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Volume 1, Número 3 ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017 Artigo MEDIAÇÃO DE CONFLITOS E JUSTIÇA RESTAURATIVA NA ESCOLA: UM PROJETO EM CONSTRUÇÃO Páginas 213 a 236 213 MEDIAÇÃO DE CONFLITOS E JUSTIÇA RESTAURATIVA NA ESCOLA: UM PROJETO EM CONSTRUÇÃO Joseane Batista de Azevedo 1 RESUMO - O presente artigo pretendeu abordar os pressupostos teórico-metodológicos da educação para/em direitos humanos e da justiça restaurativa no espaço escolar. Compreendendo que a humanização na resolução dos conflitos e a disseminação da cultura de paz correlaciona-se com a aplicabilidade do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, doravante PNEDH (BRASIL, 2007), assim como com a premissa da autocomposição e das práticas restaurativas na transformação dos conflitos escolares. A pesquisa ora evidenciada foi de natureza qualitativa, cujo instrumento de análise foi a revisão da literatura, partindo da reflexão sobre a aplicação da metodologia da mediação de conflitos na escola , assim como dos direcionamentos sobre a formação dos profissionais em educação sobre direitos humanos e cultura de paz em face do fenômeno dos diversos tipos de violência no cenário educacional brasileiro. Outrossim, a análise remontou a construção do projeto de mediação de conflitos e justiça restaurativa na escola, conjugando os novos paradigmas e os desafios, sendo este um caminho para a disseminação da cultura de paz na escola. Palavras-chave: Direitos humanos. Educação. Mediação.Justiça Restaurativa. RESUMEN - Este artículo tiene la intención abordar los supuestos teórico- metodológicos de la educación para/en los derechos humanos y justicia restaurativa en el espacio de la escuela. Entender que la humanización en la cultura de paz y resolución de conflictos se correlaciona con la aplicabilidad del Plan Nacional de Educación en Derechos Humanos, en adelante PNEDH (BRASIL, 2007), así como con la premisa de autocomposição y las prácticas restaurativas en el proceso de conflictos de la escuela. Ahora la investigación fue cualitativa en naturaleza que se manifiesta, cuyo instrumento 1 Doutoranda em Ciências da Educação. Mestra em Ciências Jurídicas pela UFPB. Especialista em Educação pela UEPB. Advogada. Professora. Mediadora judicial. Facilitadora de Justiça Restaurativa.Vice-presidente da Comissão de Mediação e Arbitragem da OAB-PB. Email: [email protected].

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MEDIAÇÃO DE CONFLITOS E JUSTIÇA RESTAURATIVA NA ESCOLA: UM PROJETO EM

CONSTRUÇÃO Páginas 213 a 236

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MEDIAÇÃO DE CONFLITOS E JUSTIÇA RESTAURATIVA NA ESCOLA:

UM PROJETO EM CONSTRUÇÃO

Joseane Batista de Azevedo1

RESUMO - O presente artigo pretendeu abordar os pressupostos teórico-metodológicos

da educação para/em direitos humanos e da justiça restaurativa no espaço escolar.

Compreendendo que a humanização na resolução dos conflitos e a disseminação da

cultura de paz correlaciona-se com a aplicabilidade do Plano Nacional de Educação em

Direitos Humanos, doravante PNEDH (BRASIL, 2007), assim como com a premissa da

autocomposição e das práticas restaurativas na transformação dos conflitos escolares. A

pesquisa ora evidenciada foi de natureza qualitativa, cujo instrumento de análise foi a

revisão da literatura, partindo da reflexão sobre a aplicação da metodologia da mediação

de conflitos na escola , assim como dos direcionamentos sobre a formação dos

profissionais em educação sobre direitos humanos e cultura de paz em face do fenômeno

dos diversos tipos de violência no cenário educacional brasileiro. Outrossim, a análise

remontou a construção do projeto de mediação de conflitos e justiça restaurativa na

escola, conjugando os novos paradigmas e os desafios, sendo este um caminho para a

disseminação da cultura de paz na escola.

Palavras-chave: Direitos humanos. Educação. Mediação.Justiça Restaurativa.

RESUMEN - Este artículo tiene la intención abordar los supuestos teórico-

metodológicos de la educación para/en los derechos humanos y justicia restaurativa en el

espacio de la escuela. Entender que la humanización en la cultura de paz y resolución de

conflictos se correlaciona con la aplicabilidad del Plan Nacional de Educación en

Derechos Humanos, en adelante PNEDH (BRASIL, 2007), así como con la premisa de

autocomposição y las prácticas restaurativas en el proceso de conflictos de la escuela.

Ahora la investigación fue cualitativa en naturaleza que se manifiesta, cuyo instrumento

1 Doutoranda em Ciências da Educação. Mestra em Ciências Jurídicas pela UFPB. Especialista

em Educação pela UEPB. Advogada. Professora. Mediadora judicial. Facilitadora de Justiça

Restaurativa.Vice-presidente da Comissão de Mediação e Arbitragem da OAB-PB. Email:

[email protected].

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de análisis fue la revisión de la literatura, de la reflexión sobre la aplicación de la

metodología de la de la mediación de conflictos en la escuela, así como las indicaciones

sobre la formación de profesionales en educación los derechos humanos y cultura de la

paz ante el fenómeno de los distintos tipos de violencia en la escena educativa brasileña.

Además, el análisis de la construcción del proyecto de mediación de conflitos volver a

montar a la justicia restaurativa en la escuela, combinando los nuevos paradigmas y

desafíos, siendo esta forma de difusión de la cultura de la paz en la escuela.

Palabras clave: Derechos de humanos. Educación. Mediación. Justicia restaurativa.

INTRODUÇÃO

O discurso da cultura de paz e da proteção dos direitos humanos é o aforismo

hodierno dos diversos setores sociais e institucionais. Em tempos de crise, necessita-se

humanizar os direitos humanos e as relações sociais, um pleonasmo inevitável.

O autoritarismo e a cultura de violência predomina também no espaço escolar,

haja vista que a conservação social legitima as desigualdades e a exclusão social. Sendo

assim, a função social da escola sintetiza-se na transmissão do capital cultural,

executando-a de forma osmótica e desvinculada da origem social dos seus educando

(Bourdieu, 1966).

