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1 DEBÊNTURES: Conceito, histórico e evolução legislativa brasileira Marina Grimaldi de Castro * RESUMO Com a profissionalização e desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro e o fortalecimento da moeda Real, as sociedades anônimas passaram a recorrer com mais frequência à emissão de papeis próprios para a captação de recursos junto a terceiros. A partir de então, a emissão de debêntures se tornou um dos meios mais utilizados pelas companhias para financiar suas atividades, por ser interessante e economicamente vantajoso para elas e também para os investidores. Entretanto, desde o primeiro aparecimento do instituto até a sua eleição como uma das melhores formas para a obtenção de recurso junto a terceiros, diversas crises econômicas e financeiras foram enfrentadas pelo Brasil, refletindo direta ou indiretamente no volume de emissões registradas. A legislação e demais normas regulamentadoras das debêntures foram alteradas inúmeras vezes, aprimorando-se até que se alcançasse a redação final da Lei n. 6.404/76. No presente trabalho procurar-se-á buscar uma contextualização histórica do momento do aparecimento do instituto e sua evolução ao longo dos anos. Palavras-chave: Debênture. Mercado de capitais. Captação de recursos. Companhia. Investidor. ABSTRACT With the professionalization and development of Brazilian capital market and the strengthening of the Real currency, stock-based corporations are resorting more and more often to the emission of its own documents for resource captivation associated with raising funds from third parties. Since then, the issue of debentures has become one of the most used means by which companies finance their activities, due to interesting nature as well as economic benefit to the corporatio itself and to its investors. However, from the first inception of this process all the way through its recognition and adoption as one of the best methods in which to obtain funds from third parties, Brazil has faced numerous economic and financial crises which may have reflected directly or indirectly in the volume of emissions recorded. Legislation and other regulatory standards of debentures have been amended several times, with improvements made each time until finally reaching the final draft of the Legal Codo 6404/76. In the present study, the * Mestre em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos. Pós-graduada no Curso MBA Executivo Júnior em Direito da Economia e da Empresa da Fundação Getúlio Vargas. Professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, Campus Barreiro, de Direito Empresarial II e Direito Civil II. Advogada e Consultora. Email: [email protected]

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    DEBNTURES: Conceito, histrico e evoluo legislativa brasileira

    Marina Grimaldi de Castro

    RESUMO

    Com a profissionalizao e desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro e o fortalecimento da moeda Real, as sociedades annimas passaram a recorrer com mais frequncia emisso de papeis prprios para a captao de recursos junto a terceiros. A partir de ento, a emisso de debntures se tornou um dos meios mais utilizados pelas companhias para financiar suas atividades, por ser interessante e economicamente vantajoso para elas e tambm para os investidores. Entretanto, desde o primeiro aparecimento do instituto at a sua eleio como uma das melhores formas para a obteno de recurso junto a terceiros, diversas crises econmicas e financeiras foram enfrentadas pelo Brasil, refletindo direta ou indiretamente no volume de emisses registradas. A legislao e demais normas regulamentadoras das debntures foram alteradas inmeras vezes, aprimorando-se at que se alcanasse a redao final da Lei n. 6.404/76. No presente trabalho procurar-se- buscar uma contextualizao histrica do momento do aparecimento do instituto e sua evoluo ao longo dos anos.

    Palavras-chave: Debnture. Mercado de capitais. Captao de recursos. Companhia. Investidor.

    ABSTRACT

    With the professionalization and development of Brazilian capital market and the strengthening of the Real currency, stock-based corporations are resorting more and more often to the emission of its own documents for resource captivation associated with raising funds from third parties. Since then, the issue of debentures has become one of the most used means by which companies finance their activities, due to interesting nature as well as economic benefit to the corporatio itself and to its investors. However, from the first inception of this process all the way through its recognition and adoption as one of the best methods in which to obtain funds from third parties, Brazil has faced numerous economic and financial crises which may have reflected directly or indirectly in the volume of emissions recorded. Legislation and other regulatory standards of debentures have been amended several times, with improvements made each time until finally reaching the final draft of the Legal Codo 6404/76. In the present study, the

    Mestre em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos. Ps-graduada no Curso MBA

    Executivo Jnior em Direito da Economia e da Empresa da Fundao Getlio Vargas. Professora da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais PUC Minas, Campus Barreiro, de Direito Empresarial II e Direito Civil II. Advogada e Consultora. Email: [email protected]

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    process of debentures has been put into historical context, from its inception to its evolution throughout the years.

    Keywords: Debenture. The capital market. Fundraising. Company. Investor.

    1 INTRODUO

    O presente trabalho procurar conceituar as debntures permitindo a compreenso do tema a ser desenvolvido posteriormente, qual seja, o surgimento desses valores mobilirios no mercado europeu, norte americano e no Brasil.

    Ao discorrer sobre o histrico das debntures procurar-se- demonstrar a origem do instituto, o momento de sua criao e a evoluo legislativa ocorrida no Brasil ao longo dos anos.

    A contextualizao histrica, a descrio dos momentos de crise enfrentados pelo Brasil desde o surgimento das debntures at os dias atuais e as modificaes da legislao e normas que regulamentam o instituto importante para que ao leitor seja possvel compreender as razes pelas quais esses ttulos demoraram tanto tempo a ser utilizado como uma das principais formas de captao de recurso junto a terceiros pelas sociedades annimas.

    Finalmente, ser possvel perceber a importncia das debntures e sua expressiva representatividade no mercado de capitais brasileiro.

    2 CONCEITO

    Antes de se adentrar no conceito do que sejam os ttulos objeto do presente estudo, importante verificar a origem etimolgica da palavra debnture.

    A palavra debnture ou debntura adveio do mdio e velho ingls debentur, que por sua vez adotou do latim (voz passiva do verbo debeor, deberis, deberi sum = ser devido), por se iniciarem os recibos ou ttulos de dvida com as palavras latinas debentur mibi, so-me devidos, devem-me. (PEIXOTO, 1973. p. 150)

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    A palavra debntura foi utilizada pela primeira vez, pelo legislador brasileiro, no Decreto n. 8.821, de 30 de dezembro de 1882. Foi a ele impugnado como sinnimo de obrigaes ao portador, significado que manteve em todas as nossas leis que versavam sobre a matria at 1965. (DE MAGALHES, 1997. p. 343)

    Por representar obrigao de pagar assumida pela companhia emitente, a palavra debnture se adqua ao conceito do instituto por ela representado, conforme ser demonstrado a seguir.

