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JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL: UM
PROBLEMA DA TEORIA DA
DEMOCRACIA POLÍTICA. MARTONIO MONT’ALVERNE BARRETO LIMA
Doutor em Direito pela Johann Wolfgang Goethe-Universität/Frankfurt am Main,
Coordenador do Programa Pós-Graduação em Direito/Mestrado em Direito
Constitucional da Universidade de Fortaleza – UNIFOR e Procurador do Município de
Fortaleza.
“No ponto em que se movimentam, príncipe e juristas, se origina um
despotismo que mal deixa o ar para o homem respirar; quem somente
refletir sobre o príncipe - e não sobre os juristas - conhecerá apenas um
lado da tirania. Para conhecer o todo é necessário ter os dois –
príncipe e juristas – diante dos olhos”.
Alexis de Tocqueville 1.
O presente texto é também produto de algumas reflexões que se originam a
partir da observação empírica. Noticiosos do Brasil e de outros países do mundo não se
cansam de transmitir informações sobre o papel dos tribunais, os constitucionais, em
especial. O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis abandonou seu ambiente
meramente intelectual a ponto de não ser incomum que se ouça de cidadãos, que não
dispõem do manejo teórico das complexas normas de controle jurisdicional da
constitucionalidade, expressões a demonstrarem alguma familiaridade com o assunto2.
Que esta realidade é denunciadora do grau de conhecimento de um número cada vez
maior de pessoas do significado e teor de uma constituição, não pretendo discutir aqui.
1TOCQUEVILLE, Alexis de, “Die gesellschaftliche und politische Zustände Frankreiches vor und nach
1789“ in TOCQUEVILLE, Alexis de, Das Zeitalter der Gleichheit – Auswahl aus Werken und Briefen, 2ª
ed, Köln/Opladen, Westdeutscher Verlag, 1967, p. 133. No original: “An dem Schnittpunkt, an dem sie sich
begegnen, entsteht ein Despotismus, der der Menschheit kaum die Luft zum atmen läßt; wer nur an den
Fürsten denkt, nicht an den Juristen, kennt nur eine Seit der Tyrannei. Um das Ganze zu erfassen, muß man
aber beide zugleich im Auge haben”. A tradução deste trecho e dos demais em língua estrangeira neste
ensaio - quando não mencionados os créditos aos autores respectivos - são de minha responsabilidade. 2Refiro-me aqui a um número de pessoas acompanham cotidianamente os acontecimentos políticos. Para o
caso brasileiro, evidentemente, não há como afirmar que a maior parte da população discute tais assuntos,
em virtude do grau de nossa exclusão social. O que importa é que após a promulgação da Constituição
Federal de 1988 a discussão sobre controle de constitucionalidade, ou a respeito de que “essa lei é
inconstitucional” era preocupação exclusiva de juristas e tribunais e, quando muito, de alguns acadêmicos.
Hoje, o quadro parece ser bem distinto.
2
Igualmente, o lado positivo, em relação à politização da sociedade e o conhecimento
efetivo daquilo que são seus direitos e garantias fundamentais, não se constituem em
objeto de análise neste ensaio.
O que me move a rediscutir o controle jurisdicional da constitucionalidade,
aquele abstrato ou concentrado, é exatamente que, pelo nível de conhecimento público,
sua repercussão gera comentários por parcela significativa do chamado setor formador de
opinião, composto por mulheres e homens da imprensa, dos círculos políticos e dos
meios intelectuais de todas as áreas. Não há dúvidas de que já por essa ampliação a
respeito do que venha a ser controle jurisdicional da constitucionalidade, de seus efeitos e
do atento acompanhamento de seus resultados o tema merece ser tratado por uma ótica
que possibilite análises muito além da mera discussão envolvendo aspectos da dogmática
jurídica e sua articulação entre textos legais. O impacto de julgamentos sobre
constitucionalidade/inconstitucionalidade não passa desapercebido, merecendo sempre
atenção o processo em si. Desta forma, o objetivo central do trabalho é, num primeiro
instante, questionar a legitimidade dos tribunais constitucionais à luz da teoria da
democracia, e, posteriormente, enfrentar o debate sobre o caráter necessário da teoria
política - uma teoria política da democracia - para uma adequada compreensão do
controle de constitucionalidade3.
1. INTRODUÇÃO E PREMISSAS
Em 1951, numa de suas primeiras e importantes decisões o Tribunal Federal
Constitucional alemão (sim, isso mesmo, o Bundesverfassungsgericht) decidiu que “O
Tribunal Federal Constitucional reconhece a existência de direitos suprapositivos que
3As produções teóricas sobre controle da constitucionalidade no Brasil bem demonstram uma preocupação
exclusiva com pontos que envolvem, como se disse, somente a articulação jurídico-dogmática
(rechtsdogmatisch) entre os dispositivos constitucionais para o resultado daquilo que é constitucional ou
inconstitucional. Um bom exemplo é a obra de Gilmar Ferreira MENDES, Direitos Fundamentais e
Controle da Constitucionalidade – Estudos de Direito Constitucional, São Paulo, Instituto Brasileiro de
Direito Constitucional/Celso Bastos Editor, 1998. Na condição de influente doutrinador, o Autor, ministro
do Supremo Tribunal Federal desde junho de 2002, limita-se a discutir a ambiência da aplicação e
interpretação constitucional somente no campo da dogmática do Direito (Rechtsdogmatik) (id. ib., pp. 67 e
ss., por exemplo, ao discorrer sobre o STF e sua jurisprudência acerca do princípio da proporcionalidade/
razoabilidade).
3
também vinculam o legislador constitucional, e se declara competente nestes termos para
controlar o teor de constitucionalidade do direito vigente”4.
Em 1986 o Tribunal Constitucional Espanhol, instituído após a Espanha
franquista e, segundo a imagem e semelhança de seu inspirador germânico, estabeleceu
que: “Al Tribunal Constitucional corresponde, en su función de intérprete supremo de la
Constitución (art. 1 LOTC), custodiar la permanente distinción entre la objetivación del
poder constituyente y la actuación de los poderes constituídos, los cuales nunca podrán
rebasar los limites y las competências establecidas por aquél”5.
A data era 14 de abril de 1873. Após o julgamento dos Slaughter-House Cases, a
Suprema Corte dos Estados Unidos da América decidia que o problema da definição de
direitos dos cidadãos pertencia à esfera estadual. Assim, os Estados da federação
americana não estavam obrigados a cumprir o teor das emendas constitucionais
Thirteenth (aprovada pelo Congresso em 1865, e que proibia a escravidão) e Fourteenth
(aprovada pelo Congresso em 1866, concedendo cidadania e alguns direitos civis a todos
os African Americans)6. No ano de 1896 a mesma Suprema Corte decidiu, no caso Plessy
v. Ferguson, que a lei do Estado de Louisiana determinando “acomodações separadas,
porém iguais” para brancos e negros no transporte ferroviário era constitucional. Esta
decisão permanece até 1954, quando a mesma Suprema Corte aprecia o caso Brown v.
Board of Education, afirmando agora que a prática de separar brancos e negros nas
escolas é ilegal7.
Ainda sobre o controle de constitucionalidade nos Estados Unidos, Mark
Tushnet registra carta de Thomas Jefferson a Abigail Admas, mulher de seu “Federalist
4No original: “Das Bundesverfassungsgericht erkennt die Existenz überpositiven, auch den
Verfassungsgesetzgeber bindenden Rechtes an und ist zuständig, das gesetzte Recht daran zu messen“, in:
BUNDESVERFASSUNGSGERICHT, Entscheidungen des Bundesverfassungsgericht, 1. Band, Tübingen,
J. C. B. Mohr (Paul Siebeck), 1952, p. 18. A tradução deste trecho se encontra no ensaio “Judiciário como
Superego da Sociedade – O Papel da Atividade Jurisprudencial na “Sociedade Órfã”, de autoria de
Ingeborg MAUS, traduzido por mim e pelo Prof. Dr. Paulo Antônio de Menezes Albuquerque, publicado,
inicialmente, na Revista Novos Estudos nº 58, São Paulo, CEBRAP, novembro de 2000, pp. 183-202. 5Sentencia 76, de 5 de agosto de 1983, in QUECEDO, Manuel Pulido (org.), La Constitución Española con
la Jurisprudencia del Tribunal Constitucional, 2ª ed, Elcano (Navarra), Aranzadi Editorial, 1996, p. 1210. 6THOMAS, Brook, Plessy v. Ferguson – A Brief History with Documents, Boston/New York, Bedford/St.
Martin’s, 1997, p. 187. 7MARTIN Jr., Waldo E., Brown v. Board of Education – A Brief History with Documents, Boston/New
York, Bedford/St. Martin’s, 1998, pp. 228/229. A doutrina do caso Plessy v. Ferguson ficou conhecida
como “separated but equal”.
4
advsersary” John Adams: “If the judges could decide what laws are constitutional...for
the Legislature and Executive also, would make the judiciary a despotic branch”8.
Mesmo antes de sua promulgação, a Constituição de 1988, com sua considerável
inclusão de novos direitos, garantias e mecanismos institucionais que visavam a
implantação e consolidação definitiva de uma democracia social no Brasil, recebeu o
seguinte comentário de importante membro do Supremo Tribunal Federal (STF,
doravante), o Min. Moreira Alves, segundo o jornal O Estado de São Paulo, em 20.09.88:
„A aplicação da nova Constituição trará “grandes problemas” ao País. (...) Com o tempo,
serão corrigidas as “imperfeições”, que o texto apresenta (...)“
9. Mais tarde, em 1992, o
mesmo Min. Moreira Alves do STF, afirmou sobre os julgamentos políticos – como
aquele contra o ex-presidente Collor de Mello, processado e julgado na Câmara dos
Deputados e no Senado Federal, respectivamente: “Como se vê, em matéria de decisão
política, tudo é possível, pois esta não tem compromisso com fundamentação jurídica” 10
.
Tal afirmação minimiza o eventual respeito que, no caso, o poder legislativo brasileiro
possa vir a ter quando do processo e julgamento por crime de responsabilidade do Chefe
de Estado e de Governo, ainda mais quando existe legislação ordinária a disciplinar a
matéria. Em suma, a afirmação do Min. Moreira Alves nada mais é do que uma profunda
desconfiança em relação ao poder legislativo de obedecer o devido processo legal.
Estas e outras decisões das chamadas cortes constitucionais da atualidade –
longe de serem casos esporádicos - são reveladoras de problemas de ordem teórica a
respeito de sua natureza e de seu papel político, sobretudo. Ao mesmo tempo, formam o
motivo imediato do desejo de discorrer sobre o assunto.
Tanto no caso do tribunal alemão, como no espanhol ou no brasileiro, o vetor
interpretativo é claro: a corte constitucional respectiva deterá o monopólio de precisar o
significado do poder constituinte por meio de sua atividade de controle da
constitucionalidade, equiparando-se, assim, ao próprio poder constituinte. Oportuna a
8TUSHNET, Mark, Taking The Constitution Away from The Courts, Princeton, Princeton University Press,
1999, p. 15. 9MEDEIROS, Humberto J., Realização Constitucional do Mandado de Injunção, Dissertação de Mestrado
apresentada no Curso de Mestrado em Direito e Estado da Faculdade de Estudos Sociais Aplicados da
Universidade de Brasília, mimeo, Brasília, 1993, p. 126 10
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Mandado de Segurança nº 21.689-DF, in Impeachment, Brasília,
Imprensa Nacional, 1996, p. 383.
5
observação de Javier Royo: “Sin embargo, el Tribunal Constitucional en la Sentencia
antes mencionada, la 76/1983, de 5 de agosto, da un paso más, afirmando, en su función
de intérprete supremo de la Constitución, que él es el único organo constitucional que
puede con su manifestación de voluntad determinar el contenido de la voluntad
constituyente, es decir, que puede precisar de manera inequívocamente vinculante qué es
lo que ha querido decir el constituyente, cosa que no ocurre con ninguno de los demás, ni
siquiera con el legislador, el cual, si quiere proceder a tal operación, sólo puede hacerlo a
través del procedimiento previsto para la reforma de la Constitución”11
.
A despeito dos pontos favoráveis às cortes constitucionais, de sua função em
sociedades egressas de experiências autoritárias e totalitárias, um aspecto não pode ser
ignorado, permanecendo como se não existisse: as cortes constitucionais ultrapassam o
texto constitucional, comprometendo o teor democrático da concepção de separação de
poderes e, mais grave, substituindo o poder constituinte. Esta ultrapassagem é inerente à
atividade de controle da constitucionalidade, não interessando aqui quem o exerça12
.
Neste ponto, surge o dilema: por um lado, o controle da constitucionalidade de atos e leis
é precioso instrumento para o funcionamento razoável da separação de poderes e mesmo
para garantia contra abusos de quem tem o poder; sob outro ângulo, entretanto, o
exercício desta atividade realizado por quem não possui legitimidade popular alguma não
satisfaz os requisitos de uma teoria da democracia, na medida em que a composição das
cortes não é produto da apreciação direta do povo, mas sim um resultado da escolha dos
representantes. Por este modo de ver, as cortes constitucionais – nos dias de hoje –
chamadas diariamente à agenda política das sociedades, transformam-se em autênticos
policy makers, constroem decisões sobre temas polêmicos nas sociedades, os quais
permanecerão por muito tempo em vigor (em muitos casos, esta vigência supera aquelas
da lei). O que incomoda, e, talvez, por isso mesmo seja silenciado, é que, novamente, os
11
ROYO, Javier Perez, Tribunal Constitucional y División de poderes, Madrid, Editorial Tecnos, 1988, pp.
