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cinema experimental não ape- nas sobrevive como ocupa páginas densas da história da cinematografia mundial desde o seu nascimento, principal- mente na literatura europeia, segundo o professor Francisco Elinaldo Teixeira, do Departamento de Cinema do Instituto de Ar- tes (IA) da Unicamp. Entre os representantes da produção experimental brasileira no mundo está o cineasta Júlio Bressane, cuja obra é analisada por Teixeira no livro recém-lançado O cineasta celera- do: a arte de se ver fora de si no cinema poético de Júlio Bressane. A obra é resultado dos estudos para sua tese de doutorado, defendida na Universidade de São Paulo (USP). A produção do cineasta que reagiu com desen- voltura experimental à chamada “morte do cinema brasileiro”, com o fim da Embrafilme, é constante. Este ano, Bressane lançou o filme Rua Aperana 52 na mostra Spectrum, dentro do 41º Festival de Ro- terdã, na Holanda, num nicho intitulado “Grandes Mestres do Cinema Experimental”. O filme pode ser classificado como um documentário com lin- guagem experimental, na opinião de Teixeira. “A produção tem um ponto de partida no documen- tário, mas Bressane, com sua busca incessante, vai usar com tranquilidade a linguagem experimen- tal”, reforça. Bressane sempre teve projeção internacional, mas ao apresentar Dias de Nietszche em Turim, em 2002, num festival de cinema de Turim, vê escancararem para si as portas da cinematografia mundial. De imediato, ganha um número da re- vista Cahiers du Cinéma, na França, e participa de uma grande mostra na Itália. “Ele chega com este lme no festival em Turim e é como se o mundo se abrisse para ele. O cinema dele foi cada vez mais interessando aos europeus”, conta Teixeira. Hoje, segundo o professor, Bressane está no contexto da história audiovisual mundial tal qual Glauber Ro- cha esteve na década de 1980 no cenário interna- cional do cinema político. “Nem experimental, nem marginal, nem udigrudi, nem maldito, nem do lixo, nem de invenção: cinema de poesia.” É as- sim, segundo a tese de Teixeira, que Bressa- ne define sua produção. O cineasta começa sua trajetória com uma produção experimen- tal e segue dando complexidade ao fazer ex- perimental até realizar seu primeiro trabalho ligado à literatura, com a tradução do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas , de Machado de Assis, em 1985. É neste momento que ele define seu trabalho como cinema de poesia, ou mais especificamente, como intersemióti- ca do cinema. “É a ideia de que o cinema não é uma mídia isolada, mas sim que trabalha com literatura, artes plásticas, música, poe- sia. O cinema está sempre fazendo traduções, e não adaptações”, enfatiza Teixeira. Ele esclarece que a adaptação se tornou um tema mais reservado ao trabalho da tele- visão, como uma mídia de massa, enquanto o cinema, à medida que foi se especializando, foi se tornando uma mídia mais de câmara – tal como se diz de “música de câmara” – e não de massa. Outros trabalhos marcam o encontro de Bressane com as letras. Depois de Macha- do de Assis, ele traduz uma série de textos dos Sermões , de Padre Vieira. No começo dos anos 1990, ao lado do poeta concretista Ha- roldo de Campos, Bressane dá contribuição importante, segundo Teixeira, para o campo da videoarte, ao traduzir o livro de poemas de Campos intitulado Galáxias . “Num mo- mento em que todos falavam da morte do cinema, ele vai fazer suas experimentações”, relembra Teixeira. Neste momento, o cantor carioca Mário Reis (1907-1981) torna-se per- sonagem do cineasta em 1995, quando lança O Mandarim. A ideia da poética presente em Bressa- ne reflete a preocupação com a produção, a criação, os processos em si mais do que com a comunicação com o espectador. Daí a fide- lidade do domínio experimental em manter um público especializado, atuando como um cinema de câmara. O livro Poetika