    Fran Martins conceitua as debntures como

    Valores mobilirios representativos de um emprstimo pblico lanado pela sociedade, tendo a natureza de ttulos de renda, com juros fixos ou variveis, considerando-se a sociedade sempre devedora dos debenturistas pelas importncias por eles conferidas companhia, ao subscreverem ou adquirirem tais ttulos (1989, p. 322).

    Carvalho de Mendona define as debntures como: ttulos uniformes, de valor igual, emitidos pela sociedade annima como fraes daquele emprstimo, servindo de prova do direito dos mutuantes e da obrigao da muturia [...] (1959, p.97)

    Marlon Tomazette, por sua vez, conceitua as debntures como

    [...] ttulos representativos de um emprstimo pblico lanado pela sociedade. Cada emisso de debntures representa um emprstimo realizado, tendo um carter unitrio. A sociedade ao decidir a emisso das debntures est fazendo uma oferta de um contrato de mtuo, que se completa com a subscrio dos ttulos, que representaria a aceitao do contrato. (2004, p. 291) A companhia divide a soma pretendida em vrios ttulos emitidos em srie. Quem subscreve o ttulo est emprestando dinheiro para a emitente, e em contrapartida objetiva recebimentos anuais parciais, ou outras vantagens que tais valores mobilirios podem assegurar, ou ao menos, a restituio dos valores emprestados no vencimento. (2004, p. 291-292)

    Modesto Carvalhosa, de forma objetiva conceitua as debntures como mtuo contrado pela companhia nos termos obrigacionais pr-estabelecidos na escritura de emisso (2002, p. 564)

    Mnica Gusmo, por sua vez define as debntures como

    [...] espcies de valores mobilirios que conferem um direito de crdito certo do seu titular diante da companhia emissora, em razo de um contrato de emprstimo. Representam capital de terceiros investido na sociedade, em resposta iniciativa de captao de recursos promovida pela companhia. (2005, p. 247)

    Celso Marcelo de Oliveira diz que a

    Debnture frao de um contrato de mtuo entre a sociedade annima e pessoas do pblico, e conferem ao seu titular, designado de debenturistas, direito de crdito contra ela, consistente em pagamento, na data do seu vencimento, ou em converso em aes da sociedade. (2005, p. 374)

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    Em resumo as debntures so ttulos emitidos por sociedades annimas que representam um emprstimo nico por essas contrado perante terceiros, mediante o pagamento de certa remunerao do capital mutuado, com prazo de vencimento pr-determinado pela companhia.1 As condies desse mtuo, principalmente quanto aos juros a serem pagos, a forma de correo monetria, se houver; as garantias, as condies de amortizao, se prevista, e as condies de resgate antecipado, quando for o caso, so estabelecidas em sua escritura de emisso e devero ser idnticas para os adquirentes desses ttulos de mesma emisso e srie.

    3 HISTRICO

    3.1 O surgimento das debntures no mundo

    A captao de recursos junto ao pblico por meio de emisso de debntures encontra as suas razes mais remotas na categoria das obrigaes por declarao unilateral de vontade, posto que, com efeito, o ttulo, em si mesmo, uma promessa unilateral de pagamento. (BORBA, 2005, p. 1) A emisso de obrigaes para fins de obteno de capital para financiar diversas atividades econmicas originou-se no Direito Pblico, atravs da emisso de ttulos pelo governo. Tais emisses foram registradas desde a Idade Mdia (BORBA, 2005).

    Como forma de captao privada de recursos, as debntures comearam a ser emitidas no sculo XIX, na Inglaterra, que, assim como outros pases, encontrava-se em uma fase de expanso econmica. Para financiar suas atividades e aprimorar seus parques industriais, os empresrios necessitavam recorrer ao pblico, posto que o capital prprio era insuficiente para tanto. A partir de ento, outros pases da Europa, com destaque Frana, comearam a registrar a comercializao desses ttulos no mercado.

    As debntures passaram a ser muito utilizadas pelas empresas de estradas de ferro e no Credit Doncier francs. Segundo Luiz Fernando Rudge e Francisco Cavalcante (1998), a

    1 Em geral, as debntures tm vencimento previamente definido na escritura de emisso. Entretanto, o artigo 55,

    3, da Lei n 6.404/76, faculta a companhia a emitir debntures cujo prazo de vencimento seja indeterminado, vinculado a uma condio resolutiva inadimplemento quanto ao pagamento de juros, dissoluo da companhia ou outra condio definida no ttulo.

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    primeira lei francesa sobre o assunto foi a de 30.1.1907, tendo a matria sido mais detalhadamente tratada pelo Decreto-lei de 30.10.1935. A Inglaterra, precursora na utilizao desse instituto ora estudado para a captao de recursos junto poupana popular, publicou as primeiras legislaes sobre o assunto, ainda no Sculo XIX, diferenciando-as em duas espcies:

    [...] A) aquelas reguladas por atos especficos, que so (i) os Mortage Debenture Acts, de 1865 e 1870 e (ii) o Local Loans Act, de 1875; B) aquelas convencionalmente denominadas debntures: (i) as emitidas por sociedades de acordo com as Companies Clauses Acts, de 1845 a 1889; (ii) as emitidas por ferrovias, de acordo com o Railway Companies Securities Act, de 1866 e o Railway Companies Acts, de 1867; (iii) as emitidas por sociedades de acordo com o Comissioners Clause Act, de 1847 [...]; e, (iv) as emitidas por sociedades registradas de acordo com os Companies Act, de 1948 e de 1967. (ALMEIDA, 1999, p. 224)

    Em sua obra, Roberto Barcellos de Magalhes discorre sobre a essncia das debntures quando de seu primeiro aparecimento no mercado europeu:

    Era, inicialmente, uma confisso escrita de dvida, ou um certificado assinado por oficial ou corporao pblica, como documento de um dbito; quase exclusivamente usado como instrumento de confisso de obrigaes de corporaes de grandes capitais, emitido com o fim de ser comercializado como investimento de capital. (1997, p. 243)

    A partir de sua criao, a emisso desse valor mobilirio tornou-se expressiva nos pases de economia forte tanto na Europa quanto nos Estados Unidos da Amrica. Como meio de captao de recursos, esse instituto passou a ser to utilizado que nos EUA, na dcada de 60, a emisso de debntures j superava em muito a emisso de aes. Cunha Peixoto relata que a cada novo dlar de novas aes emitidas na dcada de 60 correspondia a aproximadamente oito dlares de novas obrigaes ao portador. (1973)

    3.2 O surgimento das debntures no Brasil

    O sistema financeiro comeou a ser desenvolvido no Brasil com a vinda da famlia real portuguesa ao pas, quando foi ento foi criada a primeira seguradora e o Banco do Brasil (YAZBEK, 2007). Existia, nesse perodo, todavia, um forte protecionismo e interveno estatal na atividade financeira. No entanto, a instituio financeira existente poca Banco do Brasil - teve grandes dificuldades para encontrar interessados em aplicar seu capital

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    naquela sociedade, no logrando muito xito na explorao de suas atividades at 1845 (YAZBEK, 2007).

