47
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22 MARXISMO, MOVIMENTOS SOCIAIS E FENOMENOLOGIA Por Marco Antonio Perruso Este ensaio volta-se para o potencial das experiências autônomas e anticapitalistas das massas e grupos sociais subalternizados, entendidas como o fator mais relevante para efetivar uma transformação revolucionária nas sociedades atuais. Por isso, busca-se aqui, sem pretensão de pioneirismo, uma apropriação crítica e de esquerda de várias reflexões consideradas – em termos abrangentes – fenomenológicas. A diversidade daquelas experiências desde baixo é ontológica e subjetivamente mais importantes que fenômenos afeitos ao mundo das elites e dos intelectuais, aí incluídas suas pretensas vanguardas. COLETIVISMO X INDIVIDUALISMO METODOLÓGIGO A maior parte do marxismo enquanto teoria social se estabeleceu historicamente como um coletivismo mais ou menos rígido. Durante o século XX esta corrente, subsídio para a maioria dos movimentos de transformação do planeta, sofreu várias mudanças, algumas apontando para uma sofisticação analítica e uma menor rigidez, na qual apostamos. Neste sentido, exploramos matrizes de pensamento fenomenológicas, a fim de contribuir para um efetivo protagonismo, no campo da teoria, das experiências dos trabalhadores e demais setores explorados. Assim, o marxismo ou materialismo dialético e histórico pode ser pensado como um coletivismo baseado em relações sociais não tão rígidas, quase como interações sociais. Não se trata de ignorar a força de fatores materiais strictu sensu, mas de efetuar uma complementação analítica, especialmente ao nível micro-sociológico e micro-histórico. Assim, com Simmel p.ex., temos que as relações/interações sociais se baseiam também no que uns sabem dos outros (das respectivas condutas), nas representações ou imagens que uns fazem dos outros. Deste modo, o

Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Perruso

Citation preview

Page 1: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

MARXISMO, MOVIMENTOS SOCIAIS E FENOMENOLOGIA

Por Marco Antonio Perruso

Este ensaio volta-se para o potencial das experiências autônomas e

anticapitalistas das massas e grupos sociais subalternizados, entendidas

como o fator mais relevante para efetivar uma transformação revolucionária

nas sociedades atuais. Por isso, busca-se aqui, sem pretensão de

pioneirismo, uma apropriação crítica e de esquerda de várias reflexões

consideradas – em termos abrangentes – fenomenológicas. A diversidade

daquelas experiências desde baixo é ontológica e subjetivamente mais

importantes que fenômenos afeitos ao mundo das elites e dos intelectuais, aí

incluídas suas pretensas vanguardas.

COLETIVISMO X INDIVIDUALISMO METODOLÓGIGO

A maior parte do marxismo enquanto teoria social se estabeleceu

historicamente como um coletivismo mais ou menos rígido. Durante o século

XX esta corrente, subsídio para a maioria dos movimentos de transformação

do planeta, sofreu várias mudanças, algumas apontando para uma

sofisticação analítica e uma menor rigidez, na qual apostamos. Neste

sentido, exploramos matrizes de pensamento fenomenológicas, a fim de

contribuir para um efetivo protagonismo, no campo da teoria, das

experiências dos trabalhadores e demais setores explorados.

Assim, o marxismo ou materialismo dialético e histórico pode ser

pensado como um coletivismo baseado em relações sociais não tão rígidas,

quase como interações sociais. Não se trata de ignorar a força de fatores

materiais strictu sensu, mas de efetuar uma complementação analítica,

especialmente ao nível micro-sociológico e micro-histórico. Assim, com

Simmel p.ex., temos que as relações/interações sociais se baseiam também

no que uns sabem dos outros (das respectivas condutas), nas

representações ou imagens que uns fazem dos outros. Deste modo, o

Page 2: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

conhecimento entre indivíduos não se reveste sempre de universalidade mas

também de diferenciação.i

O trecho abaixo de W. Thomas, citado por Goffman, é contundente:

“É também sumamente importante que compreendamos que, na

verdade, na existência quotidiana não dirigimos nossas vidas, tomamos

nossas decisões ou alcançamos metas, nem de maneira estatística nem de

maneira científica. Vivemos de inferências.”ii

Nessa perspectiva, visualiza-se que o mundo social depende inclusive

das formulações subjetivas dos indivíduos elaboradas em interações

singulares (como nos diversos movimentos sociais, p.ex.), e não

exclusivamente de articulações ou estruturas estáveis de ordem coletiva cuja

apreensão pode ser universalmente objetiva (o mundo do trabalho em sua

acepção mais institucionalizada). A crescente sofisticação do marxismo no

estudo da cultura e da subjetividade, com Gramsci, Thompson e outros, se

alia, aqui, a percepções não marxistas fundamentais dessas esferas sociais

simbólicas, seja com Simmel, Habermas, Bourdieu, Geertz, Mead e outros.

Há de se ter um cuidado analítico: a vivência interacional social desde

baixo, intermediada simbolicamente, aponta para a riqueza e diversidade

cultural e valorativa, não para uma racionalidade transparente e calculista

como propugnado por certas correntes do pragmatismo estadunidense.

Nestas, a intersubjetividade, fruto de múltiplas interações coletivas

apreendidas fenomenologicamente, é reduzida a resultantes dinâmicas de

interações entre estratégias individuais, aproximando-se de um utilitarismo

ou contratualismo liberais. Que, por sua, vez constrói uma imagem

forçadamente universalista do mundo humano, visualização tão equivocada

quanto à realizada pelo determinismo econômico do marxismo ortodoxo.

Na verdade, um dos obstáculos iniciais para uma apreensão crítica e

progressista de certas formulações fenomenológicas é evitar o individualismo

Page 3: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

metodológico normalmente nelas presente, que costuma apontar para duas

conclusões: 1) a sociedade é sempre vivenciada subjetivamente; e 2) a

sociedade, em termos teóricos e analíticos, não é apreensível com a

precisão recorrente nas ciências exatas ou naturais e nem como totalidade.

Entendo que a primeira proposição é inegável, mas não definitiva. A vivência

subjetiva é interindividual, é coletiva. Assim temos os grupos sociais

subalternizados e seus movimentos sociais e culturais. A apreensão da

sociedade pode, ainda, sofrer um processo de objetivação, como diz

Bourdieu. Além disso, não considero que se deva chegar necessariamente à

segunda afirmação. Primeiro, porque a oposição epistemológica entre

ciências naturais/exatas (de um lado) e sociais/humanas (de outro),

correspondente aos princípios do verum e do certum nas reflexões originais

de Vico, é, no mínimo, problemática. É óbvio que os estatutos científicos são

diversos, mas não de uma maneira hierárquica como se imagina comumente.

Segundo: avalio que é positivo questionar os resultados dos projetos de

totalidade científica já lançados, inclusive o marxista ortodoxo. Mas acho que

a idéia de pensar em termos de totalidade, enquanto horizonte de reflexão,

não precisa ser abandonada, mas reformulada de modo muito mais

complexo.

Reformulação esta que pode comportar as obras de matiz

fenomenológico como as de Simmel, Goffman e outros, devido à capacidade

de estas construírem imagens da sociedade de modo incrivelmente

detalhado e capilarizado, portanto, mais complexo. É preciso, contudo,

criticar a visão simmeliana da sociologia como ciência composta

exclusivamente por conhecimentos “unilaterais”. A idéia de unilateralidade

provém da assertiva antes colocada: as interações são permeadas de

interpretações possíveis e imperfeitas. Mas este mundo fenomênico e

interindividual não compõe toda a sociedade. Partindo das interações face-a-

Page 4: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

face, a sociedade se alastra: tanto em termos de escala espacial (dimensão

coletiva) quanto processual (os encadeamentos mencionados por Elias e

outros). Neste sentido, as conseqüências não premeditadas da ação (Weber)

e os nexos não-pretendidos da ação (Habermas), p.ex., não devem ser

pensados como subsumidos à dimensão individual/interacional. Isto porque a

apreensão da sociedade além do mundo fenomênico pode sofrer um

processo de objetivação, já que o conhecimento interpretativo (apreensão

imperfeita, aparência construída) não extrapola os limites das interações

singulares onde se circunscreve.

MODERNIDADE

Uma apreensão sociológica que mantenha uma referencial central

marxista mas que seja capaz de conjugar elementos analíticos

fenomenológicos tem condições de melhor entender as questões da

modernidade,iii já que buscamos não só seus postulados materiais mais

“duros”, mas também a vivência subjetiva da modernidade por parte dos

setores explorados e dominados.

Acrescentemos a postulados essenciais da modernidade – capitalista

(Marx), industrial (Durkheim) e liberal (Stuart Mill) – alguns outros.

Novamente com Simmel temos que a modernidade oferece aos indivíduos,

com crescente rapidez, uma enorme quantidade de impressões e estímulos,

favorecendo uma pluralidade de aparências e interações, muitas individuais e

fugazes. Ao lado dessa faceta individualizadora e diferenciadora da

modernidade, podemos acrescentar a racionalidade detectada por Weber. O

ethos capitalista (ascético, work-a-holic e devotado à reprodução do capital),

que vai se afastando de sua origem religiosa, dissemina-se

homogeneamente pela nova classe burguesa ascendente porém na forma de

conversão individual íntima ao novo dever, como vocação. Além disso, esse

ethos comporta uma particular racionalidade, que exige do indivíduo

Page 5: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

proceder teleológica, pragmática e até criativamente em busca de

rentabilidade, deixando tão somente de seguir conteúdos valorativos

abstratos ditados pela tradição.iv Mas Weber também coloca algumas

nuances a essa interpretação da modernidade como locus privilegiado de

uma nova ação social e da interação entre indivíduos movidos por suas

vocações transparentes:

“A empresa dos dias atuais é um imenso cosmos, no qual o indivíduo

nasce, e que se apresenta a ele (...) como uma ordem de coisas inalterável,

na qual ele deve viver. Obriga o indivíduo, na medida em que ele é envolvido

no sistema de relações de mercado, a se conformar às regras de ação

capitalistas.”v

A isto se adicionem três fatores: a adequação entre vocação individual

fixa e divisão do trabalho (especialização), a conveniência do novo ethos

produzir trabalhadores disciplinados para o empresário e a tendência

uniformizadora/padronizadora do capitalismo advinda do ascetismo

originalmente religiosovi. O resultado é uma sociedade moderna parecendo

ficar menos interacional, pluralista e fundada na aparência do que Simmel

imaginaria, mas que permite uma complementação teórica com a leitura

marxista, mais estruturante e desvendadora dos laços de dominação e

massificação social.

Todavia Weber mesmo indica que a modernidade não se resume a

ascetismo. As “tentações” da riqueza que se acumula ensejam a percepção

de outra faceta do capitalismo, já preconizada nas reflexões de Simmel

sobre a moda e sua característica anti-utilitária: o luxo e o erotismo,

vinculados ao refinamento dos sentidos – hipótese lançada originalmente por

Sombart.vii Assim, ao lado do ascetismo – que denota simplicidade – temos a

sacralização do amor – que remete à sofisticação dos sentidos. Em relação à

conduta sexual a autoridade se desloca da religiosa para a laica. Algo

Page 6: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

parecido ocorreu com a conduta econômica na análise de Weber: no

catolicismo o lucro era proibido ou tolerável, passa à situação de sua busca

incessante e racional compor o cerne do puritanismo até sacralizar-se.

Acredito que em ambas as facetas da modernidade – mas por caminhos

diversos – o indivíduo passa a operar com mais independência em

detrimento de prescrições de ordem holística, o que, sem dúvida, volta a

realçar a pluralidade e a possibilidade de mudança, isto é, a vertente

fenomenológica das sociedades modernas.

A partir de Weber, também é possível identificar uma tendência ao

autocontrole na modernidade, compondo grande parte, se não a essência, da

ascese capitalista, originária de movimentos religiosos puritanos.viii Em

oposição, a sacralização do amor significou, de acordo com Sombart, a

vitória do princípio da ilegitimidade: a possibilidade de ferir normas é

constante. A diversidade de ações e interações humanas, que parece

crescer na modernidade, implica, muitas vezes, desobediência a princípios

ou mecanismos de coesão ou coerção social.