65/66. 12
Para Heinz Laufer, a tarefa da jurisdição constitucional deve mesmo atingir a política; tarefa esta que
deverá ter como ponto a dignidade da pessoa humana. São deste Autor as seguintes palavras, no original:
„Die zivilizatorische Herausforderung in Gegenwart und Zukunft für die Verfassungsgerichtsbarkeit sein,
derem Kontrollfunktion auch künftig die Politik menshenwürdig gestaltel soll“ in LAUFER, Heinz,
“Politische Kontrolle durch Richtermacht“, in: TOHIDIPUR, Mehdi (hrsg.), Verfassung,
Verfassungsgerichtsbarkeit, Politik, Frankfurt/M., Suhrkamp, 1976, p. 110.
6
membros destas cortes não passam pelo crivo de uma eleição direta e, discursivamente,
não se sentem obrigados à satisfação ao mesmo povo para o qual também governam.
Outro argumento central para a criação e manutenção das cortes constitucionais
é o de que tais cortes estariam, nas sociedades contemporâneas, acima das disputas
políticas, garantido assim o equilíbrio do sistema político constitucional vigente e o
próprio princípio universal de democracia da separação de poderes13
. Esta formulação
significa a ressurreição de princípios identificadores da monarquia, onde a pessoa do rei,
especialmente nas monarquias parlamentares da atualidade, é figura determinante para o
equilíbrio do sistema, com sua pretensa neutralidade e com o caráter apolítico de suas
decisões. Do ponto de vista do referencial histórico, a solução encontrada pela nobreza
para sua própria domesticação14
foi um sintoma de sua “rendição a valores
republicanos”15
. De maneira semelhante, a magistratura recupera por meio da tarefa de
interpretar e determinar a aplicação de uma constituição, seu prestígio e status social,
perdidos desde a queda dos privilégios com a Revolução Francesa. Como conseqüência
deste papel de distância das tensões políticas presentes em todas as sociedades, as cortes
constitucionais desempenhariam ainda a função de “pais da sociedade”, no sentido da
condição tradicional da paternidade provedora de todos os bens – materiais e imateriais –
da família16
. Ainda retornarei a este ponto, quando da discussão sobre o princípio da
soberania popular e sua coexistência, numa sociedade democrática, com a jurisdição
constitucional.
Reforçado pelo espectro angelical, o discurso favorável a cortes controladoras da
constitucionalidade aponta a sua condição de desarmadas frente aos demais poderes do
Estado, o que remeteria o teor de suas decisões, seu comportamento e o de seus membros
13
SAMPAIO, José Adércio Leite, A Constituição Reinventada pela Jurisdição Constitucional, Belo
Horizonte, Del Rey, 2002, p. 62. São do Autor as seguintes palavras: “A existência de uma judicatura
atuante, sobretudo na forma de tribunais especializados, decorreu, para alguns, da necessidade de equilibrar
os incrementos de funções dos outros dois poderes legislativo e executivo, com o crescimento do papel do
Estado e, sobretudo, do welfare state”. 14
LIEVEN, Dominic, Abschied von Macht und Würden - Der europäische Adel 1815-1914, Frankfurt/M.,
S. Fischer, 1995, pp. 46 e ss. 15
RIBEIRO, Renato Janine, A República, São Paulo, Publifolha, 2001, p. 32. O inteiro teor da afirmação
deste autor, na obra e local aqui indicados é: “Mas isso significa também que as monarquias que restaram
somente sobreviveram deixando de enfrentar a república, rendendo-se a seus valores”. 16
MAUS, Ingeborg, “Justiz als gesellschaftliches Über-Ich – Zur Funktion von Rechtsprechung in der
„vaterlosen“ Gesellschaft“, in FAULSTICH, Werner &. GRIMM, Gunter E., Sturz der Götter? Vaterbild
im 20. Jahrhundert, Frankfurt/M., Suhkamp, 1989, p. 123 ss.
7
exclusivamente para o campo de debate entre coragem e covardia: resistir – como
efetivamente podem legislativo e, principalmente, executivo – às decisões das cortes se
traduziria num gesto incivilizado. A afirmação de G. Rosenberg, baseada nas reflexões
do Federalista são exemplares: “Courts decisions, requiring people to act, are not self-
executing. But as Hamilton pointed out two centuries ago in The Federalist Papers
(1787-88), courts lack such powers. Indeed, it is for this reason more than any other that
Hamilton emphasized the courts’ character as the least dangerous branch. (...) “[The
court] has no influence over either the sword or the purse; no direction either of the
strength or of the wealth of society; and can take no active resolution whatever. It may
truly be said to have neither FORCE or WILL, but merely judgment; and must ultimately
depend upon the aim of the executive arm even for the efficacy of its judgments”17
. É
verdade que juízes não dispõem de armas. Talvez pelo fato de não serem elas necessárias.
Thomas Flory mostra que, por exemplo, a Coroa portuguesa, ao desejar a regulação de
aspectos cruciais da vida na colônia, raramente enviava tropas, intendentes ou coletores;
enviava freqüentemente juízes com poderes de administração18
.
Não pretendo discutir aqui o tema sobre o comportamento monárquico do poder
judiciário – o brasileiro, principalmente – em oposição ao conceito republicano19
, mas
sim proceder à formulação de indagações com o objetivo de, num primeiro instante,
responder a alguns quesitos: qual o significado da criação do controle jurisdicional da
constitucionalidade das leis e atos normativos? Este controle realizado por cortes é
compatível com o princípio de soberania popular, em especial em sociedade políticas
onde a soberania popular foi constitucionalmente fixada como o princípio dos princípios?
Num segundo instante, e na perspectiva de uma comparação empírica, qual tem sido o
saldo desta experiência? A brasileira tem se mostrado satisfatória para a consolidação do
processo de redemocratização iniciado em 1985? Evidente que o espaço de um ensaio
17
ROSENBERG, Gerald N, The Hollow Hope – Can courts bring about social change?, Chicago and
London, The University of Chicago Press, 1993, p. 15. 18
FLORY, Thomas, Judges and Jury in Imperial Brazil, 1808-1871 – Social Control and Political Stability
in the New State, Austin and London, University of Texas Press, 1981, p. 31. No original: “When a
Portuguese monarch desired to regulate some crucial aspects of colonial life, he seldom sent troops, royal
intendants, or taxes collectors. More often he sent judges endowed with broad powers of administration”. 19
Cf. Martonio Mont'Alverne Barreto LIMA, Staat und Justiz in Brasilien: Zur historischen Entwicklung
der Justizfunktion in Brasilien - Kolonialgerichtsbarkeit in Bahia, Richterschaft im Kaiserreich und
Verfassungsgerichtsbarkeit in der Republik, Frankfurt am Main, Peter Lang, 1999.
8
não permite a abrangência de todas as decisões das cortes constitucionais existentes. Se
esta limitação se impõe, por outro lado, parece possível a reflexão sobre os impactos
discursivos e teóricos de tais decisões.
Com o objetivo de dissipar a possibilidade de dúvidas, gostaria de ressaltar, na
condição de pressuposto, que a posição de crítica em relação à existência de um controle
jurisdicional da constitucionalidade aqui exposta não possui identificação com nenhuma
matriz teórica com aquela sustentada pelo denominado decisionismo político,
especialmente a que tem em Carl Schmitt um de seus mais expressivos representantes. A
defesa da radicalidade da soberania popular, com o eventual retorno das prerrogativas de
atuação do poder legislativo para o espaço da política – ambiente, portanto, que se tem na
ação legislativa - para decisões políticas, não significa a superposição do político frente
ao direito, o quê se traduziria na inversão do Estado Democrático de Direito, alimentando
uma formulação distante dos parâmetros de democracia. A consolidação da democracia
com a necessária democratização de todos os processos decisórios na sociedade é um
argumento que, a meu ver, afasta a aplicação dos conceitos do decisionismo político à
crítica aqui exercida ao controle jurisdicional da constitucionalidade.
Sem dúvida a jurisdição constitucional não deixou de ser uma “questão central”
seja para o direito político positivado, seja para parte fundamental de uma nova
concepção de direito constitucional, identificada com parâmetros de uma teoria de
características democráticas. Isso é reconhecido até mesmo por um dos mais
contundentes críticos da jurisdição constitucional, Carl Schmitt20
. Ser uma questão
central tanto da teoria política como da teoria constitucional baseadas estas últimas em
pressupostos democráticos, não autoriza o resultado de que a jurisdição constitucional
seja uma inevitabilidade, ou que a sua não inclusão nos textos constitucionais da
atualidade democrática represente déficit a ser o mais rápido possível remediado.
20
STERN, Klaus, Verfassungsgerichtsbarkeit zwischen Recht und Politik, Köln, Westdeustcher Verlag,
1980, p. 10. As palavras deste autor são as seguintes, no original: „Das Tema Verfassuungsgerichtsbarkeit
ist daher sowohl eine zentrale Frage des positiven Staatsrecht, zugleich aber auch ein fundamentaler
Bestandteil eine neu zu konzipierenden Theorie des modernen Verfassungsstaates freiheitlich-
demokratischer Prägung (...) wie niemand als einer der schäfsten Gegner der Verfassungsgerichtsbarkeit,
C. SCHMITT, erkannt hatte“.
9
Na sua Teoria da Constituição (Verfassungslehre) afirma Carl Schmitt que “Na
verdade, uma constituição vale porque emana de um poder constituinte, que determina
sua vontade”21
. O conteúdo metafísico22
desta afirmação justifica, para Schmitt, tanto a
existência de uma constituição autoritária como aquela de orientação democrática.
Referida premissa é rejeitada por representantes do liberalismo que viam na garantia da
separação de poderes e da propriedade privada, no pluralismo político-partidário, na
liberdade de imprensa valores irrenunciáveis de qualquer organização constitucional do
Estado. Desta forma, somente Estados constituídos sob este registro de organização
institucional é que poderiam ser definidos como Estados constitucionais. Não é este o
caso da argumentação que pretendo desenvolver aqui.
O decisionismo político superdimensiona a força das relações políticas, fazendo
com que este poder de imposição política – seja de que forma for – ultrapasse os limites
da racionalidade democrática. Visto sob este ângulo, o poder do político nada mais é do
que noção do conceito redivivo de razão de Estado a determinar e justificar qualquer ação
do Estado, legitimada pelo interesse da segurança, da governabilidade. A discussão que
pretendo trazer aqui abandona, por instantes, as categorias tradicionais sobre as quais se
debate o controle da constitucionalidade. No Brasil, temas como pertinência temática,
legitimidade ativa, tipos de ações de controle concentrado e sua regulamentação esgotam,
na grande maioria das vezes o tema, sem que se indague sobre as conseqüências políticas
daí advindas. É, pois, nesse eixo – de ultrapassagem dos limites da dogmática jurídica
tradicional - que a retomada da teoria política da democracia para exame do controle de
constitucionalidade será efetivada, e jamais numa perspectiva de submeter todos os
pontos da teoria constitucional ao sabor das decisões políticas, de forma a moldar uma
constituição democrática aos desejos não definitivos produzidos pela luta política. Essa
recuperação há que considerar de forma imprescindível a sua melhor e mais sincera
origem historicamente localizada, isto é, os parâmetros da radicalidade democrática
iluminista de que sempre se serviu a defesa e o aperfeiçoamento de qualquer experiência
21
SCHMITT, Carl, Verfassungslehre, achte Auflage, Berlin, Duncker & Humblot, 1993, p. 9. No original:
„In Wahrheit gilt eine Verfassungs, weil sie von einer verfassunggebende Gewalt (d.h. Macht oder
Autorität) ausgeht und durch deren Willen gesetzt ist“. 22
CRISTI, Renato, “The Metaphysics of Constituent Power: Schmitt and the Genesis of Chiles’s 1980
Constitution”, Cardozo Law Review, v. 21, 2000, p. 1749.
10
democrática, renovando seu potencial crítico, tornando-se um lenitivo para os que se
recusam a discutir aplicação e controle da constitucionalidade apenas a partir de temas,
como acima de disse, sobre o alcance, efeito e vinculação da decisão; legitimidade ativa e
passiva; via processual adequada, competência das cortes etc. A transparência na
formação das cortes constitucionais e a resignação com o convencimento de que seus
membros devem enfrentar olhar do povo bem podem fortalecer, novamente, a
democracia direta e a representativa.
A crítica ao controle jurisdicional da constitucionalidade realizado por tribunais
que aqui se faz tem como base o conceito e aplicação da soberania popular e sua moderna
concepção, como, por exemplo, o fizeram diversas constituições da redemocratização da
América Latina, a do Brasil, inclusive. Demais, a usurpação do espaço político pelas
cortes constitucionais tem sido tão freqüente e sistemática, que juízes passam a ser a
principal notícia em jornais, fazendo com que sobre os tribunais fiquem centradas as
atenções do embate político. Recentemente, no caso brasileiro o exemplo da análise do
STF sobre o § 1ºdo art. 4º da Resolução nº 20.993, de 26.02.2002, do Tribunal Superior
Eleitoral, que impôs somente um tipo de coligações gerais entre partidos políticos, é
bastante didático: a movimentação dos partidos em torno de coligações para as eleições
aos cargos de Presidente da República, Governadores de Estado, Senadores, Deputados
Federais e Estaduais, restou imobilizada até a palavra final do STF23
. Se os tribunais
constitucionais e seus juízes refletissem democraticamente sobre o seu papel efetivo nos
processos de democratização e se vissem como a serviço das sociedades e da vontade
constitucionalmente articulada, abandonassem eles talvez a tentação de serem deuses,
como lembra Antônio Vieira: “ (...) porque nenhum se contenta com crescer dentro da
espécie: a andorinha quer subir a águia; a rémora quer crescer a baleia; a formiga quer
23
O dispositivo acima mencionado é oriundo da Consulta nº 715, de 26.02.2002, que interpretou o art. 6º da
Lei nº 9.504/97. Pelo § 1º do art. 4º da citada Resolução “Os partidos políticos que lançarem, isoladamente
ou em coligação, candidato/a à eleição de presidente da República não poderão formar coligações para
eleição de governador/a de Estado ou do Distrito Federal, senador/a, deputado/a federal e deputado/a
estadual ou distrital com partido político que tenha, isoladamente ou em aliança diversa, lançado candidato
à eleição presidencial”.