    A partir de ento e at a proclamao da Repblica, durante o perodo de prosperidade do segundo reinado, foram criadas outras instituies, surgindo o primeiro arcabouo legal para as atividades bancrias. Boa parte das instituies ento surgidas era autorizada a emitir ttulos que funcionavam como meio de pagamento, o que se fazia em profuso, levando a problemas diversos e promulgao , em 1860, de uma legislao restritiva desse tipo de atividade a Lei dos Entraves. (YAZBEK, 2007, p. 256)

    A primeira meno s debntures ocorreu no Brasil em 1860, com a publicao da Lei n. 1.083, de 22 de agosto de 1860. A referida legislao proibia expressamente a emisso de obrigaes sem autorizao prvia do poder legislativo por companhias ou por quaisquer outras sociedades, inclusive os bancos (CARVALHOSA, 2002). A reduo da liquidez da economia do Brasil, em grande parte ocorrida em virtude da legislao rigorosa quanto regulao das sociedades por aes, foi responsvel pela primeira crise financeira no pas, ocorrida em 1864 (YAZBEK, 2007). O governo percebeu, ento, a necessidade de reformular a regulamentao sobre a matria, apesar de tal medida no ter sido muito significativa naquele momento.

    A emisso de obrigaes, como ento eram chamadas as debntures poca, somente passou a ser permitida livremente com o advento da Lei n. 3.150, de 4 de novembro de 1882. Infelizmente, esse momento no foi muito favorvel ao desenvolvimento do instituto e ao crescimento do financiamento das companhias por meio da emisso desses valores mobilirios j que poucos anos aps ser permitida a emisso das debntures pelas sociedades annimas o Brasil passava por uma grave crise econmica, conhecida como Encilhamento.

    Nesse contexto, o governo de Deodoro da Fonseca, cujo Ministro da Fazenda era Rui Barbosa, na tentativa de fomentar a industrializao do pas, adotou uma poltica emissionista baseada em crditos livres aos investimentos industriais, garantidos pelas emisses monetrias. (ENCILHAMENTO)

    Com efeito, ainda em 1888, em face da reduzida base monetria existente, insuficiente para dar conta das demandas da vida econmica nacional, o governo do Imprio optou por criar mecanismos de emisso de ttulos pelos bancos, desde que observadas determinadas regras de lastreamento. Com o sucesso inicial de tais mecanismos e com a adoo de polticas pblicas estimuladoras da criao de novas empresas e de novos mecanismos facilitadores ou estimuladores de emisses, inclusive no perodo republicano, no tardou a se formar aquela bolha especulativa, encerrada, ao cabo, com grave crise. (YAZBEK, 2007, p. 257)

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    Como conseqncia dessa poltica criou-se um clima de fortes especulaes no mercado de capitais. Os empresrios passaram a emitir, descontroladamente, aes como forma de captao de recursos para investir em seus negcios. Os incorporadores, aproveitando a falta de controle do governo sobre as emisses de aes e outros valores mobilirios, passaram a criar inmeras empresas-fantasmas. Na tentativa de enriquecer-se rapidamente, mesmo que prejudicando terceiros, emitiam aes sem lastro, debntures, dentre outros, e comercializavam-nas no mercado de capitais. Os investidores, por sua vez, aplicavam seu capital nesses ttulos, o que gerou em pouco tempo (a crise durou de 1890 1892) o descrdito da bolsa de valores do Rio de Janeiro.

    A avalancha de debntures no perodo de encilhamento caracterizava-se, nos aspectos criminosamente especulativos, pelas informaes privilegiadas a que tinha acesso os intermedirios e os burocratas. No aspecto intrnseco no traziam qualquer requisito que as pudesse lastrear. (CARVALHOSA, 2002, p. 558)

    Como conseqncia do encilhamento, houve no Brasil uma forte desvalorizao cambial. O governo teve, ento, que estancar as emisses e resgatar os papeis j emitidos. Adotando uma poltica monetria fortemente contracionista, implementou um programa de saneamento econmico. Foram restabelecidas as regras de emisso de moeda do padro-ouro; dos bancos foi retirado o poder de emitir moeda e o tesouro encampava as notas emitidas, a fim de retir-las de circulao; buscava-se o monoplio de emisso controlada pelo governo. (GREMAUD, 2003, p. 5)

    Alm da desvalorizao cambial, verificou-se no perodo da crise uma forte inflao. Em virtude do grave quadro econmico do pas, o poder legislativo publicou em 15 de dezembro 1893, o Decreto n. 177-A, regulamentando as debntures. O referido decreto tratou da matria de forma rigorosa, visando coibir a emisso fraudulenta desses ttulos. Alguns doutrinadores, como Rubens Requio, Fran Martins e Roberto Papini, consideram o rigor do Decreto n. 177-A como uma das principais causas inibitrias do desenvolvimento e do crescimento do nmero de emisses de debntures no Brasil. Para esses autores as empresas, preferiam outros meios para obter recursos, a fim de atender suas necessidades. Devido s dificuldades, no recorriam ou pouco recorriam, s debntures, instrumentos apropriados para esse fim. (MARTINS, 1989)

    O rigor do Decreto n. 177-A aliado inflao acelerada desestimulou a emisso das debntures como forma de capitao de recursos para o financiamento das atividades desenvolvidas pelas sociedades annimas. Cunha Peixoto chegou at a afirmar que essa

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    espcie de valor mobilirio s uma forma vivel e aceita de capitao de recursos em pases de economia estvel.

    Trata-se, porm, de emprstimo s possvel em pases de moeda forte, ou melhor, estvel. Da ter desaparecido sua importncia no Brasil. O surto inflacionrio, que vem avassalando o pas desde muitos anos, tornara impraticvel o emprstimo sob esta modalidade de juros e o alargamento do prazo de reembolso. A inflao gua a moeda e por isso no coaduna com o emprstimo a longo prazo. (1973, p.151)

    A reduo da preferncia no recebimento do crdito em caso de falncia, instituda pela Lei n. 3.726, de 11 de fevereiro de 1960, tambm contribuiu para o desestmulo da emisso das debntures, pois os investidores se tornaram ainda mais resistentes quanto aquisio desses ttulos como forma de investimento de seu capital.

