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15 RELATOS DE SALA DE AULA QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Propriedades Específicas dos Materiais N° 8, NOVEMBRO 1998 A tendendo a um dos requisitos do processo de seleção para o ingresso no curso de espe- cialização em ensino de ciências 1 , elaborei uma breve descrição da minha prática pedagógica e uma justificativa para a minha intenção de freqüentar o referido curso, na modalidade química. Naquela oportunidade expressei meu interesse em explicitar e ampliar referen- ciais teórico-metodológicos que pudes- sem subsidiar e fundamentar meu trabalho em sala de aula. Com base nesse propósito, passei a desenvolver meu trabalho como professor de quími- ca, nos últimos anos, norteado por reflexões em torno de três questões básicas: 1) como organizar um curso de química para alunos e alunas do nível médio que só terão aulas dessa disci- plina em um único ano?; 2) como incor- porar à minha prática em sala de aula contribuições oriundas da pesquisa em ensino de ciências?; e 3) é possível avançar na organização e no aprimora- mento do processo de ensino-aprendi- zagem, quando se leva em considera- ção as condições de trabalho dos pro- fessores e das professoras do ensino básico e o modelo prevalente de organi- zação do trabalho nas escolas? O presente artigo explicita algumas respostas, ainda muito tímidas, que te- nho procurado construir, no que diz respeito às duas primeiras questões, que sistematizei ao elaborar a mono- grafia apresentada junto ao referido curso de especialização (Gomes, 1997). Assim, o texto se constitui em um relato e em uma reflexão sobre o trabalho que desenvolvo junto a uma escola muni- cipal na qual tenho atuado, desde 1987, como professor de química. Trata-se de minha atuação no curso profissionali- zante ‘técnico em contabilidade’ manti- do pelo Instituto Municipal de Adminis- tração e Ciências Contábeis (IMACO), em Belo Horizonte (MG). Na primeira parte do artigo, procuro explicitar a realidade que vivencio e justificar a opção adotada na organiza- ção do curso introdutório de química para alunos e alunas do referido curso profissionalizante. Em seguida, apresen- to justificativas para a escolha do tema “Propriedades específicas dos mate- riais” como um dos eixos estruturadores desse ensino de química. Na parte fi- nal, tento apontar avanços e limitações do trabalho realizado. Embora se trate de um relato relacionado especificamente ao ensino de química em um curso técnico em contabilidade, considero que a presente reflexão tem amplas relações e implicações com o ensino-aprendizagem em química que de modo geral se pratica nas escolas, no ensino fundamental e médio, carentes de aprendizados dirigidos a uma formação significativa e crítica. A proposta de curso Das conversas informais que man- tenho com alunos e alunas da terceira série do nível médio, na escola (Colégio IMACO), verifico que muitos deles justificam a validade de freqüentarem as aulas de química como uma oportuni- dade de aprenderem assuntos que são cobrados no vestibular. Outros encaram a química como uma formalidade buro- crática, já que, na opinião desses, a disciplina em nada contribui para a for- mação prática do futuro técnico em contabilidade. Por outro lado, alguns ar- gumentam que cada disciplina estuda- da pode contribuir para a formação de um profissional ‘mais completo’, uma das exigências atuais do mercado de trabalho. Os alunos e alunas, como costuma acontecer nessa modalidade de ensino médio, só têm aulas de química no últi- mo ano do curso. São duas aulas se- manais de 50 minutos cada, o que tota- liza uma carga horária anual de 60 ho- ras. Além das disciplinas do ‘núcleo co- mum’, os estudantes dão conta da for- mação técnica específica ao curso. Diante do exposto, fui percebendo, em anos anteriores, à medida que de- senvolvia as atividades relacionadas às aulas de química, que se fazia neces- sário reorganizar o curso levando em Luiz Adolfo Kangussu Gomes A seção “Relatos de Sala de Aula” é um espaço em que professores de química socializam suas vivências pedagógicas e promovem a reflexão sobre as práticas, potencializando ações/mudanças dirigidas à melhoria do ensino. Neste número, o relato de um professor de química do nível médio traz reflexões acerca de uma questão essencial: para que e por que é importante estudar e saber química? Ao abordar esta questão, o professor alerta para a necessidade de adequação do ensino de química à realidade da escola. Propõe estratégias de organização curricular que contemplam a priorização de conteúdos e temas, dando atenção a abordagens que promovam aprendizagens significativas em química. programa de ensino de química, abordagem macroscópica de conteúdos, aprendizagem significativa de conceitos como um dos eixos estruturadores de um curso introdutório de química Materiais: Foco dos estudos em química Propriedades específicas dos materiais O tema