Diante do fenômeno das violências2, dentre elas a violência simbólica no espaço

escolar, os educadores, os alunos, os pais, a esfera governamental sentem-se

desamparados com as diversas situações de conflitos interpessoais e comportamentais na

escola. Os atores escolares, ora são algozes, ora são vítimas e nesse ciclo de violências

olvidam-se dos processos eficazes de ensino e os procedimentos viáveis de verificação

da aprendizagem.

Nesse cenário, apresentam-se a mediação de conflitos e as práticas restaurativas

como proposta pedagógica, como também permitem que a escola possa repensar nas

intervenções pedagógicas imprescindíveis à transformação dos conflitos. Ademais, a

cultura de mediação entrelaça-se com a pacificação social e a justiça social.

Destaca-se que a adequação da mediação e da justiça restaurativa ao espaço

escolar deve partir dos pressupostos teórico-metodológicos da educação para/em direitos

2 Utiliza-se o termo violências, considerando que é um fenômeno multifacetado.

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humanos3. Essa abordagem, permite a criação de espaços pedagógicos de protagonismo

e a construção de saberes mediatórios para repensar na transformação dos conflitos, por

essa razão, a escola precisa inserir esses novos fundamentos e práticas no seu projeto

político-pedagógico e no regimento escolar.

A construção 4 do projeto de mediação de conflitos e de justiça restaurativa

apresentam-se como medidas de prevenção e enfrentamento das diversas formas de

violências no espaço escolar. Outrossim, a metodologia 5 de aplicação centra-se nos

processos circulares simbolicamente dispostos nos círculos, constituindo uma conexão

emocional com os participantes e estabelecendo uma relação horizontal, de modo que

todos se encontrem na mesma posição: lado a lado.

O objeto de estudo demonstrado foi interdisciplinar, satisfazendo um diálogo com

os temas transversais e com as diretrizes do Plano Nacional de Educação em Direitos

Humanos (BRASIL, 2007), a qual é uma política pública educacional, sendo

imprescindível abordar os condicionantes teórico-metodológicos da formação continuada

dos profissionais em educação sobre a temática, considerando que o saber docente é o

mecanismo para instrumentalizar o projeto de mediação de conflitos e justiça restaurativa

na escola.

Nesse diapasão, o objetivo do presente artigo foi de analisar no cenário

educacional, os paradigmas e desafios na implantação de um projeto de mediação de

conflitos e justiça restaurativa na escola. Para tanto, discorre-se sobre a importância

dessas metodologias e técnicas no enfrentamento ao fenômeno da violência escolar.

Primeiramente, tratou-se da mediação de conflitos como proposta participativa e

colaborativa, utilizada em consonância com as ações pedagógicas já abordadas na escola,

a exemplo do protagonismo estudantil, da educação socioemocional e de valores, dentre

outras. Além disso, é uma prática de educação para/em direitos humanos, pois “ esse

procedimento coloca os próprios atores para resolverem seus conflitos, desenvolvendo

suas habilidades de comunicação, socialização e cooperação.” ( RIOS, 2012, p.19).

3 O termo é utilizado de acordo com a proposta metodológica da educação popular, a educação

“para” direciona-se ao público-alvo, ao passo que a educação “em” trata-se da construção

pedagógica com os sujeitos envolvidos. 4 O termo é remetido no presente artigo, considerando que o projeto de justiça restaurativa e de

mediação de conflitos na escola deve ser construído com os sujeitos envolvidos, de acordo com

as demandas da escola. 5 No Brasil, aplicam-se duas metodologias dos processos circulares: os Círculos de Construção

de Paz e os Círculos Restaurativos.

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Conseguinte, elencou-se a educação para/em direitos humanos na formação dos

profissionais em educação, compreendendo a emergente necessidade de que o professor

potencialize o diálogo intercultural em sala de aula. Faz-se imprescindível que a

abordagem dos direitos da pessoa humana em sala de aula, não esteja só no plano teórico,

como também que seja recriado e refletivo no contexto da violência escolar. Para isso, a

formação continuada dos docentes possibilita agentes educativos capazes de manter a

cooperação e a responsabilização na formação de cidadãos conscientes, emancipatórios e

críticos, os quais possam denunciar as injustiças sociais e desenvolver valores e atitudes

para a cultura de paz. Nesse universo, a aposta é a construção do projeto de mediação de

conflitos e justiça restaurativa como política pública educacional, visando redesenhar o

modelo de relações construídas pela comunidade escolar, mudando a concepção sobre o

conflito, da forma de comunicação na escola, assim como de promover mudanças

paradigmáticas no enfrentamento as diversas formas de violência na escola.

Por fim, é preciso mudar as nossas lentes com relação aos conflitos vivenciados

na escola, com isso, implica primordialmente no resgate dos valores éticos e morais, do

diálogo, da alteridade, da compreensão, do senso de comunidade, da participação e da

responsabilização na tomada de decisões. Só assim, as práticas de mediação de conflitos

e de justiça restaurativa encontram na escola um terreno fértil, haja vista que favorece e

estimula o fortalecimento dos laços comunitários e descontrói a polarização negativa dos

conflitos, focando nos reais interesses das pessoas envolvidas e da comunidade escolar.

A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE MEDIAÇÃO DE CONFLITOS E

JUSTIÇA RESTAURATIVA NA ESCOLA: PARADIGMAS E DESAFIOS

No espaço escolar convive-se com os atos de incivilidade, de indisciplina, de

bullying e das diversas formas de violência. Dessa forma, aos profissionais de educação

compete-lhes a gestão dos conflitos na escola, ao invés das práticas de repressão ou de

negligência, cujos resultados aumentam o fenômeno da violência escolar.

O Relatório de Pesquisa “ Bullying Escolar no Brasil” publicado em

2010 pelo Instituto Plan, mostrou 70% dos estudantes afirmaram ter

presenciado cenas de agressões entre colegas no ano de 2009, e 30%

declaram ter vivenciado ao menos uma situação violenta na escola neste

período [...] Os resultados da investigação mostraram que os

procedimentos adotados pelas escolas são as tradicionais medidas de

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coação ao aluno: a suspensão (culpabilização do aluno) e a conversa

com pais (culpabilização da família), formas que não resolvem

efetivamente a problemática. ( VIDIGAL; VICENTIN, 2012, p.80-81)

Diante dos dados acima demonstrados, percebe-se a necessidade da reflexão sobre

a prática educativa, sobre os procedimentos operacionais e comunicativos adotados pela

escola e, precipuamente, sobre a própria função social da escola. Sendo assim, educar

para autonomia significa propiciar um ambiente escolar colaborativo, da mesma feita,

educar para a cidadania e para moralidade são premissas da formação integral do ser

humano, conforme elucidado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei

nº 9.394/1996)6.