    Na tentativa de flexibilizar as normas regulamentadoras das debntures e estimular a emisso desses valores mobilirios, a Lei n. 4.728, de 14 de julho de 1965, que disciplinou o mercado de capitais e seu funcionamento, criou novas formas de debntures: as endossveis, as conversveis em aes e as que previam a correo monetria de seu valor nominal. Tal medida foi igualmente criticada por Cunha Peixoto. Para ele:

    As duas alteraes no servem de estmulo emisso e aceitao das debntures. Com efeito, a experincia mostra que, mesmo tendo diminudo o surto inflacionrio, s tem aceitao no mercado as obrigaes com correo monetria e juros em torno de seis por cento. Ora, se dificilmente uma empresa de grande porte suporta essas taxas, insustentvel ser a carga para as de pequeno e mdio portes. Por outro lado, a clusula de converso em aes, a opo se resolve sempre a favor do investidor. Se os negcios da empresa correm muito bem, preferir a converso de suas debntures, mas se forem mal, o ttulo, embora se apresente com exigibilidade privilegiada, no compensa seu investidor, dada a desvalorizao da moeda. (1973, p. 152)

    A vantagem da debnture conversvel em aes reside no fato de o investidor poder optar entre uma ao valorizada a um ttulo de renda fixa, que proporciona juros peridicos e retorno do capital na poca do resgate. Ora, se ele, em virtude da desvalorizao da moeda, vai receber seu capital sem o mesmo valor aquisitivo da ocasio do emprstimo, evidente que sua opo ser ilusria. (1973, p. 153)

    Rubens Requio tambm afirma que os incentivos criados no foram suficientes para alavancar o mercado de compra e venda de debntures: mesmo assim, poucas foram as empresas de que delas lanaram mo, pois a correo monetria de seu valor dissuade os interessados em institu-las. (1998, p. 98) Mesmo com tais mudanas na legislao que tratava sobre as debntures, o nmero de emisso desses ttulos continuou tmido, at o advento da Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que disps sobre as sociedades por aes, modificando as regras aplicveis s debntures.

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    Com o fortalecimento da moeda real, a reduo da inflao e a estabilidade da economia, pelo menos se comparada aos quadros vividos pelo Brasil nos ltimos cem anos, a emisso de debntures pelas sociedades annimas e a sua compra por investidores se tornou uma opo interessante.

    Nos ltimos vinte anos, com mais expressividade na ltima dcada, foram criados, ainda, sistemas de auxlio aos investidores, intermediadores e sociedades de capital quanto s debntures, popularizando o instituto, elaborando regras de operao e atribuindo maior segurana queles que recorrem ao mercado de capitais, seja como investidor, seja como captador. A CVM publicou diversas instrues normativas regulamentando a emisso de debntures, criando forma de emisso simplificada, instituindo a obrigatoriedade de divulgao de informaes necessrias anlise da operao e sade financeira das companhias emitentes, regulamentando de maneira pormenorizada a intermediao das operaes por instituies financeiras, dentre outras.

    A Bovespa criou sua classificao de governana corporativa, atribuindo maior credibilidade s negociaes nela operadas. A ANBID instituiu a cdigo de auto-regulao da Associao Nacional dos Bancos de Investimento, alm de colocar disponvel um site que contm informaes e oferece auxlio aos participantes do mercado de capitais. Em 1988 surgiu o sistema nacional de debntures SND, em virtude de uma parceria firmada entre a ANDIMA e a CETIP, visando criar condies ideais para o desenvolvimento do mercado de debntures no Brasil (O SND: viabilizando ...).

    Todos esses fatores, como j afirmado, contriburam para o crescimento do nmero de emisses de debntures no Brasil, que passou a ser extremamente representativo em termos de volume de recursos captados no mercado de capitais por meio de emisso de papeis prprios pelas sociedades annimas de capital aberto.

    3.3 Evoluo legislativa sobre a regulamentao das debntures no Brasil

    Em 1881, foi publicada a Lei n. 3.150, regulamentando as sociedades annimas e sociedades em comandita por aes. A mencionada legislao, em seu artigo 32, permitia a essas sociedades emitir debntures, ento denominadas obrigaes.

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    As debntures eram ttulos ao portador, que representavam obrigaes contradas pela companhia perante terceiros.

    poca a emisso de debntures foi limitada a valor no superior ao valor do capital social da companhia. Os administradores da sociedade eram responsveis, pessoalmente, pela emisso de debntures se descumprida a aludida regra (art. 32, 1, c.c/ art. 26, 5, Lei n. 3.150/1881). Aos administradores que no observassem as regras estabelecidas pelo pargrafo primeiro do artigo 32, era aplicada a pena de multa, cujo valor variava entre 200$ e 5000$ contos de ris.

    Os debenturistas podiam eleger um fiscal para represent-los perante a sociedade emitente, que teria as mesmas atribuies e atuaria em conjunto com os conselheiros fiscais da companhia (art. 32, 2, Lei n. 3.150/1881).

    Os debenturistas possuam, ainda, a prerrogativa de estarem presentes nas assembleias gerais da sociedade emitente, podendo at participar das discusses das matrias que seriam ali votadas. No tinham, todavia, direito de voto (art. 32, 3, Lei n. 3.150/1881).

    Com a publicao do Decreto n. 164, em 04 de novembro de 1890, que reformou a Lei n. 3.150/1881, importantes mudanas foram introduzidas quanto s regras aplicveis emisso de debntures pelas sociedades annimas.

    O artigo 32 do mencionado decreto, passou a permitir a emisso de debntures ao portador pelas sociedades annimas no Brasil e no exterior.

    O valor de emisso das debntures passou a estar vinculado ao valor total do fundo social da companhia e no mais ao seu capital social (art. 32, 1, Decreto n. 164/1890). Os administradores da sociedade, entretanto, continuavam a serem responsabilizados pessoalmente, caso infringissem essa regra, sendo a eles impostas as mesmas penas definidas na Lei n. 3.150/1881. As debntures passaram a ser garantidas pelo ativo e demais bens da companhia emitente (art. 32, 2, Decreto n. 164/1890).

    A legislao em comento passou a garantir aos debenturistas preferncia no pagamento de seus crditos, no caso de liquidao da companhia. Essa preferncia foi concebida de forma irrestrita aos debenturistas, preferindo o pagamento de seus crditos ao de qualquer outro credor (art. 32, 3, Decreto n. 164/1890).