Mas quem desenvolve mais extensamente a relação entre infração de

normas e respectivo controle é Foucault. Este autor qualifica a sociedade

moderna como disciplinar.ix De maneira próxima à mundanização do lucro e

do amor, o direito penal deixa a esfera religiosa e se dedica à reparação ou,

mais importante, à prevenção do dano causado à sociedade. Nota ainda que

“o sistema de penalidades adotado pelas sociedades industriais em vias de

formação, em vias de desenvolvimento, foi inteiramente diferente do que

tinha sido projetado alguns anos antes”.x Aqui, as reflexões de Foucault

procedem quase fenomenologicamente, pois se ressalta simultaneamente a

passagem da questão da justiça para o controle estrito do indivíduo e de sua

ação (descartando-se parâmetros mais fortemente holistas-prescritivos) e as

conseqüências não-premeditadas dessas ações/interações. De qualquer

Page 7: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

forma, a modernidade seria o terreno por excelência dessa

indeterminação/diversidade social, embora as sociedades não modernas,

pela sua infindável variedade e heterogeneidade, também apontem para a

noção de pluralidade – do mesmo modo, como veremos, pode ocorrer em

nossos tempos atuais de globalização.

Com Foucault refletindo sobre as várias instituições penais e de

controle (prisões, hospícios, reformatórios, hospitais, escolas, fábricas)

podemos concluir por uma vitória sombartiana do princípio da ilegitimidade (e

da diversidade). Mas a sociedade disciplinar traz consigo ainda uma grande

vontade de prevenir e combater, panopticamente, o que entende por

anormalidade.xi Então, existe na modernidade também uma tendência

antidiversidade.

Mas a questão foucaultiana que creio ser a mais instigante para

articular uma visão marxista e fenomenológica da modernidade seja a

seguinte: porquê o autocontrole “inventado” por grupos sociais

subalternizados – reformistas religiosos como os “criadores” do ethos

capitalista – é apropriado por setores dominantes na configuração panóptica?

Foucault menciona que tal mudança se refere à transformação de uma

comunidade espiritual (acrescento: tradicional, coletivista, holística) em uma

sociedade institucional (isto é: moderna, individualista, interacional). Acredito

que a resposta tenha a ver com o fato de a tendência antidiversidade

presente na modernidade – desvendada por Foucault, subestimada por

Simmel e percebida enviesadamente por Marx e os marxistas ortodoxos,

como veremos – se desdobrar em uma vontade racional de controle dos

indivíduos, de suas ações e, portanto, de suas interações. Essa vontade, de

iniciativa dos indivíduos que estão no poder (poder econômico e estatal), só

pode ser realizada mediante uma perspectiva panóptica – cujo “olhar de

cima” é incrivelmente semelhante ao das sociologias

Page 8: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

coletivistas/estruturalistas! O que não deixa de revelar a grande pertinência

desse tipo de sociologia ao pensar a modernidade em grande escala, a

dominação e a massificação social. Porém, como a sociedade moderna traz,

em grande parte, a substituição da comunhão holística pela ação teleológica,

o controle tem de “descer” até o indivíduo, de modo a disciplinar os

comportamentos humanos. Por isso Foucault fala de “pequenas instituições

situadas em um nível mais baixo” e “trama de poder político microscópico,

capilar”, já usando termos fenomenológicos.

A modernidade se estabelece com grande força no meio urbano. Face

às questões da diversidade, individualização e especialização (bem como

conseqüente interdependência) vistas anteriormente, a modernidade urbana,

ainda segundo Simmel,xii intensifica os estímulos psicológicos. Diante de

tantas e tão rápidas referências jogadas sobre o indivíduo urbano, este

assume uma atitude fria, blasé, já que não lhe é possível se envolver

profunda ou emocionalmente com a multiplicidade de pessoas que encontra

freqüentemente. E existe o risco de tal atitude de autopreservação,

significando indiferença, reserva ou mesmo antipatia com tudo ao redor,

nulificar o próprio indivíduo. Mas essa impessoalidade que se alastra –

inclusive via intercâmbio monetário – tem como contrapartida, uma

subjetividade altamente individual. É a partir dessa espécie de isolamento

propiciado pela autopreservação que se desenvolvem uma liberdade e uma

diferenciação maiores, bem como sociabilidades coerentes (associações

diversas, incluindo movimentos sociais). Sendo este controle referido, a meu

ver, diretamente à comunhão coletiva holística que perde terreno diante da

ação individual teleológica. Aqui, inclusive, de certa forma Simmel discrepa

do pessimismo weberiano e da denúncia foucaultiana, ao vincular controle

antes à tradição que à modernidade. Mas, no melhor estilo contraditório da

reflexão simmeliana, aqui também temos a individualização urbana

Page 9: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

produzindo, devido à especialização e interdependência, uma vitória do

“espírito objetivo” sobre o “subjetivo” (a exclusão do “progresso,

espiritualidade e valores” do domínio individual), isto é, o que entendo ser a

derrocada do holismo. Porém, como “o indivíduo se tornou um mero elo em

uma enorme organização de coisas e poderes”, concluo que a

predominância da ação na modernidade não inaugura uma primazia única da

interação e da aparência (direção na qual caminha uma parte da reflexão

simmeliana ou talvez seus seguidores pós-modernos), já que permanece a

necessidade de uma (complementar!) perspectiva coletiva ou estrutural, de

modo a evitarmos uma compreensão sociológica parcial.

Park e Wirth,xiii entre outros, mencionam também que a urbanização

mina paulatinamente as relações face-a-face – tão significativas para uma

sociologia interacional e fundada na aparência – em favor de relações

indiretas. Aqui acrescento mais uma questão para embasar uma

aproximação entre marxismo e fenomenologia: se a modernidade coloca o

indivíduo em um patamar superior de liberdade e diferenciação (até por

influência ideológica liberal), por outro lado o gigantismo populacional e a

estruturação das metrópoles impacta concretamente sua esfera de ação,

colocando uma série de mediações (distância, dinheiro, leis, etc.) que

problematizam as dimensões face-a-face.

Para resolver tal dilema, recorro a Benjamin,xiv que articula a questão

da modernidade, da cidade e das massas a partir de uma preocupação com

a subjetividade humana, com o exercício da liberdade e do prazer,

destacando diversos setores subalternizados ou que resistem a disciplinas

racionais e controles sociais – uma perspectiva desenvolvida antes por

Sombart e, depois, por Foucault. Benjamin observa na cidade moderna os

vícios, seus bares, a boemia, os catadores de trapos, os

agitadores/conspiradores profissionais: sua descrição da paisagem urbana e

Page 10: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

de seus tipos é repleta de diversidade, bem como de desigualdade, miséria e

drama humano. Benjamin identifica na boemia e em boa parte dos artistas da

Paris de Baudelaire uma resistência ou revolta contra a sociedade e a

incerteza social modernas que se estabeleciam. Na cidade que Park vê como

locus de uma modernidade inexorável, ascética e disciplinada, Benjamin nota

contradições, a exploração capitalista, a injustiça, a concorrência

desenfreada (que leva à exacerbação social, ao roubo e ao crime), enfim,

uma espécie de caos bem pouco racional.xv

Além disso, reflete sobre as já citadas mudanças nos meios de

comunicação. A literatura penetra na imprensa em difusão crescente, no

formato do folhetim. Como os jornais ainda eram relativamente caros na

França do séc. XIX, o público leitor se aglomerava nos cafés. Os jornais em

grande parte se financiavam através da publicidade, nova forma de

comunicação urbana e moderna, típico exemplo de relação que substitui as

interações face-a-face, como já notaram Park e Wirth. Estes, na trilha de

Simmel, vêem a publicidade como tentativa de sensibilizar o citadino,

normalmente indiferente diante de tantos estímulos, enquanto Benjamim

caracteriza esses reclames pagos como potencialmente corruptores da

imprensa. Toda essa mudança industrial da literatura resulta na ida do

escritor ao mercado, para vender sua singular força de trabalho. Temos

então a figura do flâneur, que vive nas ruas e passagens (bulevares) da

cidade, buscando matéria-prima para produzir sua arte e vendê-la ao

mercado. E igualmente surge um novo gênero literário, as physiologies,

descrições panorâmicas e superficiais das realidades citadinas. Vejamos três

interessantes passagens:

“Desde as raízes ele [esse novo gênero literário] era pequeno burguês.

(...) Essas fisiologias em nenhum momento transpuseram um horizonte dos

mais limitados. (...) O que importava era a inofensividade.”

Page 11: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

“Uma tal visão dos outros homens estava demasiado distante da

experiência real (...) todo homem, tanto o melhor quanto o mais miserável,

traz consigo um segredo que, caso fosse conhecido, torná-lo-ia odioso a

todos os demais. Para pôr tais concepções inquietantes de lado como

irrelevantes, as fisiologias eram exatamente adequadas. Elas colocavam,

caso nos seja permitida a expressão, viseiras e antolhos no ‘citadino

tapado’.”

“O que mais se queria, de fato, era dar uma imagem alegre e cordial

das pessoas entre si (...) Mas tal procedimento não podia levar muito longe.

As pessoas se conheciam entre si como devedores e credores, como

vendedores e clientes, como patrões e empregados (...)”xvi

A partir desses trechos é possível fazer uma leitura problematizadora

dos pressupostos de uma fenomenologia próxima ao liberalismo, isto é,

individualista e por demais baseada na aparência, quando aplicada à

modernidade: a visão extremamente superficial da cidade realizada pelas

fisiologias denotaria que as aparências (“viseiras e antolhos”) seriam

limitadas do ponto de vista do conhecimento mesmo no qual se baseiam as

interações. Benjamin, como marxista, trabalha com a dualidade

essência/aparência, privilegiando-se a essência (“experiência real”). Mas

com Bourdieu,xvii temos que a essência só é atingida via processo de

objetivação, que nasce das intersubjetividades, cuja dimensão é a

fenomenológica por excelência. De qualquer forma, o resultado é o “citadino

tapado”, alienado, cuja cultura subjetiva (holística) é derrotada pela objetiva,

para usar os termos de Simmel.

O romance policial substituiu as fisiologias no gosto popular europeu do

séc. XIX. Benjamin acredita que esse gênero literário tratava dos aspectos

realmente instigantes da vida urbana moderna, visualizando as massas

ameaçadoras, nas quais submerge o criminoso depois do crime: “Nas

Page 12: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

épocas de terror, quando cada um tem em si algo de um conspirador, cada

um também chega a ter a oportunidade de desempenhar o papel de detetive.

A ‘flânerie’ é o que lhe dá a melhor chance para isso.”.xviii Não deixo de

lembrar, nesse ínterim, do autocontrole de origem ascética em Weber,

exercido “de baixo para cima” e, depois, executado panopticamente –

segundo Foucault. Benjamin acrescenta outros elementos a esse processo: o

controle cada vez mais técnico da vida civil (numeração das casas,

identificação por assinatura e fotografia, iluminação pública). Acredito que

Benjamin, partindo de uma visão da modernidade urbana influenciada por

Simmel, nos traz questões que, via Foucault e Bourdieu, a meu ver apontam

de novo para alguns limites de uma perspectiva fenomenológica “pura”.

Primeiro: o indivíduo desaparecendo na multidão e sua perseguição cada vez

mais panóptica apontam para uma estruturação social acima do imaginado

pela ótica simmeliana, pois a multidão, como bem apontava Marx, remete a

uma escala sociológica de difícil acesso ao indivíduo, protagonista das

interações face-a-face. Segundo: o disfarce do criminoso é forte evidência de

uma precariedade da aparência como alicerce único das interações, visto

que o indivíduo, ao contrário do poder estruturado panopticamente, possui

parcos recursos para perceber todas as aparências em meio às massas. Não

é à toa que Benjamin pensa o indivíduo urbano como herói, por enfrentar

desafios, colocados pela modernidade, desproporcionais às suas forças.

Acredito que a saída possível para esse imbróglio teórico – evitar ver a

sociedade unilateralmente, seja via estruturas desumanizadas ou rígidas

(como no marxismo ortodoxo e em certos estruturalismos), seja via

interações superdimensionadoras do indivíduo (como no liberalismo, em

Simmel e em alguns pragmatismos) – consista em apostar em agentes

sociais coletivos, as massas, os setores sociais explorados e dominados, que

se articulam originariamente sempre por intermédio de movimentos sociais.

Page 13: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

Por isso não avalio como inviáveis as propostas teóricas que buscam

conjugar interação e estrutura, como encontramos, p. ex. e de modos

diferenciados, em Bourdieu, Habermas e Giddens. Da mesma forma,

proponho compatibilizar, no que for possível, marxismo e fenomenologia.