Na escola, os comportamentos conflituosos que chegam à violência

estão relacionados às brigas, xingamentos, roubos, preconceitos,

racismo, assassinatos, indisciplinas, formação de gangues, depredação

da escola, homofobia, drogas, abuso sexual, rejeições, intrigas e críticas

negativas. Essas variedades de modos de manifestação da violência

surgem muitas vezes de conflitos latentes, como, competições ou

sentimentos de arrogância que não foram tratados. Muitos dos atos

severos de violência poderiam ser evitados antes de serem deflagrados,

ou seja, quando estavam no nível de um conflito emergente, como nos

casos de drogas, brigas, gangues e roubos. Essas condições de violência

exigem um trabalho preventivo no âmbito da escola antes de serem

tomadas as medidas punitivas. ( RIOS, 2007, p.82)

Outrossim, as medidas de admoestação na escola estão centradas na heteronomia7

e na aplicação de diversas sanções, disseminando o discurso da culpabilização dos alunos

e da família.

6 A Lei nº 9.394/1996 estabelece em seu art.1º a abrangência da educação desde os processos

formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas

instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas

manifestações culturais ( BRASIL, 1996) 7 A heteronomia, na concepção jurídica, é compreendida como a obrigatoriedade em face do

cumprimento da norma.

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As regras são formulações verbais precisas que determinam o que deve

ou não ser feito, definindo o como agir. Têm a finalidade de regular a

convivência entre as pessoas, propiciando o respeito por si mesmas e

pelo outro. A criança entra no mundo da moral por meio das regras [...]

que ao conviver no espaço escolar se depara com o desejo de usar uma

sandália na escola e a regra proíbe seu uso, haverá a chance de refletir

sobre o que é certo ou errado, junto ou injusto, podendo legitimar ou

não cada regra escolar que conhece. (RAMOS, WREGE, VINCENTIN,

2012, p.63)

Ao passo que a educação para a autonomia como aspecto medológico na mediação

de conflitos implica na participação do aluno no seu processo de aprendizagem, na

tomada de decisões na escola, na escolha dos componentes curriculares, ambos coerentes

com o seu proejto de vida. Todavia, a autonomia precisa vincular-se a liberdade e a

responsabilização do sujeito protagonista, pois ensinar exige a disponibilidade para o

diálogo ( FREIRE, 1996), categoria essencial à mediação de conflitos.

Nas minhas relações com os outros, que não fizeram necessariamente

as mesmas opções que fiz, no nível da política, da ética, da estética, da

pedagogia, nem posso partir de que devo “conquistá-los”, não importa

a que custo, nem tampouco temo que pretendam “conquistar-me”. É no

respeito às diferenças entre mim e eles ou elas, na coerência entre o que

faço e o que digo, que me encontro com eles ou com elas. É na minha

disponibilidade à realidade que construo a minha segurança,

indispensável à própria disponibilidade. É impossível viver a

disponibilidade à realidade sem segurança mas é impossível cambem

criar a segurança fora do risco da disponibilidade.( FREIRE, 1996,

p.50)

Nesse diapasão, a mediação de conflitos no espaço escolar é uma prática de

conquista do diálogo, da conquista do eu-outro e da disponibilidade, conforme elucidado

por Freire (1996). Assim, a escola ao adotar o modelo da mediação de conflitos, quebra

diversos paradigmas, haja vista que adota-se a cultura de valores e não a cultura das

normas.

Com isso, advém a necessidade de pensarmos na metodologia da mediação de

conflitos entre os alunos, entre alunos e professores e os demais agentes da comunidade

escolar, considerando que modelo retributivo e sancionador não mostrou sua eficácia:

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agressões físicas e verbais, apropriação indébita, bullying, ciberbullying, entre outras

formas de violência, ainda permeiam as relações interpessoais na escola (TOGNETTA;

VINHA, 2012)

Indubitavelmente, os profissionais da educação não receberam a formação

específica para gerir os conflitos no espaço escolar. O problema envolve não só a

violência na escola, mas precipuamente a violência da escola8. Com isso, necessita-se

refletir sobre as relações interpessoais estabelecidas na escola.

A tarefa de educar é da incumbência de múltiplos sujeitos: pais, outros familiares,

líderes, psicólogos, professores, amigos, entre outros, mas no que se refere à educação

formal, os profissionais da educação também possuem a incumbência de intervenção

pedagógica para a educação socioemocional.

O processo educativo não é neutro, pelo contrário possui intencionalidade

(FREIRE, 1996), porquanto, a convivência com os alunos agressivos e indisciplinados,

traz à tona os procedimentos comunicativos e atitudinais do espaço escolar. Só através do

diálogo e do protagonismo estudantil é que se pode propiciar um espaço para a mediação

de conflitos na escola, para tanto, os profissionais de educação precisam obter formações

específicas sobre neurociências, comportamento humano, educação socioemocional e

das técnicas de mediação e das práticas restaurativas.

Todavia, apresenta-se como impasse a manutenção do discurso simbólico sobre a

necessidade de erradicar as diversas formas de violência na escola, à medida em que tem-

se o debate no plano discursivo, sob o viés da intencionalidade “a intenção de erradicar a

violência”, olvida-se que, o fenômeno da violência precisa ser abordado pelos múltiplos

olhares e a escola possui a alternativa da intervenção pedagógica, no plano preventivo e

restaurativo.

Percebe-se que muitas medidas de prevenção e de erradicação são sazonais e

ilhadas, por isso, tem-se a necessidade de uma política pública educacional direcionada à

mediação de conflitos no espaço escolar, bem como a atuação de agentes intesetoriais e

interinstitucionais.

8 Essa abordagem é defendida Tognetta e Vinha ( 2012), pois a escola do século XXI forma os

seus alunos com a mesmas metodologias e procedimento dos anos 40 e 50. Em virtude disso,

homogeiniza os alunos, repassando as informação com o mesmo modus operandi,

desconsiderando a pluralidade e a diversidade. Sendo assim, abre-se espaço para a humilhação,

para o autoritatismo e para o desrespeito. A violência na escola é mascarada pelo discurso da

disciplina e da manutenção da ordem.