    O Decreto n. 164/1890 manteve o direito dos debenturistas de estarem presentes e participarem das discusses travadas nas assembleias gerais das sociedades emitentes. Essa

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    participao, todavia, foi restringida s matrias que interessavam aos debenturistas, no que se referia aos seus crditos (4, art. 32, Decreto n. 164/1890).

    Finalmente, importante mencionar que a legislao ora tratada foi omissa em relao ao direito dos debenturistas de elegerem um fiscal que representasse seus interesses, como havia feito o legislador de 1881. Direito esse que voltou a ser expressamente previsto no 2 do art. 44 do Decreto n. 434, de 4 de julho de 1891.

    O Decreto n. 434/1891 pouco inovou o Decreto n. 164/1890. A referida legislao basicamente repetiu o contedo dos artigos do Decreto n. 164/1890 que j regulamentavam a emisso de debntures, acrescendo a previso expressa do direito dos debenturistas elegerem um fiscal para auxili-los, como j previsto na Lei n. 3.150/1881. Determinou, ainda, que a emisso destes ttulos somente seria possvel se previsto no estatuto social da companhia ou se aprovado pela assembleia geral de acionistas (art. 45).

    Em 15 de setembro de 1893, foi publicado o Decreto n. 177-A, regulamentando, especificamente, a emisso de debntures pelas sociedades annimas.

    O Decreto n. 177-A/1893 trouxe uma srie de novidades e algumas mudanas s normas que vinham sendo aplicadas quanto emisso das debntures.

    O valor da emisso das debntures voltou a ser vinculado ao valor total do capital social da companhia emitente (art. 1, 3, Decreto n. 177-A/1893). Foram, contudo, estabelecidas algumas excees referida regra. As associaes de credito hipotecrio, bem com as associaes de estradas de ferro, navegaes, colonizao e minerao no precisavam obedecer os limites de emisso impostos s demais sociedades annimas. s demais companhias era permitido colocar em circulao debntures em valor superior ao valor total do capital social, desde que elas garantissem o valor excedente de emisso com ttulos de dvida da Unio, dos Estados ou dos Municpios. Ttulos estes cuja data de vencimento deveria, obrigatoriamente, coincidir com a data de vencimento das debntures por eles garantidas (art. 1, 4, Decreto n. 177-A/1893).

    O pagamento das debntures continuou a ser garantido pelo ativo e demais bens da sociedade emitente. Passou a ser admitida, ainda, a garantia do pagamento das debntures atravs de hipotecas, anticreses e penhores. Nesse caso, a sociedade deveria abster-se de comercializar os bens onerados com garantia real enquanto perdurasse a vigncia do contrato acessrio (art. 1, 2, Decreto n. 177-A/1893).

    Foi previsto o direito de preferncia dos debenturistas em relao aos demais credores. Entretanto, essa preferncia no mais prejudicaria os credores hipotecrios, anticresistas e

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    pignoratcios caso essas garantias tivessem sido constitudas antes da emisso das debntures (art. 1, 1, II, Decreto n. 177-A/1893).

    O Decreto n. 177-A/1893 fixou quorum de instalao e deliberao da assembleia geral de acionistas. A assembleia seria instalada com quorum de, pelo menos, dois teros do capital votante, devendo a deliberao de aprovao da emisso de debntures ser tomada por, pelo menos, a metade do capital votante (art. 1, 5, Decreto n. 177-A/1893).

    A ata de aprovao da emisso de debntures deveria ser publicada em jornal oficial e em outro de grande circulao, contendo as informaes essenciais ao negcio jurdico a se realizar (art. 1, 6, Decreto n. 177-A/1893).

    A inobservncia das formalidades mencionadas nos dois pargrafos anteriores importaria em nulidade da deliberao em proveito dos debenturistas (art. 1, 7, Decreto n. 177-A/1893).

    Alm da publicao da ata da assembleia geral que aprovasse a emisso de debntures, os administradores da companhia deveriam publicar um manifesto contendo vrias informaes sobre a sociedade emitente e as debntures que seriam colocadas em circulao (art. 2, Decreto n. 177-A/1893).

    O artigo 2 do Decreto n. 177-A/1893 estabeleceu ainda alguns requisitos que deveriam conter as crtulas das debntures emitidas pelas sociedades annimas. Dentre eles destacam-se: a designao da srie a que a obrigao pertencia, o seu nmero de ordem, a data da inscrio do emprstimo no registro geral, a assinatura de um administrador pelo menos, o nome e o objeto da sociedade emitente, o montante dos emprstimos anteriormente emitidos pela companhia, o valor do ativo e passivo da sociedade emitente e as garantias de hipoteca, se fosse o caso.

    Foi determinado, ainda, a obrigatoriedade da companhia emissora conferir direitos iguais aos obrigacionistas portadores de debntures da mesma emisso e srie (art. 2, 3, Decreto n. 177-A/1893).

    As sociedades emitentes de debntures deveriam publicar trimestralmente o seu balano demonstrando a atual situao financeira e contbil da companhia (art. 2, 8, Decreto n. 177-A/1893).

    O Decreto n. 177-A/1893, em seu artigo 3 vedou a emisso, sem a prvia autorizao do poder legislativo, de notas, bilhetes, ficas, vales, papel ou ttulo, contendo promessa de pagamento em dinheiro ao portador ou com o nome deste em branco. Como sano ao

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    descumprimento dessa vedao foi imposta a pena de multa equivalente ao qudruplo do valor de emisso dos ttulos, bem como a aplicao de pena de priso simples de quatro a oito meses. Esta pena recairia somente sobre o emissor e a pena de multa seria aplicada sociedade emitente e aos portadores dos ttulos emitidos em condies irregulares.

    Foi atribuda a prerrogativa sociedade, no caso de insolvncia ou liquidao, de fazer proposta de acordo aos debenturistas quanto ao resgate de seus ttulos. Tal proposta, para ser vlida, deveria ser aprovada por obrigacionistas detentores de mais de dois teros do valor total de debntures emitidas.

    Finalmente, o Decreto n. 177-A/1893, no seu artigo 6, previu a possibilidade das companhias emitirem debntures reembolsveis mediante sorteio, a preo superior ao da emisso, sem que ficassem sujeitos tais ttulos ao pagamento de juros anuais de, pelo menos, 3%. Todas as debntures deveriam ser resgatadas pela mesma soma, de modo que o importe da anuidade, compreendendo a amortizao e os juros, se mantivesse igual em toda a durao do emprstimo, sob pena de nulidade da emisso.

    Em 06 de fevereiro de 1933, com a publicao do Decreto n. 22.431, surgiu, pela primeira vez, a figura da comunho de interesses dos debenturistas. O referido Decreto dispunha que entre os debenturistas portadores de ttulos da mesma categoria, subordinados s mesmas condies de amortizao e de juros e que gozassem das mesmas garantias, era criada uma comunho de interesses.

