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MEMÓRIAS DE INFÂNCIA E EDUCAÇÃO JAPONESA: CIVILIZAÇÃO DE IMIGRANTES JAPONESES JOICE CAMILA DOS SANTOS KOCHI MÍRIA IZABEL CAMPOS Introdução O interesse em pesquisar uma escola étnica, especificamente japonesa, surgiu da trajetória pessoal da pesquisadora Joice Kochi, a qual tem uma significativa vivência com japoneses, pois viveu desde a infância até o começo de sua vida adulta no país do oriente. E a partir dessa experiência e interesse pessoal, desde 2012 vem investigando a história dos imigrantes japoneses em Dourados/MS. Somado ao interesse pessoal, importante salientar a relevância social e científica do estudo proposto. É sabido que o Brasil recebeu o maior contingente de imigrantes japoneses no mundo. Em se tratando de Mato Grosso do Sul, o estado hoje concentra a terceira maior comunidade japonesa no país. Especificamente na região da Grande Dourados, registra-se a grande importância da presença desse povo, porém ao fazer um levantamento bibliográfico da área, foi constatada uma grande carência de estudos acadêmicos sobre imigrantes japoneses no estado e no município. Como esclarecem Matsumoto e Bueno (2011: 2), “no âmbito acadêmico, devemos ressaltar que, existem poucas pesquisas relacionadas a este povo no Estado de Mato Grosso do Sul [...]”. Assim, buscamos a importância de ‘descobrir’ as características de um grupo que se constituiu no município de Dourados/MS. Nesse sentido, o nosso objetivo com o estudo foi compreender a normatização do comportamento das crianças no âmbito familiar de imigrantes japoneses, buscando nas memórias daqueles que viveram a infância na terra do sol nascente, fragmentos acerca da educação recebida e diferenciada, com a perspectiva de encontrar diferenças no processo, considerando as características culturais de cada grupo e suas influências na educação das crianças. UFGD, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu), apoio CAPES. UFGD, Professora Assistente da Universidade Federal da Grande Dourados, Doutoranda do PPGEdu e coorientadora da aluna no Mestrado/UFGD.

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MEMÓRIAS DE INFÂNCIA E EDUCAÇÃO JAPONESA: CIVILIZAÇÃO DE

IMIGRANTES JAPONESES

JOICE CAMILA DOS SANTOS KOCHI

MÍRIA IZABEL CAMPOS

Introdução

O interesse em pesquisar uma escola étnica, especificamente japonesa, surgiu da

trajetória pessoal da pesquisadora Joice Kochi, a qual tem uma significativa vivência com

japoneses, pois viveu desde a infância até o começo de sua vida adulta no país do oriente.

E a partir dessa experiência e interesse pessoal, desde 2012 vem investigando a história

dos imigrantes japoneses em Dourados/MS.

Somado ao interesse pessoal, importante salientar a relevância social e científica

do estudo proposto. É sabido que o Brasil recebeu o maior contingente de imigrantes

japoneses no mundo. Em se tratando de Mato Grosso do Sul, o estado hoje concentra a

terceira maior comunidade japonesa no país. Especificamente na região da Grande

Dourados, registra-se a grande importância da presença desse povo, porém ao fazer um

levantamento bibliográfico da área, foi constatada uma grande carência de estudos

acadêmicos sobre imigrantes japoneses no estado e no município.

Como esclarecem Matsumoto e Bueno (2011: 2), “no âmbito acadêmico, devemos

ressaltar que, existem poucas pesquisas relacionadas a este povo no Estado de Mato

Grosso do Sul [...]”. Assim, buscamos a importância de ‘descobrir’ as características de

um grupo que se constituiu no município de Dourados/MS.

Nesse sentido, o nosso objetivo com o estudo foi compreender a normatização do comportamento

das crianças no âmbito familiar de imigrantes japoneses, buscando nas memórias daqueles que viveram a

infância na terra do sol nascente, fragmentos acerca da educação recebida e diferenciada, com a perspectiva

de encontrar diferenças no processo, considerando as características culturais de cada grupo e suas

influências na educação das crianças.

UFGD, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu), apoio CAPES. UFGD, Professora Assistente da Universidade Federal da Grande Dourados, Doutoranda do PPGEdu e

coorientadora da aluna no Mestrado/UFGD.

