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2 Mensagem: A vitalidade um discurso envelhecido Wellington Alves Toledo Dissertação de Mestrado a ser apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura Portuguesa). Orientadora: Professora Doutora Gumercinda Nascimento Gonda Rio de Janeiro Março de 2015

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Mensagem: A vitalidade um discurso envelhecido

Wellington Alves Toledo

Dissertação de Mestrado a ser apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade

Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção

do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura

Portuguesa).

Orientadora: Professora Doutora Gumercinda Nascimento Gonda

Rio de Janeiro Março de 2015

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Mensagem: A vitalidade um discurso envelhecido

Wellington Alves Toledo

Orientadora: Professora Doutora Gumercinda Nascimento Gonda Dissertação de Mestrado a ser apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Letras Vernáculas da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio

de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título

de Mestre em Literaturas Portuguesa e Africanas de Língua

PortuguesaVernáculas. Examinada por:

_____________________________________________________________ Orientadora: Professora Doutora Gumercinda Nascimento Gonda Presidente - Letras Vernáculas/UFRJ

_____________________________________________________________ Professor: Doutor Jorge Fernandes da Silveira Letras Vernáculas/UFRJ

_____________________________________________________________ Professora: Doutora Claudia Maria de Souza Amorim Instituto de Letras/UERJ

_____________________________________________________________ Professora: Doutora Ângela Beatriz de Carvalho Faria Letras Vernáculas/ UFRJ - Suplente

_____________________________________________________________ Professora: Doutora Fernanda Antunes Gomes da Costa FAFIMA e UFRJ, campus Macaé - Suplente

Rio de Janeiro

Março de 2015

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Toledo, Wellington Alves.

Mensagem: a vitalidade de um discurso envelhecido. -- Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2015.

136 f; 29,7 cm

Orientadora: Gumercinda Nascimento Gonda

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras,

Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Literatura Portuguesa), 2015.

Referências Bibliográficas: f. 116-122.

1. Mensagem. 2. Fernando Pessoa (1988–1935). 3. Poesia Épica. 4. Épica

Moderna. 5. Multiplicidade de Gênero. 6. Vitalidade do Discurso Épico I. Gonda,

Gumercinda Nascimento, orient. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Literatura Portuguesa). III.

Mensagem: a vitalidade de um discurso envelhecido.

.

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Resumo

Mensagem: A vitalidade de um discurso envelhecido

Wellington Alves Toledo

Orientadora: Gumercinda Nascimento Gonda

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-

Graduação em Letras Vernáculas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro –

UFRJ, como parte dos requesitos necessários à obtenção do Título de Mestre

em Letras Vernáculas (Literatura Portuguesa e Africanas).

Nosso trabalho se propõe a reconhecer na Mensagem uma formulação do

discurso épico a partir de um caráter formal e de uma postura ideológica

própria da modernidade literária. Assim, ao depreendermos que Fernando

Pessoa parte de um passado histórico vazio, mas ainda instaurado na

consciência cultural da nação portuguesa, buscamos elucidar que é justamente

nessa nova proposta discursiva que reside a vitalidade de sua poética. Obra sui

generis dentro do cenário literário ocidental, o poema é o único livro

devidamente editado e publicado pelo poeta português e, embora seja

sobejamente estudada pela crítica e leitores, tanto lusófonos quanto de outras

línguas, a épica pessoana apresenta uma problemática muito drástica em sua

construção formal se comparada com as teorias aristotélicas e supra-

aristotélicas dos estudos épicos, pois, mesmo que o poeta português tenha

partido de uma matéria épica caríssima na literatura portuguesa, a ascensão do

Império Ultramarino, o livro inverte o seu relato, equacionando-se a partir dos

mitos representativos, segundo a seleção pessoal do próprio poeta,

promovendo um (re)encontro transcendental com a hegemonia imperialista

através da figura mítica de D. Sebastião, suscitando um alavancamento

histórico-futuro da nação em um plano que ultrapassa o espaço e o tempo. A

escolha do corpus se pauta pela grande possibilidade de contrastes

observáveis entre o livro de Fernando Pessoa e os postulados levantados por

autores que centraram nas epopeias homéricas os moldes estilísticos e formais

da construção épica, levando um não reconhecimento da épica moderna na

épica clássica e vice versa. Porém, pautando-nos nas considerações estéticas

de Hegel, que embora também não reconheça a realização do fenômeno épico

na modernidade, mas que considera que a epicidade na escrita atual se

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encontra no universo particular da própria obra, como objeto de análise,

concentraremos nossos estudos a partir dos caracteres intrínsecos e singulares

que constituem a epopeia pessoana, vislumbrando nela uma construção que

deambula pelo épico, pelo lírico, pelo dramático, em suma, pelo que a obra em

si dialoga com a escrita moderna.

Palavras Chave: Mensagem, Fernando Pessoa, Poesia Épica, Épica Moderna,

Multiplicidade de Gênero Textual, Vitalidade do Discurso Épico.

Rio de janeiro Março de 2015

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Abstract

Mensagem: a vitalidade de um discurso envelhecido

Wellington Alves Toledo

Mastermind: Gumercinda Nascimento Gonda

Summary of the master’s degree dissertation submitted to the postgraduation program in Vernacular Letters, of the Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, as part the requirements needed to obtain the title of Master in Vernacular Languages (Portuguese and African Literature) Our paper proposes to recognize in Mensagem a formulation of the epic

discourse from a formal nature and an ideological attitude inherent of literary

modernity. Thus, as we surmise Fernando Pessoa leaves from an empty

historical past, but still instituted in the cultural conscious of the Portuguese

nation, we seek to clarify that is exactly in this new discursive proposal that lives

the vitality of his poetry. Piece of work sui generis inside the occidental literary

scenario, the poem is the only book properly edited and published by the

Portuguese poet and, although it is over studied by reviewers and readers, as

Portuguese-speaking countries as other language ones, the Pessoana epic

presents a very drastic issue in its formal construction if it is compared to the

Aristotelian and supra Aristotelian theories of epic studies, because, even if the

Portuguese poet had left from a very dear epic subject in Portuguese literature,

the rise of the Overseas Empire, the book reverses its report, addressing from

the representative myths, according to the personal selection of the poet

himself, promoting a transcendental reunion with the imperialist hegemony

through the mythic character of D. Sebastião, raising a future-historical leverage

of the nation in a level that surpasses space and time. The choice of the corpus

is based on the big possibilities of observable contrasts between Fernando

Pessoa’s book and postulates raised by authors that centered in the Homeric

epic poems the stylistic and formal shapes of the epic construction, taking a non

acknowledgment of the modern epic into the classic epic and vice versa.

However, based on the esthetic considerations of Hegel, although he doesn’t

recognize the realization of the epic phenomenon in modernity, but he

considers that an epic style in the current writing is found in the particular

universe of the piece of work itself, as an analysis object, we will focus our

studies from the intrinsic and unique characters that constitute the epic poem of

Pessoa, foreseeing in it a construction that wanders through epic, lyrical,

dramatic, all in all, through what the book itself talks to modern writing.

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Keys words: Mensagem, Fernando Pessoa, Epic Poem, Modern Epic,

Multiplicity of Genre, Vitality of the Epic discourse.

Rio de Janeiro

Março de 2015

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Agradecimentos

À Capes, instituição de fomento, que possibilitou uma maior

tranquilidade para o processo de escrita.

A minha orientadora, Gumercinda Gonda, pelas discussões e xerox

valiosíssimos, mas, principalmente, por ter botado fé no projeto desde o início.

Aos professores que contribuíram de forma substantiva à minha

formação, em especial: Jorge Fernandes da Silveira, Carmem Lucia Tindó

Secco e Nonato Gurgel, que despertou em mim o gosto da leitura e escrita

poética;

Ao Fernando Pessoa, O Oriente do Oriente de meu Oriente;

A Darlan Falcão e Carolina Falcão, casal que ainda me faz acreditar no

amor e no poder da amizade.

À Camila Lopes Reis, por me mostrar que o Mestrado na UFRJ era um

sonho possível.

À Graziela Trevezani, um amor “de olhar sphyngico e fatal”.

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Epígrafes

Cada um de nós tem, talvez, muito que dizer, mas acerca desse muito há pouco que se diga. A posteridade quer que sejamos breves e precisos. Faguet diz excelentemente que a posteridade só gosta de escritores breves. A variedade é a única desculpa da abundância. Ninguém deveria deixar atrás de si vinte livros diferentes, salvo se for capaz de escrever como vinte homens diferentes. Fernando Pessoa As ideias, consideradas como algo de distinto dos propósitos, é que produzem a imortalidade ideias como forma e n o como substância. Na arte, tudo é forma e tudo inclui ideias. Não interessa à opinião da posteridade se um poema contém ideias materialistas ou idealistas; o que interessa é se elas são elevadas ou não, agradáveis na sua forma ainda ue na sua forma mental e abstracta ou desagradáveis.

Fernando Pessoa

Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a {minha biografia, Nada há mais simples. em s duas datas a da minha nascença e a da {minha morte. Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.

Alberto Caeiro

Fim: Os deuses não nos dirão, nem tampouco o Destino. Os deuses estão mortos e o Destino é mudo.

Fernando Pessoa

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Índice

1. Introdução ........................................................................................... .......12

2. MENSAGEM: UM ESFÍNGICO LIVRO ESCRITO À BEIRA-MÁGOA .......18

3. A “HORA” DE UMA ÉPICA DO “ANTEMANHÔ .....................................41

4. A VITALIDADE DE UM DISCURSO ENVELHECIDO.................................62

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS …………………………………………….........111

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS………………………………………....116

7. ANEXOS………………………………………………………………………...123

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1. − INTRODUÇÃO

O ideal seria uma epopeia que resistisse como Milton e interessante como Connan Doyle. Não é uma impossibilidade, porque as impossibilidades não existem; mesmos as contradições nos termos, graças a Hegel, deixaram de o ser.

Fernando Pessoa1

Das poucas coisas aproveitáveis que já escrevi em minha

pseudocarreira de escritor, destacaria, talvez, o verso no qual digo que virei

“velho tarde demais” 2. De fato, descobri em meu próprio tempo que eu estava

atrás do meu tempo.

Ingressei no Curso de Letras pelos seguintes motivos: pelo preço, pela

rapidez do curso e, talvez lá no fundo, pelas linhas que escrevia, mal, diga-se

de passagem, no meu velho caderninho de capa verde. Anos mais tarde iria

entender que rejeitei o Curso de Direito em uma instituição pública, conforme

queria (a)creditar na época, não pelo fato de confrontar a minha mãe – figura

ue sempre me impôs medo −, mas por reconhecer ue n o conseguiria

completá-lo. Além do mais, a necessidade de trabalhar não me permitiria dar-

me ao luxo de ser um “universitário público”. E essa foi a desculpa que usei

para mim mesmo... naquele tempo.

1 PESSOA, Fernando. Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literária. Textos estabelecidos

e prefaciados por George Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho. Lisboa: Ática, S/D. p.239.

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Comecei o primeiro período do Curso de Letras mais perdido do que me

encontrava antes. Não sabia muito bem o que era literatura. O Ensino Médio

não me fornecera uma base para isso.

