioria das mulheres. Enfrentava o oponente com orgulho e coragem, e Griffydd não gostava de saber que ele era o oponente.

— Está bem, pode me dizer como ajustar as peças. A túnica não representa grande mistério.

— Não — ela respondeu aliviada. — É o brat que apresenta as maiores dificuldades, especialmente para um forasteiro.

— Entendo. E melhor entrar, ou vai acabar congelando nesse vento frio. — Não vou adoecer por causa de uma brisa. — Apesar do protesto, Seona

aceitou o convite. Uma vez lá dentro, deixou as peças sobre o baú de madeira que continha parte

da bagagem de Griffydd DeLanyea. Não queria estar sozinha com ele, mas sabia que não tinha escolha. Além do

mais, vira como ele tremera de frio logo depois de salvar Fionn do riacho. Se o hóspede adoecesse, seria péssimo para as negociações. E se a doença fosse séria, o pai acabaria sofrendo as conseqüências e, através dele, todos os habitantes de Dunloch. O barão DeLanyea concluiria que o filho havia adoecido por negligência do anfitrião.

— Primeiro, o leine chroich — disse, odiando a própria voz. Precisava controlar a própria ansiedade, ou acabaria fazendo papel de tola novamente.

Griffydd começou a despir a túnica. Assustada com o movimento, ela se virou para não ter de vê-lo.

A blusa caiu sobre a cama, e depois a mão agarrou a camisa alaranjada sobre o baú.

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Qual é a frente? — Griffydd perguntou despreocupado. — A parte com o cordão. — Certo. Pronto, já vesti a camisa. Agora o brat. — E estendeu o braço para

pegar o tecido. Seona teve de encará-lo. A camisa que o pai havia providenciado para ele era grande, comprida o

bastante para cobrir até a metade das coxas... mas o decote exibia o peito até a altura do umbigo.

Tentando não olhar para a pele exposta, notou que ele examinava com curiosidade o grande retângulo de lã aberto sobre seus braços.

— Isto é maior do que eu imaginava — comentou pensativo. — Talvez possa usá-lo sem a calça por baixo, afinal.

Mortificada, viu o forasteiro deixar o tecido sobre a cama e inclinar-se para tirar a calça. Estava prestes a virar-se de costas quando julgou ter visto um brilho debochado em seus olhos.

O olhar era como um desafio. Não daria as costas para Griffydd nem que ele ficasse completamente nu. — Não quero que seu pai e os homens que o seguem pensem que sou delicado

como uma donzela. Não havia a menor possibilidade de alguém em seu juízo perfeito confundir

Griffydd DeLanyea com uma donzela, Seona pensou, experimentando um estranho calor enquanto tentava aparentar a mais completa calma.

— Desculpe-me se a estou chocando — ele disse, terminando de despir a calça.

— A visão de um par de pernas nuas não é suficiente para chocar uma Gall-Gaidheal — ela respondeu. — Vamos precisar de um cinto.

— No baú. — Griffydd apontou para o local onde mantinha suas roupas. Depois olhou para o brat. — Quem fez isto? Você?

— Não. Seona vasculhou o interior do baú em busca de um cinto adequado. Instantes

depois, encontrou um largo o bastante para segurar todas as pregas do tecido. Virou-se... e derrubou o cinto, porque Griffydd havia fechado o decote da camisa, encurtando-a e quase expondo...

Não sabia para onde olhar enquanto abaixava-se para apanhar o cinto. Ao levantar-se, jogou-o sobre a cama e quase acertou a cabeça do visitante.

Ele conseguiu se esquivar com um movimento rápido. — Fiz alguma coisa errada? — perguntou com ar inocente.

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Não. — Seona aproximou-se e recolheu uma ponta do brat. — Fique

quieto. Segure a outra ponta junto de seu corpo enquanto eu enrolo o tecido em torno de sua cintura.

— Como quiser. Seona começou a trabalhar com habilidade surpreendente. — Estou recordando algo que meu pai me disse há algum tempo — ele

comentou. — Os egípcios costumavam envolver os mortos em linho para preservar os corpos.

— Preservá-los? Para quê? — Porque acreditavam que um dia eles voltariam. Meu pai chegou a ver um

deles. — Um egípcio? — Um corpo envolto em linho. O homem que curou de seus ferimentos

interessava-se pelo assunto. Ele mantinha o cadáver em sua casa. — Está dizendo a verdade? — Eu nunca minto, Seona. — Segure a outra ponta, enquanto eu ajusto o cinto. Onde mora esse homem

que guarda corpos de pessoas mortas? — perguntou, tentando não negligenciar a tarefa. — Duvido que seja em Gales.

— Oh, não. Ele mora na Terra Santa. — Seu pai esteve lá? — Sim, na Cruzada, com o rei Ricardo. Ele tem muitas histórias interessantes

sobre as viagens que fez. Seona teve de aproximar-se de Griffydd para ajustar o cinto sobre o tecido.

Afivelá-lo era a pior parte, e ela continuou conversando para não pensar no corpo musculoso e nu sob o retângulo de lã.

— Admira seu pai? — Muito. Ele é tudo que um bom lorde deve ser, e mais. Um guerreiro nobre,

um senhor justo, um excelente marido e o melhor de todos os pais. Depois de prender o cinto, ela começou a ajeitar o tecido em pregas com

movimentos rápidos e precisos. — E você, como descreveria seu pai? — o galês perguntou. — Como o chefe de Dunloch. Pronto — anunciou, aliviada por poder afastar-

se. — Já terminamos. — Acho que não. Deixou uma ponta de tecido aqui atrás — disse, notando a

espécie de cauda que se estendia da cintura até o chão. — Deve passar essa parte do pano sobre um ombro e prendê-la ao peito com

um broche. — Acha que o prendedor do manto vai servir?

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Imagino que sim. — Determinada, ajudou-o a colocar o tecido sobre o

ombro e foi buscar o alfinete no baú. — Deve estar à direita, em cima de tudo. Havia um grande broche redondo que seria perfeito para completar o traje. Ela

o apanhou e examinou-o. — O que foi? Acha que o prendedor não é adequado? — Oh, não! Só estava imaginando que esta é uma jóia simples, considerando a

riqueza de sua família e a posição que ocupam no mundo. — Nem sempre fomos ricos. O rei Ricardo abandonou meu pai na Terra Santa,

onde ele teria morrido, não fosse por sua coragem. Quando finalmente conseguiu voltar a Gales, o barão descobriu que tinha apenas a terra e um castelo arruinado. O grande trabalho da vida dele foi recuperar a prosperidade de nossa família.

Surpresa com a revelação sincera e desprovida de orgulho, Seona aproximou-se para prender o broche que uniria o brat e o leine chroich.

Quando concluiu a tarefa e preparou-se para partir, Griffydd pousou a mão sobre a dela e segurou-a sobre seu ombro.

— Acredito em você — ele anunciou com tom solene. — O que está dizendo? — A voz era pouco mais que um sussurro. — Acredito em você. Sei que não está de acordo com os planos de seu pai, e

que não se deixaria usar por ele, por maior que fosse a pressão. Acredito que é tão honrada quanto eu e que não está tentando envolver-me numa armadilha vil. Errei ao acusá-la injustamente.

— É bom saber que finalmente entendeu minhas intenções. Os olhos dele tornaram-se mais escuros. — Acredito que não esteve me tentando para atingir algum propósito

desonesto, mas mesmo assim me senti tentado. — Eu... o tentei? — Sim. Por que me beijou, Seona? Espero que tenha sido porque quis. — Por que você me beijou? — ela devolveu, as pernas tremendo como se

houvesse corrido da praia até a torre. Os lábios sensuais de Griffydd distenderam-se num sorriso provocante. — Porque eu quis. !!CAPÍTULO VI !!

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Page 37: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreGriffydd acreditava realmente em Seona. Suas palavras e o comportamento

franco foram suficientes para convencê-lo de que não era cúmplice do pai em algum plano sórdido.

Portanto, foi com choque e tristeza que viu a dúvida estampar-se no rosto dela. — Então é desonesto, como eu disse ontem à noite! — exclamou, empurrando-

o com firmeza. Antes que pudesse sair, Griffydd bloqueou a porta. — Quero saber por que me acusa — exigiu. — Você mentiu para mim! — Já disse isso, e eu já afirmei que nunca minto. Quando acha que menti para

você? Ela olhou para o chão como uma criança encabulada. — Deixe-me ir — murmurou. — Não enquanto não me disser quando acha que menti. Dou muito valor à

honra, Seona. E uma acusação de falsidade é séria, especialmente quando injusta. — Injusta? — surpreendeu-se, erguendo os olhos para encará-lo. — Você

disse que sou bonita! — E é — Griffydd respondeu confuso. A expressão de acusação desapareceu de seu rosto, dando lugar à surpresa. — Então não sabe? — Foi a vez dele surpreender-se. — Você foi a única pessoa a dizer-me tal coisa. — A dor daquela verdade

podia ser vista com clareza nos Olhos francos. — Então todos são cegos — Griffydd declarou com sentimento. Seona ergueu os ombros e cruzou os braços sobre I peito. — Ou você pensa que sou. Deve achar que uma mulher caseira e indesejada

como eu é uma presa fácil de ser seduzida por homens como você. Assim teria alguma coisa com que ocupar-se aqui entre o Gall-Gaidheal, uma diversão que o ajudaria a passar o tempo enquanto negocia com meu pai. Afinal, o chefe não H importaria. Na verdade, está empurrando a própria Ilha para seus braços!

Antes que pudesse protestar ou detê-la, Seona passou por ele e saiu do alojamento correndo. Griffydd a seguiu, mas ela havia desaparecido entre as árvores e foi impossível localizá-la.

0 que Diarmad e seus homens pensariam se o vissem perseguindo a filha do chefe?

Certamente o julgariam tolo, decidiu, tomando consciência de que estava sem as botas. Já devia parecer tolo o bastante sem contribuir para a imagem.

Irritado, voltou para dentro do alojamento e deslizou as mãos pela cabeça, tentando pensar. Acalmar-se. Recuperar o controle.

Como a convenceria de sua sinceridade? ! 37

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Page 38: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreDevia tentar? Jamais sentira desejo tão intenso por outra mulher como o que experimentara

por Seona momentos atrás, quando ela ajustara o brat em torno de seu corpo. Sentia-se como se estivesse sob algum tipo de encantamento. O que mais

explicaria a maneira estranha como se comportara, desnudando-se diante de uma jovem inocente com a luxúria desavergonhada de... de Dylan!

Felizmente havia recuperado o bom senso. Em parte. E então deu-se conta de outro fato. Não queria estar com a intrigante e adorável Seona MacMurdoch por uma

hora, ou uma noite, ou mesmo pela duração de sua visita. Queria estar com ela pelo resto da vida, como jamais quisera qualquer outra

coisa. Sentado na cama, olhou para a parede como se ali pudesse encontrar todas as

respostas. Seria aquilo um encantamento... ou amor? O que estava acontecendo com ele? Mal a conhecia. Para ser sincero, o que

vira agradara-o, mas certamente teria de descobrir muito mais antes de sentir-se preparado para... o quê? Pedir a mão dela em casamento?

Era tudo muito súbito, envolvente e assustador. Ninguém nunca... Os pais sempre diziam que souberam reconhecer o forte laço que os unia no

primeiro olhar que haviam trocado, e que essa atração desabrochara rapidamente, transformando-se em amor.

Não tinha dúvidas de que Seona sentia-se atraída por ele, ou não reagiria a sua paixão com tanto ardor. Não permitiria que a beijasse, nem corresponderia ao desejo que sabia estar estampado em seus olhos.

Devia importar-se com ele. Talvez não com tanta veemência... ainda. Tentou considerar a possibilidade de se casar com Seona. Com lógica. Com

frieza. Com bom senso. Sempre fora capaz de lidar com todos os assuntos usando o raciocínio, e certamente poderia repetir o procedimento dessa vez.

Se ele e Seona estivessem apaixonados quando chegasse o momento de voltar para casa, se tivesse certeza de que ela o aceitaria, tornando-o o mais feliz dos homens da Inglaterra, talvez de toda a Europa...

Se ainda desejasse casar-se com Seona quando as negociações fossem concluídas e tivesse de deixá-la com o pai, um homem bruto e ríspido que não sabia apreciar a sorte de ter tido uma filha como ela...

Griffydd balançou a cabeça e tentou outra vez. Se ainda quisesse a mão de Seona quando tivesse de voltar a Gales, que obstáculos poderiam existir para um compromisso entre eles?

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Page 39: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreSeu pai queria uma aliança comercial com Diarmad MacMurdoch;

MacMurdoch queria uma aliança com o barão DeLanyea. Tudo que ele queria era Seona, com seu charme sutil e seu rosto delicado

emoldurado pela lustrosa cortina de cabelos avermelhados. Mais uma vez, tentou concentrar-se. Um casamento entre a filha de MacMurdoch e o primogênito do barão

DeLanyea seria considerado uma aliança muito mais séria que um pacto comercial. Os inimigos do barão tentariam convencer outros lordes normandos, e talvez até o rei, de que os DeLanyea estavam mal-intencionados em suas ligações com os Gall-Gaidheal e até com os nórdicos.

Mas inimigos de sua família lançariam suspeitas .sobre qualquer casamento que pretendesse fazer, qualquer que fosse a escolhida.

E no entanto, essa não era uma situação simples. Não era um rapaz simples apaixonado por uma donzela qualquer. Era o filho mais velho de um poderoso e respeitado barão, e sua pretendida era a única filha do chefe dos Gall-Gaidheal.

Portanto, disse a si mesmo, devia ser cauteloso. Tinha de manter a calma e evitar atitudes precipitadas. Precisava certificar-se de seus sentimentos antes de torná-los conhecidos, inclusive para Seona.

Até lá, teria de controlar o desejo por uma mulher que mal conhecia, ou acabaria criando dificuldades para todos.

Encontraria uma maneira de conter a paixão. !Algum tempo mais tarde, protegido pela pele do cuarans e desfrutando da

inusitada liberdade do brat, Griffydd dirigiu-se à fortaleza de Diarmad a fim de juntar-se ao chefe e seus homens para a caçada.

MacMurdoch e o grupo de guerreiros o esperavam perto de um estábulo no interior dos muros da fortaleza. Ao lado do galpão havia uma área cercada e, dentro da cerca, um dos mais belos animais que Griffydd jamais vira. O cavalo era negro e batia as patas dianteiras contra o chão como se estivesse ansioso por um pouco de exercício.

Era preciso passar pela entrada do salão para chegar ao estábulo e, ao fazê-lo, DeLanyea viu uma mulher saindo do edifício. Reconhecendo Lisid, lembrando a reação do marido da jovem naquela manhã e tomando conhecimento da presença de Naoghas ao lado de Diarmad, cumprimentou-a com um rápido aceno de cabeça disposto a seguir em frente.

Mas ela o interceptou, bloqueando o caminho. — Ficou muito bem usando o brat — disse, surpreendendo-o ao falar em

outro idioma além do gaélico. — Obrigado. Peço que me perdoe, mas Diarmad e seus homens estão...

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Eu mesma o fiz. O brat é resultado do meu trabalho. E também tingi a

camisa. Sou a melhor nesse tipo de ofício em todo o vilarejo. — Realmente? — perguntou, pouco interessado na resposta, disposto a

afastar-se dela antes que Naoghas concluísse que havia algum interesse de sua parte. — Com licença, mas estou sendo esperado pelo chefe e seus guerreiros.

Apressado, afastou-se, consciente do olhar hostil que Naoghas lançava em sua direção. O melhor a fazer era ignorá-lo, e por isso Griffydd concentrou a atenção em Diarmad, que sorria e gesticulava com entusiasmo.

— O brat ficou muito bem em você, meu amigo. — Obrigado. Creio que vou precisar de algum tempo para habituar-me ao traje. — Talvez — o chefe respondeu rindo. — Nós que já nascemos dentro dele

não saberíamos vestir outra coisa. Agora venha, homem, e escolha uma montaria para a caçada. Temos de aproveitar o clima glorioso.

— Usarei aquele, se puder — Griffydd decidiu, apontando para o garanhão negro.

Diarmad arregalou os olhos numa expressão surpresa. Em seguida conteve um sorriso.

— Eu escolheria outro — sugeriu. Griffydd não gostou da insinuação daquele olhar. — Por quê? Há algum problema com esse cavalo? — Nenhum. — Mas Diarmad lançou um olhar significativo para seus

comandados, um sinal que Griffydd não deixou de notar. Acreditavam que não seria capaz de dominar o cavalo? Ou que temia um

animal tão forte e rebelde? Aprendera a cavalgar com o pai e Urien Fitzroy, os dois melhores professores da Inglaterra. Não existia montaria que não pudesse domar.

— Ficarei com o preto, então, a menos que proíba — decretou. — Oh, eu não proibiria um hóspede de escolher a montaria que desejasse —

Diarmad respondeu, ainda com aquele sorriso enervante nos lábios. — Muito bem, fique com o preto. Mas saiba que ele é difícil de dominar. A única resposta de Griffydd DeLanyea foi um sorriso gelado.

Algum tempo mais tarde, fora do alojamento de Lisid e Naoghas, que ficava entre a fortaleza e o porto, Seona embalava a pequena Beitiris e entoava uma canção de ninar.

O sol brilhava forte, e apesar da brisa fresca, os raios dourados davam a sensação de estarem em pleno verão.

De onde estava, Seona podia ver o porto e os navios ancorados. Alguns pescadores haviam voltado do mar e levavam os peixes para a praia com a ajuda de suas esposas e dos filhos.

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Page 41: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreLisid acabara de amamentar Beitiris, e entregara a criança para Seona enquanto

cuidava do tingimento do tecido para o leine chroich. Também era responsabilidade de Seona manter-se atenta ao pequeno Fionn, que brincava com gravetos flutuantes em um dos baldes que ela enchera com água.

Lisid precisava de alguém para cuidar das crianças, pois seu trabalho era importante, tornado ainda mais difícil pela falta de açafrão. O pigmento era caro demais para a maioria dos guerreiros, e por isso ela utilizava folhas de vidoeiro, ou murta do pântano. Os resultados eram satisfatórios, desde que o artesão fosse cuidadoso e dominasse a arte de tingir.

Enquanto Lisid concentrava-se no trabalho, os pensamentos de Seona iam longe, com um dos membros do grupo que saíra para caçar.

Vira os guerreiros partindo, mas havia preferido não se aproximar. Não ousara, porque era cada vez mais difícil raciocinar quando estava perto de Griffydd DeLanyea.

Teria o forasteiro sido honesto sobre sua aparência, ou suas suspeitas tinham fundamento? Por mais incrível que parecesse, ele a considerava realmente bonita, ou a considerava uma presa fácil de seduzir?

Sem deixar de cantar, aproximou-se de um dos baldes com água para espelhar-se na superfície calma.

Não possuía a beleza de Lisid, mas não era feia, apesar do corpo magro, dos olhos muito grandes e do queixo pontudo.

O pai a julgava estúpida, porque não tinha paciência para tecer e nunca fora capaz de tingir um tecido com um mínimo de uniformidade. Depois de muitas horas de instruções da velha Meigan, Seona fora declarada incapaz e aconselhada a ajudar Lisid mantendo os potes cheios, cuidando do fogo e das crianças.

Seona preferia cuidar de muitas crianças a vigiar um pote com pigmento amarelo.

— O que está cantando? Um torram? — Lisid perguntou, levantando o tecido que mantinha dentro de um pote com tinta fervente para verificar o progresso do trabalho.

— Sim, é um torram — ela respondeu, olhando para Fionn de forma a esconder o rubor de seu rosto.

Não devia estar tão corada. Que importância tinha a canção que entoava? Lisid não podia saber que repetia a melodia que ouvira o forasteiro cantar na noite anterior, quando seguiam para o alojamento.

— Quanto tempo ainda levará para terminar? — perguntou. — Não muito. Está cansada de segurar o bebê? — Não. Só estava pensando na refeição da noite. — E olhou para o sol. —

Suponho que os homens estejam de volta da caçada antes do anoitecer. ! 41

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Page 42: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— É evidente que sim — Lisid respondeu aborrecida, enquanto acrescentava

mais um pouco de murta ao pote. — DeLanyea não vai suportar cavalgar por muito tempo.

— Ele não está habituado ao brat — Seona concordou. — Talvez precise de um ungüento.

Lisid exibiu um sorriso que ela conhecia bem. Nunca apreciara a vaidade da jovem mãe e a maneira como se deixava cercar pela atenção de todos os homens.

— Creio que esse será o menor dos problemas do galês — Lisid opinou. — Não viu o cavalo que ele escolheu?

— Não prestei atenção. — Seu pai o deixou sair naquele animal de combate. — Não! — Eu vi quando partiram. Os cavalos de combate eram selvagens, treinados para atacar com mordidas e

coices. Sabia que seu pai tomava o cuidado de prepará-los também para a sela, caso houvesse necessidade, mas era melhor que ninguém tentasse montá-los.

— Tem certeza de que ele saiu no cavalo negro? — Sim. Estava no estábulo porque... porque tinha um assunto para tratar com

Naoghas. Seona conhecia Lisid e sabia que esse não era o verdadeiro motivo de sua

presença no estábulo. Griffydd DeLanyea era um homem atraente. Lisid devia ter ido até lá na

esperança de se fazer notar, como um pescador espera que o peixe morda a isca. E pelas maneiras ríspidas que exibia, devia ter voltado desapontada. Griffydd DeLanyea devia ter notado o ressentimento e o ciúme no rosto de

Naoghas quando ele os vira no riacho naquela manhã. O fato de não ter tirado proveito das ofertas generosas de Lisid não significava que estivesse realmente interessado nela, ou que a considerasse bonita, como afirmara.

— O galês é mesmo um tolo — Lisid disparou com amargura. — Devia ter notado que aquele não era um cavalo comum.

— Meu pai não tentou detê-lo? — Ele sugeriu que DeLanyea escolhesse outra montaria. Podia imaginar como tudo acontecera. Diarmad devia ter sorrido com ironia ao

aconselhar o forasteiro a escolher outro animal. Qualquer homem de orgulho julgaria a sugestão uma afronta aos seus dotes de cavaleiro, e tinha certeza de que Griffydd DeLanyea possuía uma considerável medida de orgulho.

Mesmo assim, gostaria de saber o que o pai pretendia permitindo que o galês usasse um animal tão selvagem. Talvez quisesse que o visitante quebrasse o pescoço.

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Page 43: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreMesmo que Griffydd conseguisse se manter sobre o cavalo, seria difícil dominá-lo, sem mencionar o desconforto. /

— O homem tem realmente sangue normando — Lisid apontou com frieza. — Ignorante e arrogante. E sabe o que mais dizem sobre os normandos, não é?

— Não — Seona respondeu distraída, imaginando quanto tempo Griffydd conseguiria passar sobre o garanhão negro.

— Dizem que preferem os homens. — Para quê? — Seona! Não pode imaginar? E óbvio que DeLanyea não é como os homens

normais. Seona escondeu o desgosto provocado pelo assunto e pela sugestão da esposa

de Naoghas. Então percebeu que, num certo sentido, ela tinha razão, desde que se

considerasse os homens de Dunloch como parâmetro de normalidade. Griffydd DeLanyea nada tinha em comum com eles.

— Mesmo que o que diz sobre os normandos seja verdade, nunca ouvi boato semelhante ligado aos galeses. Na verdade, creio que dizem justamente o oposto.

Lisid não respondeu. Aborrecida, jogou a cabeça para trás num gesto arrogante e voltou ao trabalho.

Apesar da preocupação com o destino de Griffydd sobre o animal de combate, Seona não pôde deixar de sorrir diante da reação contrariada da jovem.

— Veja! — Fionn gritou de repente, chamando sua atenção e apontando para os gravetos que flutuavam no balde com água. — Navios!

Seona sorriu. — É verdade, Fionn. São barcos de pesca? O menino franziu a testa como se houvesse sido ofendido. — Não! — Ah, então você é um mercador? A expressão tornou-se ainda mais carrancuda. — Não! — Então é um rei poderoso e esses são seus navios de guerra? O menino sorriu. — Como aquele! — E apontou para o porto. Seona olhou na direção indicada

e apertou o bebê contra o peito. Um navio desconhecido entrava na baía. Era um dos melhores que já vira, baixo, a proa encurvada cortando a superfície

calma do mar. Sobre a lateral da embarcação pendiam os escudos arredondados dos nórdicos, a luz do sol refletida pelas estampas de metal. O som dos remos chegava claro até onde estavam, bem como as vozes que entoavam uma canção cadenciada.

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Page 44: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreO navio aproximava-se depressa, tanto que Seona percebeu que estaria no

porto antes que ela pudesse enviar alguém para chamar o pai. Tinha de conter o medo. Não havia motivo para supor que se tratava de um

ataque ao vilarejo. Era apenas uma embarcação solitário entrando no porto à luz do dia. E os Gall-Gaidheal eram submissos ao rei nórdico. Talvez os homens estivessem em Dunloch para comprar suprimentos.

Ou era época de Haakon recolher o imposto, a soma que exigia de seu pai como tributo ao trono.

A tensão abandonou seu corpo, mas logo outro temor assaltou-a. Talvez Haakon houvesse tomado conhecimento de que Diarmad pretendia

estabelecer uma aliança com um barão galês de ascendência normanda. Talvez houvesse mandado aquele navio para sugerir uma eventual retaliação contra um povoado cujo chefe conspirava contra seu soberano.

Seona virou-se e notou que Lisid também observava a embarcação. — Quem são? — A jovem perguntou com tom assustado. — Reconhece o

navio? — Não. .— E entregou Beitiris à mãe. — Reúna todas as mulheres e crianças

que puder e vá para as montanhas. Devem ficar lá até terem certeza de que não existi perigo algum.

No alto das montanhas existiam cavernas com provisões para o caso de um ataque repentino. Todas as mulheres sabiam onde estavam os mantimentos e como deviam proceder. E como defendê-los, também, caso fosse necessário.

— Vou convocar todos os homens que estiverem no povoado — Seona concluiu.

O rosto de Fionn traía o pavor que o invadia e seus lábios tremerem. Lágrimas brotavam de seus olhos. Seona ajoelhou-se ao lado do pequeno.

— Devem ser amigos — disse. — Seja um bom menino e ajude sua mãe com as crianças menores, está bem? Como um guerreiro.

Ele fez um movimento afirmativo com a cabeça, fazendo-a pensar em outro guerreiro que conhecera recentemente.

Seona levantou-se. — Faça o que eu disse, Lisid. Assim que tivermos certeza das intenções dos

recém-chegados, mandarei alguém avisá-la. Em seguida, partiu correndo para o vilarejo a fim de reunir o maior número

possível de homens no curto espaço de tempo de que dispunha até o navio ancorar no porto. Quem quer que estivesse naquela embarcação, não poderia saber como Dunloch estava desprotegido.

Porque seu pai e todos os guerreiros estavam fora numa caçada cujo único objetivo era a diversão.

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Page 45: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore!!CAPÍTULO VII !!Griffydd esforçava-se para manter o controle sobre o cavalo. O grupo

cavalgava por um vale longo e estreito cujas características o desagradavam, porque lembrava as histórias do pai sobre ataques súbitos e emboscadas ocorridos em circunstâncias semelhantes.

O fato de estar sobre um animal muito grande e arisco, difícil de comandar, aumentava a apreensão. Não tinha receio de montar nenhum tipo de animal, mas era obrigado a concentrar toda a atenção no cavalo, o que o impedia de acompanhar os movimentos dos guerreiros de Diarmad.

Devia ter escolhido outra montaria, mas o chefe dos Gall-Gaidheal pensaria que era um covarde.

E teria sido melhor se houvesse conservado a calça sob o brat. Tentara ajeitar o tecido entre as pernas para proteger-se, mas o movimento constante do animal provocava constantes deslocamentos. Tinha a sensação de que a parte interna das coxas estava sendo esfregada com areia.

E por nada. Desde que deixaram Dunloch, não avistaram um único veado. Havia uma explicação simples para a falta de sucesso. Diarmad e seus homens faziam mais barulho que um bando de gralhas

excitadas. Os cães se mostravam incrivelmente quietos, comparados aos seus donos. Era bem provável que todos os veados e animais dignos de atenção houvessem fugido para longe dali.

Pior, nenhum dos integrantes do grupo parecia importar-se com isso. Pelo contrário, estavam mais preocupados em esvaziar o conteúdo de seus recipientes de vinho.

Sempre soubera que os Gall-Gaidheal eram bárbaros, gente que combinava a herança beligerante e pirata dos nórdicos e o orgulho individualista dos escoceses. Os normandos também haviam sido nórdicos em certa época, quando receberam terras na Gália para que deixassem de pilhar e saquear.

Não era de causar espanto que a Gália se sentisse cercada por viquingues, sofrendo o temor constante de ser invadida e conquistada.

E no entanto, a mulher que desejava era uma Gall-Gaidheal, filha de um líder ganancioso e sem escrúpulos. O que seu pai diria de tal união? O barão DeLanyea não via nada de errado em estabelecer relações comerciais com Diarmad, mas um casamento unindo as duas famílias, unindo sua gente àquele bando de selvagens, certamente o desagradaria.

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Page 46: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreE não poderia discordar das reservas do pai. Teria reagido da mesma maneira,

caso Dylan ou seu irmão caçula, Trystan, fizesse uma escolha semelhante. De repente um dos cavalos disparou. O cavalo de Griffydd assustou-se e

ergueu as patas dianteiras. A ação pegou o pensativo Griffydd de surpresa e lançou-o contra o solo

rochoso. Seona esperava nervosa no porto, observando a aproximação do navio. Atrás dela estavam todos os homens que conseguira reunir no povoado,

armados como guerreiros. Os ferreiros, os construtores de barcos, os comerciantes e os pescadores que já haviam retornado do mar, todos aguardavam ansiosos a chegada dos desconhecidos. Podiam ouvir o que diziam, apesar de falarem em voz baixa, e sabia que também estavam apreensivos com a aparição inesperada da embarcação desconhecida.

Temiam um combate armado. Seona olhou para trás, para a estrada que levava ao bosque e ao vale além dele,

para onde haviam ido seu pai, os guerreiros e o hóspede. Esperava que retornassem em breve.