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Nesse sentido, aplicar a mediação escolar implica-se na adoação dos métodos

autocompositivos9 na resolução dos conflitos. Aborda-se a aplicação da mediação no

espaço escolar, tendo como fundamento jurídico, a Lei nº 13.140/2015 em seu art. 42 que

preconiza a “aplica-se esta Lei, no que couber, às outras formas consensuais de resolução

de conflitos, tais como mediações comunitárias e escolares”. Sendo assim, a mediação

escolar, compreendida como mediação entrajudicial, deverá seguir as técnicas e

procedimentos descritos na normatização da mediação.

A Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) inserida na

política nacional de incentivo e aperfeiçoamento dos métodos consensuais de solução de

litígios contempla as técnicas e regramento da mediação, compreendendo-a como

instrumento efetivo de pacificação social, solução e prevenção de litígios. ( BRASIL,

2010)

Com isso, tem-se a necessidade de compreender o conflito na perspectiva da

mediação:

Portanto, o conflito ou dissenso é fenômeno inerente às relações

humanas. É fruto de percepções e posições divergentes quanto a fatos e

condutas que envolvem expectativas, valores ou interesses comuns. O

conflito não é algo que deva ser encarado negativamente. É impossível

uma relação interpessoal plenamente consensual. Cada pessoa é dotada

de uma originalidade única, com experiências e circunstâncias

existenciais personalíssimas. Por mais afinidade e afeto que exista em

determinada relação interpessoal, algum dissenso, algum conflito,

estará presente. A consciência do conflito como fenômeno inerente à

condição humana é muito importante. Sem essa consciência tendemos

a demonizá-lo ou a fazer de conta que não existe. Quando

compreendemos a inevitalidade do conflito, somos capazes de

desenvolver soluções autocompositivas. (VASCONCELOS, 2008,

p.21)

Nesse diapasão, a compreensão do conflito como inerente ao espaço escolar, como

é também as relações humanas. Por isso, na autocomposição a responsabilização e o

9 Ocorre quando as partes envolvidas em um conflitos entram em consenso, pelo empoderamento

de cada uma. Assim, o papel do mediador é tão somente facilitar a comunicação entre as partes,

logo, na autocomposição há uma mudança de paradigma na resolução dos conflitos, pois a

responsabilidade é das partes envolvidas. (SALES, 2003)

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empoderamento na resolução do conflito é das partes envolvidas, ocorrendo a escuta, a

exposição dos argumentos, as expectativas de cada parte, a validação das emoções, dos

valores e dos interesses em comum. Esse modelo de transformação de conflitos é

construtivo e restaurativo, fortalecendo as relações interpessoais pré-existentes ao

procedimento da mediação.

A ideia central da mediação escolar é “ se é bom para mim, é bom para o outro”.

A essência é do ganha-ganha, da empatia, da solidariedade, da responsabilização e do

empoderamento dos sujeitos. Trata-se de um convite, proveniente da facilitação do

mediador, da utilização das técnicas, não tendo como objetivo apenas a busca pelo

consenso, mas sobretudo criar parâmetros para a comunicação e restabelcer laços

afetivos.

A mediação escolar foge da lógica linear do conflito, da polarização e da

vitimização. O mediador é alguém que vai facilitar o diálogo entre as partes envolvidas,

não há julgamentos e nem a busca da verdade. Não há um terceiro para decidir, mas

alguém que fala, escuta, dialoga e promove o empoderamento das partes.

É preciso antecipar e prevenir “ Tanto antes, como após o ato violento vir a

acontecer, a proposta da mediação atende como medida pacificadora.” ( RIOS, 2007,

p.83), por isso, a prática de mediação na escola pode ser utilizada de forma preventiva e

de transformação e restauração dos conflitos.

Quando o sujeito é ouvido, compreendido e são validadas as suas emoções na

situação fática tem-se o restabelecimento das relações interpessoais. Não se busca um

culpado, mas sim a responsabilização dos envolvidos.

Inegavelmente, a mediação desenvolve a autonomia, a necessidade do diálogo e o

protagonismo do educando. Não há a estigmatização e a exclusão, pelo contrário, muitas

vezes o aluno que era indisciplinado, torna-se um mediador eficaz. Com isso, é necessário

utilizar das seguintes técnicas: o envio da carta convite, quando uma das partes procura o

Centro de Mediação Escolar; a entrevista de pré-mediação; a participação na sessão de

mediação (declaração de abertura, escuta ativa das partes, audiência individual; técnica

do resumo e o termo positivo ou negativo); pós-mediação e o monitoramento ao

cumprimento do acordo10.

Porquanto, valoriza-se a dignidade da pessoa humana, a humanização das relações

interpessoais, trocando as lentes em face do conflito. O discurso autoritário e julgador,

tende a culpabilizar: ora o aluno, ora a escola, ora a família, entre outros. Essa polarização

10 As técnicas da mediação descritas estão balizadas no Manual de Mediação do CNJ.

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não trouxe a solução, com isso, a alternativa é a cultura de paz, a educação para/em

direitos humanos e a justiça restaurativa. O aforismo da transformação de conlitos é o

acesso a humanização que existe em cada um de nós.

A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS E AS PRÁTICAS DE JUSTIÇA

RESTAURATIVA COMO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Primeiramente, é necessário conceituar e contextualizar a justiça

restaurativa.Trata-se de um modelo de justiça que foca nas necessidades das partes

envolvidas e da comunidade, por meio de procedimentos colaborativos e cooperativos na

resolução dos conflitos. Visa-se corrigir os danos decorrentes do conflito e restabelecer o

equilíbrio, restaurando relações humanas.

Conforme Nunes ( 2011, p.46) leciona sobre justiça restaurativa:

As práticas restaurativas nas escolas refletem uma filosofia que abrange

um conjunto de comportamentos, procedimentos e práticas proativas

que buscam desenvolver as boas relações no espaço escolar. Essa

filosofia demanda uma forte integração escola-família-comunidade e

tem por objetivo a construção de relacionamentos eficientes nas

escolas. Servem, ademais, para restaurar as relações rompidas e (re)

conectar pessoas.