“Confesso abestalhado” 3, como dizia Raul Seixas em seu Ouro de tolo,

que mesmo hoje a dúvida persiste. Assim mais uma li o aprendida e

apreendida com os clássicos , como Marcel Proust, teria ue buscar o “meu

tempo perdido” se uisesse acompanhar o restante da turma; bastante boa, por

sinal. Resolvi ent o me “culturalizar”. Em outras palavras, resolvi me

transformar num devorador de livros. Lia tudo que me caísse às mãos.

Lia desesperadamente uma quantidade absurda de livros. O fato é que

lia sem parar e por todos os cantos. Acabei me apaixonando pela poesia,

sobretudo pela épica. Gostava de ler sobre um herói, representante sumário

dos anseios coletivos de um povo. A cada verso desvendado, a sensação era

de ue havia decifrado “As tormentas passadas e o mysterio” 4 de um enigma

esfíngico que o próprio Homero elaborara exclusivamente para mim.

Aí, em um desses ângulos de leitura, deu-se meu primeiro encontro com

a lírica pessoana. A primeira impressão não foi das melhores. Achava-a

introspectiva demais. Como se eu não pertencesse àquele tipo de gênio de

pessoa “histeroneurastênica” da ual Fernando Pessoa dizia fazer parte. Pobre

2 TOLEDO, Wellington. Biobibliografia. Rio de Janeiro: edição independente, 2014. p10..

3 DAPIEVE, ARTHUR. Brock: o rock brasileiro dos anos 80. São Paulo: Editora 34, 1996.

4 PESSOA, Fernando. Obra poética. Volume único. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S/A,

1981. p.12.

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de mim. Não sabia que tal como faziam nossas avós, tirando-nos um versículo

bíblico pela sorte de uma mensagem agradável, a primeira vez em que eu iria

abrir a Mensagem, de Fernando Pessoa, cairia justamente no poema “D.

Diniz”. Naquele momento, tive a nítida impressão de que a vida não seria mais

a mesma. E realmente não foi. O terror e o fascínio que o poema me despertou

não se justificaram somente pelos jogos de palavra, pela metáfora ou pela

prosopopeia, mas também pela imagem ue “a falla dos pinhaes, marulho

obscuro,” 5 projetou em minha cabeça. Vislumbrava em minha mente o

balançar das árvores como ondas de um oceano costeiro. Mesmo ainda não

sabendo que esse mar projetado era o mar das grandes navegações dos

“barões assinalados” 6.

E a Mensagem passou a ser a minha mensagem agradável de todo dia.

Não me bastavam somente as leituras de suas páginas, mas também tudo o

que os outros tantos admiradores da escrita pessoana diziam sobre ela e sobre

o seu criador. Mas, a partir de então, tive também o desespero de saber que

quanto mais eu lia a respeito dela, como um peixe ágil a obra me escapava

entre as mãos.

O universo da crítica levou consigo quase todas as minhas certezas e

me fez conhecer uma obra da dúvida, formulada a partir da fantasia absurda de

uma poética do absurdo enigmático. Mas eu não me importava, pois a cada

5 PESSOA, Fernando. Obra poética. Volume único. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S/A,

1981. p.7. 6 CAMÕES, Luis de. Os Lusíadas. São Paulo: Martin Claret, 2002. p.25.

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desafio lançado em seus versos, sentia-me como no nosso primeiro encontro;

um universo novo se abria todas as vezes que eu os lia.

Creio que um dos principais desafios da Mensagem, de Pessoa,

academicamente falando, é o fato de se tratar de um livro sobejamente

estudado a partir de meados do século passado. Estudado, mas não esgotado.

Sei que poderia dedicar-me a um outro autor menor, mas a paixão pelo único

livro devidamente publicado durante a vida do escritor que abdicou de

praticamente tudo pela escrita, falou-me mais alto. Portanto, antes mesmo de

buscar em meus estudos uma via de decifração do livro pessoano, o que venho

propor inicialmente é o testemunho da gratidão que tenho pela obra que me

acompanha ao pé da cama durante tantos anos. Dos relacionamentos

amorosos que tive, esse talvez tenha sido o mais fiel, sem dúvidas. Lamento,

conforme eu já disse, tê-la conhecido tão tarde.

***

A obra de Fernando Pessoa, tanto a lírica quanto Mensagem,

compreende um universo poemático diverso e extremamente complexo,

principalmente essa segunda, fundamentalmente às questões formais.

Durante as muitas realizadas leituras que fiz sobre a obra, um dos aspectos

que mais me chamou a atenção foi a pluralidade de definições de gênero que

seus estudiosos propuseram. Poema épico? Poema épico-lírico? Poema épico

de tonalidade lírica? Poema emblemático? Poema híbrido? Pra mim, ela é

tudo isso e um pouco além. Muito embora, é verdade, não encontrasse nela

aquele herói, estandarte de um povo, reverenciado nas epopeias homéricas.

De fato, era o homem cotidiano que encontrava em cada página, a buscar

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sempre um sentido que justificasse a sua própria existência num mundo feito

de caos e fragmentos. Um homem no qual todos os homens de hoje também

se identificassem. Não foi um herói único, mas uma legião de heróis; máscaras

de um herói-poeta, como também e tão bem lhe cabiam desde o fenômeno

heteronímico, a representar uma nova versão para a história portuguesa e seu

passado de glórias.

Foi Hegel como tamb m Fernando Pessoa que me mostrou que a

epicidade na era moderna não se restringe ao universo homérico de se contar

a história de um povo. Mas antes, porém, ela reside “na esfera mais estreita e

limitada dos acontecimentos dom sticos” 7. A partir da epígrafe supracitada

nesta introdução, propõe-se a imagem de uma pica “interessante”, em seus

múltiplos enigmas e, principalmente, resistente ao tempo, conforme desejava o

seu criador. Imagem de um livro vivo em sua vitalidade discursiva e ue irá

percorrer ao longo da hist ria humana cantando os her is e feitos de um pa s,

ue, atravessando historicamente o seu processo de forma o a expans o

ultra mar tima , o Ultimato e até mesmo a Revolução dos Cravos, ainda falta

se cumprir.

***

(Um apontamento em primeira pessoa, talvez desnecessário) Eu poderia

“ er feito Direito / e direito o ue fiz de errado.” 8, mas hoje percebo que fiz a

escolha certa, mesmo sem saber explicá-la. Afinal, levando em consideração

que todos temos um lado pessoal e pessoano, “Fora disso eu sou doido, com

7 HEGEL, G. W. F. Estética A Ideia e o Ideal O Belo Artístico ou o Ideal. Trad. Orlando Vitorino.

São Paulo: Nova Cultural, 1993. p.606.

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todo o direito a sê-lo. / Com todo o direito a sê-lo, ouviram?” 9 Assim sendo,

retomemos os versos de “D. Diniz”, mas antes, porém, convém ainda recuperar

a mesma apóstrofe, a saudação rosa-cruz com a qual o poeta termina o seu

livro, “Valete, Frates”, mas n o no tom de despedida com o qual ela se

apresenta no poema, mas na espera de que, se não me for possível alcançar

todos os meus objetivos, “a Deus, irm os”, deixo ue me conceda novas

oportunidades futuras. Posto ue fui “Fiel à palavra dada e à ideia tida. / udo

mais com Deus!” 10

Assim sendo, leiamos a gênese de nosso percurso em Pessoa:

D. Diniz NA NOITE escreve um seu Cantar de Amigo O plantador de naus a haver, E ouve um silencio murmuro consigo: É o rumor dos pinhaes que, como um trigo De Imperio, ondulam sem se poder ver. Arroio, esse cantar, jovem e puro, Busca o oceano por achar; E a fala dos pinhais, marulho obscuro, É o som presente d’esse mar futuro, É a voz da terra anciando pelo mar.11

8 TOLEDO, Wellington. Biobibliografia. Rio de Janeiro: edição independente, 2014. p.78.

9 PESSOA, Fernando. Obra poética. Volume único. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S/A,

1981. p.291. 10

PESSOA, Fernando. Obra poética. Volume único. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S/A, 1981. p.9. 11

PESSOA, Fernando. Obra poética. Volume único. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S/A, 1981. p.7.

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2. − MENSAGEM: UM ESFÍNGICO LIVRO ESCRITO À BEIRA-MÁGOA

Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a {minha biografia, Nada há mais simples. em s duas datas a da minha nascen a e a da {minha morte. Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.

Alberto Caeiro12

A aventura interpretativa da Mensagem, de Fernando Pessoa, é, de

certa forma, um mergulho num mar cujo criador “o perigo e o abysmo deu”

(PESSOA, 1981, p.16), justamente por seu caráter sistêmico ser digno de

diversas decifrações. Assim, o leitor, aventureiro e intérprete deverá ter a

ciência de estar diante de um livro de “olhar sphyngico e fatal” (PESSOA, 1981,

p.5), cuja estrutura po tica reclama para si um constante ato de “decifra-me ou

te devoro”. Já na “Nota preliminar” do poema, postula-se ue “O entendimento

dos símbolos e dos rituais (simbólicos) exige do intérprete que possua cinco

qualidades ou condições, sem as quais os símbolos serão para ele mortos, e

ele um morto para eles.” (PESSOA, 1981, p.4).

O estratagema pentacondicional suscitado pelo autor subdivide-se em:

simpatia, espécie de relação amistosa entre o intérprete e o símbolo; intuição,

“entendimento com ue se sente o ue está al m do s mbolo, sem ue se

veja”; inteligência, análise, decomposição, ordenação e reconstrução do

12

LANCASTRE, Maria José de. Fernando Pessoa: Uma fotobiografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. p.130.

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símbolo em outro nível; compreensão, espécie de iluminação de diversos

s mbolos, por matizes diferentes; e, por último, a uela ue “ menos defin vel”,

a Graça, que permite ao intérprete um tipo sagrado de captação dos símbolos.

Transpassando esses caminhos que se interseccionam, o intérprete acabará

“entendendo cada uma destas coisas, ue s o a mesma da maneira como as

entendem a ueles ue delas usam, falando ou escrevendo.” Portanto, n o

difícil compreender porque o poema pessoano equacionou uma série de

indagações através de seus versos e seus críticos construíram inúmeras vias

de leitura desde a sua publicação.

Eduardo Lourenço, num de seus incontáveis ensaios sobre Pessoa, teria

escrito que lhe era inconceb vel “imaginar ue algu m possa um dia falar

melhor de Fernando Pessoa ue ele mesmo.” (LOURENÇO, 2008, p.9).

Seguindo então a via de leitura fornecida por Lourenço, numa espécie de

invoca o à “musa” pessoana da sabedoria, vejamos o ue Fernando Pessoa

afirma sobre o seu individual propósito de refletir poeticamente a história

portuguesa e a necessidade tangente de sua ressurgência como potência

cultural, pela simples razão de acreditarmos que somente desta forma,

solicitando por empr stimo ao poeta “a simpatia”, “a intui o”, “a inteligência”,

“a compreens o”, “a gra a” e tamb m a sua voz, nosso trabalho n o irá se

perder nos labirintos do seu livro-poema.

Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho na essência anímica meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da

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humanidade. É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.13 (PESSOA, 1981, p.4)

Por m, antes de nos atermos prontamente nesse “mergulho’

interpretativo da Mensagem pessoana, o que implica reconhecermos nela um

caráter formal épico de estrutura híbrida, ou melhor, aspectos que a

caracterizam como um discurso épico próprio da modernidade, deixando claro

que para tal reconhecimento não buscamos analisar detidamente cada poema

do livro de Pessoa, é pertinente atentarmos também para o real papel que a

história vivida pelo poeta exerceu ao longo de toda a composição do poema.

Se considerarmos, por exemplo, ue “Gládio”, inserido posteriormente na

“Primeira Parte” do poema, “Bras o” , sob o t tulo de “D. Fernando, Infante de

Portugal”, fora redigido no ano 1913, percebe-se que a partir daí o livro terá um

processo construtivo que acompanhará também o processo evolutivo do

escritor ao longo da vida, chegando à ideia do poema, em sua totalidade,

somente no ano de 1934; ano da redação final da Mensagem e também de sua

publicação, ou seja, ano anterior ao da morte de Fernando Pessoa.

O poema de poemas pessoano apresenta datas distintas, que não

acompanham a ordem na qual eles foram dispostos nas três partes que

constituem o livro. O poema de abertura, “O dos Castellos”, ue corresponde a

“Os Campos” do s mbolo heráldico escolhido pelo poeta, “Bras o”, veio a lume

13

Nota solta, s. d., manuscrita a tinta, pelo próprio poeta. Foi publicada pela primeira vez, na 1ª de Obra Poética, 1960.

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no ano de 1928, assim como o poema final, “Nevoeiro”, poema/evoca o da

ressurgência do s mbolo máximo ue constitui a essência da “ erceira Parte”

do livro, “O Encoberto” rei ue caiu “no areal e na hora adversa.” (PESSOA,

1981, p.18).

Há, na epopeia pessoana, poemas datados de 1918, como “Padr o” e

“O Monstrengo”, ambos correspondentes à “Segunda Parte”, “Mar Portuguez”,

ano, aliás, que marca a ascensão de Sidónio Pais à presidência da República e

também a época que culminou em seu assassinato homem de profunda

admiração por parte de Pessoa, que até lhe dedica um poema intitulado de “À

Memória do Presidente-Rei Sid nio Pais”, em 27 de fevereiro de 1920.

Encontram-se também poemas cuja data corresponde à 1922, como “Prece”,

que marca o encerramento de “Mar Portuguez” per odo em ue o poeta vivia

extensa inspiração nacionalista m stica ; uma poesia de 1929, o segundo

d’“Os Avisos” da “ erceira Parte”, sob o t tulo de “Antonio Vieira”, data na ual

o poeta publica fragmentos do seu Livro do Desassossego, composto pelo

semi-heterônimo Bernardo Soares; poema de 1930, dedicado a “D. Jo o,

Infante de Portugal”, “alma Inutilmente eleita, / e Virgemente parada;”

(PESSOA, 1981, p.9) e o quarto representante das “Quinas” do “Bras o”;

outro, de 1933, poema subsequente ao publicado em 1930, em cujas estâncias

Fernando Pessoa evoca “D. Sebasti o, Rei de Portugal” como o “ser ue

houve, n o o ue há.” (Ibdem), ou seja, como figura histórica, e n o como

s mbolo m tico vale lembrar ainda que o ano de 1933 corresponde a um

momento de grande ebulição, não só na vida pessoal do poeta como na

história da nação portuguesa, pois marca a instituição do Estado Novo,

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promulgado pelo governo ditatorial de Salazar ; e, finalmente, o ano de 1934,

data que equaciona grande parte dos poemas que compõem as três partes da

Mensagem.

Bastariam as datas do conjunto de poemas que formam a épica do

escritor português para exemplificar o quão ela se deu de forma paralela à

produção literária do autor. Em suma, exemplificar o quanto Fernando Pessoa

esteve imbuído ao longo de sua vida de cantar a ressurgência da hegemonia

nacional através do seu mito mais profundo, o sebastianismo. Em meio a uma

mundivivência de fracassos pessoais, Mensagem desponta como um mosaico

de fragmentos mais ou menos organizados, numa tentativa pessoana de juntar

os cacos de uma nação que se perdeu em fragmentos ao longo da história.

Assim sendo, através de um ser que se dispersou em vários por meio do

processo heteronímico, a obra reflete a cosmovisão de um poeta ciente da

situação do seu país em relação ao cenário político e cultural europeu.

Em sua obra, intitulada Estranho estrangeiro: uma biografia de Fernando

Pessoa (1999), o escritor francês Robert Br chon inicia com uma “advertência”

ao dizer ue iria falar sobre “uma vida menos rica em acontecimentos ue em

obras” (BRÉCHON, 1999, p.9). Ou melhor, valendo-se da palavra de uma

especialista em Pessoa14, Bréchon aponta que o assunto do seu livro é a

“obra-vida” do autor da Mensagem, e ue do poeta português “... se poderia

dizer o ue Lou Andr as Salom dizia de Nietzsche: ‘A hist ria deste homem ,

14

Teresa Rita Lopes, escritora e pesquisadora, com vasta obra sobre Fernando Pessoa – dirige há 23 anos uma equipe que se dedica ao estudo e edição da obra do autor. É autora de

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do princípio ao fim, uma biografia da dor’.” (BRÉCHON, 1999, p.12). E

acrescenta que Pessoa não quis transformar a própria vida em obra de arte,

mas, sim, fazer da existência pessoal uma longa peça de teatro posta em cena

viva.

É estranho, academicamente falando, conceber uma biografia que se

inicia com uma advertência como estratagema para camuflar a pobreza

biográfica de um poeta, contado e retratado ao longo de mais de 500 páginas.

Talvez por isso Bréchon tenha imprimido em seu livro um olhar sobre Fernando

Pessoa muito mais ensaístico e lançado mão de um tom narrativo sobre a

história do poeta português. Transparece nas linhas do livro do biógrafo francês

que o verdadeiro objeto a ser contado sobre a vida de Pessoa seria a própria

obra. Não que o decurso daquilo de mais substancial que o poeta viveu durante

os seus 47 anos não tenha influenciado na sua produ o, mas ue do poeta

insignificante contar de hist ria de vida perante a uilo em ue dele se pode ser

lido, estudado. Afinal, segundo ele mesmo, “ S a arte útil. Cren as,

ex rcitos, imp rios, atitudes tudo isso passa. Só a arte fica, por isso só a arte

vê-se, por ue dura.” (PESSOA, S/D, p.3).

De qualquer forma, é preciso entender o homem, cívico e cidadão do

mundo antes mesmo de se tentar entender a Mensagem escrita por aquele que

abdicou da “felicidade” terrena em prol de uma grandeza maior; grandeza que

n o pertence a esse mundo, pois, segundo ele pr prio, “O mundo para uem

contos, poesia (oito livros e antologias em italiano, francês, espanhol e catalão) e teatro (Teatro reunido, 2 volumes). Fonte: http://www.revistapessoa.com/2012/03/teresa-rita-lopes/

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nasce pra conquistar / e não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda

que tenha raz o.” (PESSOA, 1981, p.297). Nem que para se realizar nesse

sonho tenha se especializado em correspondência comercial internacional,

única profissão devidamente exercida durante a vida; medíocre por natureza,

mas que lhe proporcionava bastante tempo para se ater àquilo que de fato lhe

interessava: a literatura.

Pessoa não encarnou a figura do poeta marginal nem a de um

português de natureza burocrática. Sua educação foi formal, sua arte não. Em

“Lisbon Revisited”, na vers o de 1923, parecendo dirigir-se àqueles que

queriam enquadrá-lo em um estereótipo, subverte tais valores nos seguintes

versos:

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e, tributável? Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa? Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade. Assim, como sou, tenham paciência! Vão para o diabo sem mim, Ou deixem-me ir sozinho para o diabo! Para que havemos de ir juntos? (PESSOA, 1981, p.291)

Foi, como a si mesmo se definira, um “Estrangeiro a ui em Lisboa

(grifo nosso) como em toda parte” (PESSOA, 1981, pg.294). Lisboa, aliás, será

a principal extensão geográfica do poeta, excetuando, é claro, os parênteses

que foram sua estadia quando criança na África do Sul e o episódio da

peregrinação de sua família pelos Açores em 1902, além das raríssimas

viagens a locais mais ou menos próximos da capital portuguesa.

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Lisboa será o cenário privilegiado desde seu retorno definitivo à pátria

em 1905, aos dezessete anos de idade, até o ano de sua morte. Assim que irá

imortalizá-la em seus versos. É da Lisboa, apaixonante e, ao mesmo tempo

controversa ao escritor, que irá recolher as paisagens cosmopolitas,

comentadas em sua escrita por intermédio de suas inúmeras andanças pelas

ruas lisboetas, entre o quarto e o escritório, entre um café e outro, entre uma

praça e um jardim público, além de suas incontáveis mudanças de moradia, já

que fora um nômade sem sair de sua cidade natal. Segundo Bréchon,

Fernando Pessoa trocou de casa algo em torno de vinte vezes durante o

período de quinze anos antes de se fixar derradeiramente no prédio em que

vivia a família, edif cio o ual no ano de 1993 passou a ser oficialmente a “Casa

Fernando Pessoa”, transformada em museu da mem ria pessoana e em “Casa

da Poesia do S culo XX”. 15

De Pessoa, poder-se-ia dizer, ironicamente comparando o poeta

romântico brasileiro com Fernando Pessoa, o que o escritor Álvares de

Azevedo disse de si pr prio em sua “Lembran a de Morrer”: “Foi poeta –

sonhou – e amou na vida.” (AZEVEDO, 1999, p.29). Porém, não consta que

Fernando Pessoa tenha tido outro caso amoroso além do mal sucedido

romance com a jovem Ofélia. Pessoa amou na vida um outro tipo de amor, diria

mesmo paixão: a literária. Mas, como Álvarez de Azevedo se resumiu em

apenas um verso, a biografia pessoana poderia ser resumida em apenas

15

Segundo Maria José de Lancastre, em Fernando Pessoa Uma Fotobiografia, o poeta, após ter retornado definitivamente de Durban na África do Sul, em 1905, fixou-se primeiramente na casa da tia-avó Maria Cunha, em Pedrouços, Lisboa. Durante esse período, Fernando Pessoa mudou-se de moradia mais ou menos umas doze vezes até se estabelecer definitivamente na

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alguns episódios mais substancias, dentre os quais, o nascimento do escritor

de Mensagem, no dia 13 de junho (dia de Santo Antônio, padroeiro de Lisboa)

de 1888, no Largo de São Carlos; a morte do pai, Joaquim de Seabra Pessôa,

funcionário e crítico musical; posteriormente, o casamento por procuração de

Maria Madalena, sua mãe, com o cônsul de Portugal em Durban, África do sul,

João Miguel Rosa, no ano de 1884; a partida da família para a África do Sul, no

ano de 1896, onde adotará o inglês como l ngua “madrasta” e cursará a maior

parte dos estudos, travando conhecimento da literatura de Shakespeare,

Carlyle, Poe, Milton, Whitman, Dickens dentre outros poetas de língua inglesa,

os quais o acompanharão de perto ao longo da vida 16; o retorno definitivo a

Lisboa, no ano de 1905, após não ter obtido bolsa para prosseguir os estudos

universitários na Inglaterra. Em seu regresso,na capital portuguesa, consta que

Fernando Pessoa se inscreveu na Faculdade de Letras, sem frequentá-la

assiduamente. Continua o seu passeio pelos poetas ingleses e também pelos

franceses, mas, sobretudo, muito devido à influência do general Henrique

Rosa, irmão do seu padrasto, redescobre a literatura portuguesa

contemporânea, principalmente Cesário Verde, de quem se sente deveras

próximo. Em 1912, após frequências assíduas aos cafés literários lisboetas,

conhece o jovem Mário de Sá-Carneiro, do qual se tornará amigo dileto. Nesse

mesmo ano tem-se a estreia literária, com a publicação de um estudo crítico

sobre A nova Poesia Portuguesa, na revista Águia; o suposto “dia triunfal”, em

Rua Coelho da Rocha n.º 16, 1º andar, direita, de 1920 a 1935; esse último, ano de sua morte. (Lancastre, 1999, p.27-28)

16

Lancastre aponta ue foi “O diretor do Liceu de Durban, W. H. Nicholas, ue teve muita

importância na formação cultural de Fernando Pessoa, especialmente quanto aos estudos clássicos e de literatura inglesa.” (LANCAS RE, 1999, p.74).