E esperava que Griffydd DeLanyea voltasse inteiro. Tinha problemas suficientes naquele momento sem ocupar-se com o destino de

Griffydd, e por isso voltou a observar a embarcação. Havia um homem na popa do barco, e sua única missão parecia ser vigiar a

praia. Devia ser o líder do grupo porque mantinha a pose confiante de um comandante. Alto e forte, tinha cabelos louros na altura dos ombros e uma barba espessa. Ele usava braceletes de prata na parte superior dos braços, e sua túnica escarlate era cingida por um cinto com estampas do mesmo metal. Calça de lã e pele presas por correias de couro protegiam suas pernas, que pareciam maciças como as pedras da praia.

Esse homem gritou uma ordem e todos os remos foram erguidos como lanças. Em seguida, como se o movimento houvesse sido ensaiado exaustivamente, todos colocaram os instrumentos nos bancos do navio que chegara ao porto.

Não havia nenhum indício de beligerância na atitude do grupo, coisas como armas apontadas para o continente ou capacetes sobre as cabeças cobertas por longos cabelos dourados.

Atrás de Seona, os homens trocaram comentários aliviados e correram para ajudar com as cordas que prenderiam a embarcação ao porto.

Seona adiantou-se quando o líder desembarcou. De perto, ele era ainda mais imponente, quase um gigante. A pele tingida pelo

sol realçava os olhos azuis que, atentos, examinavam-na dos pés à cabeça.

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Page 47: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MoorePor um momento, Seona desejou possuir um vestido melhor ou jóias para

indicar que era a filha do chefe daquele povoado. — Em nome de Diarmad MacMurdoch, governante de Dunloch, eu lhe dou as

boas-vindas — declarou, feliz por conseguir manter a voz firme, apesar do tremor interior. Estava tão controlada que conseguia até esconder o desgosto provocado pelo olhar insolente.

O homem pôs as mãos na cintura e continuou a examiná-la sem tentar disfarçar o desdém.

— Onde está aquele velho abutre? — perguntou em voz alta. — Posso perguntar quem deseja saber? — Sou Olaf Haraldson, primo de Haakon, rei da Noruega. Fui enviado por seu

rei para recolher o imposto. — Saudações, meu lorde. — E inclinou-se diante dele numa demonstração de

respeito. — Sou Seona MacMurdoch, filha do líder de Dunloch. — Você é filha dele? — Sim. Lamentavelmente, não fomos informados sobre sua visita, meu lorde,

ou meu pai teria estado presente para recebê-lo. — Onde ele está? — Cuidando de negócios ao norte. Espero-o de volta a qualquer momento.

Enquanto isso, permita-me oferecer a hospitalidade do salão. Não sabia onde acomodaria os recém-chegados. Olaf ficaria insultado se não

tivesse acomodações em terra. Teria de pedir a Griffydd DeLanyea que fosse dormir na fortaleza com os homens de Diarmad que ainda não eram casados. Era melhor que obrigá-lo a dividir o espaço do alojamento com o ruidoso norueguês e sua tripulação.

Olaf a encarava com expressão desconfiada. — Diarmad está fora pilhando navios, não é? — É evidente que não, meu lorde! — O que quer que esteja fazendo, sem dúvida obterá lucro. Bem, desde que

pague o imposto, ele pode fazer o que desejar em sua terra. — Olaf olhou por cima do ombro e gritou uma ordem. Depois encarou-a novamente. — Meus homens montarão acampamento naquele prado — disse, apontando para a área aberta entre a fortaleza e o bosque perto do riacho, muito mais perto do povoado que o alojamento para hóspedes.

— Temos um local próprio para abrigar os visitantes. — Prefiro dormir em minha tenda. —Como quiser. Gostaria de beber alguma coisa no salão enquanto espera por

meu pai?

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Page 48: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Não. Vou supervisionar a montagem do acampamento.— Como se

recuperasse subitamente as boas maneiras, sorriu e inclinou-se. — Se me permite, filha de Diarmad.

Seona inclinou a cabeça antes de afastar-se. Assim que afastou-se do porto, deixou escapar o ar que prendera nos pulmões e respirou aliviada... até notar o grupo que descia a montanha lentamente tendo seu pai à frente.

Eles cavalgavam sem pressa, o que significava que ainda não haviam notado a presença de um navio estranho no porto. Enquanto corria ao encontro do grupo, notou que não podia ver Griffydd DeLanyea.

E apressou o passo. Quando alcançou o pai, ele parou. — O que a traz aqui com tanta pressa? As panelas estão vazias? Não tem o

que cozinhar para o jantar? Seona ignorou as gargalhas embriagadas do resto do grupo e procurou pelo

filho do barão galês. Viu o cavalo negro tão temido por todos e percebeu que um dos guerreiros o conduzia Pela rédea, puxando-o atrás de sua montaria.

— Onde está sir Griffydd? — De quem é aquele navio? — Diarmad perguntou, olhando para o porto

como se houvesse recuperado a sobriedade de um momento para o outro. — O comandante do barco disse chamar-se Olaf Haraldson. Ele afirma ser

primo do rei Haakon e está aqui para cobrar o imposto. — E um homem alto, com cabelos dourados e voz de trovão? — Sim. Para sua surpresa, Diarmad riu. — Ora, ora, não vejo Olaf desde que visitei o rei. Haakon enviou o primo em

uma missão? — É o que parece. Isso o agrada? — Não é da sua conta. Trate de se ocupar com nosso hóspede. — O que aconteceu? Onde ele está? — O pobre coitado caiu do cavalo e feriu o tornozelo. Não creio que o tenha

quebrado. Diarmad tinha bastante experiência com ferimentos de todo o tipo, fossem

acidentais ou causados por batalhas, e por isso sabia identificá-los com um simples olhar. Mesmo assim, uma ferida na perna podia ser desastrosa se infeccionasse.

— Talvez não tenha sido uma boa idéia deixá-lo cavalgar um animal tão selvagem.

— Ele o escolheu e não quis ouvir meus conselhos. — Nesse caso, só nos resta esperar que o ferimento não seja grave — ela

respondeu, revelando parte da raiva e do desânimo que experimentava. ! 48

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— É melhor cuidar para que não haja conseqüências, Seona. Vai cuidar dele

até que esteja recuperado — o pai ordenou. — Isso não seria... Hesitou ao ver o aborrecimento no rosto de Diarmad. Não fora prudente ao

criticá-lo diante de seus homens. — Onde está sir Griffydd? — repetiu. — Lá atrás com Naoghas. Vamos em frente, homens! Temos de receber o

primo de Haakon e dar a ele as boas-vindas! Com isso, partiu em disparada na direção da fortaleza, seguido por todos,

exceto o marido de Lisid. Como o pai parecia considerar a chegada de Olàf motivo de alegria, em vez de

preocupação, Seona voltou a pensar em Griffydd DeLanyea. Correu até Naoghas e encontrou Griffydd deitado numa cama improvisada com bambus e folhas de pinheiro sobre tecido. Uma das pontas permanecia erguida, amarrada ao cavalo de Naoghas. A outra extremidade era arrastada no chão. O homem ferido permanecia imóvel, o rosto pálido e os olhos fechados.

— Sir? Griffydd abriu os olhos lentamente e fitou-a. Era como pudesse enxergar sua alma. Como se os olhos graves e cinzentos

pudessem ler seus mais secretos pensamentos e temores, esperanças e sonhos. Como se o homem a encará-la soubesse tudo sobre seu passado e presente e a compreendesse.

Seona desviou os olhos dos dele. — O que aconteceu? — Fui derrubado pelo cavalo — ele respondeu atordoado. — Sente dores? Griffydd olhou para Naoghas e torceu os lábios... mas não com agonia. — Temo ter quebrado a perna — disse em voz alta, certamente para ser ouvido

pelo guerreiro. — Hmm. Vou ter de examiná-lo — Seona informou a Naoghas, que parecia

lamentar o fato do galês ainda estar vivo. — Por favor, leve-o ao alojamento. Naoghas assentiu e seguiu na direção indicada. Enquanto caminhava, Seona refletia sobre como o hóspede conseguira obter

um meio de transporte muito mais confortável que o cavalo de combate de que Diarmad tanto orgulhava-se. !

— Saudações, Olaf. — Diarmad MacMurdoch gritou ao desmontar e aproximar-se do norueguês no meio do prado.

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Page 50: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreOlaf virou-se e notou que havia um grande número de homens com o líder de

Dunloch. Seus guerreiros, certamente, e pareciam selvagens. Haakon, primo de Olaf, rei e senhor absoluto, acertara ao enviá-lo para

descobrir as intenções do líder Gall-Gaidheal e lembrá-lo sobre seus deveres de lealdade. Afinal, a situação política de Haakon era precária, e tinham de obter todo o apoio que pudessem.

Diarmad já havia dado aos filhos o controle da costa, colocando-os no comando de uma série de povoados ao norte de Dunloch. Acenara para os escoceses com a possibilidade de alianças e aproximara-se dos piratas do clã Ruari. Agora recebia em sua casa nobres galeses aliados a outros homens poderosos da Inglaterra.

Olaf sorriu e pousou a mão sobre o ombro de Diarmad numa demonstração de amizade.

— Trago saudações de Haakon. Temi que houvesse algum problema quando não o vi no porto para receber meu navio.

— Como poderia esperá-la, se não fui informado sobre sua chegada? Ainda é cedo para a coleta de impostos. Para ser franco, temo não dispor de toda a quantia.

Olaf disfarçou a desconfiança. No dia em que Diarmad não tivesse pelo menos o dobro do tributo devido ao rei em algum esconderijo no vilarejo, o céu interromperia sua trajetória pelo firmamento.

— Bem, não há pressa. — Quer dizer que ficará em Dunloch até... — Até reunir todo o dinheiro do imposto — Olaf concluiu jovial. — Excelente! O norueguês sabia que Diarmad mentia, mas sorriu mesmo assim. !Seona esperou que Naoghas ajudasse Griffydd DeLanyea a sentar-se sobre a

cama. — Agradeço pela ajuda, Naoghas — disse o galês. Carrancudo, o guerreiro, respondeu com um breve movimento de cabeça e saiu

sem olhar para trás. —Temo que esse homem não goste de mim — Griffydd confessou. — Ele não gosta de ninguém — Seona respondeu, perturbada com o olhar

penetrante do forasteiro. — Isso explica porque é tão rude com você, embora não desculpe sua atitude.

Ou ele está tão preocupado com os outros visitantes que não teve tempo para cumprimentá-la?

—Outros visitantes? — Feri o tornozelo, não 0s olhos. Notei a presença de um navio estranho no

porto, e creio que os homens acampados no prado não eram uma miragem. ! 50

Clássicos Históricos - 149

Page 51: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Ah... Um primo de Haakon veio cobrar o imposto — disse, compreendendo

que ele acabaria descobrindo sobre Olaf Haraldson mais cedo ou mais tarde. — Entendo. Ele escolheu uma ocasião bastante oportuna, não acha? Afinal,

também acabei de chegar. Nunca alguém havia pedido sua opinião a respeito de algum assunto. De fato,

nunca alguém presumira que tivesse opinião própria. Griffydd DeLanyea era diferente de todas as pessoas que conhecia. Talvez devesse deixá-lo. Tinha certeza de que não estava gravemente ferido, e

deixá-lo sozinho seria um excelente castigo por fingir um sofrimento maior do que aquele que experimentava.

Mas fugir seria uma demonstração de covardia. Seria o mesmo que dar a vitória ao forasteiro sem ao menos tentar lutar.

Seona decidiu cumprir a ordem paterna e cuidar dele. — Pare de olhar para mim — comandou com rispidez. — E deite-se para que

eu possa examiná-lo. — Está bem. — Foi na perna direita, não? — Creio que sofri apenas uma torcedura. — Realmente? — perguntou, soltando as correias de couro que prendiam o

cuaran em torno de seu joelho direito e erguendo-o sem nenhuma delicadeza. — Estou surpresa por ter permitido que o tratassem como uma velha. Um guerreiro da sua importância!

Griffydd não respondeu porque Seona estava certa. Sentia dores no tornozelo, mas podia ter cavalgado de volta a Dunloch. No entanto, não se sentira com disposição para controlar o animal selvagem novamente.

De repente, ela deixou seu pé cair contra a armação da cama. — Ai! — Griffydd gritou, agarrando o tornozelo. — Tome cuidado! — Oh, perdoe-me — Seona pediu sem sinceridade. — E eu que pensei que

estivesse fingindo. É evidente que me enganei. — Eu feri o tornozelo e não vi razão alguma para recusar uma oferta de ajuda. — Nem hesitou em exagerar um pouco nas proporções do ferimento. Em silêncio, o galês deitou-se e submeteu-se aos cuidados da filha de Diarmad. — Meu pai devia tê-lo prevenido sobre o animal. — O que quer dizer? O cavalo é raivoso, ou algo parecido? — Não. É um animal de combate. Griffydd já havia visto uma briga entre cavalos. Cada animal era mantido em

sua própria baia, separadas por uma terceira que permanecia vazia. Uma égua no cio era levada ao curral central, e os dois garanhões eram soltos para brigarem por ela numa área contígua.

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Uma Batalha de Honra Margaret MooreNão havia sido uma visão agradável. Os donos dos animais e os que apostavam

em um ou outro gritavam para encorajá-los, exibindo uma luxúria tão intensa quanto a dos cavalos que brigavam pela fêmea.

— Meu pai apresentou o cavalo como montaria, ou você o viu na baia e insistiu em usá-lo?

Griffydd franziu a testa. — Se o animal não é apropriado para ser usado como montaria, seu pai devia

ter me prevenido. Confesso que estou chocado por ele ter permitido que eu arriscasse minha vida.

— Não se desespere, meu lorde. Depois desse acidente, estou certa de que ele pensará duas vezes antes de permitir que outro hóspede cometa o mesmo engano. Por favor, fique quieto para que eu possa concluir o exame.

— Humph! Griffydd deitou-se, seriamente contrariado pela conduta de Diarmad. Mas nem mesmo a frustração e o aborrecimento o impediam de tomar

conhecimento da agradável sensação provocada pelas mãos de Seona, ou de desfrutar da encantadora visão dos cabelos caindo em torno de seu rosto como uma cortina brilhante.

Queria que ela o fitasse mais uma vez com a preocupação que parecera tão sincera.

Pela primeira vez, desejou ter Dylan a seu lado para que pudesse pedir conselhos ao irmão adotivo. Precisava descobrir qual a melhor maneira de lidar com a impertinente e adorável Seona MacMurdoch.

No entanto, tinha certeza de que Seona conseguiria confundir até mesmo o experiente Dylan. !!

CAPÍTULO VIII !!Seona afastou-se da cama. — Você e meu pai estavam certos, afinal. Creio que

foi só uma torcedura. Imaginei assim que o vi. — Deve ser muito habilidosa para identificar a extensão de um ferimento ao

primeiro olhar. — Estava dormindo quando o encontrei, o que significa que a dor não era tão

forte. Griffydd ficou vermelho como não acontecia desde que era um garoto. — Fui derrubado — resmungou.

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Page 53: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreA cobertura de lã sobre a entrada foi afastada e Lisid entrou no alojamento

carregando uma garrafa e uma taça em uma bandeja. Havia um prato com um alimento com cheiro de pão coberto por uma toalha.

Irritado com a interrupção, viu a jovem aproximar-se com um andar lento e insinuante.

Lisid agia como se Seona nem estivesse presente, e a filha de Diarmad não parecia importar-se com a falta de atenção.

— O chefe mandou-me aqui com esta bandeja — Lisid explicou, deixando a comida e a bebida sobre a mesa antes de sorrir para o hóspede. — Espero que não tenha se ferido gravemente, meu lorde.

— Vou sobreviver — ele respondeu, sem sequer corrigir o erro de tratamento. — Foi só uma torcedura no tornozelo. Sir Griffydd estará bem ao amanhecer.

Naoghas foi muito gentil em ajudá-lo. Ao ouvir o nome do marido, Lisid fez uma careta de desgosto. Olhou para

Seona com ar debochado antes de oferecer mais um sorriso ao jovem DeLanyea. — É bom saber que o ferimento não foi grave, meu lorde. — Creio que devemos deixar nosso hóspede em paz — Seona sugeriu. — Para

que possa repousar. — Seu pai não ordenou que permanecesse a meu lado até minha completa

recuperação? — Isso não será necessário. Como disse, estará bem melhor ao amanhecer. — Mesmo assim, acho melhor obedecermos as ordens do líder — Griffydd

persistiu. — Não devemos deixá-lo zangado. Lisid franziu a testa. — Não tenho medo dele! Griffydd reagiu com surpresa. — Oh, estou certo de que ele nem imagina por onde anda — disse. — Mas a

filha dele é um assunto bem diferente. Agradecida, Seona sorriu ao ver a expressão aborrecida que tomava conta do

rosto da jovem. — Ele nem se importa com Seona! — Lisid declarou. — E seria uma desgraça

se ela passasse a noite com você. — Por quê? Além de ser um cavaleiro honrado, sou hóspede na casa do pai de

Seona. Espero que não esteja insinuando que eu seria capaz de tirar vantagem da filha de um anfitrião, ou de qualquer outra mulher sob seu domínio.

— Não seria? — A decepção era evidente no rosto da esposa de Naoghas. Apesar do potencial de desastre e constrangimento da situação, Seona se

divertia com a confusão de Lisid. ! 53

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Page 54: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Para ser franca — disse —, temo que passar a noite aqui seria uma tarefa

entediante. Gostaria mais de estar no salão, servindo o primo do rei Haakon. Lisid pareceu dar-se conta de que o outro visitante também era um homem

notável. — Não vejo mais as pessoas importantes. Desde que Fionn nasceu, minha vida

se tornou muito aborrecida. — Que sorte a sua! — Griffydd opinou. — E deles — Seona acrescentou num sussurro. — Tenho uma idéia! — Lisid gritou entusiasmada. — Se trouxer Fionn e

Beitiris para cá, Seona, você poderá cuidar deles e eu servirei a mesa no salão em seu lugar.

— Oh, não creio que... — Isso mesmo, traga seus filhos para cá — Griffydd interrompeu. Antes que Seona tivesse chance de protestar contra o plano ultrajante, Lisid já

havia deixado o alojamento. Deixando-a sozinha com o belo e envolvente DeLanyea, que parecia preferi-la à jovem artesã.

Ele se levantou da cama. — O que está fazendo? O filho do barão examinou o próprio tornozelo. — Por Deus, acho que quebrou meu pé. — Eu apenas o imobilizei com uma bandagem. — Oh... Preciso me lembrar de que não é uma mulher com quem se possa

blefar. — Tem razão, não sou. E acho que não devemos ficar aqui sozinhos. — Mais do que já ficamos? — Exatamente. — Não estaremos sozinhos. As crianças ficarão conosco. - Devia ter aceito a

oferta de Lisid quando ela quis ficar em meu lugar. Muitos homens não teriam desperdiçado a oportunidade de ficar sozinhos com ela, especialmente depois de ter se mostrado tão... generosa.

— Conheci prostitutas mais modestas. — E deitou-se novamente. Não devia estar chocado por ele ter conhecido prostitutas. Era um homem

maduro e viril, e provavelmente havia se deitado com todo o tipo de mulheres. Ignorando-o, procurou uma lamparina porque começava a escurecer. Não

queria que a penumbra os envolvesse numa atmosfera ainda mais íntima. — O que está procurando? — Uma lamparina. Logo a noite cairá sobre nós. — Ah. Olhe para a esquerda, bem acima de sua cabeça. Seona virou-se tão

depressa que quase derrubou a lamparina. ! 54

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Obrigada — agradeceu, retirando-a do gancho que a prendia à parede. Apressada, abasteceu o instrumento e acrescentou um pavio. — Conheci prostitutas mais modestas que essa jovem, mas não dormi com

elas — Griffydd revelou. — Não estou interessada — mentiu. — Meu irmão adotivo as aprecia muito e às vezes insiste em apresentá-las a

mim. — Entendo. Está tentando me convencer de que é virgem. — Não. Notando que ela tinha dificuldades para acender a lamparina, Griffydd

levantou-se e foi resolver o problema. Sem dizer nada, Seona deixou que ele concluísse a tarefa. Quando se virou para encará-la, o jovem DeLa-nyea notou a dor estampada em seu rosto e arrependeu-se por ter mencionado as prostitutas de Dylan.

— Por que todos a ignoram? — perguntou. — Ninguém me ignora — ela respondeu, pega de surpresa pela pergunta

direta. — É claro que sim! Naoghas e Lisid a ignoraram na minha frente, e você é a

filha do líder desse povo. — Isso não me incomoda. Na verdade, prefiro ser ignorada, porque assim

todos me deixam em paz. — Entendo. — Era verdade. Também experimentava essa necessidade de estar

sozinho de tempos em tempos, especialmente quando Dylan tentava convencê-lo a compartilhar de suas atividades recreativas.

— Diga-me, Seona, por que seu pai a trata de maneira tão ríspida? — Prefiro não falar sobre isso. — Só um tolo não é capaz de perceber seus méritos, Seona. E todos neste lugar

parecem ser tolos. — Está falando sério? — ela perguntou com expressão intrigada, como se não

conseguisse acreditar no que ouvia. — Acha mesmo que tenho algum mérito? — É claro que sim. Gostaria de saber o que poderia dizer para convencê-la. Talvez as palavras não

fossem o melhor caminho. Então percebeu, com choque e desânimo, que ela começara a chorar. — Seona, o que foi? Ela soluçava como uma criança enquanto tentava falar. — Eu... não sei... Ninguém nunca... Nesse momento, Fionn entrou no alojamento. Rápida, a filha de Diarmad enxugou o rosto e correu ao encontro do menino.

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Page 56: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreApesar do pranto, nunca sentira-se tão feliz, tão aceita e respeitada. Griffydd

DeLanyea gostava dela... dela, sempre ignorada e desdenhada. Tinha a impressão de que poderia voar como um pássaro.

Sorriu ao ver o pequeno Fionn parar de repente ao ver Griffydd. — Ei, qual é o problema, rapazinho? — o gales per-guntou corn voz gentil

atras dela. — Não pode estar com medo de mim! Seona o viu mancar ate bem perto da criança e abaixar-se. — Somos amigos, certo? Fionn assentiu e estendeu os bracos. Griffydd pegou-o, retribuindo o sorriso

tímido do menino. Não foi o mesmo sorriso que Seona vira naquele primeiro encontro, mas a

expressão dele era tão bondosa, tâo gentil e terna, que se tornava ainda mais atraente. Era um sorriso paternal, ou como sempre imaginara que um pai amoroso devia sorrir para o filho.

O tipo de sorriso que jamais havia merecido de Diarmad. Lisid surgiu na soleira corn Beitiris nos braços. Ela ergueu as sobrancelhas ao

ver o filho no colo do gales. — Saudagoes, Lisid — Griffydd cumprimentou-a com ar distante. — Venha,

Fionn, tenho algo para lhe mostrar. — E sentou o garoto na cama. — Algo que guardo ha muito tempo.

— Pegue Beitiris — Lisid ordenou a Seona, como se ela fosse a filha do lider, e não o contrarie — Acabei de amamenta-la, mas ela está agitada. — E olhou para o forasteiro e Fionn. — Parece que estão se dando bem.

— Sim, e o que parece. — Talvez eu deva ficar enquanto você serve a mesa no salão. — Se prefere assim — Seona encolheu os ombros. — Estou mesmo

interessada nas novidades da corte do rei Haakon. Lisid lançou mais um olhar na direção de Griffydd e, vendo que ele nem

tomava conhecimento de sua presença, entregou Beitiris a Seona. — Tentarei retornar o mais depressa possível. Sem sequer despedir-se do filho,

ela passou pela abertura da porta e desapareceu na escuridão da noite. Seona notou que o pequeno Fionn nem havia percebido a partida da mãe e aproximou-se para descobrir o que podia ser tão interessante. Então viu que o menino segurava um cavalo de madeira de aproximadamente um palmo de altura. O brinquedo fora cons-truîdo sobre uma base do mesmo material com rpdas, que o garoto girava com evidente fascínio.

— Ainda há mais — o galês anunciou. Ele abriu um compartimente na barriga do animal e do interior do brinquedo

surgiram cinco pequeninos soldados de madeira. ! 56

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Page 57: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreBeitiris comegou a chorar. Griffydd e Fionn olharam para ela enquanto Seona

tentava acalma-la batendo delicadamente em suas costas. — Ela só precisa arrotar — disse. Fionn mantinha a testa franzida. — O cavalo comeu os homens? — perguntou intrigado. — Não. Este é o cavalo de Troia. — O que e isso? Seona tambem não sabia a que o galês referia-se, e esperava que Beitiris se

acalmasse para que pudesse ouvir a explicação. Por isso começou a sacudir o bebê enquanto batia em suas costas. Griffydd devolveu o cavalo a Fionn, que tentou guardar os soldados dentro

dele. — Cuidado! — Seona preveniu-o. — Nao vá quebrá-los! — Ele não os quebrará — Griffydd garantiu. Foi preciso aproximar-se para ouvi-lo acima dos soluços da menina. — O brinquedo é muito bem-feito. Se conseguiu sobreviver a mim e aos meus

irmãos, é porque é muito forte. E se Dylan não conseguiu destruí-lo, ninguém mais conseguirá.

— Não consigo colocar o último — Fionn reclamou. Seona passou a embalar a menina, além de sacudi-la

e bater em suas costas, e sentiu o suor escorrendo por suas costas em função do esforço físico.

— Não desista. Estou certo de que vai conseguir — Griffydd respondeu, deixando que o menino persistisse na tarefa.

Seona conhecia muitos homens que teriam arrancado o brinquedo das mãos dele para guardar o último soldado. Notando que ele a fitava com ar contrariado, perguntou:

— Nunca ouviu um bebê chorar? — Uma ou duas vezes — o galês respondeu com calma irritante. Depois

levantou-se e estendeu os braços. — Posso tentar? — Acho melhor não. — Consegui! — Fionn gritou triunfante. — Agora fale-me sobre o cavalo de

Tróia. Griffydd olhou para o menino por cima do ombro. — Quando o bebê acalmar-se. — E virou-se para Seona. — Por que não deixa

Beitiris comigo enquanto Fionn lhe mostra o cavalo? A gentileza em sua expressão tranqüilizou-a e, cuidadosa, entregou o bebê,

pronta para pegá-la de volta ao primeiro sinal de problema.

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Page 58: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreGriffydd apoiou a menina contra o peito e começou a massagear as costas dela

com movimentos circulares muito leves. Mantendo-se atenta, Seona foi sentar-se na cama ao lado de Fionn.

Quando os soldados de madeira caíam da barriga do cavalo, Beitiris emitiu o som mais estrondoso que Seona já ouvira de um bebê. Em seguida, ela ficou quieta, aninhada junto ao peito do guerreiro como se aquele fosse o local mais confortável onde já estivera.

Griffydd olhou para Seona com ar complacente. — Acho que a estava sacudindo demais — disse. — Ah — ela respondeu irritada, sentindo-se tola e incapaz. — Pode me dar a

menina agora. — Por quê? Ela está confortável comigo. Além do mais, não me sinto

incomodado, se é o que a preocupa. Mulheres dessa idade nunca oferecem perigo nem causam problemas.

Seona não queria rir, mas não pode conter-se. — Creio que posso dizer o mesmo sobre os homens — retorquiu. — Conte-me sobre o cavalo! — o persistente Fionn exigiu. — Fionn! Não deve falar assim com um hóspede! — Um hóspede que contará a história com grande prazer — o galês concluiu. — Não quer beber alguma coisa antes de começar? — Seona ofereceu. — Posso servir o vinho ou água fresca do jarro. — E

apontou para o recipiente sobre a mesa. — Não, obrigado. Acho melhor começar de uma vez. A platéia está ficando

ansiosa. Seona assentiu e sentou-se ao lado de Fionn, que segurava o cavalo de

madeira. — Sabe o que gosto de fazer quando alguém me conta uma história, meu

amigo? — Griffydd perguntou. — Gosto de me deitar e fechar os olhos, porque assim posso imaginar todas as

cenas que estão sendo relatadas. Por que não experimenta? Seona ficou bastante impressionada com a idéia, porque já era tarde e as

crianças deveriam estar dormindo. Sabia que Fionn teria relutado se o mandasse para a cama, mas, em vez disso, ele acatou a sugestão e acomodou-se com o brinquedo na mão. O galês começou o relato:

— Era uma vez dois reis que combatiam havia dez anos... Ela ouviu a história sobre a saga e a derrota de Tróia com interesse. Quando

DeLanyea chegou ao desfecho dramático, desejou que ele recomeçasse e ergueu as mãos para aplaudir, mas foi silenciada por um gesto imperioso do galês.

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Page 59: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Vai acordar o pequeno guerreiro — ele sussurrou. Só então Seona percebeu

que Fionn dormia abraçado ao cavalo de madeira. — Oh. — E olhou para o bebê. — Beitiris também adormeceu. No silêncio que se seguiu, ambos puderam ouvir as vozes dos homens que

cantavam no salão de Diarmad. Não notara o barulho enquanto Griffydd contava a história.

— Lisid pode tardar — disse ansiosa. — E você deve estar cansado. — Um pouco — Griffydd admitiu, mancando até perto da cama. — Vou

deixá-la aqui, ao lado do irmão. Assim ela não cairá. Foi com fascínio que ela o viu cobrir as duas crianças com um misto de ternura

e cuidado. — Lamento termos invadido seus aposentos dessa maneira. Se quiser, posso

levar os pequenos para a casa de Lisid e esperá-la lá. DeLanyea fitou-a com uma emoção intensa e indecifrável a iluminar seus olhos

cinzentos. — Mas nesse caso, estaria desobedecendo as ordens de seu pai. Vai ter de ficar

aqui até que eu esteja bem. Seona levantou-se e foi abastecer a lamparina, usando-a como uma desculpa

para afastar-se de Griffydd e organizar os pensamentos. — Deve haver mais óleo em algum lugar — disse. — Vou ajudá-la a procurar. — Não, por favor! Sente-se. Felizmente ele a atendeu e acomodou-se sobre o baú. Seona começou a examinar os cantos do alojamento, buscando o pote de argila onde guardavam o óleo de baleia. — Ah, aqui está! Com cuidado, acrescentou mais combustível à lamparina, mordendo o lábio

para conter o tremor das mãos. — Onde vai se sentar? — DeLanyea perguntou preocupado. — Eu... talvez deva me retirar. — Vai desobedecer seu pai? Não se sente segura aqui? — Não, eu... confio em sua honradez. — E bom saber disso porque aprecio sua companhia. Seona foi sentar-se na

beirada da cama e tentou não demonstrar a satisfação provocada pelo comentário. — Sua amiga tem belos filhos — DeLanyea afirmou, cruzando os braços sobre

o peito e mantendo os olhos fixos em seu rosto. — Fortes e saudáveis. — É verdade. Vai ser difícil tirar o cavalo da mão de Fionn. — Talvez tenha algo interessante para oferecer em troca.