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RELATOS DE SALA DE AULA

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Propriedades Específicas dos Materiais N° 8, NOVEMBRO 1998

Atendendo a um dos requisitosdo processo de seleção parao ingresso no curso de espe-

cialização em ensino de ciências1,elaborei uma breve descrição da minhaprática pedagógica e uma justificativapara a minha intenção de freqüentar oreferido curso, na modalidade química.Naquela oportunidade expressei meuinteresse em explicitar e ampliar referen-ciais teórico-metodológicos que pudes-sem subsidiar e fundamentar meutrabalho em sala de aula. Com basenesse propósito, passei a desenvolvermeu trabalho como professor de quími-ca, nos últimos anos, norteado porreflexões em torno de três questõesbásicas: 1) como organizar um curso dequímica para alunos e alunas do nívelmédio que só terão aulas dessa disci-plina em um único ano?; 2) como incor-porar à minha prática em sala de aulacontribuições oriundas da pesquisa emensino de ciências?; e 3) é possívelavançar na organização e no aprimora-mento do processo de ensino-aprendi-zagem, quando se leva em considera-ção as condições de trabalho dos pro-fessores e das professoras do ensino

básico e o modelo prevalente de organi-zação do trabalho nas escolas?

O presente artigo explicita algumasrespostas, ainda muito tímidas, que te-nho procurado construir, no que dizrespeito às duas primeiras questões,que sistematizei ao elaborar a mono-grafia apresentada junto ao referidocurso de especialização (Gomes, 1997).Assim, o texto se constitui em um relatoe em uma reflexão sobre o trabalho quedesenvolvo junto a uma escola muni-cipal na qual tenho atuado, desde 1987,como professor de química. Trata-se deminha atuação no curso profissionali-zante ‘técnico em contabilidade’ manti-do pelo Instituto Municipal de Adminis-tração e Ciências Contábeis (IMACO),em Belo Horizonte (MG).

Na primeira parte do artigo, procuroexplicitar a realidade que vivencio ejustificar a opção adotada na organiza-ção do curso introdutório de químicapara alunos e alunas do referido cursoprofissionalizante. Em seguida, apresen-to justificativas para a escolha do tema“Propriedades específicas dos mate-riais” como um dos eixos estruturadoresdesse ensino de química. Na parte fi-

nal, tento apontar avanços e limitaçõesdo trabalho realizado. Embora se tratede um relato relacionadoespecificamente ao ensino de químicaem um curso técnico em contabilidade,considero que a presente reflexão temamplas relações e implicações com oensino-aprendizagem em química quede modo geral se pratica nas escolas,no ensino fundamental e médio,carentes de aprendizados dirigidos auma formação significativa e crítica.

A proposta de cursoDas conversas informais que man-

tenho com alunos e alunas da terceirasérie do nível médio, na escola (ColégioIMACO), verifico que muitos delesjustificam a validade de freqüentarem asaulas de química como uma oportuni-dade de aprenderem assuntos que sãocobrados no vestibular. Outros encarama química como uma formalidade buro-crática, já que, na opinião desses, adisciplina em nada contribui para a for-mação prática do futuro técnico emcontabilidade. Por outro lado, alguns ar-gumentam que cada disciplina estuda-da pode contribuir para a formação deum profissional ‘mais completo’, umadas exigências atuais do mercado detrabalho.