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8 de março de 1914, em que, ap s um transe criador, nasce em si o “mestre’ 17

pag o, Alberto Caeiro, ue “manuscritamente” escreve os poemas de O

Guardador de Rebanhos. Nesse mesmo dia, contrapondo a si mesmo em seu

heterônimo, o poeta ortônimo escreve o poema Chuva Oblíqua, modelo de

estética interseccionista.

Desde o “c lebre” dia, o ciclo se repete na vida de Fernando Pessoa.

Mudanças esporádicas de residências, escrita das primeiras Odes de Ricardo

Reis, primeiras grandes Odes de Álvaro de Campos, ambos poetas discípulos

de Caeiro, lançamento da revista Orpheu, a qual ajudou a organizar e onde

também publicou, andanças pelas ruas de Lisboa, do escritório à casa, da casa

à escrivaninha, da escrivaninha à arca. Leituras, escritos poéticos, críticas

literárias, escritos políticos, publicações em revistas, projetos fracassados,

diversas incursões em doutrinas religiosas, filosóficas, esotéricas, mais

andanças, mais mudanças, escritório, mais escrita, suicídio do amigo Sá-

Carneiro, mais publicações, em sua maioria, incompreendidas, dificuldades

financeiras, depressão, medo da iminente loucura, mais escrita, mais leituras.

Até que no mês de outubro de 1934, a conselho dos amigos António Ferro e

17

Um poeta que influenciou deveras a obra de pessoa foi os escritor e jornalista americano

Walt Whitman. Ele foi o mestre da poesia moderna no sentido de que, ao opor-se veementemente à arte de sua época, em outro sentido, à escrita romântica, permitiu ao leitor respirar numa atmosfera de certeza e confiança, através de sua obra de efusão cósmica e também de crítica ao puritanismo vigente. Esse tipo de atitude lírica irá influenciar a poesia de Pessoa, principalmente a parte que tangencia a escrita de Álvaro de Campos. Embora haja uma diferença muito marcante na poética pessoana, relacionada ao pessimismo excessivo com relação ao progresso, contrapondo à voluptuosidade e entusiasmo whitmanianos, Whitman servirá de modelo não só para o heterônimo Álvaro de Campos, como também para o poeta ortônimo. Assim, valem-nos resgatar alguns dos versos futuristas de Campos, evocando numa “Sauda o a Walt Whitman” a figura-mestre do poeta americano: “Meu velho Walt, meu grande Camarada, evoé! / Pertenço à tua orgia báquica de sensações-em-liberdade, /Sou dos teus, desde a sensação dos meus pés até à náusea em meus sonhos,” (PESSOA, 1981, p.271).

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Augusto Ferreira Gomes, ou mesmo pelo dinheiro que tal concurso poderia lhe

garantir, apresenta sua candidatura ao prêmio de poesia conferido pelo

Secretariado de Propaganda Nacional, com o livro Mensagem; título que

substitui Portugal.

O Grande Prêmio fora concedido a uma coletânea do Padre Vasco Reis,

sob o título de Romaria; livro de péssimo gosto, aliás. Mensagem não só

estrutural como pedagogicamente não se enquadrava nas orientações

propagadas pelo Estado Novo. Assim, António Ferro, amigo de Pessoa desde

os tempos de Orpheu, apesar de não figurar no júri do concurso, mas sendo

sua autoridade tutelar, portanto, detentor do dinheiro, resolveu aumentar o

montante dado ao poeta português para cinco mil escudos, garantindo-lhe

sobrevivência por mais algum tempo, mal sabendo ele que no dia 30 de

novembro de 1935, após, segundo um testemunho, ter pedido os óculos para

melhor enxergar, morreria, às 20 horas e 30 minutos, um dos maiores poetas

da literatura ocidental, tendo anotado num retalho de papel esta última frase: “I

know not what tomorrow Will bring.” (BRÉCHON, 1999, p.571).

E essa basicamente a hist ria do homem ue “falhou em tudo”. Mas,

como ele pr prio disse ue n o fizera prop sito algum, “talvez tudo fosse nada”

(PESSOA, 2001, p.297).

Se não se pode arrancar da vida do escritor português grandes feitos

históricos, embora tenha alterado o panorama cultural português de sua época,

o que não é pouco, também não se pode omitir a influência que o conturbado

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momento mundial de sua época exerceu sobre sua escrita. Ora, Pessoa,

dotado de uma ampla consciência do período de crise em que vivia o seu país

e seu continente, irá refletir basicamente em tudo que escrevera um Portugal

mergulhado em ebulição sociopolítica, a decadência cultural da Europa, que

jazia “posta nos cotovellos” (PESSOA, 2001, p.5) e, sobretudo, o ser humano

do período apocalíptico, transeunte do medo entre os séculos XIX e XX. Leyla

Perrone-Moisés também reflete sobre o que significa ser português naquele

momento histórico:

Significa ser o decaído de antigas grandezas, o provinciano

com aspirações-saudades cosmopolitas, o enjeitado da

Europa; significa estar informado do progresso e quase não ter

acesso a ele, viver num país agrário na época da

industrialização, significa, quando se é poeta, ter um público de

“analfabetos” (PERRONE-MOISÉS, 2001, p.76)

Até mesmo na Mensagem; ao contrário daquilo que muitos estudiosos

disseram ao longo dos anos, como sendo um poema à margem da construção

pessoana, têm-se um processo de criação estritamente ligado ao histórico de

vida do autor. Não somente pelo simples fato de o primeiro poema que irá

compor o livro, “Gládio”, conforme supracitado, subse uentemente incorporado

na “Primeira Parte” da obra, “Bras o”, sob o t tulo de “D. Fernando, Infante de

Portugal”, ter sido datado no ano de 1913 e os últimos versos compostos no

ano da edi o final livro, em 1934, ou seja, na “antemanh ” da morte de

Pessoa, mas porque nela reflete a condição histórica portuguesa desde suas

origens até a época contemporânea ao autor, porque nela também reflete a

condição do povo português diante do continente europeu e diante do mundo

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e, principalmente, porque nela, ao debruçar-se sobre a figura humana, tem-se

o reflexo de uma epopeia que não só buscou a salvação nacional em um futuro

sem tempo e espaço, mas também buscou, em termos subjetivos, a aventura

da salvação da alma pessoal.

A cadeia de eventos que antecederam e subcederam a escrita de

“Gládio” at o ano de publica o da Mensagem são de suma importância na

formação de Fernando Pessoa como poeta. Sabe-se que ele viveu num

período conturbado da história de Portugal, isso sem citar a situação caótica

europeia e mundial encontrada no intervalo de duas grandes guerras. O poeta

nasceu quase que na véspera de um acontecimento que irá abalar a nação

portuguesa: o Ultimato de 1890, no qual a Inglaterra vetou definitivamente a

seus, até então protegidos portugueses o direito de continuar a se expandir

pela África. Tal episódio, tido como uma humilhação nacional, gerou uma onda

de revolta contra os ingleses e contra a Monarquia; essa, acusada de não

prestar a devida atenção ao território ultramarino, contribuindo para que as

convulsões e o mal-estar adquirissem por todo o país proporções ainda

maiores na já defasada economia. À desvalorização da moeda somaram-se a

descrença na capacidade dos governantes de resolverem os problemas

internos, a falência de bancos, a diminuição do crescimento econômico e o

aumento da dívida pública. A recordação desse episódio contribui para forjar

em Pessoa um nacionalismo cosmopolita em seu regresso definitivo à pátria.

Além de assistir a agonia monárquica, num país à beira da bancarrota

econômica, é testemunha indireta do assassinato do rei D. Carlos na Praça do

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Comércio, na Baixa. Logo após, em 1910, é proclamada a República. Durante

mais de duas décadas, Pessoa irá presenciar sucessivas insurreições militares

e/ou populares, diversos golpes de estados, revoltas dos partidários ligados

diretamente ao sistema monárquico, greves e atentados políticos. Opõem-se

ferrenhamente, assim como a grande maioria intelectual daquela época, à

entrada de Portugal na Guerra, ao lado dos ingleses e dos franceses. Porém,

em meio à desesperança com o futuro político-econômico nacional, eis que

surge uma figura que irá despertar grande interesse no jovem poeta português;

homem o ual Fernando Pessoa acredita ser “o Desejado”, capaz de restituir a

nação do caos absoluto no qual se encontrava. Porém, em dezembro de 1918,

Sidônio Pais é assassinado.18

Vivendo numa espécie de limbo histórico, Portugal renuncia então à

liberdade política por cerca de meio século para finalmente encontrar a “paz

civil” no final da década de 20. O professor Oliveira Salazar, de maneira

gradativa, de superministro das Finanças em 1928 a presidente do Conselho

em 1932, irá impor seu poder absoluto através da fundação do Estado Novo,

regime político extremamente de modelo fascista. O período ditatorial

português se arrastará por grande parte do século passado até se diluir

18

Segundo José Hermano Saraiva, em História concisa de Portugal (1984), “Com a entrada na guerra, os partidos inimigos deram-se as mãos para um governo interpartidário (União Sagrada), mas a acalmia não durou muito. Em fins de 1917, as forças que se opunham à participação portuguesa na guerra (de um modo geral, os sectores da direita) desencadearam a revolução de Sidónio Pais, que estabeleceu a ditadura. Um decreto ditatorial modificou a forma de eleição do chefe do Estado e Sidónio foi eleito presidente da República por sufrágio universal e directo. Essa primeira experiência presidencialista durou porém pouco; no fim de 1918, Sidónio Pais foi assassinado em Lisboa. Na agitação que se seguiu, sidonistas e monárquicos tentaram conquistar o poder. A monarquia chegou a ser proclamada no Porto, e é esse efémero episódio que se chama monarquia do Norte

. A tentativa monárquica provocou um

reavivamento no sentimento republicano

que levou ao triunfo das forças democráticas

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completamente logo após a Revolução dos Cravos em 1974. O Estado Novo

mesmo nos dias atuais é visto por muitos estudiosos portugueses como uma

das épocas mais obscuras e repressivas já vividas no país. O poeta,

categoricamente falando, parece que também de forma gradativa, passará de

um acolhimento “indiferente” a um total repúdio ao governo salazarista.