11
inchar a elefante; (...) Desenganemo-nos que o crescer fora da própria espécie , não é
aumento, é monstruosidade; ao menos benção não é”24
.
Preferi dividir este ensaio em partes pontuais que revelam o argumento da crítica
à jurisdição constitucional, de modo a tentar expor menos imprecisamente uma possível
visão sobre o assunto. A análise que intenciono desenvolver é de natureza eminentemente
política, já que, como sustento ao longo do trabalho, é a jurisdição constitucional um
processo judicial essencialmente político, devendo submeter-se a teorizações neste
sentido.
2. DEMOCRACIA VERSUS GOVERNABILIDADE: O DESAFIO ATUAL.
Parece razoável a afirmação de que nas sociedades do terceiro milênio o
processamento de informações supera em muito a capacidade de assimilação destas
mesmas sociedades, comprometendo a qualidade de sua discussão, se é que possível um
debate tranqüilo sobre as necessidades que se impõem cotidianamente. De um instante
para outro, os Estados precisam decidir o que fazer com as garantias trabalhistas, como
privatizar suas empresas – e com isso renunciar à sua atuação reguladora - o que fazer
com a democracia representativa que se demonstra, a cada eleição, menos apta para
respostas complexas e, do ponto de vista moral, dispensável, porque dispendiosa. O
“realismo cínico”25
opera estas suas exigências de tal forma que o discurso legitimador da
necessidade da retirada do Estado em nome da governabilidade passa a ser não somente
um dos possíveis pontos de referência para a adoção de linhas políticas, mas a
corporificação do único referencial de reflexão possível para a tomada das decisões
políticas.
Correta a afirmação de que o maior grau de democracia não subsiste com o grau
máximo de governabilidade perenemente. Isso não significa, porém, que a
governabilidade deva ser o ponto norteador de qualquer institucionalização da
democracia. A exposição de governabilidade contra democracia revela muito mais a
24
VIEIRA, António, Sermão da Terceira Dominga do Advento, in: Obras Completas do Padre António
Vieira, Sermões, v. I, Lello & Irmão Editores, Porto, 1993, pp. 265-266. 25
FINE, Robert, “Crimes Against Humanity – Hannah Arendt and the Nuremberg Debates”, European
Journal of Social Theory, volume 3, number 3, August 2000, Sage Publications, London, Cambridge
University Press, pp. 299 e ss.
12
capacidade de articulação pragmática do discurso conservador, a fim de excluir o
exercício sempre presente da teoria e de sua potencialidade renovadora. Não é sem razão
que os instrumentos constitucionais do plebiscito, referendo e iniciativa popular possuem
tão exígua prática no Brasil e que a reforma político-partidária parece ter escolhido a
governabilidade contra a democracia para demarcar sua agenda de propostas26
.
A importância da recuperação do conceito de soberania popular surge como
critério diferenciador da qualidade de uma democracia constitucional, ainda que tenha
sido recebida com ceticismo ou desdém por setores e discursos historicamente descrentes
da capacidade de organização do povo, em especial, o brasileiro27
. Precedente a essa
formulação encontra-se a sustentação conservadora de que a soberania popular é conceito
e prática que pertencem a um passado eminentemente idealista, e que sua viabilidade
limita-se ao instante constituinte, já que somente neste momento fica autorizado o recurso
à soberania popular nas complexas e populosas sociedades modernas. O desenvolvimento
deste pensamento circular já foi identificado por Ingeborg Maus. Oportunamente, critica
esta Autora28
as conhecidas argumentações de que, para as democracias da atualidade o
preenchimento da condição legitimadora da soberania popular alcança apenas, como se
disse, o momento constituinte. Sendo uma constituição o produto de uma ampla
discussão29
, estaria satisfeito o critério da soberania popular, já que após a promulgação
da constituição o próprio povo teria renunciado à soberania, consistindo o desafio da
nova ordem constitucional, portanto, na realização da governabilidade. Agora, o povo
não é mais soberano, já que ele e os poderes constituídos, todos, se acham sujeitos à
26
Cf. o Relatório do Senador Sérgio MACHADO (PMDB-CE) a respeito da reforma política: Reforma
Político-Partidária – Relatório Final da Comissão Temporária Interna encarregada de estudar a reforma
polítco-partidária, Senado Federal, Brasília, 1998, 135 p. 27
Cf. a obra de Maria Victoria de Mesquita BENEVIDES, A Cidadania Ativa – Referendo, Plebiscito, e
Iniciativa Popular, São Paulo, Editora Ática, 1991. A Autora discorre a sobre os preconceitos contra a
prática destes mecanismos constitucionais de soberania popular (em especial, pp. 80 e ss): “o povo não
sabe votar; o povo é incompetente, incoerente e irresponsável; o povo pode ficar apático: “excesso de
democracia mata democracia” etc. são alguns discursos explorados na obra. 28
MAUS, Ingeborg, “Sinn und Bedeutung der Volkssouveränität in der Modernen Gesellschaft“, Kritische
Justiz, 24. Jahrgang, 1991, Heft 2, pp. 137/138. 29
Este é o caso do Brasil: uma assembléia nacional constituinte participativa, amplamente divulgada e com
acesso a grupos cuja atuação foi muito além daquilo que prometia sua capacidade e condição social.
Mesmo para autores estrangeiros, este aspecto positivo sobre a qualidade da assembléia constituinte
brasileira de 1987/88 é ratificado, cf. Markus EUGSTER, Der brasilianische Verfassungsgebungsprozess
von 1987/88, St. Galler Studien zur Politikwissenschaft - Band 18, Bern/Stuttgart/Wien, Verlag Paul Haupt,
1995, pp. 322 e ss.
13
constituição. Uma assembléia constituinte democrática, em outras palavras, seria o canto
do cisne da soberania popular: reivindicada pelas distintas forças sociais para efetivação
de transições políticas importantes, porém com data para sua morte, isto é, exatamente no
momento em que seu rebento vem ao mundo.
O mais surpreendente é a aceitação quase unânime desta tese, o que torna a
tarefa de construção de uma teoria da democracia ainda mais intrigante: recuperar o
conceito de soberania popular, para justificar sua prática constante, mesmo em
sociedades que se organizaram constitucionalmente sob o comando da soberania popular,
a qual deve permanecer com o povo e nunca nas mãos dos poderes constituídos, em
especial dos que não se submetem ao regular processo de eleição direta.
O que se deixa constatar é que a opção por instituição de cortes constitucionais
não se desvincula do problema da governabilidade. Não bastassem os obstáculos teóricos
impostos por uma teoria da democracia, os resultados do controle jurisdicional da
constitucionalidade – pelo menos no caso brasileiro – denunciam uma nítida confusão
entre governabilidade e razão de Estado por parte da corte constitucional, o STF. Aqui a
governabilidade se deixou traduzir pela histórica adesão do poder judiciário, no Brasil,
desde o período colonial, aos objetivos do Estado. Não importa para os fins de análise
sobre a provável incompatibilidade entre controle jurisdicional da constitucionalidade e a
teoria da democracia que, novamente no caso brasileiro mais recente, esta adesão tenha
se dado por força do insucesso constante dos governos no trato com o processo
hiperinflacionário. As propostas de superação de uma ordem econômica conhecida como
“década perdida” sempre foram explicitadas de maneira maniqueísta: ou se adere ao que
o governo propõe ou será a instalação definitiva do caos, político inclusive.
Especificamente sobre o comportamento do STF nos últimos dez anos quando o
Brasil teve a implantação de dois programas econômicos de superação da crise
econômico-financeira por meio dos Planos Collor e Real, o controle jurisdicional da
constitucionalidade funcionou com a garantia da execução destes planos, viabilizando sua
realização. Oscar Vilhena Vieira destaca a respeito do STF o julgamento sobre a
inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 168, que bloqueou os cruzados e consistia
na pedra fundamental do Plano Collor: “Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal
14
deixou de agir com a sua função propriamente judicial e constitucional, que é preservar
os valores constitucionais, e atuou como órgão de governo, justificando a decisão com
base nos seus futuros resultados”30
. Reconhecendo pontualmente um papel positivo do
STF em favor de questões políticas relevantes pós-constituintes, Lilian Faria afirma que o
Tribunal “interviu de forma discreta nas matérias que foram objeto das Ações Diretas
pesquisadas, evitando, ao máximo, desestabilizar o governo com decisões politicamente
indesejáveis sobre a distribuição de recursos do Estado, isto é, de valores coletivos da
sociedade, para o funcionalismo e transferindo para outros atores, quando possível, a
responsabilidade pela decisão de muitas questões controvertidas”31
.
Mesmo a um observador menos atento não escapa a qualidade da intervenção do
Supremo Tribunal Federal e a existência fática dos planos econômicos adotados pelos
governos de 1990 até os dias de hoje. Em nenhum instante, nenhum dos planos passou
por ameaça naquilo que consistia sua espinha dorsal: o bloqueio dos passivos bancários
relativos ao Plano Collor não foi declarado inconstitucional, tampouco o foi a introdução
do Plano Real e suas conseqüências como a imobilidade de aumentos e redução de
vantagens de servidores públicos. Desnecessário dizer que estes planos não somente
foram apresentados como a única alternativa possível, como se confundiam com os
interesses do Estado brasileiro, e não do governo.
Correta a análise de que o Brasil vinha de uma recessão que poderia conduzir a
recente democracia a custos muito elevados os quais a classe política ainda não estava
disposta a assumir, até mesmo por sua inexperiência em lidar com a transparência, e com
a dificuldade de grande parte dos setores políticos – imprensa, principalmente – em
aceitar que uma democracia sem crises não subsiste. Ante este cenário, uma afirmação
tranqüilizadora a respeito da constitucionalidade das medidas adotadas representava o
sucesso simbólico e legitimava discursivamente o governo para seguir adiante em sua
30
VIEIRA, Oscar Vilhena, Supremo Tribunal Federal – Jurisprudência Política, São Paulo, Editora Revista
dos Tribunais, 1994, p. 144. Apesar da crítica, Vieira destaca um papel razoavelmente positivo so STF para
os que definem o sistema da democracia constitucional “sob uma perspectiva procedimental” (idem, p.
147). 31
FARIA, Lilian Fonseca de Araújo, O processo de tomada de decisão do Supremo Tribunal Federal sobre
a constitucionalidade de lei ou ato normativo federal de natureza econômica do servidor público federal
civil e/ou militar no período de 1990 a 1995, dissertação de mestrado apresentada ao Mestrado em Ciência
Política do Instituto de Ciência política e Relações Internacionais da Universidade de Brasília, mimeo,
Brasília, 1997, p. 105.
15
condução política. Até aqui, sob uma perspectiva democrática, não há reparos a fazer a
respeito dos mecanismos de funcionamento do sistema institucional brasileiro. O que não
deve ser olvidado ou minimizado é que esta ação afirmativa legitimadora teve sua origem
num poder do Estado – o judiciário - cuja intervenção do povo no seu funcionamento e na
escolha de seus membros é inexistente, ao mesmo tempo em que seu poder de mudar os
destinos de governos é incomensurável. Essa desproporção política do sistema é que
compromete o grau de democracia, já que a definição institucional de democracia no
Brasil, objetivamente, reside na formulação expressa pelo art. 14 da Constituição Federal,
sugerindo que a soberania popular não se esgotou no momento de promulgação da
Constituição. A atuação do STF insinua que o controle jurisdicional da
constitucionalidade de leis e atos normativos não é um instrumento que serve à
Constituição, mas sim serve ao próprio Estado, apesar de a defesa incondicional desse
controle não cansar de repetir que sua missão de apóstolos é defender a sociedade contra
os abusos do Estado. Não é o que se vê; nem no Brasil, nem nas outras experiências. Esse
forma de defesa ignora propositalmente o teor ideológico do controle jurisdicional da
constitucionalidade de leis e atos normativos e sua origem anti-iluminista, ou seja, a
domesticação da soberania popular.
O importante a ser observado aqui é que no dilema entre governabilidade e
democracia a opção do controle jurisdicional da constitucionalidade é clara pela
governabilidade. Não poderia ser de outra maneira por duas razões. A primeira delas
envolve a natureza da jurisdição constitucional como exercício jurisdicional político
historicamente relacionado com a segurança jurídica de relações sociais; segurança
baseada na necessidade de manutenção de um dado status quo político. A segunda razão
– indissociável da primeira – é que o exercício da jurisdição constitucional confunde a
atuação da corte constitucional como a tarefa principal da responsabilidade na
manutenção da realidade institucional, irremediavelmente ligada ao passado. Neste
segundo ponto, o papel da formação intelectual e cultural dos membros que compõem as
cortes constitucionais – com exceções, naturalmente32
- é fator fundamental e não há
32
Deve ser lembrado o caso do antigo Ministro do STF Paulo Brossard (in SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL, Impeachment cit., pp. 365 e ss.) durante o julgamento dos sucessivos mandados de segurança
impetrados pelo então Presidente da República Collor de Mello. Min. Paulo Brossard, ao lado, apenas num
momento inicial, do Min. Sepúlveda Pertence, foram os únicos a se posicionarem contra a possibilidade de
16
como ser relativizado. Como resultado de suas formações e conscientes de seus lugares
na alta burocracia estatal, os integrantes das cortes constitucionais assumem para si a
missão redentorista de manutenção da ordem, sendo que a maioria deles interpreta
constituições advindas de processos redemocratizantes ávidos de transformações com os
mesmos recursos hermenêuticos de outros tempos. Neste aspecto, tanto os casos da
América Latina como alguns da Europa, comprovam a má-vontade das cortes
constitucionais com inovações inseridas nos textos constitucionais e, mais ainda, com a
ousadia do constituinte. Desse modo, a opção pela governabilidade é clara e tem apenas
confirmado a vocação conservadora do poder judiciário. Não haveria, portanto, como
uma reflexão sobre este ponto deixar de integrar críticas à existência da jurisdição
constitucional.