Os alunos e alunas, como costumaacontecer nessa modalidade de ensinomédio, só têm aulas de química no últi-mo ano do curso. São duas aulas se-manais de 50 minutos cada, o que tota-liza uma carga horária anual de 60 ho-ras. Além das disciplinas do ‘núcleo co-mum’, os estudantes dão conta da for-mação técnica específica ao curso.

Diante do exposto, fui percebendo,em anos anteriores, à medida que de-senvolvia as atividades relacionadas àsaulas de química, que se fazia neces-sário reorganizar o curso levando em

Luiz Adolfo Kangussu Gomes

A seção “Relatos de Sala de Aula” é um espaço em que professoresde química socializam suas vivências pedagógicas e promovem areflexão sobre as práticas, potencializando ações/mudançasdirigidas à melhoria do ensino.Neste número, o relato de um professor de química do nível médiotraz reflexões acerca de uma questão essencial: para que e por queé importante estudar e saber química? Ao abordar esta questão, oprofessor alerta para a necessidade de adequação do ensino dequímica à realidade da escola. Propõe estratégias de organizaçãocurricular que contemplam a priorização de conteúdos e temas,dando atenção a abordagens que promovam aprendizagenssignificativas em química.

programa de ensino de química, abordagem macroscópica de conteúdos,aprendizagem significativa de conceitos

como um dos eixos estruturadores de um curso introdutório de química

Materiais: Foco dos estudos em químicaPropriedades específicas dos materiaisO tema

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consideração principalmente três fato-res: a) a carga horária reduzida e o cará-ter ‘terminal’ do curso; b) a realidade dosalunos e alunas, em termos das diferen-tes visões que explicitam a respeito dopapel da química no currículo do cursoe também em função dos seus compro-missos cotidianos; e c) as críticas quevêm sendo feitas por pesquisadoresbrasileiros ao ensino de química, nas es-colas de ensino médio. Foi ficando cadavez mais evidente a ne-cessidade de discutirem sala de aula ques-tões como ‘por que es-tudar química?’, assimcomo de definir quetópicos do conteúdodeveriam ser prioriza-dos e de que forma otrabalho com os temasselecionados poderiaconferir significado aosmesmos, perante os estudantes.

Na busca de uma estrutura concei-tual que desse coerência ao curso,baseei-me em argumentos apresenta-dos por Mortimer (1995), segundo osquais os conceitos de materiais e trans-formações funcionam como estrutu-radores aos quais é possível remeterquase todos os conceitos químicosabordados no ensino médio e funda-mental. A esses dois conceitos, segun-do esse pesquisador (op. cit.), ligam-sediretamente os conceitos de substânciae reação química que, inter-relaciona-dos, podem funcionar como aglutina-dores lógicos para todos os demaisconceitos.

Por outro lado, ao reconhecer que oprocesso de (re)elaboração de concei-tos na sala de aula é bastante complexo,procurei estar atento às consideraçõesde diferentes autores sobre a importân-cia das idéias prévias dos alunos e alu-nas e sobre o papel da linguagem naelaboração conceitual2. Nesse sentido,ao organizar as atividades a seremdesenvolvidas, utilizei estratégias deensino que favorecessem a participaçãoativa dos estudantes no processo deconstrução de conceitos e de (re)signi-ficação dos temas trabalhados.

Com base nesse pressuposto, noano letivo de 1996 procurei estruturaratividades a serem desenvolvidas emtorno de dois temas centrais: “Proprie-

dades específicas dos materiais” e“Transformações químicas”. Para osdois temas, priorizei abordagens queprivilegiassem o nível macroscópico doconteúdo químico e que, na medida dopossível, resgatassem a inter-relaçãoexistente entre os conceitos químicos esituações relacionadas ao cotidiano dosalunos, como é o caso de temas ligadosao mundo tecnológico e a questõesambientais.

Minha referênciabásica foi o livro-textoIntrodução ao estudoda química: proprieda-de dos materiais, rea-ções químicas e teoriada matéria, elaboradosob a coordenação doprof. Eduardo F. Mor-timer (FaE-UFMG) eeditado conjuntamen-te pela Fundação de

Ensino de Contagem (FUNEC) e peloCentro de Ensino de Ciências e Mate-mática da FaE-UFMG (CECIMIG). Naescolha do referido livro-texto pesou ofato de eu ter participado do grupo deprofessores que discutiu e aplicou, emescala piloto, algumas das atividadesincluídas na primeira edição do livro.

