Mas o Que é Efeito Placebo

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  • 7/26/2019 Mas o Que Efeito Placebo

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    Mas o que Efeito Placebo?

    O termo placebo costuma estar popularmente associado a feitios, magia ou, quando no,

    a elevado grau de histeria. Porm, o efeito placebo, suas repercusses e sua fisiologia,

    comeam a ganhar o respeito de muitos cientistas. Se o que interessa ao mdico e aopaciente o alvio e a cura, no importa conquistar esse objetivo s custas do efeito

    placebo.

    Por definio, placebo uma substncia inerte, sem propriedades farmacolgicas,

    administrado a uma pessoa ou grupo de pessoas, como se tivesse propriedades

    teraputicas. Na medicina os objetivos do placebo so, principalmente, para trabalhos

    cientficos onde se quer testar a eficcia de medicamentos atravs de comparaes.

    Ministra-se o medicamento para um grupo de pacientes com determinada doena e o

    placebo para outro grupo com a mesma doena, depois se comparam os resultados.

    Durante esses estudos, chamados de duplo-cego, nem os pacientes e nem os mdicos

    sabem quem est em uso do placebo ou do medicamento. Aps o perodo de avaliao o

    pesquisador (que sabe quem toma o placebo e quem toma o medicamento) compara os

    resultados.

    bom termos em mente que o conceito de placebo bastante amplo. Originalmente o

    nome placebo era exclusivo de algum produto para uso oral (cpsulas de farinha de trigo,

    por exemplo) ou injetvel (soro fisiolgico), mas hoje, tambm se reconhece como placebo

    outras formas de interferncia fsica, tais como acupuntura, ultra-som, aplicao local de

    pomadas, cremes, etc. Classificaria aqui tambm os benzimentos, passes e outras

    peripcias do gnero, incluindo as cirurgias espirituais, por exemplo, as quais, em no

    provando serem genunas, tambm devem ser consideradas placebos.

    O nome correto aos efeitos colaterais negativos do placebo nocebo. Trata-se da

    expectativa que o paciente traz consigo durante a pesquisa clnica. Se h uma expectativa

    negativa, pessimista, ele ter uma reao nocebo, ainda que saibamos que a substncia

    inerte. a mesma expectativa que, quando positiva, otimista, gerar a reao placebo.

    A expectativa do paciente, bem como de seus familiares, aumenta as possibilidades do

    efeito placebo, caso sejam otimista, enquanto a expectativa pessimista desencadeia o

    fenmeno nocebo (efeitos colaterais). Porm, o que confunde o leitor ou os pacientes

    abalados com a idia dos efeitos placebo ou nocebo, que essa expectativa quase

    sempre inconsciente, em sua maior parte, de tal forma que, mesmo os pessimistas se lhes

    atribuem o rtulo de realistas (nunca encontrei nenhum paciente, em 30 anos de profisso,

    que realmente se reconhecesse pessimista). O senhor acha que eu no quero sarar

    doutor? tem sido a frase mais ouvida quando tentamos explicar que o medicamento, de

    verdade, no causa sensao de formigamento nas gengivas, por exemplo.

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    interessantssimo o trabalho de Benson (1997) que, entre mais de 600 pacientes

    cirrgicos avaliados em relao s expectativas otimistas e pessimistas, destacou 5 deles

    que tinham uma profunda "premonio" de morte e, de fato, todos morreram durante a

    cirurgia.

    2 Quem cura

    Em segundo lugar, os efeitos dependem de quem prescreve o tratamento. Se o terapeuta

    for mdico, os efeitos dependero do ritual de prescrio, de toda aquela magia que

    impregna o ato mdico, de sua reputao e prestgio junto ao paciente. Resumindo,

    depende do ritual mdico. Alguns relacionam o efeito placebo at ao preo da consulta.

    A importncia da figura do mdico no processo de cura pode ser constatada quando, por

    exemplo, um paciente no melhora com um profissional e melhora com outro, apesar de

    ter sido usada a mesma medicao e na mesma dose (s vezes, com nome comercial

    diferente).

    fundamental, para o efeito de cura, seja do placebo ou do medicamento verdadeiro, que

    o mdico tenha uma intencionalidade em relao cura, ou seja, que ele exera realmente

    sua vocao mdica para entender que o paciente adoece no apenas organicamente,

    mas numa conjuno bio-psico-social, onde interessa at saber sobre sua satisfao

    conjugal, suas expectativas de vida, seu grau de frustrao, necessidade de carinho,

    vontade de chamar ateno, de protestar, etc.