GLOBALIZAÇÃO

Não é possível compreender as sociedades contemporâneas e suas

possibilidades de transformação radical – como as estamos tratando nesse

ensaio – sem passarmos pela recorrente discussão da “globalização”.

Nossas sociabilidades atuais estão deixando de ser modernas? Em que a

modernidade difere da globalização? Considero a globalização como um

conjunto – não necessariamente articulado – de fenômenos empíricos.

Considero ainda os termos “pós-moderno”, “pós-industrial” e “pós-fordismo”

como qualificativos aparentados à “globalização”,xix sendo estes quatro

termos genericamente pensados como referências das transformações que

atualmente se dão na sociedade moderna (capitalista, industrial, urbana,

racional, individualista, ocidental) e em outras nem tanto. Quais seriam então

os fenômenos envolvidos na globalização?

- Enorme incremento das tecnologias, em especial as da informação

(internet, fax, satélites, tv a cabo, arquivos digitais, etc), criando novos meios

de comunicação, bem como conseqüente maior importância da informação

como fonte de valor;xx

- Em decorrência, compactação do tempo e do espaço, compressão

do mundo, suprimindo-se as distâncias de comunicação entre os diversos

locais do globo, estabelecendo uma simultaneidade de interconexões;xxi

- Também (mas não só) por conta disso, complexificação das

interconexões e interdependências entre os fenômenos e atores sociais e

entre a dimensão local e a global, por vezes assumindo-se como

configurações disfuncionais, esgarçadas (como na noção de “desencaixe”

Page 14: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

em Giddens), incoerentes, ou fragmentadasxxii – esta última remete ao pós-

modernismo que veremos mais adiante;

- Aumento da mobilidade do capital (face ao incremento tecnológico

das comunicações) e expansão/intensificação do capitalismo, especialmente

do financeiro, criando uma verdadeira economia virtual, que gira pelo mundo

quase instantaneamente, por vezes erodindo as economias reais;xxiii

- Desenvolvimento da produção flexível (seguindo a demanda, o

“gosto” do consumidor, em detrimento da produção estandardizada em

massa do padrão taylorista-fordista), retorno do trabalho artesanal e força

crescente das pequenas empresas (vide certos discursos políticos a favor

das microempresas e do cooperativismo), chegando a ponto de o trabalho

não ser mais necessariamente realizado no mesmo espaço físico – tendo em

vista, novamente, as novas tecnologias de informação;xxiv

- Fim da centralidade do trabalho, que seria cada vez menos

necessário em termos quantitativos, como evidenciado pelo desemprego

estrutural, estando a exploração capitalista perdendo espaço para a exclusão

social;xxv

- Descentralização geral do exercício do trabalho, do lazer, das

instituições, etcxxvi, que remete a discrepantes tendências individualistas,

localistas e comunais que veremos adiante;

- Declínio do estatismo e avanço da esfera privada sobre a pública

(privatizações, terceirização, ideologia neoliberal, etc),xxvii que se relacionam

ao predomínio do capital financeiro e ao individualismo que veremos adiante,

bem como à derrocada do chamado “socialismo real”;

- Atenuação da centralidade de identidades e articulações de classe

(movimento sindical incluído), até face à emergência do trabalho flexível e da

descentralização (também informalização, no caso brasileiro), em favor de

diversas outras possibilidades de identidades/articulações, baseadas

Page 15: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

principalmente em cultura, mas também em etnia, sexo, localidade, estilo de

vida, estética, etc (que em parte remetem aos novos e novíssimos

movimentos sociais, bem como às ONGs), as quais passam a ser uma opção

individual, às vezes segmentada ou temporária, mais que um pertencimento

coletivo normalmente prévio, integral e estável;xxviii

- Profusão de informações e imagens de todo o globo, lançadas pela

mídia/indústria cultural ou trocadas por indivíduos e grupos sociais através

dos novos meios de comunicação, normalmente relacionadas às acima

indicadas novas (e também outras velhas ou desconhecidas)

identidades/articulações étnicas, culturais, etc, como que promovendo um

mosaico de subjetividades e, além disso, referida a um aumento da

reflexividade e da consciência do mundo como um todo, embora tal processo

não esteja isento de problemas ou desafios;xxix

- Concomitante valorização da diferença, da diversidade e das

particularidades (às vezes numa perspectiva fragmentadora ou de

incomunicabilidade, em outras num sentido de recuperação ou reconstrução

de identidades)xxx, comumente associadas ao “outro” antropológico, em

oposição aos valores/práticas ocidentais, bem como às

identidades/articulações locais, ao pós-modernismo e mesmo ao discurso

“politicamente correto”;

- Desenvolvimento de sensações de incerteza, instabilidade,

insegurança ou risco, em função das múltiplas alternativas disponíveis de

identidades, informações, imagens e diferenças humanas;xxxi

- Renascimento de “comunidades” – no sentido do romantismo

alemão (Herder) – e emergência de manifestações/práticas culturais “em

busca de raízes”, que aparentemente resistem ou não aceitam a

globalização, parcial ou totalmente, estando referidas a particularismos e

movimentos localistas e coletivistas – tradicionais (os já remotos quakers,

Page 16: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

p.ex.) ou não (gangues urbanas, etc) – que possivelmente se opõem ao

individualismo (veremos este mais abaixo), embora possam ter articulações

globais (religiões fundamentalistas transnacionais, movimento hip hop,

contracultura ...)xxxii, mas normalmente a partir de parâmetros intersubjetivos

(relações face-a-face em Giddens ou mundos da vida habermasianos) ou

holistas;

- Enfraquecimento da esfera pública, do interesse e participação na

política institucional (cada vez mais burocratizada e distante das pessoas) ou

nos “velhos” movimentos sociais (sindicatos), bem como crise de legitimação

das respectivas autoridades (muitas vezes tratadas de modo irreverente), em

favor de outras identidades/articulações sociais (novas/novíssimas e

velhas/comunais, às vezes informais, muitas locais ou globais), além de crise

de ideologias que dominaram a cidadania no séc. XX (social-democracia,

etc)xxxiii, o que se relaciona, obviamente, ao já citado declínio da centralidade

das identidades/articulações de classe;

- Vinculado ao fenômeno acima indicado, temos o questionamento da

democracia liberal representativa como culminância do progresso da

racionalidade humana;xxxiv

- Incremento das exigências de transparência e moralização das

esferas pública e privada, centradas por vezes sob uma ótica de

consumidorxxxv (como seria o caso do movimento pela responsabilidade

social das empresas – em sentido diferente temos os orçamentos

participativos), que certamente está vinculada à crise de legitimidade de

instituições públicas e também privadas;

- Crescimento do individualismo, da competitividade e da esfera

privada da vida e diminuição de certas solidariedadesxxxvi, propiciados

inclusive pelas novas tecnologias da informação (internet, etc), e que podem

significar um declínio das relações face-a-face ou um enfraquecimento dos

Page 17: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

mundos da vida, bem como resultar em uma postura agressiva de

desconhecimento/desprezo pelo “outro” ou em políticas de supressão de

direitos, além de serem associados ao alastramento da depressão e outros

sintomas psicossociais;

- Enfraquecimento do Estado-Nação (que pode chegar à

desterritorialização) diante de sociabilidades e lealdades locais e globais –

que rompem a fusão entre Estado e sociedade nacionais – e das já vistas:

profusão de imagens/informações, fluxos/redes de comunicação e do capital

financeiro – todos efetivados a partir dos novos meios de informação;xxxvii

- Emergência de tribalismos, nacionalismos e regionalismos

(subnacionais – p. ex. Catalunha – e supranacionais – Mercosul), muitos

vinculados a novos e velhos particularismos comunais e culturais, outros

questionadores dos postulados teóricos e das realidades históricas dos

Estados-Nação;xxxviii

- Por conseguinte, desenvolvimento de um cenário mundial não mais

dominado pela política internacional-estatal, onde atuam atores sociais

globais além dos Estados-Nação (cuja ação está cada vez mais limitada):

multinacionais, fóruns internacionais, nacionalismos, religiões transnacionais,

ONGs, acordos multilaterais, FMI, bancos de fomento, Fórum Social Mundial,

Via Campesina, grupos terroristas globais como a Al-Qaeda, comunidades

virtuais, crime organizado, alianças regionais, etc;xxxix

- Tais atores sociais globais enfrentam questões que se colocam

globalmente: crises ecológicas, epidemias que são ou podem ser globais

como a AIDS (a doença da vaca louca agora ameaça a pecuária norte-

americana, favorecendo a de outros países), disputas e questões étnicas,

culturais ou políticas que levantam a problemática de direitos humanos

universais (crimes de guerra na Bósnia, o caso da nigeriana condenada ao

Page 18: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

apedrejamento por uma corte islâmica, os talibãs presos em Guantánamo

pelos EUA), etc;xl

- Declínio do machismo/patriarcalismo e da centralidade da família

nuclear em favor de uma pluralidade de novos arranjos individuaisxli, que se

relaciona à valorização da diferença antes mencionada;

- Surgimento de uma “sociedade centrada no lar”, tornada possível

pelas novas tecnologias (da informação, computação, etc), mas que pode

assumir formas inclusive fundamentalistasxlii – e que remete simultaneamente

aos já citados: individualismo, trabalho flexível, descentralização,

localismo/comunalismo e profusão de imagens/identidades globais

disponibilizadas para indivíduos e grupos sociais;

- Insustentabilidade do produtivismo (ideologia consensual entre

conservadores, liberais e marxistas ortodoxos) diante de possíveis

desequilíbrios ecológicos de grande porte (visto como uma ameaça global),

tendo como contrapartida surgimento de propostas de “desenvolvimento

sustentado” e ideologias pós-materialistasxliii – o que remete também ao fim

da centralidade do trabalho, bem como à “busca de raízes” (consumo

crescente de produtos naturais e “ecologicamente corretos” como os

amazônicos cupuaçu e açaí, movimentos em favor de um estilo de vida

menos agitado, etc);

- Fim das grandes narrativas das trajetórias das sociedades humanas

como lineares/progressivas e desconstrução da racionalidade ocidental (que

teria “desencantado” o mundo),xliv típicos postulados pós-modernistas, que se

relacionam ao questionamento do primado da democracia burguesa e à

valorização do “outro”, anteriormente citados.

Em relação a certos intelectuais fomentadores do debate em torno da

globalização, identifico dois grupos: o primeiro composto por Beck,

Robertson e Albrow e o segundo, por Kumar e Castells. Acredito que as

Page 19: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

análises realizadas e as propostas colocadas pelos autores do primeiro

grupo apontam mais linearmente para pensar a sociedade da globalização

em termos de fluxo, enquanto os do segundo grupo, ainda que também

assim procedam, o fazem interpondo certas problemáticas e identificando

outras tendências societárias, especialmente Castells, que propõe a

expressão “sociedade em rede”xlv.

Preliminarmente, consideremos que a globalização traz fluxos de

sociabilidades (baseados temporal e espacialmente nos fluxos de

informação, tecnologia, financeiros, etc), exigindo que a teoria social não

pense mais a sociedade “como um container” – algo fechado, estático,

sistêmico e dotado de contornos nacionais, estatais, institucionais,

burocráticos. Denuncia-se, assim, seu “nacionalismo metodológico”, que está

a ser superado, por exemplo, através de pesquisas de temas cosmopolitas e

culturais. Estas sociologias nacionais, por serem excludentes, muitas vezes

operam com raciocínios do tipo “um-ou-outro” em vez do mais

contemporâneo “um-e-outro”. A territorialidade das sociedades identificadas

– pelas sociologias da modernidade – com o Estado-Nação está se

desmanchando, surgindo indivíduos pluri-localizados.xlvi A globalização

parece, então, substituir a modernidade.

É visível que os fluxos de sociabilidade globais remetem a noções

como: movimento, abertura, interação. Sociedade como fluxo, concluo. Beck

aponta, inclusive, que a globalização põe em movimento até mesmo as

instituições.xlvii É este um dos sentidos do seu “um-e-outro”, pois “um” pode

fluir para o “outro”, não havendo mais fronteiras (nacionais, etc) excludentes

entre ambos, fronteiras estas que impõem o “um-ou-outro”. Uma síntese

normativa desta visão de sociedade como fluxo é encontrada em Albrow: “A

textura aberta dos povos, dos lugares, do tempo e da agência é a verdadeira

experiência primordial.”xlviii.