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A metodologia consistiu de estudos bibliográficos sobre imigração japonesa no país, no estado de

Mato Grosso do Sul e especificamente na região do município de Dourados. Foram realizadas entrevistas

a partir da História Oral, por meio de gravação de voz, com roteiro semiestruturado. As memórias dos

idosos que viveram naquele país nas décadas de 1930 a 1940 foram fontes imprescindíveis para o nosso

trabalho. Buscamos a partir dessas fontes orais, compreender como apreenderam os hábitos, costumes e

comportamentos esperados na família, as normas consideradas ‘corretas’.

O lugar de onde falamos: do Japão ao Brasil

O Japão, que se situa ‘do outro lado do mundo’, é composto por arquipélago de

quatro grandes ilhas: Hokkaido, Honshu, Shikoku e Kyushu. Com uma extensão

superficial de 372.487 km², pouco maior que o estado de São Paulo, sua geografia é

inóspita, o país tem apenas 25% de seu território com regiões planas e todo o restante é

ocupado por montanhas. Mesmo com esse pequeno espaço, há cidades movimentadas

como Tóquio, Osaka e Kyoto, com a rica cultura para apreciar como teatro kabuki,

concerto sinfônico ao estilo ocidental, dança gagaku, shamishen (KISHIMOTO, 2009).

É um país de forte traço cultural, o qual valoriza a cooperação, respeito pelo grupo

e, ainda, a consciência de grupo é bastante forte e praticada, refletindo assim na educação

das crianças, com grande maior valor ao trabalho coletivo, grupal, até mesmo definindo

a estrutura das instituições que recebem os pequenos (KISHIMOTO, 1997). Com essa

cultura própria, “[...] os imigrantes japoneses sempre tiveram a sua identidade marcada

por suas diferenças com a sociedade brasileira” (SAKURAI, 1998:2), pois o grupo e a

sociedade receptora eram distintos, havia não só a distância geográfica, como também

cultural.

O ano de 1868 é a data do marco histórico do Japão chamado Restauração Meiji,

pois após 250 anos do shogunato Tokugawa1 e fechamento do país a qualquer contato

com exterior, acontece a retomada de poder político do imperador, trazendo grandes

mudanças na sociedade, como também na história posterior do país. Esse processo está

1 O termo significa Sociedade Feudal, onde o poder é pulverizado nos diversos senhores de terras.

Controlada a partir de 1608 pelo Ieyasu Tokugawa, a estrutura do poder consiste na lealdade de diversos

senhores das terras e a sociedade é moldada sobre uma base de castas, com princípios de lealdade, do dever,

dos cerimoniais etc. A linhagem imperial continuou a existir, porém sem nenhum poder político de decisão

no país, o seu poder é passado para o shogun, o detentor da maior área de terras cultiváveis e a mais alta

posição da estrutura social da época (SAKURAI, 2014).

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intimamente ligado às mudanças geopolíticas, sociais e econômicas dos países ocidentais,

as quais ocorriam em função da necessidade da expansão capitalista em meados do século

XIX (SAKURAI, 2000).

Em rumo à modernização do país, após o Tratado de Amizade, Comércio e

Navegação entre ambos os países em 1895 (Brasil-Japão), a imigração japonesa

concretiza-se no Brasil em 1908, com os primeiros 781 imigrantes que chegaram ao porto

de Santos no navio Kasato Maru. Posteriormente, cerca de 234.000 imigrantes vieram

para o país, se fixando primordialmente nos estados de São Paulo e Paraná. Após a

primeira chegada o fluxo imigratório veio aumentando e até a década de 1990 o número

chegou a cerca de 1.200.000 japoneses e descendentes (SAKURAI, 1998).

A imigração japonesa no antigo sul do estado de Mato Grosso se dá de forma

secundária, pois o destino primordial foram os cafezais do interior do estado de São Paulo.

A vinda dos imigrantes/migrantes2 para o Estado iniciou-se, ainda, na primeira década do

século XX, e a sua história conforme Inagaki (2008:32) “[...] está ligada a construção da

Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que ligava Bauru a Porto Esperança, no antigo Mato

Grosso, próximo a Corumbá”. No ano de 1909, esses imigrantes, ao serem atraídos pela

remuneração mais recompensadora da construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil

(NOB)3 do que nas fazendas cafeeiras, resolvem encaminhar-se para a região centro-oeste

do país (KUBOTA, 2008).