Kino, publicado em 1926 pelas vanguardas forma- listas russas e construtivistas, lança as bases dessa poética do filme. Na verdade, carregam o conceito da literatura para o cinema. Para Teixeira, o cinema é uma mídia muito mais mental que visual. “Arte é pensamento”, re- força o professor. Campinas, 3 a 16 de setembro de 2012 8 MARIA ALICE CRUZ [email protected] A poética de um cineasta celerado Livro detalha produção de Júlio Bressane no âmbito do experimentalismo O Foto: Antoninho Perri SERVIÇO Título: O cineasta celerado: a arte de se ver fora de si no cinema poético de Júlio Bressane Autor: Francisco Elinaldo Teixeira Páginas: 501 Editora: Anablume Preço: R$ 70,00 O professor Francisco Elinaldo Teixeira: “O cinema está sempre fazendo traduções, e não adaptações” Estimulados pelo lastro dessas vanguar- das, artistas plásticos e pintores deram ori- gem a outro foco da experimentação no final dos anos 1970 e 1980: o cinema de artista. “Este movimento tem a forte presença de pintores, artistas plásticos, músicos, que viam seus campos esgotados e buscavam o cinema como uma mídia instigante e inspira- dora”, informa. Ao mesmo tempo, observa- se um forte impulso no âmbito do experi- mentalismo superoitista. RUPTURAS Teixeira ressalta que a história do cinema é marcada por reiterações e rupturas. No li- vro Documentário no Brasil: tradição e transfor- mação, lançado em 2004, Teixeira organizou uma primeira história que inicia dos anos 1920, com filmes do cinegrafista de Rondon, Major Luís Tomás Reis, até a produção atual de Eduardo Coutinho. Em 2003, publicou o livro O terceiro olho: ensaios de cinema e vídeo (Mário Peixoto, Glauber Rocha e Júlio Bressa- ne) , resultado de seu pós-doutorado em se- miótica na PUC-São Paulo, como primeira tentativa de traçar uma história do domí- nio experimental no Brasil. “Começo com Mário Peixoto, lá na década de 1930, mas passo pelo cinema novo, cinema marginal”, esclarece. “É uma produção bem rarefeita se comparada com a produção industrial, mas de grande peso nas transformações e expe- rimentações da linguagem cinematográfica”, complementa. O filme Limite , de Mário Peixoto, produ- zido entre 1930 e 1931, no Rio de Janeiro, era até recentemente o único filme brasileiro figurando na história das vanguardas mun- diais. “Infelizmente, por não conseguir verba mobilizatória para filmar outros desdobra- mentos deste filme, acabou ficando somente com este título em sua filmografia”, revela Teixeira. Durante muito tempo, Limite esteve re- servado apenas aos olhos do restrito público do cinema experimental, mas quando é res- taurado, na década de 1970, encanta princi- palmente a historiografia de cinema mundial. Esta obra, na opinião de Teixeira, opera como uma espécie de síntese bem particular, no plano estético-formal, da linguagem do que as vanguardas (expressionistas, impressio- nistas, dadaístas, surrealistas e formalistas) vinham fazendo ao longo dos anos 1920 na Europa. No calor das sinfonias urbanas europeias, no final dos anos 1920 e começo da década de 1930, surge também São Paulo, A Sinfonia da Metrópole , de Rodolfo Lustig e Adalberto Ke- meni, considerada uma das primeiras obras na área de experimental no Brasil, segundo o professor. “A forma experimentadora renas- ce com força nos anos 1970, depois de um intervalo de dez anos, se tomarmos como referência o filme O Pátio de Glauber Rocha, ao lado de um desenvolvimento grande do experimentalismo superoitista no Brasil”. Na década de 1960, as produções se atêm mais à “estética da fome”, mas mesmo assim, segundo o especialista, o cinema en- volve muita pesquisa, experimentação com os modos de construir as imagens. A volta das experimentações audiovisuais coincide com o período de restauração do filme Limite , que será tomado como uma baliza disso nos anos 70. Neste contexto, o cinema marginal compõe uma história particular com Rogério Sganzerla, Júlio