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Costuma carregar brinquedos em sua bagagem? Por quê? Para divertir as

crianças que encontra? — O único brinquedo que tenho sempre comigo é esse cavalo. Meu pai o fez

para mim antes do meu nascimento, e eu o tenho sempre por perto para matar a saudade de casa.

— Mas seu pai é um barão. — Não conseguia imaginar um homem rico e poderoso dispondo de tempo para confeccionar um brinquedo, mesmo que a criança em questão fosse seu primogênito e herdeiro.

— Ele é um homem de muitas habilidades. — Entendo. Como você. O galês sorriu, envolvendo-a numa agradável atmosfera de companheirismo e

intimidade. — Acha que sou habilidoso? — É certamente um grande guerreiro. E deve ter algum talento para os

negócios, ou não teria sido enviado pelo barão nesta missão. Tem uma voz adorável com a qual pode cantar muito bem, e é um maravilhoso contador de histórias.

— É melhor tomar cuidado, ou vai me deixar envaidecido. — Tenho mais motivos para vaidade que você. Afinal, parece preferir minha

companhia à de Lisid. — Seona, há algo que não consigo entender. Por que é tão pouco respeitada

neste povoado? Movida pela bondade estampada em seu rosto e pelo interesse genuíno que

vibrava na voz dele, decidiu dizer a verdade. — Meu pai não gosta de mim — contou. — Foi tomado pelo ressentimento no

dia em que nasci, quando ele soube que era pai de uma menina. Como se não bastasse, fui uma criança muito doente. Os outros apenas o imitam.

Griffydd continuou a fitá-la em silêncio, como se soubesse que ainda havia mais a ser dito.

— Quando eu tinha a idade de Fionn, minha mãe fugiu com outro homem. — Nunca mais a viu? — Não. Griffydd levantou-se e pôs-se de joelhos diante dela, segurando seu rosto de

maneira que pudesse fitá-la nos olhos. — Você não tem culpa do que acabou de me contar — disse com tom suave. — Eu sei — ela respondeu num sussurro tão torturado quanto seus olhos. —

Por outro lado, é compreensível que um governante desejasse um primogênito forte, saudável e... do sexo masculino.

Foi nesse momento que DeLanyea identificou algo que partiu seu coração: vergonha.

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Page 61: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Se eu fosse um menino... ou pelo menos uma menina bonita... Ele se levantou e tomou-a nos braços numa tentativa desesperada de conforto. — Seona, você é perfeita! Sentindo o corpo tremer junto ao seu e ouvindo os soluços angustiados,

praguejou mentalmente contra Diarmad MacMurdoch, o pai ríspido e frio que levara a filha a duvidar do próprio valor, e contra a mãe que a abandonara. Seona era mil vezes melhor que Lisid! Na verdade, não havia no mundo mulher melhor que ela.

Seona livrou-se do abraço e, devagar, secou o rosto com a manga do vestido. — Sinto muito — disse, tentando sorrir. — Não devia ser tão fraca e tola. — Duvido que chore com freqüência. Ela respirou fundo e balançou a cabeça. — Não, eu nunca choro. — É uma mulher admirável, Seona. — Sou? Mas não esta noite, receio. — E caminhou até a porta para examinar a

escuridão. — Os homens ainda cantam — disse. — E muito mal. Deve ser difícil para um galês ouvir essa sinfonia de gralhas.

Quando a viu virar-se e sorrir, Griffydd soube que aquele sorriso era uma jóia preciosa, um tesouro que guardaria para sempre no coração, porque fora ofertado como um presente generoso.

Era impossível continuar controlando o desejo. Por isso aproximou-se dela, segurou-a pelos ombros e inclinou-se para beijá-la.

— Estou com sede! Seona e Griffydd afastaram-se sobressaltados, como se o grito de Fionn fosse

um chamado para a guerra. !Embaraçada, tentou não pensar no que o menino poderia ter testemunhado,

caso houvesse despertado em silêncio. Não sentia vergonha de seus sentimentos, mas sabia que teria sido forçada a oferecer explicações, e não conseguia pensar em uma única maneira de dizer a verdade a uma criança tão pequena.

— Aqui está — disse, aproximando o copo com água dos lábios do menino. — Não! — Fionn resmungou esfregando os olhos. — Quero que ele me ajude

a beber. — Mas ele é nosso convidado e... — E será um prazer ajudá-lo — Griffydd adiantou-se, o tom de voz traindo a

frustração. — Não fale muito alto, Fionn — Seona pediu enquanto DeLanyea dava água

ao pequeno. — Ou vai acordar Beitiris. Como se as palavras fossem uma profecia, o bebê começou a chorar. Seona

tomou-a nos braços e embalou-a com delicadeza, enquanto Griffydd se mantinha ao lado do menino.

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Page 62: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Não se esqueceu de dizer nada, Fionn? — ela perguntou ao vê-lo devolver

o copo. — Obrigado. Agora conte outra história. — Fionn! Griffydd riu. — Eu conto, desde que você se deite e fique quieto para que sua irmã possa

dormir. — Não quero me deitar. Não estou com sono. — Fionn, já é tarde e... — Não estou com sono! — o menino repetiu em voz alta, acordando o bebê. — Está bem, venha sentar-se aqui sobre os meus joelhos — Griffydd sugeriu,

acomodando-se novamente em cima do baú. — Contarei uma bela história se prometer que vai ficar quieto.

— Está bem, eu prometo — Fionn aceitou, saltando da cama e correndo até o guerreiro, escalando as pernas musculosas como se não houvesse nada de extraordinário naquela situação.

— Quero uma história sobre cavaleiros e dragões... mas sem garotas! — Sem garotas? — Griffydd perguntou com tom solene. — Isso mesmo. Uma menina morreria de medo de um dragão. — É verdade, algumas ficariam com medo, mas outras... — E olhou para

Seona com um sorriso sugestivo. — Não acredito que exista uma mulher com coragem suficiente para enfrentar

um dragão! — Bem, elas são raras, mas espero que um dia tenha a sorte de encontrar uma

delas. — Não quero uma garota na minha história — Fionn insistiu, demonstrando a

impertinência de uma criança sonolenta aos três anos de idade. — Está bem, não falaremos sobre meninas — Grif-fydd concordou. Seona conteve um sorriso e, notando que Beitiris dormia, foi acomodá-la na

cama. Mal havia acabado de deitá-la quando a viu abrir os olhos e pegou-a novamente, embalando-a com um misto de paciência e satisfação.

Griffydd começou a contar a história. Minutos depois, a menina adormeceu e, mais uma vez, Seona foi colocá-la na cama e, mais uma vez, a criança acordou.

— Por que não se deita ao lado dela? Talvez consiga acalmá-la — DeLanyea sugeriu. — Assim ela ficará mais aquecida e confortável, não? — Sua expressão mudou e a voz assumiu o tom de um sussurro rouco e provocante. — Pelo menos sei que eu me sentiria muito mais quente.

Seona ficou vermelha e deitou-se, segurando o bebê entre os braços e tentando não lembrar que aquela era a cama dele. Enquanto todos ouviam a história, Beitiris

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Page 63: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Mooreadormeceu. A atmosfera era aconchegante. Fionn cochilava no colo do galês, a luz lançava sombras longas e douradas por todo o aposento, e logo Seona começou a bocejar.

A última coisa que pensou antes de adormecer foi que Griffydd daria um ótimo pai.

Era tarde. Vários guerreiros de Diarmad cochilavam sobre a mesa. Outros, como Naoghas e seus amigos, conversavam e bebiam cerveja, satisfeitos com a comida que Lisid e outras mulheres haviam servido.

Naoghas olhava frequentemente para a esposa, que o ignorava, preferindo concentrar-se no líder e em seu importante convidado.

— Pensei que o filho do barão DeLanyea também estivesse em Dunloch — Olaf comentou subitamente, a voz muito mais baixa do que havia estado durante toda a noite.

Diarmad compreendeu que aquela seria uma discussão confidencial. — Ele está. Veio fazer alguns acertos para o transporte das mercadorias

comercializadas pelo pai. Infelizmente, o homem caiu do cavalo e torceu o tornozelo. Minha filha está cuidando dele.

Olaf encarou-o desconfiado. — Sua filha? . Diarmad respondeu com uma mistura de verdades e mentiras. — Ela sabe como tratar de um ferimento. E como o pai, esse jovem vive e

respira honra e lealdade. Permitiria que ele tivesse acesso até ao meu dinheiro... se possuísse algum.

E se ele seduzisse Seona, Diarmad pensou com satisfação e ganância, seriam obrigados a se casar. Seona finalmente teria alguma utilidade, porque através dela estabeleceria uma aliança insolúvel com o barão DeLanyea, a quem todos temiam e respeitavam.

Haakon que se preocupasse com isso! — Estou certo de que ambos são dignos de confiança — Olaf respondeu. —

Seria diferente se sua filha fosse como ela — continuou, olhando para a mulher que parecia apreciar seus olhares.

Diarmad franziu a testa. Lisid havia causado problemas entre seus guerreiros desde que adquirira seios. Havia esperado que o casamento pudesse um fim nos conflitos por seus favores, mas enganara-se.

Já a teria mandado embora, se Lisid não visitasse também sua cama. Ninguém sabia disso, e tomara o cuidado de preveni-la quanto às eventuais conseqüências de uma indiscrição. Até então, as ameaças e alguns presentes ocasionais haviam sido suficientes para garantir seu silêncio.

— É uma bela mulher — Olaf comentou com interesse. ! 63

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Page 64: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Sim, Lisid é muito bonita. Mas também é casada — Diarmad respondeu,

tentando antecipar as intenções do norueguês. Nem mesmo o primo do rei poderia insistir para que uma mulher casada

satisfizesse seu apetite. Olaf franziu a testa e levantou-se. — Agradeço pela excelente refeição, Diarmad, mas creio que é hora de ir

dormir. — Você será sempre bem-vindo em minha casa. Se quiser dormir no salão... — Obrigado, mas prefiro dormir em minha tenda. Diarmad esperava por

aquela resposta, e sentia-se aliviado por não ter de recebê-lo em sua casa por mais tempo que o necessário. Embora tomasse o cuidado de esconder muito bem sua riqueza pessoal, um norueguês com a experiência e a idade de Olaf poderia encontrá-la e exigir uma parte dela em troca de seu silêncio.

— Pode acompanhar-me até o acampamento? Preferia não sair numa noite tão fria, mas Olaf era um hóspede importante, e por isso Diarmad levantou-se e colocou o manto de pele de urso sobre os ombros.

— Sem dúvida. Esperava que o norueguês soubesse apreciar o gesto. Os dois homens caminharam lado a lado, passando por Lisid a caminho da

porta sem sequer reconhecer sua presença. A lua crescente brilhava no céu estrelado, iluminando o caminho. Por hábito,

Diarmad cheirou o ar. Não detectou nenhum sinal de mudanças no clima. Um cachorro latiu a distância, e enquanto aproximavam-se das tendas armadas

em círculo, ouviram os sons ocasionais dos alojamentos entre a fortaleza e o porto. Os dois homens guardavam silêncio, mergulhados nos próprios pensamentos, e

pouco depois chegaram ao acampamento. O topo da estrutura das tendas tinha o formato de cabeças de dragão, como as

proas de seus barcos. Pesados tecidos de lã cobriam os esqueletos de metal, e no centro do círculo um imenso caldeirão pendurado em um tripé fervia sobre a fogueira. O brilho das chamas fazia com que as barracas parecessem um bando de dragões descansando.

Diarmad pensou que os nórdicos eram como as criaturas místicas. Temporariamente adormecidos, mas capazes de grande destruição quando acordados. Teria de tomar muito cuidado com Olaf, especialmente enquanto o galês estivesse em Dunloch.

Olaf trocou algumas palavras com um homem que parecia estar cochilando ao lado da fogueira, mas que, Diamard tinha certeza, era um sentinela.

Não podia censurar o norueguês. A única vez em que fora visitar Haakon, também colocara vigias na entrada do acampamento. Era um gesto de precaução necessário mesmo quando se estava entre supostos amigos.

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Uma Batalha de Honra Margaret MooreOlaf caminhou até a maior de todas as barracas e afastou a cobertura da porta

para convidá-lo a entrar. Entrar na toca do dragão? Por alguma razão, a analogia causou um certo desânimo que o líder dos Gall-

Gaidheal tentou disfarçar. Não gostava de estar ali cercado pela tripulação do navio nórdico, mas... como poderia ter recusado o convite de um hóspede sem insultá-lo?

Levando a mão ao cabo da adaga, como se quisesse apenas impedir que a arma rasgasse o tecido da tenda, em vez de buscar segurança no contato com o metal frio, Diarmad entrou.

Olaf seguiu-o. Uma lamparina sobre um suporte metálico iluminava o interior do abrigo. Também havia uma cama de madeira, menor do que a que um líder deveria manter em sua casa, coberta por peles e travesseiros de penas de ganso. Uma caixa de madeira entalhada fora deixada ao lado da cama, perto da cabeceira, e uma cadeira no mesmo trabalho artesanal completava a mobília.

O interior do abrigo improvisado era a prova de que Olaf era um homem rico e respeitado entre seu povo.

O primo de Haakon apontou para a cadeira, e Diarmad sentou-se enquanto o outro servia vinho em uma taça de metal. Depois de entregá-la ao líder de Dunloch, Olaf sentou-se na cama.

— Queria conversar com você em particular — anunciou. — O rei está muito preocupado com sua possível aliança com os DeLanyea.

Sabia que ele acabaria abordando o assunto, e por isso estava preparado. — Não se trata de uma aliança, mas de um simples pacto comercial. — Um pacto com um dos barões mais poderosos de Gales, um homem cuja

filha casou-se recentemente com o cunhado de Etienne DeGuerre, um dos mais influentes barões normandos da Inglaterra. Que tipo de negócio estão discutindo?

— O galês possui prata e lã que deseja transportar. Eu tenho navios e homens para comercializá-los, e por isso receberei parte dos lucros.

— Quanto? Diarmad escondeu o aborrecimento provocado pelo tom arrogante e as

perguntas impertinentes de Olaf. Embora não tivessem o mesmo grau de liderança, era um governante e chefe daquele vilarejo. Como primo do rei, o forasteiro tinha o direito de questioná-lo, mas não com tanta prepotência.

— O valor do pagamento é o assunto que Griffydd DeLanyea veio discutir, bem como o número de navios que porei à disposição dos bens do barão.

— Não pretende estabelecer uma aliança formal? Não tem a intenção de unir-se ao barão casando sua filha com o jovem DeLanyea?

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Page 66: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Griffydd DeLanyea é um galês com sangue normando — Diarmad

respondeu, fingindo surpresa diante da sugestão de um casamento. — Estou interessado apenas nos lucros desse pacto. Não quero saber de alianças.

— Não tente me enganar. Sei que é um homem ardiloso, Diarmad. Uma união entre você e a família do barão seria fonte de grande poder. Mas respeito seu desejo. E Haakon também pode respeitá-lo, por isso fui enviado.

— Pensei que estivesse aqui para receber o imposto. — Sim, e para preveni-lo, também. Haakon não verá com bons olhos uma

união entre sua família e os DeLanyea. Ele espera que não esqueça a quem deve lealdade.

Diarmad conteve o desejo de dar uma resposta ríspida. Durante anos fora ignorado por Haakon e seus conselheiros. Agora, quando estava prestes a conquistar uma pequena medida de influência com os galeses e os normandos, o rei enviava seu primo para detê-lo.

Mas se Haakon acreditava que um casamento entre Seona e DeLanyea significava uma conspiração contra ele, não havia outra opção senão abandonar a idéia, ou o rei mandaria seus navios atacarem Dunloch. Cairiam sobre seu vilarejo como uma matilha de lobos famintos.

Diarmad encolheu os ombros, como se quisesse dizer que, embora não pudesse discordar, não considerava as palavras de Olaf adequadas a seu caso.

— É melhor não dar motivos para que Haakon desconfie de sua lealdade. Dessa vez foi impossível conter o aborrecimento causado pelas palavras

insolentes. — E que razões tenho para ser leal ao rei? Tudo que ele faz é exigir mais

impostos de mim e de meu povo, e depois envia seus conselheiros para me ameaçarem quando tento ganhar dinheiro para pagar o tributo.

— Você não é um homem estúpido, Diarmad. Deve saber que existem interessados em destronar Haakon, o senhor absoluto por direito. Se ele exige seu dinheiro, é porque precisa dele para proteger o reinado... que também é seu.

— Meu reinado é aqui, não ao norte. — Qual é sua última palavra, Diarmad? Vai abandonar Haakon e aliar-se aos

galeses, ou tem a intenção de aproximar-se do rei dos escoceses? — Rei dos escoceses? — Diarmad riu. — Por acaso pareço maluco? De que rei

está falando? Todos os homens que usam um brat afirmam ter direito ao trono escocês. Não, não seria estúpido a ponto de envolver-me com aqueles lunáticos. Só quero mantê-los fora das minhas terras e longe dos meus negócios.

— Negócios bastante lucrativos, pelo que ouvi dizer. — Os olhos de Olaf brilharam com o prazer proporcionado pela descoberta de um segredo. — Suponho

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Page 67: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Mooreque tenha construído uma frota de navios de guerra para proteger-se contra os escoceses.

Diarmad quase caiu da cadeira. — Navios de guerra? — Vai negar que os possui? MacMurdoch pensou depressa e concluiu que seria pior tentar negar a

existência dos navios. Se insistisse em escondê-los, Olaf diria a Haakon que estava conspirando contra ele com os galeses, ou os escoceses, ou os dois.

— Nunca fiz segredo de minha frota — mentiu. — O rei só precisava perguntar quantos navios comando.

— Ah, agora o rei é culpado por ignorar suas embarcações? Ou um de seus conselheiros, o comandante de um navio norueguês, tinha o dever de vir vê-las pessoalmente?

Diarmad sentia-se frustrado e desapontado. Julgara a baía que escolhera bem escondida... Ou teria no meio de seu povo um espião, alguém que contara ao rei sobre a existência da frota?

Sim, devia ser isso, ou Olaf não saberia nada sobre seus belos navios. Quando descobrisse quem havia traído seu precioso segredo, afogaria o espião

no mar. — Então possui navios de guerra — Olaf concluiu. — Quando Haakon souber,

e é meu dever informá-lo sobre tudo que vi aqui, no mínimo exigirá um aumento no imposto.

Diarmad franziu a testa, pensando no valor elevado que já pagava ao rei. — Se eu me casar com sua filha, certamente conseguiremos persuadi-lo a

esquecer essa pequena... falta. !!CAPÍTULO X !!Diarmad olhou para o norueguês com expressão atônita. — Haakon quer que eu me case com sua filha — Olaf anunciou. Era evidente que, embora estivesse disposto a obedecer ao desejo do rei, não

estava satisfeito. Diarmad não se importava com os sentimentos de Olaf porque sentia-se como

se houvesse recebido um grande prêmio. Esperava que a notícia do casamento de Seona com o filho de DeLanyea

convencesse o rei a parar de tratá-lo como um mendigo, mas o que acontecera fora

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Page 68: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Mooreainda melhor. Haakon propunha uma união com a família real! Sua filha inútil e indesejada assumiria um compromisso com o primo do rei!

O que era um casamento com o filho de um barão galês comparado a isso? Obviamente, Haakon temia uma aliança alternativa. Ele, Diarmad

MacMurdoch de Dunloch, conseguira ter a última palavra, por fim. No entanto, não podia demonstrar entusiasmo, pelo menos por enquanto.

Assim, talvez pudesse reduzir o valor do imposto de maneira considerável. — Naturalmente, estou lisonjeado por saber que o rei deseja unir sua casa à

minha — respondeu com modéstia —, mas não creio que somos dignos de tão grande honra.

— Se Haakon acreditasse nisso, não teria feito a proposta — Olaf respondeu com um sorriso enigmático, como se também os julgasse inferiores e indignos. — São pessoas importantes e merecedoras do respeito da casa real. Líder de um povo e companheiro fiel. E sua filha é linda. Será uma ótima esposa, tenho certeza disso.

Diarmad sentiu pena do norueguês. Também havia sido forçado a casar-se com uma mulher que não escolhera. Mas o que era o desgosto de Olaf comparado a todas as vantagens que ele obteria?

— Não está oferecendo um dote de quinhentas peças de prata? Parte do prazer de Diarmad dissipou-se, e ele lamentou ter feito a oferta a um

herdeiro do trono de Isle of Man que estivera em visita a Dunloch cerca de um ano antes. Havia bebido demais e deixara-se dominar pela euforia. Felizmente o sujeito fora morto numa emboscada na Irlanda antes do compromisso ser consumado.

Diarmad jurara nunca mais beber quando estivesse recebendo visitantes solteiros em sua casa.

— Se o rei está a favor da união, o dote pode ser... discutido — prevaricou. — Creio que está exagerando no entusiasmo do rei por esse casamento,

Diarmad. Não é ele quem corre o risco iminente de ser acusado de traição ao trono. Também não foi ele quem construiu uma frota de navios de guerra sem o conhecimento de seu senhor. Não é o rei que está negociando com estrangeiros poderosos. Devia estar feliz por poder recuperar a simpatia de Haakon e manter o valor de seu imposto inalterado, além de livrar-se daquela sua filha magricela por meras quinhentas peças de prata. E então? Concorda com o compromisso e o dote, ou não?

Diarmad pensou nos belos navios que construíra e soube que um dia Haakon encontraria uma forma de apoderar-se de alguns deles, a menos que fosse astuto. A única possibilidade de impedir esse desfecho, ou pelo menos adiá-lo, era ter um aliado na casa real. Se esse aliado fosse um genro, melhor ainda.

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Page 69: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Está bem — respondeu. — Vou lhe dar minha filha em casamento e um

dote de quinhentas peças de prata. — Cuspiu na mão e estendeu-a para o norueguês a fim de selar o acordo.

Olaf olhou para a mão aberta e perguntou: — Quer apertar as mãos esta noite? Diarmad o fitou com desconfiança. — Por que não? Concordei com o casamento. O que o impede de assumir o

compromisso? — Minha palavra devia ser suficiente. — Ou precisa da aprovação de Haakon? — sugeriu, dando a entender que Olaf

não tinha a autoridade necessária para fazer a promessa. — É claro que não! O norueguês também cuspiu na mão e aceitou o cumprimento, apertando a

mão do pai da futura esposa. Diarmad levantou-se. — Olaf, como esta é uma barganha acertada entre nós, e nem você nem

Haakon tem motivos para duvidar de minha lealdade, não vejo razão alguma para não concretizar também o pacto com o galês. Na verdade, vou precisar fechar negócio com ele para levantar as quinhentas peças de prata do dote.

Olaf assentiu. — No entanto, sei que o jovem DeLanyea é muito cauteloso. A notícia sobre

seu noivado com Seona pode levá-lo a decidir consultar o pai, já que eu estarei ainda mais ligado a Haakon depois desse casamento. Creio que será melhor se mantivermos a decisão entre nós até a conclusão do acordo com DeLanyea.

— Muito bem. — Vejo que é um homem sensato, Olaf. E é melhor não dizer nada a Seona

sobre o noivado, pelo menos por enquanto. — Por quê? Ela não cumprirá suas ordens? — Oh, sim, ela me obedecerá — Diarmad respondeu apressado. — Mas sabe

como são as mulheres. Seona vai ficar tão feliz que não será capaz de guardar segredo.

Olaf relaxou. — É claro. Faça como julgar melhor. — Não esperava merecer tamanha honra quando o vi ancorando em meu porto.

— E inclinou-se. — Vou deixá-lo descansar, meu genro. Aborrecido, pensando nos sacrifícios que um homem é forçado a fazer por seu

rei, o norueguês respondeu com uma leve inclinação de cabeça e viu o governante de Dunloch desaparecer além da cobertura de lã na entrada da tenda.

— Durma bem, Diarmad — resmungou, estendendo a mão para o copo de vinho que ele deixara intocado. Odiava desperdícios.

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Page 70: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreEntão a cobertura da porta moveu-se outra vez. Olaf levantou a cabeça,

imaginando o que mais MacMurdoch poderia ter a dizer. Mas não foi Diarmad quem entrou na tenda. Griffydd suspirou e ergueu os ombros, tentando encontrar uma posição mais

confortável para as costas contra a parede de pedra. A tentativa foi inútil e ele se acomodou da melhor maneira possível, tomando cuidado para não acordar o pequeno Fionn que adormecera sobre seus joelhos, a cabeça apoiada em seu peito.

O óleo da lamparina chegava ao fim, mas nada podia fazer para impedir que a luz se extinguisse. Sentado, contentou-se em observar o rosto adormecido de Seona e o bebê aninhado em seus braços.

Uma urgência brotou em seu peito, como um apetite havia muito suprimido despertado pelo cheiro de pão fresco. Como queria ter filhos! Seria o maior presente que uma mulher poderia oferecer, uma fonte inesgotável de alegria e amor. Uma desculpa, talvez, para amar de forma incondicional e expressar esse amor como jamais poderia fazer com as mulheres.

Ou pensava que jamais poderia. De repente, olhando para Seona, teve certeza de que nunca havia encontrado

uma mulher capaz de despertar nele o desejo de expressar tal sentimento, ou de fazê-lo amar com todo o coração.

Se Seona pudesse ser sua mulher, a mãe de seus filhos, certamente o levaria à felicidade completa.

Lisid entrou no alojamento carregando uma tocha. Agitada e até um pouco aturdida, examinou a cena diante de seus olhos e sorriu com satisfação.

— Oh, perdoe-me, meu lorde! — exclamou com tom suave e nada sincero enquanto prendia a tocha a um anel na parede. — Não pretendia demorar tanto, mas achei melhor esperar que meu marido dormisse para vir buscar as crianças. Assim, ele não as perturbaria quando entrasse em casa cambaleando e cheirando a cerveja.

— Enfrentei vigílias mais longas que esta — Griffydd respondeu em voz baixa. Levantou-se devagar, ainda segurando o menino.

— Senti-me confiante deixando as crianças aqui, com você e Seona. — O que quer dizer? Ela sorriu. — Bem, sabia que não havia a menor chance de negligenciarem os cuidados

com meus filhos para... fazerem outras coisas. — Nesse ponto você tem razão — Griffydd respondeu com tom seco, sem

esconder a antipatia por Lisid. Arrogante, ela insinuava que Seona não era capaz de inspirar paixão.

Gostaria muito de dizer o que sentia por ela, mas era evidente que a jovem não se importava com nada além da própria vaidade. O mais provável era que nem notasse como estava aborrecido.

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Page 71: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Temo precisar de sua ajuda para levar os pequenos para casa — ela

sussurrou insinuante. — Ou teremos de acordar Fionn. Griffydd olhou para o menino adormecido em seus braços e decidiu: — Eu o carregarei até sua casa. — Vou acordar Seona. — Deixe-a dormir. Pegue o bebê, e eu acordarei Seona quando voltar. Por um instante, teve a impressão de que Lisid protestaria, mas ela o encarou e,

interpretando os sinais de autoridade, calou-se. Contrariada, foi apanhar Beitiris sem fazer barulho.

Com ar frustrado, pegou a tocha que deixara presa à parede e iluminou o caminho até o alojamento onde vivia com o marido e os filhos.

Enquanto caminhavam para a casa de Lisid, Griffydd observou o acampamento dos nórdicos. Era grande, apropriado ao tamanho da tripulação do navio ancorado no porto.

Gostaria de saber o que havia levado um nobre norueguês a Dunloch, pois suspeitava de que sua chegada fosse parte do motivo. No dia seguinte conheceria o inesperado visitante e tentaria descobrir como sua presença afetaria as negociações com Diarmad.

Na melhor das hipóteses, o astuto MacMurdoch estaria distraído. O que poderia implicar num atraso na conclusão do pacto. A possibilidade o teria perturbado no início, mas agora provocava uma

estranha alegria que enchia seu coração. Seona virou-se e acordou assustada porque Beitiris não estava a seu lado.

Sentou-se e olhou em volta. Logo percebeu que estava sozinha. Aonde fora Griffydd, e por que levara as crianças? Assustada, levantou-se de um salto e correu até a porta para examinar o

exterior, e relaxou ao ver um homem saindo da casa de Lisid seguido pela jovem esposa de Naoghas.

Griffydd a ajudara a levar os pequenos. Viu quando ela colocou o manto sobre os ombros do galês, e reconheceu a

peça negra que havia sido utilizada para aquecer Fionn depois do acidente no riacho. Conversavam em voz baixa, os corpos tão próximos que quase se tocavam. E então Lisid ergueu-se na ponta dos pés e beijou-o. Pego de surpresa pelo beijo e enojado com o comportamento devasso da

mulher, Griffydd empurrou-a. — O que está fazendo? — perguntou zangado. — Demonstrando minha gratidão — ela respondeu com tom rouco e

provocante. ! 71

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Não quero esse tipo de agradecimento. Os olhos dela foram tomados pela incredulidade. — Então você...? — Tem marido e filhos. Volte para junto deles — ordenou. Jogando a cabeça para trás com ar arrogante, ela se virou e obedeceu. Furioso demais para dar atenção ao tornozelo machucado, Griffydd retornou ao

alojamento com passos firmes. Havia imaginado que Lisid houvesse compreendido que não se interessava por ela. Primeiro, por que não era Seona. Segundo, por que era uma mulher casada.

Infelizmente, com uma mulher da espécie de Lisid, não podia ter certeza de que ela percebera a aversão por seus beijos, embora houvesse reagido com indignação ao ser repelida.

Entrou no alojamento certo de que encontraria Seona adormecida. Em vez disso, ela o esperava em pé ao lado da lamparina, e parecia aborrecida.

Esperava que não houvesse testemunhado o beijo de Lisid! — Devia ter me acordado quando Lisid veio buscar as crianças. — Sim, eu sei — ele respondeu, sentindo-se como um colegial repreendido

pela professora. — Está zangada comigo? — Por que estaria? Aliviado, concluiu que Seona não havia visto o beijo. — Aquela mulher devia ser amordaçada — sugeriu. Seona franziu a testa. — Lisid disse algo para insultá-lo, ou não gostou do beijo? — Então você viu! — Oh, sim, eu vi. E no seu lugar, não daria muita importância ao que

aconteceu, porque ela beija todos que usam um brat. E dorme com a maioria deles, também. Embora estivesse aliviado com a reação compreensiva de Seona, sentia-se agravado.