A partir da década de 1940, principalmente na era Vargas, houve o movimento de

expansionismo no Brasil, quando o governo acreditava que o desenvolvimento da nação

se daria, se acabasse com regionalismo das fronteiras. Então, houve um grande controle

estratégico dessa área fronteiriça. Tal movimento objetivava a ocupação dos espaços

vazios e, portanto, aconteceu um grande movimento de implantação de Colônias

2 Conforme Inagaki (2008), podemos especificar que, imigrante é o japonês que veio para região de

Dourados diretamente do Japão. E migrante é o japonês que primeiramente se deslocou do Japão para outras

regiões do Brasil e, posteriormente, migrou e se fixou na região de Dourados. 3 A Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB) construída às margens do rio Paraguai passando por Campo

Grande, no antigo Mato Grosso, foi uma ferrovia destinada a ligar Bauru (SP) a Porto Esperança (próximo

a Corumbá). O início da sua construção em 1909 marcou, também, a chegada dos primeiros japoneses ao

antigo estado de Mato Grosso. O trabalho de construção atraiu muitos imigrantes que vieram no navio

pioneiro, Kasato Maru em 1908, os quais não tendo se adaptado ao trabalho das fazendas cafeeiras paulistas,

perceberam como oportunidade as propostas para trabalharem na construção (INAGAKI, 2008).

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Agrícolas Nacionais, para que os homens se fixarem no campo através das pequenas

propriedades. Os espaços vazios do sul de Mato Grosso foram ocupados, nesse sentido,

pelo governo do estado, que estabeleceu um projeto de colonização em parceria com as

empresas colonizadoras, colocando à disposição as terras da região (INAGAKI, 2008).

Desse modo, a região da Grande Dourados, fez parte da rota de

imigração/migração japonesa de forma significativa e, segundo Inagaki (2008), essa

região, desde 1927, já era conhecida por possuir bons ares e terra fértil, possibilitando

uma grande perspectiva de fixação de imigrantes. A partir de 1940 foi escolhida como

destino para um número significativo de migrantes nikkeis4 e imigrantes japoneses.

Neste contexto, Brasil e Japão, dois países com culturas distintas, mas com uma

forte ligação histórica foi uma possiblidade que nos permitiu investigar a infância

japonesa considerando na reflexão as memórias destes imigrantes. Assim, pesquisamos

aspectos como a socialização das crianças na família; as relações entre adultos e crianças;

os papéis atribuídos aos grupos; os deveres; as relações de poder; características presentes

nas famílias de formação em uma cultura oriental.

Nessa perspectiva, nossa reflexão procurou caminhar por quais aspectos poderiam

ser diferentes nas concepções acerca da educação da criança. E, portanto, terminadas

essas incursões na história do movimento Japão-Brasil, apresentamos a seguir as questões

metodológicas utilizadas, considerando os relatos e os materiais da pesquisa.

Memórias e histórias: aspectos metodológicos

A busca, ampliação e aprofundamento de estudos bibliográficos em obras

relacionadas à temática proposta foram de suma importância para a efetivação da

pesquisa. Como destaca Luna (2006:35), “o referencial teórico de um pesquisador é um

filtro pelo qual ele enxerga a realidade”. Foram realizados leituras e estudos em autores

que tratam de temáticas como, imigração/migração japonesa, educação e civilização,

4 Nikkeis é um termo usado para se referir aos imigrantes japoneses. De acordo com Inagaki (2008), temos

uma diferenciação para os termos: japonês e nikkey. “Antes da II Guerra, ele era japonês e pretendia

retornar ao Japão, e seu filho era um japonês nascido no Brasil. Com a derrota sofrida na Guerra e a perda

da possibilidade de seu retorno, há mudança de perspectiva: o Japão passa a ser a “Terra dos Antepassados”,

e o Brasil a “Terra do Futuro”, a terra de seus filhos nisseis (segunda geração); e a partir daí tornam-se

nkkeis: japoneses do Brasil, e seus filhos, brasileiros, e não mais japoneses nascidos no Brasil” (INAGAKI,

2008:12).

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infância e criança, memórias, história oral, cultura e cultura japonesa, dentre os quais

podemos citar Elias (2011); Inagaki (2008); Kubota (2008); Sakurai (1998, 2000, 2014);

Kishimoto (1997, 2009); Meihy (1996); Freitas (2006).

Em um segundo momento, realizamos a busca pelos entrevistados, considerando

que queríamos somente imigrantes japoneses, moradores da cidade de Dourados/MS, os

quais tivessem vivido sua infância no Japão, ou seja, pessoas da primeira geração de

imigrantes, que tinham nascido e vivido sua infância no Japão, antes de imigrar para o

Brasil. Seriam pessoas nas idades entre 60 e 80 anos, pois o interesse era ouvir as

memórias de sua educação na família, vivenciada naquele país.