    Como rgo deliberativo e representativo dessa comunho de interesses foi instituda a assembleia dos obrigacionistas, hoje conhecida por assembleia especial dos debenturistas (art. 3, Decreto n. 22.431/1933). As deliberaes tomadas nessa assemblia produziam efeitos a todos os portadores de debntures de determinada categoria (art. 3, Decreto n. 22.431/1933).

    Para que a assembleia pudesse regularmente funcionar e deliberar era necessrio a comprovao da presena dos portadores de, pelo menos, trs quartos dos ttulos em circulao. Aps, todavia, duas convocaes sem sucesso, era permitido convocar pela terceira vez a assembleia que se instalaria regularmente com a presena dos portadores de um tero do valor dos ttulos em circulao (art. 7, Decreto n. 22.431/1933).

    As deliberaes deviam ser tomadas pela maioria dos titulares das obrigaes presentes na assembleia, salvo em casos especiais, quando a lei impusesse quorum maior. Para cada debnture era concedido o direito de um voto (art. 8, Decreto n. 22.431/1933).

    Nas assembleias de debenturistas era permitido deliberar acerca das medidas de conservao, defesa e salvaguarda dos interesses comuns dos obrigacionistas, bem como a

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    respeito de quaisquer modificaes temporrias ou definidas nas clusulas e estipulaes do contrato de emprstimo e sobre a nomeao de um ou mais representantes, permanentes ou no, da coletividade dos obrigacionistas (art. 10, Decreto n. 22.431/1933)

    Importante mencionar, ainda, que o Decreto n. 22.431/1933 previa a possibilidade dos debenturistas requerer a falncia da sociedade emitente, em sessenta dias aps verificada a mora, se a companhia ou o representante dos obrigacionistas no tivessem convocado assembleia para deliberar sobre a providncia mais conveniente a ser tomada (art. 13, Decreto n. 22.431/1933).

    Entretanto, na hiptese em que a falta do pagamento fosse ato de ordem individual, que no interessasse coletividade dos obrigacionistas, a ao individual seria admitida sem restries (art. 13, Decreto n. 22.431/1933).

    O Decreto-lei n. 781, de 12 de outubro de 1938 tratou e regulamentou a comunho de interesses dos debenturistas, trazendo algumas inovaes quanto s disposies do Decreto n. 22.431/1933.

    O Decreto-lei n. 781/1938 admitiu a representao do debenturista ausente por terceiro, portador ou no de debntures prprias (art. 9).

    A referida legislao modificou o Decreto n. 22.431/1933 em relao ao quorum de instalao da assembleia. No atingido o quorum de instalao de, pelo menos, dois teros dos ttulos em primeira, segunda e terceira convocao, seria entendido que os debenturistas haviam se recusado a fazer um acordo acerca da matria objeto do edital de chamada. Dessa forma, a reduo do quorum de instalao em terceira convocao prevista no decreto de 1933 ficou revogada tacitamente pelo Decreto-lei n. 781/1938, art. 10.

    Foi determinado pelo Decreto-lei n. 781/1938 a necessidade de homologao judicial, com a oitiva de um representante do ministrio pblico e de um representante dos debenturistas divergentes, se o juiz entendesse ser importante, das deliberaes que alterassem o contrato de emprstimo firmado entre companhia emitente e debenturistas (art. 12).

    O artigo 13 da mesma legislao tambm inovou ao determinar que qualquer acordo para a liquidao de emprstimo por obrigaes deveria corresponder a um pagamento no inferior ao que produziria para os obrigacionistas se liquidada a sociedade, deduzidas as despesas previstas da operao e o valor das dvidas privilegiadas por lei.

    O Decreto-lei n. 781/1938, em seu artigo 15, atribuiu a prerrogativa aos debenturistas de ingressarem em juzo requerendo a anulao do acordo celebrado, ainda que julgado por

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    sentena, no prazo de um ano contados da data de sua realizao ou da sua homologao, provando-se a nulidade, fraude, simulao ou erro.

    Em 26 de setembro de 1940, foi publicado do Decreto n. 2.627, regulamentando as sociedades annimas. O referido no tratou de forma especfica sobre questes inerentes s debntures, permanecendo em vigor o Decreto n.177-A/1893.

    O Decreto n. 2.627/40 disps sobre as debntures, especificamente, apenas em seus artigos 87, 105 e 166. O artigo 87, em seu pargrafo nico, estabeleceu quais as matrias de deliberao eram de competncia privativa da assembleia geral de acionistas, dentre elas, deliberaes acerca da criao e emisso de obrigaes ao portador.

    O artigo 105 estabeleceu quorum privilegiado - metade, no mnimo, do capital com direito de voto - para se deliberar sobre a criao de obrigaes ao portador.

    O artigo 166, por sua vez, determinou que a assembleia geral de scios no poderia deliberar sobre algumas questes sem que houvesse consentimento dos diretores ou gerentes da sociedade, dentre elas destacava-se a criao de obrigaes ao portador.

    As garantias ento concedidas pelo Decreto n. 177-A - preferncia de pagamento sobre quaisquer outros crditos - foram reduzida com a entrada em vigor da lei de falncias - Decreto n. 3.726/60. Este atribuiu aos debenturistas condies de privilgio geral - pagamento de seus crditos aps o pagamento dos crditos trabalhistas, encargos da massa e dos portadores de ttulos com garantias reais - e no mais de pagamento prioritrio (PEIXOTO, 1973).

    Em 31 de dezembro de 1964, foi publicada a Lei n. 4.595, regulamentando a poltica e as instituies monetrias, bancrias, creditcias e criando o Conselho Monetrio Nacional. Essa lei vedou s instituies financeiras a emisso de debntures e partes beneficirias (art. 35, I), salvo quando se tratassem de instituies financeiras que no tivessem em seu objeto o recebimento de depsitos.

    s instituies financeiras cujo objeto social permitisse a emisso de debntures, para faz-lo era necessrio buscar a obteno de prvia autorizao do Banco Central nesse sentido. Autorizao essa que deveria ser concedida em cada caso de emisso destes ttulos (pargrafo nico, art. 35, Lei n. 4.595/1964).

    Vale mencionar que o Decreto-lei n. 2290/1986 alterou a redao do artigo 35 da lei n. 4.595/64, abrindo exceo para a emisso de debntures somente para as instituies financeiras que no recebem depsito do pblico. Foi mantida, todavia, a necessidade da aprovao do Banco Central para a realizao dessa operao.