— Pois eu não sou assim! — Não? — Não! — Mas afirmou conhecer prostitutas mais modestas. — Não quero afirmar que nunca estive com uma mulher, porque estaria

mentindo, mas isso não significa que tenha apreciado ou esperado aquele beijo. Seona encarou-o por um momento e depois sorriu, balançando a cabeça. — Pobre Naoghas — murmurou penalizada. — Sentiu-se tão lisonjeado

quando ela o aceitou, que não parou para pensar em como seria viver com uma mulher como Lisid.

— Ela devia ser punida por tal comportamento. Estou surpreso por seu pai permitir essa falta de compostura em seu povoado.

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Não se surpreenda. Lisid também compartilha de seus favores com meu pai,

e ele acredita que ninguém sabe disso. Creio que por isso Naoghas não reage. Ele teme que Diarmad apoie Lisid e o expulse de Dunloch.

— E acha que Diarmad seria capaz de uma atitude tão injusta e arbitrária? — Não. Meu pai a acusaria de estar mentindo, porque assim não teria de

assumir a culpa de um relacionamento com a mulher de um de seus guerreiros. No entanto, não posso ter certeza do que ele faria, e Naoghas deve ter dúvidas também.

— Talvez ele considere mais sensato engolir o orgulho a submeter-se a vergonha ainda maior, como você fez na noite em que cheguei e seu pai ordenou que me acompanhasse ao alojamento.

— Acha que engoli meu orgulho? Talvez eu nem o possua. —Mentira. De repente, a lamparina apagou-se e a escuridão os envolveu. Esperando que

os olhos se ajustassem, Seona permaneceu imóvel, temendo colidir com o gales. Em vez disso, foi ele quem se moveu e quase a derrubou ao encontrá-la. — Desculpe-me — pediu, segurando-a para impedir que caísse. Seona tentou ignorar a sensação provocada pelas mãos em seus ombros, mas o

toque parecia provocar um fogo voraz e incontrolável. — Encontrarei mais óleo e pavio assim que meus olhos se acostumaram à

escuridão — disse. — Talvez eu deva me manter onde estou — ele indicou com suavidade,

conservando as mãos em seus ombros. — Para não derrubá-la nem machucar-me. É claro que, nesse caso, você teria de continuar cuidando de mim, o que não seria ruim.

— Acho que não precisa continuar se apoiando em mim, a menos que ainda sinta dores no tornozelo — Seona respondeu perturbada.

— Isso também. Sabia que não se comportava como um hóspede honrado mantendo a

proximidade, respirando o delicioso aroma de sol, grama e pinho que se desprendia dos cabelos sedosos, e por isso a soltou, limitando-se a observá-la enquanto ela ia abastecer a lamparina e providenciava um novo pavio, que acendeu sem nenhuma dificuldade.

Se fosse sensato, diria a ela que partisse sem demora. Se fosse sensato, mais velho e menos apaixonado. — Está tremendo? — Seona perguntou de repente. Griffydd percebeu que

estava. — Acho que ainda não consegui me habituar ao brat — respondeu, mesmo

sabendo que o tremor era provocado por razões diferentes do frio. — Vou acender a lareira.

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Prefiro aquecer-me de outro jeito — e abraçou-a. Ela não fez nenhum

esforço para evitá-lo, o que o encheu de esperança. — Isto... é realmente quente — murmurou, apoiando a cabeça em seu peito. Griffydd não pôde conter a alegria e riu. — O que há de engraçado no que estamos fazendo? — Nada. Estou rindo de felicidade, Seona. — E inclinou a cabeça para beijá-

la. Suspirando, ela correspondeu sem reservas, colando o corpo ao dele e

despertando uma paixão como jamais havia experimentado com outra mulher. Arfante, Seona sentiu uma das mãos sobre seu seio e ofereceu o pescoço para

os beijos ardentes. Precisava amá-la. Imediatamente. Com um suspiro de puro desejo, ergueu-a nos braços e levou-a para a cama.

Deixou-a ali deitada e recuou um passo, fitando-a com paixão nos olhos cinzentos. Ansioso para possui-la, tentou remover o broche.

Ela riu. — Também estou impaciente — apontou. Griffydd parou. — Impaciente? O ardor desapareceu. Agia como um homem rústico tomado pela luxúria, como um animal buscando

satisfação física sem pensar nas conseqüências. Esquecera o respeito que devia ao anfitrião e os deveres de um cavaleiro honrado.

Sentou-se na beirada da cama e passou as mãos pelos cabelos longos. — O que foi? — ela perguntou, apoiando-se sobre os cotovelos para fitá-lo

com preocupação. — Tem razão, estou impaciente — confessou, incapaz de esconder o desgosto

provocado pelas próprias atitudes. — Normalmente não sou assim. Vermelha, Seona levantou-se da cama. — Não sou como Lisid. Griffydd pôs-se em pé para encará-la. — Estou certo que não. É a mim mesmo que censuro, minha ânsia que

condeno. A única desculpa que posso oferecer é que nunca senti nada parecido por outra mulher.

— Também não havia experimentado sentimentos tão poderosos antes. — Nunca? — Nunca — confirmou, sentindo o coração transbordar de esperança e

felicidade. Então ele a segurou pelos ombros e fitou-a nos olhos.

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Considero esse tipo de coisa muito importante, Seona. Entende o que quero

dizer? — Sim, e fico feliz por ouvi-lo falar assim. — Sou um homem cauteloso por natureza. Nós mal nos conhecemos e... creio

que devemos ser menos impetuosos. Sabia que ele estava certo, e por isso corou de vergonha por ter demonstrado

tamanha falta de controle. Seus sentimentos eram tão poderosos e envolventes, que era como se a mente e o corpo houvessem sofrido uma grande e surpreendente metamorfose.

Se Griffydd não houvesse parado a tempo, teria... teria feito amor com ele. Questionar o que sentiam e as conseqüências de um comportamento tão

impetuoso era conveniente e correto, mas mesmo assim sentia-se desapontada. E o desânimo devia estar estampado em seu rosto, porque ele a abraçou e depositou um beijo terno em sua testa.

O desejo de estar com ele era tão forte que beirava o desespero. — E se eu não quiser ser cautelosa? Seria capaz de passar a noite aqui com

você... se me pedisse para ficar. — Fala sério? — Sim. Griffydd deixou escapar um suspiro profundo. — Nunca recebi proposta mais tentadora. Seona o encarou com ar suplicante. — Quero ir embora com você. irei para onde quiser me levar. — Isso destruiria qualquer possibilidade de acordo entre nossos pais. — Sim, é verdade. — Seona, também quero estar com você, mas acho que devemos ter certeza de

que o que sentimos é verdadeiro, não uma ilusão passageira. Não podemos permitir que o coração domine nossas cabeças.

Não podia negar a sensatez das palavras que ouvia. Também devia preocupar-se em verificar a consistência dos sentimentos, dada a desastrosa história dos pais.

— Muito bem. Griffydd respirou fundo. — Começo a entender melhor meu irmão adotivo. Ela o encarou confusa. — Dylan está sempre se apaixonando e buscando novas emoções. Jamais

compreendi por que ele se tortura tanto. Começo a me dar conta de que com relação ao amor, a razão tem poucas chances de impor-se.

— Griffydd? — Sim?

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Page 76: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Está dizendo que... me ama? — Seona perguntou em voz baixa, temendo

acreditar em uma fantasia. Ele assentiu com ar solene. — Se o que sinto por você não é amor, não sei como definir tal sentimento. — Também o amo — ela murmurou. Em seguida, beijou-o delicadamente nos

lábios. Mais que isso e teria exigido passar a noite com ele. — E melhor ir embora, pois temo que meus conceitos de honra e dever

fraquejem com você em meus braços. — Sei o que está sentindo, porque experimento o mesmo receio. — E afastou-

se relutante. Griffydd a viu sair, atônito com o vaio que invadia seu peito. Sentia-se tentado

a chamá-la de volta, mas sabia que Seona merecia ser tratada como uma lady virtuosa digna de todo o respeito, e por isso calou-se.

Ela parou na porta e virou-se para encará-lo. — Talvez seja melhor mantermos em segredo nossos sentimentos — propôs.

— Se meu pai perceber alguma coisa, não hesitará em tirar vantagem do que sentimos durante as negociações.

— É uma mulher maravilhosa, Seona. — E você é o homem mais honrado que já conheci, Griffydd DeLanyea. E tem

belos joelhos. O som da gargalhada de Griffydd acompanhou-a até boa parte do caminho

iluminado pela lua. Seona corria e pulava pela trilha que levava a sua modesta casa, feliz demais com a descoberta do amor para simplesmente andar. !!

CAPITULO XI !!— Não posso aceitar menos que a metade! — Diarmad protestou, olhando

fixamente para Griffydd. Os dois homens estavam sentados à mesa do salão desde as primeiras horas da

manhã, e já era quase meio-dia. Griffydd retribuiu o olhar sem demonstrar emoção alguma. — Metade do lucro é uma quantia excessiva — respondeu calmo. Diarmad pegou a taça de vinho, resmungando alguma coisa sobre as pessoas

que não conheciam os perigos do mar. DeLanyea ignorou a encenação, refletindo sobre como o pai acertara ao

preveni-lo contra as estratégias de negociação do governante de Dunloch.

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Page 77: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreLevara quase toda a manhã para persuadi-lo a discutir os termos para o

transporte das mercadorias do barão. MacMurdoch perdera um tempo considerável reclamando sobre o tipo de produto a ser transportado, afirmando preferir jóias de prata a barras e moedas, e declarando que a lã era uma carga leve demais, a menos que estivesse molhada. Então se tornava muito pesada, e por isso era difícil determinar o lastro.

Se Griffydd estivesse com pressa para partir, teria pressionado o governante para que fossem direto ao ponto da negociação, mas naquelas circunstâncias, permitiu que Diarmad reclamasse até se fartar.

Estava começando a questionar se os protestos de MacMurdoch eram provocados mais pelo desejo de reconsiderar a idéia do pacto com o barão DeLanyea do que com a intenção de realizar um bom negócio.

A chegada do navegante norueguês não devia ter sido uma simples coincidência, mas uma forma de forçar Diarmad a abandonar a idéia do pacto.

Griffydd não tinha evidências em nenhum sentido. Ainda nem conhecera o importante visitante de Dunloch. Notara a ausência do norueguês naquela manhã à mesa do café e a estranhara porque, como hóspede, ele tinha o dever de aceitar a hospitalidade do anfitrião, e isso significava aceitar a comida oferecida.

Talvez ele não desse tanta importância ao código de honra por estar realmente realizando uma visita sem segundas intenções, apenas para coletar o imposto. Nesse caso, era possível que estivesse dormindo para livrar-se dos efeitos do álcool ingerido na noite anterior.

— Tenho de pagar pela comida dos tripulantes, pelas velas e as linhas. E preciso considerar o risco — Diarmad continuou.

— Seus navios farão as mesmas viagens com ou sem a mercadoria de meu pai. Não vejo motivo para sermos penalizados pelo risco.

— Mas talvez eles não tenham de passar pelos mesmos portos sem a prata e a lã dos DeLanyea.

— Ou talvez tenham. E se um navio afundar, não serão os seus produtos que se perderão.

— Mas serão meus homens e meu navio! — Sim, mas em outras circunstâncias seriam também as suas mercadorias,

além dos homens e do navio. Diarmad reclinou-se na cadeira e franziu a testa para o galês. — E um homem sem coração! — acusou. Griffydd não respondeu. Sem coração? Teria concordado com a noção antes de

chegar a Dunloch, mas sabia que havia mudado e muito, ou não se deixaria perturbar por pensamentos alheios à discussão, como onde estaria Seona e com que se ocupava.

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Page 78: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreNem teria passado uma noite agitada sonhando com a mulher em seus braços, tornando-se sua mulher.

— Um terço, então! — Diarmad ofereceu contrariado. — Um terço, se serão os homens de meu pai que carregarão e descarregarão

os navios? Seus subordinados não terão nenhum trabalho extra. — Apenas o comando do navio, que eu construí! — Uma tarefa que teriam de desempenhar de qualquer maneira. No entanto,

meu pai está disposto a permitir que você escolha os portos, de forma que seus homens não tenham de ser submetidos a nenhum risco extraordinário. Ele também confiará em seu conhecimento quanto aos locais onde as mercadorias deverão ser comercializadas pelo melhor preço.

— Humph! — O som indicou que a idéia não o desagradava por completo. — É claro que, se o risco o preocupa tanto, existem homens na Baixa Escócia

que podem... — Chama aquelas coisas que eles usam de navios? — Diarmad interrompeu.

— São como tinas boiando num lago! — Noto que ainda não viu o novo desenho daquelas embarcações. O timão fica

na popa, e assim eles conseguem um melhor domínio sobre a direção que querem seguir.

— Viu um deles? — Meu pai viu. — E seu pai esteve conversando com o comandante de um deles, não? — Ele conheceu um capitão bastante respeitado em Paris no último outono, e

ficou impressionado com o homem e sua embarcação. — Venha comigo! Griffydd seguiu o líder local para fora do salão. Diarmad tomou a direção da

praia e dos edifícios alinhados ao longo da orla. Uma garoa fina caía do céu cinzento e uma névoa densa escondia o topo das

montanhas que cercavam Dunloch. Longe de ser desagradável, o clima era muito parecido com o de Gales.

Talvez Seona não sentisse falta de casa se fosse viver com ele, afinal. Logo chegaram a um edifício baixo perto de um píer de madeira. Do lado de

fora, tábuas e toras de madeira formavam pilhas intermináveis, e num galpão próximo um grupo de homens trabalhava junto ao fogo, produzindo pregos. O som das marteladas e de vozes masculinas chegava claro ao exterior.

Diarmad contornou o edifício e levou-o a um barracão, uma espécie de oficina onde era guardado o melhor navio que já vira, com uma importante diferença.

Em vez de ser uma peça separada à direita da embarcação, o leme ficava na popa. Era como os navios que o pai descrevera.

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Será uma bela embarcação — Diarmad comentou. Todos os homens ficaram

em silêncio e afastaram-se ao perceberem a presença de visitantes. Griffydd chegou mais perto do barco para examiná-lo com calma.

— Este é o navio que pretendo usar para transportar as mercadorias de seu pai. Elas chegarão ao mercado e serão vendidas antes que o barão sinta falta delas. E certamente um trabalho tão bom merece um terço dos lucros.

— Sim, este parece ser um belo navio. — E só isso que tem a dizer, DeLanyea? Este será o melhor navio a cruzar o

oceano! — Pode ser. Mas isso é menos importante para meu pai do que o valor que

pretende cobrar pelo serviço. Alguns construtores começaram a protestar, sem dúvida deduzindo que o galês

insultava seu trabalho. Mesmo que fossem apenas subordinados de Diarmad em uma oficina de

navios, aqueles homens eram descendentes de viquingues, capazes portanto de arremessarem um machado contra o peito de Griffydd por uma simples insinuação ofensiva.

Recuando, o filho do barão decidiu demonstrar admiração. — Nunca vi navio como este. O que seu amigo norueguês pensa dele? Uma expressão aborrecida passou pelo rosto de Diarmad antes que uma voz

poderosa anunciasse atrás deles: — Haakon vai querer vê-lo. Griffydd virou-se e viu um guerreiro louro e bronzeado parado na entrada.

Havia um sorriso em seu rosto, e ele estava bem vestido à maneira nórdica, com uma túnica de seda cor de amora, cinto com relevos em prata, calça de lã presa às pernas por tiras de couro que se cruzavam e botas de pele macia. Na cintura, ele levava um machado e os braços exibiam braçadeiras de prata.

O homem entrou no galpão como se fosse o dono do local e examinou a embarcação com olhar crítico.

Não disse nada a Diarmad ou a Griffydd, mas dirigiu-se aos operários em nórdico. A julgar pelo tom de voz e pela reação satisfeita dos construtores, devia ter elogiado o trabalho.

Finalmente, Diarmad moveu-se. — Olaf, este é sir Griffydd DeLanyea, outro hóspede em minha casa. — Eu já imaginava — ele respondeu, lançando um olhar desdenhoso por cima

do ombro. — Sir Griffydd, este é Olaf Haraldson, conselheiro e primo do rei Haakon, da

Noruega. — Eu já imaginava — Griffydd respondeu com tom frio.

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Page 80: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreO norueguês deixou de olhar para o navio para encará-lo com ar surpreso.

Depois riu, e o som ecoou por todo o galpão. Griffydd respondeu com um sorriso apagado. Diarmad olhava de um para o outro com evidente desconforto, e não tardou a

interferir. — Acho que já mantivemos esses homens longe do trabalho por muito tempo. — Interessa-se por navios? — o nórdico perguntou, ignorando o governante de

Dunloch. — Só quando são necessários. — Um bom navio é melhor que uma mulher. Obediente e dócil. — Características desejáveis em um navio, sem dúvida. E em cavalos. Se

prefere um objeto de madeira a uma mulher de carne e osso... Olaf jogou a cabeça para trás e gargalhou. — Tem razão, galês! O que é um navio comparado a uma bela mulher? Tenho

uma idéia, DeLanyea! Talvez queira descobrir o que é viajar a bordo de uma boa embarcação. Que tal sairmos hoje em meu barco?

A última coisa que Griffydd queria era velejar com um norueguês ruidoso. — Ou a conversa com Diarmad o esgotou? Apesar do sorriso de Olaf, havia

um desafio em seus olhos azuis e frios. Griffydd lembrou a última vez em que aceitara o desafio silencioso, quando

escolhera o cavalo de combate. Não sofrerá nenhuma conseqüência mais grave, mas qual seria o perigo de estar sozinho no mar cercado por uma tripulação de nórdicos?

Era sir Griffydd DeLanyea, filho de um rico e poderoso barão, uma pessoa valiosa demais para ser assassinado, especialmente por ser também um hóspede na casa de Diarmad MacMurdoch.

Não permitiria que o chamassem de covarde, nem um nórdico selvagem, nem o pai de Seona.

— Será um grande prazer, Olaf. Mais tarde, Seona mantinha os olhos fixos no pequeno pote de murta do

pântano sem realmente vê-lo. Sentia o aroma de terra e via o brilho do fogo que ardia a poucos metros de onde estava sentada em contemplação silenciosa. Sobre as chamas, um pote com água fervente estava pronto para ser usado.

A mente estava longe do trabalho, mais precisamente em Griffydd e no futuro com que nunca ousara sonhar, na vida de esposa adorada de um homem bom e generoso.

Se ele a amava, não pediria sua mão em casamento? Sabia que Griffydd tinha de ser cauteloso. Era uma necessidade, embora

tivesse certeza absoluta do que sentia por ele. Encontrara no jovem DeLanyea tudo que sempre havia esperado achar num marido, e mais.

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Page 81: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreUma vez casada com ele, feliz e livre, faria tudo que estivesse a seu alcance

para satisfazê-lo. Então pensou nos filhos que teriam juntos e uma alegria imensa invadiu seu

coração. Ardia de desejo ao imaginar os momentos em que criariam esses filhos. — Ah, Seona! — Lisid exclamou ao chegar no local onde era feito o

tingimento dos tecidos. — Então está aqui. A chegada da esposa de Naoghas com seus dois filhos assustou-a, apesar de

esperada, provocando um rubor de culpa e vergonha. — Onde mais eu estaria? Lisid nem se deu ao trabalho de responder enquanto acomodava Beitiris no

berço que mantinha no galpão. Fionn parou na frente de Seona. — Onde está Griffydd? Quero vê-lo. — Não sei onde ele está. — Quero ver o cavalo de madeira. Quando ele virá me contar outra história? Lisid olhou para o filho com ar aborrecido, e depois encarou Seona. — Se Fionn houvesse sido posto na cama mais cedo, não estaria tão

lamuriante. Seona conteve o ímpeto de perguntar se circunstâncias semelhantes a teriam

tornado menos rabugenta. — Sir Griffydd deve estar com o chefe — explicou ao menino. — Eles têm

assuntos a discutir, mas talvez sir Griffydd possa encontrá-lo mais tarde. Os olhos de Lisid brilharam com a superioridade de alguém que possui uma

informação que os outros ignoram. — Eu o vi no navio norueguês. Seu pai também estava lá. Fionn agarrou a mão de Seona. — Então vamos vê-lo! Enquanto tentava imaginar o motivo de tão estranha reunião, ela se livrou

gentilmente dos dedos persistentes da criança. — Mais tarde, Fionn. Agora, seja um bom menino e deixe-nos trabalhar. — Sim, vamos trabalhar — Lisid concordou irritada, examinando o pote com

água fervente e a quantidade de murta de que dispunha. — Os homens podem se divertir, mas as mulheres devem trabalhar — concluiu.

Fionn reuniu alguns gravetos e começou a construir uma fortaleza em miniatura.

Seona começou a misturar algumas ervas em outro pote. — O que podem estar fazendo no navio de Olaf? — resmungou. — Olaf queria mostrar a Griffydd que possui uma embarcação incomparável

— Lisid explicou, misturando a murta à água fervente. — Eles vão velejar. Preciso de mais água.

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Page 82: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Meu pai sairá com eles? — Seona perguntou, enquanto ia encher um pote

no balde. — Creio que não. DeLanyea ficará impressionado com o navio — disse,

orgulhosa como se ela mesma o houvesse desenhado. — Sim, é bem provável. Quanto tempo acha que passarão no mar? — Não muito. Por que pergunta? — Porque... estou preocupada com o jantar. Não quero servir carne fria aos

nossos convidados. — Acredito que eles estarão de volta antes do anoitecer. — Como sabe todas essas coisas? — Estava comprando peixe. Tenho tanto direito a ir à praia quanto todos os

outros moradores de Dunloch — Lisid respondeu com tom defensivo. — Não queria ouvir a conversa de ninguém.

— Vou buscar mais água — Seona anunciou, pegando o balde e saindo do galpão.

Ao aproximar-se do riacho que corria para o mar, viu o navio deixando o porto a caminho do oceano.

Sentindo o cheiro da chuva, olhou para o norte e viu nuvens escuras e pesadas formando-se a distância.

Griffydd não podia deixar de admirar o navio de Olaf Haraldson e a leveza com que cortava as ondas fora da baía de Dunloch. A tripulação içara a vela que, cheia com o vento, lembrava o peito de um viquingue arrogante.

Os homens estavam reunidos em grupos no convés, conversando e bebendo cerveja.

Apesar de confiar na habilidade dos noruegueses e na proteção conferida pelo título de seu pai, mantinha-se atento ao nórdico. Um acidente não era impossível de acontecer, e nuvens negras ao norte sugeriam a aproximação de uma tempestade que podia chegar mais depressa do que esperavam, pegando-os de surpresa.

Olaf seguiu a direção de seus olhos e sorriu. — O tempo deve se manter firme por mais algum tempo. — Espero que sim. Este é um navio esplêndido. — Sim, eu sei. — É seu? — De meu primo. — O rei Haakon? — Exatamente. Ele é como um irmão mais velho para mim. Vivo em sua casa

desde que era um garoto, quando meu pai morreu. Ouvi comentários sobre o que aconteceu com seu pai nas Cruzadas.

— É mesmo? ! 82

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Page 83: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Sim. Acho que temos algo em comum. Não é fácil viver na casa de um

homem poderoso. Griffydd não sabia onde Olaf queria chegar, por isso limitou-se a assentir. — Você é parcialmente normando, o que significa que também é descendente

dos nórdicos. Mais uma vez ele respondeu com um movimento afirmativo de cabeça, a

confiança dando lugar às suspeitas. — Minha mãe é normanda, e meu pai é meio galês, meio normando —

revelou. Olaf olhou-o de soslaio. — Sua família é leal aos galeses ou aos normandos? Griffydd mantinha os

olhos fixos na praia distante. — Vim a Dunloch para tratar de um pacto comercial. — Se quer saber minha opinião, Diarmad só é leal ao lucro. — Quer dizer que não aprova suas práticas comerciais? Olaf riu. — Conselheiros do rei não pensam em negócios. São os aliados de Diarmad

que nos interessam. — Obviamente acredita que um pacto comercial implica em uma importante

aliança com meu pai. — Se estivesse em meu lugar, não pensaria o mesmo? — No presente, meu pai só está interessado em usar os navios de

MacMurdoch. E claro que ele espera que o acordo seja acompanhado pela garantia de que os Gall-Gaidheal não atacarão nossas terras. Se Diarmad espera mais que isso, está enganado.

— Diarmad afirma que tudo não passa de uma negociação entre comerciantes, como você. Mas deve entender que temos de tomar cuidado com nossos subalternos. Qualquer outra forma de aliança será considerada traição por Haakon e implicará em retaliação.

As palavras foram pronunciadas com tom calmo, mas Griffydd reconheceu a ameaça por trás delas. Felizmente ele e Seona haviam combinado manter seus sentimentos em segredo, embora não gostasse de mentiras e subterfúgios. Como já havia imaginado, um casamento com Seona teria sérias conseqüências.

Teria de conversar com o pai e pedir seus conselhos antes de anunciar sua intenção de matrimônio. O barão era um homem diplomático, com muitos amigos nobres, e saberia como proceder de forma a impedir graves complicações.

Mesmo assim, era quase impossível sufocar a raiva. Ressentia-se quando era obrigado a suportar qualquer tipo de influência em suas decisões. E quem esse homem julgava ser para ameaçá-lo, ou a seu pai?

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Page 84: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— É muita gentileza sua prevenir-me — disse depois de um momento sem

revelar a ira. — E através de minha pessoa, também previne meu pai. E através dele, o rei Henry.

Olaf riu. — Gentileza? Eu o previno como faria com um inimigo prestes a ser atacado,

DeLanyea. Para que tenha chance de render-se. Não espere de Diarmad mais do que a prata que pretendem trocar, ou meu primo poderá ficar aborrecido.

— Só estou apontando que, antes de fazer ameaças a mim e a meu pai, devia considerar a quem já estamos aliados. Não creio que queira ter meu pai por inimigo. Como deve saber, ele é um guerreiro famoso com amigos poderosos. E os DeLanyea nunca se rendem.

Olaf tossiu e olhou para os próprios pés antes de responder: — Por isso quis falar com você aqui, longe de Diarmad e seus homens. Meu

primo prefere não se tornar inimigo de seu pai, e também achei que devia preveni-lo quanto à negociação com MacMurdoch. Ele não é digno de confiança. E perfeitamente capaz de traí-lo e a nós também aliando-se aos escoceses.

— E verdade. Por isso fazemos questão de discutir apenas negócios com Diarmad, como meu pai já esclareceu ao rei Henry.

— Seu pai falou com seu rei sobre Fazer negócios com Diarmad MacMurdoch?

— Como era de se esperar. Diarmad não é um homem desconhecido. Tem navios demais para ser ignorado. Meu pai quis que o rei soubesse exatamente o que ele estava fazendo, porque assim não haveria nenhum mal-entendido.

— O barão é um homem previdente. — Sim, e vivemos tempos turbulentos. — E verdade. Você merece meu respeito, DeLanyea. Os tempos de hoje não

são fáceis para os homens honrados. Somos usados como mensageiros de luxo por nossos senhores.

— Considero uma honra merecer a confiança de meu pai. — Então é mais feliz que eu em sua missão. Griffydd decidiu aproveitar o momento de camaradagem para descobrir mais

sobre o propósito da presença de Olaf em Dunloch. De repente, o grito de um homem chamou a atenção de todos para o norte,

onde nuvens negras se formavam rapidamente anunciando tempestade. — Pelos olhos de Odin!— Olaf trovejou, unindo as mãos em torno da boca

para gritar uma ordem. No mesmo instante, todos os homens entraram em ação, alguns soltando as

amarras que prendiam a vela, outros sustentando o mastro, um terceiro grupo assumindo os remos.

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Page 85: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreDevagar, enquanto o vento ganhava velocidade e as ondas cresciam

assustadoramente, o navio foi manobrado para voltar a Dunloch. Então a chuva caiu, gotas enormes impulsionadas pela ventania. Em poucos

minutos, todos estavam ensopados. Nuvens negras cobriam o céu sobre suas cabeças. A embarcação balançava, jogada de um lado para o outro como um brinquedo.

Os remadores seguiam incansáveis em sua tarefa. Outra onda atingiu a lateral do navio, e Griffydd agarrou-se à lateral para

segurar-se, notando horrorizado que as pranchas poderiam ser partidas a qualquer momento pela força do mar.

— Não tema, galês. Meu barco foi construído para enfrentar tormentas mil vezes piores que esta! Mas não vou submetê-lo a riscos desnecessários. — E saltou para o centro do convés, agarrando um par de remos. — Reme! — ordenou, jogando um deles para Griffydd.

Envolta em seu manto, Seona esperava à sombra da torre, buscando nas ruínas um abrigo para a tempestade que se formara repentinamente. O olhar ansioso buscava o mar e a entrada do porto. Outros homens, entre eles seu pai, esperavam perto da praia, também atentos ao navio de Olaf.

E se ele já houvesse afundado sob as ondas? E se Griffydd estivesse morto? A angústia era tão grande, que preferia nem pensar nessa possibilidade. DeLanyea estava numa das melhores embarcações que já vira. Olaf era um

navegador habilidoso, como todos os tripulantes. Sem dúvida, haviam percebido a aproximação da tormenta e tomado o caminho de volta.

Não deviam ter se afastado muito do continente, porque... se o pior acontecesse, os que fossem atirados ao mar poderiam nadar até a praia.

A menos que Olaf houvesse sentido a necessidade de impressionar o galês indo mais longe do que aconselhava a prudência.

Nesse caso, os que tentassem nadar seriam jogados contra as pedras pela força das ondas.

Seona foi momentaneamente dominada pelo desespero. Cobrindo o rosto com as mãos, rezou pedindo pela vida de Griffydd.

Um grito a fez levantar a cabeça. O navio nórdico surgiu na entrada do porto, os remos batendo vigorosos contra

a superfície turbulenta do oceano. Ansiosa, tentou enxergar o interior do barco. Onde estava Griffydd? Não

conseguia vê-lo na proa. Erguendo a saia e o manto ensopados, correu encosta abaixo sem desviar os

olhos da embarcação, contando os homens... até que o viu. Estava sentado na proa, dividindo um par de remos com Olaf.

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Page 86: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Graças a Deus! — gritou, olhando para o céu nublado com alívio e

gratidão. Atravessou o vilarejo com passos apressados na direção da praia. Lá, manteve-

se atrás do grupo de homens que esperava pelo navio, apesar da chuva. Nada tinha para fazer ali, mas queria estar perto de Griffydd. Precisava estar perto dele.