    Parece claro, felizmente, que a medicina aceita o componente emocional no adoecer

    atravs da medicina psicossomtica e as somatizaes. Difcil, entretanto, convencer

    alguns mdicos do mesmo componente emocional para a cura, da importncia do conforto

    afetivo, do otimismo, da confiana, etc, no restabelecimento da sade.

    O mdico que goza de prestgio e admirao por parte de seu paciente, pautando seu

    atendimento na compreenso e carinho, pode fazer dos medicamentos um forte

    instrumento de cura e, mais que isso, mesmo antes dos efeitos dos medicamentos, a

    simples consulta mdica j proporciona um agradvel efeito placebo no paciente (Doutor,

    ele melhorou s de conversar com o senhor).

    Para muitos pacientes, a simples ida ao mdico, envolvendo todo um ritual de ateno e

    cuidados para com sua pessoa, a anamnese (coleta de dados que, muitas vezes, o

    paciente no tem oportunidade de queixar a ningum), o toque da mo do mdico durante

    o exame, a ateno, os aparelhos e equipamentos, enfim, todo esse aparato j costuma

    ser suficiente para produzir uma melhora. Infelizmente, muitas outras vezes ocorre o

    contrrio, ou seja, o descaso, a espera, a grosseria, a insensibilidade, etc, concorrem para

    uma piora dos sintomas.

    O paciente, portador de algum mal-estar ou desconforto, ao procurar tratamento j est

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    emocionalmente vido de ateno e ajuda; isso que ele quer, isso que ele mais deseja,

    exceto nos casos onde seu transtorno atende anseios emocionais mais subterrneos. O

    profissional que o atende tem todas possibilidades de satisfazer esse anseio de cura a

    partir do momento em que atender as expectativas do paciente.

    Embora teoricamente no se use placebo fora da medicina, h um certo fascnio por

    prticas no tradicionais, como aquele atendente de farmcia quase mdico, que chegou

    at a prestar o vestibular. Nesses casos, melhorar com placebos vai de encontro

    tendncia da pessoa em contrariar a medicina tradicional; viu s. Andei por tantos

    mdicos e quem me curou foi um farmacutico, dizem orgulhosos os sugestionveis.

    Tambm tem grande possibilidade de funcionar os placebos impregnados por elementos

    esotricos; tem energia positiva, aromaterapia, cromoterapia, banhos, essncias e toda

    sorte de patus. Funcionam bem os quiroprticos, naturopatas, energticos e vrios outros

    profissionais alternativos e no mdicos que usam calor, luz, diatermia, hidroterapia,

    manipulao, massagem e grande variedade de aparatos os quais, alm de quaisquer

    efeitos fisiolgicos, costumam exercer uma grande fora psicolgica de efeito placebo,

    normalmente reforada pela boa relao entre o paciente e o profissional. Resumindo,

    depende do ritual extico.

    3 O remdio em si

    Finalmente, deve ser considerada a droga (placebo) em si; se for amargo, arder, custar

    caro, for difcil de achar, ltima pesquisa cientfica, usado pelos ndios e assim por diante.

    Resumindo, depende do ritual que cada um arma para si. No se sabe exatamente

    porque, mas h uma preferncia estatisticamente comprovada para a eficcia dos

    placebos de us tpico em comparao com aqueles usados por via oral.

    Ainda segundo Eduardo Moraes Baleeiro, pesquisas mostraram que a administrao do

    placebo sob a forma de comprimidos tem o seu resultado teraputico varivel, dependendo

    do tamanho (quanto maior, mais eficaz). Alm do tamanho, foi constatado tambm que, a

    cor dos comprimidos importante.

    Certa vez prescrevi um tranqilizante hipntico (clonazepam) em gotas para uma paciente

    que, entre outros sintomas, tinha uma insnia bastante evidente. Depois de alguns dias

    dormindo bem com as gotas receitadas, as quais dilua em suco de goiaba para anular o

    gosto da substncia, uma sobrinha substituiu o lquido do frasco por gua, porque na

    famlia todos eram avessos ao uso de remdios. A paciente continuava dormindo muito

    bem com aquela gua e, quando terminou o frasco marcou nova consulta porque

    apresentava insnia novamente.