Por outro lado, procurei complemen-tar algumas das atividades propostas noreferido livro com textos ou roteiros deatividades adaptados de outras fontesbibliográficas. Com o objetivo de atendera uma demanda concreta dosestudantes, organizei listas de exercícioscomplementares sobre os tópicos/te-mas abordados nas aulas. Além disso,utilizamos textos paradidáticos visandoassociar os conceitos trabalhados a ‘te-mas do cotidiano’, bem como apre-sentar novos conceitos e retomar adiscussão sobre o “por que ensinar quí-mica?” (para maiores detalhes, ver Go-mes, 1997).

Por que ‘gastar tempo’ com otema propriedadesespecíficas?

No curso que organizei, previ núme-ro relativamente elevado de aulas parao estudo das propriedades específicasdos materiais. Essa minha opção estáalicerçada no fato de que, a partir dacaracterização de um conjunto de pro-priedades dos materiais e de sua con-

ceituação é possível trabalhar, no nívelmacroscópico do conhecimento quími-co, várias informações básicas relacio-nadas ao programa de química para onível médio, como por exemplo:

• A possibilidade de caracterizar-mos um determinado material comosendo substância ou mistura, com baseno estudo de suas propriedades espe-cíficas.

• O fato de podermos reconhecere/ou diferenciar substâncias a partir daanálise suas propriedades.

• O fato de podermos, em muitoscasos, evidenciar macroscopicamentea ocorrência de transformações quími-cas num determinado sistema a partirda caracterização, em termos de umconjunto de propriedades, de seu esta-do inicial e final.

• A possibilidade de confirmar aocorrência de transformação químicanum determinado sistema a partir do es-tudo das propriedades das substânciasque o compõem.

• O fato de podermos escolher o(s)processo(s) mais adequado(s) de sepa-ração de componentes de uma mistura,com base no conhecimento das proprie-dades das substâncias que a com-põem.

A apresentação dessas informaçõesaos alunos e alunas iniciou-se na uni-dade 1 (“Uso de materiais x proprie-dades”), com a discussão de questõesque foram elaboradas com o objetivode levá-los a perceber a relação exis-tente entre o uso de diferentes materiaise suas propriedades específicas. Alémdisso, pretendi que os mesmos reco-nhecessem a presença da química naprodução da maior parte dos materiaisque utilizamos cotidianamente e quefossem capazes de citar exemplos depropriedades específicas dos materiais.Em seguida, propus na unidade 2 (“Osfenômenos de interesse da química”) aobservação orientada de alguns fenô-menos de dissolução e de formação deprecipitado, de modo a conceituar, combase em evidências macroscópicas, oque se entende por reação química. Nasunidades 3 (“Solubilidade”), 4 (“Tempe-ratura de fusão e temperatura de ebuli-ção: propriedades físicas?”) e 5 (“Densi-dade: propriedade geral ou especí-fica?”), voltei ao estudo aprofundado dealgumas propriedades físicas.

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Propriedades Específicas dos Materiais N° 8, NOVEMBRO 1998

Os conceitos demateriais e

transformaçõesfuncionam como

estruturadores aosquais é possível

remeter quase todosos conceitos químicosabordados no ensinomédio e fundamental

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Na unidade 6 (“Uso das proprieda-des físicas”) discuti o conceito desubstância, relacionando-o àqueles ma-teriais que apresentam valores cons-tantes para suas propriedades físicas eque podem ser caracterizados combase num conjunto de suas proprieda-des específicas, independentemente daamostra. Por outro lado, o conceito detransformação química foi retomadotendo como referência a diferença en-tre o conjunto de propriedades dassubstâncias reagentese dos produtos da rea-ção. Já na unidade 7(“Propriedades espe-cíficas e separação decomponentes de siste-mas heterogêneos emisturas homogêne-as”), procurei discutirjunto aos alunos e alu-nas, a partir de exem-plos do cotidiano, como o conhecimentodas propriedades específicas podeauxiliar no desdobramento de sistemasheterogêneos ou de misturas homogê-neas em misturas mais simples ou atémesmo nas substâncias que ascompõem.