Talvez por se tratar de um momento histórico contemporâneo à epopeia

pessoana e à vida do próprio escritor português, Bréchon, em um dos capítulos

de sua já mencionada biografia, estritamente dedicado à Mensagem, evidencia

a figura de Salazar como sendo de suma importância no processo de

composição do livro de Pessoa. Vejamos, portanto, o olhar histórico lançado

pelo biógrafo francês sobre o ditador português:

Em 1934 Portugal vivia um ano sob o domínio salazarista. Antônio de Oliveira Salazar (1889 – 1970), originário de Santa Cobadão, ao norte de Coimbra, de família modesta, professor de Economia Política, conseguiu, ainda jovem, reputação de brilhante especialista em Finanças Públicas e de perito em Economia Rural, mas também de ideólogo autoritário e homem virtuoso. ‛Revelou muito cedo’, diz A. A. Bourdon, ‛a uela inteligência lúcida, aquela espantosa capacidade de trabalho, aquele bom senso que raramente se engana e aquela força de ânimo e de caráter que rapidamente impuseram sua personalidade. [...] Católico convicto, levando uma vida austera de seminarista, soube canalizar em seu proveito a ideologia de salvação nacional que domina então o pensamento político português...’ Nacionalista à maneira de Maurras, influenciado por Mussolini, anticomunista e antidemocrata, pretendia instaurar ‛uma sociedade corporativista e paternalista em ue os interesses dos trabalhadores estariam associados aos dos proprietários e dos patrões’. 19 Ministro das Finanças em 1928, ‛Salazar conseguiu, a partir de 1929, equilibrar o orçamento, milagre que a estabilidade política iria tornar duradouro. [...] Livrou o país da dívida externa e apoiou a moeda, que passou

(República Velha, por ocasião à República Nova, designação que os sidonistas davam ao seu regime).”. (SARAIVA, 1984, p.353)

19 Histoire de Portugal.

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a ser forte, com abundante lastro de ouro; para tal limitou os investimentos e instaurou autarcia a mais perfeita: mais valia, dizia ele constantemente, a pobreza do que a dependência, e antes a fidelidade às tradições, por muito rotineiras que fossem, que os perigos sociais engendrados pela modernidade e pela ubarniza o desenfreadas.’ 20 (BRÉCHON, 1999, p.495-496)

O biógrafo ressalta que o ditador gostava de se ver cercado por homens

corruptos, a quem dominava, mesmo com sua aparente personalidade discreta

e parda. Destaca também que em 1960, tinha em Portugal a impressão de um

país governado por ferrenhas m os ausentes, e ue “ao lado de uma grande

fera como Hitler, Salazar lembra mais uma aranha ou um polvo.” (BRÉCHON,

1999, p.495-496). Destaca ainda, com relação ao poeta português, que em

1932-1933 Pessoa não era esfuziantemente a favor do regime salazarista nem

um anti-salazarista convicto. Afirma sobre o poeta português que

Sua adesão ao Estado Novo é racional e provisória. Margarido parece-me resumir-lhe bem a posi o ao dizer ue ‛Pessoa, como tantos outros portugueses, hesitou perante a Ditadura, apoiando-a, antes de começar a duvidar, não da ideia de Ditadura, mas dos homens ue a geriam’. Como muitos dos compatriotas, ele espera um salvador para o país. Tornou-se mais ou menos monár uico, mas ‛para a Monar uia Nova, começa por faltar o Rei; faltam os governantes, [...]; e faltam finalmente os pr prios governados.’ Acrescenta ue o mais urgente encontrar ‛uma f rmula de transi o ue sirva de declive natural para a monarquia futura, mas esteja em certa continuidade com o regímem actual [republicano]’. Essa f rmula, já experimentada por Sidônio Pais, a ‛república presidencialista’. No fundo, podemos pensar ue Salazar representou para ele, a certa altura, a esperança de uma ‛transi o’ desse tipo, e ue o decepcionou pelo imobilismo e talvez tamb m pelo ‛populismo’. (BRÉCHON, 1999, p.499)

20

Ibidem

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Em trecho de uma das cartas enviadas a Adolfo Casais Monteiro,

Fernando Pessoa anuncia que por causa da censura da ditadura salazarista

iria deixar de escrever. Sendo uma personagem extremamente controversa, ou

seja, n o devia se “pôr f ” em tudo ue Pessoa dizia, era cab vel imaginar ue

não se passava de mais uma boutade do poeta lusitano. Porém, a humanidade

iria saber exatamente um mês após por que se calaria uma das mais

retumbantes vozes da literatura. Assim, convém que deixemos um dos últimos

escritos do autor da Mensagem:

Desde o discurso que o Salazar fez em 21 de Fevereiro deste ano, na distribuição de prêmios no Secretariado da Propaganda Nacional, ficamos sabendo, todos nós que escrevemos, que estava substituída a regra restritiva da Censura “n o se pode dizer isto ou a uilo”, pela regra sovi tica do Poder, “ em ue se dizer a uilo ou isto”. Em palavras mais claras, tudo quanto escrevemos, não tem que contrariar os princípios (cuja natureza ignoro) do Estado Novo (cuja definição desconheço), mas tem que ser subordinado às diretrizes traçadas pelos orientadores do citado Estado Novo.21

Mensagem é a epopeia escrita no tempo do caos, de guerras de

proporções apocalípticas, de privações da liberdade. É a épica da crise. Foi ele

mesmo quem, ao se colocar de forma indagadora como a estância anunciadora

de um d’“Os Avisos” da chegada d’“O Encoberto”, ao auto-refeletir-se,

refletindo a vacuidade de seus dias e o mal-de-existir da modernidade, aponta

21

Rascunho de uma carta a Adolfo Casais Monteiro, em 30 de outubro de 1935. Na citada

carta anuncia que deixará de escrever por não se submeter a totalitarismo, nem de direita, nem de esquerda. A 30 de novembro do mesmo ano viria a falecer, deixando a última frase escrita a lápis, no dia da sua morte “I know not what tomorrow will bring”, “Eu n o sei o ue amanhá trará”. LANCAS RE, Maria Jos de. Fernando Pessoa: Uma fotobiografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, p. 275.

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para a necessidade urgente de um novo messias. E, assumidamente falhado,

diz que:

TERCEIRO Screvo meu livro à beira-mágoa. Meu coração não tem que ter. Tenho os meus olhos quentes de água Só tu, Senhor, me dás viver. Só te sentir e te pensar Meus dias vacuos enche e doura. Mas quando quererás voltar? Quando é o Rei? Quando é a Hora? Quando virás a ser o Christo De a quem morreu o falso Deus, E a despertar do mal que existo A Nova Terra e os Novos Céus? Quando virás, ó Encoberto, Sonho das eras portuguez, Torna-me mais que o sopro incerto De um grande anceio que Deus fez? Ah, quando quererás, voltando, Fazer minha esperança amor? Da nevoa e da saudade quando? Quando, meu Sonho e meu Senhor? (PESSOA, 1981, p.20)

Podemos dizer que Mensagem é um livro de uma vida inteira. É obra

madura, amadurecida em conjunto com o seu pr prio criador ue, “ruminante

de ideias” e da hist ria, retomando Guimar es Rosa, descrente da restitui o

da hegemonia nacional através política e diante da catastrófica situação

europeia no início do século XX e de toda ebulição que ela causou ao ser

humano, irá evocar para si um passado mitificado, a fim de estabelecer uma

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nova ordem, cultural que seja, para a nação portuguesa e para o homem

universal, num futuro no qual somente um olhar metafísico e místico seria

capaz de vislumbrar.

Mensagem é, sobretudo, um universo semipronto, erguido em meio às

ruínas das ruínas de uma vida de fragmentos. Semipronta porque publicada;

não esgotada. Semipronta porque relida; embora insuficientemente estudada.

Semipronta porque mítica e por ue “Em baixo, a vida, metade / De nada,

morre.” (PESSOA, 1981, p.6). É a escrita levantada sobre as ruínas de uma

hist ria ue se cumpriu e se esvaziou por n o ter validado a ida “ao Oriente e

visto a Índia e a China.” (PESSOA, 1981, p.237), pois, segundo o heterônimo

pessoano, Álvaro de Campos, “A terra semelhante e pe uenina / E há s

uma maneira de viver.” (Ibdem). E essa “maneira de viver’ talvez seja virar as

costas para o passado, tal como fez Cesário Verde n’“O Sentimento de um

Ocidental”, no ual, à maneira baudelariana, voltou-se para a urbe, como que a

criticar o atraso cultural de um povo arraigado no passado histórico cumprido,

ao escrever ue “Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado(a)! (“(a)”, grifo

nosso) / Singram soberbas naus que eu não verei jamais!” (VERDE, 1975,

p.48).

O ensaísta português M. S. Lourenço em Os Degraus do Parnaso (2002)

traça mentalmente como teria sido o percurso de Cesário pelas ruas de Lisboa.