3. A SOBERANIA POPULAR
A teoria constitucional da atualidade recorre a critérios classificatórios
discursivos sobre as normas constitucionais que desprezam o seu conteúdo de conotação
política, e neste ponto reside uma de suas principais fraquezas. Esta teoria constitucional
por si só não tem demonstrado capacidade de explicação para o complexo sistema de
normas constitucionais, permanecendo esta tarefa particularmente difícil quando se tem
diante dos olhos as constituições do período de redemocratização da América Latina.
Produtos das exigências democráticas mais legítimas, estas constituições traduziram em
seus textos o desafio do desenvolvimento econômico com manutenção da democracia,
aliados à extrema necessidade da presença do Estado na redução das desigualdades. Para
os dias de globalização, a presença do Estado e a radicalidade da prática democrática são
situações de franca oposição.
A classificação das normas constitucionais que serão controladas em sua
constitucionalidade por tribunais recebem carga descritiva autônoma, independentes
mesmo tanto do teor do texto constitucionais que integram, como de sua natureza
originária de assembléias constituintes reunidas após anos de autoritarismo.
Independentes do texto que integram, pelo fato de que alguns destes textos expressam
apreciação, pelo STF, das chamadas questões políticas, o que denuncia, por parte do primeiro citado
membro do STF, especialmente, uma extrema cautela num tema que tem se revelado quase um tabu desde a
implantação do STF em 1891.
17
claramente sua condição de comandos a serem aplicados imediatamente (o § 1º do art. 5º
da Constituição Federal é um dos exemplos); e, igualmente livre de seus contextos, a não
implementação destes comandos advêm, em grande parte, da atuação das cortes
constitucionais que manifestam seus entendimentos no sentido de poupar o Estado da
necessária implementação, exatamente quando estão os tribunais autorizados a agirem
dentro dos limites constitucionais33
. Em outras palavras: a jurisprudência dos tribunais
constitucionais descumpre a constituição quando aplica entendimentos restritivos aos
comandos constitucionais, principalmente aqueles definidores dos novos direitos e
garantias fundamentais trazidos por constituições produzidas como nova estrutura para
Estados egressos de governos autoritários. Esta independência encontra sua validade
científica questionada já há bastante tempo. É o caso de Hermann Heller, quando de sua
precisa definição sobre a qualidade dialógica inerente a qualquer texto constitucional: “Se
se prescinde de uma normalidade social positivamente valorada, a constituição, como
uma mera formação normativa de sentido, diz sempre muito pouco”34
.
Recepcionada por maior parte da doutrina constitucional no Brasil, a
classificação de normas constitucionais em normas constitucionais de eficácia plena,
contida e limitada35
, de José Afonso da Silva é largamente utilizada.36
Neste sentido, o
recurso a tal classificação reduz a possibilidade de aplicação imediata das normas
constitucionais, em especial daquelas constantes do art. 5º da Constituição Federal, sobre
as quais o comando objetivo de aplicabilidade imediata é expresso no próprio texto
constitucional. A articulação dos mecanismos constitucional, jurídico-dogmático do
Supremo Tribunal Federal (em particular) e doutrinário é curioso. A Constituição Federal
determina que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais possuem
33
O exemplo mais claro é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em mandado de injunção, a partir
do julgamento do Mandado de Injunção nº 107-3-DF. Cf.: Martonio Mont’Alverne Barreto LIMA, Staat
und Justiz in Brasilien cit., pp. 93 e ss.; Oscar Vilhena VIEIRA, Supremo Tribunal Federal –
Jurisprudência Política cit., pp. 120 e ss. 34
HELLER, Hermann, Staatslehre, 6ª ed., Tübingen, J.C.B. Mohr (Paul Siebeck), 1983, p. 290. No original:
„Als bloß normatives Sinngebilde, ohne Rücksicht auf die positive bewertet gesellschaftliche Normalität,
besagt die Verfassung immer zu wenig“. Cf. José Afonso da SILVA, Aplicabilidade das Normas
Constitucionais, 2ª edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1982, p. 10. 35
SILVA, José Afonso da, Aplicabilidade das Normas Constitucionais cit., p. 89 e ss. 36
PIOVESAN, Flávia, Proteção Judicial Contra Omissões Legislativas – Ação Direita de
Inconstitucionalidade por Omissão e Mandado de Injunção, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais,
1995, p. 57 e ss.
18
aplicação imediata. Evidente que a autorização constitucional para que os poderes do
Estado brasileiro ajam no sentido de viabilizar tal comando está expressa. Que isso
significa também o rompimento do monopólio da ação do poder legislativo, podendo
recair a tarefa de aplicabilidade imediata sobre os poderes executivo e judiciário, parece
claro. Por quais motivos, então, ameniza a doutrina a tarefa dos poderes do Estado na
realização efetiva da aplicabilidade imediata daquilo que o constituinte assim
determinou? Naturalmente que as respostas a tal questionamento transcende à teoria
constitucional.
Para Boaventura de Sousa Santos e Leonardo Avritzer, o aumento da
participação social materializado pela redemocratização na América Latina “levou a uma
redefinição sobre a adequação da solução não participativa e burocrática ao nível local
(...) A maior parte das experiências participativas nos países recém-democratizados do
Sul têm seu êxito relacionado à capacidade dos atores sociais de transferirem práticas e
informações do nível social para o nível administrativo”, sendo, porém, que exatamente
nesta “burocratização da participação”37
se encontra a perversão dos processos de
participação social das sociedades que iniciaram sua redemocratização.Este caminho já
pode indicar uma explicação menos insegura. A nova definição de direitos e garantias
fundamentais se deixa traduzir em cara cobrança sobre os Estados – como o Brasil - que
se encontravam sob pressão democrática por parte de suas sociedades. A satisfação pelo
menos discursiva de respostas a tais pressões possuem o poder não somente de suavizar
as exigências por democracia, mas também auxiliam o Estado capitalista a ganhar tempo
com a finalidade reorganizar seus mecanismos de defesa que visam abertamente impedir
a “distribuição social em desfavor da acumulação de capital”38
. A doutrina que define as
normas constitucionais como abstrações de eficácia plena, contida e limitada se mostra
como ferramenta teórica importante a caber neste movimento, em especial quando
utilizada pela jurisdição constitucional, já que é precisamente neste momento que ela
ganha vida no debate político da sociedade.
37
SANTOS, Boaventura de Sousa & AVRITZER, Leonardo, “Introdução: para ampliar o cânone
democrático”, in: Democratizar a Democracia – Os Caminhos da Democracia Representativa, Rio de
Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 2002, pp. 54 e75. 38
Idem, p. 59.
19
Este instante de reflexão empírica se relaciona com a discussão sobre soberania
popular para o caso brasileiro, na medida em que se vê a justificativa da não aplicação
dos instrumentos constitucionais definidores do primado da soberania popular sobre a
democracia representativa, qual seja: o art. 14 da Constituição Federal também não
passaria de uma determinação constitucional sobre a qual nenhum obstáculo existiria que
impedisse sua classificação e percepção real por doutrinadores ou aplicadores do Direito
de simples normas de eficácia contida ou limitada. Se expressamente esta formulação
ainda não foi feita por doutrinadores ou aplicadores do Direito, pouco importa. O
substrato teórico que fornece amparo a tal formulação existe, e em função da definição
doutrinária aceita de que nem tudo que está numa constituição deve ser cumprido. Muito
deve ser contido em nome da governabilidade e da capacidade dos sistemas em responder
à “sobrecarga democrática”39
.
O ponto central sobre a preponderância do princípio da soberania popular e de
sua incompatibilidade com a existência de um tribunal constitucional possui razões para
além daquelas de embasamento empírico e de ordem mais complexa. Trata-se da questão
da supremacia do poder legislativo, que a todo instante constata a redução de seu âmbito
de atuação política promovida pela jurisdição constitucional, o que significa, ainda, a
submissão do representado ao representante. A radicalidade democrática do Iluminismo
foi a responsável pela supremacia do poder legislativo e por meio do que o Iluminismo
teve de melhor: Immanuel Kant.
A judicialização da política demonstra de maneira mais clara como a
apropriação, pelas cortes constitucionais, da esfera do político em desfavor do poder
legislativo tem se efetivado, e quais seus resultados na qualidade da democracia.
Atualmente, o funcionamento dos tribunais constitucionais levou à opinião pública em
geral e a intelectualidade a se conformarem com esta realidade. A dúvida a ser agora
enfrentada é a seguinte: foi sempre assim? O que adverte a história sobre o assunto?
A supremacia do poder legislativo não é novidade. Diante da conotação teórica,
esta supremacia tem sido aceita mesmo antes de sua materialização, notadamente durante
a Revolução Francesa. Na sua Metafísica dos Costumes, Immanuel Kant não deixa
39
Idem, p. 59.
20
dúvidas quanto à preponderância do poder legislativo, sobre o judiciário. Pertence a Kant
a afirmação de que “Todo Estado contém em si três poderes, isto é, a vontade geral se
une em três pessoas políticas (trias politica): o poder soberano (a soberania), que
reside no poder legislativo; o poder executivo, que reside em quem governa (segundo a
lei) e o poder judiciário, (que possui a tarefa de dar a cada um o que é seu, na
conformidade da lei), na pessoa do juiz (...)”40
. Interpretação segura a respeito do
postulado de Kant que afirma a supremacia do poder legislativo é presente na obra de
Norberto Bobbio, quando este, recorrendo à Metafísica dos Costumes, entende que
“Apesar da afirmação da subordinação de um poder ao outro, o fundamento da
separação dos três poderes é ainda a supremacia do poder legislativo sobre os outros
dois poderes: o poder legislativo deve ser superior porque somente ele representa a
vontade coletiva”41
. Antecedendo a Immanuel Kant, Jean-Jacques Rousseau defendeu
também a supremacia do legislativo: “O poder legislativo é o coração do Estado, o poder
executivo é o cérebro, que dá o movimento a todas as partes. O cérebro pode cair em
paralisia e o indivíduo prosseguir vivendo. Um homem fica imbecil e vive, mas assim
que o coração cessar suas funções, o animal está morto. Não é pela lei que o Estado
subsiste, mas pelo poder legislativo”42
.
Lançada está a base teórica da crítica à formulação da jurisdição constitucional
enquanto pretensa defensora da supremacia constitucional. É legítimo que se ponha em
dúvida, portanto, o papel da jurisdição constitucional como protetora da supremacia
constitucional, quando ela própria é suprema para o Estado e perante os demais poderes.
A crítica ainda se estende. Como conciliar a jurisdição constitucional com o
princípio de soberania popular se cotidianamente seu exercício não somente desfaz o que
40
Grifei. KANT, Immanuel, Metaphysik der Sitten, Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft,
Sonderausgabe, Bd. 7, 1983, pp. 431/342. No original: „Ein jeder Staat enthält drei Gewalten in sich, d.i.
den allgemein vereinigten Willen in dreifacher Person (trias politica): die Herrschende Gewalt
(Souveränität), in der des Gesetzgebers, die vollziehende Gewalt, in der des Regiers (zu Folge dem Gesetz),
und die rechtsprechende Gewalt (als Zuerkennung des Seinen eines jeden nach dem Gesetz), in der Person
des Richters (potestas legislatoria, rectoria ej iudiciaria), gleich den drei Sätzen in einem praktischen
Vernunftsschluß: dem Oberstaz, der das Gesetz jenes Willens, dem Untersatz, der das Gebot des
Verfahrens nach dem Gesetza, d.i. das Prinzip der Subsumtion unter deselben, und den Schlußstz, der den
Rechtspruch (die Sentenz) enthält, was im vorkommenden Falle Rechtens ist“. 41
Grifei. BOBBIO, Norberto, Direito e Estado no Pensamento de Emmanuel Kant, São Paulo, Editora
Mandarim, 2000, p. 227. 42
ROUSSEAU, Jean-Jacques, Do Contrato Social ou Princípios do Direito Político, São Paulo, Hemus,
1981, p. 96.
21
foi realizado pela vontade coletiva representada no poder legislativo, como ainda desloca
a discussão do político para seu reduzido recinto, onde a heterogeneidade das tensões
sociais jamais estará presente? Não há de se olvidar que a capacidade dialógica dos
tribunais para com as forças políticas e sociais presentes em qualquer sociedade é
infinitamente menor do que aquela dos espaços do poder legislativo. Discursivamente,
somente possuem acesso ao intricado processo de decisão judicial constitucional
especialistas e versados no manejo da dogmática jurídica, episódio que não se constata no
âmbito do poder legislativo. Tampouco este saber refinadamente formulado tem se
demonstrado imprescindível, uma vez que a natureza da discussão política pode
perfeitamente tanto se organizar em ambientes leigos, como pode a população, pela via
da participação inclusiva, discernir sobre o que é melhor para si na produção de soluções
racionais.