Já no modelo da justiça punitiva ou retributiva o foco é a punição, ao passo que

para a justiça restaurativa é a solução do problema, por meio da autocomposição e dos

procedimentos colaborativos e cooperativos, como é o caso da mediação de conflitos na

escola já tratado nesse trabalho.

A ideia de justiça restaurativa advém da cultura de paz e da busca do senso

de comunidade, possuindo sua gênese nas comunidades tradicionais, como é o caso dos

indígenas11.

11 “ Essa filosofia de trabalho é baseada na ‘Justiça Restaurativa’, cujas práticas são usadas no

mundo todo como meios alternativos para a resolução de conflitos de forma extrajudicial, com a

participação dos envolvidos e de membros da comunidade. O modelo de ‘ Justiça Restaurativa’,

que é incentivado pela Organização das Nações Unidas ( ONU), foi baseado e inspirado

originalmente na prática dos indígenas maoris, da Nova Zelândia, e de outros povos da Ásia e da

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Historicamente, a justiça restaurativa surgiu na Nova Zelândia e nos Estados

Unidos, na década de 70, quebrando paradigmas na abordagem do crime, saindo da

perspectiva da punibilização e buscando as causas e a reparação dos danos, com a

finalidade maior de restaurar os relacionamentos comunitários. Porquanto, visa-se reparar

o dano e a responsabilização do ofensor.

É considerado um processo colaborativo, pois abrange as partes e a comunidade

diretamente e indiretamente envolvida, buscando encontrar soluções para a ofensa e a

reparação de danos. A justiça restautativa denota que a punição não é a única resposta em

face da disciplina social.

A escola, como instituição social, responsável pela formação da pessoa humana,

possui o papel de autoridade, assim, diante da transgressão disciplinar tende sempre a

punir os alunos. Obviamente, a inserção das práticas restaurativas na escola, não significa

excluir as regras tradicionais de disciplina escolar, todavia, aquelas farão com que os

membros da comunidade escolar compreendam os princípios e valores na aplicação das

normas escolares ( NUNES, 2011).

Entretanto, a ideia da pedagogia restaurativa é que os próprios alunos e

professores construam coletivamente as regras escolares e montem um

‘regimento interno’, no qual serão ressaltados os comportamentos

inadequados. Quando o aluno ajuda a elaborar as regras às quais vai se

submeter, ele passa a entender os princípios e as bases que a justificam,

passando a respitá-las mais, ao contrário do que acontece com as regras

impostas. Busca-se partir da disciplina para a disciplina para a

autodisciplina. Portanto, o ideal é que as normas e regras escolares

nasçam sob as diretrizes e os princípios das práticas restaurativas. (

NUNES, 2011, p.47)

Essa pedagogia restaurativa é importante no contexto escola, considerando que as

crianças e adolescentes, que se encontram no processo de formação psicossocial, precisa

de um regime de disciplina escolar restaurativo. Contrariamente, a escola e seus agentes

América. Esses povos têm por hábito, para a solução dos conflitos interpessoais, fazer reuniões

para um amplo debate entre os envolvidos, destacando-se, principalmente, a discussão entre o

agressor e a vítima, através da qual se busca uma restauração da relação entre ambos. Essas

discussões muitas vezes contam com a presença e a ajuda de familiares, de amigos, de líderes

comunitários e religiosos.” ( NUNES, 2011, p.46)

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legitimam a punição, com um controle social rígido e com pouco apoio, ensejando em

uma disciplina social negligente; ou por outro lado, uma disciplina social permissiva.

Na perspectiva da justiça para o século XXI, o ato infracional e indisciplinar

possui como locus preferencial a justiça restaurativa, cujos princípios balizadores são os

da informalidade, da reparação do dano, da voluntariedade e da busca do consenso.

As práticas restaurativas são operacionalizadas pelos seguintes procedimentos: os

pré-circulos; círculos e o pós-círculos, ambos com enfoque na responsabilização,

construindo o consenso e a reparação do dano.

Na maioria das vezes, este é precedido de um pré-círculo, momento em

que os envolvidos são informados sobre o procedimento e depois de ter

o autor admitido sua responsabilidade, as partes são consultadas e

manifestam sua concordância. São então orientados a comparecer a um

novo encontro juntamente com seus apoios. O círculo propriamente é

conduzido por facilitadores treinados que dirigem os trabalhos e

garantem que todos falem e ouçam. Se for ocaso, também estarão

presentes representantes dos grupos de suporte para fortalecer a vítima

ou oferecer alternativas de encaminhamentos. Durante os debates,

procura-se fazer com que o infrator perceba como sua conduta afetou

outras pessoas e assuma responsabilidades, buscando formas de reparar

os danos causados. Ao mesmo tempo, são esclarecidas as causas do

conflito abrindo-se caminhos para que possam ser combatidas.

(CARAVELLAS, 2009, p.125)

O embasamento jurídico da justiça restaurativa encontra-se na Resolução nº

225/2016 do CNJ preconizando em seu art.1º como um conjunto ordenado e sistêmico de

princípios, métodos, técnicas e atividades próprias, objetivando à conscientização sobre

os fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência.

Ademais, a justiça restaurativa é um valor de educação para/em direitos humanos,

pois traz o reequilíbrio social e traz a ideia de justiça como processo transformativo,

ressignificando as relações sociais.

Metaforicamente, a justiça restaurativa é uma roda, focando nos danos e nas

necessidades, por meio de um processo cooperativo e inclusivo. Os círculos

restaurativos, as conferências familiares e os encontros presenciais são encontros

liderados por facilitadores que orientam os círculos, tendo como objetivo contar histórias,

geração de perguntas e expressar sentimentos. (ZEHR, 2014)

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Os círculos de construção de paz (CCP), fundamentado por Kranis (2010), faz

com que a justiça restaurativa nas escolas possa criar um ambiente colaborativo e

cooperativo, ajudando a tratar os conflitos escolares, no ato de contar histórias. No

círculo, os sujeitos humanizam-se e perpassa pela questão de resolver os problemas

relacionados ao conflito e as violências de forma não-punitiva.