A metodologia utilizada na pesquisa foi a Historia Oral, considerada uma

importante fonte para recolhimento dos dados empíricos, a qual juntamente com o

referencial bibliográfico, permitiu a construção da pesquisa. Conforme aponta Alberti

(2013:31) esta metodologia “[...] decorre de toda uma postura com relação à história e às

configurações socioculturais, que privilegia a recuperação do vivido conforme concebido

por quem viveu”.

Nesse contexto, tal metodologia é capaz de abrigar as histórias e memórias de

grupos pequenos, dando “[...] sentido social às experiências vividas sob diferentes

circunstâncias” (MEIHY, 1996:10). Ainda como o mesmo autor, tal perspectiva:

[...] implica uma percepção do passado como algo que tem continuidade hoje

e cujo processo histórico não está acabado. [...] garante sentido social à vida

de depoentes e leitores que passam a entender a sequência histórica e a

sentirem-se parte do contexto em que vivem (MEIHY, 1996:10).

Como já apontado anteriormente, nosso interesse era buscar nas memórias dos

imigrantes japoneses, aqueles que viveram a sua infância na terra do sol nascente,

fragmentos de memória da educação recebida. Uma educação diferenciada,

provavelmente, como pontua Sakurai (1998:3), pois “[...] os imigrantes japoneses sempre

tiveram a sua identidade marcada por suas diferenças com a sociedade brasileira”. Assim,

nossa perspectiva era de encontrar muitas diferenças no processo, considerando as

características culturais de cada grupo e suas influências na educação das crianças, como

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também as influências da educação do adulto no processo educacional das crianças do

país oriental.

Ao seguir a pesquisa com a metodologia da História Oral na modalidade temática,

que conforme Freitas (2006: 21), é um dos gêneros possíveis dessa metodologia, pois

“[...] a entrevista tem caráter temático e é utilizada com um grupo de pessoas sobre um

assunto específico”, questionamos os entrevistados acerca da infância vivida no Japão,

considerando as relações nas famílias, os comportamentos das crianças e as relações entre

irmãos como temas mais específicos. Ainda segundo Freitas (2006:21), esse tipo de

entrevista “[...] facilita a comparação, apontando divergências, convergências e

evidências de uma memória coletiva”, pois assim se consegue obter maior quantidade de

informação.

A busca pelos entrevistados aconteceu no âmbito da Associação Cultural Nipo-

Brasileira Sul-Mato-Grossense5. Os entrevistados do perfil mencionado foram

encontrados nas reuniões de idosos que ocorrem no espaço da Associação.

O grupo que entramos em contato se reúne uma vez por semana para conversar

no idioma japonês, levam comidas típicas para saborearem juntos, cantam “karaokê” com

músicas japonesas e mantêm a socialização entre os amigos. Todos os entrevistados são

representantes da primeira geração, sendo assim, as entrevistas foram feitas em língua

japonesa, bem como a posterior tradução destas (pois como já apontado anteriormente

Joice Kochi viveu no Japão, portanto é fluente e tem o domínio do idioma). Foram

realizadas 06 entrevistas, sendo 02 homens e 04 mulheres.

De todo o material recolhido, optamos neste artigo em priorizar 03 delas, por

serem entrevistas que ficaram mais focadas no objetivo da pesquisa, quando os sujeitos

se referiram de forma mais contundente à infância. No processo anterior às entrevistas,

fizemos uma exposição acerca do projeto para esclarecer dúvidas e permitir uma melhor

compreensão da reflexão. E, ainda, foram feitas escolhas de nomes fictícios para serem

usados no trabalho, no sentido de garantir o anonimato dos entrevistados.

5 Associação Cultural Nipo-Brasileira Sul-Mato-Grossense está localizada em Dourados/MS e foi fundada

em 1974.

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Desse modo, nós temos como entrevistadas a Sra. Mitiko, Sra. Akemi e Sra.

Miyuki, porque optamos por utilizar neste trabalho as entrevistas realizadas com as

mulheres, pois, além delas terem sido mais específicas no que buscávamos a experiência

das mulheres japonesas no cuidado com as crianças e espaço doméstico se evidenciou

muito maior, se apresentando como um aspecto importante para a análise da educação

desses indivíduos.

A ferramenta para captação da voz dos entrevistados foi um gravador de voz, parte

de um aparelho celular, que não representou maiores constrangimentos, pois como é uma

ferramenta largamente utilizada, observamos que as pessoas até ‘esqueciam’ que

estávamos gravando.