    O interessante disso tudo que todos riem quando conto essa histria (e outras muito

    semelhantes), dando a impresso que essas coisas s acontecem com os outros. Poisbem. A sobrinha veio junto na consulta em que a paciente pedia outra receita para

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    continuar dormindo bem e, diante de mim e rindo muito, contou tia que ela dormia por

    razes psicolgicas, j que tomava gua. Foi quando a tia, contrariada, confessou

    sobrinha que as eficientes gotas que lhe dava para clicas menstruais eram gua com um

    pouco de bicarbonato de sdio. A sobrinha parou de rir.

    Uma das questes duvidosas em relao aos placebos, saber at que ponto

    interessante ao paciente saber que o remdio que o curou no passava, por exemplo, de

    simples composio de gua com acar? Se o bem-estar o objetivo de quem trata e de

    quem tratado, ento no interessa muito saber se sua dor passou com diclofenaco de

    sdio ou com farinha de trigo. Nesse caso, portanto, est em jogo a f, seja no

    medicamento, sejam os casos da cura pela f , atualmente muito em moda em

    programas de televiso.

    Algumas pesquisas mostram que, se os pacientes so avisados que entre eles alguns

    podem estar usando placebo, a prpria eficcia da droga verdadeira diminui muito, dando

    a impresso que o medo de estar sendo enganado supera o efeito concreto do

    medicamento. O ser humano realmente muito curioso (exceto o leitor, claro).

    Neste terceiro item entram os aparelhos que freqentemente tm um impacto psicolgico

    significativo. So irradiadores, emissores de ondas, calores, vibraes, raios, etc. Lembro

    sempre de alguns antigos pacientes, mais acanhados intelectualmente, queixosos de mal-

    estares cardacos, que melhoravam muito depois de terem sido submetidos ao exame de

    eletrocardiograma (hoje, talvez, melhorassem muito mais com a Ressonncia Magntica).

    Quem cura o ser humano outro ser humano, e quem o adoece tambm.

    Essa era uma frase importante, dita pela pessoa que me ensinou psiquiatria, tentando

    dizer que a sociedade tambm adoece o indivduo, tanto biologicamente quanto

    psicologicamente. Vamos ilustrar.

    Quando era recm formado e trabalhava em pronto-socorro, havia uma atendente de

    enfermagem que aplicava as injees que eu prescrevia. Invariavelmente as pessoas que

    ela cuidava passavam mal. Fosse qual fosse o medicamento que eu pedia para aplicar.

    Curioso sobre essa altssima incidncia de efeitos colaterais, uma vez fiquei na sala ao

    lado ouvindo a tal atendente conversar com uma paciente, para quem eu receitara um

    antiespasmdico a ser aplicado na veia. Dizia ela:

    Se voc for passar mal, avise que eu paro a injeo.... se sentir que vai vomitar, vomite

    no cesto ao lado para no sujar a sala.... se sentir tonturas, avise para eu chamar o mdico

    ... se achar que vai desmaiar, abaixe a cabea junto aos joelhos. Evidentemente, TODOS

    passavam muito mal, vomitavam, tinham tonturas e desmaiavam.

    A sociedade na qual vivemos prdiga em promover doenas e mal-estares, sendo alto o

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    nmero de pessoas que procuram o mdico porque esto achando ela muito plida. Uma

    de minhas recentes pacientes, de 17 anos, desmaiou na escola e foi levada s pressas ao

    pronto-socorro. Depois de passada a crise, soubemos que ela passou mal depois de ter

    confidenciando s colegas a descoberta de um caroo no seio (displasia mamria), e

    destas terem alertado sobre a possibilidade, quase certa, de ser cncer, ilustrandoinmeros casos de pessoas que morreram ou amputaram os seios (mastectomia).

    Em qualquer procedimento teraputico ocorre um fenmeno placebo em 30% ou mais dos

    casos, dependendo da empatia do mdico. comum pacientes melhorarem dos sintomas

    muito antes do tempo necessrio para que o medicamento faa efeito. Na psiquiatria, por

    exemplo, muitos pacientes comeam a melhorar da depresso 2 ou 3 dias depois de

    iniciado o uso de antidepressivos, apesar da maioria deles comear a fazer efeito depois

    de 2 semanas.

