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MARIA DO CARMO GONZALEZ BORGES A prática educativa e a proposta de formação acadêmica para as educadoras que trabalham diretamente com crianças em Creches: um estudo sobre a relação cuidar/educar na cidade de Santos. Mestrado em Educação: História, Política, Sociedade. PUC/SP SÃO PAULO 2006

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  • MARIA DO CARMO GONZALEZ BORGES

    A prtica educativa e a proposta de formao acadmica para as educadoras que trabalham diretamente com crianas em Creches: um estudo sobre a relao cuidar/educar na cidade de Santos.

    Mestrado em Educao: Histria, Poltica, Sociedade.

    PUC/SP SO PAULO

    2006

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    MARIA DO CARMO GONZALEZ BORGES

    A prtica educativa e a proposta de formao acadmica para as educadoras que trabalham diretamente com crianas em Creches: um estudo sobre a relao cuidar/educar na cidade de Santos.

    Dissertao apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para obteno do ttulo de MESTRE em Educao: Histria, Poltica, Sociedade, sob a orientao do Prof Dr. Marcos Cezar de Freitas.

    PUC/SP SO PAULO

    2006

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    MARIA DO CARMO GONZALEZ BORGES

    A prtica educativa e a proposta de formao acadmica para as educadoras que trabalham diretamente com crianas em Creches: um estudo sobre a relao cuidar/educar na cidade de Santos.

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    DEDICATRIA

    A todas as profissionais-docentes da infncia, que, com sua luta cotidiana, constituem sua identidade profissional, consolidando o espao da educao da criana pequenininha na sociedade. s crianas, que so a razo da minha pesquisa. Aos meus pais, Ares e Amlia, companheiros incansveis, pelo apoio slido em todas as fases da minha vida. Ao Professor Doutor Marcos Cezar de Freitas, exemplo de educador dedicado e ser humano comprometido com outros seres humanos.

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    AGRADECIMENTOS

    Ao Criador, que conhece minhas necessidades e proporciona situaes para que eu as supere. Ao Professor- Doutor Marcos Cezar de Freitas, pela competncia e presteza com que sempre me orientou. Aos professores do Programa de Ps-Graduao em Educao: Histria, Poltica, Sociedade, pelas contribuies tericas, em especial aos professores: Jos Geraldo S. Bueno, Odair Sass, Bruno Bontempi Junior, Luciana Maria Giovanni, Kazumi Munakata, Paula Perin Vicentini. Capes, pelo financiamento para a realizao desta pesquisa. Aos colegas do curso, pela partilha de ansiedades, descobertas e alegrias. Aos sujeitos da pesquisa: as Monitoras de Creche da Rede Municipal de Ensino de Santos, especialmente da Creche Casa da Criana, pela disponibilidade e generosidade. A todos os profissionais do Centro de Capacitao Permanente do Professorado Santista Prof. Darcy Ribeiro, da Secretaria Municipal de Educao de Santos, que estiveram ao meu lado, em corpo e esprito, dando suporte para que eu pudesse estudar despreocupada. s minhas amigas-irms, Susanna Artonov e Selma M. R. S. de Lara, minhas grandes incentivadoras e exemplos de educadoras e mulheres dedicadas e comprometidas. amiga, Arimar Martins Campos, por sempre acreditar em mim, me dando nimo com sua alegria. amiga, Estela Maria de Mello, pelo auxlio nas horas incertas. A toda minha famlia, Ares, Amlia, Marcio e ngela, amigos, padrinhos, compadres e afilhados, pela compreenso nas horas em que precisei afastar-me e pela torcida e carinho de sempre.

    Enfim, a todos que direta ou indiretamente compartilharam esse tempo to importante para o meu crescimento pessoal e profissional.

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    RESUMO BORGES, Maria do Carmo Gonzalez. 2006. A prtica educativa e a proposta de formao acadmica para as educadoras que trabalham diretamente com crianas em Creches: um estudo sobre a relao cuidar/educar na cidade de Santos. Dissertao de Mestrado. Programa de Estudos Ps-Graduados em Educao: Histria, Poltica, Sociedade, da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. Esta pesquisa tem por objeto de investigao o cotidiano das profissionais-docentes que atuam diretamente com crianas pequenininhas nas Creches Pblicas Municipais de Santos. Personagens de uma atividade profissional tradicionalmente desvalorizada, no atual momento, acabaram de viver a experincia da aquisio de formao em nvel superior como resultado do novo estatuto que a LDB N 9394/96 deu Educao Infantil, mas tambm como conseqncia da mobilizao da categoria e das aes governamentais que esto a induzir a obteno de uma certificao (Bourdieu) com vistas a qualificar aquilo que fazem h anos, baseadas exclusivamente na experincia adquirida. Tal situao oferece oportunidade para que se verifique o impacto da formao em nvel superior nas prticas educativas realizadas no interior da Creche, por meio de anlise dos questionrios respondidos, de observao in loco e de entrevista semi-estruturada com algumas Monitoras de Creche. Uma vez que essa tarefa esteve por muito tempo dissociada das questes educacionais, o atual momento parece conter em si uma contradio que somente o exame da questo poder responder se possvel aliar as prticas educativas destas profissionais, construdas socialmente, com o curso de Pedagogia oferecido, proporcionando uma nova compreenso a respeito do cotidiano das Creches. Os resultados da pesquisa revelam que a academia necessita considerar mais aspectos relacionados educao da criana at 3 anos de idade, mas tambm que esse fato vem sendo apreciado a partir do contato com as prprias profissionais-docentes.

    Palavras-chave: Pedagogia, Creche, Educadores da Infncia, Educao Infantil, Concepo de Infncia.

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    ABSTRACT

    BORGES, Maria do Carmo Gonzalez, 2006. The educationsal practice and the academic curriculum proposed for educators who work directly with children in Day-care centers: a study on the carg/education relationship in the in the city of Santos. Master's Degree Dissertation. Program f Postgraduate Studies in Education: History, Politics, Society, Pontifcia Universidade Catlica de o Paulo.

    oS

    This research has the objective of investigating the daily life of the professional teachers who work directly with little children at the Public Municipal Day-care Centers in Santos. They have been working for years in a discreditcd position; besides that, they have recently been obliged to an recently been obliged to get an undergraduate degree in Education as a result ofthe ''NEW LDBEN 9394/96", but also as a consequence of the mobilization of the category and the governmental actions that have forced them to get a degree in order to qualify for something they had already been doing for years, based exclusively on their own experience. This situation has given us an opportunity to verify the impact this university diploma has had on the educational practices inside the Day-care centers. This was done through questionnaires, "in loco" observation and semi-structured interviews with some educators. Since their professional practice had been completely unrelated to the educational matter, the present moment seems to contain in itself a contradiction that only the evaluation of this research can be able to clarify if it will be possible to unite the educational practice of these professionals, which were built socially, to the contents of the Pedagogy course, providing a new understanding regarding the daily lives at the Day-care centers. The results of this research reveal that not only the academia must consider more aspects related to the education of three-year-old children, but also that this fact has been noticed from the contact among the professional educators.

    Key-words: Pedagogy; Day-care; Center; Children Educators; Childhood Conception.

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    SUMRIO

    LISTA DE SIGLAS ...............................................................................................09 LISTA DE TABELAS ............................................................................................11 LISTA DE GRFICOS ..........................................................................................12 LISTA DE ANEXOS..............................................................................................13 LISTA DE APNDICES ........................................................................................14 INTRODUO......................................................................................................15 CAPTULO 1 - A Educao Infantil no contexto mundial e nacional: tenses e

    conquistas....................................................................................28 1.1 - Infncia,instituies e seus profissionais:a histria de muitas histrias .....28 1.2 - As legislaes educacionais e os cursos de formao dos profissionais

    da infncia: impactos, ambigidades e perspectivas..................................53 CAPTULO 2 - O contexto das Creches santistas e suas profissionais-docentes 71 2.1 - Caminhos e descaminhos da implantao das Creches geridas

    diretamente pela administrao municipal de Santos ............................71 2.2 - A configurao das Creches Municipais santistas nos dias atuais ............80 2.3 - Os dados coletados a partir do questionrio: uma viso mais

    aprofundada do segmento Monitor de Creche .........................................88 2.3.1 - Os dados de identificao pessoal e profissional das Monitoras

    de Creche. ...................................................................................90 2.3.2 - A experincia de trabalho e a formao escolar das Monitoras

    de Creche ....................................................................................97 2.4 - A Creche Casa da Criana: um relato das observaes realizadas. ...... 111 2.4.1 - Caractersticas gerais da instituio........................................... 111 2.4.2 - A organizao do ambiente: o espao o tempo e a

    intencionalidade educativa ....................................................... 113 2.4.3 - A interao adulto -criana e adulto-adulto: inter-relaes. ..... 121 2.5 - A opinio das Monitoras de Creche sobre sua formao acadmica e a

    relao dessa com a prtica educativa no trabalho com as crianas pequenininhas: a escuta do sujeito da pesquisa ................................. 124

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    CAPTULO 3 - A relao social entre a forma da Creche, a prtica educativa das profissionais-docentes que nela atuam e sua formao acadmica.................................................................................................. 146

    3.1 - A forma escolar e a forma da Creche: regularidades e singularidades ..................................................................................... 146

    3.1.1 - A organizao da escola e a organizao da Creche: diferenciando as formas ....................................................... 147

    3.2 - Os cursos de Pedagogia e a singularidade do trabalho em Creche: uma identidade profissional em construo .......................................... 159

    CONSIDERAES FINAIS............................................................................... 170 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.................................................................. 174 ANEXOS ............................................................................................................ 184 APNDICES ...................................................................................................... 199

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    LISTA DE SIGLAS

    ADI - Auxiliar de Desenvolvimento Infantil. ANPEd - Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao. ANFOPE - Associao Nacional pela Formao dos Profissionais da Educao. ANPAE - Associao Nacional de Poltica e Administrao da Educao. AI-5 - Ato Adicional n 05. CODESP - Companhia Docas do Estado de So Paulo. COEDI - Congresso Paulista de Educao Infantil. CLT - Consolidao das Leis do Trabalho. CNE/CP - Conselho Nacional de Educao / Conselho Pleno. CNE/CES - Conselho Nacional de Educao / Conselho de Ensino Superior. DEPLAN - Departamento de Planejamento Educacional da Secretaria Municipal

    de Educao de Santos. DEPED - Departamento Pedaggico da Secretaria Municipal de Educao de

    Santos. CEB - Cmara de Educao Bsica. CEBS - Cmara de Educao Superior. CP - Conselho Pleno DNC - Departamento Nacional da Criana. D.O.U - Dirio Oficial da Unio. DSN - Doutrina Brasileira de Segurana Nacional. DC - Desenvolvimento de Comunidade. DNCr - Departamento Nacional da Criana. DEPAC - Departamento de Ao Comunitria. EJA - Educao de Jovens e Adultos. EMEI - Escola Municipal de Educao Infantil. ECA - Estatuto da Criana e do Adolescente. FUNDEF - Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e

    Valorizao do Magistrio. FORUMDIR - Frum de Diretores das Universidades Pblicas do Pas. - Form Nacional em Defesa da Formao do Professor. IPAI - Instituto de Proteo e Assistncia Infncia. INSS - Instituto Nacional de Seguridade Social. L.D.B.E.N. - Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional. L.D.B. - Lei de Diretrizes e Bases.