Seona aproximou-se da embarcação. — Olaf! — MacMurdoch gritou. — Tememos por você! Olaf e Griffydd

levantaram-se ao mesmo tempo, as roupas molhadas coladas ao corpo. — Como pôde duvidar de meu navio? — o norueguês perguntou, balançando a

cabeça para tirar dos olhos os cabelos ensopados. Então ele riu e apontou para Griffydd. — Tive de convencê-lo da superioridade das nossas embarcações.

— E conseguiu — DeLanyea respondeu. Seona sorriu aliviada ao testemunhar o intercâmbio amistoso. Ao encontrar os

olhos de Griffydd, sorriu mais uma vez. Ele não retribuiu, mas havia um brilho em seus olhos que indicava felicidade

por vê-la, e isso foi suficiente para contentá-la. — Digo que envelheci um ano — Diarmad declarou, enquanto entregava

pesados mantos aos dois hóspedes. — Não é aconselhável assustar um homem da minha idade.

— Pensei que seu único temor fosse o de perder dinheiro — Olaf comentou com ironia, jogando o manto sobre os ombros.

— Sim, também tenho medo disso, meu amigo. Venham, vamos entrar. Tenho um fogo pronto e boa comida sobre a mesa, e muito vinho para aplacar o frio.

Olaf preparou-se para seguir o anfitrião, mas Griffydd hesitou. — Gostaria de vestir roupas secas primeiro. Seona pensou no interior frio e

vasto do alojamento. Com leveza de movimentos, ergueu a saia mais uma vez e correu para lá.

Não sentia cansaço tão grande desde os tempos de treinamento sob a supervisão de Fitzroy, Griffydd pensou ao aproximar-se do alojamento. Seria bom vestir roupas secas e quentes... embora houvesse sido muito melhor ver Seona sorrindo para ele.

Imaginou para onde ela teria ido e deduziu que devia estar ajudando no salão, preparando o jantar e servindo Olaf e sua turbulenta tripulação.

Entrou no alojamento e viu-a imediatamente ao lado do fogo. O calor o envolveu, e nem essa sensação foi tão agradável quanto a visão daquele sorriso doce.

Como era fácil imaginar que ela era sua esposa e o recebia em casa depois de um dia de trabalho!

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Page 87: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Seona! — exclamou feliz. Mas não podia esquecer a propriedade e seu

dever de honra para com o anfitrião. — Não devia estar no salão? As pessoas vão estranhar sua ausência.

— Pensei que chegaria com frio... — Veio acender o fogo para mim? Estou encantado. Griffydd aproximou-se

dela, tentado a tomá-la nos braços, o que teria feito se não estivesse encharcado. — E melhor livrar-se dessas roupas, ou vai acabar adoecendo. — Lembre-se, não costumo adoecer por causa de roupas molhadas. No

entanto, reconheço que este não é um estado muito confortável. Livrou-se do manto e caminhou até o baú, procurando um pedaço de linho

onde pudesse enxugar-se e roupas limpas para vestir. — Oh, Griffydd, senti tanto medo! Pensei que morreria afogado. — Confesso que também tive medo desse destino, mas Olaf conseguiu provar

a qualidade das embarcações nórdicas. — Estou feliz por não ter sucumbido durante a demonstração. Ele jogou algumas peças secas sobre a cama e despiu a túnica. Sentado sobre

um banco, começou a enxugar os cabelos com um pedaço de tecido. — Olaf queria me prevenir quanto a uma eventual aliança com seu pai. — Preveni-lo? — Sim. Ele deixou claro que uma ligação entre minha família e Diarmad

poderia ter sérias conseqüências. Pelo que entendi, Olaf acredita que seu pai pode aproximar-se dos escoceses.

— De jeito nenhum. Meu pai vive dizendo que esse povo é formado por homens tolos e vaidosos que preferem discutir entre si quem será o próximo rei, em vez de buscarem prosperidade. Mas você e Olaf pareciam grandes amigos quando desembarcaram.

— Nós nos entendemos, só isso. Gosto quando as pessoas dizem o que pensam com sinceridade. Odeio subterfúgios.

— Também não gosto de mentiras e hipocrisia. Ele se levantou e tomou-a nos braços, beijando-a na testa com um misto de ternura e respeito.

— Obrigado por me receber com tanta atenção. — Agora tenho de ir — Seona anunciou com pesar. — Se alguém me descobrir

aqui... — Não seria bom. Concordo que deva ir. — Apesar das palavras, começou a

beijá-la com delicadeza, acenando com a promessa de uma paixão contida a muito custo.

Uma paixão que, ao contrário dele, Seona não queria conter. Por isso buscou sua boca com avidez.

O beijo tornou-se mais íntimo, como se o desejo os dominasse. ! 87

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Page 88: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreE então, com relutância, Griffydd afastou-se. — Você é uma tentação. — Foi você quem me beijou. — Tem razão. Estou tão exausto que me esqueci da propriedade. É melhor ir

embora, Seona. Não disponho de muita força de vontade, e sinto que ela se torna menor a cada instante que passamos juntos.

Ao aproximar-se da porta, ela o ouviu bocejar e virou-se a tempo de vê-lo deitado sobre a cama, um braço sobre os olhos. Antes que pudesse despedir-se, ele já havia dormido.

Naquela noite, vestindo os trajes típicos locais, Griffydd segurava uma taça de vinho e observava os homens em torno da mesa. Preferia contemplar Seona, mas ela não estava no salão naquele momento.

Fora buscar mais cerveja. Olaf Haraldson e seus homens exibiam uma capacidade ilimitada para ingerir a bebida.

E o mais surpreendente era que Olaf ainda era capaz de conversar com grande coerência, apesar de a voz ter se tornado ainda mais alta e potente, sobrepondo-se a todas as outras. Seria impossível discutir alguma coisa enquanto ele estivesse por perto.

Não que Griffydd pretendesse discutir alguma coisa importante na presença de Olaf. Diarmad parecia ser da mesma opinião, porque até aquele momento a conversa fora amena, inconsequente.

E Griffydd não era o único incomodado com a presença do norueguês. Naoghas se mostrava ainda mais carrancudo que o normal, e vários outros imitavam sua disposição. O homem chamado Eodan observava o visitante como quem estuda a calmaria antes da tempestade, e o religioso Iosag benzia-se sempre que Olaf aproximava-se dele, apesar do enorme crucifixo no peito do nórdico.

Griffydd não culpava Iosag. Era evidente que a peça de prata não passava de um adorno sem significado algum para o navegante.

Griffydd olhou mais uma vez para Olaf, sentado à direita do anfitrião, o lado de maior prestígio. Não censurava o comportamento de Diarmad. Por direito, um conselheiro do rei era mais importante que um cavaleiro normando.

Seona entrou no salão carregando uma jarra de cerveja. Como sempre, vestia-se com simplicidade e modéstia, mas prendera os cabelos numa trança atrás da cabeça, revelando assim o rosto angelical.

Seria capaz de estudá-la durante toda a noite. Mas Olaf levantou-se e, cambaleando como se toda a bebida que consumira

houvesse finalmente encharcado seu cérebro, dirigiu-se à porta. — Sua cerveja é boa, Diarmad, mas creio que chega por hoje — anunciou,

inclinando-se antes de sair. ! 88

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Page 89: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MoorePassou por Seona como se nem a conhecesse, e Griffydd sentiu-se

pessoalmente ofendido pelo tratamento desdenhoso. Não gostava de ver as pessoas daquele lugar desrespeitando uma lady, aquela que devia ser a mulher mais importante do povoado, mas a prudência pedia silêncio. Gostaria de colocar todos eles em seus devidos lugares, mas sabia que, como hóspede, não tinha o direito de interferir na dinâmica do vilarejo.

Mas quando ela fosse sua esposa, faria com que todos a tratassem com o respeito que merecia.

— Um terço não é muito — Diarmad disparou de repente. Era evidente que decidira negociar por julgá-lo embriagado. Infelizmente para Diarmad, Griffydd jogara toda a cerveja no chão, sob a

mesa. O líquido fermentado não era imediatamente absorvido pela terra compacta, mas estava menos preocupado com as botas do que a própria sobriedade.

— Um décimo é o que meu pai considera justo — respondeu, retomando a negociação interrompida naquela manhã.

— O quê? Um décimo? — Receio que sua cerveja esteja me deixando tonto. Rogo que deixemos para

discutir a questão amanhã, quando pudermos falar em particular. — Acho que podemos decidi-la esta noite. — Não estou de acordo. Diarmad reconheceu o tom de finalidade e respirou fundo. —Bem, talvez tenha razão — resmungou, cofiando a barba. — Mas um

décimo? Isso é um insulto! Diarmad parecia muito perturbado com a oferta, e por isso Griffydd decidiu

indicar que a soma era apenas um ponto de partida. — Pelo contrário, acho que é um valor muito bom... para começarmos a

conversar. Pelo canto do olho, notou que Olaf retornava. Diarmad relaxou e olhou para o

norueguês. — Como disse, talvez este não seja o melhor momento para uma negociação

tão importante. Olaf contornou a mesa e ocupou novamente seu lugar, cantando em voz alta

como se estivesse em sua própria casa. Então Lisid entrou no salão e, como se obedecessem a um sinal, todos os

homens olharam para ela, Griffydd inclusive. Era realmente uma bela mulher, e sabia escolher as roupas adequadas para

valorizar seus encantos. Naquela noite ela usava um vestido de lã azul com uma túnica amarela muito fina. Um colar de pedras polidas incrustadas em prata adornava seu pescoço, e um bracelete similar enfeitava o pulso. Usava cosméticos, porque os

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Uma Batalha de Honra Margaret Mooreolhos eram delineados por uma substância escura, e suspeitava de que o vermelho dos lábios não era natural.

Griffydd notou que Diarmad franziu a testa ao vê-la, os olhos fixos no colar. Não foi preciso muito esforço para deduzir onde ela conseguira a jóia, e

gostaria de saber que desculpa ela dera ao marido. Griffydd viu Lisid aproximar-se da mesa e deixar o pão na frente de Olaf. Ela

ofereceu um sorriso provocante ao norueguês. — Onde estão seus filhos? — perguntou. Ela olhou para Griffydd como se ele não passasse de um inseto. — Com uma das outras mulheres. — E afastou-se depois de ganhar um sorriso

de Olaf. Aborrecido com o flerte descarado, Griffydd olhou para Seona e viu que ela se

mantinha ao lado de Naoghas, que observava a esposa com expressão furiosa. Lembrou-se dos cavalos de combate e da égua usada para dar início à disputa. Seona aproximava-se com a cerveja e ele ergueu o copo vazio. Intrigada, talvez

tentando saber se estava embriagado, ela o encarou e uma ruga surgiu entre seus olhos. Griffydd arriscou uma piscada e um rápido olhar para o chão, pelo que mereceu a recompensa de um olhar terno que só ele poderia interpretar com exatidão.

Infelizmente, Seona seguiu em frente e continuou servindo a bebida. — Vou lhe dizer uma coisa, Diarmad. Tem neste salão a mulher mais bela que

já vi. A expressão de MacMurdoch indicava surpresa e deboche diante do

comentário de Olaf. — Jamais chamaria Seona de bela — ele disse. Tenso, Griffydd olhou para

Seona e notou o rubor que tingia seu rosto. Gostaria de esmurrar o governante e seu hóspede importante por magoarem

uma pessoa tão doce e delicada. Teria sido um prazer bater a cabeça de um contra a do outro.

Olaf olhava para o anfitrião como se ele houvesse perdido o juízo. — Refiro-me a Lisid! Ela é linda como uma deusa. E aquele é um homem

feliz por poder deliciar-se com tão encantador panorama — disse, apontando para Naoghas. Lisid servia mais comida no prato do marido. — Veja como ele olha para seus seios quando a mulher se inclina! É como um lobo sentindo o cheiro da carne!

— Aquele homem é marido dela — Diarmad disse em voz alta. — Pelo martelo de Thor, então é mesmo um felizardo! — E também é ciumento — Griffydd comentou. — É melhor guardar os

elogios para você.

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Page 91: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Por quê? Não posso dizer que um homem tem uma esposa adorável? — o

norueguês perguntou incrédulo. Depois olhou para Naoghas. — Sua mulher é bela como uma deusa. Bebo à sua sorte!

Lisid tentava parecer chocada com a ousadia do forasteiro, mas não conseguia esconder o orgulho e a vaidade.

Naoghas lançou um olhar gelado para a esposa, e depois de um instante levantou a caneca para responder ao brinde. Todos os outros o imitaram, atentos aos movimentos do companheiro e da mulher com quem ele se casara.

— Preciso de mais cerveja! — Olaf gritou. — Quem virá saciar minha sede? — E olhou para Lisid com um sorriso malicioso.

Ela se preparou para servir a bebida, mas Naoghas disse alguma coisa em voz baixa e a jovem hesitou, os lábios formando uma careta contrariada e petulante.

Griffydd levou a mão à arma, antecipando uma luta. Seria o norueguês tolo a ponto de não perceber aonde suas palavras o levariam?

De repente, uma voz feminina soou estridente na porta. — Mais cerveja? É claro! Mais cerveja para o bem-educado primo do rei! Foi a vez de Olaf franzir a testa ao ver Seona entrando com uma jarra na mão e

um sorriso sarcástico nos lábios. Griffydd tentou adivinhar qual seria sua intenção, porque era claro que faria

alguma coisa. — Não quero que satisfaça minhas necessidades — Olaf apontou com rispidez. — Ótimo! — Seona respondeu, parando diante do visitante. — Seona! — Diarmad censurou-a. Ela ignorou o pai e não olhou para Griffydd, a atenção totalmente concentrada

em Olaf. — No entanto, primo do rei Haakon, como filha de meu pai, tenho o dever de

proporcionar toda a comida que puder comer e toda a bebida que for capaz de beber, mesmo que seja rude e grosseiro. Com licença, meu lorde — e levantou a jarra.

O norueguês empurrou a caneca. Mas Seona despejou todo o conteúdo do recipiente sobre sua cabeça.

Griffydd teve de fazer um grande esforço para não rir. Alguns homens sorriam, outros trocavam comentários espantados. Até que Diarmad levantou-se.

— Estúpida! — gritou para a filha. Griffydd ameaçou levantar-se, embora não tivesse idéia do que diria ou faria,

sabendo apenas que tinha de defendê-la. — Sir Griffydd, por favor, sente-se — Seona indicou com tom solene, mas

com um brilho de prazer e desafio nos olhos. — Como tem se comportado com dignidade e respeito por meu pai e sua casa, nada tem a temer.

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Page 92: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreAli estava uma mulher digna de ser a esposa de um guerreiro, Griffydd pensou,

retomando o assento. Que espírito! Que orgulho! Olaf balançou a cabeça espalhando cerveja em todas as direções. — Pelo martelo de Thor, Diarmad! — rosnou. — É assim que ensina sua filha

a tratar um hóspede honrado? — Perdão, meu lorde. Temo ser realmente uma criatura estúpida — disse

Seona com um sorriso zom-beteiro. — Não sabia que um homem tão ofensivo às mulheres do povoado de meu pai era um hóspede honrado.

— Seona — MacMurdoch resmungou. — Você me envergonhou. Saia! — Com todo o prazer — ela respondeu com grande dignidade, deixando a

jarra vazia sobre a mesa antes de deixar o salão sem pressa. Cheio de admiração, Griffydd viu-a sair e imaginou quanto tempo teria de

esperar para encontrá-la e parabenizá-la pelo gesto de coragem. Lisid pegou um pano da mão de uma criada e ofereceu-o a Olaf, que o aceitou

sem sequer encará-la. — Peço desculpas mais uma vez. É uma vergonha ser desgraçado pela própria

filha. — Espero que a faça compreender que essa não foi uma atitude sensata —

Olaf apontou irritado. — Sim, sim, pretendo repreendê-la, meu lorde. — Sugiro que não perca tempo. Diarmad levantou-se. — Não admito que alguém me dê ordens dentro de minha própria casa. Nem

mesmo o primo do rei. O norueguês também pôs-se em pé, encarando-o com ar beligerante. — Com licença — Griffydd interferiu controlado, imitando-os e abandonando

o banco. — É tarde. Creio que devo retirar-me. Se fosse você, Olaf, me livraria dessas roupas molhadas o mais depressa possível. Vai acabar adoecendo.

— Aonde vai com tanta pressa? Sou eu quem estou ensopado. — Então devia ir secar-se. — Não precisa sair, sir Griffydd. Por favor, fique e desfrute da hospitalidade de

meu salão — Diarmad sugeriu com tom autoritário. — E embora aprecie sua preocupação com minha saúde, já estive mais

molhado que isso por dias seguidos no mar. Fique e beba comigo. Quero ouvir sobre a viagem de seu pai à Terra Santa.

— Sim, os dois devem ficar — MacMurdoch decidiu. Griffydd desejava ir ao encontro de Seona, mas sabia que, se insistisse, levantaria suspeitas sobre uma possível ligação entre eles, e não estava preparado para revelar seus sentimentos.

Portanto, não teve outra escolha senão sentar-se novamente. ! 92

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Page 93: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreMas ao ouvir as palavras de Diarmad, lamentou ter feito a opção errada. — Desculpem-me, Olaf, Griffydd. — O governante levantou-se com ar

furioso. — Mas devo ir ter uma conversa séria com minha filha. — E saiu sem esperar por uma resposta.

Ofegante, Seona esperava no escuro em sua pequena casa na fronteira do vilarejo. Sabia que o pai estava a caminho. Jamais o deixara tão zangado, e por isso tinha certeza do castigo.

Enquanto esperava, imaginou como seria. Primeiro, ele a humilharia com palavras, citando suas inúmeras faltas e pecados. Depois, exigiria uma explicação que não ouviria. E por fim, a puniria.

Era essa perspectiva que a punha nervosa e a levava a questionar se havia sido tola ou corajosa.

Animada pela certeza do respeito e da admiração de um homem naquele salão, acabara indo longe demais.

Afinal, Olaf apenas dissera o que muitos homens pensavam. Que tipo de punição o pai julgaria adequada? Poderia exigir que pedisse

desculpas ao hóspede. Ou a obrigaria a permanecer em seus aposentos até segunda ordem... o que implicaria em correr riscos ainda maiores se quisesse ver Griffydd.

Talvez ele até a surrasse. Jamais fora agredida fisicamente, mas daquela vez ousara envergonhá-lo em

público. Antes, quando discutiram, haviam estado sempre sozinhos, — Seona! Apesar de estar esperando pela chegada de Diar-mad, assustou-se com o grito

furioso. Mas respirou fundo e tentou acalmar-se, buscando forças na certeza do respeito de um homem.

— Acha que pode esconder-se de mim, menina? Ela acendeu uma lamparina para que o pai pudesse vê-la.

Diarmad olhou para a mulher insolente que insultara o primo do rei e que uniria seu clã à casa real da Noruega, qualquer que fosse sua opinião sobre Olaf.

— Não estava escondida — declarou com bravura. — Pois devia estar — ele respondeu, tomado de assalto pela lembrança de uma

mulher ruiva que o enfrentara, enfurecera e traíra. — Como se atreveu a agredir um hóspede daquela maneira? Ele certamente partirá amanhã e voltará com uma frota para atacar Dunloch!

— Só porque joguei um pouco de cerveja sobre sua cabeça? Diarmad segurou-a pelos braços e a sacudiu. — Escute aqui, menina! Ele é um homem poderoso, e você cometeu uma

enorme estupidez!

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Page 94: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Talvez — reconheceu, movendo os braços para soltar-se. — Mas será que

não tem orgulho? — Quem é você para questionar-me, ou duvidar de meu orgulho? Ou para

envergonhar-me em minha própria casa? Que importância tem se ele olhou para Lisid e fez alguns comentários? O que você fez foi muito pior! Meu Deus, é exatamente igual a sua mãe!

— Sobre que cabeça ela jogou cerveja? — perguntou irada. — Na sua? — Se o fez, foi depois de estarmos casados, não antes. — O que quer dizer? — Mulher estúpida, está prestes a receber uma grande honra, uma honra que

não merece! Foi prometida a Olaf Haraldson! As palavras de Diarmad atingiram-na como um violento golpe de espada.

Rígida, incapaz de respirar ou pensar, sussurrou: — Olaf Haraldson? Devo me casar com ele? — Também não consegui acreditar em tamanha sorte, mas é verdade. Era um pesadelo. Um sonho nefasto do qual acordaria a qualquer momento. — Disse que eu devia agradar Griffydd DeLanyea. Não está mais interessado

no pacto comercial com o barão, e por isso me oferece a Olaf como um velho brat que não quer mais?

— O próprio Haakon sugeriu a união, e por isso não pude me opor. E mesmo que pudesse, não me oporia. Olaf é primo do rei. Finalmente fará algo de útil. Quanto ao pacto, esse compromisso prova minha lealdade a Haakon, e não há razão para que eu deixe de negociar com o galês.

Tentando não deixar o desespero dominar sua mente, Seona forçou-se a pensar como o pai.

— Já pensou, meu pai, que um galês, mesmo tendo sangue normando, pode interpretar sua aliança com Olaf como um sinal de completa lealdade a Haakon e considerá-lo uma ameaça a Gales?

— Por isso não vai dizer nada a quem quer que seja sobre o compromisso com Olaf enquanto DeLanyea estiver aqui. Não quero que ele pense que perdi o interesse pelo acordo com o barão.

— Oh, não, isso seria intolerável — Seona respondeu com sarcasmo. — Não tem o direito de questionar minhas decisões, menina! Faço o que julgo

ser melhor... e devia estar grata pela oportunidade de recompensar-me por toda a vergonha que sua mãe me causou.

— Grata! Por que não me oferece em leilão como fazem com os escravos? Sei que me odeia o bastante para isso. Não seria muito mais simples?

— Sim, seria. Mas vai se casar com Olaf mesmo assim.

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Page 95: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Não quero saber se ele é herdeiro do trono! Não me casarei com aquele

homem detestável! — Você fará o que eu ordenar! — Diarmad gritou, batendo com o punho

cerrado na palma da mão. — Mas... — Chega de protestos! Você é a filha de um governante, e se o rei decidiu que

vai se casar com o primo dele, então está decidido. É a vontade do rei que prevalece. E já apertamos as mãos... — Diarmad parou como se só então lembrasse disso. — Felizmente apertamos as mãos — concluiu aliviado.

O rompimento do compromisso de casamento acarretaria em grande vergonha para a parte que desistisse dele. E reparações financeiras teriam de ser feitas.

Diarmad jamais pagaria por sua liberdade, Seona percebeu com um estranho sentimento de fatalidade.

— Tente usar o bom senso — ele aconselhou com tom mais ameno. — Se não atendermos ao desejo de Haakon, ele atacará o povoado e nos venderá como escravos. Prefere esse destino?

— Ele não chegaria a tanto... — Chegaria — Diarmad persistiu com absoluta convicção. O desespero e a impotência invadiram seu coração. Sentia-se encurralada, presa em uma armadilha como uma raposa cercada por

cães vorazes. Talvez... Se contasse sobre Griffydd e o que acreditava existir entre eles... — Pai... — Seona. — De repente, ele não era mais o pai ameaçador e severo de sua

infância, nem o mercador sagaz ou o senhor ríspido distribuindo tarefas. Era apenas um homem amargo, velho e cansado. — Seona, esse casamento é arranjado. Vai acontecer porque é necessário. Haakon quer assim, e creia, seria muito pior para todos nós se o desafiássemos. Não temos escolha. Nem você. Nem Olaf. Nem eu.

— Acredita realmente que Haakon nos atacaria se rompêssemos o compromisso?

— Ele interpretaria o gesto como uma traição imperdoável, e concluiria que estamos travando outras alianças. E nos temeria por isso. Todo o nosso povo seria considerado traidor. Conheci Haakon pessoalmente, e tenho certeza de que ele não hesitaria em queimar este vilarejo até o chão.

— Como as atitudes de gente sem importância como nós podem amedrontar um rei?

— Não é capaz de aceitar o que digo? Deve se casar com Olaf, ou todos nós sofreremos as conseqüências.

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Page 96: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreDiarmad acreditava realmente que todos os seus receios se realizariam, caso

ela se negasse a aceitar o primo de Haakon por marido. Mas não merecia alguma felicidade? Sua vida já não havia sido mais do que

miserável? Miserável o bastante para correr o risco de ver Fionn, Beitiris e todas as

pessoas que amava sendo vendidas como escravos, ou mortos por guerreiros sanguinários? Ver o corpo de seu pai e dos homens que o seguiam estendidos no chão do salão e Dunloch destruído pelas chamas?

Sabia do que os nórdicos eram capazes, e pela primeira vez acreditava na sinceridade das palavras do pai. Ele temia a ira de Haakon, e também devia temê-lo.

Era a filha de um líder, e isso implicava em certos deveres com o povo por ele comandado.

— Muito bem, pai — disse, esmagada pelo peso das esperanças destruídas, dos sonhos desfeitos e da certeza de um futuro desolador. — Eu me casarei com Olaf. E também acho que não devemos dizer nada a Griffydd DeLanyea.

Não seria capaz de carregar também a culpa depois de ver a decepção nos olhos dele.

Diarmad assentiu, e Seona teve a impressão de ver uma centelha de respeito brilhando em seus olhos. Agora. Quando já não importava.

— Então está acertado. Não diremos nada a ninguém enquanto o pacto com o jovem DeLanyea não estiver concluído. Preocupo-me com a segurança de meu povo, mas não vejo motivo para abrir mão do lucro enquanto os protejo.

Diarmad saiu. Seona ficou sozinha, sem alguém para testemunhar sua angústia ou ouvir seus

soluços abafados. Oculto pelas sombras, Griffydd correu cauteloso pelo vilarejo. Gostaria de ter

deixado o salão mais cedo, mas uma saída repentina teria despertado as suspeitas de Olaf, e por isso estendera a conversa até o limite de sua paciência. Quando a tensão de imaginar o castigo a que Diarmad submeteria a filha tornara-se maior que o temor, ele se desculpara e saíra.

Se soubesse qual das pequeninas casas no limite do povoado era a dela! Não sabia nem se ela havia ido para lá. Talvez houvesse ido buscar consolo com uma amiga, ou estivesse escondida em algum lugar onde o pai não pudesse encontrá-la.

A lua permanecia encoberta por uma fina camada de nuvens, o que tornava o caminho ainda mais escuro e incerto. Apesar da proteção proporcionada pela escuridão, a noite fechada também tornava a busca mais difícil.

Seona havia dito que vivia numa pequena casa no limite do vilarejo perto das ruínas da torre. Uma construção muito modesta chamou sua atenção. Parecia isolada, distante das outras. Como Seona.

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Page 97: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreEstava prestes a cruzar o espaço aberto entre os edifícios quando alguém saiu

da casa. Diarmad. Então aquela era realmente a casa de Seona. E o líder dos Gall-Gaidheal

parecia furioso. Griffydd buscou refúgio nas sombras. Embora estivesse sendo cauteloso pelo

bem de Seona, não conseguia deixar de experimentar um certo desgosto com o próprio comportamento, como se fosse um ladrão. Viu o chefe passar a caminho da fortaleza.

Esperava que não fosse tarde demais. Mais ansioso que antes, Griffydd entrou na casa e deparou-se com um

ambiente modesto, porém limpo. Poucas peças compunham a mobília sob o teto baixo.

— Seona — chamou, temendo estar no lugar errado. — Sim? Estava sentada na cama, fitando-o através de uma cortina formada pelos

cabelos brilhantes. Ele a fez levantar-se e envolveu-a num abraço terno. — Seona! Minha linda, brava e ousada Seona! O tremor dos ombros levou-o a perceber que ela estava chorando, evidência de

que havia sido tratada com brutalidade pelo pai, mesmo que apenas em palavras. — Devia ter vindo antes. Seu pai a machucou? — Se Diarmad houvesse

encostado um único dedo nela, teria prazer em surrá-lo até ouvi-lo suplicar por misericórdia.

Seona suspirou e balançou a cabeça. — Não. — Limpou o rosto com o dorso da mão e, ao encará-lo, tentou sorrir.

— Temo não ter sido tão astuta quanto imaginava. Eu... envergonhei nosso povo com minha atitude infantil e grosseira.

— Olaf e Lisid são os únicos que deviam estar envergonhados. Ele por comportar-se como se estivesse em uma taverna, não na casa de um líder respeitado. Ela... Bem, um dia Lisid descobrirá que a beleza não é eterna, e esse será um castigo bem duro para alguém com sua vaidade.

— Suponho que sim. — Logo deixaremos este lugar. Quando for minha esposa, ninguém mais a

desrespeitará ou humilhará. Dou minha palavra, a palavra de sir Griffydd DeLa-nyea. — E ajoelhou-se diante dela. — Seona MacMurdoch, aceita minha oferta de casamento?

Seona sentiu o coração bater mais forte quando olhou para o homem amado. Durante boa parte da vida, atrevera-se a sonhar, apesar de tudo, que um dia um

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Page 98: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moorehomem a amaria, e agora, quando o aparentemente impossível acontecia, quando correspondia ao tão esperado amor, tinha de recusá-lo.

— Seona, o que foi? Cometi algum engano? Fui indelicado ou atrevido? Tentou reunir forças para responder que sim e dizer que por isso não poderiam

se casar. Tinha de contar sobre o compromisso que fora arranjado e selado sem seu consentimento ou conhecimento. Precisava revelar que estava sendo forçada a aceitar um casamento com um homem que abominava, ou todo o povo de seu pai sofreria as conseqüências. Era preciso anunciar que não poderia pôr a própria felicidade, ou a dele, acima de tantas outras, especialmente de tantas crianças. Não mereciam a escravidão ou a morte pela espada de um bárbaro porque ela estava apaixonada. Tinha obrigações com esse povo e não podia esquivar-se delas, ou as conseqüências seriam terríveis.

Mas as palavras que destruiriam sua chance de felicidade não possuíam força para vencer o nó que se formara em sua garganta. Não tinha coragem de matar tão belo amor.

— Nada me faria mais feliz do que ser sua esposa — confessou. O sorriso de Griffydd foi tão glorioso que a encheu de esperança. — Em breve poderemos nos casar, Seona. Prometo. Então a levarei para longe

daqui e de todos que não sabem valorizá-la. Mas antes... devo retornar à casa de meu pai. Não pense que estou tentando adiar o momento de assumir nosso compromisso. Faria de você minha esposa agora mesmo, se pudesse. Mas deve saber, meu amor, que qualquer casamento entre a filha de um governante e o filho de um barão envolve especulações sobre alianças e lealdades. Decidi perguntar a meu pai, um homem muito sagaz e equilibrado, qual a melhor maneira de mostrar ao mundo que não estou interessado em Seona MacMurdoch porque ela é filha de um governante. — A voz baixou para um sussurro sedutor. — Quero me casar com ela apenas porque a amo.