Page 20: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

A fim de problematizarmos a visão da sociedade como fluxo, temos

inicialmente Kumar notando que a importância da informação na sociedade

global se ajusta à “tradição liberal, progressista, do pensamento ocidental”.xlix

Constata-se aqui uma ponte entre modernidade e globalização, não havendo

apenas rupturas entre ambas. Seguirei nesta senda mais adiante. Além

disso, Kumar nota que a “pós-modernidade” e o “pós-industrialismo”,

aparentados à globalização, dizem muito da “condição da população erudita

ocidental”l, a qual identifico como intelectuais, setores médios e elites (no

meu entender, não apenas do Ocidente, mas de quase todo o planeta).

Entendimento correlato tem Castells: as sociabilidades como fluxo são mais

afeitas aos setores dominantes das sociedades contemporâneas.li Por

conseguinte, exige-se da análise sobre as teorias da globalização um certo

cuidado em ver nas sociedades contemporâneas não apenas suas partes ou

esferas que são conformadas ou vivenciadas principalmente por essa

população erudita (da qual fazemos parte, obviamente). Passaremos

novamente por esse ponto.

Uma série limitação para a identificação da globalização puramente

como fluxo é o fato de a mobilidade do trabalho ser muito menor que a do

capital, conforme reconhecido por Beck.lii Por isso mesmo o trabalho flexível

não alterou todas as profissões nem substituiu, antes se associou ao

fordismo. Indo mais além: os fluxos de informação não chegaram a

transformar radicalmente a sociedade moderna nem seus princípios

capitalistas.liii Essas discrepâncias entre capital e trabalho relativizam um

pouco o “social” não mais identificado com o nacional-estatal em Beck, uma

vez que, apesar dos fluxos de sociabilidade e comunicação, os indivíduos

(pelo menos os trabalhadores) não podem assumir qualquer identidade ou

alternativa de vida disponível, se não estão tão “móveis” assim.

Page 21: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

A não ser que, conforme a sugestão de Kumar sobre a “população

erudita ocidental”, Beck, Robertson e Albrow estejam confundindo a

mobilidade e disponibilidade identitária de intelectuais, setores médios e

elites – que em parte vivem em um mundo cosmopolita, globalizado, pós-

moderno, puramente reflexivo, etc – com a situação da maior parte da

população do mundo, que não é exatamente a mesma. Principalmente face

às enormes concentrações/desigualdades de riqueza e poder, apontadas

pelo próprio Beck ao citar Wallerstein.liv Acrescentemos a isso outro “porém”

também fornecido por Beck: o fato de que Estados-Nacionais e poderes

hegemônicos como os EUAlv (ainda mais em tempos de Bush) ou o

Ocidentelvi “autorizam silenciosamente” o desenrolar da globalização. Já

Robertson nega a existência de forças hegemônicas na globalização, ao

falar, por exemplo, de um “sistema internacional fluido”lvii, o que, sem dúvida,

facilita a construção da imagem de uma sociedade dotada de mais

mobilidade.

Na mesma direção das reflexões de Kumar, Castells afirma que a

reflexividade crescente da globalização não se distribui igualmente pelos

indivíduos e grupos sociais, não sendo vivida plenamente pelos setores não-

dominantes,lviii justamente devido às grandes discrepâncias de poder e

riqueza, evidência maior da permanência do referencial marxista para

entender o mundo.

Voltando à conjugação de globalização e sociedade como fluxo (aberta,

dinâmica, móvel, interacional) em Beck, Robertson e Albrow, deve ser

registrado que ela pressupõe, por oposição, a identificação da modernidade

com uma concepção de sociedade estática, fechada, sistêmicalix, totalizante,

pré-determinada,lx objetivada. O problema, aqui, consiste simplesmente em

que a imagem da modernidade inadvertidamente construída por esses três

teóricos da globalização é simplesmente inaceitável para pensadores como

Page 22: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

Simmel (já visto anteriormente) Geertz e outros. Simmel, inclusive, é citado

por Robertson: “(...) suas preocupações com as formas de vida em geral

levaram-no à produção de idéias que são relevantes, em termos teóricos,

para o conceito de globalização.”lxi Só que Simmel em grande parte de sua

obra fala justamente da modernidade (do urbano, etc). E a partir de Simmel

entendo ser a modernidade também multifacética, heterogênea,

indeterminada, subjetiva, ambígua, fluida e dotada de interconexões

complexas, por mais que se queira imputar exclusividade ou marca

diferenciadora para a globalização em torno destes qualificativos.

No mesmo diapasão, Albrow afirma: “The analytic concept of the global

can never be as precise as that of capital.”lxii Certamente o capital pode ser

analisado mais objetivamente que a globalização, mas o mesmo não ocorre

com a modernidade! Albrow indica, ainda, que modernidade aponta para

finitude e globalização para transcendência.lxiii Mas desde quando a crença

moderna no progresso linear remete à finitude? Inspirando-nos em Kumar, é

possível indagar se o trajeto da finitude para a transcendência proposto por

Albrow remete à idéia de progresso na modernidade, recaindo este autor no

próprio equívoco por ele denunciado: pensar em termos da teoria moderna

ao imputar à globalização o fim superior de um caminho (a transcendência).

A globalização não pode ser um passo atrás? A renovação do liberalismo

dos últimos tempos não pode fazer parte de uma trajetória histórica e

contingente (portanto, alterável) da modernidade, quiçá mesmo um

retrocesso, em vez de ser culminância revolucionária rumo a uma nova era

(global)?lxiv

Seguindo indicação já antecipada de Kumar (que vincula a informação

na sociedade global à tradição liberal), relembro que uma das mais fortes

premissas da modernidade é o individualismo, bem como o liberalismo. De

antemão, estes dois “ismos” remetem à idéia de fluxo e, secundariamente, à

Page 23: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

de rede. Neste ínterim, o mais interessante é verificar a desconcertante

convergência entre essas duas premissas modernas (individualismo e

liberalismo) e a visão linear ou unidirecional da globalização em termos de

fluxos de sociabilidade – adotada na maior parte das vezes por Beck,

Robertson e Albrow.

Assim, temos a enfática defesa do individualismo metodológico e do

cidadão global em Albrow como mais pertinentes à globalização, enquanto a

modernidade e sua teoria social seriam sistêmicas e coletivistas.lxv Diante de

tal assertiva, o que diria Simmel, teórico social da modernidade, cuja

sociologia é individualista e interacional? Será que, realmente, o “social” na

globalização seria majoritariamente o “individual”, como pretende Albrow?

Como compreender o “retorno das comunidades” ou a emergência de

fundamentalismos apenas com este enfoque? Acredito que isto tudo não

combina com a diversidade inerente aos processos contemporâneos.

Não acredito ser coerente supor a globalização como reforçadora de

premissas básicas da modernidade – individualismo/liberalismo – ao mesmo

tempo em que se fazem grandes e interessantes esforços teóricos no sentido

de elaborar diferenças qualitativas entre modernidade e globalização, como é

o caso de Beck, Robertson e Albrow. Não identifiquei nas reflexões desses

três instigantes autores respostas explícitas ou específicas a este dilema:

como uma nova era rompe com a anterior mantendo dela uma de suas

maiores idéias-força. Negar a força do individualismo na globalização é

impensável, mas o mesmo deve ser dito em relação à modernidade e suas

teorias sociais (além de Simmel, temos as tradições weberiana, pragmática,

etc). Talvez seja necessário atenuar as diferenças entre modernidade e

globalização. Também não suponho que seja recomendável incluir no debate

sobre a globalização, mesmo sem querer, acertos de conta entre correntes

acadêmicas e intelectuais (individualismo x coletivismo metodológico).

Page 24: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

Inclusive porque, no caso de Albrow e, em menor grau, Robertson, isto

significa entrar em choque com individualistas metodológicos (muitos dos

quais seus predecessores!), pelo menos sobre os significados da

modernidade.

Lembro, ainda, que o par individualismo/liberalismo constitui-se no

cerne de uma das grandes narrativas humanas, a ocidental. Só que a

globalização, a pós-modernidade e o pós-industrialismo trazem consigo

fortíssimos questionamentos a essas narrativas, quando não o seu fim.

Voltando ao debate sobre globalização e sociedade como fluxo e

buscando visualizar o mundo contemporâneo de modo mais profundamente

multifacético, talvez seja mais produtivo analiticamente pensar não apenas

em termos de novos fluxos de sociabilidades, mas também em articulações –

não necessariamente – estáveis e holistas como a identidade em Castells.lxvi

Aceitando-se ambas as tendências como legitimamente globais, conformam-

se as sociedades não apenas em torno da idéia de fluxo, mas também de

rede, possivelmente segundo não só a proposta teórica de Castells, mas

também a de Eliaslxvii. Nesta última há a tentativa de equilíbrio entre

indivíduos e coletividades, entre interações e estruturas, entre subjetividades

e objetividades. Do mesmo modo como buscamos equilibrar marxismo e

fenomenologia.

Por conceberem a globalização mais enfaticamente como fluxo, Beck,

Robertson e Albrow tendem a não dar tanta importância ao ressurgimento

dos nacionalismos, às novas comunidades e aos novos fundamentalismos

como tendências díspares da contemporaneidade. Além disso, se inclinam a

ver nestes movimentos antes suas articulações através de redes globais de

comunicação que o compartilhamento de valores alternativos, anteriores,

esquecidos e recriados – considerados por isso mesmo pura “invenção de

tradição” ou estratégias anacrônicas. lxviii

Page 25: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

Da mesma maneira, os três autores acima citados, em graus diferentes,

apostam numa cidadania global e no diálogo intercultural. Contudo, tais

cidadãos globais aparentam ser mais homogêneos que os movimentos

comunais formadores de identidades de resistência percebidos por Castells.

Por outro lado, a favor de Beck, Robertson e Albrow, deve-se dizer que as

versões fundamentalistas destas comunidades são ainda mais infensas ao

esforço de compreensão do “outro”, o que é também descrito por Castells.lxix

Outro debate fundamental da globalização é o que envolve os nexos

entre local e global. Albrow afirma que não se pode mais fazer simples

oposição e mesmo diferenciação entre local e globallxx, pois o global cada

vez mais se localiza – isto é, se implementa levando em conta parâmetros

locais – e o local cada vez mais se articula globalmente (via tecnologias da

informação), configurando o fenômeno da glocalização (proposto por

Robertson), que pode ser, inclusive, uma estratégia.lxxi

A discussão da glocalização em Robertson aponta explicitamente que o

local não mais se realiza “internamente”, de modo “fechado”, pois está como

que amalgamado ao global.lxxii Só que tal conclusão pressupõe novamente

de forma não suficientemente problematizadora a globalização como

sociedade de fluxo, “aberta”, sem maiores obstáculos ou presença de outras

tendências societárias. Novamente, fica penoso, por exemplo, pensar “o

retorno das comunidades” ou o “outro” apenas sob este prisma, por mais

promissor e adequado que ele seja para perceber a fluida diversidade

contemporânea e suas possíveis interconexões globais. Não creio ser

possível imaginar que estratégias de glocalização vão dirimir todo e qualquer

conflito entre local e global, a não ser para liberais ou capitalistas

incorrigivelmente otimistas. Ainda mais considerando as tendências

societárias baseadas na identidade como uma força autônoma da

Page 26: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

globalização, inúmeras vezes voltadas para o local, não há porque pensar

que este perdeu toda a razão de ser.

A crítica de Robertson ao raciocínio dual em torno do local/global nos

leva à discussão da própria manutenção da pertinência de outras dualidades

clássicas da teoria social (individualismo x coletivismo, p.ex.). Também

lembro do justo alerta de Albrow no sentido de não procurar entender o novo

com conceitos velhos.lxxiii Todavia, a meu ver, só em uma visão linear ou

unidirecional da globalização é possível aceitar que tais dualidades estejam

totalmente superadas ou sejam inúteis – como não comungo desta visão ...

Por conseguinte, vejo em Robertsonlxxiv uma confusão na qual ele

imagina que, hoje em dia, um grupo social não possa mais desenvolver

“internamente” algum tipo de coletivismo holista (tribalismo, nacionalismo).