Ele destaca também o tratamento dado pelo poeta simbolista português que,

ao “virar as costas” para a estátua de Camões, parece negar o discurso d’Os

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Lusíadas, substituindo-o pela domesticidade da vida urbana. Portanto, para

Lourenço

Não é difícil fazer-se uma imagem do que teria sido o passeio que Cesário deu no nebuloso crepúsculo do dia descrito no seu poema de maturidade “Sentimento dum Ocidental”. Come a Junto ao rio, a caminho da estação de Santa Apolónia, daqui sobe para Alfama, donde desce a seguir para a Sé de Lisboa, continuando a descer atinge o centro da Baixa, para começar de novo a subir em direcção ao Carmo e ao Chiado, de onde desce finalmente de novo em direcção à Baixa. No que poderíamos chamar a sua via dolorosa ele abre-se completamente à música da cidade, à onda de som que exprime o ennui de que sofrem os seus prisioneiros os quais, tal como as almas no Inferno, sabem para todo o sempre que a Redenção já não é possível. À medida que o pôr-do-sol avança o seu passeio torna-se num fundo obscuro, dentro do qual uma parte da sua alma começa a cair, da melancolia para a depressão, lentamente, por estádios, tal como a noite se aproxima. [...] Nas partes restantes do “Sentimento dum Ocidental” encontra-se apenas na parte I uma alusão bastante vaga a Camões. Depois dela o poeta épico e o tema épico deixam de ser mencionados e, à medida que o nevoeiro e a escuridão se tornam mais espessos, a evocação em sfumato do glorioso passado é substituída pela pedestre banalidade da experiência deprimente do presente. Não há assim uma ressurreição para Camões ou para o género épico em geral, uma vez que também este não se pode subtrair ao princípio spengleriano de uma obsolescência irreversível. (LOURENÇO, 2002, p.117-118)

O modo poético de se voltar contra o passado instaurado no consciente

popular nos remete ao anjo de Paul Klee citado no início de O Anjo da história

(2010), de Walter Benjamin. Na obra, o pensamento benjaminiano sobre a

história, e por que não, sobre a obra de arte está enfaticamente conectado à

ideia de ruína, de fagulha, de estilhaço. A figura angelical pintada pelo pintor

suiço, absorta, encontra-se na catastrófica dicotomia entre o desejo de salvar

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os fragmentos de um tempo antes do qual nada fora consumado e o tempo

depois do qual tudo é efêmero. Assim sendo, vale-nos resgatar o apontamento

oferecido pelo teórico quando escreve que:

[...] Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Tem os olhos esbugalhados, a boca escancarada, e as asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Voltou o rosto para o passado. A cadeia de fatos que aparece diante dos nossos olhos é para ele uma catástrofe sem fim, que incessantemente acumula ruínas sobre ruínas e lhas lança aos pés. Ele gostaria de parar para acordar os mortos e reconstituir, a partir dos seus fragmentos, aquilo que foi destruído. Mas do paraíso sopra um vendaval que se enrodilha nas suas asas, e que é tão forte que o anjo já não as consegue fechar. Esse vendaval arrasta-o imparavelmente para o futuro, ao que ele volta as costas, enquanto o monte de ruínas à sua frente cresce até o céu. Aquilo a que chamamos o progresso é este vendaval. (BENJAMIN, 2012, p.14)

No artigo intitulado de Fernando Pessoa e o Universo Inacabado22 José

Saramago, ao analisar a vida e a obra, ou melhor, a obra-vida dos artistas, seja

lá qual for a forma artística manifestada, faz a seguinte colocação:

Das obras dos homens não será expressão de pessimismo dizer que são, todas elas, inacabadas. Refiro-me em especial aos trabalhos da arte, da poesia, sucessivamente retomados por cada nova geração, não no exacto ponto em que a geração anterior os abandonou, mas em outro ponto, algures, ligado àquele por sinais e processos de continuidade nem sempre facilmente reconhecíveis, e em que as próprias rupturas deveriam ser observadas como elos de uma cadeia que, podendo não ser inapelavelmente lógica, não deixa, por isso, de ser de ferro. É verdade que sempre se trata duma verificação a posteriori, como todas o são, afinal, mas a sua aparência de necessidade inelutável quase exige de nós, agora que a informática colocou ao nosso alcance a bola de cristal

22

SARAMAGO, Jos . “Fernando Pessoa e o Universo inacabado”. In. Gilda Santos, Jorge Fernandes da Silveira e Teresa Cristina Cerdeira da Silva, Cleonice: Clara em sua Geração, p.336 – 341.

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das mil e uma projecções, que cedamos à tentação de adivinhar e prever os caminhos futuros da criação artísticas, com o que ficaríamos a saber, hoje, que romance se fará amanhã, que pintura, que música, que poesia. (SARAMAGO, 1990, p. 336-337)

E, ao se dirigir especificamente à obra-vida do poeta português, observa

que se encontra em Fernando Pessoa, mais até que em outros autores, um

universo artístico praticamente inacabado. E postula ainda que:

Se a obra de Fernando Pessoa nos aparece concluída, é só porque sabemos, e não podemos deixar de saber, que ele morreu. Ou por outras palavras: a obra de Fernando Pessoa seria, deste ponto de vista, a mais inacabada das obras, degolada cerce no salto ou no voo, ela própria uma estrada que subitamente se interrompe no limiar do que, daí para diante, será o vazio, o lugar. Se um vazio pode ser, onde nenhuma escrita é mais possível. (SARAMAGO, 1990, p.338)

E a opinião de Saramago assim se manifesta não só pela simples razão

de Pessoa ter publicado apenas um livro durante a vida, ou pelo fato de a

maioria de seus escritos terem vindos à tona depois de descoberta a sua

famosa arca, muitos dos quais, diga-se de passagem, inconclusos ou até

mesmo sem qualquer tipo de organização. Talvez Saramago quisesse ressaltar

que a obra pessoana, de certo modo, apresenta-se ainda por se cumprir. E

que, mesmo se restasse a Pessoa mais alguns anos ou que ele vivesse a

expectativa de vida que um homem de sua geração pudesse viver, ainda assim

a noção de completude de sua escrita não se transparecia após a morte do

autor. E alerta o romancista português que a humanidade está condenada a

não saber, portanto, quem é/foi Fernando Pessoa. Que para concluir o universo

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pessoano necessitar-se-ia da renunciação do universo daquele que ousasse

tentar; haja vista o risco iminente da loucura durante a tentativa. Assim,

tomando emprestadas as palavras do autor de O Ano da morte de Ricardo

Reis, “ inevitável enlou uecer no espa o c smico, onde n o existe alto nem

baixo, nem norte nem sul, nem direito nem avesso, nem dentro nem fora.”.23 É

inevitável enlouquecer ao se tentar esgotar o universo da Mensagem, a mais

inacabada das epopeias; poema escrito às margens da história de vida de um

poeta “à beira-magua” (PESSOA, 1981, p.20).

23

Ibdem

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3. – A “HORA” DE UMA ÉPICA DO “ANTEMANHÔ

Cada um de nós tem, talvez, muito que dizer, mas acerca desse muito há pouco que se diga. A posteridade quer que sejamos breves e precisos. Faguet diz excelentemente que a posteridade só gosta de escritores breves. A variedade é a única desculpa da abundância. Ninguém deveria deixar atrás de si vinte livros diferentes, salvo se for capaz de escrever como vinte homens diferentes. Fernando Pessoa

24

Para além de cantar as conquistas territoriais do povo lusitano e o

legado ultramarino português, Mensagem é a tentativa pessoana de dar um

sentido mais humano e universal, poeticamente que seja, à nação cuja história

se cumpriu. Para tanto, através de uma eleição pessoalíssima dos signos

simbólicos do passado, erguem-se arquétipos míticos vazios, sobejamente

instaurados no subconsciente cultural de um país que, de grandioso, apenas

um livro lhe restara, Os Lusíadas. É justamente entre o limbo criativo do legado

camoniano e a atual estagnação poética da pátria que o poeta irá fundar sua

escrita.

Em Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias25 (1966), um

apanhado de textos teóricos e pseudo-filosóficos organizados Por Georg

Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho, Fernando Pessoa faz um levantamento

24

PESSOA, Fernando. Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literária. Textos estabelecidos

e prefaciados por George Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho. Lisboa: Ática. S/D. p.258. 25

PESSOA, Fernando. Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias. Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho. Lisboa: Ática.

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sobre o verdadeiro papel do artista perante a sociedade e seu ideal como

influenciador de gerações. Mais precisamente no artigo Aforismos e

Fragmentos sobre a Arte destaca que

O ideal do artista influenciador de gerações é alto na proporção em que ele tem consciência do seu mister, na proporção em que tem consciência do seu papel de influenciador de gerações futuras, e da sua missão de quem deve deixar perenemente aumentado o património espiritual da humanidade. (PESSOA, S/D, p.32)

Em “um per odo de pobre e deprimida vida social, de “mesquinha”

política, de dificuldades e obstáculos de toda a esp cie...” (PESSOA, 1981,

p.15), a poética pessoana, sobretudo na Mensagem, surgiria como a

“antemanh ” (PESSOA, 1981, p.6) de uma gera o de poetas ue “deslocará

para segundo plano a figura, at agora (ent o) primacial, de Camões.”

(PESSOA, 1981, p.4). Como um vaticínio de uma época sublime da nação

portuguesa, anuncia, anunciando-se, megalomaniacamente até, o surgimento

do supra-Camões; espécie de messias capaz de, encarnando-se nos mitos

passados da Ideia-Portugal, conduzir Portugal para um estágio onírico de

Portugal-Ideia, sepultando e ressuscitando o texto que outrora cantou uma

Índia que para Índia partira e de lá não voltou.

No conjunto de Estudos Portugueses, no ensaio “Mensagem e Os

Lusíadas: Convergências e divergências”, Sônia Pietro destaca um trecho de

Fernando Pessoa, publicado na revista A Águia, no qual o escritor português

delineia o projeto da Mensagem ao citar:

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E a nossa grande Raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas “da uilo de ue os sonhos s o feitos”. E o seu verdadeiro e supremo destino, de que a obra dos navegadores foi obscuro e carnal antearremedo, realizar-se-á divinamente. (PESSOA, In PIETRO, 1995, nº 5, p.191)

Também foi Eduardo Lourenço, em Poesia e Metafísica (1983), mais

precisamente em Pessoa e Camões26, ensaio no qual faz uma análise

correlativa entre a épica camoniana e a Mensagem, que havia apontado que

para Pessoa “O autor de Os Lusíadas, pelo menos na aparência, já não lhe

podia servir de Virg lio...”. E destacou tamb m ue “Fernando Pessoa foi o

primeiro que percebeu que Os Lusíadas já não nos podiam ler como até então

nos tinha lido e que chegara o tempo de sermos nós a lê-lo a ele.” (Louren o,

1983, P. 245). E acrescenta ainda que, em termos modernos, Fernando

Pessoa n o buscou somente um embate com a epopeia camoniana, “mas

também assinalar o seu tempo próprio como tempo morto e o texto sacralizado

como texto sepultado e para sempre abolido.” (LOURENÇO, 1983, p.247).

Assim sendo, vislumbra-se no poeta lisboeta o desespero face à

vida e a visão niilista de um autor em tempos de crise. Porém, ao se aperceber

dos sintomas advindos do plano histórico falido e a inefabilidade do plano

político de soberania nacional com relação à Europa, essa mesma crise se

tornou o veio potencial de sua escrita. Segundo Helder Macedo:

Em Pessoa, a loucura sebastiânica ue uer “grandeza ual a sorte n o dá” um fim em si pr prio cujo valor redentivo s

26

Comunicação apresentada no Colóquio camoniano luso-italiano realizado no Solar de Mateus em Abril de 1980. Texto publicado na revista Brotéria.

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existe em manifestar-se e que, para se poder manifestar, necessita que o mundo seja a degradação que a justifique, tornando-a espiritualmente necessária. (MACEDO, 2006, p.161)

A necessidade de se destruir o busto de Camões em praça pública era o

sacrifício exigido para se estabelecer uma nova ordem espiritual na cultura

portuguesa. Ora, detentor de uma sapiência crítica da herança literária de

Portugal e do real alcance de sua própria obra, Pessoa não se ateve na pura e

simples tentativa de suplantar Os Lusíadas. E, se por acaso a isso se

sentenciou, a autoconsciência da derrota n o lhe fora motivo de “insônia”. O

estatuto camoniano já estava institucionalizado. Era preciso desmitificá-lo,

desmitificando os heróis dos seus feitos, ornando-os de novos conteúdos

m ticos. Já n o mais o do “Grego e do roiano” (CAMÕES, 2002, p.25) que

deverá ser cessado, mas o canto lusitano, morto e enterrado numa cova

ordinária no ano de 1580 27.