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    LOAS - Lei Orgnica da Assistncia Social. MEC - Ministrio da Educao e Cultura. MDB - Movimento Democrtico Brasileiro. OMNI - Servio Nacional para a Maternidade e Infncia. ONU - Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura. PMDB - Partido Movimento Democrtico Brasileiro. PMS - Prefeitura Municipal de Santos PNE - Plano Nacional de Educao. PROFIC - Programa de Formao Integral da Criana. PT - Partido Trabalhista. RCN-EI - Referencial Curricular Nacional para a Educao Infantil. RH - Recursos Humanos. SEAC - Secretaria de Ao Comunitria. SEDUC - Secretaria Municipal de Educao de Santos. TCC - Trabalho de Concluso de Curso. UME - Unidade Municipal de Educao. UNICEF - Fundo das Naes Unidas para a Infncia. UNESCO - Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a

    Cultura. UNIMONTE - Centro Universitrio Monte Serrat.

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    LISTA DE TABELAS

    TABELA 01 - Creches Municipais da Secretaria de Educao de Santos ...........81 TABELA 02 - Proporo Monitora de Creche-criana e dimenso espao-

    quantidade .....................................................................................85 TABELA 03 - Nmero de Monitoras por Creche ..................................................86 TABELA 04 - Nvel de escolaridade das Monitoras de Creche ..........................105

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    LISTA DE GRFICOS

    GRFICO 01 - Porcentagem de questionrios respondidos ...............................90 GRFICO 02 - Dados de identificao sobre a idade das profissionais ..............92 GRFICO 03 - Porcentagem em relao ao estado civil das entrevistadas ........93 GRFICO 04 - Local de nascimento das Monitoras de Creche ...........................93 GRFICO 05 - Declarao de cor das profissionais-docentes .............................94 GRFICO 06 - Tipo de moradia ...........................................................................95 GRFICO 07 - Cidade onde moram ....................................................................96 GRFICO 08 - Situao funcional das Monitoras de Creche ...............................97 GRFICO 09 - Ano de ingresso na PMS..............................................................98 GRFICO 10 - Tempo de experincia como Monitora de Creche de PMS ..........99 GRFICO 11 - Exerceu outro trabalho antes de ser Monitora de Creche?...... ..101 GRFICO 12 - Experincia com crianas antes de ser Monitora de Creche......102 GRFICO 13 - Como adquiriu sua experincia como Monitora de Creche? ..... 104 GRFICO 14 - Em sua funo, do que menos gosta?....................................... 108 GRFICO 15 - Pretende mudar de cargo? ........................................................ 110

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    LISTA DE ANEXOS

    ANEXO 01 - Organograma Secretaria de Educao ......................................... 185 ANEXO 02 - Organograma atual da Secretaria de Educao ........................... 186 ANEXO 03 - O Parqueano................................................................................. 187 ANEXO 04 - Quadro de disciplinas do curso de Pedagogia da UNIMONTE ..... 195

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    LISTA DE APNDICES

    APNDICE 01 - Modelo de carta de apresentao e questionrio ................. 200 APNDICE 02 - Roteiro de observao das prticas educativas das

    Monitoras de Creche da Casa da Criana .......................................... 204 APNDICE 03 - Roteiro para entrevista semi-aberta com as Monitoras de Creche

    ........................................................................................................ 205 APNDICE 04 - Relao de TCCs .................................................................... 206

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    INTRODUO

    No Brasil, atualmente, a Educao Infantil e a formao dos profissionais-

    docentes que atuam nesse segmento esto assumindo uma posio diferenciada

    no cenrio educacional, resultado de movimentos sociais e das conquistas

    polticas de mulheres que conduziram a educao das crianas pequenas, at

    seis anos condio de direito estabelecido.

    Diante de um cenrio poltico que de certa forma sintetiza dcadas de lutas

    femininas, o perfil da profissional-docente1 que trabalha com a criana pequena

    merece ser investigado de perto. Este fato se deve percepo de uma questo

    que vem sendo constatada em vrias regies do pas e que diz respeito grande

    diversidade de trajetrias pessoais e profissionais entre as pessoas que

    trabalham diretamente com crianas neste nvel, cada vez mais considerado

    tambm, um nvel de ensino, o que tem mobilizado opinies favorveis e

    desfavorveis escolarizao do cotidiano de crianas pequenininhas.

    Alm disso, pode-se afirmar que a utilizao da expresso profissional-

    docente de Creche, ao mesmo tempo que reconhece o significativo carter

    educacional de seu trabalho, considerado um ato docente, tambm demonstra a

    suscetibilidade da forma da Creche forma da escola.

    As profissionais supramencionadas ingressaram nesse campo de atuao

    em momentos histricos variados, incorporando diversas concepes de criana

    e funes de Creche que predominavam em contextos sociopolticos

    1 Apesar da regra gramatical exigir que se use o masculino genrico quando houver um ou mais homens, optou-se por utilizar o gnero feminino nas expresses ou palavras que indicam as profissionais-docentes de Creche por serem as mesmas a grande maioria e por representarem um grupo que se constituiu no contexto do movimento feminino de luta pelo direito a Creche.

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    diferenciados.

    Aps a promulgao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    n. 9394/96, que finalmente transferiu a responsabilidade do mbito da

    Assistncia Social sobre as crianas pequenas deste nvel de ensino para a

    esfera da Educao, as mesmas profissionais se vem seguidamente obrigadas a

    cursar o Normal em ensino mdio e, conforme a poltica do municpio em que

    esto, o ensino superior, mais especificamente o curso de Pedagogia, pr-

    requisito para continuar exercendo uma funo que at recentemente realizavam

    estando munidas de um capital cultural (Bourdieu, 1998) considerado suficiente

    para a tarefa que desempenhavam.

    Dissemina-se, de certa forma, o pressuposto de que novas polticas de

    formao profissional construiro um novo perfil da Profissional de Creche.

    Diante do exposto, possvel questionar qual a influncia dessa nova

    formao acadmica na prtica educacional da educadora da criana

    pequenininha. Para tanto, faz-se necessrio levar em considerao a

    necessidade de matizar as diversas opinies que recaem sobre a formao da

    profissional-docente de Creche, especialmente as opinies das Monitoras de

    Creche, termo utilizado pela Secretaria de Educao de Santos para designar a

    funo e objeto desta investigao.

    No municpio de Santos, Estado de So Paulo, palco histrico de muitas

    lutas polticas, encontra-se um terreno frtil para tal pesquisa. Mesmo antes da

    promulgao da L.D.B.E.N. n. 9394/96, polticas locais que tinham por objetivo o

    atendimento de questes sociais, trouxeram algumas conseqncias ao seu

    panorama educacional. Uma delas foi o aumento do nmero de Creches geridas

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    diretamente pela administrao municipal.

    A histria da implantao de Creches Municipais geridas diretamente pela

    Prefeitura de Santos relativamente recente. At 1988, havia apenas uma

    Creche Municipal, vinculada Secretaria de Assistncia Social. Em 1993, o

    nmero de Creches Municipais foi ampliado para sete. Tambm nessa poca,

    essas instituies passaram a ser de responsabilidade da Secretaria Municipal de

    Educao. Algumas dessas instituies que atendiam a faixa etria de at seis

    anos, e quando a L.D.B.E.N. foi promulgada, passaram a atender exclusivamente

    as crianas de at 3 anos de idade. Atualmente, conta-se com 18 unidades

    funcionando.

    Outra conseqncia provocada pela Lei est relacionada ao oferecimento,

    por parte do Poder Pblico local, da oportunidade das Monitoras de Creche

    estatutrias-efetivas, que possuam apenas o ensino mdio, obterem formao

    em nvel superior, no curso de Pedagogia. Alis, mais do que uma concesso do

    Poder Pblico, trata-se de uma conquista, j que essa possibilidade vinha sendo

    reivindicada h alguns anos pelas referidas profissionais.

    As Creches da Rede direta do Municpio de Santos contam com um corpo

    de funcionrios formado por Equipe Tcnica, que, at 2005, compunha-se de

    Diretor e Coordenador Pedaggico, e que, a partir deste ano, teve o reforo de

    um Assistente de Direo. Ainda trabalham funcionrios da limpeza, do

    administrativo, como auxiliares administrativos, e monitoras de creche. O quadro

    de monitoras de Creche atualmente compe-se de um total de 598 monitores2,

    sendo que, desse nmero, 50 monitoras foram contratadas aps julho de 2005 e

    2 Importa ressaltar que, enquanto a instituio Creche esteve subordinada Assistncia Social, no era considerada um nvel de ensino.

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    30 esto cedidas para outros postos de trabalho ou encontram-se prestando

    servio na Secretaria de Educao ou, ainda, esto readaptadas, sem sede em

    Creche. Dessa forma, atualmente temos 518 profissionais atuando nas Creches

    Municipais como Monitoras de Creche.

    Para atender a lei n. 10.172/2001, que trata do Ensino Fundamental de 9

    anos e que recentemente foi incorporada pela L.D.B.E.N., por meio da lei 11.274

    de 06 de fevereiro de 2006, o municpio de Santos promoveu este ano o

    remanejamento do grupo de crianas da faixa etria pertencente ao nvel Infantil

    IV, que foi acomodado ora em Pr-escolas, ora em Creches, conforme a

    localizao, o espao fsico das instituies e a demanda da clientela da regio. O

    mesmo aconteceu com as crianas de 6 anos, que ora esto sendo acomodadas

    na Pr-escola, ora na escola de Ensino Fundamental.