Caso tal processo se dê, foi porque alguém do grupo tomou conhecimento de

uma leitura “nativista” ocidental. Então cabe a indagação: depois que Herder

codificou os cânones do romantismo, ninguém mais no planeta pode repeti-lo

independentemente? Novamente parece que a condição cosmopolita e pós-

moderna dos intelectuaislxxv é estendida, inadvertidamente, para outros

grupos sociais de modo forçoso, como se não fosse possível o “um-e-outro”.

O debate teórico sobre globalização, sociedade como fluxo, sociedade

em rede nos leva também à questão da inexorabilidade da globalização.

Quando Beck afirma a inutilidade de ser contra a globalizaçãolxxvi ou quando

Albrow diz que a globalização não pode ser evitada,lxxvii entendo que acabam

raciocinando em termos de “um-ou-outro”. Só há uma globalização possível,

objetiva e totalizante? Robertson avalia que não, ao identificar até

possibilidades de reglobalização e desglobalização, exemplificando inclusive

com a manutenção da força do protecionismo no mundo.lxxviii Posição

bastante clara a respeito tem Castells,lxxix para quem os rumos e significados

da globalização vão ser dados e alterados pelas diversas tendências

Page 27: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

existentes nas sociedades atuais (fluxos de sociabilidade, blocos de poder,

movimentos comunais articulando identidades de resistência, entre outros),

além de fatores econômicos, culturais, históricos, etc, até porque não

entende a sociedade contemporânea sendo orientada unicamente no sentido

de fluxos. Em Castells a sociedade da globalização não pode ser irresistível,

posição com a qual concordo plenamente.

Por fim, outro móvel polêmico da globalização é a dualidade

homogeneidade/heterogeneidade. Autores como Harvey, Wood e Giddens

tendem a não perceber aprofundadamente as ambigüidades da globalização,

centrando-se em homogeneidades. Tal procedimento é um equívoco, pois,

para ver os indivíduos e grupos sociais desta forma convergente é

necessário ignorar as diferenças humanas presentes em todo o globo,

deixando-se de lado a dimensão fenomenológica das experiências e

manifestações sociais e culturais, a emergência do “outros”, dos “de baixo”,

etc.lxxx Neste sentido, Albrow reitera, com muita propriedade, a exigência de

se pesquisar fenomenologicamente a globalização.lxxxi

Kumarlxxxii também discorda parcialmente de Harvey: reconhece a

continuidade das relações e princípios capitalistas da modernidade na

globalização, como já vimos. Porém, algumas características pós-modernas

das sociedades contemporâneas não são imaginárias, podem significar

realmente um novo patamar histórico e societário: a produção se flexibilizou

em boa parte e se “glocalizou” em função não só de estratégias vindas “de

cima” (sanduíches do McDonald na Índia não contêm carne bovina), mas

também em função da multiplicidade de manifestações, experiências e

pressões dos “de baixo”, que, aliás, se assumem por vezes como militância

“antiglobalização” (Fórum Social Mundial) ou até anticapitalista (recuperação

do anarquismo).

Page 28: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

É verdade que boa parte da heterogeneidade percebida na

globalização é apropriável pelo capitalismo mas, ao contrário do que supõem

Harvey e Wood,lxxxiii tal constatação empírica não invalida a emergência, por

vezes localista, do “outro”, dos “de baixo”, etc. Desnecessário lembrar que os

movimentos socialistas e trabalhistas europeus e suas estruturas sindicais de

grande porte, nada localistas e pouco heterogêneos, já que baseados em

grandes identidades coletivas/classistas, foram assimilados há tempos pelo

capitalismo avançado.

Por outro lado, a crítica de Robertson, fundada nas estratégias de

glocalização,lxxxiv às visões tipo “McWorld”, ainda que seja pertinente à

heterogeneidade real do mundo, esquece que os centros de

produção/transmissão em massa dessa diversidade cultural em grande parte

permanecem concentrados em poucas mãos, normalmente ocidentais: CNN,

MTV, Hollywood, etc.lxxxv

Assim, concluo que apenas quando riqueza, poder e capital cultural e

“cívico” se desconcentrarem fortemente a globalização poderá ser

diferenciada radicalmente da modernidade no que tange à dualidade

homogeneidade x heterogeneidade. De alguma forma, o prenúncio marxista

de uma sociedade sem classes é uma condição fundamental para a

transformação da modernidade, seja rumo à globalização ou a uma retomada

do internacionalismo proletário em bases mais populares que intelectuais,

como veremos. Por fim, sendo a globalização uma radicalização da

modernidade, inclusive no sentido do aumento da

diversidade/heterogeneidade das massas populares que crescentemente

manifestam-se no cenário global por meio de experiências sociais e culturais

próprias, mais do que nunca um avanço do pensamento de esquerda

levando em conta os aspectos fenomenológicos do mundo se faz necessário.

MOVIMENTOS SOCIAIS E EXPERIÊNCIA POPULAR

Page 29: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

A perspectiva de que a diversidade de articulações – autônomas –

desde baixo dos trabalhadores e demais setores dominados das sociedades

capitalistas é o fator central da luta de classes pode ser exemplificada com o

caso brasileiro a partir dos anos 70 do século XX. A reoxigenação do

sindicalismo e dos movimentos urbanos e rurais em geral foi de tal modo

expressiva que significou uma nova qualificação para a participação política.

O “novo sindicalismo” e os “novos movimentos sociais” que então surgiam

foram a maior força popular de construção da democracia brasileira. Paralelo

a isso, a teoria social feita no Brasil dá uma grande virada fenomenológica,

atenuando o enfoque mais estrutural sobre a realidade e voltando-se para o

detalhamento de múltiplas experiências populares específicas de vivência

(da) e resistência à exploração/dominação capitalistas. Engendra-se, assim,

um edifício analítico mais complexo e verossímil.

Nos meios de esquerda do Brasil e do mundo, essa virada

fenomenológica significou o enfraquecimento da busca de uma única e

“verdadeira” teoria revolucionária, normalmente realizada por intelectuais e

pretensas vanguardas partidárias, sem que se levasse em conta as reais

experiências de luta popular nos movimentos sociais. A respeito, temos o

diagnóstico feito ainda em 1966 por Prado Jr.:

“A teoria da revolução brasileira, elaborada originariamente em época

na qual pouco ou nada se conhecia acerca de nossa realidade, quando nos

faltava experiência política e o nível de consciência revolucionária das

massas trabalhadoras era extremamente baixo, particularmente no campo,

cujo papel em países como o Brasil tinha de ser e ainda é de primordial

importância, essa teoria se transmitiu assim com todas suas grandes falhas e

sem nenhuma revisão radical que se fazia tão necessária.”lxxxvi

As formulações pecebistas sobre a sociedade brasileira eram

obviamente tributárias da visão oficial da Terceira Internacional. E o

Page 30: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

marxismo predominante no Brasil até os anos 70 sempre foi o filtrado pelo

PCB. Assim, o marxismo pecebista não diferiu essencialmente do marxismo

ortodoxo, propagado pelo stalinismo. Por isso contam-se nos dedos os

trabalhos teóricos com a chancela oficial do PCB que podem ser

considerados originais e tenham abordado com propriedade as

especificidades da história e da sociedade brasileira. A maioria dos principais

autores marxistas de nosso país esteve à parte da tradição pecebista, como

é o caso de Prado Jr., praticamente um dissidente partidário. Ou como Mario

Pedrosa e Lívio Xavier, pioneiros trotskystas brasileiros, capazes de elaborar

no ano de 1930 o Esboço de uma Análise da Situação Econômica e Social

do Brasil, onde, diferentemente do PCB, já apontavam especificidades

escravistas e latifundiárias no “feudalismo” brasileiro, entendiam que a

burguesia brasileira estava cedo submetida ao capitalismo internacional e

identificavam tendências antiliberais e estatistas em nossas classes

dominantes.lxxxvii Para não falarmos, por fim, de obras clássicas não-

marxistas, fundamentais para embasarmos uma compreensão e uma política

revolucionárias sobre o Brasil, como a weberiana Raízes do Brasil, do

progressista Sergio Buarque de Holanda, e a antropológica Casagrande e

Senzala, do reacionário Gilberto Freyre.

Assim, alguns dos mais combativos movimentos populares, anteriores

ao “novo sindicalismo” e aos “novos movimentos sociais”, contaram com a

decisiva participação da militância pecebista entre 1922 e 1964 mas se

realizaram além ou à margem das orientações políticas de seus dirigentes e,

por vezes, em sentido contrário à estratégia majoritariamente reformista que

o PCB, com poucas exceções, seguiu. Apesar de nos anos 50 os pecebistas

estarem a reboque de políticas populistas (com todas suas implicações

imobilistas, cupulistas, corporativas, estatistas e burocratizantes), a famosa

Greve dos 300 mil de 53, em São Paulo, foi um exemplo de movimento

Page 31: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

sindical/social – em maior ou menor grau – classista, independente,

autônomo, de base e mobilizador.lxxxviii

Já nos anos 70, a sociedade brasileira era palco de um boom de

movimentos sociais. Toda essa diversidade de movimentos populares mudou

a face do Brasil. Talvez pela primeira vez na história brasileira a classe

trabalhadora era massivamente protagonista no cenário social e político. E

isto se devia às características trazidas pelas mais combativas expressões

do novo sindicalismo e dos novos movimentos sociais: classista,

independente, autônomo, de base, mobilizador, e, por diversas vezes,

pluralista, espontâneo, anti-institucionalizante, comunitarista, libertário,

anticapitalista e socialista.

Uma característica fundamental da formação dos novos movimentos

sindicais e sociais era que não existia uma hegemonia ideológica e partidária

clara entre seus dirigentes e participantes. O PCB fora substituído no

coração e na alma das vanguardas da classe trabalhadora e dos setores

subalternizados do país por agrupamentos que iriam, um pouco depois,

construir o PT: militantes vinculados à Igreja Católica e às CEBs, várias

dissidências marxistas oriundas do PCB ou do trotskysmo e ativistas

provenientes do sindicalismo oficial (como Lula), bem como das oposições

sindicais ao peleguismo.

Tal ausência de hegemonia ideológica e partidária, no meu entender,

trouxe uma vantagem extraordinária para o novo sindicalismo e os novos

movimentos sociais, quando comparados aos do período pré-64. Minha

sugestão é a seguinte: os novos movimentos sindicais e sociais se

construíram sem uma teoria e uma estratégia únicas que os pré-

determinasse, o que permitiu que se desenvolvessem mais intensamente,

através de uma práxis mais criativa e menos limitada por referências teóricas

marxistas cristalizadas, não tão abertas às novas contribuições das

Page 32: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

“experiências” (no sentido thompsoniano) legítimas do proletariado e demais

setores populares. Em outras palavras: o viés fenomenológico da realidade

dos subalternizados manifestou-se com maior força, libertando-se do jugo do

campo intelectual (de esquerda) que sempre se apropriava precipitadamente

de tais experiências em nome de uma teoria geral, abstrata, cartesiana e

sem fundamentação empírica consistente: o marxismo ortodoxo.lxxxix

Longe de querer criticar a teoria marxista em si (que, a meu ver, se

mantém como base maior para qualquer projeto socialista), estou querendo

ressaltar que a luta revolucionária, em qualquer sociedade, não tem seu

principal impulso no fato de existirem elites intelectuais que adotam o

marxismo em termos teóricos ou doutrinários. O principal impulso da

esquerda na luta de classes reside nas experiências de auto-organização e

mobilização antiburguesa dos setores explorados e oprimidos pelo

capitalismo. Tais experiências podem ou não contar com a presença de

grupos intelectualizados marxistas. Se contar, tanto melhor. Mas a presença

de tais grupos, a presença do marxismo nos movimentos populares não é

garantia de uma orientação política correta. E mais: os intelectuais difusores

do marxismo no interior dos movimentos sindicais e sociais não devem

assumir uma postura de superioridade, porque o marxismo em particular e o

pensamento de esquerda em geral só cumprem um papel revolucionário e

socialista se integrados ou incorporados às autênticas experiências de luta

dos setores “de baixo” da sociedade. Porque são estas experiências que dão

conta das especificidades locais, regionais e nacionais de um país, antes da

teoria marxista poder desenvolver uma interpretação particular da área em

questão. São as experiências que dão “vida” – substancialidade histórica e

consistência social – à teoria marxista, transformando-a em práxis.

Essa constatação refere-se, simultaneamente, a dois fatores teórico-

políticos: primeiro, à complexidade das sociedades contemporâneas, que

Page 33: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

demandam explicações setoriais em constante atualização, ainda que

vinculadas a uma teoria geral; segundo, à insuficiência e ao caráter

incompleto do corpo da teoria marxista dos dias de hoje, ainda incapaz de

compreender várias facetas das sociedades modernas (para não falar das

não-modernas).