Desse modo, a partir do estudo ediscussão das propriedades específicase da observação e discussão de algunsfenômenos, não só trabalhei concreta-mente com os alunos e alunas conceitosbásicos de química — como por exem-plo os conceitos de sistema, interaçãomaterial, transformação química, subs-tância e mistura —, mas também procu-rei ‘abrir portas’ para a discussão, naunidade 8 (“Álcool e gasolina: combus-tíveis do Brasil”), de temas relacionadosà aplicação prática de conhecimentosquímicos produzidos e sistematizadospelos químicos. Por outro lado, na uni-dade 9 (“Aprofundando o estudo sobreas transformações químicas”) trabalheiaspectos quantitativos relacionados àsreações químicas — no caso, as leis deLavoisier e de Proust — a partir da reali-zação e da discussão de experimentos.

Embora não fosse meu objetivo, du-rante o curso, em função do poucotempo disponível, construir explicaçõespara os fenômenos observados usandoargumentos relacionados ao nível mi-croscópico do conhecimento químico,em alguns momentos vali-me de ques-

tões colocadas pelos próprios alunos ealunas,3 com o intuito de chamar aatenção dos mesmos para o fato de queo estudo da química ia além do queestavam aprendendo. Procurei, em maisde um momento, indicar-lhes a neces-sidade e a validade da discussão demodelos e teorias utilizados pelosquímicos na explicação ou previsão docomportamento das substâncias e dosdiferentes sistemas. Foi a maneira queencontrei para lhes dizer que a química

evolui cada vez maiscomo ciência com aconstrução de mode-los que dêem conta deexplicar satisfatoria-mente os fenômenosobserváveis macros-copicamente e de pre-ver o novo a partir dojá conhecido.

Por outro lado,mesmo não tendo a preocupação decobrar em provas o uso das fórmulasdas substâncias e a representação dastransformações discutidas e/ou obser-vadas por meio de equações químicas,procurei apresentar-lhes aspectosbásicos da linguagem química, de mo-do que pudessem se familiarizar com ouso dessa linguagem específica.

Nesse ponto cabe perguntar se nãoestaria ‘gastando o tempo’ reduzido eprecioso na apresentação e discussãode uma série de conteúdos e conceitosde química que já são trabalhados noensino fundamental. No meu ponto devista, se o tratamento dado a esses con-teúdos químicos tivesse seguido orien-tação semelhante à que desenvolvi nasunidades de 1 a 7, realmente esse traba-lho inicial poderia ser dispensável. Nes-se caso, o curso de química no nívelmédio poderia ter continuidade, porexemplo, a partir da unidade 8, quandoutilizo o texto paradidático Álcool e ga-solina: combustíveis do Brasil (de autoriade Eduardo Roberto da Silva e RuthRumiko Haschimoto da Silva, editadopela Scipione). Entretanto, como issonão vem ocorrendo normalmente,acredito que não adiantaria iniciar o cur-so com abordagens que privilegiem osníveis microscópico e representacionaldo conhecimento químico, ignorando-se o fato de muitos alunos e alunas nãoterem apreendido significativamente

conceitos básicos abordados macros-copicamente.

Tentando identificar avançose limitações no trabalhodesenvolvido

Como avaliar o processo de ensinoou a aprendizagem dos alunos e alu-nas? Quem avalia? É possível avaliar oprocesso de ensino sem levar em contaas aprendizagens dos alunos e alunas?É possível avaliar a aprendizagem dosalunos e alunas dissociada do processode ensino vivenciado?

Nos últimos anos têm sido desenvol-vidos — em muitas escolas básicas euniversidades — discussões, trabalhosde pesquisa e experiências relaciona-das à avaliação da aprendizagem.Entretanto, são poucas as mudançasefetivamente implementadas nas práti-cas da avaliação no e do processo deensino-aprendizagem, principalmenteno caso das escolas do nível médio.