    Em grande parte por esse motivo, mas tambm com o propsito de

    desmistificar o carter assistencialista da instituio Creche e o carter

    preparatrio da Pr-escola, a Secretaria Municipal de Educao props a

    alterao das nomenclaturas utilizadas nas Unidades de Ensino. Assim, com a

    aprovao da medida na Cmara dos Vereadores, todas as Creches Municipais

    de Santos, bem como Pr-escolas e escolas de Ensino Fundamental, passaro a

    chamar-se Unidades Municipais de Educao (UME). Tal medida j foi aprovada

    pela Cmara dos Vereadores da cidade, mas no foi ainda publicada.

    Com relao ao trabalho educativo das Monitoras de Creche, essas no

    possuem espao para reflexo coletiva, sendo que os Coordenadores

    Pedaggicos aproveitam a hora do sono das crianas para realizar reunies,

    revezando os grupos de estudo, ou seja, enquanto um grupo assiste reunio, o

    outro toma conta das crianas durante o horrio do sono. Esse aspecto dificulta o

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    processo de reflexo coletiva e de troca de experincias entre os profissionais.

    Muitos profissionais que estudam as questes relacionadas Creche, entre

    eles, Flvia Rosemberg e Maria Malta Campos e, ainda, o prprio MEC, no

    documento intitulado Critrios para um Atendimento em Creches que respeite os

    Direitos Fundamentais das Crianas (1997), destacam a importncia da

    formao em servio dos profissionais e de condies favorveis para seu

    aperfeioamento pessoal, educacional e profissional para o estabelecimento de

    uma poltica de Creche comprometida com o bem-estar e o desenvolvimento da

    criana. Aponta-se para a necessidade de encontrar um novo espao de reflexo

    coletiva, que oferea condies profissionais dignas tanto para as profissionais

    como para a segurana das crianas.

    Com relao aos registros do trabalho, as monitoras tm por obrigao

    preencher documentao relativa freqncia da criana, acompanhar e executar

    o roteiro de planejamento estabelecido pela Secretaria Municipal de Educao,

    adaptando-o caso seja necessrio, e ainda preencher a ficha individual de

    avaliao/observao da criana semestralmente, conjuntamente com a monitora

    que trabalha com a mesma criana no perodo contrrio. Tal fato demonstra que a

    forma escolar tem exercido grande influncia na forma da creche, dando

    monitora de Creche encargos burocrticos que so comumente dados aos

    professores na escola.

    Quanto formao das profissionais docentes que trabalham diretamente

    com as crianas pequenas - as Monitoras de Creche -, inicialmente apenas

    necessitavam gostar de crianas para serem contratadas. Havia a coexistncia de

    diferentes realidades de formao. Algumas possuam apenas o antigo primrio,

    outras concluram o 1o grau, outras o 2o grau e outras possuam o antigo curso de

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    Magistrio. Uma pequena minoria possua certificado do curso de Pedagogia ou

    outros cursos universitrios.

    Atualmente, as profissionais que ingressam para trabalhar na Creche,

    diretamente com crianas pequenas, ainda tm como exigncia a apresentao

    do certificado de concluso do ensino mdio.

    A Secretaria de Educao vem oferecendo o curso Normal em nvel mdio,

    cuja durao de dois anos, para as profissionais contratadas, na nica Escola

    Municipal de Ensino Profissionalizante. O curso oferece apenas as disciplinas

    especficas do Magistrio e oferecido nos perodos matutino, vespertino e

    noturno. O referido curso tambm tem suprido a demanda das profissionais que

    trabalham em entidades conveniadas e particulares e que no possuem

    condies financeiras para cursar o ensino superior.

    s profissionais estatutrias-efetivas, a Secretaria Municipal de Educao

    ofereceu, aps movimentos de reivindicao das mesmas, o curso de Pedagogia.

    A grande maioria formou-se no final de 2004 e no 1 semestre de 2005.

    Contudo, o poder pblico ainda no exige a formao estabelecida na

    LDBEN n. 9394/96, desde o ingresso da profissional na referida rede municipal de

    ensino, pois o seu estatuto ainda no foi alterado. Esse fato tem causado

    contnuas discusses na rede, pois, por um lado, as monitoras que concluram o

    ensino superior sentem-se desvalorizadas profissional e financeiramente,

    ameaando deixar o cargo assim que possvel, prestando concurso para

    professor. Por outro, questionam o trabalho das profissionais recrutadas sem a

    certificao adequada, afirmando que as mesmas se encontram desqualificadas

    para exercer a funo de monitora de Creche.

  • 22

    O breve relato sobre a formao dessas profissionais permite inferir que

    at o presente momento grande parte das que esto atualmente em funo foram

    recrutadas sem que o critrio de formao profissional e da graduao escolar

    tivesse pesado mais do que qualquer outro critrio. O cuidado com a criana

    pequena est predominantemente sob a variao de modelos diferentes de

    formao, de concepo de Creche e mesmo de servios para a infncia.

    A diversificao nas trajetrias das profissionais recrutadas para trabalhar

    nas Creches faz com que essa instituio, a Creche, seja depositria de inmeras

    experincias de aquisio de saberes relacionados ao termo cuidar-e-educar3,

    que deve tomar a criana pequenininha como ponto de partida para a formulao

    das propostas pedaggicas (Kuhlmann Jr., 2003). O que cabe indagar como tal

    diversificao nas experincias concretas de sujeitos concretos interferiu na

    aquisio da prtica educativa de cada um. E mais especificamente, no caso das

    profissionais que se formaram no curso superior, e que sero alvo desta

    pesquisa, como os conhecimentos adquiridos no referido curso de Pedagogia

    influenciaram no seu hipottico novo fazer ou nova prtica educativa.

    Existem informaes suficientemente dispostas, porm desorganizadas,

    para que se possa indagar sobre os elementos constitutivos dessas prticas,

    sobre suas origens e seus processos de cristalizao enquanto conhecimento

    prtico da profissional de Creche. Contudo, necessrio ter clareza sobre os

    itinerrios sociais que transferiram uma espcie de saber cuidar da sociedade

    para a Creche, ou seja, a criana, a Creche e seus profissionais docentes fazem

    3 Em alguns lugares tenta-se substituir o termo educar-e-cuidar, pela expresso inglesa educare, utilizada por Abbott, Roger e Pugh (Formosinho, 2002), para defender a interligao profunda entre cuidados e educao, alargando o papel do educador em comparao com o papel dos professores de outros nveis de ensino. Contudo, Kuhlmann Jr. (2003, p. 60) adverte que adotar esse termo esvazia seu sentido e repe a polarizao ao invs de manter a unidade. Educar

  • 23

    parte da histria social da infncia, bem como da histria do movimento feminista,

    das mobilizaes de parte da esquerda e do sindicalismo no Brasil, e nada nesse

    processo aconteceu ao acaso.

    Faz sentido problematizar a formao que a academia tem oferecido aos

    educadores da infncia, os quais possuem uma prtica educativa prpria no

    com o intuito de romantizar um saber acumulado e, em decorrncia, proceder

    valorizao do prtico sobre o terico. Ocorre que a Creche possui uma forma

    institucional peculiar que no deve tomar a forma escolar propriamente dita como

    seu sucedneo imediato.

    Na opinio de Kuhlmann Jr. (2003, p. 57), j que a Educao Infantil faz

    parte da educao bsica, mas no obrigatria, seria errado engess-la nos

    moldes do Ensino Fundamental, num contexto preparatrio e propedutico.

    Assim, o que se pretende nesta pesquisa chamar a ateno para os

    aspectos peculiares da forma da Creche que devem ser refletidos e

    ressignificados nos cursos universitrios de formao de educadores da infncia,

    descartando a tendncia que ainda hoje existe de escolarizao da Educao

    Infantil como se fosse uma instituio preparatria para o Ensino Fundamental ou

    simplesmente compensatria de carncias e deficincias advindas da famlia.

    Diante do panorama acima exposto, possvel apreender um novo

    contexto no qual a Educao Infantil, em especial a Creche, apresenta

    significativos desafios para a pesquisa. Um dos pressupostos bsicos que

    alicera a pesquisa em andamento que no adequado projetar reformas nas

    instituies relacionadas criana pequena sem conhecer qual a opinio

    algo integrado ao cuidar. Da a importncia de se utilizar elos entre as duas palavras: educar-e-cuidar.

  • 24

    daqueles que esto construindo o dia-a-dia das Creches, ou seja, sem saber da

    experincia das profissionais que apresentam uma prtica considerada, at ento,

    adequada para a funo de Monitora de Creche. H que se ter em conta o que

    pensam a respeito do trabalho que realizam.

    igualmente necessrio saber se h mesmo, como se supe com certa

    rapidez, complementaridade entre os contedos que adquirem no curso de

    Pedagogia e as demandas prprias da instituio Creche.

    O quadro atual permitiria apresentar a hiptese de que a certificao

    obtida, mais do que uma estratgia de aperfeioamento, se afiguraria como

    convite para deixar a Creche, reafirmando a pouca valorizao dada profisso,

    o que a pesquisa emprica colocou em dvida em alguns momentos. Outra

    hiptese diz respeito s diferenas entre a forma escolar e a forma da Creche,

    que aparentemente esto sendo desconsideradas tanto na reorganizao do

    trabalho cotidiano quanto e, principalmente, na formao acadmica da referida

    profissional.

    As diferenas entre a forma escolar e a forma da Creche aparentemente

    esto sendo desconsideradas tanto na reorganizao do trabalho cotidiano

    quanto na formao acadmica da referida profissional.

    Considerando que o presente estudo tem por objetivo geral verificar o

    impacto da formao em nvel superior sobre as prticas das Monitoras de

    Creche estatutrias-efetivas, no cotidiano das Creches Municipais, foi adotado um

    variado procedimento de pesquisa, mesclando diferentes tcnicas de abordagem,

    a saber: questionrio, que foi distribudo aos 518 monitores de Creche;

    observao do cotidiano da instituio baseada na permanncia nos locais e na

    reconstituio de passos trilhados; organizao de entrevistas semi-estruturadas,

  • 25

    procurando investigar aspectos da formao acadmica que esto influenciando a

    prtica educativa dessas profissionais-docentes de Creche. Pretendeu-se, dessa

    forma, averiguar o qu e como esta formao influenciou e modificou o fazer

    das mesmas.