No campo dos partidos de esquerda verifica-se fenômeno correlato,

sendo protagonista o marxismo, tratado de forma doutrinária e dogmática,

não favorecendo o desenvolvimento continuado de pesquisas e estudos

sobre a luta de classes, o socialismo e a revolução. Equivocadamente, boa

parte da militância e da intelectualidade de esquerda defende o primado de

uma teoria marxista – em detrimento das experiências populares de

organização antiburguesa (cerceando a práxis através da teoria) –

inspirando-se na famosa fórmula leninista presente no Que Fazer?: “a

consciência revolucionária provém de fora do movimento operário”.xc Sob o

escudo dessa assertiva leninista, grande parte dos intelectuais (falo em

termos de posição social) assegurou historicamente uma hegemonia social

sobre os setores populares no interior das organizações revolucionárias e

socialistas do século XX. Hegemonia essa de características elitistas e de

conseqüências contra-revolucionárias.

Não se trata apenas de denunciar o peso por vezes excessivamente

grande de intelectuais em organizações de esquerda com dificuldades em se

enraizar no proletariado, nem muito menos se pretende defender algum tipo

de obreirismo contemporâneo – até porque elites operárias podem cometer o

mesmo tipo de equívoco intelectual e político. Não se imagina que a fórmula

mágica consista em extirpar os intelectuais dos partidos de esquerda, que,

compostos então exclusivamente por operários vá, automaticamente, adotar

a linha política “correta” e fazer a revolução socialista – uma verdadeira

piada. Defendo sim é que o império da teoria marxista cristalizada que os

Page 34: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

intelectuais têm exercido nas organizações de esquerda em geral deve ser

atenuado significativamente, sob pena de os setores proletários e populares

que compõem o cerne destas mesmas organizações não terem sucesso no

processo histórico de criar e implementar uma práxis revolucionária e

socialista, através da qual o capitalismo será superado em favor de uma

sociedade nova, socialista.

Como já adiantado anteriormente, esse império da teoria, da forma

como se estabeleceu historicamente no século XX, pré-determina de modo

equivocado o estabelecimento de uma práxis marxista/materialista, tolhendo

a criatividade e a radicalidade das experiências de luta dos setores populares

(perspectiva fenomenológica). Os intelectuais e militantes adeptos do

marxismo ortodoxo em geral assim procedem inadvertidamente, sem

compreender a verdadeira natureza do desenvolvimento de uma práxis

revolucionária e socialista, que, por sua própria definição, não pode ser

profetizada teleologicamente por algum oráculo do marxismo, mas sim criada

e recriada historicamente pelos verdadeiros protagonistas da luta de classe,

os setores operários, populares e subalternizados da sociedade capitalista.

Parafraseando a velha tirada de Marx, “a libertação dos trabalhadores será

obra dos próprios trabalhadores”.

Em termos sociológicos, políticos e ideológicos essa maior

independência dos movimentos populares em relação a monopólios

partidários reveste-se de outra implicação. Não só os intelectuais tiveram

suas posições elitistas atenuadas em favor de um maior protagonismo do

proletariado na luta de classes, mas também os partidos tiveram – no campo

da esquerda – sua posição enfraquecida em favor dos movimentos sindicais

e sociais. Não é à toa que temos hoje um Fórum Social Mundial (formado por

diversos movimentos populares, grupos políticos, partidos, ONGs e militantes

em geral) e não uma Quinta Internacional de partidos homogêneos. Isto se

Page 35: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

dá não por inexistir uma consciência ou uma maturidade da necessidade da

revolução (como pensaria alguém que raciocinasse nos termos

intelectualistas, teoricistas e partidocratas aqui criticados), mas porque o

processo de conscientização e organização massiva em favor de uma nova

sociedade se dá por excelência nos movimentos sindicais e sociais.

Seguindo esta premissa, a formação de um partido de esquerda se dá,

preferencialmente, durante um processo de reorganização dos movimentos

populares. Mas mesmo depois de criado o partido revolucionário e socialista,

a referência dos movimentos populares se manteria permanentemente para

a militância, porque os movimentos, mais até do que os partidos, são o

espaço da experiência e do “mundo da vida” de lutas cotidianas dos setores

explorados e oprimidos. A realidade em sua acepção fenomenológica será

sempre a fonte alimentadora para a constante formação e renovação da

teoria revolucionária: a diversidade é a própria condição da unidade. Os

partidos, mesmo os antiburgueses, participam ao menos parcialmente da

institucionalidade liberal-democrática, enquanto que tal inserção nos

“sistemas” dominantes da sociedade capitalista é muito menos efetiva em

relação aos movimentos.xci

Acredito que uma política revolucionária e socialista se faria, portanto, a

partir de dois fatores que se relacionam dialeticamente. Um, principal: as

experiências dos setores populares realizadas em seus “mundos da vida”

através dos movimentos sociais, numa perspectiva alternativa ao capitalismo.

Outro, secundário: a condensação de tais experiências num plano totalizante

e teórico, efetivado em um ou mais partidos de esquerda, onde exercem

papel vital não apenas setores populares, mas também intelectuais.

Pensando deste modo, temos que o erro histórico mais comum dos

partidos comunistas e de seus intelectuais do século XX foi condensar

precipitadamente uma totalidade (a partir da presunção de que a teoria

Page 36: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

marxista estava pronta e acabada), adotando, conseqüentemente, uma linha

política que não se alimentava amplamente das diversas fontes de

experiências dos setores populares através de seus movimentos sociais. O

resultado geral desse processo foi a incapacidade de ganhar as amplas

massas para o socialismo através dos movimentos sociais, devido ao

vanguardismo dos intelectuais e militantes partidários. Tal fenômeno se

manifesta concretamente de várias formas: por não se colocar um papel mais

generoso para os movimentos, estes se restringem ao reivindicacionismo;

valoriza-se apenas o movimento sindical em detrimento de outros

movimentos, inviabilizando a construção do socialismo, pois este não se

resume à esfera do trabalho; cai-se no cupulismo e no parlamentarismo, que

são práticas reformistas e institucionalizantes, independentemente das

intenções dos dirigentes partidários.

Por isso, tendo em vista o momento histórico de confusão em que a

esquerda vive hoje, bem como a necessidade de reconstruir uma política

revolucionária e socialista para o séc. XXI, defendo um recuo relativo nos

papéis da teoria, do partido e dos intelectuais como têm sido exercidos há

tempos, em favor de uma maior prioridade militante nos movimentos

sindicais e sociais, de modo que o proletariado possa exercer sua

criatividade e radicalidade mais amplamente. Está claro que não proponho

uma passividade para nós, intelectuais. Pelo contrário, temos antes que lutar

ainda mais ao lado dos trabalhadores, integrando-nos em seus movimentos.

E não apenas nos resumindo em assumir uma posição superior nos partidos,

teorizando sobre o que deve ser feito (esta sim uma postura contemplativa e

contra-revolucionária). Não advogo, ainda, que os movimentos em si sejam

socialistas. Sei muito bem que podem ser liberais e capitalistas. Mas

justamente a visão que objetivamente abandona a prioridade nos

movimentos em favor dos partidos é que favorece o economicismo. Priorizar

Page 37: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

os movimentos significa disputá-los com muito mais vigor contra as forças da

ordem e da cooptação, buscando colocá-los num caminho revolucionário. Só

uma nova vitalidade dos movimentos permitirá a construção de partidos de

esquerda realmente novos.

Ainda sobre a força excessiva dos intelectuais nas organizações de

esquerda em detrimento das experiências de luta realmente populares, seria

produtivo revermos como “classes sociais” e “movimentos sociais” também

não deixam de ser construções intelectuais, que interagem de modo

diversificado com as práticas dos grupos sociais que protagonizam essas

mesmas articulações de classes e movimentos sociais.

Aprendemos com Thompson a perspectiva de uma “‘história de baixo

para cima’ com a incorporação de movimentos e formas de expressão

populares como parte ativa do processo histórico”.xcii Esta história desde

baixo, popular, passa a ser referenciada não mais preferencialmente a

organizações centralizadas como os partidos comunistas. Pelo contrário,

Thompson enfatiza a alteridade de múltiplas formas organizativas, tradições

culturais e costumes sociais, identidades e experiências através das quais os

trabalhadores se constituem ativamente enquanto classe.xciii

Temos também o uso da “noção de experiência como chave para

superar a contradição entre determinação e agência humana no interior da

historiografia marxista”, buscando um equilíbrio entre ação humana e

condicionamentos e evitando-se separar, de modo estanque, o “objetivo” do

“subjetivo”. De modo correlato, há um forte questionamento do par infra-

estrutura/superestrutura.xciv Acredito que é possível identificar em Thompson

uma posição epistemológica mais próxima de um empirismo ou historicismo

do que de um teoricismo (“se há choque entre a pesquisa empírica e o

modelo, é este último que há de ser reformado – e não restaurado”).xcv E este

empirismo/historicismo nada mais é também que um tipo de abordagem

Page 38: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

fenomenológica, só que explicitamente no interior do marxismo. Em

Thompson há a compreensão de que as classes sociais e sua consciência

não são resultado evolutivo, imanente ou pré-determinado de

estruturas/processos objetivos/externos, mas sim construções históricas

subjetivas/auto-reflexivas. Assim, a classe se faz a si própria – obviamente

não de modo idealista, mas enfrentando situações concretas. O proletariado

não advém unicamente da industrialização, pelo contrário, sua formação

(“fazer-se”) é realizada no decorrer das lutas de classes (através de suas

lutas, mobilizações, etc), que, por sua vez, também conformam o

capitalismo.xcvi Thompson realinha o proletariado às tradições culturais e de

luta dos setores sociais dominados de processos históricos anteriores ao

capitalismo. Por conseguinte, está proposta uma análise menos economicista

e menos reducionista das classes sociais, capaz de pensar a cultura e a

política não só como relativamente autônomas, mas também como

constituintes ativas dos fatos econômicos: “sem produção não há história”,

mas “sem cultura não há produção”.xcvii

Nas elaborações thompsonianas é visível, ainda, uma postura não-

dogmática em relação ao marxismo e uma firme oposição ao marxismo

ortodoxo dominante, razão pela qual este autor sempre estabeleceu

constante diálogo com outras correntes de pensamento e outras disciplinas

humanas,xcviii postura com a qual concordo plenamente. Também em

Thompson temos a valorização da idéia de dissidência intelectual,xcix

estratégica em tempos de globalização, neoliberalismo e pensamento único,

quando é tão difícil remar contra a corrente, como bem fizeram Rosa

Luxemburgo, Caio Prado Jr.e outros.

Muitos modelos abstratos e esquemas teóricos relativos às classes são

combatidos por Thompson por normalmente padronizarem e formalizarem

excessivamente as trajetórias históricas das mesmas. Neste ínterim, temos a

Page 39: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

discussão em torno das classes que “ainda” não cumpriram seu papel pré-

determinado (por serem imaturas, incompletas, etc). Em oposição a tais

concepções, aparece claramente a influência do marxismo mais empírico,

singularista e antiesquemático de Thompson: “A explicação geral da

ausência de revolução em uma nação imprensada entre o prematuro, o

tardio, o just-in-time, o fora de hora e lugar, um país sem burguesia e

proletariado ‘verdadeiros’, pode, desta há muito, ser questionada.”c

Sobre esses modelos classistas, são relevantes os comentários de

Moore Jr, que nota, tanto quanto Thompson, o forte objetivismo neles

presentes:

“Tanto o modelo marxista como o modelo liberal de desenvolvimento

característico das classes trabalhadoras me parecem enganosos porque são

por demais esquemáticos e não apreendem as variáveis mais importantes.