A versão kantiana da situação dos três poderes fornece o ponto de partida para a
afirmação de que a existência da jurisdição constitucional é incompatível com o princípio
de soberania popular. Na medida em que o poder que representa a vontade coletiva se vê
limitado pelas decisões de um tribunal constitucional, se constata a inversão da
superioridade da vontade coletiva. O poder legislativo comprova a invalidação de suas
decisões por uma corte que não enfrentou a vontade popular. Ainda que tais cortes sejam
formadas por membros indicados pelo poder legislativo, o vício da legitimidade não está
sanado: estes membros irão controlar a constituição, e no desempenho desta tarefa a
possibilidade de ultrapassagem dos limites traçados pelo constituinte é inevitável.
É procedente a preocupação de que os poderes constituídos poderão sempre
ultrapassar o delineamento constitucional. Este quadro de possibilidade tem se mostrado
muito mais corriqueiro do que se imaginava após as demandas rápidas de tomada de
decisão impostas pela globalização econômica. Por outro lado, forçosa será a dúvida
quanto a quem compete mensurar esta ultrapassagem, tornando-a, se for o caso, inválida,
como fazem as cortes constitucionais. Se o poder legislativo ou o executivo exorbitam o
limite definido pelo constituinte, a alguém deverá competir a tarefa de resolver o
problema, de forma a adequar tanto a solução quanto o seu processo ao que é
determinado pelo mesmo texto constitucional. O que a razão Iluminista recomenda,
segundo meu entendimento, é que o processo de invalidação desta ultrapassagem seja ele
22
próprio resolvido por quem possui legitimidade da vontade coletiva para tal inerente à
sua natureza institucional. Como a legitimidade coletiva não se institui, mas sim pertence
à essência de uma idéia (e da idéia do poder legislativo), a ultrapassagem somente poderá
ser corrigida por este poder ou por algum organismo interior a ele, uma vez que a
exterioridade ao poder legislativo da jurisdição constitucional é que compromete o seu
caráter democrático, por ser o titular exterior portador da vontade coletiva de que nos fala
Immanuel Kant. A retirada da prerrogativa do poder legislativo do controle direto sobre a
constitucionalidade se reveste desta maneira numa alternativa conservadora, já que a
faculdade de invalidação dos atos do legislativo reside no círculo judiciário, tradicional
aliado do executivo absolutista, modernamente domesticado, como bem demonstra a
afirmação de Tocqueville com a qual se inicia o presente ensaio. Por fim, é interessante
mostrar a leitura de Kant que Ingeborg Maus realiza a respeito da “inversão”
(Umkehrung), representada pela preponderância da jurisdição constitucional: “A nova
predominância da justiça constitucional sobre o parlamento representa para a relação do
exercício institucionalizado e não institucionalizado da soberania popular uma inversão
da função da constituição em si”43
.
Existe, ainda, mais um ponto a fortalecer o caráter conservador da jurisdição
constitucional, qual seja o de seu papel de poder acima das disputas. Este ponto merece
especial consideração, pelo fato de que a experiência político-institucional brasileira
conviveu durante sessenta e sete anos com um poder acima dos demais, no caso o poder
moderador da Constituição de 1824. A conformação de um poder moderador,
pretensamente neutro não é novidade e até os dias de hoje se revela com capacidade
argumentativa (e mobilizatória) para, por exemplo, justificar um eventual retorno da
monarquia. O seu viés teológico é patente: um poder neutro somente é possível se
infalível, já que deverá ser exercido por alguém educado - pelo e com o peso da tradição -
para lidar com tais situações desde a mais tenra idade. Discursivamente, o poder
Moderador era “chave de todo Império”, sendo seu exercício da estrita competência do
43
MAUS, Ingeborg, Zur Aufklärung der Demokratietheorie – Rechts- und demokratietheoretische
Überlegungen im Anschluß an Kant, Frankfurt/M., Surhkamp, 1992, p. 235. No original: „Für das
Verhältnis von institutionalisierter un nichtinstitutionalisierter Ausübung der Volkssouveränität aber bringt
die neue Dominaz der Verfassungsjuztiz gegenüber dem Parlament eine Umkehrung der Funktions der
Verfassung selbst mit sich“.
23
imperador. O problema da manutenção do equilíbrio entre os poderes do Estado avançou
na sua vertente liberal a ponto de não mais se satisfazer somente com a tradicional
divisão de poderes, mas sim de estabelecer também um mecanismo de controle dos
poderes, na medida em que se sofisticavam as exigências políticas e sociais reformuladas
pela Revolução Francesa. Como para os fathers da Constituição dos Estados Unidos da
América o povo era mantido fora da possibilidade decisória de conformação dos poderes
do Estado, o papel de controlador da constitucionalidade por meio de uma corte
igualmente imune ao controle popular e do legislativo preencheria o requisito liberal de
estabelecimento de uma democracia limitada e, paradoxalmente, legitimada por sua
própria sociedade, como têm provado seus mais de duzentos de vida. Seja na forma de
poder moderador, de corte suprema, o fato é que a necessidade de um controle superior
existe e até os dias atuais este argumento não parecer ter perdido em força.
A jurisdição constitucional funcionado como a instância moderadora dos
eventuais abusos do poder legislativo e de sua maioria parlamentar assegurava a
estabilidade desejada pelos liberais. Aqui outro aspecto merece reflexão. Sistemas
liberais não raro abrem espaço político para representação política externa ao círculo
liberal: a Inglaterra sempre conviveu com governos trabalhistas e atualmente os governos
que se definem social-democratas na Europa e no Brasil praticam abertamente políticas
liberais, satisfazendo as exigências do “mercado”. Potencialmente, a jurisdição
constitucional, principalmente com a dilatação cada vez maior dos instrumentos de
controle concentrado da constitucionalidade no Brasil, tem funcionado como
compensação em favor do liberalismo contra a presença nos parlamentos de grupos
heterogêneos e de orientação anti-liberal, bem como dos resultados de suas deliberações.
Neste sentido, a jurisdição constitucional reencarna duas exigências que somente com o
auxílio da teoria política se pode melhor compreende-los: a) suas decisões correspondem
- e nesta qualidade são aceitas pela sociedade política - à moderação do conflito entre os
poderes; e b) seu funcionamento se traduz na perene desconfiança cultural que a mesma
sociedade política possui dos parlamentos e de sua capacidade de elaborar leis e espécies
normativas constitucionais.
Desejo, a partir de agora, tomar o ponto da cultura da desconfiança em relação
ao legislativo e seu conteúdo conservador, na esperança de poder demonstrar uma outra
24
insuficiência da teoria constitucional, para, sozinha, explicar o funcionamento da
jurisdição constitucional. No caso brasileiro do exercício do controle concentrado da
constitucionalidade o exemplo da ação declaratória de constitucionalidade e sua
jurisprudência elaborada pelo STF fornecem aspectos interessantes a serem obervados.
4. A AUSÊNCIA DE CULTURA POLÍTICA DEMOCRÁTICA: DETERMINANTES
ENDÓGENAS
Que a necessidade da teoria política para uma compreensão menos imprecisa
dos mecanismos constitucionais é evidente não se constitui em nenhuma novidade, como
venho insistindo aqui. O que parece não tão evidente é como esta deve integrar a
observação do fenômeno constitucional, especificamente, do controle da
constitucionalidade das leis e atos normativos. Cristina Queiroz nota que “todo o jurídico
aspira ao político e todo político pressupõe e reclama de alguma forma o jurídico”44
.
Os debates em torno da democratização do poder judiciário enfrentam um ponto
em comum no Brasil após a Constituição de 1988: a tarefa de transformar o poder
judiciário possui tensões externas e, mais determinantemente, interna. Quase a
unanimidade dos que se propõem a discutir como inserir efetivamente o poder judiciário
na esteira da redemocratização brasileira, referem-se muito mais aos problemas internos
deste poder do que aos seus externos; o que não significa pensar que este último aspecto
seja de importância menor.
O surgimento de articulações internas do poder judiciário nas esferas estaduais e
federal é um indicador de que as alterações internas no âmbito do poder judiciário não
podem mais esperar, e que as novas gerações de juízes desejam igualmente interferir nas
decisões administrativas do poder, abandonando sua tradicional posição de passividade.
O que sempre se observou, quanto ao comportamento de juízes das diversas instâncias
inferiores era, na verdade, quase uma repetição linear daquilo que se constatava também
no cenário macro-político da vida institucional brasileira. Em especial, nos anos de
autoritarismo a ação do Estado patrimonialista se legitimava pela natureza destes
regimes: a distribuição de benesses obedecia ao critério da pessoalidade e a confusão
44
QUEIROZ, Cristina M. M, Os Actos Políticos no Estado de Direito – O problema do controle jurídico do
poder, Coimbra, Livraria Almedina, 1990, p. 13.
25
entre o público e o privado era muito mais do que apenas uma de suas marcas mais
identificadoras, mas sim a razão de existência das distintas negociações políticas.
Acordos entre forças políticas disputavam a primazia do favor do poder central, embora
todas do mesmo lado, como era o caso das eleições com as conhecidas “sublegendas”45
eleitorais, dimensionadas a partir da participação destas forças na divisão de cargos,
recursos e promoções seja do poder central, seja daquele regional. Se por um lado, as
instâncias locais e regionais de poder careciam do poder central para sobrevivência, a
reciprocidade também existia, na medida em que o apoio mais localizado era
imprescindível para a aparência de “democracia relativa”46
que se vivia o Brasil. Esta
aparência, aliada ao relativo e curto progresso do período do “milagre econômico
brasileiro”47
emprestava ao Brasil uma credencial exterior importante, uma vez que o
cenário político internacional não se mostrou muito hostil ao governo brasileiro, ainda
que reconhecendo suas deficiências no campo da democracia política.
A repartição de benefícios que se verificava neste campo da política brasileira
contaminava todo o aparelho burocrático do Estado, inclusive o do poder judiciário. As
remoções e promoções de juízes ocorriam levando-se em conta o critério de confiança
existente entre quem nomeava e quem era nomeado. A existência – mesmo nos dias
atuais - do parâmetro extremamente subjetivo do merecimento oferecia o espaço legal
para tais nomeações. Evidente que este mecanismo provocava – e ainda provoca –
distorções consideráveis, permanecendo, até hoje ainda, matéria a ser definida
45
Pelo sistema eleitoral das conhecidas “sublegendas”o partido de apoio aos governos militares brasileiros
do último período autoritário poderia ter distintos candidatos aos cargos majoritários. A Aliança
Renovadora Nacional – ARENA – conseguiu, deste modo, acomodar todas as forças de sustentação ao
regime militar em torno de si, chegando a se reivindicar como “o maior partido do ocidente” à época. 46
Expressão utilizada pelo ex-presidente do Brasil, General Ernesto Geisel (15.03.1974-15.03.1979), para
designar a democracia brasileira. Entendia o ex-presidente, influenciado, sobretudo, pelos ideais de
Oliveira Vianna, que o povo brasileiro não era culto como o dos Estados Unidos ou Alemanha. Para
“garantir a viabilidade de um governo” era “necessário verificar o estágio de civilização de um povo (...)”
in D’ARAÚJO, Maria Celina & CASTRO, Celso, Ernesto Geisel, 2ª edição, Rio de Janeiro, Fundação
Getúlio Vargas Editora, 1997, pp. 395 e 396. 47
A expressão refere-se ao segundo período da ditadura militar que se instalou no Brasil após 1964,
compreendido a partir de 1971. Por esta concepção, a democracia passa a ser uma questão secundária
diante dos desafios econômicos a serem enfrentados. Neste sentido, o governo militar teria realizado o feito
do crescimento econômico de forma “milagrosa”, restando a tarefa de divisão do produto desta riqueza.
John Kenneth Galbraith é um dos principais formuladores deste pensamento, para quem do
desenvolvimento econômico advêm as “coisas menos essenciais” como segurança política do sistema ou
educação universal e gratuita. Cf. John Kenneth GALBRAITH, The Voice of the Poors – Essays on
Economic and Political Persuasion, Cambridge (Mass.)/London, Harvard University Press, 1983, p. 7.
26
objetivamente por tribunais para fins de promoção de juízes. Diante deste quadro, restava
ao magistrado possibilidade de subserviência ao grau superior de jurisdição, o que
representaria a sua ascensão profissional, ou a resistência com as dificuldades a ela
inerentes. Não se pode dizer que este mecanismo funcionou sempre em harmonia com os
interesses daqueles que o elaboraram. Muitos magistrados honrados ascenderam na sua
carreira, sem compromisso algum com favores dos tribunais superiores ou de outros
atores políticos acostumados a ter participação no sistema de promoção e acesso a
tribunais. Estes casos traduzem, porém, uma minoria que não tinha como alterar um
quadro mantido e dominado por uma eficiente estrutura, e ainda, para além de legalmente
institucionalizado, culturalmente enraizada, o que é bem mais problemático.
Talvez aqui resida um dos principais obstáculos à democratização do poder
judiciário: a falta de uma cultura democrática, transfigurada também na ausência de
apreço à democracia e à transparência dos atos internos e julgamentos do poder
judiciário. O apreço à democracia possui, no meu entender, dois vetores: primeiro, o
convencimento de que a aplicação do ordenamento jurídico brasileiro deve se guiar pela
realidade constitucional instalada a partir de 1988, portanto, deve ser aplicado segundo os
parâmetros de um Estado Democrático de Direito. Esta determinação, em razão de sua
força histórica normatizada e de sua posição logo no art. 1º da Constituição Federal,
impõe-se como princípio dos princípios. Assim, deve o magistrado recorrer à teoria da
democracia para identificar os valores que coincidem com a perspectiva da democracia, o
que não é tarefa impossível, se se considera que magistrados dispõem do manejo
acadêmico do direito, especialmente aqueles que ocupam o segundo grau de jurisdição no
Brasil, onde, aliás, não são raros os que possuem envolvimento com a atividade e
produção acadêmica.