A corresponsabilidade da família e da comunidade, no contexto da justiça

restaurativa, questiona o modelo de correção aplicado pela escola, dando o direito a

palavra o todos. Para tanto, ter-se-á uma justiça de conscientização e não a justiça do

medo, ademais, o foco não é só a resolução do conflito, é tão somente humanizar o ser

humano, pois o infrator não deve ser culpabilizado, mas sim restaurado.

Na aplicabilidade da justiça restaurativa na escola exige-se a formação dos

profissionais de educação na temática e na metodologia, tendo como finalidade a

aprendizagem dos processos restaurativos, como é o caso dos círculos restaurativos, dos

círculos de construção de paz e das sessões de mediação.

É imprescindível que as escolas apliquem os procedimentos restaurativos em face

dos atos indisciplinares, mas ressalta-se a importância do papel do professor, como

facilitador dos círculos e das sessões de mediação, coordenando as rodas de conversa; as

contações de história, o poder da palavra e o empoderamento dos alunos.

As técnicas utilizadas são as de mediação, da comunicação não-violenta e da

escuta ativa, bem como a horizontalidade das relações no círculo. Assim sendo, as fases

da implantação do projeto são as seguintes: a) sensibilização; b) preparação; c)

planejamento e d) execução. Considerando a mediação de conflitos como uma prática

restaurativa, destacam-se algumas considerações sobre a implantação do projeto de

mediação de conflitos e justiça restaurativa na escola.

Primeiramente, os casos a serem encaminhados na vivência da mediação e das

práticas restaurativas ocorre por meio da carta convite, seguindo o princípio da

voluntariedade, sendo de sugestão de uma das partes envolvidas para agendar a sessão de

mediação ou um círculo restaurativo. No caso, da mediação haverá a presença de um

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mediador12, de um co-mediador13 e das partes envolvidas, ao passo que nos círculos

participam as partes envolvidas, o facilitador, o cofacilitador, as pessoas envolvidas e a

comunidade, a qual sofreu os impactos do dano.

Ademais, os mediadores e facilitadores deverão passar por uma formação

específica, compreendendo a função do mediador e do facilitador; o código de ética; as

técnicas; os treinamentos; as simulações e os grupos de supervisão.

Depois da formação dos agentes escolares, faz-se necessário formatar um

organograma na escola para o direcionamento dos casos, da mesma feita, precisa-se a

organização do espaço, o qual deve ser uma sala, com mesa redonda, no caso da sessão

de mediação, de forma que todos estejam em forma de círculo.

Considerando que no ambiente escolar, apresenta-se como público-alvo as

crianças e adolescentes é importante que os pais ou responsáveis tomem conhecimento

da participação dos seus filhos, todavia, não há nenhum impedimento legal, pois se tratam

de questões comportamentais e disciplinares. Porém, nos casos de abuso ou de atos

infracionais precisa-se acionar os órgãos de defesa da criança e do adolescente, como os

conselhos tutelares, o ministério público, a vara da infância e da adolescência, entre

outros.

12 “ O mediador pode ser um profissional qualificado que foi convidado pela escola, ou uma

pessoa da escola com características próprias de um mediador, que foi capacitado para exercer tal

função. A função de mediador não exige formalidade, apenas preparação e características

pertinentes à função. Professores, alunos, coordenadores e agentes da comunidade podem ser

treinados para serem mediadores, ou apenas indicados. Quando indicado, devem ser orientados

quanto aos objetivos e princípios da prática. Deve-se priorizar o aluno para ser mediador no

ambiente escolar principalmente em conflitos relacionais.”( RIOS, 2007, p.86)

13 “ Em alguns modelos de mediação, além do mediador, pode compor a mesa o co-mediador.

Este tem a função de equilibrar forças, apoiar o mediador, caso seja necessário, e pontuar para o

mediador, algumas questões no sentido de ajuda-lo a organizar a condução do processo, mas deve-

se evitar direcionar para as partes diretamente. Ele será apresentado às partes, e o seu papel

também deve ser devidamente esclarecido a todos. É indicado que o co-mediador seja um aluno,

mesmo nos casos em que o mediador seja um professor ou coordenador. Essa função pode ser

utilizada para treinar novos mediadores. ( RIOS, 2007, p.87)

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Ressalta-se que todos os casos podem passar por um círculo ou por uma sessão de

mediação, contudo podem acontecer casos em que sejam necessários outras medidas de

autoridades ou especialistas. Outrossim, podemos elencar diversos benefícios do projeto

de mediação de conflitos e de justiça restaurativa na escola como a celebração; o diálogo;

a aprendizagem ativa; a construção de senso; o sendo de comunidade; a compreensão e a

tomada de decisão grupal.

Destarte, as escolas podem estruturar a implementação das suas práticas

restaurativas e formular estratégias de difusão da cultura de paz e da educação para/em

direitos humanos, por meio da realização de grupos de estudos com a participação dos

professores, alunos e demais agentes da comunidade escolar. Além disso, podem realizar

oficinas de capacitação com outras escolas e instituições parceiras, mobilizando e

dialogando com o seu público-alvo, assim como buscando o apoio institucional das

secretaria de educação e das instituições como o ministério público, os conselhos

tutelares, as varas da infância e da juventude, entre outros.

A FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS EM EDUCAÇÃO NA CONSTRUÇÃO

DO PROJETO DE MEDIAÇÃO DE CONFLITOS E JUSTIÇA

RESTAURATIVA

Convivemos, diuturnamente, com a cultura da violência: no trânsito, na família,

nas ruas, na prestação dos serviços públicos, a violência simbólica advinda da

desigualdade e da exclusão, enfim, a violência escolar. Assim, o desafio dos profissionais

da educação é a disseminação da cultura de paz, tendo como embasamento teórico-

metodológico a educação para/em direitos humanos, como alternativa para educação

formal.

Nesse artigo, adotamos o conceito de ‘sociedade em conflito”, abordada por

Gadotti (2003, p.74) “entendo aquela sociedade que conquistou o direito de falar, de dar

voz ao seu grito sufocado.” Nessa luta ideológica entre liberdade e opressão, fizemos

diversas concessões e dentre elas, a salvaguarda dos direitos humanos conquistados

historicamente.

Nesse contexto, a postura do professor é educar-se no universo de uma prática

pedagógica emancipadora, sendo imporante a educação para/em direitos humanos como

um instrumento de luta, quando abordada nas suas diversas dimensões. Por isso, não se

restringe ao currículo, mas sim aos procedimentos das práticas restaurativas e de

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mediação de conflitos na esfera das decisões e da responsabilização dos sujeitos

envolvidos.