(...) De acordo com a experiência marxista, os trabalhadores geralmente

partem de uma situação de inércia, capazes no máximo de atos ocasionais

de revolta instintiva. Através da experiência da industrialização, que os reúne

em imensas fábricas e lhes impõe um destino comum, eles adquirem uma

consciência de classe Revolucionária. Esta forma de consciência os leva à

percepção de seu papel crucial em todo o processo histórico, tal como

percebeu e delineou Marx, e à disposição de agir sobre essa percepção no

momento histórico crucial. Embora na variante de Lênin a percepção não

viesse por si mas fosse trazida de fora por intelectuais que se tornariam

revolucionários profissionais, a experiência da vida na fábrica sob o

capitalismo era um pré-requisito necessário para as massas passarem por

essa ‘prise de conscience’ com a ajuda dos intelectuais.”ci

No meu entender, justamente neste ponto comum dos raciocínios

modelares marxista e liberal-pragmático configura-se uma não valoração

analítica das tradições e da cultura popular dos “de baixo”, enfim, dos

Page 40: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

aspectos mais fenomenológicos da luta revolucionária, que serão resgatadas

por Thompson.

Avançando nessa linha, acrescento uma passagem de Bourdieu sobre

o peso das teorias (elaborada por intelectuais) nas articulações de classe:

“(...) as classes sociais são apenas classes lógicas, determinadas, em

teoria e, se se pode dizer assim, no papel, pela delimitação de um conjunto –

relativamente – homogêneo de agentes que ocupam posição idêntica no

espaço social; elas não podem se tornar classes mobilizadas e atuantes, no

sentido da tradição marxista, a não ser por meio de um trabalho

propriamente político de construção, de fabricação – no sentido que E. P.

Thompson fala em ‘The Making of the English Working Class’ – cujo êxito

pode ser favorecido, mas não determinado, pela pertinência à mesma classe

sócio-lógica.”cii

Uma melhor compreensão da força das teorias nesses processos

sociais e históricos pode ser obtida, entendo, subordinando-a à questão dos

intelectuais, isto é, pensando as condições da produção de teorias. Voltemos

a Thompson e aos intelectuais:

“A classe operária é tomada como tendo uma existência real (...) uma

quantidade de homens que se encontra numa certa proporção com os meios

de produção. Uma vez isso assumido, torna-se possível deduzir a

consciência de classe que (...) deveria ter (mas raramente tem), se estivesse

adequadamente consciente de sua própria posição e interesses reais. Há

uma superestrutura cultural, por onde esse reconhecimento desponta sob

formas ineficazes (...) de modo que é mais fácil passar para alguma teoria

substitutiva: o partido, a seita ou o teórico que desvenda a consciência de

classe, não como ela é, mas como deveria ser.”ciii

No sentido acima, podemos considerar que, se na verdade as classes

são autoformadas um tanto subjetivamente, então não dependem – para sua

Page 41: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

compreensão – de modelos abstratos, objetivistas e estruturais de análise,

pretensamente científicos, formulados pelos intelectuais (muitos dos quais de

outras classes), através dos quais estes mesmos intelectuais exercem um

certo poder sobre os membros das classes em questão, normalmente em

organizações partidárias,civ como já denunciamos anteriormente neste

ensaio.

Perrot traz lúcida descrição dessa força histórica dos modelos

abstratos, que carrega consigo a pré-determinação de movimentos sociais

por uma análise de classes prévia, objetivista:

“A história do Primeiro de Maio de 1890 (...) é, sob vários aspectos,

exemplar. Resultante de um ato político deliberado, essa manifestação ilustra

o lado voluntário da construção de uma classe – a classe operária -, à qual

os socialistas tentam dar uma unidade política e cultural (...) Em sua

iniciativa, o Primeiro de Maio é incontestavelmente criação de cima, e em

particular da corrente mais organizada em termos políticos, a corrente

marxista (...) Daí as reservas, os conflitos que cercam seu nascimento, as

resistências oferecidas, por exemplo, pelos (...) anarquistas, não só por

questões de rivalidade, mas também por oposição ao próprio princípio de tal

procedimento, visto como forma de manipulação de massas.”cv

A hegemonia dos marxistas no movimento operário fez com que a

formação e conscientização de classe impulsionadas por essa corrente

teórica e política apresentassem, por vezes (mas nem sempre) em

detrimento das influências libertárias dos anarquistas, algumas

características que, tempos depois, Thompson qualificaria como “ortodoxas”:

homogeneidade (devido ao forte apelo unitarista dos socialistas)cvi e

institucionalismo (face à interlocução privilegiada com o Estado e os poderes

públicos)cvii. Como sabemos, em oposição, Thompson valorizará a

diversidade e até mesmo a espontaneidade existentes nas experiências,

Page 42: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

tradições e organizações desenvolvidas pelos trabalhadores no decorrer da

luta de classes.

Essa virada fenomenológica de dimensão quase planetária ocorreu

tanto nos movimentos sociais (cada vez mais multifacetados) e na sociedade

civil (crescente profusão de ativismos étnicos, de gênero, opção sexual,

ecológicos, culturais alternativos, etc., desde maio de 1968), quanto no

pensamento de esquerda e nas ciências sociais acadêmicas. Assim temos

que os nexos mais particularistas e singularistas do marxismo thompsoniano

em torno dos movimentos e manifestações populares confluem em sentido

próximo, por exemplo, ao empirismo da “descrição densa” de Geertz na

antropologiacviii e às preocupações constantes dos estudos correlatos na

linha da “Escola de Chicago” (antropologia urbana), de matriz teórica

totalmente diversa, senão oposta. A par da oposição entre

diacronia/sincronia, já que estamos falando de historiadores marxistas e

sociólogos de origem pragmatista, o que temos de comum aqui é uma

tendência pró-fenomenologia das análises sobre movimentos sociais.

Ressalto, contudo, que, independentemente das reais mudanças por

que passam as sociedades modernas (rumo à globalização ou ao que for) e

das correspondentes mudanças colocadas para os movimentos sociais

atuais se comparados aos dos séculos anteriores, o que estamos discutindo

aqui são perspectivas de análise em si. Isto é, mesmo que a

contemporaneidade vá além da modernidade (algo ainda a se comprovar),

não podemos considerar os movimentos do passado como intrinsecamente

economicistas, homogêneos, homogêneos, etc. Estas características dos

movimentos operários de parte dos séc. XIX e XX foram fruto de realidades

sociais diversas, mas também de concepções e escolhas dos seus membros,

inclusive dos intelectuais participantes (sejam marxistas, social-democratas,

liberais, etc), como bem denuncia Thompson (e também Claus Offe).cix As

Page 43: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

características exemplificadas acima, na verdade, não eram as únicas dos

movimentos sociais passados. O “novo” não é totalmente inovador, nem o

“velho”, simplesmente superado.

Justamente na confluência entre o “velho” e o “novo” é possível

valorizar as experiências dos trabalhadores, pois assim não se faz tabula

rasa de suas tradições de luta em favor de pretensas teorias revolucionárias

já acabadas, construídas por intelectuais sem que sejam realmente criadas e

incorporadas pelas grandes massas dos quatro cantos do planeta. Talvez as

vertentes românticas do marxismocx sejam a resposta mais generosa já

inventada para o desafio de uma transformação social que seja

revolucionária, socialista e democrática, no sentido de estar nas mãos dos

principais atores sociais, os explorados e oprimidos.

Com a aproximação crescente entre marxismo e fenomenologia, cada

vez mais podemos afirmar: um outro mundo é possível!

i SIMMEL, Georg – Sociologia. Estudios sobre Las Formas de Socialización, Buenos Aires, Esparsa Calpe, 1939, p. 331/335. ii GOFFMAN, Erving – A Representação do Eu na Vida Cotidiana, Petrópolis, Vozes, 1999, p. 13. iii A respeito: VILLAS BÔAS, Glaucia – Ascese e Prazer: Weber vs. Sombart in Lua Nova, nº 52, São Paulo, 2001, especialmente p. 175. iv WEBER, Max – A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, São Paulo, Pioneira, 1997, p. 31/37, 44/51, 112/114 e 128/130. v Idem, p. 34. vi Ibidem, p. 117, 127 e 121, respectivamente. vii VILLAS BÔAS, Op.Cit.. viii WEBER, Op.Cit., p.180/181. ix FOUCAULT, Michel – A Verdade e as Formas Jurídicas, Rio de Janeiro, Nau, 1996, p.79/125. x Idem, p. 83 (mencionando o fato de a prisão não ter sido prevista por um teórico penal como Beccaria). xi Ibidem, p. 88: “Ele [o saber panóptico] se ordena em torno da norma, em termos do que é normal ou não, correto ou não, do que se deve ou não fazer.” Cada uma dessas instituições de controle seria “um aparelho de normalização dos indivíduos” (p. 114). xii SIMMEL, Georg – A Metrópole e a Vida Mental in VELHO, Otávio Guilherme (org.) – O Fenômeno Urbano, Rio de Janeiro, Zahar, 1967, p. 13/22 e 25/28. xiii Veja-se a respeito: PARK, Robert Ezra – A Cidade: Sugestões para a Investigação do Comportamento Humano no Meio Urbano, e WIRTH, Louis – O Urbanismo como Modo de Vida, ambos em VELHO, Otávio Guilherme (org.) – O Fenômeno Urbano, Rio de Janeiro, Zahar, 1967.

Page 44: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

xiv BENJAMIN, Walter – A Paris do Segundo Império em Baudelaire in KOTHE, Flávio R. (org.) – Walter Benjamin: Sociologia, São Paulo, Ática, 1985, p. 45/110. xv Idem, especialmente p. 55. xvi Ibidem, respectivamente p. 65, 67 e 68. xvii BOURDIEU, Pierre & PASSERON, J. C. - Le Métier de Sociologue, Mouton/Bordas, 1968. xviii BENJAMIN, Op.Cit., p. 69/70. xix Sigo livremente indicações a respeito de KUMAR, Krishan – Da Sociedade Pós-Industrial à Pós-Moderna: Novas Teorias sobre o Mundo Contemporâneo, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997, p. 14/16; e ROBERTSON, Roland – Globalização: Teoria Social e Cultura Global, Petrópolis, Vozes, 2000, p. 72. xx ALBROW, Martin – The Global Age, Stanford, Stanford University Press, 1997, p. 78; CASTELLS, Manuel – O Poder da Identidade Vol. II, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2000, p. 17 e 28; BECK, Ulrich – O Que é Globalização: Equívocos do Globalismo, Respostas à Globalização, São Paulo, Paz e Terra, 1999, p. 41 e 185/186; KUMAR, Op.Cit., p. 15. xxi KUMAR, Op.Cit., p. 164; BECK, Op.Cit., p. 67; ROBERTSON, Op.Cit., p. 23; ALBROW, Op.Cit., p. 110/111. xxii KUMAR, Op.Cit., p. 164 e 195; BECK, Op.Cit., p. 73 (citando Rosenau) e 103/107 (citando Appadurai); CASTELLS, Op.Cit., p. 27; ROBERTSON, Op.Cit., p. 23, 192/193 e 197; ALBROW, Op.Cit., p. 110/111 e 163. xxiii CASTELLS, Op.Cit., p. 17; KUMAR, Op.Cit., p. 178; BECK, Op.Cit., p. 42. xxiv KUMAR, Op.Cit., p. 162, 173 e 181; BECK, Op.Cit., p. 43; CASTELLS, Op.Cit., p. 17; ROBERTSON, Op.Cit., p. 70. xxv BECK, Op.Cit., p. 112 e 173. xxvi KUMAR, Op.Cit., p. 167; BECK, Op.Cit., p. 97; CASTELLS, Op.Cit., p. 319. xxvii CASTELLS, Op.Cit., p. 17. xxviii CASTELLS, Op.Cit., p. 26, 79 e 302; KUMAR, Op.Cit., p. 162, 170 e 196; BECK, Op.Cit., p. 74, 103/107 (citando Appadurai) e 185/186; ROBERTSON, Op.Cit., p. 47/49 e 55; ALBROW, Op.Cit., p. 165, 169/170 e 173/174. xxix KUMAR, Op.Cit., p. 171 e 194; BECK, Op.Cit., p. 44, 92/93 e 99; CASTELLS, Op.Cit., p. 17 e 26; ROBERTSON, Op.Cit., p. 23, 47/49 e 55; ALBROW, Op.Cit., p. 110/111. xxx KUMAR, Op.Cit., p. 193 e 195/196; BECK, Op.Cit., p. 44; ROBERTSON, Op.Cit., p. 47/49, 55 e 192/193; ALBROW, Op.Cit., p. 110/111, 163 e 171. xxxi BECK, Op.Cit., p. 175/176; ROBERTSON, Op.Cit., p. 89. xxxii CASTELLS, Op.Cit., p. 18, 68, 79 e 81/83; BECK, Op.Cit., p. 103/107 (citando Bauman); ROBERTSON, Op.Cit., p. 252/254; ALBROW, Op.Cit., p. 169/171. xxxiii KUMAR, Op.Cit., p. 169, 179/181, 188, 194 e 196; BECK, Op.Cit., p. 131; CASTELLS, Op.Cit., p. 86 (“crise estrutural da identidade legitimadora”); ALBROW, Op.Cit., p. 173/174. xxxiv KUMAR, Op.Cit., p. 189/191. xxxv KUMAR, Op.Cit., p. 179/180; CASTELLS, Op.Cit., p. 298/299. xxxvi KUMAR, Op.Cit., p. 168/170 e 179/180; CASTELLS, Op.Cit., p. 341/343 (citando o exemplo do movimento antiprevidência nos EUA que, em nome de valores (neo)liberais, acabam por estigmatizar pobres, negros, imigrantes, etc). xxxvii BECK, Op.Cit., p. 41/42, 48, 92/93, 193/194 e 199 (“novo medievalismo”); KUMAR, Op.Cit., p. 162 e 170; CASTELLS, Op.Cit., p. 68 (“Estado de geometria variável”) e 287/289; ALBROW, Op.Cit., p. 106 e 169/170. xxxviii CASTELLS, Op.Cit., p. 44, 49 e 60; KUMAR, Op.Cit., p. 188; BECK, Op.Cit., p. 126. xxxix BECK, Op.Cit., p. 70/71 (citando Rosenau), 82 e 97; CASTELLS, Op.Cit., p. 303/304 e 311/314; ROBERTSON, Op.Cit., p. 89; ALBROW, Op.Cit., p. 173/174. xl BECK, Op.Cit., p. 74 e 136.