Bressane e Andrea Tonacci, entre os nomes que garantem que o experi- mental volte fortalecido. Com a criação de novas técnicas e equi- pamentos, o cinema brasileiro é influencia- do por um quarto elemento importante: a imagem vídeo, que surge, em meados dos anos 1970, no segmento da emergência da mudança de suporte no cinema. “Já vivemos na atualidade a quarta, quinta geração de vi- deastas, pois houve, desde aquele momento, um senso muito grande de experimentação por ser uma mídia acessível, democrática e barata. É muito propensa a experimentações e renovações de linguagem”, enfatiza. Segundo Teixeira, uma gama muito gran- de de filmes documentários com esse forte senso de experimentação da linguagem surge desde os anos de 1980, mas é preciso distin- guir o que realmente é arte de uma produção tecnicamente efeitista, marcada por um certo senso de fetichismo técnico dado o acesso das novas mídias. “O número de artistas é muito maior, o número de espectadores com acesso à arte é muito maior. Eu acho que isso se realiza plenamente com a cultura digital, mas com todos os problemas também que isso significa. Fica muito mais difusa a noção do que é arte, os critérios para se avaliar o que de fato é artístico. Porque uma boa parte des- sa produção é descartável, é efeitista, é uma espécie de deslumbramento, de fetichismo com a técnica”, acrescenta Teixeira. Outra questão importante a ser discutida dentro da literatura cinematográfica é a in- discernibilidade entre os domínios ficcional, documental e experimental. Para Teixeira, há uma intensa troca entre documentário e ex- perimental, a ponto de cineastas como Bres- sane transitarem nos dois, três domínios ao mesmo tempo, porém, nem todo documen- tário é experimental, por não apresentar o ri- gor estético comum a este tipo de produção. Um dos aspectos pontuados em um curso intitulado “Documentário e Experimental: Passagens”, oferecido por ele em programas de pós-graduação, é a intensa troca entre os domínios documentário e experimental den- tro da cultura audiovisual contemporânea. “Eu alterno os domínios. Em um semestre falo sobre documentário. Em outro, sobre experimental, até chegar nos pontos comuns entre eles”, explica. Para Teixeira, o filme Cinema Falado, lan- çado em 1986 por Caetano Veloso, é um dos mais representativos dentro do que se define como um processo de produção experimental no cinema brasileiro dos anos 1980. A pro- dução, porém, sofreu duras críticas, foi retira- da por Caetano, e voltou reeditada em DVD em 2005. As críticas teriam partido de integrantes de uma vanguarda que vinha dos anos 1970, mais relacionada com o artista plástico Hélio Oiticica, cujos trabalhos eram considerados re- volucionários. Para Teixeira, Oitici- ca marcou muito uma geração com suas pro- posições dos anos 1970. “Foi muito próximo do Júlio Bressane, mas foi muito próximo também do Arthur Omar, que nos anos 1980 era um dos que mais se destacavam como cineasta experimental.” Teixeira observa a presença forte de pes- soas oriundas de escolas de cinema brasilei- ras no campo documental, experimental e ficcional na década de 2000. Entre esses cine- astas nascidos na academia, ele cita Kiko Goi- fman, mestre pela Unicamp, com o filme 33, e Sandra Kogut, com a produção Um passapor- te húngaro, por introduzirem uma estilística diferenciada, considerada por Jean-Claude Bernardet como documentário de busca. A busca fracassada das duas produções reflete uma estilística na qual se cria um dispositivo de busca de algo que não se sabe, de partida, onde vai dar. “Este objeto pode ou não se en- contrado, mas não é isso que importa. O que importa é percorrer, desenvolver o processo de criação. Este é o senso de experimentação mais forte nesse momento”, explica. Júlio Bressane, Giulia Gam, Drica Moares e Chico Buarque durante as filmagens de O Mandarim, em 1995 Foto: Luciana Whitaker/Folhapress