    A reviso bibliogrfica no processo de pesquisa foi realizada adotando-se o

    critrio mencionado por Brando (2002, p. 33), que adverte que, no que toca

    dosagem da leitura terica, que as teorias so hipteses para a interpretao da

    realidade e que servem de roteiro de explicitao das referncias que podem ser

    modificadas ou reafirmadas conforme a realidade empiricamente observada.

    Quanto ao questionrio, aplicado acatou-se o postulado de Goode e Hatt

    (1972), segundo o qual cada inqurito deve conter um nmero restrito de

    informaes devido ao tempo exguo de realizao, sendo que cada item do

    questionrio constitui uma hiptese ou uma parte de uma hiptese. Levando-se

    em considerao que o questionrio no foi o nico procedimento desta pesquisa,

    tentou-se agrupar as questes em trs reas principais: dados pessoais,

    experincia profissional e formao escolar. Iniciando por questes neutras, mas

    que tm relao com o tema principal. Obedeceu-se, ainda, a uma seqncia

    lgica ao passar de uma pergunta para outra.

    Optou-se tambm pelo trabalho com entrevistas abertas, terminologia

    utilizada por Andr (1995), ou no-estruturadas, terminologia utilizada por

    Brando (2002). Segundo Brando (2002, p. 39), as entrevistas precisam apoiar-

    se em categorias que so como ms agregadores de informaes, que

    asseguraro a consistncia dos dados e potencializaro a anlise e

    interpretao dos mesmos. Considerando as peculiaridades da pesquisa que se

    apresenta, a indagao organizadora que rege o dilogo com as personagens

  • 26

    aqui postas em cena, indagao da qual todas as demais derivam, a que

    interroga sobre a experincia de aprendizado que as Monitoras de Creches

    estatutrias-efetivas tiveram no curso superior de Pedagogia e, ao mesmo tempo,

    o que consideram sobre a prpria prtica que realizam cotidianamente nas

    Creches Municipais.

    Procurou-se, ao pesquisar as prticas dessas profissionais, desvendar as

    artes de fazer das Monitoras de Creche, estudando os procedimentos e as

    astcias utilizadas por elas na reapropriao do espao organizado pela

    ...economia cultural dominante usando inmeras e infinitesimais metamorfoses

    da lei, segundo seus interesses prprios e suas prprias regras (Certeau, 1994,

    p. 40).

    Como foi dito anteriormente, para que se estabelea a ponte entre os

    dados coletados nas entrevistas e a prtica docente, o procedimento de pesquisa

    mais adequado a observao. A observao participante, como chamada por

    Andr (1995, p. 28), parte do pressuposto de que o pesquisador tem sempre um

    grau de interao com a situao, afetando-a e sendo afetado por ela, mas,

    principalmente, buscando novas formas de entender a realidade.

    Em relao s protagonistas dessa pesquisa, o primeiro critrio de

    abordagem foi o do dilogo aberto com controle informal para que no ocorresse

    evaso do tema. O dilogo entre investigadora e investigadas foi complementado

    com questes previamente estruturadas que, mesmo passveis de modificao

    conforme o dilogo demandasse, organizaram a coleta de dados para tratamento

    qualitativo e verificao de tendncias entre as respostas.

    Quanto seleo do local e das entrevistadas, a partir do retorno das

    respostas dos questionrios, selecionou-se uma das dezoito Creches Municipais,

  • 27

    a Creche Casa da Criana, cujas Monitoras de Creche so em sua maioria

    estatutrias-efetivas4, formadas, no final de 2004 ou no 1o semestre de 2005, no

    curso de Pedagogia da entidade que a Prefeitura e a Secretaria de Educao

    firmaram convnio.

    Acredita-se que, por meio dos procedimentos aqui delineados, a pesquisa

    em questo ofereceu dados significativos para a interpretao e compreenso de

    uma realidade que vem se configurando no apenas no interior das Creches

    santistas, mas em vrios locais onde a educao de crianas pequenas tem

    ocupado o cenrio como nunca antes o fizera.

    O trabalho est organizado em quatro partes. No captulo I, pretenderam-

    se resgatar os caminhos e descaminhos histricos da Educao Infantil Brasileira,

    explicitando as modificaes ocorridas aps a L.B.D. n. 9394/96, tanto no interior

    da Creche, como na formao do profissional que nela atua. Esse exame histrico

    da institucionalizao da educao da criana pequena no contexto mundial e

    brasileiro, bem como a anlise das inovaes trazidas pela L.D.B. n. 9394/96, no

    que tange a esse nvel de ensino e ao que se refere formao dos profissionais

    que nela atuam, permitiu obter informaes sobre as instituies de Educao

    Infantil, no que diz respeito ao plano macroanaltico, constatando, dessa forma, a

    ao das polticas pblicas sobre o histrico de suas transformaes. Contudo,

    esse estudo no foi suficiente para iniciar a complexa reflexo sobre a instituio

    Creche e seus profissionais. necessrio considerar os aspectos microanalticos

    que dizem respeito s suas prticas e formas, constatando as regularidades, as

    singularidades e as diferenas entre a estrutura da escola e da forma da Creche.

    4 Essa escolha deveu-se ao fato de a pesquisa investigar o impacto da formao em nvel superior sobre a prtica das Monitoras de Creche estatutrias-efetivas.

  • 28

    Para trazer tona esse panorama, o captulo II buscou proporcionar ao

    leitor um mergulho no contexto das Creches santistas, trazendo elementos

    resgatados a partir do questionrio, da observao e da entrevista semi-

    estruturada, para caracterizar as profissionais-docentes que nela atuam. O

    captulo III aprofundou-se no plano microanaltico, diferenciando a forma da

    Creche da forma escolar e refletindo sobre questes importantes da formao

    acadmica da profissional da infncia.

    Aps percorrer esse caminho, possvel constatar que a educadora da

    infncia se depara com uma realidade em construo, na qual os planos macro e

    microanalticos condicionam suas prticas no cotidiano da Creche.

    O que se pretende demonstrar com os dados desta pesquisa a relao

    entre as prticas e a formao acadmica dessas educadoras de crianas

    pequenas, ou seja, a relao prtica- teoria- prtica, tentando averiguar a opinio

    que est sendo construda no dia-a-dia das Creches, entre as profissionais-

    docentes que apresentam um fazer considerado adequado para a funo de

    monitor de Creche.

    Por fim, verificou-se, ainda, como as diferenas entre a forma escolar e a

    forma da Creche esto sendo identificadas e levadas em considerao no

    trabalho cotidiano e na formao acadmica da referida profissional.

  • 29

    Captulo I - A Educao Infantil no contexto mundial e nacional: lutas, tenses e conquistas.

    A histria o exerccio de memria realizado para compreender o presente e para nele ler as possibilidades do futuro... (Franco Cambi, 1999)

    1.1 Infncia, instituies e seus profissionais: a histria de muitas

    histrias

    Ao iniciar os estudos sobre o profissional docente de Creche, deve-se levar

    em considerao o que afirma Kulhmann Jr. (1998, p.13) sobre a importncia de

    se examinar a dimenso histrica para uma melhor compreenso das atuais

    questes relacionadas Educao Infantil, as quais no devem ser pensadas

    sem envolver uma profunda reflexo ancorada tanto na prtica educativa quanto

    nos resultados das pesquisas na produo terica. No se pode desconsiderar

    uma histria construda ao longo de mais de um sculo de existncia, com

    marcas prprias nas instituies infantis brasileiras e, conseqentemente, com

    marcas nas trajetrias das profissionais docentes que nela atuam.

    A apreciao da constituio e consolidao da instituio Creche, aliada

    s prticas educativas que ocorrem em seu interior, convida a revisitar a histria

    da instituio, relacionando-a histria da educao, da Pedagogia, da infncia,

    da mulher, da famlia e dos cursos de formao de professores. Todas essas

    histrias misturam-se e se configuram em uma nova luta pelo reconhecimento da

    relevncia de uma educao de qualidade para a criana pequena.

    Alm do mais, importante mencionar que esses fatos fazem parte do

  • 30

    patrimnio poltico da militncia da esquerda e dos movimentos feministas em

    muitas cidades do Brasil e em muitos pases do mundo. Manaconda (2001, p.

    303) afirma que a expanso da educao de modo geral, por meio de escolas e

    de modelos pedaggicos diferenciados, bem como a luta pela emancipao das

    classes populares e das mulheres seguem pari passu.

    Tal situao no poderia ser diferente quando se descreve a histria da

    Creche, de seus modelos de cuidado-e-educao e de suas profissionais

    docentes. Pode-se dizer que a instituio social Creche, tpica instituio pobre

    para atender s demandas da pobreza , ao mesmo tempo, um ganho poltico.

    Essa conquista se consolida no interior das lutas dos movimentos feministas,

    sindicais e da esquerda, apesar de muitas vezes ter sido tratada ideologicamente,

    como uma ddiva promovida pelos governantes.

    Contudo, importante destacar a diferena da histria da Creche em

    relao histria da Pr-escola e naturalmente, em relao histria da escola.

    Ao examinar a literatura sobre o assunto, constata-se um predomnio visvel da

    descrio de dados sobre a Pr-escola. Acredita-se que uma das principais

    justificativas para essa ocorrncia advm do fato de as Creches, at pouco tempo

    atrs, no serem consideradas parte da estrutura da rea da Educao, sendo

    que so raros os relatos preocupados com a educao das crianas pequenas,

    menores de 3 anos de idade.

    Haddad (1991) mostra que a instituio social que denominamos Creche

    surgiu durante o sculo XIX, nos pases norte-americanos e europeus, com o

    triunfo da burguesia e a revoluo industrial que modificou as condies e

    exigncias da formao humana. Os ideais burgueses suscitam uma viso

    paternalista da educao, ou seja, defendem a educao do povo para evitar

  • 31

    desordens sociais.

    A Pedagogia, neste contexto histrico, social e econmico, desempenhou

    papel poltico significativo, tendo, segundo Manacorda (2001), a tarefa de

    sistematizao terica das diferentes correntes pedaggicas.

    Cambi (1999, p. 407) afirma que, no terreno das Pedagogias populares,

    encontram-se desde Pedagogias com contedos reformistas at as

    revolucionrias. A ideologizao da Pedagogia notada em todas as grandes

    correntes que tm como bandeira diferentes modelos de formao do homem.

    Para os adeptos do positivismo, o papel da educao conformar o sujeito para o

    equilbrio de uma sociedade. J, para os socialistas, a Pedagogia deveria ser

    entendida como liberao/emancipao, como superao dos limites da histria

    da formao humana e sua potencializao para todos, numa sociedade sem

    diviso de classes e sem trabalho alienado.