Sendo assim, a construção da cultura de paz no espaço escolar deve ser vivenviada

no “chão da escola” e repercutir nas experiências interpessoais. Em virtude disso, é

imprescindível a formação dos profissionais docentes acerca da educação para/em

direitos humanos para o resgate de valores e princípios. Porquanto, a compreensão dessa

dimesnsão da cultura em direitos humanos, abrange o processo educativo “educação em

Direitos Humanos comporta processos socializadores de uma Cultura em Direitos

Humanos, que a disseminam nas relações e práticas sociais, no sentido de capacitar os

sujeitos (individuais e coletivos) para a defesa e a promoção desta cultura.” ( SILVEIRA,

2007, p.246).

Destaca-se que a educação para/em direitos humanos já subjaz aos documentos

orientadores, discursos e diretrizes pedagógicas, todavia, apresentam-se diversos desafios

na formação docente, entre os quais destacamos: a) a fundamentação dos direitos

humanos no campo educacional; b) as diretrizes curriculares, pedagógicas e

metodológicas do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, doravante

PNEDH, (BRASIL, 2007); c) a interculturalidade do saber; d) a adoção de estratégias de

integração dos diversos espaços público aproximando as práticas educativas para/em

direitos humanos.

No que se refere à fundamentação teórica-metodológica dos direitos humanos

dissemina-se a teoria do universalismo14, considerando utópica a consolidação defendida

por essa, a qual possa definir de forma igual e equânime os direitos da pessoa humana

para todos os povos e nações. ( SILVEIRA, 2007)

O problema de fundamentar os direitos humanos não é tão só no plano filosófico,

pois diuturnamente ainda há pessoas que clamam por dignidade e humanidade. Conforme

Bobbio (1992, p. 24) “O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje,

não é tanto de justificá-los, mas o de protegê-los”.

14 “ Mas, a formulação dos Direitos Humanos, emergente no século XX, se distingue das

elaborações anteriores por sistematizar uma perspectiva mais ampla dos direitos, para além das

experiências liberais e das lutas socialistas, corporificada nos seus princípios de universalidade,

integralidade, interdependência, indivibilidade e inviolabilidade. Essa universalidade se postula

para toda a espécie humana, expressando uma Cultura que transversalize as particularidades. A

marca e o marco de abrangência desta representação é a Declaração Universal dos Direitos

Humanos, de 1948.” ( SILVEIRA, 2007, p.250)

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A educação formal possui um papel relevante na propagação dos direitos

humanos, com a inserção das diretrizes do PNEDH na escola ( BRASIL, 2007).

Diante das novas exigências do mundo globalizado, o direito à educação

modificou-se ao longo do processo histórico. Precedentemente à promulgação da

Constituição de 1988, entendia-se que o gozo de tal prerrogativa materializava-se com o

acesso à escola, em razão disso, a democratização do ensino reduziu-se ao direito de

matricular-se em uma escola pública e gratuita, sem haver a preocupação com o direito

ao aprendizado efetivo e eficiente. Assim, a educação para/em direitos humanos foi

negligenciada pela escola, preocupando-se tão somente com o ensino tradicional, qual

seja a transmissão de conhecimentos, ao invés de proporcionar uma formação moral e

ética para o exercício da cidadania. Desse modo, questiona-se o papel da sociedade civil

organizada, das entidades públicas e privadas e do Poder Público na propagação e defesa

dos direitos humanos na escola, visto que as problemáticas que permeiam o espaço

escolar, como os baixos índices de aprendizagem, evasão escolar, reprovação, violência,

entre outros; poderiam ser minimizados por meio de políticas públicas educacionais e

ações pedagógicas com foco na educação para/em direitos humanos.

No tocante à inobservância das diretrizes PNEDH, olvidando-se de integrá-la

como componente curricular transversal no ensino médio e nos projetos escolares,

conforme dispõe o inciso II, art. 10 da Resolução nº 2 de 2012 do Conselho Nacional de

Educação.

As modalidades de intervenção nas políticas públicas educacionais exigem a

participação dos segmentos sociais, com o fim de efetivar o PNEDH, assim, é de extrema

relevância a atuação dos organismos internacionais; das instituições governamentais e das

organizações não-governamentais para o desenvolvimento de uma política educacional

equânime para todos.

É imperiosa a formação docente acerca a educação para/em direitos humanos para

além da normatização e do currículo, mas sim a partir das vivência práticas interculturais

visando descolonizar o conhecimento e da educação emancipatória de formação cidadã

(FREIRE, 1992).

O docente, como facilitador da cultura de direitos humanos, deve possibilitar

diversas experiências de proteção aos direitos humanos, aduzindo a superação do discurso

homogeneizador e colonizador, possibilitando uma alternativa contra-hegemônica no

espaço escolar ( SANTOS, 2007).

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Há dois problemas teóricos muito importantes: o do silêncio e o da

diferença. O silêncio é o resultado do silenciamento: a cultura ocidental

e a modernidade têm uma ampla experiência histórica de contato com

outras culturas, um contato de desprezo, e por isso silenciaram muitas

dessas culturas, algumas das quais destruíram [...] A diferença é outro

desafio muito importante, porque a tradução tem alguns problemas –

além da reciprocidade – como, por exemplo, a ideia da

incomensuralidade. No diálogo intercultural, temos de produzir uma

luta contra duas frentes. ( SANTOS, 2007, p.55)

Nesse diapasão, a educação para/em direitos humanos deve partir da premissa do

interculturalismo 15 , do conhecimento-emancipação, propiciando o diálogo entre

diferentes culturas. Como se observa, a formação docente prevê a necessidade de repensar

o projeto político pedagógico da escola, as metodologias e as práticas educativas, de

forma transdisciplinar e interdisciplinar, balizando-se pela diversidade e pluralidade

cultural e na criação de espaços de diálogo na escola, pois “ trabalha permanentemente a

sensibilização e a conscientização da realidade. Procura ir progressivamente ampliando o

olhar sobre a vida cotidiana e ir ajudando a descobrir os determinantes estruturais da

realidade.” (CANDAU et al., 2003, p. 115)

A educação compreendida como bem público, porquanto, é dever do Estado,

torna-se imprescindível ao exercício dos outros direitos humanos, haja vista que

possibilita a formação para a cidadania. Porquanto, no espaço escolar viabiliza-se a

consolidação da cultura para/ em direitos humanos e das práticas de justiça restaurativa e

mediação de conflitos na escola.