Page 45: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

xli CASTELLS, Op.Cit., p. 18 e 42/43; KUMAR, Op.Cit., p. 162 e 178; ALBROW, Op.Cit., p. 165. xlii KUMAR, Op.Cit., p. 165; BECK, Op.Cit., p. 136; CASTELLS, Op.Cit., p. 79 e 339 (mencionando movimentos tipo “eduque seu filho em casa” dos cristãos fundamentalistas dos EUA); ROBERTSON, Op.Cit., p. 252/254. xliii KUMAR, Op.Cit., p. 162 e 178; BECK, Op.Cit., p. 42 e 74; ROBERTSON, Op.Cit., p. 89. xliv ROBERTSON, Op.Cit., p. 194; KUMAR, Op.Cit., p. 189/191; ALBROW, Op.Cit., p. 106. xlv Como em CASTELLS, Manuel – A Sociedade em Rede, São Paulo, Paz e Terra, 1999. xlvi BECK, Op.Cit., p. 48/57, 122 e 137/139 (“nacionalismo metodológico” e a metáfora do container são felizes sugestões deste criativo autor); ROBERTSON, Op.Cit., p. 35 (citando Albrow), 82/89 e 190/193; ALBROW, Op.Cit., p. 110/111 e 172. xlvii BECK, Op.Cit., p. 179. xlviii ALBROW, Martin – Nacionalidade e Identidade na Era Global in BARROSO, João Rodrigues (org.) – Globalização e Identidade Nacional, São Paulo, Atlas, 1999, p. 36. xlix KUMAR, Op.Cit., p. 15. l Idem, p. 16. li CASTELLS, Op.Cit., p. 17. lii BECK, Op.Cit., p. 123. liii KUMAR, Op.Cit., p. 164 e 176/177. Concordo com Kumar neste ponto, por isso não creio que a dialética entre ricos e pobres esteja acabando, como afirma Bauman, citado por BECK, Op.Cit., p. 109/110. Relacionado a isso, especulo se a outra racionalidade proposta por Beck (“um-e-outro”) não deveria ser aplicada ao individualismo e à competitividade capitalistas, que muitas vezes são excludentes, seguindo quase sempre uma lógica de “um-ou-outro” (vencedor x vencido). Talvez o “um-e-outro” de Beck seja pertinente ao ressurgimento do cooperativismo e à emergência da chamada “economia solidária”. liv BECK, Op.Cit., p. 68/69. lv Idem, p. 75. lvi Segundo Giddens, citado por ROBERTSON, Op.Cit., p. 195. lvii ROBERTSON, Op.Cit., p. 82/89. lviii CASTELLS, Op.Cit., p. 27. lix BECK, Op.Cit., p. 187/190. lx ALBROW – The Global Age, p. 80. lxi ROBERTSON, Op.Cit., p. 45. lxii ALBROW, The Global Age, p. 90/91. lxiii Idem. lxiv KUMAR, Op.Cit., p. 162. lxv ALBROW, The Global Age, p. 110/111, 164 e 171/174. lxvi CASTELLS, Op.Cit., p. 17/18, 26, 68, 79 e 81/83. lxvii ELIAS, Norbert – A Sociedade dos Indivíduos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1994. lxviii CASTELLS, Op.Cit., p. 44/45 e 60/68. lxix Idem, p. 26/43. lxx ALBROW, The Global Age, p. 110/111. lxxi ROBERTSON, Op.Cit., p. 80/81 e 248/254. lxxii Idem, p. 248/254. Posição inversa é a de Habermas: ROBERTSON, Op.Cit., p. 260. lxxiii ALBROW, The Global Age, p. 79. lxxiv ROBERTSON, Op.Cit., p. 264, citando Appiah. lxxv KUMAR, Op.Cit., p. 16. lxxvi BECK, Op.Cit., p. 195/196.

Page 46: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

lxxvii ALBROW, The Global Age, p. 106, embora fale também que a desglobalização seja possível: p. 107. lxxviii ROBERTSON, Op.Cit., p. 25 e 276. lxxix CASTELLS, Op.Cit., p. 19/26. lxxx BECK, Op.Cit., p. 89/91; ROBERTSON, Op.Cit., p. 85/86 e 199/200. lxxxi ALBROW, The Global Age, p. 79. lxxxii KUMAR, Op.Cit., p. 188. lxxxiii Idem, p. 197/203. lxxxiv ROBERTSON, Op.Cit., p. 258/9. A visão de Robertson é matizada, pois observa também homogeneizações na globalização: p. 267. lxxxv BECK, Op.Cit., p. 44, fornece ótimo exemplo de estratégia de glocalização: o recente sucesso de certas músicas árabes no mundo, mais especificamente, do cantor magrebe Khaled, cujos CDs são editados pela francesa Virgin Musique e produzidos em estúdios ingleses e norte-americanos. Mas note: o conteúdo é pop árabe, já a estrutura técnica do produto ainda é “ocidental”, o que mostra as limitações da glocalização. lxxxvi PRADO JR., Caio - A Revolução Brasileira, São Paulo, Brasiliense, 1987 (a 1ª edição é de 1966), p. 30. lxxxvii Veja-se a respeito KAREPOVS, Dainis, MARQUES NETO, José Castilho & LÖWY, Michael - Trotsky e o Brasil em MORAES, João Quartim de (org.), História do Marxismo no Brasil Vol. II Os Influxos Teóricos, Campinas, Ed. da UNICAMP, 1998, pp. 236-238. lxxxviii Inspiro-me aqui na interpretação proposta por Antonio Carlos Mazzeo em Sinfonia Inacabada – A Política dos Comunistas no Brasil, São Paulo, Boitempo, 1999, especialmente pp. 75-81. lxxxix Nossa menção crítica ao marxismo ortodoxo remete, obviamente, à necessidade da constante investigação de outros marxismos: Rosa Luxemburgo (fonte de boa parte das idéias deste ensaio), Oposição Operária, auto-gestão, conselhismo, etc. xc LÊNIN - Obras Escolhidas Vol. 1, São Paulo, Alfa-Ômega, 1986, p. 101. xci Faço referência aqui a J. Habermas: Teoria de La Acción Comunicativa, Madrid, Cátedra, 1999. xcii THOMPSON, E. P. – As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos, Campinas, Ed. da UNICAMP, 2002, p. 30 (introdução de Alexandre Fortes, Antonio Luigi Negro e Paulo Fontes, intitulada Peculiaridades de E. P. Thompson). xciii THOMPSON, E. P. – As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos, p. 42/43, 50 (introdução de Fortes, Negro e Fontes) e 66 (introdução de Sergio Silva, intitulada Thompson, Marx, os Marxistas e os Outros); THOMPSON, E. P. – A Formação da Classe Operária Inglesa, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, p. 9/10; THOMPSON, E. P. – Costumes em Comum – Estudos sobre a Cultura Popular Tradicional, São Paulo, Companhia das Letras, 2002, p. 13/22, 90, 145 e 149. xciv THOMPSON, E. P. – As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos, p. 42/43 (introdução de Fortes, Negro e Fontes), 66/67 (introdução de Silva), 207/208 e 252/260; THOMPSON, E. P. – A Formação da Classe Operária Inglesa, p. 9/10 e 253/260. Thompson propõe substituir o par infra/superestrutura pela dupla ser/consciência: “(...) podemos afirmar que ‘o ser social determina a consciência social’ (uma assertiva que ainda pede exame e qualificação escrupulosos)” – As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos, p. 253. Tal proposição, reconhece o próprio Thompson (nota à p. 267) segue as elaborações mais detalhadas de Raymond Williams, em Marxismo e Literatura, Rio de Janeiro, Zahar, 1979 (especialmente p. 82/102). xcv THOMPSON, E. P. – As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos, p. 46/47 (introdução de Fortes, Negro e Fontes). xcvi THOMPSON, E. P. – As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos, p. 61/66 (introdução de Silva) e 229; THOMPSON, E. P. – A Formação da Classe Operária

Page 47: Marxismo, Movimentos Sociais e Fenomenologismo

CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22

Inglesa, p. 9/10. Apesar das origens intelectuais diferentes, Claus Offe desenvolve posição semelhante (Problemas Estruturais do Estado Capitalista, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984, p. 88): “Esta visão é diretamente oposta àquela versão marxista da consciência de classe que sustenta haver um desenvolvimento espontâneo e quase automático, promovido pelo que às vezes é chamado de ‘instinto de classe’, em direção aos ‘verdadeiros’ interesses da classe operária como um todo. Essa visão não é apoiada nem pelos argumentos teóricos nem pela experiência contemporânea.”. xcvii THOMPSON, E. P. – As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos, Campinas, Ed. da UNICAMP, 2002, p. 204, 207/208, 211 e 252/260 (os trechos contendo aspas estão às p. 258/259). xcviii THOMPSON, E. P. – As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos, p. 31, nota às p. 56/57 (introdução de Fortes, Negro e Fontes), p. 61 e 69 (introdução de Silva), 208 e 228. Para evidenciar esse diálogo, vale a pena citar um trecho significativo, sobre a questão da determinação e do par infra/superestrutura: “Os antropólogos e os sociólogos demonstraram amplamente a imbricação inextricável das relações econômicas e das relações não econômicas na maior parte das sociedades e a maneira pela qual interferem as gratificações econômicas e culturais. Nessas démarches da análise histórica ou sociológica (ou política), é essencial manter presente no espírito o fato de os fenômenos sociais e culturais não estarem ‘a reboque’, seguindo os fenômenos econômicos à distância: eles estão, em seu surgimento, presos na mesma rede de relações.” (p. 208). xcix THOMPSON, E. P. – As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos, nota à p. 56 (introdução de Fortes, Negro e Fontes); THOMPSON, E. P. – A Formação da Classe Operária Inglesa, p. 13. c THOMPSON, E. P. – As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos, p. 49/50 (introdução de Fortes, Negro e Fontes). ci BARRINGTON – Injustiça - As Bases Sociais da Obediência e da Revolta, São Paulo, Brasiliense, 1987, p. 641/642. cii BOURDIEU, Pierre – Razões Práticas – Sobre a Teoria da Ação, São Paulo, Papirus, 1997, p. 29. ciii THOMPSON, E. P. – A Formação da Classe Operária Inglesa, p. 10. civ Conforme, ainda, Sergio Silva, exposta à p. 66/68 de sua introdução (THOMPSON, E. P. – As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos). cv PERROT, Michelle – Os Excluídos da História, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, p. 127/128. cvi Idem, p. 130. cvii Ibidem. cviii GEERTZ, Clifford – A Interpretação das Culturas, Rio de Janeiro, LTC, 1989. cix OFFE, Op.Cit.. cx LÖWY, Michael e SAYRE, Robert – Revolta e Melancolia – O Romantismo na Contramão da Modernidade, Petrópolis, Vozes, 1997