    Entre as correntes mais tcnicas e filosficas do fazer Pedagogia

    relacionadas educao da infncia, neste perodo, Cambi (1999, p.412) destaca

    a corrente romntica, que, com Froebel, atingiu o seu pice. Froebel, criador dos

    Jardins-de-infncia ou Kindergarten como eram chamados originalmente,

    acreditava na funo educativa pela arte, que, na infncia, traduzida como jogo,

    reforando a fantasia e desenvolvendo as capacidades cognitivas da criana.

    Essa corrente pedaggica tem a influncia do romantismo alemo, que produziu

    profunda renovao terica, ligada a uma nova concepo do esprito humano, da

    cultura, da histria e tambm de uma reafirmao da relao educativa da escola

    e da famlia como momentos centrais de toda a formao humana.

    Entre os socialistas utpicos, a educao concebida como emancipadora,

    igualitria e antiautoritria, sendo Fourier e Owen seus representantes mais

  • 32

    originais. Fourier, segundo Cambi (1999, p.480), critica o autoritarismo da famlia

    e o trabalho exclusivamente intelectual para a criana pequena.

    Robert Owen pode ser considerado um exemplo do empresrio

    preocupado com as condies sociais de seus empregados e, por isso, foi

    denominado por Marx como terico burgus progressista. Fundou na Esccia a

    escola infantil que, segundo Manaconda (2001, p. 280), fazia parte do Instituto

    para Formao de Crianas com Bons Hbitos Prticos. Desenvolveu uma escola

    renovada, cuja educao estava voltada para o trabalho e integrada com

    atividades fsicas e ldico-estticas.

    Na Itlia, no sculo XIX, ocorre a gradativa pedagogizao da sociedade,

    com a consolidao da famlia nuclear como instituio educativa primria e

    natural, veiculando-se propostas de mudanas de hbitos de criao.

    Contudo, antes da criao dos Jardins-de-infncia, Cambi (1999, p. 495)

    refere-se a uma outra iniciativa para acolhimento de crianas pequenas das

    classes populares. So as salas de custdia, instituies alternativas para a

    guarda dos filhos durante as horas de trabalho da mulher nas fbricas. Nessas

    instituies, organizadas por particulares ou pela Igreja para exercerem um papel

    de vicariato em relao famlia, trabalhavam profissionais com pouca

    preparao, que distraam as crianas com jogos e oraes.

    Aps esta experincia, Lambruschini, influenciado pelas ideais de

    Pestalozzi e Froebel, interessou-se na organizao de abrigos infantis. Outro

    Italiano chamado Ferrante Aporti abriu, em 1829, em Cremona, o primeiro abrigo

    infantil. Denominados Escolas Infantis para pobres, eram abertos crianas com

    idade entre dois anos e meio e seis anos e eram inspirados no mtodo intuitivo de

    Pestalozzi e em Girard, no que diz respeito educao lingstica. Com o objetivo

  • 33

    final orientado para formao moral e noes de higiene por meio do mtodo

    demonstrativo, eram vistos como alternativa mendicncia das crianas pobres

    da cidade.

    Para Cambi (1999, p. 464), Mayer ousou, afirmando que os abrigos

    infantis eram tambm uma instituio social estritamente relacionada a outras

    instituies contempladas pela economia social. O estudioso acreditava que, ao

    mesmo tempo em que a referida instituio para a educao infantil impunha um

    sentido coercitivo para as famlias, tentando eliminar a corrupo social e a

    indiferena para o trabalho, poderia ser fator de emancipao social das classes

    subalternas.

    Algum tempo depois, os abrigos mudaram de forma, surgindo os Jardins-

    de-infncia, que contriburam significativamente para o avano da cincia da

    prtica pedaggica.

    J naquela poca, o papel das mulheres empenhadas na educao do

    povo conquistou lugar de destaque. Um exemplo Emily Bliss Gould que, assim

    como Aporti, acreditava numa educao para o povo que os mantivesse longe da

    fatal armadilha do comunismo (Manacorda, 2001). Ao contrrio dos pensamentos

    de Gould e em comunho de idias com a baronesa Blow, discpula de Froebel,

    Helena Raffalovich Comparetti doou seu patrimnio para a fundao de um

    Jardim-de-infncia em Veneza, sob a superviso do pedagogo Adolfo Pick. A

    instituio deveria ser paga para as crianas ricas, e gratuita, para as crianas

    pobres. Contudo, em 1883, a Prefeitura de Veneza acusa o mtodo de Froebel de

    ateu e materialista, afastando Pick da direo e empreendendo modificaes na

    instituio.

    Outra alternativa para os abrigos infantis foi a Casa del Bambini ou Casa

  • 34

    das Crianas, proposta na Itlia, em 1902, por Maria Montessori. Inicialmente a

    Casa das Crianas foi idealizada para a educao de crianas anormais5, mas

    aos poucos percebeu-se que sua Pedagogia poderia ser aplicada a outras

    crianas. Tinha por objetivo preparar a criana para um livre crescimento moral e

    intelectual, utilizando um material cientfico especialmente construdo e

    estimulando o seu crescimento por meio do jogo.

    Em contrapartida a Froebel e a Maria Montessori, Agazzi, tambm na Itlia,

    elaborou um mtodo pessoal e inovador para a educao da criana pequena.

    Agazzi acreditava na continuidade entre o abrigo infantil e o ambiente familiar,

    devendo a educadora assumir um papel quase maternal. Seu mtodo colocava a

    criana como centro do processo educativo, que deveria ser ativo e colaborativo.

    Utilizava materiais no-preordenados, que definia como um conjunto de

    bugigangas sem patente.

    Nos primeiros anos do sculo XX o desenvolvimento da escola nova

    destaca-se como um grande e generalizado movimento de defesa da

    democratizao da educao, que tem em Ferrire um dos seus maiores

    defensores.

    Na segunda metade do sculo XX, a Pedagogia, assim como o mundo,

    dividiu-se em dois blocos contrapostos determinando a identidade de um

    Terceiro Mundo. Um dos movimentos, denominado inovador, estava relacionado

    escola ativa e inspirado no norte-americano John Dewey. O outro era o

    movimento socialista, inspirado nas teses de Marx. Nos pases com regimes

    facistas, assiste-se ao reflorescimento da Pedagogia catlica e o surgimento da

    5 A denominao anormais era utilizada na poca para se referir a crianas com necessidades especiais.

  • 35

    Pedagogia marxista.

    A Psicologia influenciou claramente a Pedagogia Moderna e, por sua vez,

    as prticas relacionadas educao da infncia, preconizando teorias de como o

    sujeito se desenvolve e como se d o processo de ensino-aprendizagem. Dentre

    os estudiosos e correntes psicolgicas mais difundidos (Cambi, 1999), esto Mill,

    defendendo as idias do associacionismo; Thornidike, com a Psicologia

    Experimental; Secenov e Pavlov, com a reflexologia russa; Watson com a

    concepo antinatista e behaviorista; Weiltheimer e Khler, com a Gestalt; e

    Bruner, com a psicologia cognitiva e o estruturalismo psicopedaggico, em que

    defende um ensino voltado para o incentivo ao, imaginao e linguagem

    simblica nos diversos estgios do desenvolvimento infantil.

    Piaget e Vygotsky tiveram, e at hoje tm, papel decisivo na influncia da

    Psicologia sobre a Pedagogia. Piaget, por meio de suas pesquisas, estruturou as

    fases do desenvolvimento infantil, e acreditava que a educao deveria adequar-

    se ao desenvolvimento da criana. J Vygotsky, embasado nas concepes

    marxistas, defendeu uma abordagem sociocultural e acreditava que o ensino

    eficaz aquele que precede o desenvolvimento infantil, destacando a importncia

    do papel das interaes sociais e do professor na aprendizagem da criana.

    Uma experincia da Educao da Infncia advinda das prticas de auto-

    governo e da experimentao de novos contedos e didticas foi a tipografia

    projetada e trabalhada pelo pedagogo Freinet e que, na Itlia, foi difundida com o

    nome de cooperao educativa. O mtodo pedaggico desenvolvido por Freinet

    (Cambi, 1999, p. 525) considerado um modelo mais amadurecido de renovao

    da escola. O mtodo Freinet, como chamado, tem uma ideologia mais

    progressista de educao da infncia e baseia-se no princpio do trabalho e da

  • 36

    cooperao entre as crianas.

    A reviso histrica revela que a Itlia, desde o sculo XIX, foi um dos

    pases da Europa que assumiu posio de destaque nos estudos e iniciativas de

    organizao de prticas pedaggicas preocupadas com a educao da populao

    menos favorecida, principalmente no que tange educao da criana

    pequenininha.

    Os movimentos feministas e de mulheres trabalhadoras influenciaram o

    poder pblico para que tomasse atitudes com relao a essas crianas. Foram

    criadas vrias instituies de caridade e modelos de atendimento voltados ao

    assistencialismo, filantropismo e viso mdico-sanitarista (Edward, Gandini &

    Forman, 1999, p. 30).

    Durante o Facismo, as Creches eram ligadas a grandes empresas ou

    geridas pelo Opera Nazionale Maternit e Infanzi (ONMI)6. Aps a Segunda

    Guerra Mundial, depois de tantos anos sob a influncia do Fascismo, a populao

    de Reggio Emilia, na Regio de Emlia Romagna, que tinha forte tradio de

    iniciativa local, resolveu estruturar escolas coordenadas por pais. Foi assim que,

    em 1945, o educador chamado Loris Malaguzzi encontrou mulheres empenhadas

    em construir e operar uma escola para crianas pequenas. Oito meses depois, a

    primeira escola estava pronta. Aps anos de reivindicao de pais e educadores,

    na dcada de 1970, todas as escolas passaram da administrao assistencialista

    da OMNI para a administrao municipal, o que, segundo Ongari (2003, p.15),

    promoveu uma radical transformao dessa estrutura e o papel da educadora

    passou a ser concebido cada vez mais como educativo.

    6 ONMI era o Servio Nacional para a Maternidade e Infncia, rgo paraestatal que tinha por objetivo assistir as famlias e cuidar das crianas abandonadas.

  • 37

    Uma experincia diferenciada de educao de bebs foi registrada na

    Hungria, com incio no ano de 1946. O Instituto da Rua Lczy (Falk, 2004), que

    hoje leva o nome de sua lder Emmi Pikler e tinha, inicialmente, o objetivo de

    acolher crianas rfs numa perspectiva mdica. Juntamente com a educadora

    Maria Reinitz, Pikler rompeu de maneira consciente e radical com as tradies

    hospitalares e dos centros do tipo asilos, associando-se s idias de afeto e

    valorizao da criana, de liberdade de movimentos e ao, constituindo-se esses

    princpios a base de seu sistema de educao.