Sem ter a pretensão, neste momen-to, de aprofundar a discussão dessasquestões, reconheço a importância detentar identificar aspectos positivos e ne-gativos relacionados ao curso que orga-nizei e que procurei descrever resumi-damente no presente relato. Perceboque alguns avanços do trabalho podemser creditados à maneira como organizeie desenvolvi as atividades no (3ª série).Arrisco-me a citar alguns exemplos:

• Seguramente, as atividades docurso não se pautaram pela ênfase namemorização de definições, pela ausên-cia de experimentação, pela falta de in-ter-relação entre os conceitos trabalha-dos ou pela ausência de relação dostemas trabalhados com o cotidiano.

• Foram realizadas atividades comcaráter investigativo, nas quais a obser-vação e a discussão de fenômenos foiutilizada como uma das estratégias paraa negociação de idéias e conceitos en-tre os alunos e alunas e entre estes e oprofessor.

• Na maior parte do tempo, osalunos e alunas foram consideradossujeitos ativos no processo de ensino-aprendizagem.

• Tive a preocupação constante de‘explicitar a agenda’ do curso aosparticipantes, isto é, de informá-los arespeito dos objetivos das atividades aserem desenvolvidas, das estratégias

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Propriedades Específicas dos Materiais N° 8, NOVEMBRO 1998

São poucas asmudanças efetivamente

implementadas naspráticas da avaliação no

e do processo deensino-aprendizagem,principalmente no caso

das escolas do nívelmédio

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escolhidas em cada etapa do curso e dosmecanismos de avaliação adotados.

Entretanto, se por um lado consigoidentificar avanços no processo de ensi-no-aprendizagem, por outro reconheçoa necessidade de aprimorá-lo em váriosaspectos. Ao longo docurso o enfoque dostemas trabalhados nãoabrangeu a perspectivado diálogo entre as dis-ciplinas, não tendo sidodesenvolvidas aborda-gens ou atividades decaráter pluridisciplinar.Não foram propostasaos alunos e alunasatividades que fossemmais dirigidas à resolu-ção de problemas. Além disso, mesmojá tendo reconhecido a importância dedar voz aos estudantes ao longo doprocesso, em vários momentos per-cebia-me tolhendo a fala de uns, ressal-tando a intervenção de outros, ou atédificultando o pronunciamento de todosno espaço-tempo da sala de aula.

No que diz respeito ao aprimo-ramento dos mecanismos de avaliaçãodas aprendizagens dos alunos e alunase das relações que se estabelecem emsala de aula no plano interpessoal, longocaminho ainda terá de ser percorrido,na tentativa de cada vez mais levar emconta a ocorrência (ou não) de novasaprendizagens, não somente em rela-ção aos conteúdos conceituais e proce-dimentais, mas também no que dizrespeito aos conteúdos atitudinais, aodesenvolvimento de posturas, valores evisões de mundo, como conteúdos quefazem parte da formação escolar.

Além disso, questiono-me a respeitode outras questões, como por exemplo:mesmo não tendo a preocupação de‘cumprir o programa’, eu não estaria‘gastando tempo’ excessivo na apresen-tação e discussão de poucos tópicosdo conteúdo? Ou seria o contrário: onúmero de conceitos trabalhados éreduzido, considerando-se a carga ho-rária disponível e a realidade quevivencio?. Será que ministrei um cursointrodutório ‘de química’? E nesse casoserá que o fiz de maneira adequada?Trabalhei adequadamente os aspectosrelacionados ao nível microscópico doconhecimento químico, ou seja, às teo-

rias e modelos que orientam o trabalhodo químico moderno? Até que ponto asatividades desenvolvidas contribuírampara formar um cidadão mais crítico eparticipativo na vida em sociedade?