A primeira entrevistada foi a senhora Mitiko, 78 anos, natural da cidade de

Toyosaba – Hokkaido. Na sua infância morou com os pais, 05 irmãos e a avó. Depois

entrevistamos a senhora Akemi com 77 anos, que nasceu em Hokkaido e também morou

com seus pais e seus 04 irmãos. Ela é a caçula da família. E, finalmente, a senhora Miyuki

de 78 anos, que também nasceu na província de Hokkaido e morou com seus pais e mais

06 irmãos. Interessante perceber que todas as senhoras vêm da mesma região do país e

todas faziam parte de famílias extensas, ou seja, com grande número de filhos.

Depois das entrevistas realizadas, foram feitas as traduções e as transcrições das

gravações, o que constituiu um procedimento trabalhoso. Como explica Meihy (1996:16),

“a história oral tem três tempos principais e nítidos, ainda que apenas eventualmente

complementares: o da gravação; o da confecção do documento escrito; o de sua eventual

análise”. No caso deste trabalho, ainda tivemos o período de tradução da língua japonesa

para a língua portuguesa, o que fez com que o processo fosse ainda mais demorado, porém

não menos interessante, resultando nas análises do que o material empírico permitiu.

Assim, nas próximas seções vamos discutir a civilização e educação das crianças

e trazer alguns pontos elencados dos documentos produzidos a partir das entrevistas, os

quais nós acreditamos serão importantes para as reflexões que nos propusemos para este

texto.

Civilização e educação das crianças

Ao pensarmos a trajetória histórica da infância, a criança nem sempre foi vista como no dia de

hoje. Conforme Oliveira (1999:8), “ser criança é estar associado à infância. Criança e infância aparecem na

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origem da palavra como sinônimos”. E “[...] a princípio, a infância está caracterizada pela ausência. Um

espaço na vida de todos os homens marcado por uma incompletude, pela falta, pela incapacidade inicial”

(OLIVEIRA, 1999:8).

Essa concepção de que a criança precisava ‘vir a ser’ para ter um espaço no futuro, atribuiu à

educação um papel importante, que seria de prepará-la para se tornar um adulto capaz de relacionar

socialmente. Portanto, de acordo com Oliveira (1999:13):

Na infância as diversas aprendizagens giram em torno da preparação da

criança para a vida adulta, de acordo com os padrões e comportamentos de

seu grupo. Essa percepção de educação como preparação para as gerações

posteriores pode ser percebida também na crítica feita por Freud citado por

Gadotti quando diz: que a educação representa um processo, cuja intenção

coletiva é modelar as crianças de acordo com os valores dos que vão morrer.

Ou seja, a educação sempre fez parte do processo de civilização dos seres

humanos na sociedade, e a “[...] difusão da escolarização e universalização dos saberes

elementares (ler, escrever e contar) se apresentou como fator preponderante de progresso

social” (VEIGA, 2007:2). Nesse panorama, entendemos que a educação tem uma

variação conforme a cultura de cada sociedade, que segundo Vygotsky citado por

Kishimoto (1997:67), “[...] objetos materiais e a cultura de cada povo influenciam a forma

de pensar dos seres humanos”. Assim, ao pensarmos em infância temos que considerar a

cultura e as diferentes concepções nas quais as crianças são percebidas.

A educação de crianças japonesas: experiências de imigrantes

As crianças que foram representadas na voz e na memória das depoentes foram

educadas na década de 1930 a 1940, um período em que o país estava instável, pré-guerra

mundial, ou seja, eram tempos de muita dificuldade e tensão na experiência das pessoas.

Porém, ao mesmo tempo, o contexto de vida foi amenizado, pois viviam em cidades do

interior do país. Por serem regiões pequenas de interior, como a maioria relatou, tiveram

uma vida muito tranquila, um cotidiano agrícola de trabalhos na roça. Cada família com

seus hábitos e costumes, mas todas sendo educadas com regras e padrões estabelecidos

naquele ambiente.

Ao perguntarmos sobre como foi à infância em relação a comportamentos e

padrões da época, cada uma delas respondeu que a infância foi “tranquila”. A expressão

que a Sra. Akemi (77 anos) usou foi “normal”. A Sra. Mitiko (77 anos) diz “como era no

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interior, e bem interior...”, ou seja, a infância e a educação dentro de casa foram marcadas

pela tranquilidade, em oposição à preconcepção tomada por uma das autoras de

severidade das normas. Desse modo, conseguimos perceber que a experiência de algumas

delas pode ser assim relatada:

Não, os meus pais não eram severos não. Claro que quando fazia coisa errada,

ficavam bravos. Mas... (MITIKO, 77 anos).