Não tencionamos realizar um estudo comparativo entre Os Lusíadas e a

Mensagem. Isso outros autores fizeram com bastante competência, por sinal,

como a ensaísta e especialista na obra de Fernando Pessoa, a professora

27

Segundo Vítor Aguiar e Silva, em Dicionário de Luis de Camões, o poeta teria sido sepultado

na Igreja de Sant'Ana, em Lisboa, a 10 de Junho de 1580, próxima da casa onde vivia a sua mãe, na calçada de Santana, mas não se sabe exatamente onde foi colocado o cadáver, se dentro, se fora da igreja ou até mesmo se numa fossa. Segundo ele, supõe-se que o poeta teria ficado sepultado do lado esquerdo da entrada principal da igreja e, anos mais tarde, D. Gonçalo Coutinho mandou colocar no local uma lápide de mármore em que refere Camões como "Príncipe dos Poetas do seu tempo", falecido em 1579. Aguiar e Silva afirma que esse suposto erro no epitáfio do Camões, Justifica-se dando antes crédito ao documento da chancelaria de Filipe I (II de Espanha) que atribui uma tença à mãe de Camões neste mesmo ano em eu se foi incluso a lápide sepulcral. Mas como quase tudo sobre a vida de camões é duvidoso, ficamos com essa versão, parelha à história tida como oficial. (Dicionário de Luis de Camões. Org. SILVA, Vítor Aguiar e. Alfragide – Portugal: Editora Caminho, 2011.)

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Cleonice Berardinelli, uando, em sua “vers o” de Mensagem (2014), à guisa

de apresentação, aponta-nos que

[...] porque Mensagem, que o leitor ora tem em mãos, não é uma antologia, mas um livro editado e reeditado desde 1934, primeiro por seu autor, Fernando Pessoa, depois por diversos pesquisadores, mais ou menos aparelhados para a tarefa de editar versos daquele que , ao lado de Luis de Camões, se

firmou como o poeta maior da literatura portuguesa. (BERARDINELLI in PESSOA, 2014, p.10)

Parece-nos bem claro qual o lugar de destaque que uma das maiores

representantes dos estudos portugueses no Brasil atribui a Fernando Pessoa.

Assim, ao analisar o poema pessoano a partir de uma comparação com Os

Lusíadas, num ensaio inserido na já mencionada edição do livro de Pessoa,

cujo título Os Lusíadas e Mensagem: um jogo intertextual 28, a autora já deixa

de sobreaviso os caminhos pelos quais seguirá, destacando que o poeta da

Mensagem, mal suportando a grandeza de Luis Vaz de Camões, irá

escamotear-se transparentemente de o Super-Camões, numa tentativa de

suplantar o nome do primeiro grande poeta épico de Portugal. Mas longe de

apresentar uma visão depreciativa de Pessoa com relação a Camões,

Berardinelli procura destacar a admiração do escritor lisboeta pelo criador da

primeira grande épica portuguesa quando escreve:

Uma pequena descoberta que fiz entre papéis deixados por Pessoa, e que constituem o Espólio III da Biblioteca Nacional de Lisboa, parece-me confirmar o que digo. Numa página atribuída a Álvaro de Campos, na qual ele dá breves de

28

Uma versão deste ensaio foi publicada in BERARDINELLI, Cleonice. Estudos Camonianos.

Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

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grandes homens, não apenas poetas, entre os quais estão Dante e Shakespeare, por exemplo, encontra-se, brevíssima e muito impossivelmente interrompida, a de Camões: ‘Camões, nau a meio caminho”, corrigida a linha superior a palavra caminho por carinho, o ue dará a leitura: “Camões, nau a meio carinho”. N o há data na página. Nenhuma indica o no papel, que possibilite datá-lo. Mais um mistério indecifrável: quando terá Pessoa, pela voz de Campos, feito este retrato enternecido em que o poeta cantor de naus é nau ele mesmo, a navegar, não por caminhos , como todas as naus, mas por um carinho daquele que, num sonho megalômano, aspira a superá-lo? E não se esqueça que é Álvaro de Campos quem o diz, a uele dos heterônimos em ue uem Pessoa pôs “toda a emo o ue n o [deu] nem a [si] nem à vida” e ue, por isso mesmo, é capaz de ter e de exprimir o carinho pelo poeta maior. (BERARDINELLI in PESSOA, 2014, p.140).

Não é uma espécie de redenção para Fernando Pessoa que buscamos

fazer, e também acreditamos que não foi essa a intenção de Cleonice

Berardinelli ao inserir tal nota em seu ensaio. Ora, Pessoa, altamente a par da

genialidade de Camões, nutria sim uma admiração pelo poeta renascentista,

sobretudo à sua escrita épica, em contraponto à lírica, como fez questão de

enfatizar. Portanto, o que gostaríamos de destacar é que a ausência epigráfica

de Camões na Mensagem é justamente o que mais lhe confere presença no

poema do autor de O Livro do Desassossego (1982).

O livro de Fernando Pessoa funciona como uma esp cie de “morfema

zero” d’Os Lusíadas. Isso se justifica exatamente pela ausência da figura

camoniana na eleição dos heróis históricos que Fernando Pessoa fizera na

composição do seu poema. Porém, enigmaticamente as principais passagens

da épica de Camões são retomadas no livro pessoano, ora com exemplificação

mais nítida, ora mais implícita. Poder-se-ia, por exemplo, correlacionar o

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poema “Ascens o de Vasco da Gama”, figurado na “Segunda Parte” da

Mensagem como uma remiss o ao famoso epis dio da “Ilha dos Amores” da

parte final d’Os Lus adas, ou at mesmo entender ue “O Monstrengo”,

também alojado no segundo capítulo do livro de Pessoa, nada mais é do que a

vers o pessoana do “Gigante Adamastor”, o ual Camões atribui

mitologicamente ao Cabo das Tormentas. Quando nos versos finais do “Mar

Portuguez”, poema homônino da “Segunda Parte” da Mensagem, que não à

toa virou chavão literário da escrita portuguesa, Pessoa escreve ue “ udo vale

a pena / Se a alma não pe uena.” (PESSOA, 1981, p.16), parece-nos uma

justificativa do poeta aos vatic nios contrários do ‘Velho do Restelo” da epopeia

de Camões; mas a isso retomaremos de forma mais detida uma pouco mais

adiante em nosso trabalho. Aqui, então, caber-nos-á, primeiro, a afirmação de

que o compromisso textual pessoano está estritamente ligado ao intertexto, ou

seja, não à figura histórica do poeta épico do Renascimento português, mas

sim ao seu legado literário, o que não exclui, então, o óbvio compromisso

intertextual de Fernando Pessoa para com a épica camoniana. Ele apenas

incita o leitor a decifrar nas entrelinhas do seu livro o recorte que fizera de

Camões, inserido na Mensagem com um viés basicamente diverso daquele

instaurado na consciência cultural do país. Assim, longe de apenas sublimar o

“peito ilustre lusitano” (CAMÕES, 2002, p.26), Mensagem busca nas ruínas de

um passado que se cumpriu não se cumprindo, a redenção transcendental de

uma nação poeticamente esgotada.

Walter Benjamin, em O Anjo da história (2010), ao debruçar-se

dialeticamente sobre o materialismo hist rico, atesta ue “O passado traz

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consigo um índex secreto que o remete para a reden o.” (BENJAMIN, 2010,

p.10), e que a voz a que damos ouvidos não passa de outras vozes

anteriormente silenciadas. Afirma também:

Articular historicamente o passado não significa reconhecê-lo “tal como ele foi”. Significa apoderarmo-nos de uma recordação (Erinnerung) quando ela surge como um clarão num momento de perigo. Ao materialismo histórico interessa-lhe fixar uma imagem do passado como ela surge, inesperadamente, ao sujeito histórico no momento do perigo. O perigo ameaça tanto o corpo da tradição como aqueles que a recebem. Para ambos, esse perigo é um e apenas um: o de nos transformarmos em instrumentos das classes dominantes. Cada época deve tentar sempre arrancar a tradição da esfera do conformismo que se prepara para dominá-la. Pois o Messias não vem apenas como redentor, mas como aquele que superará o Anticristo. (BENJAMIN, 2010, p.11-12)

Num constante impulso de se inscrever, escrevendo-se, Fernando

Pessoa fazia da escrita um verdadeiro exerci(ofí)cio de vida. Autor de inúmeros

projetos inconclusos, Mensagem se afigura como o único livro devidamente

organizado durante a vida do autor. Embora publicado no ano de 1934, pouco

antes de sua morte, a perene vontade de ser o arauto da transnacionalidade

histórica de Portugal já se anunciava muito antes no espírito criativo do poeta.

Fato perceptível no ano de 1913, com a publica o do poema “Gládio”,

integrado posteriormente à Mensagem sob o t tulo de “D. Fernando, Infante de

Portugal” como já mencionamos anteriormente, Outros tantos textos tamb m

foram espaçadamente publicados em revistas literárias antes de serem

inseridos no livro que outrora iria se chamar Portugal.

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Sob a gide da inser o latina ue o abre, “Bellum sine bello” (Guerra

sem combate), “Bras o”, a primeira parte do poema, configura, atrav s do

símbolo heráldico que o próprio Fernando Pessoa elege, a sedimentação

territorialista do pa s. Subdividido, ora em potencialidade, “Os Castellos” , ora

em materialidade, “As Quinas” , o percurso hist rico do reino retratado desde

sua raiz mítico-literária mais profunda, “Ulysses” , perpassando o caminho

histórico-evolutivo pela proto-hist ria portuguesa, “Viriato”, pelos reinos

sedimentares da soberania nacional, pelos heróis representantes da falência

histórica, sobretudo, pela figura exponencial de D. Sebastião e, finalmente,

pelos arqu tipos emblemáticos de ʺO imbre” ─ s mbolo dúbio por excelência

em sua metamorfose de águia-le o ─, credenciados à heroicidade trágica,

justamente por suas naturezas anfíbias e ambíguas

(materialidade/espiritualidade), a descortinarem o sonho do Ultramar.