    O panorama histrico relacionado s correntes pedaggicas da educao

    da infncia, exposto anteriormente, contribui para a reflexo em torno da maneira

    como os diversos segmentos da sociedade encararam, atravs dos tempos, e

    ainda hoje encaram, a pluralidade de intenes com relao educao da

    criana pequena, colocada em prtica nos vrios tipos de instituies educativas,

    em diversos lugares do mundo, revelando as concepes de infncia subjacentes

    a cada proposta.

    No entanto, pensar em educao da infncia deveria significar, antes de

    tudo, atender s peculiaridades do ser criana, que varia de acordo com o tempo,

    o lugar, as pessoas e a posio socioeconmica que essas ocupam na

    sociedade. O caminho da histria da infncia marcado por uma no linearidade,

    apoiada na escassez de documentao e no excesso de interpretao dos

    adultos.

    A infncia como categoria social, segundo Faria (2002), constituiu-se

    somente no final do sculo XVIII e incio do sculo XIX, juntamente com as

    instituies de Educao Infantil que foram criadas especialmente nos locais onde

    a industrializao ganhava fora neste mesmo perodo.

  • 38

    Segundo Haddad (1991, p.23), a criao da Creche acompanha, ainda, a

    organizao da famlia em torno da criana pequena. Essa foi, progressivamente,

    ocupando espao privilegiado na famlia e a mulher foi assumindo-a, juntamente

    com os encargos do lar. A partir da consolidao da famlia moderna, em

    contextos que cada vez mais aproximaram a mulher do mundo do trabalho e da

    luta por seus direitos, os papis e as relaes entre os membros da famlia foram

    se reorganizando. A Creche foi, ao mesmo tempo, ocupando o lugar da famlia,

    tentando suprir sua falta e modelando-se sombra dela. Essa instituio

    reproduziu aquilo que se imaginava que a famlia faria, caso essa no faltasse.

    Apesar disso, deve-se pensar que a maioria das instituies, mesmo tendo

    sido criadas para liberar a mulher para o trabalho fora de casa, tambm

    contriburam de alguma maneira para a educao e o desenvolvimento das

    crianas, como esclarece Montandon (2001).

    possvel afirmar que tais instituies contriburam decisivamente para a

    descoberta e a valorizao da infncia, trazendo pontos positivos e outros que

    precisam ser observados cuidadosamente, como exemplo, a questo do controle

    e do disciplinamento da criana de acordo com os valores sociais dominantes e,

    muitas vezes, conforme as necessidades postas coercitivamente pelas demandas

    da economia.

    Ao pesquisar infncia, Faria (2002, p. 66) chama a ateno para dois

    pontos importantes. O primeiro refere-se dupla alienao da infncia,

    relacionada ao binmio ateno/controle que ocorreu em todas as classes sociais.

    Por um lado, a criana burguesa, ao mesmo tempo em que era atendida e

    considerada, era privatizada pela famlia, tendo que aprender a comportar-se nos

    marcos da burguesia emergente. Por outro lado, a criana da classe popular era

  • 39

    obrigada a trabalhar, tendo que aprender a ser operria.

    O segundo ponto que merece ser examinado diz respeito relao

    existente entre a histria das instituies e a histria da mulher operria. Como j

    foi dito anteriormente (Haddad, 1991), a tarefa de educar e cuidar da criana, ao

    longo do tempo, foi sendo ideologicamente considerada prpria do gnero

    feminino. Ao sair para trabalhar fora de casa, ao mesmo tempo, ampliando seus

    direitos e conhecendo outras esferas de subordinao, como a econmica, por

    exemplo, a mulher precisou adaptar-se ao novo cenrio, compartilhando a

    educao de seu filho com outras pessoas que, em sua maioria, tambm so

    mulheres.

    A funo de cuidado-e-educao, ao passar a ser exercida na instituio,

    na opinio de Rosemberg (2000) e Saparolli (1997), foi vista como uma profisso

    que possibilitaria a ascenso social pelo gnero feminino de origem econmica

    inferior, pois, apesar da pouca valorizao salarial, at bem pouco tempo no

    havia a exigncia de formao profissional especfica. O princpio preconizado

    para tal instituio era bvio: uma escola pobre, com mo-de-obra barata e

    desqualificada, para uma criana pobre.

    Ao se pensar em criana pequena, principalmente na criana pobre, at os

    dias de hoje, procura-se realizar algo irrealizvel se considerarmos que a esfera

    da cultura essencialmente o lugar de manifestao da alteridade, ou seja,

    busca-se uma forma generalizada para definir a identidade da infncia, nos

    diversos pases, governos, grupos sociais e culturais, organizaes e instituies.

    H, ainda, pesquisadores que acreditam no desaparecimento da infncia,

    como o caso de Neil Postman. O autor (1999) defende a tese de que a infncia,

    sendo um produto da cultura, consolidado como referncia social a partir do

  • 40

    desenvolvimento da prensa de Gutenberg, comeou a desaparecer com a

    inveno do telgrafo e, mais especificamente da televiso, destruindo a linha

    divisria entre infncia e idade adulta.

    No entanto, se a infncia sempre renova a imagem de um segmento

    pensado no coletivo, a criana, qualquer uma, dotada de peculiaridades que

    tradicionalmente so pensadas nos moldes propostos por Durkheim (apud Sirota,

    2001), ou seja, seres moldveis direcionados s instituies de sociabilidade

    secundria para adquirir auto-controle, subordinando o indivduo ao social.

    Outros pesquisadores, como Qvortrup (apud Sirota, 2001), concordam e,

    ao mesmo tempo, discordam de Durkheim, descrevendo as pessoas como

    sujeitos submetidos s vrias estruturas sociais, sendo, inclusive, a prpria

    infncia uma estrutura social.

    Segundo o autor, o ambiente mltiplo, porque em cada lugar as pessoas

    fazem dele uma coisa diferente, ou seja, cada um reflete o ambiente de forma

    diferenciada. A infncia compreendida como uma construo social, sendo

    considerada ...uma varivel de anlise sociolgica que se deve considerar em

    sentido pleno articulando-a s variveis clssicas como classe social, o gnero,

    ou o pertencimento tnico (Qvortrup, 1994 apud Sirota, 2001, p. 19).

    No universo da Educao Infantil, sempre mais coerente pensar em

    infncias. Essa uma condio para que se reconheam tambm na criana

    pobre as condies para passar da condio de ator para a de sujeito, saindo do

    mecanicismo de muitas de nossas anlises e agregando subjetividade na

    construo da sua prpria identidade.

    Ao considerar as pesquisas sobre criana, infncia e as instituies que as

  • 41

    acolhem, percebe-se que a histria da infncia e a das instituies Pr-escolares,

    Creches, Escolas Maternais e Jardins-de-infncia, tm sido resultado da

    composio de foras entre interesses jurdico-policiais ou mdico-higienistas e

    religiosos, alm de estarem subordinadas aos dramas das esferas econmica e

    social.

    No Brasil, a Creche surgiu apenas no sculo XX e, segundo Rosemberg

    (2000), primeiramente no foi pensada para a produo de qualquer ser

    humano, mas para guardar os filhos recm-libertos de mes escravas.

    Os investimentos realizados na educao da criana pobre tinham por

    objetivo melhorar o pas. Rocha (2005, p. 83) cita as obras do Dr. Oscar Clark

    que, por meio da religio da higiene, sonhava com um futuro risonho para o

    Brasil. Na verdade, por intermdio do discurso higienista, impunha-se essa

    concepo de um futuro feliz, utilizando os valores da classe dominante.

    O Instituto de Proteo e Assistncia Infncia (IPAI) e a Creche da

    Companhia de Fiao e Tecidos Corcovado, primeira Creche para filhos de

    operrios, foram as primeiras instituies que surgiram no Rio de Janeiro em

    1899 (Kulhmann Jr., 1998, p. 82). Um dos objetivos dessas instituies consistia

    em atender ao crescente nmero de crianas desprovidas de cuidado, face

    incorporao de mo-de-obra feminina nos vrios processos de industrializao e

    urbanizao em andamento. O outro objetivo era o de sanar os problemas das

    populaes menos favorecidas, ou seja, combater a pobreza e a mortalidade

    infantil, problemas tambm decorrentes do processo de industrializao e

    urbanizao do pas. O IPAI foi a entidade assistencial mais importante do

    perodo. Em 1929, possua 22 filiais em todo o pas, sendo que 11 delas tinham

    Creches (ibidem 1998, p. 86).

  • 42

    Instituies como os Patronatos ou instituies caritativas como a

    Associao Feminina Beneficente Instrutiva, dirigida por Anlia Franco, no sculo

    XX, ocuparam o cenrio dentro do qual a infncia pobre era guardada, cuidada

    ou at condenada a permanecer enclausurada.

    Essas instituies que trataram das crianas das classes populares foram

    propagadas, muitas vezes, como modelos de civilizao moderna e cientfica e,

    apesar de sempre terem feito parte dos grupos dedicados ao ensino, eram

    apresentadas estrategicamente como instituies assistenciais.

    Contudo, Kulhmann Jr. adverte que o pensamento educacional, no s no

    Brasil, mas em quase todo o mundo, dicotomiza as instituies separando-as em

    educativas e assistenciais, como se nas de cunho assistencial no houvesse

    nunca inteno educativa. A ausncia de inteno educativa no se comprova

    historicamente, ainda que seja foroso reconhecer que, na maior parte das

    instituies de acolhimento a crianas pequenas, o que se tinha na prtica eram

    aes voltadas no para a emancipao, mas para a subordinao. (1998, p.

    73).

    O assistencialismo marcou fortemente a histria dessas instituies e

    adquiriu a condio de ser, com o passar do tempo, uma proposta de educao

    configurada numa Pedagogia da submisso. Tal proposta de submisso adquiriu

    muitas formas e, muitas vezes, resultou no ato de isolar as crianas de meios

    passveis de contamin-las, como o caso da rua, o que se somou baixa

    qualidade do atendimento. Deve-se mencionar ainda que a histria das

    instituies de Educao Infantil se fez acompanhar de pregaes moralizantes

    que, muitas vezes, se somaram s prescries voltadas para a preparao ao

    ensino profissionalizante.