Seona sufocou um soluço e abraçou-o. — Gostaria de poder deixar Dunloch ainda esta noite — confessou. — Também gostaria de poder partir agora mesmo, Seona, mas não seria

prudente. A espera vai ser difícil para nós dois, mas prefiro adiar nossa felicidade a correr o risco de arruiná-la com uma precipitação qualquer.

Era como se seu coração estivesse sendo rasgado ao meio. Seona levantou-se na ponta dos pés para beijá-lo. No dia seguinte, decidiu. No dia seguinte encontraria as palavras para dizer que

não poderia se casar com ele. Aquele seria o último beijo, e por isso poria nele todo o amor que havia em seu

coração. ! 98

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Page 99: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreSeria a última vez que revelaria seus verdadeiros sentimentos a Griffydd

DeLanyea. A última vez em que estaria sozinha com ele. A última vez, pensou desesperada, o refrão triste transformando-se em um

iorram em sua mente. Griffydd correspondia ao beijo com paixão. Seona permitiu-se a ousadia de

acariciar o corpo musculoso, buscando nele as lembranças que a manteriam viva até o último de seus dias.

Devia detê-lo. Devia pôr um ponto final naquela loucura enquanto ainda era tempo. Fora prometida a outro homem e o destino de seu povo dependia dela, desse compromisso com o primo cio rei.

Mas queria Griffydd! Queria a paixão e o amor que via em seus olhos. Precisava deles como as árvores necessitam da luz e da água.

Logo estaria casada com um homem que não amava. Alguém que jamais amaria com a intensidade do sentimento despertado por aquele que a abraçava.

O beijo tornou-se mais íntimo e provocante. A última vez... Seria errado ceder ao desejo que incendiava seu corpo? Dispunha de pouco tempo até que a negociação fosse concluída. Então

Griffydd partiria. Para sempre. Nunca mais o veria. Nunca mais o tocaria. Nunca mais o beijaria.

Como nessa última vez. Ele se afastou arfante. — Seona, preciso de você. Quero que seja minha esposa, a mãe de meus filhos.

Quero que fique comigo para sempre. Sabia que aquele era um sonho impossível. E então o iorram mudou. !!CAPÍTULO XIV !!Uma única vez, o coração de Seona ditou. Uma única vez para estar com ele.

Uma única vez para amá-lo, plena e completamente. Uma única vez para provar a felicidade que tornaria válida toda uma vida.

O que era a honra comparada ao amor? Ela recuou um passo e, sem dizer nada, tirou o cinto, deixando-o cair no chão.

— Seona...? — Ame-me, Griffydd — implorou com fervor. — Agora. Esta noite.

! 99Clássicos Históricos - 149

Page 100: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreAntes que ele pudesse recusar, Seona tirou o vestido e jogou-o do lado do

cinto. Estava nua diante dele, coberta apenas pelos cabelos longos. — Vamos nos casar — Griffydd prometeu ao estender as mãos. Ela sorriu para o homem honrado que não podia tomar o que estava oferecendo

sem fazer uma promessa. — Serei sempre sua — respondeu com sinceridade, esperando que fosse o

bastante. Tinha de ser, mas não havia mais nada a dizer. — Seona! — Griffydd a tomou nos braços e deitou-a na cama. Num instante,

havia tirado o brat e o chroich e deitava-se ao lado dela. — Eu a amo com todo meu coração, futura esposa. E também serei

eternamente seu. — Shh — silenciou-o, temendo chorar se ele a chamasse de esposa mais uma

vez. — Mais tarde. Falaremos sobre o futuro depois — prometeu, apesar de saber que não haveria um futuro para eles.

Tudo que tinham era o presente. Alguns momentos de felicidade. Mais nada. Apesar da intenção de amá-la lentamente e mostrar a ela todo o prazer que um

homem podia dar a uma mulher, Griffydd não pôde conter-se e possuiu-a antes do que pretendia. E pela primeira vez em toda sua vida não recuou no momento preciso, como costumava fazer para evitar que uma mulher recebesse sua semente.

Não eram casados. Não havia sequer um compromisso formal entre eles, mas a idéia de ser pai de um filho de Seona o excitava ainda mais, e por isso deixou o destino decidir seus rumos.

E quando caiu exausto sobre seus seios, inebriado pelo perfume da pele suave e quente, percebeu que ela chorava.

— Desculpe-me se a machuquei — pediu. — Temo ter sido muito... descuidado.

Ela limpou uma lágrima furtiva e tentou sorrir. — Você não me feriu. Não é por isso que choro. Griffydd sorriu aliviado. — Ouvi falar sobre mulheres que choram nesse momento. — Sim, sim, deve ser isso. — Seona, sabe que um homem da minha idade já teve outras mulheres. Mas

todas foram esquecidas, e deste momento em diante não desejarei nenhuma outra. Apenas você.

— Se... se algo de extraordinário acontecesse comigo, certamente encontraria alguém para ocupar meu lugar.

— Se algo do que está sugerindo acontecesse, meu amor, haveria um lugar eternamente vazio em meu coração.

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Page 101: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Oh, Griffydd! — ela soluçou, abraçando-o com desespero. — Eu o amo,

mas não sou digna de você! Griffydd DeLanyea, cavaleiro, filho do mais poderoso barão de Gales, contente

e feliz como jamais estivera em toda a vida, sorriu indulgente. — É claro que é. Eu a amo, Seona, e quando for minha esposa, farei com que

nunca mais tenha dúvidas semelhantes. A resposta foi um suspiro e um abraço ainda mais apertado, como se ela

houvesse caído no mar e sua única, chance de salvação fosse o corpo do homem que amava. !

— Olaf? — O que é? — O norueguês reconheceu a voz de Diarmad, mas não estava

com disposição para ser polido. Lavara-se e mudara as roupas, mas os cabelos ainda cheiravam a cerveja e o

orgulho ainda reclamava reparação para o ato insolente de Seona. — Quero falar com você. — Muito bem. O líder entrou na tenda e Olaf sentiu-se satisfeito ao notar que ele demonstrava

humildade. — Vim pedir perdão mais uma vez pelo comportamento de minha filha. — Ela me envergonhou diante de seus guerreiros. — Meu lorde, imploro por sua indulgência. — Devo me casar com essa mulher impertinente — Olaf resmungou sem

encarar o anfitrião, enquanto deslizava uma escova pelos cabelos. — Acho melhor conversar com Haakon antes de tomar qualquer atitude precipitada.

— Já apertamos as mãos — Diarmad lembrou. — Conversei com minha filha, e ela tem consciência da impropriedade de seu ato. Seona é uma mulher orgulhosa, como cabe à esposa de um líder e conselheiro do rei.

Olaf lançou um olhar aborrecido para Diarmad. — Ela pretende se submeter às ordens do marido? — É claro que sim. — A resposta soou firme. — Isso é o que você diz. — Está tentando dizer que quer romper o nosso compromisso? Olaf se levantou da cadeira e colocou-se diante de Diarmad. — Se voltar atrás, mesmo que o comportamento insolente de sua filha seja

mais que suficiente para justificar tal atitude, estou certo de que vai exigir uma compensação.

— Uma reparação merecida e justa — o chefe respondeu. Olaf franziu a testa.

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Page 102: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Então manterei minha palavra. Estava tão perto que Diarmad podia sentir o cheiro da cerveja. — Mas é melhor ter certeza de que ela entendeu que mereço respeito. Não

aceitarei novos insultos nem demonstrações de insolência. E Haakon também não vai aceitar afrontas a um de seus conselheiros.

— Não esperava menos de um primo do rei, meu lorde. Confie em mim. Seona sabe reconhecer seu lugar.

A única resposta do norueguês foi um breve movimento afirmativo com a cabeça antes de voltar a escovar os cabelos ensopados de cerveja.

Diarmad dirigiu-se à saída da tenda. — Espero que tenha uma boa noite, meu lorde. — O mesmo desejo para você. Depois de alguns instantes a cobertura da tenda foi novamente erguida. Longe

de estar conformado, Olaf assumiu uma expressão carrancuda ao reconhecer quem o visitava.

— Meu lorde, eu sinto muito! — Lisid exclamou com humildade. Os olhos azuis examinaram o corpo tentador da jovem. — Talvez deva voltar para perto de seu ciumento marido. A contrariedade que se estampou em seus olhos foi seguida por um brilho de

determinação. — Não quero ir para casa, meu lorde. — Não perguntei o que você quer. Ela se aproximou devagar, o movimento acentuando sua graça natural. — Além do mais, Naoghas está embriagado, meu lorde. Roncando. A excitação começou a dominá-lo. Olhou-a novamente, comparando-a à

mulher magra e insolente com quem prometera casar-se. Quando Lisid estivera em sua tenda naquela primeira noite, sentira-se como se

uma deusa houvesse ido visitá-lo, e quando ela tornara claro o propósito de sua visita, ficara tão atônito que por pouco não perdera a chance de tê-la nos braços.

Havia sido incrível. Inesquecível. Mais tarde a questionara, pois antes estivera excitado e febril demais para pedir explicações, e ela havia dito que odiava o marido. Ao vê-lo, confessara com um olhar sedutor, fora impossível conter o desejo de estar em seus braços.

— E seus filhos? — perguntou, sentindo os dedos delicados deslizando por seus braços e vendo os seios fartos tão próximos de seu rosto.

— Também dormem, meu lorde. Com um sorriso de luxúria, Olaf puxou-a sobre as pernas, sufocando a risada

maliciosa de Lisid com beijos ferozes.

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Page 103: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreSeona descansava nos braços de Griffydd e sonhava que um dia seria sua

esposa. Esquecera o compromisso firmado pelo pai em seu nome, a promessa de casamento de que não poderia escapar. Não tinha o direito de pôr em risco a liberdade e até mesmo a vida do povo de seu pai. Não ousava desprezar a felicidade e a segurança de Fionn e Beitiris.

A lembrança de Beitiris nos braços de Griffydd despertou um sentimento que era ao mesmo tempo doce e amargo, uma espécie de melancolia temperada pela doçura do carinho que vira nos olhos do cavaleiro. Ele seria um pai maravilhoso! Como gostaria de ser a mãe de crianças tão afortunadas.

E se já tivesse sua semente no ventre? O pensamento despertou-a do torpor em que se encontrava. Se houvesse acontecido, decidiu, guardaria segredo e esperaria apenas que

Griffydd partisse para pressionar Olaf pela realização do casamento. Ocultaria a perda da virgindade e a identidade do verdadeiro pai de seu filho. Seria um segredo especial, uma lembrança de amor que guardaria eternamente em seu coração.

De repente, desejou estar grávida. Então teria uma parte de Griffydd DeLanyea para guardar.

Ele se moveu a seu lado e Seona fitou-o, examinando o rosto que, grave e ameaçador em seus momentos de vigília, era relaxado e quase infantil quando dormia. Com dedos cuidadosos, traçou o contorno da mandíbula forte.

Devia acordá-lo. Não podia correr o risco de alguém encontrá-lo ali ou vê-lo sair. Se isso acontecesse, teria de dar explicações, e então Griffydd acabaria descobrindo sobre o compromisso.

Como ele se sentiria quando descobrisse que o enganara ao deixá-lo acreditar que era livre para tornar-se sua esposa?

Sabia muito bem como um homem de seu caráter e honra se sentiria. Traído e ultrajado.

Mas não tinha forças para mandá-lo embora. Mais algum tempo em seus braços era tudo que desejava.

Felizmente para ela, o que quer que acontecesse, podia confiar em Griffydd para guardar o segredo. Sabia que ele não a envergonharia se descobrisse a verdade.

Griffydd havia dito que desejava falar com o pai primeiro, e por isso sentia-se grata. Esperava que ele descobrisse sobre seu compromisso com outro homem antes de retornar a Dunloch. Assim, não teria de ver a dor e a decepção em seus olhos quando ele soubesse como fora egoísta.

Não veria a raiva que tomaria o lugar do amor quando ele tivesse conhecimento de sua sórdida mentira. Não teria de destruir seus sentimentos por ela com as próprias palavras.

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Page 104: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreO que seu pai ou Olaf fariam se descobrissem que Griffydd DeLanyea tirara

sua virgindade? Seria o compromisso rompido? Olaf não aceitaria uma esposa deflorada. Mas ela seria a única culpada. Se houvesse alguma retaliação por parte de

Haakon, seria causada por suas ações. Por seu egoísmo. Pela vergonha de ter se deixado dominar pela luxúria.

Griffydd abriu os olhos e sorriu. Havia tanta ternura naquele olhar que seu coração foi tomado por uma nova onda de dor.

— Seona — ele sussurrou antes de beijá-la com ardor. Aninhada em seu peito, sentindo o calor do corpo colado ao dela, reuniu forças para fazer o que era necessário.

— É melhor ir embora, Griffydd. — Ainda não, meu amor. — E puxou-a para mais um beijo apaixonado. Foi preciso um grande esforço para resistir. —Deve ir agora, Griffydd, antes que alguém o descubra aqui. Odiava ver a felicidade de menino desaparecer de seu rosto, substituída pela

expressão grave e resoluta do guerreiro. — Não estou acostumado a me esgueirar pelas sombras — disse, sentando-se e

apoiando os pés no chão, as costas voltadas para ela. — Não sou um canalha sem honra que só leva em conta o próprio prazer. Ficaria mais feliz se revelássemos nosso amor a seu pai imediatamente.

Ela o abraçou e apoiou a cabeça nas costas nuas. — Eu sei, mas você mesmo disse que devemos ser cautelosos. E quanto à

desonra, está aqui por minha culpa, porque não tive forças para mandá-lo embora. — Não, Seona. Eu não tive a fibra necessária para deixá-la. — Agora está feito, Griffydd, e não me arrependo. — Nem eu. — Ele se virou para encará-la. — Meu irmão adotivo afirma que o

segredo contribui para aumentar o ardor. Devo dizer que não concordo com ele. Mas se temos de guardar segredo, que seja. — Suspirando, levantou-se para vestir as roupas. — Sua casa é muito limpa e arrumada, Seona. Mas deve ser triste viver aqui sozinha.

— Sim, é muito triste. — Era. Nunca mais sentirá o peso da solidão — prometeu. Mas sabia que, quando Griffydd partisse, seria ainda mais solitária que antes.

Ele a fitou e sorriu. — Vou precisar do seu cobertor, minha lady. Rindo, ela entregou o brat com

que haviam estado cobertos e pegou o vestido que havia esquecido no chão. Enquanto terminava

de arrumar-se, Griffydd fez uma nova promessa. ! 104

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Page 105: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Quando for minha esposa, terá os mais lindos e finos vestidos. Ela se limitou a assentir e foi ajudá-lo. Dessa vez não teve pressa, deixando os

dedos acariciarem o corpo musculoso enquanto ajustava o brat. — Oh, céus! — Griffydd gemeu. — Não quero deixá-la. — E tomou-a nos

braços. Sentindo um enorme prazer por saber que podia I despertar tão grande ardor,

mas lamentando tê-lo pro- I vocado naquele momento, esquivou-se do abraço. —Não pode ficar aqui — lembrou. Ele suspirou. — E pensar que sempre me orgulhei de ser um homem controlado. — Ao

abaixar a cabeça, viu os trajes que usava. — Tremo ao pensar o que Dylan vai dizer quando me vir chegando nessas novas roupas.

— Ficará impressionado, certamente. Griffydd puxou-a para perto. — Não tão impressionado quanto ficará quando eu levar minha esposa para

casa — murmurou com mais um sorriso. — Não quero ir. — Griffydd, o dia também será longo para mim. — Poderei vê-la no salão esta noite, não? — É claro que sim. Abraçou-o com amor, buscando forças em sua presença, mesmo sabendo que a

convivência seria breve. — Minha família vai amá-la tanto quanto eu a amo, Seona. Quero dizer, talvez

não com o mesmo ardor — riu. — Mas sei que a respeitarão e a receberão de braços abertos.

— Por favor... é melhor ir embora — insistiu com voz embargada, livrando-se mais uma vez dos braços que a envolviam.

— Está bem — DeLanyea concordou relutante. — E não tenha medo. Fui treinado por Urien Fitzroy em pessoa, e se não puder atravessar um povoado sem ser visto, ninguém mais poderá.

Sabia que devia deixá-lo partir, mas não era capaz de aceitar seu destino sem protestar, sem agir.

Já estava mergulhada em uma terrível e vergonhosa mentira. Que mal maior poderia haver?

— Há uma coisa que tornará esse longo dia menos penoso — disse. — Virá visitar-me outra vez amanhã à noite?

Griffydd ficou tenso. — Sei que não somos formalmente comprometidos, mas não pode duvidar do

meu amor — persistiu, desesperada para estar com ele, para desfrutar de cada momento de sua presença em Dunloch.

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Page 106: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Não, não duvido do seu amor — ele suspirou cansado, pressionando os

lábios contra os cabelos dela num gesto de despedida. — E porque seremos marido e mulher, virei encontrá-la mais uma vez.

Relutante, Seona viu-o aproximar-se da porta. — Estamos com sorte — ele disse ao olhar para o lado de fora. — A névoa

cobre todo o povoado. Até a noite, meu amor. Com um sorriso terno, ele saiu e desapareceu imediatamente em meio à

neblina. Naquela noite, Seona e Griffydd amaram-se mais uma vez, e ainda estavam

deitados e abraçados. — Devia ter me dado tempo para dizer olá — ele murmurou com voz rouca,

lembrando como fora encurralado e levado para a cama assim que pusera os pés na modesta casa.

— Não quis perder um único instante — respondeu constrangida, beijando-o nos lábios.

— Não estou reclamando. Na verdade, adorei a recepção. Nenhuma mulher jamais... atacou-me com tanto... entusiasmo — declarou entre beijos.

— Tem certeza? — E claro que sim. Eu me lembraria. De repente, o sorriso transformou-se em gargalhada. — O que foi? — Seona perguntou intrigada, apoiando-se sobre um cotovelo.

— O que é tão engraçado? — Dylan não acreditaria em mim se eu contasse. — Por que não? — Ele diz que sou um homem de pedra, incapaz de demonstrar paixão ou

ardor. Acho que fui realmente frio, até conhecê-la e ser invadido por este... fogo. Ela se deitou novamente. — Gostaria de saber mais sobre sua família. — Oh, Seona — Griffydd suspirou, deslizando as mãos por suas costas. — É

tarde e estou cansado. Vai conhecê-los em breve, e então saberá tudo que há para saber.

— Mas... gostaria de saber todas essas coisas antes de conhecê-los. Por favor... Ele suspirou mais uma vez, mas com paciência e resignação. — O que quer saber? — Tudo! — ela respondeu ansiosa. — Mas isso levaria a noite inteira! — Seria um prazer ouvi-lo por toda a noite. — Mas devo descansar e preparar-me para encontrar seu pai ao amanhecer.

Ainda não concluímos a discussão sobre o pacto comercial. ! 106

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Page 107: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Por favor, Griffydd! — ela persistiu. — Está bem, está bem... mas tenho uma proposta. Contarei algumas coisas

sobre minha família esta noite, se em troca revelar histórias de seus parentes amanhã à noite. E depois será minha vez, e assim por diante, até que a transação com seu pai seja concluída.

— Temo que as histórias de minha família não sejam muito interessantes — ela murmurou.

— Se não quer contá-las, não a obrigarei a nada. Vi o bastante para deduzir que sua vida tem sido mais difícil do que deveria ser. Anime-se, meu doce amor! Os dias de sofrimento acabaram.

— Fale-me sobre Dylan — Seona pediu com voz embargada, aninhando-se ao lado dele para que a penumbra a ajudasse a ocultar as lágrimas. !!

CAPÍTULO XV !!Três dias mais tarde, quando todos os homens estavam reunidos no salão para

o almoço, Diarmad levantou-se. — Hoje cheguei a um acordo com sir Griffydd DeLanyea — anunciou —, que

está aqui em nome de seu pai, o barão DeLanyea. Por um quinto do valor de mercado de suas mercadorias, meus homens e dez dos meus navios transportarão a prata e a lã que eles produzem em Gales.

Griffydd notou que os guerreiros trocaram olhares satisfeitos. Buscou Seona no salão, encontrou-a parada em um canto distante, atenta à conversa, e brindou-a com uma piscada sutil.

As noites gloriosas e apaixonadas que haviam passado juntos confirmara o profundo amor por ela, enchendo seu coração com a felicidade e a certeza de ser correspondido.

Talvez houvesse sido generoso demais no esforço de concluir a negociação rapidamente, porque assim poderia voltar para casa e falar com o pai sobre a intenção de se casar com a filha de Diarmad. Mesmo assim, o barão consideraria um quinto mais do que razoável. Havia autorizado o pagamento de até um terço do valor das mercadorias vendidas.

Estava ansioso para voltar a Craig Fawr e discutir com o pai sobre a melhor maneira de proceder. Então retornaria a Dunloch, onde pediria a mão de Seona de maneira adequada, como o cavaleiro honrado que era.

Embora entendesse a necessidade de segredo, sentia-se incomodado por estarem escondendo a relação. Ambos consideravam o subterfúgio cada vez mais

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Page 108: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Mooredifícil de manter, e Seona tornara-se muito quieta e solene dos últimos dias, sinal evidente de preocupação. E não dormia bem.

Griffydd também não conseguia dormir profundamente. Apesar da exaustão provocada pelas negociações com Diarmad e as noites de amor com a filha do governante, era incapaz de relaxar e descansar.

A situação chegara ao fim, e para isso fizera concessões maiores do que as que pretendia. Diarmad protestara e reclamara, mas era evidente que ele e seus homens estavam satisfeitos com o acordo.

Infelizmente, o desfecho significava que ele e Seona só dispunham de mais uma noite antes de sua partida. Consolou-se com a idéia de que, na próxima vez em que voltasse a Dunloch, estariam juntos para sempre. Nunca mais teria de esgueirar-se nas sombras e esconder-se em sua casa como um ladrão sem honra.

Diarmad cuspiu na mão e estendeu-a para Griffydd. — Agora vamos selar a barganha — decretou. Griffydd fora informado de que aquela era a confirmação definitiva de um

acordo feito com um Gall-Gaidheal. Banindo do rosto qualquer expressão de desgosto, levantou-se e imitou o governante, cuspindo na mão antes de retribuir o cumprimento.

Diarmad sorriu e levantou a caneca. — Beberemos ao pacto comercial que hoje estabeleci com os DeLanyea de

Craig Fawr! Griffydd olhou para Seona e sorriu com sutileza. Ela não o encarou. Olaf e todos os outros se levantaram. Sem saber ao certo o que o pacto

pressagiava, o norueguês levou algum tempo para responder ao brinde, uma demora que não escapou aos olhos atentos de Diarmad, a julgar pela ruga que marcava sua testa.

Entretanto, Olaf pensou, o pacto podia ser realmente apenas um acordo comercial. Ele mesmo serviria de elo para unir de maneira mais segura o clã Gall-Gaidheal aos nórdicos quando se casasse com a magra e feia Seona. Por isso pôs-se em pé e bebeu.

— Griffydd, amanhã mesmo voltará a Craig Fawr e relatará a seu pai o que decidimos aqui — Diarmad disse quando todos retomaram seus assentos.

— Sim, e acho que ele ficará satisfeito — o galês respondeu. — Certamente. Um quinto... Por Deus, estou sendo roubado com os olhos

abertos! — Rindo, dirigiu-se a Olaf. — Nunca enfrentei oponente como esse. Silencioso durante a maior parte do tempo, impermeável aos meus argumentos... Poucos homens podem levar a melhor sobre mim, mas o galês conseguiu realizar a façanha.

Com um sorriso frio, Olaf fez mais um brinde silencioso ao enigmático galês. ! 108

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Page 109: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreO afortunado forasteiro voltaria ao seu castelo, enquanto ele teria de ficar e

desfrutar do que Diarmad chamava de hospitalidade. Enquanto bebia, Olaf viu Seona mover-se silenciosa pelo salão, servindo o pão

para os guerreiros de seu pai. Pelos olhos de Odin, aquela era uma criatura magra e doméstica! Seus olhos

eram grandes demais, o queixo, muito pontudo, e os cabelos tinham uma coloração abominável que só uma feiticeira poderia exibir. Talvez o corpo não fosse tão desprezível, mas como poderia saber ao certo, se só a via naqueles vestidos largos e sem forma? E certamente não seria atraente o bastante para compensar seus consideráveis defeitos, inclusive a inaceitável impertinência.

Ela também parecia doente. Não notara a princípio, mas depois de algum tempo em Dunloch, passara a perceber os círculos escuros em torno de seus olhos. A pele era tão pálida que beirava a transparência.

Talvez tivesse a sorte de ficar viúvo logo depois do casamento. Ou talvez ela fosse uma dessas mulheres que pareciam doentes e viviam para sempre.

Infelizmente, tinha certeza de que Seona compartilharia de sua cama como quem cumpre um desagradável dever, sem experimentar desejo ou proporcionar prazer.

Diferente da bela jovem que sabia alimentar sua paixão. Olaf suspirou. Lamentava que Lisid não fosse a filha do líder daquele povo.

Mas nesse caso, o dote da filha de Diarmad seria bem menor. E que homem se importaria com isso, se pudesse ter a bela Lisid, uma amante

tão ardorosa e perfeita? Olaf respirou fundo mais uma vez e olhou para o anfitrião, que ocupava-se com

um enorme pedaço de carne de porco. Ao lado dele, o galês comia em silêncio, o rosto impassível ocultando toda e qualquer emoção ou idéia que pudesse ocupar sua mente.

Era uma pena que Diarmad não houvesse prometido a filha ao galês antes de sua chegada. Então teria se livrado do compromisso imposto pelo rei Haakon.

Podia imaginar como o primo e soberano teria ficado aborrecido, supondo uma conspiração contra o trono. Haakon julgava-se sempre perseguido e ameaçado, mantendo-se atento a um momento de fraqueza dos supostos inimigos, como lobos acompanhando um rebanho de carneiros.

Mas duvidava de que um chefe Gall-Gaidheal e um barão galês cujas terras ficavam tão distantes pudessem representar uma real ameaça aos noruegueses. Haakon enxergava perigos onde eles não existiam.

Por outro lado, não podia esquecer os navios de guerra que vira na oficina de Diarmad.

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Page 110: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreOlaf sorriu ao lembrar a expressão chocada de Diarmad quando mencionara as

embarcações. Ele e seus homens haviam descoberto os barcos por acidente quando o vigia na proa chamara sua atenção para a estranha formação das rochas na praia.

Quando se casasse com a filha de Diarmad, aconselharia o governante a encontrar melhor esconderijo para sua frota.

Ou exigiria o comando das embarcações. Não era um pedido tão descabido para um genro. Sim, a perspectiva de liderar uma frota tão vasta e poderosa tornava o casamento com Seona quase atraente.

Mais uma vez, observou-a enquanto ela saía e voltava com um grande prato de carne, que deixou diante do homem idoso sentado mais perto da porta. Trocaram algumas palavras e ele viu Seona sorrir.

Ela tinha um sorriso agradável. A jovem levou as mãos às costas e ergueu os ombros, como se tentasse aliviar uma dor.

O movimento tornou o vestido mais justo sobre os seios que, Olaf notou com surpresa, eram fartos e rígidos. Se os braços não fossem tão finos e o rosto tão feio, talvez houvesse notado antes tais atributos.

Reclinando-se na cadeira, cofiou a barba. Talvez existisse até uma mulher ardente e apaixonada sob aqueles trajes sem forma, uma fêmea que só aguardava um amante experiente para despertar para a paixão.

Um homem como ele. Seria o arranjo ideal. Teria Lisid como amante quando estivesse visitando o

sogro, e Seona como esposa para os períodos que passasse em casa. Conhecia destinos piores que aquele. Seona passou pela ponta da mesa, ignorando o norueguês e o pai, e foi servir o

pão quente para o galês. Atento, Olaf notou que Griffydd servia-se de um pedaço, os dedos tocando os dela.

E prolongando o contato. Não muito, mas o suficiente para despertar suspeitas na mente do norueguês.

Determinado a não demonstrar a desconfiança, pegou a caneca enquanto observava o galês e a filha do governante.

Eles não trocaram uma única palavra, e depois de mais um momento, Seona afastou-se para continuar servindo a mesa.

Não podia ser, Olaf pensou olhando para DeLanyea. Mas de repente, o pedido de Diarmad para que mantivessem o compromisso

em segredo assumiu um significado sinistro. Por que não contar a todos? Se a missão de DeLanyea era apenas estabelecer um acordo comercial, por que ele haveria de se importar com o destino de Seona?

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Page 111: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreE um quinto do valor das mercadorias negociadas... sim, era uma excelente

quantia. Não conhecia negociante capaz de alcançar acordo tão favorável com Diarmad MacMurdoch.

Talvez Haakon fosse mais esperto do que imaginava. Talvez o governante de Dunloch houvesse realmente deitado os olhos em uma aliança com os galeses e os normandos, e Seona seria o meio de concretizar a união.

Mas Diarmad e ele haviam apertado as mãos, e esse era um compromisso que nenhum homem ousava romper. Se esperava obter uma barganha alternativa com o gales, Diarmad não teria selado o pacto.

Mas... como interpretar o contato entre Seona e DeLanyea? Estariam agindo em segredo, traçando planos desconhecidos por Diarmad?

Não... Estava vendo coisas onde não existiam. Afinal, não houvera nenhum sinal de intimidade entre os dois antes daquele contato rápido e, provavelmente, acidental. Seona acabara de sair do salão sem sequer olhar para a mesa, e no dia seguinte, DeLanyea partiria.

Mas... !Seona esperava no centro da casa tomada pela escuridão, o coração batendo

apressado. Julgara ter vivido o maior momento de desespero ao tomar conhecimento de que havia sido prometida a Olaf, mas de repente, quando se preparava para revelar a Griffydd o compromisso com outro homem, sentia uma angústia maior do que imaginara ser possível.

O segredo deveria durar apenas até a conclusão do acordo, o que já havia acontecido.

Esperava que o pai e Olaf aguardassem a partida do galês para anunciar o noivado, mas não podia ter certeza de nada.

Talvez merecesse o castigo de ser desmascarada nesse momento, quando não estava presente para explicar-se ou defender suas ações.