Com isso, a formação de educadores precisa articular processos formativos de um

exercício constante de prevenção, promoção e reparação dos direitos humanos. Não se

pretende que os docentes limitem-se ao plano discursivo, mas sim, que possam utilizar

técnicas e saberes de alteridade, empatia, valores, escuta empática e da humanização das

relações interpessoais na escola.

Ressalta-se que essa postura, implica em romper com os paradigmas, pois a

educação para/em direitos humanos há diversos fundamentos, concepções e buscas.

Dentre esses paradigmas, necessita-se superar o discurso do senso comum sobre direitos

humanos, não apenas enfatizando os marcos institucionais e jurídicos da positivação dos

15 Santos (2013, p.38) define a interculturalidade como a “pluralidade cultural equitativa, por meio

do reconheciemento recíproco e o enriquecimento mútuo entre as diversas culturas.”

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direitos humanos, assim como de garantir a formação de sujeitos de direito capazes de

articular a dimensão ética dos direitos humanos, com as práticas político-social na

contínua dialética da (re) construção desses direitos.O professor, como formador de

opinião, não possui uma posição neutra, mas sim intencional ( FREIRE, 1992). Um

professor reflexixo, expondo o comprometimento político-social, aduz na formação

continuada no seguinte tripé: ação-reflexão-ação sobre a prática docente.

Mas, por outro lado, os programas de formação docente acerca da educação

para/em direitos humanos desloca-se do cotidiano da escola, desmerecendo a temática.

Por conseguinte, precisa-se romper com a visão isolada e efetivar o diálogo entre a

formação e prática docente com os desafios do cotidiano escolar.

No tocante às práticas educativas pode-se incluir atividades culturais e literárias,

filmes, pinturas, esculturas e peças teatrais, recital de música e apresentação de dança, a

exemplo. Essas atividades devem integrar as vivências individuais e coletivas da

comunidade escolar.

Diante disso, a formação de professores acerca da educação para/com direitos

humanos precisa partir da dialética entre teoria e prática, bem como das metodologias

participativas e da intertransdisciplinaridade. Só assim poder-se-ia resgatar os valores

essenciais ao convívio pacífico e o bem-estar da comunidade escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Indubitavelmente, o estudo em pauta demonstrou que ao dar visibilidade a

violência escolar é também mostrar a vergonha, o medo, a ansiedade, as ações de

agressão, entre outras que permeiam o espaço escolar: meninos e meninas na infância e

na adolescência, criam os monstros emocionais que irão acompanhar-lhes ao longo da

vida. Além disso, a violência entre alunos e alunos, entre professores e alunos,

comunidade e escola é diuturna e perene. Esse ciclo é sempre crescente e tira o

brilhantismo da grande arte produzida pela escola: a aprendizagem.

A escola não pode ser negligente face ao conflito, prescindindo das práticas

pedagógicas que estimulem as ações de transformação dos conflitos, haja vista que “

Levando em conta que o conflito é inerente à condição humana e que a violência é

inevitável, as intervenções precisam transformar as atitudes de conflito que levam a

situações de violência.” ( RIOS, 2007, p.82).

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Diante do exposto, as situações de violência escolar precisam de intervenções e

estratégias adequadas para que a escola torne-se um espaço propício para o processo de

ensino e aprendizagem. Para tanto, necessita-se promover mudanças nos processos

internos da escola para superar essa problemática, por meio da mediação de conflitos e

das práticas restaurativas.

No estudo realizado, identificou-se que a contrução de um projeto de mediação de

conflitos e de justiça restaurativa na escola deve ser relacionado com a educação para/em

direitos humanos, como um garantia do cidadão, considerando que a transformação dos

conflitos estimula a reflexão e a responsabilização dos atores escolares, não de uma forma

punitiva e repressora, mas sim restaurativa e empoderada.

O objetivo proposto nesse estudo foi evidenciado, ao perceber que mediação é

uma intervenção que prescinde de uma metodologia clara e objetiva e não de práticas

intuitivas. Dessa feita, a importância da mediação não reside apenas na aprendizagem e

aplicação das técnicas, todavia, deve ser percebida no seu contexto mais amplo da

educação para/em direitos humanos.

O interesse desse estudo foi de analisar o projeto de mediação de conflitos na

escola e justiça restaurativa, adequando as referidas metodologias a transformação dos

conflitos na escola. Em virtude disso, precisa-se refletir na necessidade da formação

continuada dos professores, precipuamente, acerca da educação para/em direitos

humanos para instrumentalizar uma formação eficaz sobre as técnicas de mediação

escolar e de justiça restaurativa. Sendo assim, a construção desse projeto deve ser

para/com os professores, de acordo com as reais demandas desses profissionais, os

grandes mediadores do processo de ensino e aprendizagem.

É interessante frisar que o incentivo ao diálogo e ao protagonismo estudantil,

presente nesse projeto, também contesta o autoritarismo presente na escola, pois uma

comunidade empoderada e protagonista, precisa fazer parte da tomada de decisões e

consequentemente formará espaços democráticos e assembleias participativas no espaço

escolar.

Ademais, para a sua aplicabilidade, esse modelo pedagógico deve ser explicitado

no projeto político pedagógico, na perpectiva da educação para a vida, para a convivência

pacífica e da educação para/em direitos humanos. Com relação ao regimento interno, já

que este documento estabelece o procedimento disciplinar da escola, poderá ser inserido

a proposta da autocomposição na resolução dos conflitos escolares.

Porquanto, a escola deve ser um espaço dialógico, onde promova a convivência

pacífica e o respeito a diferença e a pluralidade cultural, balizados nos direitos da pessoa

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humana, formando o aluno-cidadão como agente de transformação, um sujeito

emancipatório e autônomo, comprometido com a participação cidadã local e global.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, André Gomma (org.) Manual de Mediação Judicial. Brasília/DF:

Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2009.

BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos. 18. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BOURDIEU, Pierre. “A escola conservadora: As desigualdades frente à escola e à

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Volume 1, Número 3

ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017

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