O segundo vetor é aquele da falta de um processo de “democratização” dos
membros do poder judiciário. O processo constituinte brasileiro poupou o poder
judiciário brasileiro, em especial o Supremo Tribunal Federal, de uma transformação de
seus membros no momento em que manteve nas mesmas funções juízes e ministros
nomeados e identificados com o regime militar que se encerrava. Contrariamente ao que
se realizou na Alemanha (com a “Entnazifizeirung”) ou mesmo na Argentina,
permaneceram onde estavam no Brasil os ministros de todos os tribunais superiores e dos
27
tribunais de justiça estaduais. No que pese o reconhecido talento de alguns destes
membros, o problema é aqui de outra ordem: o seu compromisso com a democracia era
quase nulo; sua formação teórica não possuía base democrática e a radicalidade da
transformação democrática no nível constitucional era-lhes apenas um vago desenho a ser
implementado sem causar grandes transformações, devendo operar-se naturalmente, sem
grande rupturas; exatamente as rupturas de que o Brasil necessitava. Nada mais próximo
do pensamento conservador. O comportamento da ação dos representantes da
magistratura nos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte comprova que esta
mentalidade foi dominante. Talvez isso explique o fato de que, salvo alguns instantes
localizados, a estrutura do poder judiciário na Constituição de 1988 tenha permanecido
quase idêntica àquelas que se tinha em 1946 e em 1967/6948
, o que sugere, desde já, a
facilidade com que o poder judiciário convive tanto com democracia como com
autoritarismo.
Para os fins deste limitado trabalho, desejo proceder apenas a considerações
acerca daquilo que qualifiquei de primeiro vetor. Em outras palavras, pretendo discutir
pontos que fazem da necessidade de uma cultura democrática, no âmbito do poder
judiciário, tanto um aspecto fundamental de sua reforma, como mesmo um elementos
caracterizadores de sua atuação, seja para explicar sua posição pretérita, seja para sua
localização no espaço de uma futura alteração na estrutura do poder judiciário.
Nesta perspectiva, concentrarei a atenção deste ponto de minha análise no
conceito de cultura democrática aqui entendido como a prática reiterada de posturas por
parte do poder judiciário que combinam a prescrição normativa objetiva determinada pela
Constituição Federal de 1988 – considerada em sua condição de carta política para um
Estado Democrático de Direito – com a compreensão que o poder judiciário tem de si
próprio, na qualidade de ator político imprescindível à realização constitucional do
Estado Democrático de Direito constitucional. Claro que o conceito de cultura comporta
exaustiva análise de ordem antropológica, ajustada à discussão sobre a efetivação da
justiça, em especial numa sociedade marcada pelo multiculturalismo, como é o caso do
48
Ilustrativa é a opinião da hoje Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Eliana Calmon, à época juíza no
Tribunal Regional Federal da 1ª Região: “O judiciário enfrentou a constituinte sem real proposta de
reforma, com lobbies eminentemente corporativos e até pueris, perdendo a grande oportunidade de realizar
a mudança estrutural in Revista da OAB, 67/1998, p. 11.
28
Brasil49
. Porém, para o objetivo de discussão aqui explicitado, parece mais prudente que
se vincule a combinação acima descrita à evolução histórica do conceito de democracia
para que seja possível a aferição da necessidade e do grau de presença desta cultura
democrática no presente do poder judiciário brasileiro. Diante da conjunção deste critério
de origem histórica de democracia, recorro o conceito aplicável ao caso de cultura
democrática discutido por dois clássicos do pensamento político iluminista –
Montesquieu e Rousseau - para sustentar que a noção de democracia e de instalação
permanente de uma cultura democrática se relaciona de forma indissociável com a
convicção de que o representante do povo que exerce o poder do Estado - seja ele o
presidente de uma república, o seu deputado ou senador, ou ainda o juiz – não somente
não pode ir além do que está determinado pelo povo (na forma de um “processo
desencadeado pelo constituinte [que] não se detém”, tratando-se, portanto, de tornar o
poder constituinte e, conseqüentemente, a soberania popular, “ilimitada”50
), como não
lhes será permitido conviver com uma distância “entre o deliberante e o deliberado, entre
quem decide e o o quê da decisão”51
.
Referida consideração não tem feito parte das preocupações do poder judiciário
quando de suas decisões, muito em especial quando se tem decisões sobre
constitucionalidade de leis e atos normativos oriundas do controle concentrado da
constitucionalidade. Entendo, assim, que essa premissa, salvo entendimento melhor
formulado, não parece ser possível sem que se recorra parâmetro iluminista de
democracia52
.
49
Cf. Marcelo NEVES, “Justiça e diferença numa sociedade global complexa”, in: SOUZA, Jessé (org.),
Democracia Hoje – Novo desafios para a teoria democrática contemporânea, Brasília, Editora da
Universidade de Brasília, 2001. Para o Autor, “A justiça não se pode reduzir a um universalismo moral
individualista, não é um atributo exclusivo do liberalismo. Ela afirma-se enquanto é sensível à diferença,
sendo esta compreendida aqui não apenas como diferença de valores coletivos ou mesmo individuais, mas
também como diferenças de esferas de comunicação” (idem, p. 330). 50
NEGRI, Antonio, O Poder Constituinte – Ensaio sobre as alternativas da modernidade, DP&A Editora,
2002, p. 40. 51
PISIER, Évelyne, “Montesquieu e Rousseau: Dois batedores da democracia”, in: DARNTON, Robert &
DUHAMEL, Olivier (orgs.), Democracia, Rio de Janeiro/São Paulo, Editora Record, 2001, p. 116. 52
Sempre é oportuno lembrar que o conceito moderno de democracia é herdeiro da tradição humanista do
Iluminismo, consolidada com a Revolução Francesa e submetido a duras provações históricas, como o
aparecimento dos movimentos socialistas, a Revolução Russa e a crise do Estado liberal, etc. Neste sentido,
vide RÉMOND, René, “Os ciclos revolucionários no século XIX – na Europa”, in: DARNTON, Robert &
DUHAMEL, Olivier (orgs.), Democracia, Rio de Janeiro/São Paulo, Editora Record, 2001, pp.63 e ss.
29
Há mais o que se comentar sobre o papel da internalidade do poder judiciário e
sua ausência de vocação democrática. Como conseqüência da falta de uma referida
cultura democrática, tem-se no ambiente institucional o espaço para contaminação de
projetos que prejudicam a consolidação da democracia, ou mais incisivamente: em
desfavor da introdução da cultura da democracia num meio constitucional que, pelo
menos formalmente, exige sua confirmação. Pode-se afirmar que, pelo menos no caso da
responsabilidade de implementação do texto constitucional de 1988, não seria somente do
poder judiciário, mas também que o poder legislativo brasileiro não estaria oferecendo
seu compromisso com a solidificação da cultura democrática, ou mesmo que esta cultura
seria estranha ao poder legislativo.
Não vejo como inexoravelmente graves os espasmos antidemocráticos por parte
do poder legislativo brasileiro, tampouco me parece razoável que se diga que o poder
legislativo não possui cultura democrática. O legislativo brasileiro, exceto o do México, é
o único na América Latina que se submeteu por mais de cinqüenta anos ininterruptos a
eleições periódicas. De 1945 até os dias de hoje, jamais se deixou de votar para
deputados estaduais, federais e senadores, ainda quando tais eleições se deram durante o
período militar. As conhecidas eleições de 1974 que garantiram maioria à oposição –
corporificada no então MDB – bem demonstram a visão que a sociedade tinha do poder
legislativo a ponto de credenciá-lo como instrumento necessário à redemocratização que
somente se iniciaria a partir de 1980. Esta referência de expectativa inexistiu
relativamente ao poder judiciário. E não foi sem bons motivos.
Neste ponto há uma autêntica demonstração de como a falta de uma cultura
democrática pode ser decisiva para o comportamento futuro das instituições, e,
especificamente, de qualquer dos poderes do Estado. O poder legislativo no Brasil – e no
mundo – é portador dessa cultura. Sua tradição histórica transforma-o num verdadeiro
ator político que tem sido competente para dar, na grande maioria das vezes, vazão aos
legítimos desejos de uma sociedade. É bem verdade que essas afirmações possuem
exemplos que provam exatamente o oposto. Mas são exceções que apenas confirmam a
regra geral. Quanto ao poder judiciário não há como se asseverar o mesmo. Pelo menos
na memória histórica brasileira, nunca se soube de enfrentamento, por parte do poder
judiciário, em relação aos movimentos autoritários que, sem maiores dificuldades,
30
riscaram a validade de constituições das quais o poder judiciário funcionava como
guardião, como é o caso da outorga da Constituição de 10 de novembro de 1937 ou
mesmo do golpe militar de 31 de março de 1964. Há que se lembrar que juízes não
impedem – tampouco realizam - revoluções ou movimentos autoritários. Por outro lado, a
resistência ainda que meramente discursiva, colocaria os juízes num patamar de apreço
democrático por parte da sociedade; apreço referencial que eles, historicamente, não
dispõem até os dias de hoje.
Outro bom indicador para fins de discussão a respeito da ausência de uma
cultura democrática no poder judiciário é o da judicialização da política53
. Se se percebe
cada vez mais que muito dos embates políticos da sociedade se deslocam para a arena
judiciária, abandonando o campo da política e dos políticos, este episódio pode ser
denunciador de diversos aspectos. O primeiro deles, sem dúvida, pode ser percebido por
meio de um descrédito dos políticos, mas não da política, na medida em que a natureza
do conflito jamais deixará de ser política pelo fato de vir a ser resolvida pelo poder
judiciário. O segundo deles é que o poder judiciário passaria a ser visto como depositário
das esperanças da realização constitucional, articulação que executivo e legislativo têm
sistematicamente se recusado a fazer. De uma outra vertente, poder-se-ia ainda dizer,
num terceiro ponto que, nesta condição – mais que nunca – a presença da cultura
democrática no judiciário quando este é chamado a interferir nas questões políticas se
mostra muito mais importante.
Não estou tão certo quanto à procedência do primeiro aspecto. O fato de que a
política tenha se judicializado não pode levar à conseqüência inevitável de descrença dos
políticos. Cada vez mais a participação nos processos de escolha política cresce no Brasil.
Ainda que se tenha desprezo pelos políticos, a avaliação geral do Congresso Nacional no
Brasil tem melhorado, e a regular periodicidade de eleições, que não deixam de mobilizar
contingente considerável de cidadãos e cidadãs, autoriza a conclusão de que, de alguma
maneira, o político não pode ser simplesmente encarado como mero diletantismo pela
sociedade. Demais, o poder legislativo brasileiro tem dado provas de sua maturidade
53
Sobre o assunto, a obra VIANNA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Rezende de; MELO,
Manuel Palácios Cunha & BURGOS, Marcelo Baumann, A Judicialização da Política e das Relações
Sociais no Brasil, Editora Revan, Rio de Janeiro, 1999, se constitui em precioso estudo sobre o assunto.
31
quando destitui seus próprios membros dos mandatos por motivos que, em poucos anos
atrás, não causariam mais que um efêmero mal estar entre os parlamentares. Também há
de se ressaltar que, aliada à existência de canais de televisão que transmitem as sessões
do poder legislativo brasileiro, a população esteve atenta ao que ocorria no parlamento
brasileiro, estimulada pela maciça cobertura dos meios de comunicação.
De forma semelhante, não creio que a corrida ao poder judiciário para a solução
de conflitos políticos possa vir a ser compreendida como “ampliação da legitimidade”54
do poder judiciário. Em questões de constitucionalidade, a “ampliação da legitimidade”
do Supremo Tribunal Federal tem se mostrado fundamental para o encorajamento da
judicialização da política. É preciso não esquecer que critérios teóricos de natureza supra-
constitucional, como a discussão sobre a legitimidade da jurisdição constitucional, não
parecem ter sido considerados com o objetivo de oferecer sustentação a esta afirmativa.
Igualmente não se deve olvidar que em muitas das questões políticas resolvidas pelo
Supremo Tribunal Federal, como aqui tenho sustentado, o limite constitucional foi
ultrapassado – este é um fenômeno que não ocorre somente com o Supremo Tribunal
Federal, mas com todas as cortes controladoras da constitucionalidade das leis que se tem
notícia – tendo, em alguns casos, sido notado o firme propósito de retaliação por parte
dos outros poderes, o que não foi levado a cabo em virtude do desejo de manutenção do
jogo institucional instalado. Este ultrapassar por si só compromete a “ampliação da
legitimidade” na medida em que ela se dá fora do desenho constitucional. E se permanece
a decisão que tenha ultrapassado o comando constitucional, ela permanece válida em
nome de um óbvio exercício da dogmática jurídica que determina que somente o
controlador da constitucionalidade poderá rever, judicialmente, suas próprias decisões.
Detivesse o Supremo Tribunal Federal a tradição de uma cultura democrática, com
certeza teria sido mais cauteloso ao apreciar questões de cunho político que lhe foram
jogadas às mãos, como o caso dos mandados de segurança impetrados durante o processo
de crime de responsabilidade do ex-presidente Fernando Collor de Mello, a
jurisprudência em impeachment ou ainda o problema dos juros de doze por cento ao ano
54
VIEIRA, Oscar Vilhena, Supremo Tribunal Federal – Jurisprudência Política cit., p. 226.