Se é que poderia explicar mentira tão grave a um homem de natureza honrada. Naquela noite, Olaf se mostrara diferente. Embora fossem comprometidos, nos últimos três dias ele havia parecido feliz

por ignorá-la, e Lisid também. Essa noite, entretanto, sentira os olhos do norueguês seguindo cada movimento que fizera.

Temera olhar para a mesa e encontrar os olhos azuis e frios, e havia sido difícil conter o desejo de verificar se Griffydd também notara a alteração no comportamento de. Olaf.

Enquanto esperava, tentou convencer-se de que a opinião dele não importava. Em pouco tempo, Griffydd saberia que Olaf tinha todo o direito de segui-la com os olhos.

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Page 112: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreE no dia seguinte, Griffydd partiria. Foi até a porta para examinar a escuridão, temendo o momento da dolorosa

revelação. Deprimida, voltou ao centro do aposento e, com mãos trêmulas, tentou acender

a lamparina. Depois, considerou deixar a casa às escuras. Assim, quando contasse a verdade, não teria de ver seu rosto. Seus olhos.

Mas aquela seria a atitude mais covarde. Depois do que haviam vivido, tinha o dever de contar a verdade olhando em seus olhos.

Precisava encontrar uma maneira de fazê-lo entender seu desespero, de explicar que não tivera forças para dizer tudo antes. Se soubesse que Diarmad e Olaf haviam selado o compromisso com um aperto de mãos, e que a promessa de noivado não poderia ser desfeita, ele não teria voltado a procurá-la, e não havia sido capaz de aceitar destino tão cruel.

Esperava que Griffydd se lembrasse do amor que sentia por ele e da paixão que conheceram naquelas poucas noites que passaram juntos.

A mentira não fora fácil para ela. A certeza de estar cometendo um pecado imperdoável havia pairado sobre sua cabeça durante todos os momentos de amor, alegria e prazer.

Certa vez, deitada nos braços de Griffydd depois do êxtase, ousara considerar que uma aliança com os galeses poderia ser mais favorável ao povo de Dunloch.

Mas fora apenas uma fantasia passageira. O barão DeLanyea não possuía navios para defender Dunloch caso Haakon promovesse um ataque para vingar-se, e o nobre devia lealdade primeiro ao seu povo, depois aos normandos. Não arriscaria muito por um pequeno vilarejo Gall-Gaidheal. Nem agiria de forma a atrair o ódio de Haakon sobre sua gente. A inimizade do rei normando?

Não. Sabia que não podia alimentar esperanças tolas. Sentada na cadeira, apoiou a cabeça sobre os joelhos e suspirou com desespero.

O que faria? Então pensou em Beitiris sendo arrancada dos braços da mãe por um dos

guerreiros de Haakon, em Fionn sendo vendido como escravo, em Lisid sendo surrada, violentada e vendida, afastada dos filhos. Todas as mulheres do povoado teriam destino semelhante. Dunloch seria destruído e queimado.

Griffydd havia jurado amá-la. Talvez pudesse entender. — Por favor, meu Deus, não permita que ele me odeie — murmurou,

expressando o maior de todos os temores numa prece fervorosa. A cobertura sobre sua porta foi afastada e ela se levantou, apertando as mãos. Foi com um misto de incredulidade e pavor que viu Olaf entrando em sua casa. !!

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Page 113: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore!CAPÍTULO XVI !— Então, é que aqui que se esconde — Olaf disse ao entrar. — Pequeno, mas

arrumado. É como o interior de um barco — comentou, aparentemente impressionado. — O que quer? — Seona perguntou, aborrecida e apreensiva com sua chegada

inesperada. — Achei que devia conversar com você — ele respondeu, aproximando-se aos

poucos. Não queria estar mais perto do norueguês do que já estava, e por isso recuou

até sentir a perna tocar na cama. — Então fale ou, melhor ainda, saia imediatamente. — Não há necessidade de usar um tom tão ríspido. — E abriu os braços num gesto de súplica. — Afinal, sou hóspede de seu pai. — Eu sei disso. E também sei que não é previdente de sua parte estar aqui em

minha casa, sozinho comigo. — Seus escrúpulos provam que é uma mulher honrada, e sei apreciar suas

virtudes. Mas nada tem a temer de mim. — Olaf ofereceu um sorriso sardônico. — De fato, sou eu quem deve temer que acabe jogando algo sobre minha

cabeça. Podia dizer que o norueguês acreditava estar sendo encantador, mas a

proximidade a incomodava. — Você mereceu — disse. — Por fazer uma brincadeira? — Por ter sido rude. Agora saia, por favor! — Apontou para a porta com um

gesto definitivo. Ele franziu a testa. — Deve estar esquecendo quem sou. — Sei muito bem quem e o que você é — Seona respondeu, esforçando-se

para não revelar sua verdadeira opinião a respeito do homem com quem teria de se casar.

— Não devia ser tão hostil. —Autoritário, segurou-a pelos ombros e puxou-a para um abraço. — Afinal, seu pai não vai se importar com minha presença em seus aposentos. — E inclinou a cabeça para beijá-la.

— Mas eu me importo! — Com um movimento brusco, soltou-se e encarou-o, zangada demais para importar-se com a possibilidade de ofendê-lo. — Haverá um tempo em que serei forçada a submeter-me a seus abraços, mas esse tempo ainda não chegou.

— Então sabe sobre o compromisso. Pensei que seu pai não havia dito nada, ! 113

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Page 114: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Nesse caso, sua presença teria sido ainda mais inconveniente e imprópria. — Mas eu só queria... — Seduzir-me? Não conseguiu esperar até o casamento? Considera-me tão

atraente assim? — perguntou com sarcasmo. — Estou lisonjeada, meu lorde. — Queria fazer uma oferta de paz — ele declarou. — Então saia, ou não haverá esperança alguma de paz. — A situação não precisa ser tão desagradável para nós dois. — Não? Eu não o quero. Você não me quer. — Posso ensiná-la a desejar-me — ele propôs. — Serei um bom marido. Seona quase sentiu pena dele porque sabia que o que ele considerava possível

jamais aconteceria. — Talvez — respondeu, usando um tom que não alimentava esperanças. Olaf encarou-a com expressão obstinada. — Não tenho escolha, Seona. Recebi ordens que devo cumprir. — Agora vamos falar sobre dever, honra e nossa responsabilidade com as

pessoas que contam conosco? Ou devemos falar sobre Lisid? Ele encolheu os ombros. — Se quiser... Ela se ofereceu e eu a aceitei. E daí? — Então vá procurá-la... enquanto ainda pode. — Irei procurá-la sempre que quiser, esteja eu casado ou não. — Essa é sua idéia de um casamento honrado? Fico feliz por ter me prevenido.

Muito bem, procure-a. Deus sabe que seremos forçados a passar muito tempo juntos nos próximos anos. Por enquanto, prefiro a solidão.

— Está me mandando para os braços de outra mulher? — ele perguntou confuso. — Por quê?

— Por que não? Não o amo. De repente, ele parecia um guerreiro desafiado para uma batalha. Seona compreendeu que podia tê-lo levado a suspeitar de que existia outro

homem digno de suas atenções, mas era tarde demais. O norueguês aproximou-se e tomou-a novamente nos braços. A boca pressionou a dela num beijo ardente e molhado, e as mãos a acariciavam sem reservas ou pudor.

Seona empurrou-o com toda a força que possuía. — Saia! — gritou, apontando para a porta. — E se espera conhecer alguma

medida de felicidade depois que nos casarmos, é melhor fazer o que digo imediatamente!

— Seona, creio que ainda não entendeu o que estou dizendo. Não estou acostumado a receber ordens, e jamais as aceitarei de uma mulher.

— Tem razão, não está habituado — devolveu furiosa. — Não tem o hábito de ouvir o que deve fazer e quando fazer. Não está acostumado a ser tratado como um

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Page 115: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moorecão ou um cavalo. Pois bem, ainda não é meu senhor. Depois do casamento poderá gritar todas as ordens que desejar... mas não antes! Agora vá!

Ele não se moveu. Em vez disso, sorriu com expressão sardônica. — Pelo martelo de Thor, você tem espírito! — Saia! Ele balançou a cabeça. — Vamos nos casar, Seona, e por Deus, estou começando a acreditar que será

melhor do que eu imaginava. Deu um passo na direção dela, mas viu-a abaixar-se para pegar uma tora de

madeira da pilha ao lado da lareira. — Deixe-me em paz! — Seona, Seona — Olaf murmurou indulgente. — Isso não é necessário. Não

vê que eu poderia gostar de tê-la como esposa? Devia sentir-se grata. Afinal, sou um conselheiro do rei!

— Se tentar chegar mais perto, juro que abrirei sua cabeça com isto! A gargalhada rouca e maliciosa ecoou pelas paredes da pequenina casa. No

instante seguinte, Olaf atirou-se para a frente e tomou-a nos braços, apertando os lábios contra os dela como se quisesse impedi-la de respirar.

Desesperada para escapar, debateu-se e acabou soltando a arma improvisada, o que a obrigou a recorrer aos punhos.

Mas Olaf era mais alto, mais forte e poderoso que ela. Ignorando os protestos aflitos, prosseguiu com o beijo enquanto a empurrava para trás. Para a cama.

Seona gritou quando ele a jogou sobre o colchão, virando-se para fugir. — Nem tente! — ele gritou, rindo ao agarrá-la pelo vestido e puxá-la de volta. Seona encarou-o. — Isto não é um jogo! Olaf segurou-a pelos ombros com firmeza, ferindo-a inclusive, os olhos frios e

azuis cravados em seu rosto. — Não, não é — sorriu. — É uma batalha que pretendo vencer, mulher. Se vai

apreciá-la ou não, é um problema seu. Seona cuspiu em seu rosto e abaixou a cabeça para esquivar-se do golpe do

punho cerrado. Mas o golpe não aconteceu porque Griffydd DeLanyea havia agarrado o braço

de Olaf e, com força selvagem, torcia-o atrás do corpo musculoso do norueguês. Furioso como jamais estivera antes, Griffydd continuou torcendo o braço do

homem que ousara atacar Seona. Mas Olaf era um lutador experiente, e muito maior que o galês. Com um

grunhido que lembrava o de um urso ferido, livrou-se da mão do oponente e atirou-o

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Page 116: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moorecontra a parede mais próxima. Em seguida, empunhou uma adaga e encarou o inimigo.

Griffydd abaixou-se numa tentativa de defesa. Desesperada, Seona notou que ele não possuía uma arma.

— Quase quebrou meu braço, bastardo galês! Sou primo de Haakon! Se me ferisse, o rei enviaria uma frota para atacar aquele seu pai caolho!

— Não vou machucá-lo. Vou matá-lo por ter ousado tocar nela. — Ele não me fez mal algum! — Seona gritou, temendo que um deles

acabasse gravemente ferido ou até morto, antecipando o peso de uma catástrofe sobre sua cabeça.

Mas nenhum dos dois a ouvia. Olaf investiu contra Griffydd, que se esquivou e conseguiu apanhar o pedaço

de madeira que Seona havia empunhado pouco antes. — Vá, Seona! — ele ordenou, sem desviar os olhos do oponente nem por um

momento. — Não! Parem com isso! Distraído, Griffydd fitou-a rapidamente, uma oportunidade que Olaf não

desperdiçou. O que ele não esperava era que a aparente distração fosse um truque. Ao vê-lo atirar-se para a frente, Griffydd esquivou-se mais uma vez, e a força do movimento jogou o corpulento norueguês para fora da casa.

Seona esperou que aquele fosse o fim da luta, mas Griffydd o seguiu. — Griffydd, não! — ela gritou, lançando-se atrás dele. A lua brilhava através de nuvens esparsas, iluminando os dois homens que

rolavam no chão de pedras. Griffydd mantinha-se sobre o inimigo, as mãos em torno do pescoço de Olaf, enquanto o norueguês tentava também estrangulá-lo. O lábio de Olaf sangrava, e havia um filete vermelho molhando a barba espessa e dourada.

— Todos os nórdicos são piratas — Griffydd acusou transtornado, a túnica rasgada no ombro. — As únicas coisas que sabem são roubar, violentar e matar.

— E os galeses só sabem cantar... e renderem-se! Seona não sabia o que fazer, ou como detê-los.

— É melhor começar a rezar para o seu deus, porque agora não está mais enfrentando uma mulher!

— Não preciso de ajuda para enfrentar gente como você. Olaf conseguiu livrar-se das mãos dele e tentou rolar. Griffydd o agarrou

novamente, aterrissando sobre o inimigo com um baque surdo. Olaf grunhiu furioso e debateu-se como um peixe na rede.

O som da altercação chegara aos alojamentos mais próximos e uma pequena multidão começou a se formar.

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Page 117: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreNão havia mais nenhuma chance de resolver o conflito de maneira sigilosa,

nem poderia mais dividir a desolação com Griffydd em particular. Mas, o que quer que acontecesse, jurou que ele não saberia a verdade por

outros lábios que não fossem os dela. Olhou para o pedaço de madeira, esquecido ao lado dos dois combatentes, e

agarrou-o. — Parem! — ordenou, levantando-o com determinação, o desespero dando a

ela a voz da autoridade e a força necessária para agredir até mesmo Griffydd, se fosse necessário.

O galês virou-se para fitá-la por cima do ombro e, nesse instante, Olaf empurrou-o, jogando-o no chão e levantando-se rapidamente.

Diarmad surgiu no meio da multidão. — O que é isto? — inquiriu num grito. Os dois homens puseram-se em pé. O governante olhou de Olaf para Griffydd,

e dele para Seona. Finalmente voltou a falar. — O que significa isto? — Esse homem estava atacando sua filha! — Griffydd acusou sem rodeios,

olhando para o norueguês com ódio assassino. — É mentira! Diarmad arregalou os olhos. — Estavam brigando por Seona? — perguntou incrédulo. — Por que não? — ela disparou furiosa. MacMurdoch fitou-a como se só

então houvesse notado sua presença. — Nem todos os homens me consideram feia — Seona prosseguiu,

demonstrando frustração e desespero. — Alguns são capazes de enxergar algum encanto em mim. E posso até ser amada!

— O que está dizendo? Sim, o quê? Que tipo de confissão era aquela? — Só estou dizendo que não é inconcebível que um homem me ame —

respondeu, mantendo os olhos fixos no rosto do pai, porque não tinha coragem de olhar para Griffydd.

Mas Diarmad o encarou. E Olaf também. — Um homem, ou dois? — MacMurdoch interrogou a filha. — E o que está

chamando de amor? Tem cedido seus favores a ambos? Seona não respondeu. — É mais parecida com sua mãe do que eu imaginava, afinal? Aquela

prostituta a contaminou em seu útero? — Não! — Seona protestou ruborizada.

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Page 118: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreO líder dos Gall-Gaidheal ergueu a mão como se fosse agredi-la, mas Griffydd

o segurou como fizera com Olaf. Devagar, forçou-o a baixar o braço. — Não permitirei que bata em uma mulher — disse ao soltá-lo. Seona encarou o amante, tentando demonstrar toda a angústia que sentia,

implorando por sua compreensão. Com voz surpreendentemente calma, agora que o combate físico terminara, confessou:

— Fui prometida a Olaf. Griffydd a encarou chocado e incrédulo, pela primeira vez exibindo as

emoções no rosto normalmente impassível. — É verdade — ela confirmou. Devagar, o galês olhou para Diarmad. — Sua filha está prometida a Olaf? — perguntou, usando ura tom gelado

como um sepulcro no mais rigoroso inverno. — O que tem com isso? — Olaf interferiu, sentindo o corte nos lábios. Depois

parou, os olhos invadidos pela desconfiança. — Por que veio aos aposentos de Seona? Se tenho pouco direito a visitá-la, você não tem nenhum.

Diarmad franziu a testa e estudou o galês. — Depois de toda aquela conversa sobre honra e dever como meu hóspede,

tirou proveito de minha filha? Griffydd cravou os olhos cinzentos em Seona. — Tirei proveito de você, Seona? — perguntou com expressão gelada,

provocando um arrepio que ela nem tentou suprimir. — Não. — Está dizendo que não se deitou com ela? — MacMurdoch insistiu. — Sempre interpela seus hóspedes de maneira tão insolente? Por que não

pergunta a sua filha? Diarmad considerou a sugestão por um momento antes de se virar para a filha. — Esteve com esse homem? A multidão mergulhou num silêncio apreensivo. Sua resposta decidiria e selaria o destino de todos que a cercavam. Griffydd a observava com firmeza, o rosto transformado numa máscara

enigmática. Olaf também a fitava, mas com raiva e sede de vingança. Diarmad a encarava,

e em seus olhos ela viu algo que jamais vira antes. Uma súplica silenciosa. A aliança com Olaf era tão importante que o prepotente e autoritário Diarmad

implorava com os olhos pela cooperação da filha, a mesma filha que ele sempre desprezara e humilhara. Finalmente era importante!

— Nunca estive com Griffydd DeLanyea.

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Page 119: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreCom o coração partido, tentou dizer com os olhos que o amava, mas o galês

havia virado o rosto. E por que haveria de encará-la? Era uma mentirosa, uma leviana, uma mulher

imoral. Merecia menos respeito que todas as prostitutas que ele dizia ter conhecido. Diarmad suspirou aliviado e as pessoas voltaram a sussurrar trocando

impressões sobre o que viram. Então Olaf virou-se para o galês de expressão gélida. — É verdade? — indagou. Griffydd encarou-o em silêncio por alguns instantes. Depois avançou na

direção do rival até fazê-lo recuar um passo. — Duvida da palavra de sua prometida? — Não. — Quando esse compromisso foi assumido? — Por quê? — Diarmad interferiu. — Isso não altera nosso acordo. É

impossível alterá-lo porque já o selamos com um aperto de mãos. — Sim, é verdade, mas não precisava fazer segredo sobre o noivado de sua

filha. Para nós não importa que tenha estabelecido uma forte aliança com Haakon. — Melhor assim — o governante respondeu aliviado. — Quero partir ao raiar do dia, se for possível. — Sim, pode partir quando desejar. — Obrigado. — E olhou para Olaf. — Na próxima vez em que visitar sua

prometida, sugiro que seja mais silencioso, ou outro homem pode imaginar que ela não deseja sua presença. E agora, se me dão licença, retiro-me. — E afastou-se sem olhar para Seona.

Saía da vida dela para sempre. Sem dúvida, amaldiçoando o momento em que a conhecera e odiando-a. — Felizmente tudo não passou de um mal-entendido — Olaf observou,

massageando o queixo dolorido. — Não gostaria de encontrar esse homem em um combate armado. Boa noite, Diarmad. — E afastou-se sem despedir-se da noiva.

Era bom poder vê-lo pelas costas, ela pensou. Seria sempre uma felicidade vê-lo pelas costas.

— Acabou! — Diarmad gritou para o povo. — Voltem para suas casas! A multidão começou a se dispersar. Seona viu Lisid entre os curiosos. A expressão dela era hostil, mas não se

importava com isso. Não se importava com mais nada. Não queria mais saber o que os outros pensavam ou diziam a seu respeito.

Antes que pudesse retirar-se, o pai segurou-a pelo braço e puxou-a para perto para falar em voz baixa, o hálito encharcado de cerveja.

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Page 120: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Estava dizendo a verdade? Ainda é virgem? Ela o encarou sem sentir nada,

completamente morta por dentro. — Sim — mentiu com facilidade. — E você? Disse a verdade quando chamou

minha mãe de prostituta? Uma estranha expressão passou pelo rosto de Diarmad. — Ela amava outro homem e não teve força para desistir dele quando o pai

recebeu uma proposta vantajosa — revelou com amargura antes de afastar-se. Seona ficou sozinha na escuridão. Ainda sob os olhares atentos dos moradores de Dunloch, Griffydd retirou-se

para o alojamento com as costas eretas e os ombros erguidos, como um valente cavaleiro marchando para a batalha.

Mas quando estava a vinte passos da soleira de seus aposentos, todos haviam voltado para suas casas para discutirem o que viram ou ouviram. Não havia ninguém para testemunhar a maneira como reduziu a velocidade dos passos, arrastando os pés como se não pudesse mais sustentar o peso do corpo.

E ninguém o viu cambalear pelo alojamento como se houvesse recebido um golpe mortal. !!!!

CAPÍTULO XVII !!O barão Emryss DeLanyea jogou-se na cadeira ao lado da lareira em Craig

Fawr e fitou a esposa. Ela ergueu os olhos do bordado e encarou o marido caolho e grisalho por alguns segundos, antes de retornar ao trabalho.

— Não consigo entendê-lo — disse o barão. — Quem? — Lady Roanna perguntou com tom calmo. — Seu filho. — Ele também é seu. — Mais seu do que meu quando se comporta com toda aquela reserva

silenciosa. Griffydd tem estado mais quieto que um monge desde que retornou de Dunloch, e semanas se passaram.

— Ele nunca foi de falar muito. — Por favor, Roanna! Não vai me convencer de que ele não está mais quieto

que o usual. Ela deixou o trabalho de lado para olhar para o marido. Apesar da costumeira

serenidade, havia preocupação em seus olhos. ! 120

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Page 121: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Tem razão, ele tem estado ainda mais quieto. — Griffydd disse alguma coisa sobre o que aconteceu lá? Tudo que ele me

contou foram os termos da negociação. Um quinto do valor da carga pelo uso de dez navios é mais do que aceitável. Já disse ao nosso filho que fiquei satisfeito com a transação.

— Griffydd não me contou nada sobre suas dificuldades, e achei melhor esperar até que ele mesmo decida falar sobre o que o incomoda. Afinal, nosso filho é um homem adulto e nunca teve o hábito de se lamentar ou reclamar, Emryss.

— Então também acha que algo o preocupa? — É evidente que sim. — Se Griffydd não falar por conta própria, exigirei saber o que houve em

Dunloch! — E então ele jamais lhe dirá. — Não suporto mais vê-lo naquele estado lamentável. Meu filho transformou-

se em um fantasma! — Tenho um palpite sobre a causa de tanta melancolia. Nunca mergulhou

naquele estado de tristeza e reflexão em que Griffydd se encontra, meu amor? — Não! — Nunca? — Roanna pressionou com um brilho divertido nos olhos. De repente, o rosto do barão foi iluminado pela compreensão. — Acha que ele...? — Exatamente. Emryss levantou-se de um salto. — Por Deus, por que ele não disse que havia uma mulher? Por que não a

trouxe para casa? Ele não é mais um menino para ficar sonhando com o amor! Se quer se casar, então deve se casar! Na verdade, já é hora de Griffydd encontrar alguém e formar família. — Ficou sério novamente ao ver o rosto da esposa. — Qual é o problema?

— Se tudo estivesse bem, se a mulher correspondesse seus sentimentos e não houvesse nenhum obstáculo para o casamento, acha que Griffydd estaria sonhando como um menino, ou lamentando a falta da mulher amada?

Emryss voltou à cadeira. — Tem razão. Dylan apreciaria exibir seu sofrimento, mas não Griffydd. — Portanto, deve haver algum impedimento. — O quê? Qualquer um ficaria orgulhoso por ter nosso filho como genro! — Está falando como um pai, e é claro que concordo, mas os pais nem sempre

são razoáveis com relação as filhas. Se ele não pedir ajuda, não interfira, Emryss. Por mais difícil que seja, temos de deixar Griffydd encontrar seu caminho nisso.

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Page 122: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreO barão assentiu e suspirou, depois olhou para a esposa com um brilho que ela

conhecia muito bem. — Um dos navios deve chegar de Dunloch dentro de alguns dias. Quando a

embarcação ancorar, creio que farei algumas investigações. — Não acredito que Griffydd aprovaria uma interferência desse tipo em

assuntos tão pessoais. — Que interferência? Prometo que serei a discrição em pessoa. Seona estava perto da ruína da torre. O dia era frio, apesar de estarem no verão.

No alto da colina, um vento forte batia em seu rosto e fazia voar o manto leve que usava sempre sobre o vestido. Ela estremeceu, doente na alma e debilitada no corpo.

Enquanto olhava para o mar tempestuoso, acariciava o pequeno cavalo de Tróia que Griffydd esquecera no alojamento.

Dali vira o navio partir para Gales semanas antes. Sozinha, forçara-se a acompanhar a partida do único homem que a amara, do homem que ela amaria para sempre.

O homem que havia enganado. Mais tarde, quando fora limpar os aposentos que ele ocupara, encontrara o

brinquedo jogado sobre a cama, como que abandonado deliberadamente. Para ela? Ou para Fionn? Incerta, pegara-o... e tivera certeza de que não suportaria abrir mão da

recordação. Muitos dias se passaram, mas a dor em seu coração e o amor em seu peito não

haviam diminuído. Temia que jamais diminuíssem. Olhou para o mar muitos metros abaixo de onde estava, para as ondas

quebrando contra as rochas. A espuma subia como braços tentando abraçá-la, caindo novamente na água.

Se pulasse para a morte, o que aconteceria? Toda a dor chegaria ao fim. Uma nova onda de náusea a atacou e ela levou a mão ao estômago, tentando

certificar-se de que a vida desabrochava em seu corpo. Apesar do perigo, queria que a náusea fosse um sinal de que levava no ventre

uma vida. O filho de Griffydd. Uma criança a quem daria o maravilhoso cavalo de madeira e contaria a

história dos troianos e gregos como a que ouvira de Griffydd. Seria um laço entre eles, mesmo que jamais pudesse revelar onde conseguira o brinquedo ou quem havia contado a história.

Por esse filho, viveria e encontraria meios de sobreviver, apesar da desolação que a dominava. Esperava que o amor pelo filho um dia amenizasse a agonia.

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Page 123: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreOuviu o som de passos atrás dela e, escondendo o brinquedo sob o manto,

virou-se e viu Olaf parado, olhando para ela com um misto de desconfiança e inquietação.

Seria sua esposa em dois dias. Apenas dois dias. — O que está fazendo aqui? — Olaf perguntou. — Não é seguro aproximar-se

tanto do precipício. — Sempre venho aqui para pensar. — Prefere ficar sozinha? Ela forçou um sorriso. — Sim, gosto da solidão. Olaf estendeu a mão. — Venha comigo. Sem tocá-lo, Seona afastou-se do precipício e caminhou na direção do noivo. — O que deseja de mim, meu lorde? Desde que Griffydd partira, havia sido a filha obediente e a noiva polida.

Felizmente, Olaf não tentara uma nova aproximação, embora houvesse discutido com Diarmad os termos do casamento, o valor do dote e todos os detalhes em torno da cerimônia.

Seona aceitara todas as imposições com resignação, assumindo o dever que acreditava ter para com seu povo.

Ele a estudou por um momento. — Ele gostou de você, não? — perguntou sem emoção, sem nenhum sinal de

ciúme ou censura. Sabia a que Olaf estava se referindo. Desde que Griffydd a deixara, notara

como o norueguês a estudava ocasionalmente, como se estivesse tentando decidir se acreditava ou não na história que contara sobre o relacionamento... ou a falta dele. O mais provável era que sempre suspeitasse de uma mentira.

E também poderia suspeitar de que o filho que gerava era do galês, não dele. Mas nunca poderia saber ao certo, porque um bebê podia ser concebido na noite de núpcias e nascer antes do tempo.

Em silêncio, repetiu o voto resoluto. Nunca, em nenhuma circunstância deixaria que Olaf soubesse que esperava um filho de Griffydd. Guardaria o segredo até o último de seus dias, e faria do imenso amor que sentia outro tesouro secreto guardado em seu coração. Seria assim até o dia de sua morte.

Era capaz de mentir. Não enganara o homem que amava? Não se transformara em uma espécie de mestre da mentira?

E se Olaf tentasse condenar seu filho por suspeitar do que ela fizera, ficaria entre os dois com a determinação de uma mãe disposta a proteger a cria.

Mas nesse momento preferia não falar sobre Griffydd DeLanyea, especialmente com o homem que tornara impossível sua união com o homem que amava.

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Page 124: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Não entendo o que quer dizer, meu lorde. — Falo sobre DeLanyea, é claro. Ele esteve em seus aposentos naquela noite. — O filho do barão explicou a razão de sua presença em minha casa. — Eu...— Olaf hesitou como se estivesse prestes a fazer algo que o

desagradava. — Peço perdão por meu comportamento impróprio naquela noite. — Está perdoado. —Apesar de ter levado tanto tempo para desculpar-se. — Que bom. Seona, sei que não gosta de mim, e eu também não tenho

sentimentos especiais por você. Por que temos de nos tornar infelizes com esse casamento?

— Porque existe um acordo, e o compromisso não pode ser desfeito sem que haja vergonha e desonra para uma das partes.

Olaf fitou-a com tristeza, certamente pensando em Lisid, sua amante. — Se houvesse uma forma de rompermos esse compromisso, você aceitaria? Ela o encarou com ar distante, tentando não alimentar esperanças. Não

suportaria novas decepções. — Você e meu pai apertaram as mãos. — E verdade. — Então o acordo não pode ser desfeito de maneira honrada. — Quem falou em honra? Ela encarou o norueguês e odiou-o mais que nunca. Havia desistido da chance

de ser feliz para não trair a palavra empenhada por seu pai. — Meu povo correrá sérios riscos se esse noivado for desfeito. — É interessante testemunhar tão grande altruísmo, mas não precisamos nos

martirizar. — Sabe o que acontecerá ao povoado se eu não me casar com você? Haakon

suspeitará de uma traição e atacará Dunloch! — É possível. E daí? Que importância tem se alguns pobres coitados

morrerem? — Não permitirei que outras pessoas paguem por meu infortúnio. Por mais

que você tente assumir a responsabilidade pelo rompimento do noivado, meu pai acreditará que a culpa foi minha. Eu sofrerei as conseqüências. Talvez ele me mande para um convento, onde passaria o resto de meus dias em completa solidão. Talvez me obrigue a aceitar o primeiro homem que pedir minha mão em casamento. Talvez me expulse do povoado sem direito a nada. Pode imaginar qual seria meu destino? Não, Olaf. Uma decisão foi tomada, e você participou dela, o que não me foi permitido. Você, um conselheiro do rei, podia ter protestado. Pelo menos teria sido ouvido. Eu não tive esse direito. Recebi ordens, e não há nada que eu possa fazer para mudar meu destino. Se devo aceitar e cumprir uma decisão que não tomei, por que

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Page 125: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moorevocê, um dos responsáveis por ela, seria eximido de seus deveres? Meu pai e seu primo querem essa aliança. E agora eu também a quero.