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cinema experimental não ape-nas sobrevive como ocupa páginas densas da história da cinematografi a mundial desde o seu nascimento, principal-mente na literatura europeia,

segundo o professor Francisco Elinaldo Teixeira, do Departamento de Cinema do Instituto de Ar-tes (IA) da Unicamp. Entre os representantes da produção experimental brasileira no mundo está o cineasta Júlio Bressane, cuja obra é analisada por Teixeira no livro recém-lançado O cineasta celera-do: a arte de se ver fora de si no cinema poético de Júlio Bressane. A obra é resultado dos estudos para sua tese de doutorado, defendida na Universidade de São Paulo (USP).

A produção do cineasta que reagiu com desen-voltura experimental à chamada “morte do cinema brasileiro”, com o fi m da Embrafi lme, é constante. Este ano, Bressane lançou o fi lme Rua Aperana 52 na mostra Spectrum, dentro do 41º Festival de Ro-terdã, na Holanda, num nicho intitulado “Grandes Mestres do Cinema Experimental”. O fi lme pode ser classifi cado como um documentário com lin-guagem experimental, na opinião de Teixeira. “A produção tem um ponto de partida no documen-tário, mas Bressane, com sua busca incessante, vai usar com tranquilidade a linguagem experimen-tal”, reforça.

Bressane sempre teve projeção internacional, mas ao apresentar Dias de Nietszche em Turim, em 2002, num festival de cinema de Turim, vê escancararem para si as portas da cinematografi a mundial. De imediato, ganha um número da re-vista Cahiers du Cinéma, na França, e participa de uma grande mostra na Itália. “Ele chega com este fi lme no festival em Turim e é como se o mundo se abrisse para ele. O cinema dele foi cada vez mais interessando aos europeus”, conta Teixeira. Hoje, segundo o professor, Bressane está no contexto da história audiovisual mundial tal qual Glauber Ro-cha esteve na década de 1980 no cenário interna-cional do cinema político.

“Nem experimental, nem marginal, nem udigrudi, nem maldito, nem do lixo, nem de invenção: cinema de poesia.” É as-sim, segundo a tese de Teixeira, que Bressa-ne define sua produção. O cineasta começa sua trajetória com uma produção experimen-tal e segue dando complexidade ao fazer ex-perimental até realizar seu primeiro trabalho ligado à literatura, com a tradução do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, em 1985. É neste momento que ele define seu trabalho como cinema de poesia, ou mais especificamente, como intersemióti-ca do cinema. “É a ideia de que o cinema não é uma mídia isolada, mas sim que trabalha com literatura, artes plásticas, música, poe-sia. O cinema está sempre fazendo traduções, e não adaptações”, enfatiza Teixeira.

Ele esclarece que a adaptação se tornou um tema mais reservado ao trabalho da tele-visão, como uma mídia de massa, enquanto o cinema, à medida que foi se especializando, foi se tornando uma mídia mais de câmara – tal como se diz de “música de câmara” – e não de massa.

Outros trabalhos marcam o encontro de Bressane com as letras. Depois de Macha-do de Assis, ele traduz uma série de textos dos Sermões, de Padre Vieira. No começo dos anos 1990, ao lado do poeta concretista Ha-roldo de Campos, Bressane dá contribuição importante, segundo Teixeira, para o campo da videoarte, ao traduzir o livro de poemas de Campos intitulado Galáxias. “Num mo-mento em que todos falavam da morte do cinema, ele vai fazer suas experimentações”, relembra Teixeira. Neste momento, o cantor carioca Mário Reis (1907-1981) torna-se per-sonagem do cineasta em 1995, quando lança O Mandarim.

A ideia da poética presente em Bressa-ne reflete a preocupação com a produção, a criação, os processos em si mais do que com a comunicação com o espectador. Daí a fide-lidade do domínio experimental em manter um público especializado, atuando como um cinema de câmara. O livro Poetika Kino, publicado em 1926 pelas vanguardas forma-listas russas e construtivistas, lança as bases dessa poética do filme. Na verdade, carregam o conceito da literatura para o cinema. Para Teixeira, o cinema é uma mídia muito mais mental que visual. “Arte é pensamento”, re-força o professor.