32
A ausência da cultura democrática compromete também a visão de que o poder
judiciário possa vir a ser visto como depositário das expectativas de realização
constitucional. Neste sentido, a afirmação de Lênio Streck é oportuna: “Não surpreende,
pois, que institutos como a argüição de descumprimento de preceito fundamental, o
mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e tantos
outros dispositivos previstos na nova Constituição continuem ineficazes”55
. Recorrendo-
se à judicialização da política, acreditou-se que a atuação do Supremo Tribunal Federal
seria determinante na realização do importante instrumento do mandado de injunção. O
Tribunal desviou-se do possível entendimento de que ele poderia, sim, expedir a injunção
para o caso concreto e que tal atitude, a qual efetivamente consiste em intromissão na
seara do poder legislativo, representa uma ruptura do monopólio da tarefa de legislar;
ruptura momentânea, porém autorizada pelo constituinte. A definição do mandado de
injunção pelo Supremo Tribunal Federal, no exercício da judicialização da política é um
bom exemplo: reafirmou tanto a ausência de compromisso do Tribunal com a nova
Constituição, como também denunciou a ultrapassagem da determinação constitucional,
dando um sentido diverso àquilo que o constituinte decidiu, e demonstrou, por fim, que a
falta de uma cultura democrática por parte dos membros do poder judiciário é poderoso
instrumento em desfavor de sociedades em fase de consolidação de sua democracia.
5. CULTURA DEMOCRÁTICA E AÇÃO DECLARATÓRIA DE
CONSTITUCIONALIDADE
Desejaria relembrar aquilo que demonstrei nas primeiras páginas deste artigo, ou
seja, as palavras a respeito da Constituição Federal em 5 de outubro de 1988, proferidas
pelo Ministro José Carlos Moreira Alves, em entrevista ao jornal Correio Braziliense. O
Ministro afirmou que o Supremo Tribunal Federal dar-se-ia ao esforço de tornar a “nova
Carta” viável, e ainda que “com o passar do tempo, as imperfeições da [nova
Constituição] serão corrigidas“56
. Que motivos teria o Ministro para reivindicar para o
Supremo Tribunal Federal a tarefa de tornar capaz a Constituição Federal de 1988 de
conviver com a governabilidade? Não é adequado que se indague sobre eventuais razões
55
STRECK, Lênio Luiz, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica – Uma Nova Crítica do Direito, Porto
Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2002, p. 30. 56
MEDEIROS, Humberto J., Realização Constitucional do Mandado de Injunção cit., p. 126.
33
de ordem subjetiva para que se chegue a uma resposta plausível. O caminho da racional
objetividade parece ter muito mais a oferecer em termos de análise e de possíveis
respostas.
Num instante inicial, observa-se a reivindicação para si – para a última instância
do poder judiciário brasileiro – de árbitro supremo da política, ignora aquilo que há
pouco se reportou: a vinculação do deliberado ao deliberante, e a continuidade do poder
constituinte quando da efetivação e vigência de um texto constitucional.
Em tal ambiente, é patente a ausência de uma cultura democrática na última
instância do poder judiciário do Brasil, que não resta isolada, pois não há como se negar a
influência dos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal nos outros tribunais do
País e nos juízes. O quadro aqui descrito se agrava quando se sabe que a introdução do
stare decisis, ou efeito vinculante, como denomina a versão brasileira, não apenas não
integra a tradição do controle jurisdicional brasileiro, como representaria a
institucionalização explícita da distância entre deliberante e deliberado, indo até o
extremo de limitar a continuidade do poder constituinte. Evidencia-se num importante
momento de discussão constitucional a dificuldade de formação de uma cultura
democrática também para o poder judiciário exterior aos limites desse poder57
.
Um último demonstrativo que merece mais atenção quanto ao problema da
ausência da cultura da democracia no judiciário é o do acesso aos tribunais. Muito mais
importante do que o resultado – a nomeação em si para tribunais estaduais, regionais e
57
O efeito vinculante no Brasil foi introduzido pela Emenda Constitucional nº 03, de 17.03.1993, que criou
a ação declaratória de constitucionalidade, cujas decisões possuem efeito vinculante (art. 102, § 2º, CF). A
extensão deste efeito em outros tipos de instrumentos de controle concentrado de constitucionalidade já se
deu. É o caso da argüição de descumprimento de preceito fundamental, por meio da Lei nª 9.882, de
03.12.199. Ressalte-se, ainda, que a Proposta de Emenda Constitucional nº 29/2000, que trata da reforma
do poder judiciário, em discussão no Senado Federal (Relator o Senador Bernardo Cabral), estende o efeito
vinculante a todas as decisões do Supremo Tribunal Federal (PEC nº 29, de 200, conforme proposta do art.
103-A e seus parágrafos, p. 99). Importante lembrar a recomendação do Banco Interamericano de
Desenvolvimento – BID – para a reforma do poder judiciário: “El derecho y los tribunales de justicia
deben facilitar la consolidación de las reformas económicas, la apertura e integración de las economías,
así como incentivar la productividad de las empresas y promover la integración de los setores sociales más
pobres en el circuito económico formal. Para ello, tienen que responder a las necesidades de regulación
del mercado y de los distintos agente económicos y sociales, superando la concepción de un orden jurídico
que grava a la comunidad con altos costos asociados a las formalidades que deben observarse y la
sobreutilización de procedimientos litigiosos. Es necesario consolidar el derecho por su propia
pertinencia” in BID - BANCO INTERAMERICANO DE DESAROLLO, Elementos para la
Modernizacion del Estado, Washington, D.C., Jullo de 1994, p. 16.
34
superiores – o seu processo desperta mais cuidados no seu trato. Como se afirmou
anteriormente, o primeiro grande problema do poder judiciário configura-se na falta de
uma cultura democrática de seus membros, notadamente os integrantes do segundo grau
de jurisdição federal e estadual. Percebe-se uma reação encadeada: estes membros
aceitam a clandestinidade do processo de suas nomeações e retribuem na forma de
fidelidade aos interesses das forças responsáveis por sua nomeação. Claro que este
fenômeno não é linear. Ele é em si historicamente repetido, mas de forma contraditória, o
que explica, por exemplo, casos isolados de rompimento entre os responsáveis pela
nomeação e o nomeado. Fato é que também por participarem deste jogo nada
transparente, as formulações jurídicas destes membros denunciam sua visão conservadora
do direito, a qual já vinha sendo expressada em suas decisões e comportamentos
anteriores à nomeação. Essa posição conservadora se encontra explicada na obra de José
de Albuquerque Rocha da seguinte forma: “a) concepção mecanicista na interpretação
dos textos legislativos (...); b) concepção do ordenamento jurídico como um sistema
coerente, completo e independente da realidade sócio-econômica; c) “predisposição” a
aceitar como “legítimas” as “solicitações” do poder dominante”58
.
A tarefa de instituição de uma cultura democrática no âmbito do poder judiciário
não é uma atribuição somente do poder judiciário, e, aliás, nem é salutar que seja
monopolizada por um único ator político. Em nome da heterogeneidade de idéias –
característica da democracia – esta é uma tarefa que pertence a toda a sociedade, e é esta
que deve concentrar seus esforços no sentido discutir amplamente o que deseja de seu
poder judiciário. O que se evidencia como desaconselhável é a permanência do quadro
atual, em especial numa sociedade como a brasileira que tem dados sinais inequívocos de
maturidade democrática.
O caso da ação declaratória de constitucionalidade – ADC, doravante - bem
poder ser vir de um seguro parâmetro, não somente por sua natureza, mas também pelo
processo de que é resultado. Primeiramente cumpre dizer que a introdução da ADC no
sistema de controle concentrado da constitucionalidade brasileiro, como é de
conhecimento geral, se deixa mostrar pela necessidade da segurança jurídica, portanto, da
58
ROCHA, José de Albuquerque, Estudos Sobre o Poder Judiciário, São Paulo, Malheiros Editores, 1995,
p. 108.
35
governabilidade em detrimento da democracia59
, e, assim determinada (principalmente
por força de seu diminuto rol de ativamente legitimados à sua propositura) pela chefia do
poder executivo. A grande novidade ao debate de controle concentrado da
constitucionalidade trazido pela ADC foi aquele de seu efeito vinculante e, mais
interessante ainda, a argumentação do Min. Moreira Alves, relator da ADC n 1-DF, a
qual consta da decisão final pelo STF.
A ADC foi introduzida pela Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de
1993, que alterou a alínea a do art. 102 da Constituição Federal, adicionando ao mesmo
artigo os parágrafos 1º e 2º, além de modificar outros dispositivos constitucionais. Como
se disse a grande novidade foi o efeito vinculante atribuído às decisões em ADC quando
das decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (art. 102, §
2º do art. 102). A ADC nº 1-DF teve como requerentes o Presidente da República e as
Mesas do Senado Federal e Câmara dos Deputados. A partir deste acórdão, foram fixadas
as diretrizes jurisprudenciais do STF sobre a ADC, enfrentando-se, inclusive, o
questionamento da emenda constitucional que a instituiu.
A ADC foi introduzida por emenda constitucional, cuja constitucionalidade foi
questionada. Estes vícios de inconstitucionalidade sustentavam-se, principalmente, em
dois pontos: a) a ADC, ao introduzir o efeito vinculante, violaria o direito constitucional
da ampla defesa, com os recursos a ela inerentes (art. 5º, LV da Constituição Federal), o
que significaria sua inconstitucionalidade na medida em que emenda tendente a abolir os
direitos e garantias individuais não será objeto de deliberação (art. 60, § 4º, IV da
Constituição Federal). O efeito vinculante, não permitindo o uso de recursos, seria visto,
pois como uma limitação ao direito de ampla defesa judicial; b) o STF passaria a exercer
uma “função consultiva” dos poderes executivo e legislativo, o que afronta abertamente
sua configuração constitucional, em especial a separação de poderes, igualmente
estatuída como cláusula pétrea pelo art. 60, § 4º, III da Constituição.
59
Claramente demonstrado está esta condicionante no acórdão da ADC n 1-DF, cujo texto, na íntegra, se
acha publicado também por Gilmar Mendes Ferreira, in MENDES, Gilmar Ferreira, Moreira Alves e o
Controle de Constitucionalidade no Brasil, São Paulo, Celso Bastos Editor/Instituto Brasileiro de Direito
Constitucional, 2000, especialmente pp. 262 e ss.
36
O Min. Relator da ADC nº 1-DF, José Carlos Moreira Alves, enfrentou os
tópicos acima apontados, quando do julgamento da referida ação. Quanto ao primeiro,
afirmou ele que: “Improcede, dessa forma, a alegação de que o novo instituto suprime as
garantias de acesso ao Judiciário, do devido processo legal, da ampla defesa e do
contraditório. Os juízes e tribunais continuam competentes para o processo e julgamento
dos litígios concernentes as relações jurídicas corretas, constituídas sob a égide da lei ou
ato normativo federal objeto da ação declaratória de constitucionalidade”60
. Demais, na
avaliação do Min. Relator, o efeito vinculante não representa nenhuma novidade, já que
mesmo nos casos de ação direta de inconstitucionalidade a não uniformização “deve ser
corrigida por meio dos recursos previstos na legislação processual, o desrespeito ao
julgado na ação declaratória de constitucionalidade pode ser reparado não só mediante
esses meios processuais, como também por via de reclamação”61
.
No acórdão em análise, o fundamento justificador da instituição da ADC ao
sistema brasileiro de controle abstrato da constitucionalidade é o da segurança jurídica.
Nas palavras do Min. Relator: “Objeto da tutela constitucional é a certeza da relação
jurídica. (...) a primeira peculiaridade do novo instituto (...) está em que o estado de
incerteza é combatido direta e preventivamente, em processo autônomo, tornando-se
questão constitucional em si mesma, e não para a tutela de direitos subjetivos”62
.
A respeito do caráter consultivo do STF, com a introdução da ADC, escreveu o
Relator que: “O pronunciamento do Supremo Tribunal Federal depende de provocação
do órgão legitimado para a ação e da demonstração dos pressupostos de admissibilidade
da ação. A discricionariedade judicial é limitada pelo pedido, que pode referir-se a toda a
lei ou a parte dela, campo esse delimitado pela extensão das controvérsias acerca da sua
constitucionalidade”63
. Por fim, concluiu, ainda, o Min. Relator de que a sustentação
sobre o caráter consultivo do STF “(...) não atenta apara a circunstância de que, visando a
ação declaratória de constitucionalidade à preservação da presunção de
constitucionalidade do ato normativo, é ínsito a essa ação, para caracterizar-se o interesse
objetivo de agir por parte dos legitimados para propô-la , que pré-exista controvérsia que
60
MENDES, Gilmar Ferreira, Moreira Alves e o Controle de Constitucionalidade no Brasil cit., p. 265. 61
Idem, p. 266. 62
Idem, pp. 262/263. 63
Idem, p. 267.
37
ponha em risco essa presunção, e, portanto, controvérsia judicial no controle difuso de
constitucionalidade, por ser esta que caracteriza inequivocamente esse risco. Dessa
controvérsia, que deverá ser demonstrada na inicial, afluem, inclusive, os argumentos pró
e contra a constitucionalidade, ou não, do ato afirmativo em causa, possibilitando a esta
Corte o conhecimento deles e como têm sido eles apreciados judicialmente. (...) Não há,
assim, evidentemente, qualquer violação ao princípio da separação dos poderes”64
.