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    Em 14 de julho de 1965, foi publicada a Lei n. 4.728, regulamentando o funcionamento do mercado de capitais. Essa legislao determinou que o mercado de capitais seria regulamentado pelo Conselho Monetrio Nacional e fiscalizado pelo Banco Central do Brasil, devendo ambos o fazerem com a finalidade de:

    a) facilitar o acesso do pblico a informaes sobre os ttulos ou valores mobilirios distribudos no mercado e sobre as sociedade que os emitirem; b) proteger os investidores contra emisses ilegais ou fraudulentas de ttulos ou valores mobilirios; c) evitar modalidades de fraude e manipulao destinadas a criar condies artificiais da demanda, oferta ou preo de ttulos ou valores mobilirios distribudos no mercado; d) assegurar a observncia de prticas comerciais eqitativas por todos aqueles que exeram, profissionalmente, funes de intermediao na distribuio ou negociao de ttulos ou valores mobilirios; e) disciplinar a utilizao do crdito no mercado de ttulos ou valores mobilirios; f) regular o exerccio da atividade corretora de ttulos mobilirios e de cmbio (art. 2).

    Ao Banco Central, no exerccio de funo de fiscalizador das operaes realizadas no mercado de capitais, foram outorgadas algumas competncias, visando garantir a segurana dos investidores e a transparncia das operaes efetuadas no mercado de capitais. Dentre elas destacavam-se:

    a) manter registro e fiscalizar as operaes das sociedades e firmas individuais que exeram as atividades de intermediao na distribuio de ttulos ou valores mobilirios, ou que efetuem, com qualquer propsito, a captao de poupana popular no mercado de capitais; b) registrar ttulos e valores mobilirios para efeito de sua negociao nas Bolsas de Valores; c) registrar as emisses de ttulos ou valores mobilirios a serem distribudos no mercado de capitais; d) fiscalizar a observncia, pelas sociedades emissoras de ttulos ou valores mobilirios negociados na bolsa, das disposies legais e regulamentares relativas a: publicidade da situao econmica e financeira da sociedade, sua administrao e aplicao dos seus resultados; e, proteo dos interesses dos portadores de ttulos e valores mobilirios distribudos nos mercados financeiro e de capitais; e) fiscalizar a observncia das normas legais e regulamentares relativas emisso ao lanamento, subscrio e distribuio de ttulos ou valores mobilirios colocados no mercado de capitais; f) manter e divulgar as estatsticas relativas ao mercado de capitais, em coordenao com o sistema estatstico nacional; g) fiscalizar a utilizao de informaes no divulgadas ao pblico em benefcio prprio ou de terceiros, por acionistas ou pessoas que, por fora de cargos que exeram, a elas tenham acesso (art. 3).

    O artigo 21 da referida lei determinou ainda ser obrigatrio o registro prvio no Banco Central de todas as operaes a serem realizadas no mercado de capitais.

    Em seu artigo 26, a Lei n. 4.728/65 facultou s companhias emitirem debntures com clusula de correo monetria. Contudo, se optassem por assim fazer, deveriam atender alguns requisitos relacionados pelos incisos do referido artigo de lei. Dentre esses requisitos

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    destacavam-se: o prazo de resgate dessas debntures deveria ser igual ou superior a um ano, a correo deveria ser realizada em perodos no inferiores a trs meses, utilizando-se como ndice de correo os ndices aprovados pelo Conselho Monetrio Nacional para a correo de crditos fiscais e a colocao dessas debntures no mercado deveria ser feita por intermdio de instituies financeiras autorizadas pelo Banco Central para realizarem esse tipo de operao.

    Foi assegurado s instituies financeiras intermedirias, na colocao de debntures com clusulas de correo monetria no mercado, indicar um representante como membro do conselho fiscal da companhia emitente com mandato vigente at o resgate de todas as obrigaes emitidas (4, art. 26, Lei n. 4.728/65).

    s instituies financeiras intermedirias na colocao de debntures no mercado foi conferido tambm o direito de representar os debenturistas ausentes na assembleia especial (5, art. 26, Lei n. 4.728/65).

    O artigo 40 da Lei n. 4.728/65 permitiu a emisso de debntures ao portador e endossveis, estas previstas pela primeira vez na legislao brasileira.

    Caso a companhia optasse por emitir debntures endossveis, deveria manter um livro de registro de obrigaes endossveis, no qual seria registrado o nome dos proprietrios desses ttulos e as transferncias realizadas.

    No artigo 44 da Lei n. 4.728/65 foi facultado s sociedades annimas emitir debntures conversveis em aes de seu capital. Forma essa regulamentada, posteriormente pela Resoluo n. 109/1969, modificada pela Resoluo n. 378/1976, ambas expedidas pelo Banco Central do Brasil.

    As condies da converso das debntures conversveis em aes deveriam ser aprovadas pela assembleia geral de acionistas. diretoria da companhia caberia converter as debntures em aes, dando quitao s obrigaes inerentes emisso das primeiras pelo pedido escrito do seu titular, no caso de obrigaes endossveis, ou mediante tradio do certificado da debnture, no caso de obrigao ao portador, independente da realizao de nova assembleia convocada para essa finalidade (art. 44, 3 e 4, Lei n. 4.728/1965).

    Aps realizada a converso das debntures em aes, a companhia emitente teria o prazo de 30 (trinta) dias para registrar a operao na junta comercial onde arquivava os seus atos constitutivos e societrios (art. 44, 5, Lei n. 4.728/1965).

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    Foi concedido o direito de preferncia dos acionistas da companhia em adquirir as debntures conversveis em aes ( 6, art. 44, Lei n. 4.728/1965). Direito esse existente at os dias de hoje (art. 171, Lei n. 6.404/1976).

    A figura do certificado de debntures endossveis foi prevista na Lei n. 4.728/65 e a transferncia desses ttulos operava-se mediante a averbao do nome do endossatrio no livro de registro de obrigaes endossveis ou no prprio certificado (art. 33).

    A transferncia mediante endosso das debntures no teria eficcia perante a sociedade emitente enquanto no fosse feita a averbao no livro de registro e no prprio certificado. O endossatrio, possuidor do ttulo, com base em srie contnua de endossos, tinha o direito de obter a averbao da transferncia ou a emisso de novo certificado em seu nome ou no nome de quem indicasse ( 4, art. 34, Lei n. 4.728/1965).

    Posteriormente publicao da legislao ora tratada, foi publicada a Lei n. 5.589/1970, autorizando a autenticao de certificados de debntures, mediante a utilizao de chancela mecnica (art. 1).