Olaf encarou-a incrédulo. — Jamais a amarei. — Sei disso, e não me importo, porque nunca vou amá-lo. — Posso até odiá-la — ameaçou com tom ríspido, revelando que o sentimento

já desabrochava em seu peito. — Não me incomodo com o que sente por mim. Cumprirei meu dever, e esse

será meu conforto. — Você é maluca! Estou oferecendo uma saída, um caminho através do qual

podemos mudar tudo, e insiste... Ela deu um passo na direção dele, fitando-o com grande determinação. — Se não me casar com você, minha felicidade terá sido destruída em vão. — Talvez devesse ter permitido que se atirasse no precipício — ele sussurrou,

os olhos fixos nos dela. — Não pretendia me atirar, por mais que a morte seja tentadora comparada à

vida como sua esposa. Devo pensar na aliança. — E no filho que crescia em seu útero.

— Você é tola, Seona! — Já fui chamada de coisas bem piores, Olaf, mas não deixarei de cumprir a

determinação de meu pai. Ele a fitou por alguns instantes com desgosto evidente. Depois, balançou a

cabeça e afastou-se. Apertando o cavalo de madeira contra o peito, Seona olhou novamente para o

mar revolto e atraente. !— Seona! Assustada, ela abriu os olhos e viu o pai parado ao lado de sua cama. Olhou

para o travesseiro a seu lado e constatou que o cavalo de Tróia permanecia oculto sob ele.

— Sim, pai? — perguntou, esfregando os olhos e tentando imaginar o que o levara a seus aposentos tão cedo. Por que estaria tão zangado?

— Em nome de Deus, o que fez? Ela se sentou e puxou as cobertas para perto do corpo, tentando proteger-se

contra o frio e manter a modéstia. — Eu... não sei do que está falando — gaguejou, temendo que Diarmad ou

Olaf houvessem descoberto sua ligação com Griffydd DeLanyea. — Ele se foi! — Quem?

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Page 126: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Olaf! Partiu no meio da noite como um ladrão, e levou aquela prostituta

com ele! — Prostituta? De quem está falando? — De Lisid, é claro! — Ele levou Lisid? E as crianças? — Foram abandonadas! Ela as deixou, como outra prostituta que um dia

conheci. — Oh, não! Preciso ir vê-las — disse, jogando a coberta longe. Lembrava muito bem o dia em quê a mãe a abandonara. O medo. A angústia.

As lágrimas. O que não teria dado por um rosto bondoso e algumas palavras de afeto. — Não, você não vai — Diarmad avisou. — Naoghas está furioso, pronto para

atacar o primeiro que tentar aproximar-se. Disse que vai levar as crianças para o clã de sua mãe, e está me culpando por todo esse desastre. Eu! Como se eu houvesse aconselhado Olaf a seduzir sua esposa.

— Fionn e Beitiris... — Estão seguros, é claro. Ele ama os filhos. Muito mais do que aquela mulher

leviana e inconseqüente jamais os amou. — Então Naoghas merece toda minha admiração, considerando o que

suportou ao longo dos anos. Ele já descobriu quantos foram os amantes de Lisid em Dunloch? Sabe que você foi um deles?

O pai encarou-a com choque e surpresa. Depois franziu a testa. — Esqueça Lisid, como ele certamente fará. É a atitude de Olaf que importa. — Ele não lhe disse nada antes de partir? — Seona perguntou. — Não deu

indicação alguma do que pretendia fazer? Podia contar ao pai sobre a estranha conversa que tiveram ao lado da torre em

ruínas, mas achou melhor calar. Diarmad certamente a puniria por não ter ido procurá-lo imediatamente, embora Olaf não houvesse exatamente revelado seus planos.

Não dera a ele a oportunidade de falar com clareza. — Como deixou de perceber que havia algo de errado? — Diarmad inquiriu.

— Não notou nada entre os dois? — Nada que todos nós não tenhamos visto — Seona respondeu irritada. — Por

que me culpa pela partida do homem? Não fiz nada para provocá-la. Nada! — Menina estúpida e insolente! — Diarmad explodiu, agarrando-a pelo braço.

— Você é uma criatura inútil! Uma pedra amarrada ao meu pescoço! Ele a sacudiu com força, depois parou. Seona livrou-se das mãos que

seguravam seus braços e cruzou-os sobre o ventre numa atitude protetora. — Então é isso, sua prostituta? — o governante trovejou. — Ele a deixou por

que espera um filho de outro homem? Quem? ! 126

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Page 127: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreNão lamentava o fato de levar em seu ventre o filho de Griffydd DeLanyea, e

por isso ergueu o queixo com orgulho e ousadia. — O que pensaria se eu dissesse que o filho é de Olaf? — Se isso fosse verdade, por que ele partiria no meio da noite como um

ladrão? — Não sei. Talvez esteja apaixonado por Lisid. — Apaixonado por aquela mulher? Olaf é esperto demais para isso. — Talvez tenha percebido que não queria se casar com uma criatura inútil,

uma mulher magra e sem nenhum atrativo. Não devia estar surpreso com isso. Diarmad fitou-a com ar pensativo. — Ele partiu sem dizer nada, o que significa que rompeu nosso acordo. Se

espera um filho dele... — Sua expressão assumiu um brilho ganancioso que Seona conhecia bem. — Teremos de fazê-lo pagar por isso, e bem. Se Olaf não for encontrado, recorrerei ao primo dele, o rei da Noruega, e exigirei uma reparação. Sim, é isso mesmo. O que estamos vivendo não precisa ser um desastre. Olaf a seduziu e abandonou, agindo de forma vergonhosa.

— Entendo. Se pode tirar algum lucro do que aconteceu, por que pensar no prejuízo? — ela disparou, sem tentar esconder o desgosto. Depois de desistir da esperança de ser feliz, depois de provocar o ódio do homem que amava e afastar Griffydd de sua vida, fora abandonada. Novamente. — E quanto a mim, pai?

— Pensarei em alguma coisa. Deve haver alguém que aceite se casar com você.

Seona ergueu os ombros e encarou-o com um orgulho desafiante. Nunca mais permitiria que ele a humilhasse ou envergonhasse, nem seria usada como instrumento para suas barganhas gananciosas.

— Não estou grávida de Olaf. !!CAPÍTULO XVIII !!Desfrutando do sol vespertino, Dylan mantinha-se apoiado na parede do

castelo em Craig Fawr enquanto observava Griffydd manejando a espada. O homem treinava movimentos elaborados desde o começo da manhã, e Dylan

já começava a imaginar quanto tempo ele ainda passaria ali. Finalmente, com o corpo seminu encharcado de suor e os cabelos ensopados,

Griffydd parou para descansar. Ignorando o irmão adotivo e todos os criados que passavam pelo local, sorveu da água fresca deixada em um balde à sombra, bebendo um pouco antes de despejar o restante sobre a própria cabeça.

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Está tentando se matar? — Dylan perguntou. — Não — ele respondeu carrancudo, vestindo a túnica que deixara no chão. — Então o que é? Seus pais estão preocupados com você. — Não deviam estar. — Mas estão. O que aconteceu em Dunloch? — Nada. — Mentira. Desde que voltou para casa, tem agido de maneira estranha e

incomum. Já sei! É uma mulher! O pobre coitado está apaixonado! Griffydd encarou-o com expressão selvagem. — Cale a boca, Dylan, ou o farei calar. Assustado com a reação violenta e atípica, Dylan ficou quieto, enquanto

Griffydd afastava-se furioso. Teria acertado? O irmão adotivo estava perturbado por causa de uma mulher? Tentou lembrar alguém com quem ele houvesse estado nos últimos tempos. A

última jovem fora a filha de um barão normando que visitara Craig Fawr no último natal, alguém com quem Griffydd dançara duas ou três vezes. Mas não notara nenhum interesse especial, nada que traísse um sentimento mais profundo.

O que o remetia à viagem ao vilarejo Gall-Gaidheal. Griffydd não falara muito sobre a jornada, limitando-se a relatar os termos do acordo comercial que fizera com Diarmad MacMurdoch.

Dylan emitiu um assobio espantado. Devia haver uma mulher em Dunloch... alguém especial, ou Griffydd não estaria tão abalado.

Parecia incrível, mas uma paixão repentina era a única explicação que encontrava para o estranho comportamento do irmão.

Certo do diagnóstico, Dylan sorriu. Adoraria conhecer a jovem que conseguira conquistar coração tão empedernido.

Um grito ecoou na torre de vigia. O porto usado pela fortaleza de Craig Fawr ficava distante, e o aviso indicava que um navio aproximava-se.

Uma embarcação de Diarmad MacMurdoch era esperada naquele dia. O sorriso tornou-se mais amplo. Dylan decidiu conversar com a tripulação

Gall-Gaidheal e descobrir alguma coisa sobre o que acontecera em Dunloch. E as mulheres que lá viviam. Griffydd entrou no alojamento e caminhou até sua cama, localizada no extremo

oposto à porta do aposento sobre o paiol. Felizmente, todos os homens estavam fora, cuidando de suas obrigações, praticando suas habilidades ou fazendo exercícios.

Queria estar sozinho. Preferia evitar os olhares curiosos e preocupados. Jogou a espada sobre a cama e respirou fundo. Se queria mesmo guardar

segredo sobre suas aflições, devia agir como se elas não existissem.

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Uma Batalha de Honra Margaret MooreMas era impossível. Pela primeira vez, não conseguia esconder os sentimentos,

a raiva, a tristeza e a infelicidade por ter sido enganado e envolvido. Fora levado a agir como o mais desonrado dos homens, rompendo laços de hospitalidade e seduzindo a filha do homem que o abrigara sob seu teto.

Seona traíra seu amor. Não revelara que já pertencia a outro pela palavra empenhada por seu pai, se não pelo próprio coração.

Se soubesse, teria se mantido longe dela, mesmo que para isso tivesse de sacrificar-se.

Deprimido, sentou-se na cama e enterrou a cabeça entre as mãos. Por que tinha de sentir tantas coisas por uma mulher que jamais poderia ter?

Por que fora descobrir o amor justamente com alguém que já pertencia a outro homem?

Sabia que Seona não era a única culpada. Fora fraco, excessivamente cauteloso, preferindo esperar para ouvir os conselhos do pai antes de pedir a mão dela.

Tomada a decisão de esperar, devia ter se mantido longe da cama da jovem donzela, como cabia a um cavaleiro honrado e respeitado.

Seona o levara a perceber que não era tão puro, ético e honesto como havia acreditado, e por isso não devia desejar reencontrá-la. Nunca mais.

Mas queria vê-la. Todos os dias, pensava em voltar a Dunloch só para ver seu rosto. Cada momento era uma luta contra o ímpeto de procurar Diarmad e revelar a verdade, dizer que a amava e a desejava por esposa.

Mas ela fora prometida a outro. Por que o enganara? Só para tê-lo em sua cama? Não era vaidoso a ponto de

acreditar nisso. Por que mais? Julgava saber: para distraí-lo, para afastá-lo do propósito de

obter um bom negócio e reduzir as margens de lucro de MacMurdoch, como suspeitara desde o início.

Fora um idiota! Sabia o que pretendiam, e mesmo assim caíra na armadilha. Devia lembrar-se de Diarmad e sua filha como pessoas gananciosas e frias

dispostas a tudo em favor da ambição. No entanto, não conseguia tirar Seona da cabeça. E por isso sofria. !O barão olhou para trás quando Dylan desmontou e deixou o cavalo na entrada

do píer. — Pensei que não se interessasse por comércio — disse. — O que o traz aqui? — Um dia serei o senhor do castelo de meu pai, e por isso achei que era hora

de começar a me interessar pelos negócios. ! 129

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Page 130: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreSe Emryss acreditava haver mais alguma coisa por trás da presença de Dylan,

guardou as suspeitas só para si. — É um belo navio — comentou, olhando para a embarcação que ancorava no

porto. — Sim, e diferente dos outros. O leme não fica no lado direito. — E verdade. Deve ser o novo navio de Diarmad. Mas a tripulação é a

mesma. Aquele homem na proa... — O que tem? Quem é ele? — Não sei. Talvez meus olhos estejam me enganando, mas creio estar vendo

Diarmad MacMurdoch em pessoa. O que ele viria fazer aqui? — Quem é a mulher em pé ao lado dele? — Mulher? — Então não vê? Há uma jovem junto do homem na proa do navio. E se não

estou enganado... Acho melhor ir buscar Griffydd. — Não! — O barão o deteve com um gesto imperioso. — Leve Griffydd ao

salão. E diga a ele que quero encontrá-lo esperando por mim quando voltar. !Seona viu o castelo distante e notou a presença de um homem no porto. A

postura era tão semelhante a de Griffydd, que só podia ser o barão Emryss DeLanyea. A certeza contribuiu para aumentar o nervosismo que a dominava.

Agora que estava ali, tão perto da casa dos DeLanyea, preferia não ter viajado. Lamentava ter revelado ao pai que Griffydd era o pai do filho que esperava. Devia ter guardado segredo, pois assim evitaria a vergonha e a humilhação de ser rejeitada mais uma vez.

Gostaria de não ter ousado fazer uma última e desesperada tentativa de buscar a felicidade.

Tinha motivos para estar aflita. Um homem honrado como Griffydd DeLanyea devia odiá-la por ter mentido e criado uma situação de desonra para ele e sua família, e o fato de levar no ventre seu filho não o faria mudar de opinião.

Sabia que os galeses não consideravam uma gravidez como motivo suficiente para se casar. Se Diarmad pretendia exigir tal reparação, certamente voltaria a Dunloch decepcionado.

No entanto, lá estava ela, pronta para enfrentar a maior de todas as humilhações e, mesmo assim, experimentando uma intensa e crescente alegria diante da perspectiva de reencontrá-lo.

— Saudações, Diarmad! — O barão acenou quando desembarcaram. — É uma alegria poder recebê-lo. Quem é a encantadora jovem?

— Não viemos para uma visita de cortesia — MacMurdoch respondeu com tom grave. — Minha filha, Seona, foi desgraçada por seu filho.

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Desgraçada? — ele repetiu com tom calmo. — Envergonhada. Arruinada. Seu filho a violentou e deixou-a grávida... e ela

já estava prometida a outro homem! — Ah! É verdade? — Sim — Seona respondeu com firmeza. — Espero um filho de Griffydd. — Seu filho não contou nada sobre o que aconteceu? — Diarmad perguntou. — Ele sempre foi um rapaz muito quieto. — Bem, estou aqui para buscar a justiça para minha filha e a criança que ela

leva no ventre. O barão levantou as mãos num gesto de súplica. — Diarmad, vá devagar! Aqui somos todos amigos. Na verdade, atrevo-me a

dizer que em breve seremos parentes. Estou certo de que poderemos solucionar todo e qualquer mal-entendido. Deixe-me acompanhá-lo ao meu castelo. — E olhou para Seona com uma simpatia e uma compreensão que Diarmad jamais revelara. — Estou certo de que minha esposa ficará muito feliz por conhecer a mãe de seu neto. Com licença. Vou providenciar uma carroça para levar-nos a Craig Fawr.

Seona viu-o aproximar-se de um grupo de homens e algumas carroças puxadas por cavalos. Ele se mostrava gentil e tranqüilo, como se a notícia não o incomodasse. Mas a expressão de Diarmad era diferente.

— O homem se comporta como se nada houvesse acontecido — MacMurdoch resmungou. — É bom que compreenda de uma vez que temos um problema!

— Talvez seja melhor voltarmos para casa — ela sugeriu. — Sem nenhuma compensação para sua vergonha? — Estava convencido de que Haakon o recompensaria pela vergonha que

acreditava ter sido causada por Olaf. Ele me abandonou sem saber que eu estava grávida. Isso não seria suficiente?

— DeLanyea também nos deve alguma coisa. Sua vergonha não é segredo, afinal. Agora Olaf dirá que suspeitava de seu comportamento imoral e por isso partiu.

— Sem antes nos confrontar? — Ele encontrará uma boa desculpa para isso, também. Seona ficou em

silêncio. Era inútil tentar argumentar com ele, como seria inútil tentar convencê-lo de que ser levada a Craig Fawr era ainda mais vergonhoso do que ter um filho fora dos laços do matrimônio em Dunloch. O barão retornou com uma carroça e um cavalo amarrado atrás dela.

— Diarmad, vou ajudar Seona a subir no vagão — disse, soltando o animal e apontando-o enquanto falava. — Estou certo de que prefere cavalgar. Este não é o melhor animal que temos, mas não esperava visitante tão ilustre. Tenho certeza de que é capaz de entender.

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Page 132: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret MooreCom um sorriso iluminando o rosto marcado por uma cicatriz e dividido pelo

tapa-olho, o barão esperou que Diarmad assumisse as rédeas e montasse. Depois, segurou a mão de Seona e ajudou-a a subir na carroça. — Espero que não se importe com o desconforto. — Não. — Que bom. — Ele sorriu novamente. — Não sabia que meu filho mais velho

tinha um gosto tão refinado para mulheres. Seona retribuiu o sorriso. — Ele não me disse que era filho de um homem tão encantador e gentil. Rindo, exibindo a tranqüilidade dos justos, o barão conduziu o veículo para a

imensa fortaleza de pedras que dominava o alto de uma colina distante. !!CAPÍTULO XIX !!Nervosa, Seona seguiu o barão para o interior do castelo. Diarmad caminhava

com passos decididos, o rosto contorcido numa máscara resoluta e furiosa. Lá, no interior do salão, ela o viu. Griffydd. Queria correr ao seu encontro e abraçá-lo, mas o pavor a impediu de continuar.

Parou aturdida, sem saber como agir diante do homem que amava... e que devia odiá-la pela horrível mentira que pregara.

— Ah, meu filho! — o barão exclamou. — Aqui está uma moça que afirma conhecê-lo.

Griffydd tentou não revelar os sentimentos. Surpresa, alegria, choque e desolação. Todas essas emoções misturavam-se diante da evidente mudança no corpo de Seona.

Estava grávida. Esperava um filho seu... ou de outro homem. Depois de como o enganara, o

que mais teria sido capaz de esconder? — Sim, eu a conheço — disse. — Conhece! — Diarmad gritou. — Que bela maneira de colocar os fatos! Você

a engravidou, seu... seu galês! — Pensei que ela já estivesse casada com um conselheiro do rei da Noruega. — Pensou? Era o que esperava, pois assim estaria livre de arcar com as

conseqüências de ter traído a confiança de um anfitrião. Devia matá-lo pelo que fez! Griffydd levou a mão à espada. — Cuidado, Diarmad. Não estamos mais em Dunloch.

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Page 133: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Homens, homens! — Emryss interferiu. — Tenho certeza de que isso não

passa de um mal-entendido. — Mal-entendido? Ele envergonhou minha filha! A mulher serena que se

mantinha silenciosa ao lado de Griffydd deu um passo à frente. O barão encarou-a. — Roanna, estes são Diarmad MacMurdoch, chefe de Dunloch, e sua filha,

Seona. Diarmad, Seona, conheçam minha esposa, Lady Roanna. Lady Roanna inclinou a cabeça num cumprimento elegante, o rosto de traços

harmoniosos impassível. Seona queria conquistar a simpatia daquela mulher. Gostaria ao menos que ela

não a odiasse, como Griffydd obviamente odiava. Ele mal a fitara, e quando seus olhos encontraram os dela... Preferia não tê-los visto porque o que leu neles foi a confirmação de seus

maiores temores. Não devia ter ido procurá-lo! — É uma alegria tê-los em nosso castelo — Lady Roanna disse com voz

delicada. Diarmad cumprimentou-a com uma inclinação rápida, quase grosseira, e voltou

a dirigir-se ao barão. — Esta não é uma visita de cortesia, meu lorde. Seu filho desonrou minha

filha, e exijo uma reparação. — Reparação? Bem, sugiro que nos sentemos antes de falarmos sobre

negócios. E vamos beber vinho — anunciou, fazendo um sinal para uma criada que esperava silenciosa em um canto. — Sente-se, Diarmad.

— Emryss — Lady Roanna chamou-o. — Griffydd e Seona precisam participar deste encontro? Talvez prefiram conversar a sós.

— Mãe... — Ela tem razão — o barão interrompeu com tom firme. — Griffydd, leve

Seona ao jardim. Era evidente que ele preferia se recusar a acompanhá-la, mas não ousava

desobedecer uma ordem paterna. Dizendo a si mesmo que estar com Seona era o menor de todos os males, ofereceu o braço em silêncio.

Ela o aceitou e foi difícil conter um arrepio ao sentir o contato dos dedos delicados. Também não revelaria que ainda a amava, ou que revê-la havia reacendido toda a paixão daqueles dias em Dunloch.

Àquela mulher traíra sua confiança, e foi com essa idéia em mente que Griffydd deixou o salão do castelo.

Pouco depois, chegavam a um lindo jardim de roseiras coloridas e perfumadas. Outras flores cresciam nos canteiros bem cuidados.

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Uma Batalha de Honra Margaret MooreEm outras circunstâncias, teria ficado encantada com o ambiente, mas naquele

momento, a beleza do cenário só acentuava o sentimento de perda e desespero. Sentaram-se em um banco de pedras tão frio quanto a atitude de Griffydd, e

logo depois ele se levantou, preferindo manter uma distância prudente. — Espera realmente um filho meu? — ele perguntou sem rodeios. — Não precisa reconhecê-lo. — Como posso ter certeza de que sou o pai? — Vai ter de acreditar em minha palavra. — Sua palavra? — Sorriu com sarcasmo. Seona levantou-se e encarou-o com o queixo erguido. — Não fui honesta com você sobre Olaf, mas faria tudo de novo pelos

momentos que vivemos juntos. Uma expressão estranha surgiu em seu rosto. — Onde está Olaf? Rompeu o compromisso quando soube que estava

esperando um filho de outro homem? — Ele não sabia sobre a gravidez quando partiu. — O que quer dizer? — Olaf deixou Dunloch no meio da noite sem dizer nada a ninguém. E levou

Lisid com ele. — E as crianças? — Foram abandonadas pela mãe. Naoghas deixou Dunloch e levou os filhos. — Oh. Vai sentir falta delas. — Já estou sentindo. — Então não haverá casamento? — Não sinta piedade de mim, Griffydd. — Seona tentou sorrir, mas só

conseguiu exibir toda a amargura que sentia. — Meu pai está convencido de que o barão DeLanyea deve pagar por minha vergonha. Depois, ele irá ao rei Haakon exigir compensação pelo compromisso rompido por Olaf. Finalmente, pareço ter adquirido algum valor para Diarmad MacMurdoch.

Griffydd afastou-se e tocou as pétalas de uma rosa. — Devia ter sido honesta comigo, Seona. Devia ter me contado que já havia

sido prometida a outro homem. — Não pude. Ele a encarou. — Por que não? — Sabia que não poderia me casar com você, e então decidi agarrar a única

chance de ser amada. Queria ser amada, e pela primeira vez em toda minha vida, pude experimentar essa gloriosa sensação.

— E por isso desonrou-se e me tornou parte dessa desonra. ! 134

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Page 135: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Sim, fui egoísta. Só pensei nos momentos de felicidade que teria a seu lado,

e admito que faria tudo outra vez. Será que não entende? Não pode imaginar meu desespero quando soube que teria de me casar com Olaf, ou Haakon acusaria meu pai de traição? Não tive escolha com relação ao meu casamento, e por isso escolhi estar com você enquanto fosse possível.

— E eu? Em seu egoísmo, não pensou em mim. Sei que não demonstro meus sentimentos, mas os tenho, e ao contrário da maioria dos homens, não encaro o amor como um jogo. E por mais forte que seja esse sentimento, também valorizo a honra, o dever e a confiança. Jamais teria mentido para você, como fez comigo. Não teria trocado a honra, minha ou sua, como fez, por uma união física breve e sem futuro. Devia ter me contado.

— Se soubesse sobre o compromisso com Olaf, não teria se aproximado de mim. Sim, fui fraca e egoísta, porque não pude suportar essa idéia. Se não é capaz de entender... — E virou-se, perturbada demais para continuar ali.

— Aonde vai? — Estou partindo. Vir até aqui foi um erro de que me arrependo. Saiba que

criarei seu filho da melhor maneira possível, Griffydd. E poderá vê-lo sempre que desejar, quando for a Dunloch. Agora acho melhor ir dizer a meu pai que não ficarei aqui nem mais um minuto. Adeus.

Griffydd segurou-a pelo braço. — Seona! Ela o encarou em silêncio. — Faria mesmo tudo outra vez? — Sim. — Por quê? — Porque... porque o amava. — Amava? E agora, o que sente por mim? Ela não respondeu. Não podia, porque mal conseguia respirar diante dos

profundos olhos cinzentos. Griffydd respirou fundo. — Não queria apenas alguns momentos de prazer. Eu a queria como minha

esposa. — Só menti para você porque sabia que muitos sofreriam, caso eu não

cumprisse a palavra dada por meu pai — explicou, o coração invadido pela esperança de ainda poder ser feliz. Uma esperança que via refletida nos olhos dele.

— Disse que não teria vindo se seu pai não a obrigasse. Se sou o verdadeiro pai dessa criança em seu ventre, por que não?

— Porque sabia que havia conquistado seu ódio. — Oh, não... — ele balançou a cabeça com tristeza. — Eu tentei, Seona, mas

não consegui odiá-la. Porque... vou amá-la até o dia de minha morte. ! 135

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Page 136: Margaret moore   [warrior] - 09 - uma batalha de honra (pt br)

Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Oh, Griffydd! — Já que seu ex-noivo perdeu aquilo que nunca mereceu, posso ousar

esperar... — Sim! Sim! — E atirou-se nos braços dele, temendo estar vivendo um sonho.

— Perdoe-me por ter mentido. — Sou eu quem devo pedir perdão, meu amor. Por ter sido um tolo orgulhoso

e teimoso. Devia ter ido falar com seu pai imediatamente, mas preferi esperar. — E encarou-a. — Felizmente ainda é tempo de corrigir meu erro. Vamos nos casar imediatamente.

— Só... só porque estou grávida? — Porque a amo e minha vida é vazia sem você. Griffydd e Seona ainda trocavam beijos apaixonados quando a chegada de

alguém os interrompeu. Diarmad e o barão DeLanyea estavam parados na entrada do jardim.

Griffydd passou um braço sobre os ombros de Seona e ela não sentiu medo. Nunca mais temeria alguma coisa, porque ele a amava e isso era tudo de que precisava para viver.

— Bem, é evidente que eles chegaram a um entendimento — o barão apontou. — Meu filho, quer se casar com essa jovem?

— Imediatamente, pai. — Sabia que essa seria sua resposta, e por isso já concordei com um noivado.

Ao contrário dos nórdicos, nós, DeLanyea, mantemos nossas promessas. Seona olhou para o pai. — Você... concordou? — É claro que sim. Se o filho dele já esteve plantando em meu jardim... — Diarmad, estou certo de que o amobr ameniza seu sofrimento — o barão

comentou casualmente. — O que é isso? — Seona quis saber. — Uma espécie de dote ao contrário — Griffydd explicou, ruborizando como

se estivesse embaraçado. — É melhor o próprio Diarmad explicar do que se trata, já que ele exigiu essa

condição — o barão sugeriu. — O amobr é um... pagamento por sua virgindade. E é justo que eu o receba,

porque terei de viajar à corte de Haakon para reafirmar minha lealdade, ou ele interpretará esse casamento como uma traição.

— Estou certo de que quinhentas peças de prata serão suficientes para comprovar sua sinceridade — Emryss opinou.

— Vai dar quinhentas peças de prata a Haakon? — Seona estranhou.

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Será seu dote. Foi uma sugestão do barão. Apesar de Olaf ter rompido o

compromisso, o rei deve ter outros parentes com quem proporia um casamento. Assim, ele aceitará sua união com um galês.

— É isso mesmo. Seu pai perde o dote, mas ganha o amobr — o barão concluiu.

— Quanto? — Seona perguntou ao pai. — Quanto... o quê? — Quanto cobrou por minha virgindade? — Não é de sua conta, menina! — Para mim, você vale muito mais que todas as fortunas — Griffydd

interferiu. Furiosa, Seona olhou para o futuro sogro. — Temo que meu pai esteja tirando proveito da situação, barão. — Oh, eu sei que sim, mas se esse dinheiro servir para garantir a felicidade de

meu filho, então considero-o bem gasto. Não se preocupe, querida. Como eu disse, já acertamos todos os detalhes. E agora, vamos entrar e brindar ao noivado de meu primogênito! !

Depois de um banquete organizado às pressas para comemorarem o noivado de Griffydd, Lady Roanna verificava se tudo corria bem em sua casa. O barão e Diarmad conversavam perto da lareira, e Griffydd levara a noiva para um canto do salão. Era evidente que estavam felizes, e isso era o suficiente para tranqüilizá-la. Se o filho amava aquela moça, um ser humano tão doce e generoso, apesar de todas as provações por que passara, não precisava de nenhuma outra garantia para também amá-la como a uma filha.

Dylan sentou-se ao lado de Roanna e suspirou. — O que foi? — ela perguntou sorrindo. — Também assumo aquele ar ridículo quando estou apaixonado? — Ridículo? Griffydd nunca foi ridículo, e nunca vi você apaixonado. — O quê? — O jovem reagiu chocado. — Estive apaixonado dezenas de

vezes! — O que significa que nunca amou de verdade. Espero que um dia encontre a

mulher de sua vida, meu filho — Roanna desejou. — E eu espero que o rei entenda que não estamos tramando nada com o Gall-

Gaidheal. — Emryss cuidará disso. Ele planeja escrever para o rei... depois de enviar os

convites de casamento aos nossos inúmeros amigos. — Ah! Nossos inúmeros e poderosos amigos!

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Uma Batalha de Honra Margaret Moore— Eles gostarão de saber que nossa família vive momentos de tanta felicidade

— Roanna respondeu com ar inocente. — O que Griffydd sentirá quando descobrir quanto custou a realização desse

casamento? A mulher franziu a testa. — Eu o proíbo de dizer uma palavra que seja sobre o assunto, Dylan. Por amar, respeitar e admirar a mãe adotiva, Dylan concordou com um olhar

solene. — Ela não é muito bonita, é? — comentou. — O amor é cego. — Meu Deus, espero que não! — Pode acabar descobrindo o contrário. — Talvez. Bem, peço licença, minha lady, mas acho que é hora de ir desejar

felicidades ao casal. — Mais tarde — Roanna cortou, segurando o braço do rapaz para impedi-lo de

se levantar. — Deixe-os a sós. Um dia, Dylan, quando encontrar o verdadeiro amor, não vai querer ser interrompido. !!

Fim.

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