Campinas, 3 a 16 de setembro de 20128

MARIA ALICE [email protected]

A poética de um cineasta celerado

Livro detalha produção de Júlio Bressane no âmbito do experimentalismo

O

Foto: Antoninho Perri

SERVIÇO

Título: O cineasta celerado: a arte de se ver fora de si no cinema poético de Júlio BressaneAutor: Francisco Elinaldo TeixeiraPáginas: 501Editora: AnablumePreço: R$ 70,00

O professor Francisco

Elinaldo Teixeira: “O

cinema está sempre fazendo

traduções, e não

adaptações”

Estimulados pelo lastro dessas vanguar-das, artistas plásticos e pintores deram ori-gem a outro foco da experimentação no final dos anos 1970 e 1980: o cinema de artista. “Este movimento tem a forte presença de pintores, artistas plásticos, músicos, que viam seus campos esgotados e buscavam o cinema como uma mídia instigante e inspira-dora”, informa. Ao mesmo tempo, observa-se um forte impulso no âmbito do experi-mentalismo superoitista.

RUPTURAS Teixeira ressalta que a história do cinema

é marcada por reiterações e rupturas. No li-vro Documentário no Brasil: tradição e transfor-mação, lançado em 2004, Teixeira organizou uma primeira história que inicia dos anos 1920, com filmes do cinegrafista de Rondon, Major Luís Tomás Reis, até a produção atual de Eduardo Coutinho. Em 2003, publicou o livro O terceiro olho: ensaios de cinema e vídeo (Mário Peixoto, Glauber Rocha e Júlio Bressa-ne), resultado de seu pós-doutorado em se-miótica na PUC-São Paulo, como primeira tentativa de traçar uma história do domí-nio experimental no Brasil. “Começo com Mário Peixoto, lá na década de 1930, mas passo pelo cinema novo, cinema marginal”, esclarece. “É uma produção bem rarefeita se comparada com a produção industrial, mas de grande peso nas transformações e expe-rimentações da linguagem cinematográfica”, complementa.

O filme Limite, de Mário Peixoto, produ-zido entre 1930 e 1931, no Rio de Janeiro, era até recentemente o único filme brasileiro figurando na história das vanguardas mun-diais. “Infelizmente, por não conseguir verba mobilizatória para filmar outros desdobra-mentos deste filme, acabou ficando somente com este título em sua filmografia”, revela Teixeira.

Durante muito tempo, Limite esteve re-servado apenas aos olhos do restrito público do cinema experimental, mas quando é res-taurado, na década de 1970, encanta princi-palmente a historiografia de cinema mundial. Esta obra, na opinião de Teixeira, opera como uma espécie de síntese bem particular, no plano estético-formal, da linguagem do que

as vanguardas (expressionistas, impressio-nistas, dadaístas, surrealistas e formalistas) vinham fazendo ao longo dos anos 1920 na Europa.

No calor das sinfonias urbanas europeias, no final dos anos 1920 e começo da década de 1930, surge também São Paulo, A Sinfonia da Metrópole, de Rodolfo Lustig e Adalberto Ke-meni, considerada uma das primeiras obras na área de experimental no Brasil, segundo o professor. “A forma experimentadora renas-ce com força nos anos 1970, depois de um intervalo de dez anos, se tomarmos como referência o filme O Pátio de Glauber Rocha, ao lado de um desenvolvimento grande do experimentalismo superoitista no Brasil”.

Na década de 1960, as produções se atêm mais à “estética da fome”, mas mesmo assim, segundo o especialista, o cinema en-volve muita pesquisa, experimentação com os modos de construir as imagens. A volta das experimentações audiovisuais coincide com o período de restauração do filme Limite, que será tomado como uma baliza disso nos anos 70. Neste contexto, o cinema marginal compõe uma história particular com Rogério Sganzerla, Júlio Bressane e Andrea Tonacci, entre os nomes que garantem que o experi-mental volte fortalecido.