Em minha reflexão, considero quenão devo ficar excessi-vamente ansioso emobter respostas defini-tivas para as questõesque me surgem. Mi-nha intenção ao expli-citá-las é buscar inter-locutores junto a cole-gas que têm reconhe-cido, nas suas práticaspedagógicas, a im-portância de tentarconstruir respostas

para os velhos e novos problemas rela-cionados ao ensino-aprendizagem, naconstrução de propostas e de práticasque sejam mais reflexivas, interativas,críticas e conscientes, efetivamente ca-pazes de contribuir para a melhoria daformação escolar.

Luiz Adolfo K. Gomes, licenciado em química peloInstituto de Ciências Exatas da UFMG e especialistaem ensino de ciências pelo Centro de Ensino deCiências e Matemática da Faculdade de Educação daUFMG, é professor da rede municipal de educaçãode Belo Horizonte.

Notas1. Curso oferecido pelo Centro de

Ensino de Ciências e Matemática da

Faculdade de Educação da UFMG.2. Ver, p. ex., Machado e Moura

(1995), Mortimer e Carvalho (1996),Mortimer e Machado (1996), Schnetzlere Aragão (1995).

3. Exemplos de perguntas que osalunos e alunas fizeram: na unidade 2,“Como explicar o fato de o permanga-nato de potássio se dissolver na água,mesmo sem agitação?” ou “Como ex-plicar a liberação de gás ou a liberaçãode calor durante a interação do zincocom o ácido clorídrico?” ou “Por queocorre a formação do precipitado decor amarela durante a interação dassoluções aquosas incolores de iodetode potássio e nitrato de chumbo?”; naunidade 3, “Por que determinado sal émais solúvel em água do que outro quetem a mesma aparência e a mesmacor?” ou “Por que o álcool é solúvel emágua e o éter não?”; na unidade 4,“Como explicar o fato de o etanol e aágua apresentarem temperaturas deebulição diferentes” ou “Como explicaro fato de o ouro e a prata fundirem-sea temperaturas diferentes?”; na unida-de 5, “Por que a densidade do etanole da propanona é praticamente idênti-ca, mas diferente da densidade daágua, que também é um líquido inco-lor?”; na unidade 8, “Por que a gasolinae o álcool se misturam, mas a gasolinae a água, não?”

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Propriedades Específicas dos Materiais N° 8, NOVEMBRO 1998

Referências bibliográficasGOMES, Luiz Adolfo Kangussu.

Organização de um curso introdutóriode química com base nos temas “Pro-priedades específicas dos materiais”e “Transformações químicas”. BeloHorizonte: CECIMIG/FaE-UFMG,1997 (monografia; especialização emensino de ciências; 44p. + anexos).

MORTIMER, Eduardo Fleury. Oensino de química e ciências e a pro-blemática conceitual. Palestra deabertura do VII Encontro Centro-Oeste de Debates sobre Ensino deQuímica e Ciências (VII ECODEQC).Goiânia, Escola Técnica Federal deGoiás (mimeografado), 1995.

Para saber maisMACHADO, Andréa Horta,

MOURA, André Luis Alves. Concep-

ções sobre o papel da linguagem noprocesso de elaboração conceitualem química. Química Nova na Escola,n. 2, p. 27-30, 1995.

MORTIMER, Eduardo Fleury, CAR-VALHO, Ana Maria Pessoa de. Refe-renciais teóricos para análise do pro-cesso de ensino de ciências. Cader-nos de Pesquisa, n. 96, p. 5-14, 1996.

MORTIMER, Eduardo Fleury, MA-CHADO, Andréa Horta. As linguagensna sala de aula de química e ciências.Campo Grande: UFMS, Caderno deResumos e Anais do VIII ENEQ/VIIIECODEQC, p. 28-37, 1996.

SCHNETZLER, Roseli Pacheco,ARAGÃO, Rosália Maria Ribeiro.Importância, sentido e contribuiçõesde pesquisas para o ensino de quími-ca. Química Nova na Escola, n. 1, p.27-31, 1995.

Longo caminho aindaterá de ser percorrido,

na tentativa de cadavez mais levar em

conta a ocorrência (ounão) de novas

aprendizagens, nãosomente em relação

aos conteúdosconceituais e

procedimentais