Como faz tempo, não me lembro muito bem, mas acredito que não era tão

severa assim (AKEMI, 77 anos).

No contexto da vida agrícola, acreditamos que os pais dessas crianças eram

atarefados com serviços de roça e plantação. Assim, muitas vezes a tarefa de “educar”

ficava a cargo da educação formal. Como relatou a Sra. Mitiko (77 anos):

Sim, bastante tranquila. Era no interior, os adultos iam trabalhar na roça, e

as crianças estudavam na escola.

No entanto, uma das entrevistadas respondeu que na sua educação a presença da

severidade dos pais foi grande, de um jeito “militar”, como relatado. Quando perguntamos

sobre sua educação, ela respondeu e acrescentou quais aspectos faziam parte da norma:

Nossa era como se fosse uma lei. [...] Sim, severa! [...] Bem, primeiramente

cumprimentos. Então, quando chegavam visitas, precisava ficar um passo

atrás e cumprimentar e dizer bem-vindo (MIYUKI, 78 anos).

Esse aspecto da relação com as pessoas estranhas, as visitas recebidas na casa, ou

pessoas que os adultos conviviam, é contado pela memória das regras que seriam parte

do padrão familiar. Podemos notar no relato:

[...] quando havia visita em casa... nesse caso oferecia doces que deixava

guardados até para essa ocasião. E se ia pegar esses doces na frente da visita

nós levávamos bronca. Diziam que era para pegar somente depois que a visita

ir embora... Então com a visita em casa, haviam essas regras claras (AKEMI,

77 anos).

Nos casos em que as depoentes contam sobre a educação, se por um lado havia a

falta do caráter da severidade, o que particularmente procurávamos, por outro havia a

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preocupação com uma perspectiva educativa nos padrões familiares. A Sra. Akemi,

quando relatou que sua educação foi ‘tranquila’ e dentro da ‘normalidade’, aponta que

isso não significava ausência de regras de conduta dentro da casa.

Observamos que a regulação do comportamento das crianças é necessária e é um

processo que se propõe a fazer com que a criança controle suas vontades, emoções,

aprenda a controlar-se e auto controlar-se. Apoiada nas teorias de Norbert Elias, a autora

Andréa Leão aponta que:

Espera-se que as crianças atinjam um nível de controle das emoções, que

formem certos padrões de vergonha, comedimento e pudor capazes de lhes

auxiliar no recalque das pulsões – que quer dizer crescimento, habilitando-as

ao convívio social (LEÃO, 2007:11).

É possível perceber essa preocupação nos relatos das entrevistadas. Ao falar sobre

a educação recebida dentro de casa temos:

Mas claro minha mãe me ensinava conduta, quando saía de casa devia falar

“ittemairimasu - estou indo”, quando chegava “tadaima – estou chegando”,

sentava-se no tatami (piso de palha típico japonês) e cumprimentava. Então

havia uma educação de comportamento diferenciada de outras famílias, sim

(AKEMI, 77 anos).

A imposição de regras às crianças para se comportar na convivência social, pode

ser percebida como importante no sentido de criar os indivíduos de acordo com os padrões

do grupo social do qual eles fazem parte. No entanto, os modos de se fazer presente nesse

espaço nos fazem refletir com a afirmação do Pino (2005:3) na sua análise da teoria do

processo civilizador:

Por conseguinte, a estrutura dos sentimentos e consciência da criança guarda

sem dúvida certa semelhança com a de pessoas ‘incivís’. A passagem de cada

indivíduo humano por um processo civilizador é obrigatória para que ele

possa atingir o “padrão” de civilização atingido pela sociedade no curso da

sua história.

Assim, podemos considerar que as crianças foram educadas da maneira que

naquele contexto histórico era importante se comportar daquele jeito. Havia um

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direcionamento de educação no sentido de ‘não fazer feio’, não permitir a adultos e

crianças ‘passarem vergonha’ nas casas das outras pessoas e na comunidade que ela vivia.