    Em 7 de dezembro de 1976, foi publicada a Lei n. 6.385, criando a Comisso de Valores Mobilirios. A esta autarquia foram atribudas a competncia, dentre outras, de fiscalizar permanentemente as atividades e os servios do mercado de valores mobilirios, bem como a veiculao de informaes relativas ao mercado, s pessoas que dele participem, e aos valores nele negociados. Foi tambm atribuda a competncia de fiscalizar e inspecionar as companhias abertas dando prioridade s que no apresentem lucro em balano ou s que deixem de pagar o dividendo mnimo obrigatrio (art. 8).

    CVM foi atribuda competncia para legislar, registrar e fiscalizar as distribuies pblicas da maioria dos valores mobilirios negociados no mercado de capitais, dentre ele a distribuio pblica de debntures.

    Aps a criao da CVM foram institudas regras, de certa forma, rgidas para a distribuio pblica de valores mobilirios. Entretanto, essas regras visavam dar maior segurana e transparncia ao mercado de capitais, para fins de foment-lo, incentivando os investidores a atuar no referido mercado.

    Finalmente, foi publicada a Lei n. 6.404/1976, regulamentando as sociedades annimas e, consequentemente, as debntures. Tal legislao, apesar de alterada parcialmente pelas Leis n. 9.457/97 e 10.303/01, continua em vigor at a presente data.

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    A lei n. 6.404/76 revogou as demais legislaes que tratavam sobre as debntures e apesar de ter trazido algumas inovaes no alterou a essncia de algumas disposies at ento em vigor.

    Cumpre ainda mencionar que em 1980 foi publicada a Lei n. 8.021 proibindo a emisso de ttulos ao portador e endossveis. Tal proibio extensiva s debntures. Portanto, a partir da publicao dessa lei, somente passou a ser permitida no Brasil emisso de debntures nominativas, registradas ou escriturais.

    4 IMPORTNCIA ECONMICA

    As debntures, principalmente a partir do fortalecimento da moeda real, passaram a ser um instrumento muito utilizado pelas sociedades por aes como forma de captao de recurso no mercado de capitais. Afinal, por representar emprstimos a mdio e longo prazo, em sua grande maioria, as debntures oferecem a vantagem de ser um contrato cujas obrigaes so estipuladas pela companhia, conforme suas necessidades reais e suas convenincias, ao contrrio do emprstimo bancrio, cujas condies so impostas ao muturio pelo mutuante. Para os investidores individuais e para os fundos de investimento, as debntures tambm passaram a ser um negcio atrativo, posto que, por ser um ttulo de renda fixa, na maior parte dos casos, a remunerao do capital emprestado pr-determinada e costuma ser bem maior do que a remunerao oferecida pelas instituies financeiras, alm de ser considerado um investimento relativamente seguro.

    Seguindo a tendncia mundial2, a emisso das debntures no Brasil hoje j supera a emisso de aes, em nmero e volume de capital. Em 1996, foram realizados junto CVM 22 registros de emisso de aes e 98 registros de emisso de debntures. Todavia, naquele ano o volume de capital que girou em torno da emisso de aes ainda foi maior do que o volume de recursos captado pelas emisses de debntures. Foram comercializados R$ 9.142.506.462,60 (nove bilhes, cento e quarenta e dois milhes, quinhentos e seis mil, quatrocentos e sessenta e dois reais e sessenta centavos) em aes e R$ 8.395.471.940,96

    2 Philippe Merle, com relao Frana, mostra que essa curva ascendente das debntures tambm ganha realce

    na dcada de 1990, quando chega a superar em mais de 50% o volume de aes emitidas. (BORBA, 2005, p. 8)

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    (oito bilhes, trezentos e noventa e cinco milhes, quatrocentos e setenta e um mil, novecentos e quarenta reais e noventa e seis centavos) em debntures.

    Em 1997, o volume de emisses registrado de debntures R$ 7.517.772.842,20 j se mostrou superior ao volume de emisses registrado de aes R$ 3.965.210.427,85. A partir de ento, o histrico de 1997 se repetiu3, tendo em 2006, sido emitidos R$ 69.464.083.040,20 (sessenta e nove bilhes, quatrocentos e sessenta e quatro milhes, oitenta e trs mil e quarenta reais e vinte centavos) em debntures comparados a R$ 14.212.632.881,23 (quatorze bilhes, duzentos e doze milhes, seiscentos e trinta e dois mil, oitocentos e oitenta e um reais e vinte e trs centavos) em aes.

    Como se observa, os dados colhidos no site da CVM demonstram que, a partir da dcada de noventa, as debntures passaram a ser muito bem aceitas no mercado. O valor negociado em torno desses ttulos o de maior expresso econmica no mercado de capitais, superando, inclusive o valor de emisso das aes, que so os ttulos de mais tradio no mercado.

    5 CONCLUSO

    Conclui-se ao final desse trabalho ser as debntures um dos primeiros valores mobilirios a existir e serem regulamentados pela legislao brasileira, ainda na fase do Brasil Imprio.

    3 Dados colhidos no site da CVM, em 26 de fevereiro de 2009.

    Ano Emisso de Debntures Emisses de Aes 1998 R$ 9.657.344.341,96 R$ 4.112.097.451,52 1999 R$ 6.676.384.344,61 R$ 2.749.447.694,80 2000 R$ 8.748.003.946,00 R$ 1.410.167.960,40 2001 R$ 15.162.137.780,00 R$ 1.353.299.000,00 2002 R$ 14.635.600.000,00 R$ 1.050.442.564,05 2003 R$ 5.282.404.000,00 R$ 299.999.999,96 2004 R$ 9.614.451.500,00 R$ 4.469.902.764,89 2005 R$ 41.538.852.293,88 R$ 4.364.528.761,71 2006 R$ 69.464.083.040,20 R$ 14.212.632.881,23 2007 R$ 46.533.786.496,75 R$ 32.200.705.420,02 2008 R$ 37.458.538.000,00 R$ 32.148.102.600,43

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    Entretanto, por diversos motivos, as debntures demoraram a ser vistas como uma forma interessante de investimento, apesar de o legislador brasileiro ter sempre reconhecido a sua importncia para o fomento das atividades exercidas pelas companhias.

    Aps superar as razes existentes que impediam o seu desenvolvimento no Brasil, citando-se como principais, as normas regulamentadoras muito rgidas, crises econmicas, forte inflao e falta de credibilidade do mercado de capitais, o nmero de emisses de debntures e o volume de capital girado por meio desse negcio cresceu consideravelmente, e acabou por se tornar o mais expressivo na atualidade.

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