  • 43

    Ao focalizar a legislao brasileira relacionada oferta de espaos

    educativos para a criana pequena, verifica-se que o Estado quase sempre se

    desresponsabilizou de tomar as rdeas de uma poltica efetiva de amparo

    infncia. Analisando historicamente a situao geral da infncia no Brasil, Freitas

    relata:

    No arriscado dizer que a histria social da infncia no Brasil tambm a histria da retirada gradual da questo social infantil (com seus corolrios educacionais, sanitaristas etc) do universo de abrangncia das questes de Estado. (1997, p.11)

    O Estado no se sentia na obrigao de prover inteiramente as Creches,

    sendo a sociedade civil e as entidades assistenciais as responsveis pelo servio.

    Faria (2002) afirma que a publicizao do privado e a privatizao do pblico

    uma caracterstica da poltica brasileira (Faria, 2002, p. 83), especialmente no

    que tange s polticas pblicas direta ou indiretamente relacionadas s crianas.

    No mbito legal relacionado s obrigaes das empresas e indstrias,

    direitos eram garantidos s mulheres trabalhadoras, desde 1923, com a

    obrigatoriedade de instalao de Creches ou Salas de Amamentao prximas ao

    local de trabalho ou de convnios com Creches distritais. Regulamentaes foram

    estabelecidas por meio de portarias e decretos, incluindo a Consolidao das Leis

    do Trabalho (CLT)7. Na prtica, fica latente o no cumprimento de tais leis,

    resultado da ineficincia da fiscalizao por parte do poder pblico e do baixo

    custo das multas previstas, o que gerou a proliferao de Creches fantasmas

    (Campos, Rosemberg & Ferreira, 2001).

    Segundo Freitas (1997), em vrias fases da histria, a infncia foi deixada

    de lado, ficando a ao pblica, voltada criana, subordinada ao tema do

  • 44

    desenvolvimento econmico e, com isso, relegada a questes de cunho

    puramente filantrpico e assistencialista, principalmente no que se refere s

    Creches.

    Essa viso reducionista tambm pode ser reconhecida em muitas

    propostas pedaggicas para a educao da infncia que enfatizavam a educao

    dada nas instituies, em detrimento daquela dada pelas famlias. Essa ltima era

    vista como incapaz de proporcionar um bom aprendizado para o desenvolvimento

    da criana. Para Haddad (1991, p. 25), em muitas Creches, a funo no era

    somente guardar a criana, mas, sobretudo, aconselhar s mes sobre o cuidado

    com os filhos.

    Segundo Faria (2002, p. 25), at hoje se pergunta quem deve educar a

    criana pequena: a famlia, o Estado ou a empresa?

    Tomando-se por base que o carter de proteo infncia fundamental

    na ao institucional, a nica concluso a se tirar a de que a qualidade de

    atendimento na Creche sempre foi marcada pela precariedade e o quadro dos

    profissionais foi sempre deficitrio, despreparado e desprovido de formao

    profissional. A categoria profissional apresenta-se composta, muitas vezes, por

    voluntariado e sujeita a uma proporo adulto-criana, na maioria das

    instituies, reveladora de uma grande insuficincia nos quadros.

    No entanto, preciso estabelecer a diferena existente entre as instituies

    criadas para atender crianas das camadas populares nas sociedades industriais,

    ou seja, as Creches, e as instituies propostas para as crianas das classes

    privilegiadas, os chamados Jardins-de-infncia.

    7 Decreto n. 21.417-A, de 1943 que aprovou a CLT e que contm seis artigos (art. 389, 396, 397, 399, 400 e 401) referentes ao direito amamentao e Creche para a mulher trabalhadora.

  • 45

    Um grande cone a ser lembrado o Jardim-de-infncia Caetano de

    Campos, em So Paulo, criado no nascimento do regime republicano e planejado

    como local de observao para os futuros professores, onde aprenderiam a arte

    de ensinar. Contudo, nesta instituio-modelo, a grande maioria dos alunos fazia

    parte da elite paulista.

    As divises sociais existentes entre as instituies ficaram bem

    demarcadas. Por um lado, os Jardins-de-infncia destinavam-se aos ricos, por

    outro, instituies como o Volkskindergarten, na Alemanha, o Free Kindergartens,

    nos Estados Unidos ou as Creches, no Brasil, eram destinadas s classes

    populares.

    No se pode deixar de mencionar as instituies Pr-escolares privadas

    brasileiras, que tambm serviam s classes abastadas e utilizavam o termo

    pedaggico para atrair clientes e diferenciar sua instituio das Creches e asilos.

    As propostas tambm eram divulgadas como se fossem modeladas pela escola

    froebeliana, privilegiando certos aspectos em detrimento de outros considerados

    originalmente pelo filsofo, especialmente quando seus criadores tinham contato

    com interlocutores norte-americanos.

    Ainda relacionada questo das prticas educativas, Pinazza (2005)

    acrescenta que principalmente a educao pr-escolar era vista como etapa

    preparatria da escola primria. Desta forma, ...o perigo de condicionar os

    objetivos da Educao Infantil aos compromissos formais da instruo, no seu

    sentido mais estreito, foi sempre eminente (Pinazza, 2005, p. 93).

    Desta forma, a implantao das primeiras instituies Pr-escolares

    assistencialistas, assumidas pelos setores privados, ocorreu entre 1910 e 1920.

    Este fato tambm se intensificou no governo de Getlio Vargas, na dcada de

  • 46

    1930. Com o objetivo de interferir na problemtica social do pas, cria-se, com o

    Decreto-Lei baixado em 30 de outubro de 1941, o Departamento Nacional da

    Criana (DNC), para coordenar as atividades e pesquisas realizadas na rea da

    infncia e da adolescncia, que continham uma concepo calcada no aspecto

    mdico e nos servios de puericultura (Gomes, 2000, p. 233), tema que j

    aparecera nas pautas de Getlio Vargas, Gustavo Capanema e Loureno Filho

    sucessivas vezes desde 1932 (Souza, 2000, p. 236).

    No entanto, nos anos Vargas, em So Paulo, Mrio de Andrade implantou

    uma proposta de educao para crianas entre trs e seis anos das classes

    operrias, que no tinha nem a concepo assistencialista e nem a concepo

    escolarizante. Os Parques Infantis idealizados por Mrio de Andrade, como

    equipamento pblico, segundo Faria (2002, p. 77), continham o objetivo de

    incentivar a cultura por meio da ludicidade e tornar a criana participante de um

    processo dialtico: no parque, ela seria educada pela cidade, e a cidade,

    mantendo parques para as crianas, seria disciplinada e racionalizada, tendo a

    criana como personagem central nessa trama. Essa iniciativa destoava das

    aes promovidas na poca que, em sua maioria tinham, a concepo deflagrada

    pelo DNC.

    As teorias de privao cultural tomam lugar no contexto nacional a partir da

    dcada de 60, apontando a Creche como o local adequado para compensar

    deficincias biolgicas, psicolgicas e culturais da criana.

    A lei n. 5692/71 tratou da educao de crianas com idade inferior a sete

    anos em apenas um artigo, especificando que essa deveria ser dada em escola

    maternais, Jardins-de-infncia e instituies equivalentes, sem mencionar de

    quem era a responsabilidade por sua viabilizao.

  • 47

    Com a falta de diretrizes do poder pblico para esse nvel de ensino, os

    anos 70, segundo Rosemberg (1997, p.137), foram marcados pelo infeliz

    casamento entre organizaes intergovernamentais, em especial a UNICEF4 e a

    UNESCO5, e o governo militar no Brasil, no campo da Educao Infantil de

    massa. Isso s ocorreu, relata a autora, devido chamada guerra fria que:

    Embasou tanto a ideologia da Doutrina Brasileira de Segurana Nacional (DSN), quanto as propostas de Desenvolvimento de Comunidade (DC), bases tericas que orientaram a criao do Projeto Casulo, primeiro programa brasileiro de educao infantil de massa, implantado pela Legio Brasileira de Assistncia (LBA) em 1977 (p. 137).

    Naquela poca, entre 1964 e 1985, orientados pelo lema dos governos

    militares - segurana e desenvolvimento - , esses programas eram realizados nos

    bolses de pobreza e, segundo Rosemberg (1997, p. 142), tinham por objetivo

    prevenir o expansionismo do comunismo internacional. Alm disso, possuam

    um carter preventivo em detrimento de uma concepo de poltica social que

    respondesse a direitos de cidadania. A justificativa era simples: prevenir o destino

    de pobreza que est determinado para as crianas pobres, agindo de forma

    integrada nas reas de sade, alimentao e educao. Como a concepo de

    pobreza adotada pelo UNICEF semelhante, essa foi a estratgia adequada para

    integrar, em nvel social e nacional, os probres no processo de desenvolvimento.

    O Projeto Casulo, implantado pela LBA, tinha por objetivo principal investir

    em um programa de massa, a baixos custos, adotando a estratgia de

    participao da comunidade, ajustando-se ao modelo econmico da Doutrina de

    Segurana Nacional (DSN) (Rosemberg, 1997, p. 148).

    4 A UNICEF, Fundo das Naes Unidas para a Infncia, foi criada no dia 11 de dezembro de 1946, durante a primeira Sesso da Assemblia Geral das Naes Unidas, com o objetivo inicial de dar assistncia a crianas da Europa, Oriente Mdio e China, no perodo ps-guerra.

  • 48

    A UNICEF e a UNESCO lanaram um modelo de Pr-escola de massa, de

    cunho assistencialista, tendo sua ao baseada na melhoria da sade-nutrio da

    criana. Esse modelo foi inserido no Brasil com a elaborao do Plano de

    Assistncia Infncia apresentado pelo Departamento Nacional da Criana

    (DNCr). O DNCr foi extinto em 1968, contudo, as orientaes do referido plano

    nortearam as propostas governamentais brasileiras de Pr-escolas de massa

    durante os anos 70 e parte dos 80.

    Nesse perodo, o servio de DC e os movimentos de participao

    comunitria em diversos nveis foram os principais responsveis pela organizao

    de estratgias para a integrao dos desintegrados do processo de

    desenvolvimento.

    Surgem no pas, diversos movimentos sociais populares, como o

    movimento feminista e as comunidades eclesiais de base, que passam a

    reivindicar Creches para as mulheres trabalhadoras. Um exemplo foi o Movimento

    de Luta por Creches, que reivindicou a participao do Estado na criao de

    redes pblicas de Creches.