A criança japonesa: na memória dos imigrantes

Nas entrevistas foi possível notarmos que as crianças eram consideradas como os

‘mini adultos’. Os pais deixavam seus filhos sozinhos, ou seja, irmãos maiores cuidando

dos irmãos menores e todos cuidando das tarefas da casa, para que eles (os pais) pudessem

trabalhar na agricultura. A fala da Sra. Mitiko (77 anos) expressa parte dessa situação:

Todos os dias iam para a plantação e sempre estavam atarefados. Era

complicado. Quando eu era criança era desse jeito. Depois fomos crescendo

e podendo ajudá-los, ficou mais tranquilo [...] Como eu era uma dos mais

velhos, tinha que cuidar dos irmãos mais novos. Era assim a minha vida. [...]

Naquela época no Japão, as crianças mesmo pequenas tinham que fazer as

tarefas de casa. Todos. Meu irmão mais novo mesmo, como nós íamos à

plantação, então ele que cozinhava em casa, desde seus 13, 15 anos, pois não

tinha outra mulher em casa. Então era assim a vida, mas claro que é diferente

de uma cidade grande (MITIKO, 77 anos).

Percebemos por essa realidade contada, que provavelmente nesse contexto de

trabalho, não havia muito tempo para as brincadeiras. Assim, quando perguntamos sobre

as brincadeiras, a resposta foi:

Porque as aulas na escola ocupavam todo o tempo do dia, só voltada no fim

da tarde para casa. No Japão é assim... [...] mas tinha que fazer os afazeres

de casa também (MITIKO, 77 anos).

No espaço no qual as crianças e os adultos estavam envolvidos em inúmeras

atividades sobrava pouco tempo para brincar. Somente uma das entrevistadas relatou suas

memórias da brincadeira na infância.

Quando era pequena, não havia distinção de homem, mulher, todos brincavam

juntos. Até para fazer arte. Lembro quando os pescadores colocavam os peixes

para secar, nós íamos todos juntos correndo para roubar! E comiam na maior

felicidade, saudando a isso (MIYUKI, 78 anos).

Como cita Ariès (1981) na sua pesquisa acerca da representação da criança na

iconografia dos séculos XI ao XVII, a criança naquela época era retratada como ‘homens

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de tamanho reduzido’. Se considerarmos o tempo destinado entre trabalho e a brincadeira,

trazidos nas lembranças das depoentes, podemos dizer que a criança em certo aspecto

também era percebida como ‘adulto em miniatura’.

Nas entrevistas percebemos que essas crianças tiveram que assumir

responsabilidades de pessoa adulta desde muito cedo. Uma infância marcada pelo

trabalho doméstico, quando as crianças mais velhas cuidavam dos irmãos mais novos,

enfim, nesse contexto podemos evidenciar que o tempo para brincadeiras ficava reduzido.

Provavelmente nesse tempo de atividades não sobrava outra perspectiva a não ser

envolver-se no trabalho. E os pais cobravam certo comportamento. Algumas se

lembraram de pais mais severos, outras menos. Podemos perceber nas falas:

[...] os meus pais não eram severos não (MITIKO, 77 anos).

[...] Ah, acho que foi normal (AKEMI, 77 anos, grifo nosso).

Tais afirmações denotam modos de relacionarem-se pais e filhos e em nossas

análises surgiu a seguinte dúvida: o que seria essa infância normal? E ao continuar o

relato, a Sra. Akemi, respondeu da seguinte maneira:

[...] acredito que não era tão severa assim. [...] havia uma educação de

comportamento diferenciada de outras famílias, sim (AKEMI, 77 anos, grifo

nosso).

Neste momento, nosso questionamento é com relação ao conceito de normalidade

como algo semelhante na educação de todas as crianças do período, mas ao que parece

diferenciada para as crianças e os comportamentos de outras famílias. Podemos entender

que há uma diferença de concepção, talvez cultural de como olhar a educação sob um

nível de exigência maior feito pela cultura japonesa à educação de suas crianças.

Um olhar que pode ser compreendido a partir das obras de Norbert Elias, ao

apontar que existe uma padronização de comportamento de acordo com as necessidades

de cada grupo social. Fundamentada nas teorias de Norbert Elias os autores abaixo

apontam:

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Quando as pessoas são disciplinadas e educadas sistematicamente, quando se

conscientizam de que determinados hábitos são indesejáveis, sujeitam-se às

regras difundidas pela sociedade. Desenvolve-se um padrão social de

comportamento/sentimento que produz um autocontrole mais estável e

diferenciado, além de um aumento na identificação mútua entre as pessoas,

ou seja, um aumento da sensibilidade dos homens gerando uma sensação de

pertencimento a um grupo, à uma raça (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2012:6).

Nesse sentido, o desenvolvimento de um padrão de comportamento precisa ser

internalizado e aprendido para que haja o que a depoente chama de ‘normal’ para todos.