    O efeito nocebo (contrrio do placebo, ou seja, que provoca mal-estar) tambm pode

    aparecer muito antes do medicamento ser absorvido. As drgeas, em geral, so de

    absoro entrica, isto , devem passar pelo estmago para serem absorvidas no

    intestino. Apesar desse trajeto demorar mais de 2 horas, alguns pacientes queixam efeitos

    colaterais minutos depois de ingerirem as tais drgeas. Como o ser humano bastante

    criativo e facilmente adaptvel, depois de ler esse pargrafo alguns podero corrigir esse

    tropeo sintomtico.

    Mas impossvel explicar isso aos pacientes. A quase totalidade deles insiste em dizer

    coisas assim: imagine doutor..., se eu quero sentir to mal ou ainda imagine doutor, eu

    nem estava pensando nisso quando tomei o remdio. Alguns mdicos, menos tenazes,

    acabam desistindo de lutar contra essa vox populi.

    Dessa forma, a ao mdica pode ser benfica e positiva ou, infelizmente, malfica e

    negativa, promovendo um desejvel efeito placebo ou um desagradvel efeito nocebo,

    respectivamente. Dependendo da reputao do profissional e da empatia que existe entre

    ele e o paciente, os tratamentos podem aumentar o fenmeno placebo em at 100% dos

    casos. Os mtodos de tratamento da medicina alternativa tambm tm um efeito placebo,

    s vezes muito maior que os da medicina tradicional.

    Em qualquer especialidade da medicina esto presentes os efeitos placebo e nocebo. Em

    algumas reas, entretanto, eles so mais evidentes, como so os casos que envolvem

    sensopercepo; as dores, as questes auditivas, visuais, formigamentos, anestesias,

    tonturas, palpitaes, zumbidos nos ouvidos, etc. E so nesses casos que, infelizmente, a

    sociedade costuma deixar as pessoas mais doentes.

    Quando um mdico menos sensvel afirma que labirintite no tem cura, problemas de

    coluna no tm cura, voc precisa se acostumar com seus zumbidos, ou coisas assim,ele est assinando um atestado de invalidade e sofrimento crnico para aquele que

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    deveria ser seu paciente. Na verdade, o que no tem cura a enorme falta de vocao

    desse mdico.

    Pior ainda quando, diante das vrias queixas do paciente ansioso, somatizadas e

    subjetivas, o mdico atesta com a habitual convico magistral que "o senhor no temnada, apenas um probleminha dos nervos". O primeiro erro est em achar que

    probleminha dos nervos no nada e, o segundo, transmitir nas entrelinhas a impresso

    de que o paciente est descontrolado, histrico, com frescura, ou algo assim.

    Na psiquiatria, com nossos ansiolticos, antidepressivos, psicoterapias e outros tipos de

    ateno emocional aos pacientes, ou ainda que seja atravs de eventuais efeitos placebo

    disso tudo, estamos bastante acostumados com pacientes portadores de todas essas

    queixas que se curam.

    Algum mal entendido sobre o efeito placebo est no fato das pessoas acreditarem que ele

    no passa de uma espcie de mentira que cura, ou um suborno do mdico s nossas

    emoes. Mas no nada disso. Na realidade o efeito do placebo mostra que a cura

    depende da inteno curativa do prprio paciente, assessorado pela vontade curadora do

    mdico que o assiste.

    O fascinante efeito placebo do comprimido que alivia, mesmo sendo feito apenas de

    farinha de trigo ou, mesmo sendo um medicamento que alivia mais rpido e mais

    eficazmente do que a cincia espera dele depende, exatamente, do poder de um no-sei-

    o-que que o impregna. Talvez seja um no-sei-o-que feito de confiana, de respeito, de

    carinho, ateno, compreenso, simpatia, esperana e intencionalidade positiva que nasce

    no relacionamento harmnico entre o mdico e seu paciente. Dificilmente esse mesmo

    comprimido faria o mesmo efeito se fosse oferecido ao paciente por uma pessoa que ele

    desgosta, ou que no se fez gostar.

    Ballone GJ, Moura EC - O Placebo e a Arte de Curar, in. PsiqWeb, Internet, disponvel

    emhttp://www.psiqweb.med.br/, revisto em 2008

    http://www.psiqweb.med.br/http://www.psiqweb.med.br/