    Em So Paulo, em 1979, durante o I Congresso da Mulher, o Movimento

    de Luta por Creches pede a criao de uma rede de Creches totalmente mantida

    pelo Estado, que tivesse a participao da comunidade na orientao e na

    escolha de seus funcionrios (Haddad, 1991, p. 31). Essas reivindicaes deram

    incio expanso de uma rede de instituies mantida pelo municpio, que tinha

    cunho compensatrio e era ligada ao Bem-Estar Social, sendo que o critrio para

    a seleo das crianas continuava a ser a renda familiar e no o direito de a

    5 A Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura, a UNESCO, foi fundada em 16 de novembro de 1945, aps a Segunda Guerra, para acompanhar o desenvolvimento mundial.

  • 49

    criana estar na Creche.

    Contudo, com relao formao e contratao dos profissionais para

    trabalhar nas Creches, o quadro de pessoal compunha-se prioritariamente de

    mulheres. Rosemberg (1989, p. 62) relata que as profissionais eram chamadas

    de pajens e no necessitavam ter experincia na funo, bastando ter pacincia

    e gostar de crianas.

    A designao pajem subsistiu em So Paulo, at 1984, quando foi

    substituda por outra denominao: Auxiliar de Desenvolvimento Infantil (ADI).

    Segundo Fiorim (1995, p. 11), esta profissional deveria ter o primeiro grau

    completo e freqentar um curso profissionalizante de ADI. Contudo, essa

    tentativa de profissionalizao nem sequer comeou, permanecendo apenas o

    nome e a exigncia do grau de escolaridade.

    No mbito educacional, ainda dentro do Estado de So Paulo, durante o

    Governo de Franco Montoro, eleito pelo PMDB, entre 1982 e 1986, criou-se o

    Programa de Formao Integral da Criana - PROFIC. Segundo Cunha (1991, p.

    203), o PROFIC continha a ideologia conservadora tpica dos projetos das

    escolas de tempo integral, descrevendo, como justificativa, os problemas

    estruturais que as crianas brasileiras enfrentavam e atribuindo escola a

    responsabilidade de desenvolver oportunidades de formao integral dessas.

    O PROFIC tinha dois projetos principais: o primeiro, direcionado para a

    rede estadual de ensino de 1 grau, e o segundo, para as crianas de 2 a 6 anos.

    O Projeto de Formao Integral do pr-escolar estabelecia o regime de tempo

    integral para as crianas dessa faixa etria, por meio de convnios com as

    prefeituras e entidades privadas.

  • 50

    Nessa poca, a prefeitura de So Paulo, por meio de sua Secretria de

    Educao, Guiomar Namo de Mello, empenhou-se na criao de escolas de

    Educao Infantil, e quando isso no era possvel, houve a instalao de salas de

    Pr-escolas em escolas de 1 grau. Tal proposta, bem como sua idealizadora,

    Guiomar Namo de Melo, receberam inmeras crticas de estudiosos e educadores

    da rea que no acreditavam no trabalho relacionado educao da infncia

    inserido no contexto da forma escolar, com funo preparadora para o Ensino

    Fundamental, pois as configuraes de tempo e espao da Educao Infantil so

    bem diferentes das do Ensino Fundamental.

    Com relao s denominaes outorgadas ao profissional que trabalha

    diretamente com crianas pequenas, Machado (apud Silva, 2003, p. 3) encontrou,

    em sua pesquisa realizada em 1998, 24 designaes diferentes para a funo, o

    que denuncia a diversidade na composio dessa categoria profissional. Tal

    diversidade tambm percebida quando se estudam os fatos histricos que

    configuram as iniciativas de formao desse profissional.

    Nos cursos de formao de professores, que surgiram no Brasil a partir do

    sculo XIX, com as primeiras escolas normais, so escassos os referenciais

    sobre a formao das profissionais docentes de Creche. Kishimoto (apud Silva,

    2003, p. 36), revela que, em 1882, nos pareceres de Rui Barbosa, a preocupao

    era com a preparao de professores para as escolas elementares e para os

    Jardinsde-infncia.

    Os cursos de Pedagogia, surgidos a partir de 1939 e originados dos cursos

    ps-normais realizados nas escolas normais, segundo Tanuri (apud Silva, 2003,

    p. 60), tinham a dupla funo: formavam bacharis para atuarem como tcnicos

    de educao e licenciados destinados docncia dos cursos normais. Essa forma

  • 51

    de pensar reforou a dicotomia existente entre aqueles profissionais que pensam,

    planejam e avaliam o processo educativo e os outros que apenas executam as

    tarefas. Tal concepo foi alvo de crtica por diversos autores: Brzezinski, 1996;

    Freitas, 1999; Linares, 1998; Mazzili, 1997, Saviani, 1976 (apud Silva, 2003, p.

    58), que condenam a idia de fragmentao do processo educativo.

    Mais tarde, a partir de 1970, iniciou-se uma discusso a respeito da

    formao do pedagogo voltada para o ensino nas sries iniciais e na Pr-escola.

    No entanto, essa discusso ainda no inclua a reflexo sobre o trabalho com a

    criana pequenininha. Afinal, at bem pouco tempo, como j foi citado, para se

    trabalhar com este nvel de ensino no era preciso formao alguma, apenas

    gostar de crianas e ter pacincia com elas.

    Essas evidncias histricas reforam a necessidade de se refletir sobre a

    prtica educativa das profissionais-docentes de Creche e sua formao

    acadmica. Alm disso, a anlise histrica dos cursos de formao de

    professores faz-se necessria na medida em que esses, em sua maioria, sempre

    desconsideraram que a forma escolar no deve ser aplicada Pr-escola e

    agora Creche.

    Mesmo com referncia trajetria dos cursos de formao de professores

    das sries iniciais e das Pr-escolas, Belo afirma que a desvalorizao e o

    desinteresse estiveram presentes (...) ao longo das dcadas, com exceo de

    perodos de renovao que pouco duraram, sendo logo calados, voltandose aos

    velhos modelos, embora j houvessem mostrado sua fragilidade (2003, p. 50).

    A idia de formao de professores das sries iniciais, relata Popkewitz

    (apud Bello, 2003, p.22), sempre foi vista por alguns reformadores, legisladores e

    administradores como uma funo de segunda categoria, que poderia ser

  • 52

    desenvolvida por qualquer pessoa. Popkewitz aponta que as polticas de

    formao de professores tm oferecido pouca orientao intelectual, reduzindo os

    cursos a uma prtica fragmentada de aquisio de informaes e competncias.

    A autora (2003, p. 53) remete-se a Viao Frago (1998) para explicar o que

    contribuiu para a desvalorizao do Magistrio e, conseqentemente, dos cursos

    de formao do profissional docente. Viao Frago (apud Bello, 1998, p.17) lembra

    que uma reforma educacional depende de trs perspectivas e com elas se

    relaciona: a teoria (as propostas da reforma), a legalidade (as normas que deram

    forma legal s propostas) e a prtica (ou seja, o real, o que foi feito no sistema

    educativo e nas instituies docentes). Ainda h um quarto elemento: a realidade

    social, que externa escola. Todas essas perspectivas se relacionam e se

    influenciam entre si, porm no coincidem. Da teoria para a legalidade, h toda

    uma negociao poltica e sua aplicao no interior da escola passa por um

    processo de adaptao e desnaturalizao das mesmas. Assim, os efeitos de

    uma reforma podem ser distintos dos objetivos previamente almejados. No caso

    das reformas realizadas nos cursos de formao de professores, as alegaes

    dos rgos oficiais brasileiros, principalmente no que tange questo da

    legislao e dos sistemas implantadores, relacionavam-se falta de recursos,

    primordialmente os financeiros.

    Na dcada de 1990, quando reformas de Estado tentavam diluir questes

    sociais nas demandas de mercado, esse cenrio sofreu alteraes substantivas a

    partir da promulgao da ltima Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional.

    No que diz respeito Educao Infantil, especialmente Creche, ganhos polticos

    materializaram-se no texto da nova lei.

    Com relao aos cursos de formao de professores, mudanas

  • 53

    ocorreram, provocando estabelecimento de diretrizes por meio de Resolues e

    Pareceres, que quase sempre ocasionavam dubiedade na sua interpretao.

    Houve a necessidade de reviso dos cursos para atender a demanda de

    profissionalizao dos docentes de Creche.

    Contudo, na realidade, os programas e currculos dos cursos de formao

    de professores quase sempre desconsideram a importncia do trabalho com

    crianas pequenininhas, restringindo sua reflexo ao estudo das fases do

    desenvolvimento, a aspectos pedaggicos do trabalho Pr-escolar e, ainda, ao

    estgio supervisionado que realizado tanto em instituies que consideram a

    importncia do trabalho com crianas pequenininhas, como em locais que, muitas

    vezes, ainda possuem uma viso assistencialista e profissionais sem a

    qualificao exigida pela lei.

    Essa uma preocupao de vrios estudiosos e objetivo de estudo de

    pesquisadores como Nascimento (2003, p. 103), que faz um alerta em relao

    mudana do perfil desse profissional para o de um professor formado por cursos

    como o descrito acima. Corre-se o risco de se escolarizar a Educao Infantil e,

    ao mesmo tempo, questiona-se se o curso atual de formao de professores

    poder absorver as especificidades desse nvel de ensino.

    Tais questionamentos apontam para uma anlise do que vem sendo

    aprendido nos cursos e o que tem sido aproveitado na prtica cotidiana dessas

    profissionais de Creche, reflexo que tambm objeto desta pesquisa.

    A seguir, descreve-se os avanos e conquistas legais, no mbito da

    Educao Infantil, fruto de movimentos populares da sociedade civil,

    especialmente no que tange Creche e formao de suas profissionais

    docentes.

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    1.2. As legislaes educacionais e os cursos de formao dos

    profissionais da infncia: impactos, ambigidades e perspectivas.

    No Brasil, a educao de crianas pequenas e, conseqentemente, a

    formao do profissional docente que atua nesse segmento educacional esto

    assumindo uma posio diferenciada, resultado de polticas socioeconmicas que

    vm se consolidando com o pretexto da modernizao da sociedade brasileira.

    Em meio a um cenrio ameaado pela reconfigurao do Estado, a

    sociedade civil conseguiu arrancar das esferas executivas, legislativas e

    judicirias compromissos firmados em documentos de grande abrangncia e

    repercusso como a nova Constituio Brasileira de 1988, o Estatuto da Criana

    e do Ad