O primeiro dos elementos a se registrar quanto à ADC é aquele referente à
dilatação do elenco de ações de controle abstrato da constitucionalidade e, merece ser
reforçado, em oposição ao que determinou o constituinte. Ora, a extensão atual do rol dos
ativamente legitimados para propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN
– traduz, sobretudo, o firme propósito de envolver a sociedade na tarefa da guarda da
constitucionalidade, e não entregá-la apenas ao STF e ao Procurador-Geral da República,
como representava a ideologia do constitucionalismo brasileiro anterior a 1988. Dotando
essa visão de mais substância discursiva objetiva, tem-se ainda o fato de que o controle
de constitucionalidade exige também a participação das entidades federadas, e com elas,
de seus atores sociais regionais. Até mesmo uma leitura desatenta do art. 125, § 2º da
Constituição Federal65
obriga claramente a concluir que o controle abstrato de
constitucionalidade não é elemento exclusivamente proveniente da teoria constitucional,
mas que possui determinantes políticas cada vez mais abertas e plurais, sempre na
intenção includente; jamais excludente. Ligado a este aspecto, tem-se, por conseguinte,
que a sobreposição da governabilidade66
em relação à democracia e abertura dialógica
política que a interpretação constitucional para o caso brasileiro – objetivamente definido
como um Estado Democrático de Direito, como venho insistindo – se constata com a
instituição da ADC: mais um instrumento de judicialização da política; mais atribuição
regulatória da política atribuída a um único órgão sem tradição e composição
64
Idem, p. 276. 65
Este dispositivo prevê a imposição para que os Estados federados instituam o controle concentrado de
constitucionalidade das espécies normativas estaduais e municipais, em relação à constituição estadual
respectiva, sendo vedada a legitimação ativa a um único órgão. 66
Devo um agradecimento todo especial ao Prof. Dr. Gilberto Bercovici, que me chamou, pela primeira
vez, a atenção para o importante ponto da governabilidade, bem como de seu confronto teórico com a
democracia. A adequada identificação dessa tensão consiste, a meu ver e confirmando o pensamento do
Prof. Dr. Gilberto Bercovici, em problema crucial a possibilidade da ampliação – como componente da
teoria política – do controle abstrato da constitucionalidade cada vez maior no constitucionalismo
brasileiro.
38
democráticas; e do ponto de vista constitucional, mais um mecanismos de difícil
compatibilidade (Vereinbarung) com a Constituição vigente, como procurarei agora
demonstrar.
Inexiste, pelo menos no texto do acórdão da ADC nº 1-DF critério que
efetivamente estabeleça uma distinção conceitual entre ADIN e ADC, ou melhor: nada
daquilo que não possa ser questionado por meio de ADIN, pode sê-lo por meio de ADC.
Observe-se o teor das afirmações do STF no citado acórdão. Inicie-se pela segurança
jurídica. É evidente que a segurança das relações jurídica consiste no cerne de uma
ADIN. O requerente em ADIN deseja obter do STF a declaração de inconstitucionalidade
– nada impede, porém, que o resultado seja a confirmação da presunção legislativa de
constitucionalidade – exatamente para solucionar controvérsia de ordem constitucional,
portanto, tão grave e digna de apreciação como a controvérsia motivadora de ADC.
Nenhuma diferença entre os dois tipos de ações de controle abstrato de
constitucionalidade, neste sentido. Retomo o trecho, já transcrito, de que a ADC tem por
objeto a segurança jurídica: “Objeto da tutela constitucional é a certeza da relação
jurídica. (...) a primeira peculiaridade do novo instituto (...) está em que o estado de
incerteza é combatido direta e preventivamente, em processo autônomo, tornando-se
questão constitucional em si mesma, e não para a tutela de direitos subjetivos”67
.
Dignos de indagação os seguintes pontos: qual o objeto da ADIN? A incerteza
jurídica na ADIN não se torna também questão constitucional em si mesma? Evidente
que sim, tanto quanto não se constitui a ADIN em instituto de tutela de direito subjetivo,
o que, aliás, refoge completamente à natureza do controle abstrato de constitucionalidade.
A respeito do efeito vinculante, os contornos os argumentos do STF apenas
confirmam o realismo cínico, na medida em que todos são conhecedores – o STF,
inclusive – de que: a) os recursos processuais contra decisão de instância inferior que
segue orientação distinta daquela determinada pelo STF em ADIN possuem uma natureza
– e processamento, sobretudo - completamente distinta, pois, de uma reclamação perante
o próprio STF; e b) se o efeito vinculante não interfere nas decisões dos juízos inferior,
67
MENDES, Gilmar Ferreira, Moreira Alves e o Controle de Constitucionalidade no Brasil cit., pp.
262/263
39
“não cerceia a função criadora judicial”68
, por qual motivo, então, a sua introdução? Se
nada muda, não faz sentido que o legislador, muito menos em exercício do poder
constituinte reformador, dê-se ao diletantismo de legislar sobre o inútil, sobre o que já se
tem,
Do ponto de vista da dogmática, os problemas envolvendo o efeito vinculante
não terminam aqui. A Constituição Federal afirma que somente as decisões definitivas de
mérito proferidas pelo STF em ADC possuem esse efeito. A Lei nº 9.868, de 10 de
novembro de 1999, no seu art. 21 diz o seguinte: “O Supremo Tribunal Federal, por
decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida cautelar
na ação declaratória de constitucionalidade, consistente na determinação de que os juizes
e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou
do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo”. Que esse dispositivo
legal é incompatível com o delineamento constitucional da ADC, não me resta dúvidas,
uma vez que o efeito vinculante somente surgiu no controle concentrado de
constitucionalidade brasileiro como figura especialíssima e, mais uma vez, para decisões
definitivas de mérito. A origem casuística da ADC – alteração das regras do jogo depois
deste já iniciado – sugere que a governabilidade não somente é preocupação do
executivo, mas também do STF: o efeito vinculante para decisões cautelares em ADC
integra a jurisprudência do STF desde o julgamento da ADC n° 4, em 1998, quando o
Tribunal entendeu o seguinte “ (...) 8. Medida cautelar deferida, em parte, por maioria dos
votos, para se suspender, “ex nunc”, e com efeito vinculante, até o julgamento final da
ação, a concessão da tutela antecipada contra a Fazenda Pública que tenha por
pressuposto a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do art. 1° da Lei n° 9.494, de
10.09.97, sustando-se, igualmente, “ex nunc”, os efeitos futuros das decisões já
proferidas, nesse sentido”69
. Na verdade, o texto legal regulamentador do processo e
julgamento de ADIN e ADC apenas traduz o pensamento do STF, confirmando do ponto
68
Idem, p. 263. Gostaria de chamar a atenção neste ponto para a lenta evolução, pelo menos no que envolve
a igualdade entre brancos e negros, da jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América,
trazida no início deste texto. Dúvidas não há de que a existência do stare decisis tem uma responsabilidade
fundamental no fato de que aquela Corte enfrentou mais de cem anos de sua vida ativa para concluir que as
duas raças são constitucionalmente iguais. 69
ADC n° 4 MC/DF, DJ 21.05.1999, p. 002, Emet. Vol. ‘1951,-01, p. 0001, Brasília, 1999. Rel. Min.
Sydney Sanches, p. 02.
40
de vista histórico o que sempre se afirmou: o STF e sua jurisdição constitucional se
constituem em atores políticos fundamentais no cenário institucional brasileiro e, quase
sempre, em favor de um tipo de governabilidade.
Desejo, por fim, enfrentar um outro tópico relativo à natureza teórica do efeito
vinculante, e que, curiosamente, não parece ter sido discutido pelo STF (pelo menos não
o foi durante a construção jurisprudencial da ADC), e que fornece mais pontos para a
robustecer a incompatibilidade entre efeito vinculante e a Constituição Federal de 1988.
Em 2000, Michel Stokes Paulsen afirmou que o stare decisis aplicado às decisões da
Corte Suprema dos Estados Unidos da América nada mais seria do que “mera política”
(mere policy), não possuindo, por essa razão, estatura constitucional (constitucional
stature)70
. Em razão de tal argumento, segundo Paulsen, inexistem obstáculos ao
legislador para rever a doutrina do stare decisis da Suprema Corte, em nome da
“Necessary and Proper Clause”71
, ou seja, do poder do legislativo de legislar. Assim
como o stare decisis não poder ser defendido “como uma regra constitucional a partir da
referência da linguagem, da história e da estrutura da Constituição, não é ele um princípio
de status constitucional. (...) Qualquer julgamento onde o stare decisis seja observado é
um julgamento discricionário, sujeito ao controle pelo congresso em nome da “Necessary
and Proper Clause”72
.
A crítica aos argumentos de Paulsen foi elaborada por Richard H. Fellon Jr.,
reportando também à segurança jurídica como elemento imprescindível à vida da
sociedade e da constituição73
. Neste sentido, a principal indagação do crítico: “Se o stare
decisis é uma mera política, não constitucionalmente ordenada ou pelo menos autorizada
como um elemento constitutivo da adjudicação constitucional, em nome de que direito
70
FALLON Jr., Richard H., “Stare Decisis and The Constitution: An Essay on Constitutional
Methodology”, New York University Law Review, vol. 76, n. 2, may 2001, p. 570. 71
Inserida na Constituição dos Estados Unidos, no art. 1, § 8, cl. 18:”The Congress shall have Power to
make all Laws which shall be necessary and proper for carrying into Execution the foregoing Powers, and
all others Powers vested bythis Constitution in the Government of the United States, or in any Department
or Officer thereof”. Cf. Richard H. FALLON Jr., “Stare Decisis and The Constitution: An Essay on
Constitutional Methodology” cit., p. 571. 72
Idem, p. 575. No original: “Because stare decisis cannot (he believes Paulsen]) be defended as a
constitutional rule by reference to the Constitution’s language, history, and structure, it is not a principle
of constitutional status. (…) The judgment whether stare decisis should be observed is a discretionary one,
subject to congressional control under the Necessary and Proper Clause”. 73
Idem, pp. 586 e ss.
41
poderia a [Suprema] Corte seguir os ditames exigidos por uma política que se contrapõe à
Constituição?”74
.
O que chama a atenção da defesa do stare decisis realizada por Fellon Jr., no que
pese a qualidade da formulação de Paulsen, é um elemento não presente na defesa do
efeito vinculante da ADC: a presença de critérios políticos. Fellon Jr. não deixa dúvidas:
“A legitimidade da Suprema Corte para aplicação do princípio do stare decisis em
questões constitucionais pode ser baseada pelo menos em parte nos níveis de aceitação a
razoáveis de justiça e prudência”75
.
Não há como negar o grau de boa sistematicidade à qualidade das duas posições.
Tenho que seria instigante submeter o efeito vinculante introduzido no controle
concentrado da constitucionalidade brasileiro pela ADC a semelhante análise, uma vez
que a qualidade democrática que a Constituição Federal reivindica para si permite, em
nome do Estado Democrático de Direito, que se tente referida operação. Igualmente, até
mesmo pelo fato de que, historicamente, reside no ponto da não adoção do efeito
vinculante, desde a Constituição de 1891, a grande diferença entre o controle da
constitucionalidade do Brasil e o adotado pela Suprema Corte dos Estados Unidos.
Não se me afigura problemático que se critique o efeito vinculante apenas por
sua natureza política. O problema talvez resida na desigualdade entre os poderes que ele
causa, oriundo que é de cortes sem legitimidade democrática, qualidade da qual
dificilmente se desvencilhará. Inconteste é o fato de que a questão da “segurança
jurídica”, utilizada pelo próprio STF como critério fundante e legitimador da
constitucionalidade do ingresso da ADC na Constituição Federal, nada mais representa
senão o reconhecimento da necessidade de intervenção na política por parte do STF, sem
que esse detalhe seja em instante algum reconhecido pelo STF. Ao justificar para si a
tarefa de aferir esse parâmetro, controlando a politicidade da Constituição, o STF
ultrapassa sua configuração constitucional, comprometendo também o vetor
74
Idem, p. 571. No original: “If stare decisis were a mere policy, not constitutionally mandated or at least
constitutionally authorized as a constitutive element of constitutional adjudication, then by what right
could the Court follow the dictates of that policy in contravention of what the Constitution (as correctly
interpreted) requires?”. 75
Idem, p. 587. No original: “The legitimate authority of the Supreme Court to aplly a principle of stare
decisis in constitutional cases can be supported at least partly on grounds of acceptance and reasonable
justice and prudence”.
42
constitucional da republicana soberania popular e da teoria da democracia. Neste sentido,
concluo como Garapon: “Compreende-se então que o papel da justiça seja
particularmente mais importante em países onde a regra do jogo político é falsa, como na
Itália: “Quando, em 1989, o muro de Berlim caiu e o perigo comunista cessou, a fatura
destes últimos quarenta anos foi apresentada”. A ascensão da justiça está diretamente
ligada ao fim da guerra fria e à internacionalização das trocas comerciais”76
. Eis é o
argumento de ordem política.
No que diz respeito à formulação jurídico-dogmática (rechtsdogmatisch), parece
claro que a ampla defesa resta prejudicada, o que significa, na realidade, uma vez que o
efeito vinculante se não é elemento tendente à diminuição do rol de direitos e garantias
individuais, pelo menos limitador de um dos direitos individuais claramente o é. Portanto,
inconstitucionalidade por força do art. 60, § 4º da Constituição Federal. Em todo caso,
qualquer discussão sobre o efeito vinculante que exclua a análise política restará
insuficiente e uma análise que porventura mais completa se queira fazer em torno de sua
constitucionalidade ou inconstitucionalidade terá de enfrentar esse ponto.
Uma última palavra. Diversos dos desafios da construção da democracia no
Brasil já foram resolvidos. Para a substancial republicanização de nossas instituições
políticas ainda há um considerável caminho a ser percorrido. Este caminho não poderá
deixar de atentar, em caráter especial, para o papel da jurisdição constitucional,
submetida à radicalidade democrática que haverá de ser, seja quanto à sua forma de
expressão, seja quanto a natureza, composição e compromisso democráticos daqueles que
se encarregarão dessa tarefa.
76
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