Pois considerando essa ‘naturalização dos hábitos e costumes’, com o tempo estes “[...]

novos padrões de comportamento deixam de ser conscientes para transformar-se em uma

segunda natureza é a essa segunda natureza que o autor se refere quando fala em

mudanças na estrutura da personalidade” afirmam Oliveira e Oliveira (2012:5).

Portanto, o que aparentemente é considerado normal na educação das crianças

japonesas foi historicamente e culturalmente construído. Como Elias (2011:78) esclarece

ao escrever “[...] o que achamos inteiramente natural, porque fomos adaptados e

condicionados a esse padrão social desde a mais tenra infância, teve, no início, que ser

lenta e laboriosamente adquirido e desenvolvido pela sociedade como um todo”.

Nesse contexto de análise das entrevistas, outro aspecto que suscitou dúvidas foi:

será que o nível da exigência da cultura japonesa é o mesmo da cultura brasileira?

Sabemos que a cultura desses dois países é distinta, ao considerarmos cultura como:

[...] o modo próprio de ser do homem em coletividade, que se realiza em parte

consciente, em parte inconscientemente, constituindo um sistema mais ou

menos coerente de pensar, agir, fazer, relacionar-se, posicionar-se perante o

Absoluto, e, enfim, reproduzir-se (GOMES, apud, MATSUMOTO; BUENO,

2011:3).

Outro aspecto importante que foi percebido, e que fazia parte de concepções

anteriores das pesquisadoras, era a percepção sobre as diferenças culturais do oriente e

ocidente presentes em vários aspectos como característicos desta educação diferenciada.

Conforme explica Hirose (2012:38), “[...] a tradição oriental pensa o homem como um

todo: corpo-espírito, e integrado num todo maior: homem-natureza”. Portanto, as culturas

diferem em diversos sentidos. Na cultura oriental retratada pelas entrevistadas, nos

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pareceu que na educação das crianças, os pais apontavam os caminhos e as crianças

obedeciam.

Algumas considerações

Conforme apontaram Matsumoto e Bueno (2011), os estudos acadêmicos sobre o

povo nipônico no estado de Mato Grosso do Sul estão por fazer e há uma grande demanda

para a tarefa. Nesse sentido, nossa pesquisa teve como objetivo contribuir para diminuir

essa lacuna, buscando conhecer melhor essa cultura distinta da realidade brasileira, porém

um grupo étnico que faz parte e vem contribuindo em diversas maneiras no estado e na

cidade de Dourados.

A pesquisa de campo evidenciou que, apesar de nossas hipóteses terem uma carga

de conceitos prévios devido à experiência pessoal intensa e significativa de uma das

pesquisadoras, as formas de educar do povo japonês eram organizadas com regras

explícitas para todas as crianças. A ênfase, no nosso entendimento, se deu no processo de

educar e civilizar suas crianças, para que aprendessem o comportamento social e como

diziam ‘não fazer feio aos outros’. E deixou demonstrada a padronização de

comportamento com as normas e regras postas e apreendidas, o que de certa maneira fez

com que tivessem uma concepção de que tal situação era totalmente “normal” na sua

cultura.

Assim, o estudo foi uma oportunidade para compreendermos a distinção entre o

que seria parte do comportamento da cultura de cada país Brasil-Japão, e como essa

cultura influencia na educação das crianças de suas sociedades. A severidade da educação

japonesa em educar suas crianças para se tornar como membro de um grupo é tão forte,

quanto fazer com que suas crianças sejam mais determinadas, perseverantes e

disciplinadas, seja qual for à circunstância que elas irão enfrentar, sejam sozinhas ou

dentro de um grupo para viver na sociedade japonesa.

A pesquisa mostrou, ainda, que cada grupo social com suas especificidades, busca

civilizar as crianças para viver na sociedade de maneira ‘aceitável’ ao comportamento

coletivo dentro deste grupo. Notamos que há valores em comuns nos dois países, tais

como o respeito pelas pessoas mais velhas, como também o fato de as normas e as regras

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serem postas para que as crianças tenham uma atitude diferenciada no ambiente público

ou até mesmo no âmbito privado, com a forma ‘educada’ a qual é esperada pelos adultos.

Finalizando, registramos que a investigação possibilitou uma grande reflexão

acerca de uma diferença cultural e de educação nos dois países e, especialmente,

constituiu-se como importante oportunidade para uma das autoras de pensar, refletir e

analisar a experiência vivida no Japão e os estudos realizados no Brasil.

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