Com a criação de novas técnicas e equi-pamentos, o cinema brasileiro é influencia-do por um quarto elemento importante: a imagem vídeo, que surge, em meados dos anos 1970, no segmento da emergência da mudança de suporte no cinema. “Já vivemos na atualidade a quarta, quinta geração de vi-deastas, pois houve, desde aquele momento, um senso muito grande de experimentação por ser uma mídia acessível, democrática e barata. É muito propensa a experimentações e renovações de linguagem”, enfatiza.

Segundo Teixeira, uma gama muito gran-de de filmes documentários com esse forte senso de experimentação da linguagem surge desde os anos de 1980, mas é preciso distin-guir o que realmente é arte de uma produção tecnicamente efeitista, marcada por um certo senso de fetichismo técnico dado o acesso das novas mídias. “O número de artistas é muito maior, o número de espectadores com acesso à arte é muito maior. Eu acho que isso se realiza plenamente com a cultura digital,

mas com todos os problemas também que isso significa. Fica muito mais difusa a noção do que é arte, os critérios para se avaliar o que de fato é artístico. Porque uma boa parte des-sa produção é descartável, é efeitista, é uma espécie de deslumbramento, de fetichismo com a técnica”, acrescenta Teixeira.

Outra questão importante a ser discutida dentro da literatura cinematográfica é a in-discernibilidade entre os domínios ficcional, documental e experimental. Para Teixeira, há uma intensa troca entre documentário e ex-perimental, a ponto de cineastas como Bres-sane transitarem nos dois, três domínios ao mesmo tempo, porém, nem todo documen-tário é experimental, por não apresentar o ri-gor estético comum a este tipo de produção. Um dos aspectos pontuados em um curso intitulado “Documentário e Experimental: Passagens”, oferecido por ele em programas de pós-graduação, é a intensa troca entre os domínios documentário e experimental den-tro da cultura audiovisual contemporânea. “Eu alterno os domínios. Em um semestre falo sobre documentário. Em outro, sobre experimental, até chegar nos pontos comuns entre eles”, explica.

Para Teixeira, o filme Cinema Falado, lan-çado em 1986 por Caetano Veloso, é um dos mais representativos dentro do que se define como um processo de produção experimental no cinema brasileiro dos anos 1980. A pro-dução, porém, sofreu duras críticas, foi retira-da por Caetano, e voltou reeditada em DVD em 2005. As críticas teriam partido de integrantes de uma vanguarda que vinha dos anos 1970, mais relacionada com o artista plástico Hélio Oiticica, cujos trabalhos eram considerados re-volucionários.

Para Teixeira, Oitici-ca marcou muito uma geração com suas pro-posições dos anos 1970. “Foi muito próximo do Júlio Bressane, mas foi muito próximo também do Arthur Omar, que nos anos 1980 era um dos que mais se destacavam como cineasta experimental.”

Teixeira observa a presença forte de pes-soas oriundas de escolas de cinema brasilei-ras no campo documental, experimental e ficcional na década de 2000. Entre esses cine-astas nascidos na academia, ele cita Kiko Goi-fman, mestre pela Unicamp, com o filme 33, e Sandra Kogut, com a produção Um passapor-te húngaro, por introduzirem uma estilística diferenciada, considerada por Jean-Claude Bernardet como documentário de busca. A busca fracassada das duas produções reflete uma estilística na qual se cria um dispositivo de busca de algo que não se sabe, de partida, onde vai dar. “Este objeto pode ou não se en-contrado, mas não é isso que importa. O que importa é percorrer, desenvolver o processo de criação. Este é o senso de experimentação mais forte nesse momento”, explica.

Júlio Bressane, Giulia Gam, Drica Moares e Chico Buarque durante as fi lmagens de O Mandarim, em 1995

Foto: Luciana Whitaker/Folhapress