Antes, porém, de adentrarmos em qualquer consideração a respeito de

“Mar Portuguez”, cap tulo segundo do poema, vale-nos de antemão a leitura do

poema de abertura da “Segunda Parte” da Mensagem, “O Infante”, justamente

por ele se tratar da gênesis da incurs o náutica portuguesa “por mares nunca

de antes navegados” (CAMÕES, 2002, p.25) e por condensar, através da

predestinação onírica do Infante de Sagres, grande parte da cosmovisão de

Fernando Pessoa sobre o mar mítico que, na alma do povo português, ainda

falta cumprir. Porém, se suscitamos a leitura desse poema já nessa parte de

nosso trabalho, é nele que iremos nos debruçar quando formos destacar que

n o na parte narrativa ue Pessoa mais se det m, uando, atrav s de “O

Infante”, destina-se não somente a contar a incursão marítima portuguesa, mas

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também um busca exemplificada nesse poema por narrar a aventura

existencial-metafísica do homem moderno. Mas, de antemão, vale-nos uma

leitura, desse que é uma das sínteses poéticas da Mensagem:

I. O INFANTE

Deus quere, o homem sonha, a obra nasce. Deus quis que a terra fosse toda uma, Que o mar unisse, já não separasse. Sagrou-te, e foste desvendando a espuma, E a orla branca foi de ilha em continente, Clareou, correndo, até ao fim do mundo, E viu-se a terra inteira, de repente, Surgir, redonda, do azul profundo. Quem te sagrou creou-te português. Do mar e nós em ti nos deu sinal. Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. Senhor, falta cumprir-se Portugal! (PESSOA, 1981, p.12)

Um dos poemas-síntese do livro, “O Infante” configura o g rmen da

aventura ultramarina portuguesa, gradualmente demarcada pela apoteótica

“Ascens o de Vasco da Gama”, vindo a culminar no esvaziamento do projeto

hist rico, a bordo da “Última nau” d’ʺO Encoberto”; conclamado em “Prece”,

para que “outra vez” (PESSOA, 1981, p.17) se restabeleça, já não mais em

uma ordem hist rica, mas cultural, “a Distância” (Ibdem) de um “mar ue n o

tem tempo ou ‘spa o”. ( PESSOA, 1981, p.16).

Embora apresente uma unidade de sentido mais ou menos linear e uma

estrutura pica ─ desde ue compreendamos Mensagem como uma

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manifesta o da poesia pica, ─ mais ou menos edificada 29, ou seja,

apresente uma unidade narrativa do passado grandiloquente português,

mesmo que de maneira anacrônica, Fernando Pessoa não se dedicou somente

a narrar as viagens expansionistas e as ruínas trágico-máritimas da história

portuguesa na “Segunda Parte” do seu livro, “Mar Portuguez”. Menos lhe

importava o que Bartolomeu Dias e os outros tantos argonautas lusitanos

fizeram ou não fizeram de substancial durante seus respectivos incursos

históricos. Preponderantemente cabia à Pessoa o mito atrás do mito que cada

um trazia consigo. O mar sonhado já não era o mar de água, sal e lágrimas

lusitanas, mas um mar-outro, utópico, banhado pela dúplice vertente de seus

desbravadores, conquista e sofrimento, dicotomia necessária para credenciá-

los; umbrais de uma nação fadada à conquista através da dor, como

coadjuvantes do espetáculo d’ʺO uinto imp rio” ue se anuncia e anuncia o

ator principal, “O Encoberto” e seu retorno ao palco no ual “A terra será o

teatro”. (PESSOA, 1981, p.18).

Antepenúltimo poema da “Segunda Parte” do livro, cujo t tulo se

assemelha ao cap tulo segundo da epopeia pessoana, “Mar Portuguez” opera

como um excurso do discurso épico do livro-poema após ter completado o ciclo

29

Segundo Cleonice Berardinelli, no já referido ensaio comparativo entre Os lusíadas e a

Mensagem, Os Lusíadas e Mensagem: um jogo intertextual, o elemento que mais aproxima o livro camoniano do livro pessoano seria suas respectivas composições líricas. E que, se a estrutura formal da épica renascentista portuguesa convergia com os moldes clássicos, “edificada na busca de uma solução real para reverter a solução da pátria” (BERARADINELLI in PESSOA, 2014, pg. 163), e na “Mensagem ressai, intensificada no poema final, ‘Nevoeiro’, a proposta de uma solu o n o mais de dimens o humana, mas transcendente.” (Ibdem), há, enfim, na literatura portuguesa “dois poemas picos ou pico-l ricos? ‘de esp cie complicada’, diria Pessoa, e digo eu: como convinha a Portugal.” (Ibdem) Portanto, aponta, Cleonice, para duas épicas de natureza lírica, diversificando-se entre as duas a forma como a história é narrada em uma, Os Lusíadas, e a forma como essa forma é transcendida em outra, Mensagem.

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narrativo da história das navegações, configurada nos poemas anteriores, que

v o desde “O Infante”, ao seu apogeu, com a “Ascens o de Vasco da Gama.

Estruturado condensativamente em uma estilística que se apresenta em duas

sextilhas de versos decassílabos a octossílabos, excetuando o segundo verso

de cada sextilha, que possuem sete sílabas poéticas cada, o poema sintetiza

em si a ideologia que se busca praticamente em toda Mensagem, através da

isotopia que se desenvolve a partir da perda e a necessidade de se perder para

se conquistar algo maior. Assim, quando Fernando Pessoa escreve:

Mar Portuguez Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nelle é que espelhou o céu. (PESSOA, 1981, p.16)

busca propor um balanço dos ônus e dos bônus da história trágico-

marítima portuguesa, num processo que perpassa pelo lançamento do homem

ao mar misterioso, cujo “o perigo e o abysmo” (Ibdem) Deus lhe dera, até a

aventura de se lan ar espiritualmente à uela voz ue “VEM no som das ondas

/ Que não [seja] é (seja, grifo nosso) a voz do mar?”. (PESSOA, 1981, p.19)

Assim, gradativamente o poema vai grafando, em forma de excurso, o declínio

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do histórico e cumprido, mas que necessário, conforme ratifica a segunda

estância, para um estágio metafísico do Homem com a sua existência.

Se podemos suscitar um diálogo entre “Mar Português” e o epis dio do

“Velho do Restelo”, d’Os Lusíadas; “um velho, d’aspeito venerando” (CAMÕES,

2002, p.136), essa correspondência se daria no sentido contra-ideológico que

os poetas imprimem em seus discursos. Porém, se com Camões esse

dis(ex)curso se apresenta como uma forma profética da ruína futura de

Portugal como potência europeia, uando na voz do anci o, no “Canto V” de

sua epopeia vaticina contra a ideologia expansionista, cuja “Ó gl ria de

mandar, v cobi a / Desta vaidade a uem chamamos de Fama!” (Ibdem) era

o que justificava ideologicamente a expansão das naus de Vasco da Gama, na

Mensagem tem-se configurada a ratificação do ideal expansionista; mas que,

estando historicamente cumprido, o “Bojador” representa metonimicamente o

umbral a ser rompido nesse mar-metonímia português, para que o discurso

possa se lançar de vez em um “mar” muito mais transcendental a bordo d’“A

Última Nau”, “Levando a bordo El-Rei D. Sebasti o” (PESSOA, 1981, p.16), o

seu Capitão. Portanto, o dístico com o qual se abre a segunda estância do

poema, “Valeu a pena / Se a alma n o pe uena.” (Ibdem), equaciona em si

basicamente o pensamento poético-ideológico com o qual Fernando Pessoa

construiu a Mensagem, marcando no poema de poemas pessoano um estágio

que compreende um espaço intervalar entre o real histórico mítico e o ideal

mitificado, a conquista física do mar e a transcendência metafísico-marítima, o

passado esvaziado e o futuro espiritual.

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Terceiro e último cap tulo do poema, “O Encoberto” e uaciona o polo

mais substancial e também o mais emblemático da Mensagem. Numa obra

“embebida em simbolismo templário e rosacruciano”30, cujo “Mestre, sem

saber, do Templo / Que Portugal foi feito ser,” (PESSOA, 1981, p.8), Pessoa

se insinuava próximo; repleta de superposição de mitos e símbolos, como a

“Excalibur, a ungida, / Que O rei Arthur te deu. / [...] Para a estrada se ver.”

(Pessoa, 1981, p.10); de gnosticismo iniciático, de cabalismo e esoterismo,

conforme ratifica a divisão tripartida do livro, configurada pelo número que

representa a Santíssima Trindade, subdividindo também outros tantos poemas,

principalmente os que tangenciam o último capitulo da obra; de ocultismo e do

esp rito nacionalista, os uais atestam ue s a Portugal foi dada a “Magia ue

evoca / O Longe e faz d’elle historia.” (Pessoa, 1981, p.14), enfim, a figura de

D. Sebastião, já sacralizada e mitificada no consciente popular, desponta-se

como o arquétipo vazio ideal dessa busca pessoana de se preencher a arte

moderna de uma nova dicção linguística. Porém, antes de mais nada, sobre

esse sebastianismo retomado e pessoanamente transformado em autômato de

si, vale lembrar o que Teresa Rita Lopes observa, quando diz que:

O Encoberto é o representante máximo do Quinto Império; é o emissário máximo das forças espirituais que hão de crear tal Império. Como podemos esperar que elle venha se não creamos primeiro as forças que, por sua vez a elle o hão de crear? E essas forças são a ânsia de domínio, e a tensão de todas as potencias da alma em torno d’essa ansia. Deve cada um de nós fazer por em si realizar o máximo que pode de similhante ao Desejado. A somma, a confluencia, a synthese

30

PESSOA, Fernando. O Eu Profundo. In: Obras em Prosa. 6ª reimp. Da 1ª Ed. Org. Intr. E notas de Cleonice Berardinelli. Rio de Janeiro: Nova Aguilar. 1986, p.70.

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por assim dizer carnal d’essas ansias será a pessoa do Encoberto.31

Em Pessoa, o compromisso literário sempre esteve à frente do

compromisso histórico. Não é o sebastianismo simplesmente que se busca,

mas, antes, o sebastianismo simb lico ue se encontra no “intervallo” (Ibdem),

vaticinado mito-poeticamente pel’“O Bandarra”, por “Antonio Vieira” e pelo

próprio sujeito que se enuncia. Assim, D. Sebastião torna-se a metonímia da

nação e, por que não, metonímia do próprio Pessoa, regressado em sonho da

“hora adversa” (Ibdem) para cumprir o Portugal que não foi, cumprindo-se o vir-

a-ser Portugal. Assim, como o símbolo mais sintético, porém, mais abstrato de

“O Encoberto”, “ erceira Parte” do livro pessoano, o poema, que não por acaso

também carrega o nome do capítulo, parece-nos apontar para uma das facetas

mais dominantes do pensamento do próprio Fernando Pessoa. Nele, o destino,

transubstanciado pela figura mítica de D. Sebastião, é fio condutor dos grandes

empreendimentos humanos, e responsável pelo surgimento de uma obra que

está além da obra. Ao neófito, portanto, cúmplice e voluntário, cabe a missão

de interpretar os símbolos-fecundos codificados pelo cosmos divino ou pela

natureza rosacruciana. Assim, vale-nos como prêmio a leitura de um dos

poemas mais emblemáticos da Mensagem:

O Encoberto QUE SYMBOLO fecundo

31

Documento 125B – 19, A Fraqueza do Sebastianismo Tradicional. Misto s/d, Pessoa Inédito. Coordenação de Teresa Rita Lopes. Livros Horizonte. 1993, p.228.

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Vem na aurora anciosa? Na Cruz Morta do Mundo A Vida, que é a Rosa. Que symbolo divino Traz o dia já visto? Na Cruz, que é o Destino, A Rosa, que é o Christo. Que symbolo final Mostra o sol já disperto? Na Cruz morta e fatal A Rosa do Encoberto. (PESSOA, 1981, p.19-20)

Mensagem é um conjunto de mosaico aberto de possibilidades dentro

de um mosaico fechado e completo. Espécie de Matryoshka; aquelas famosas

bonecas russas. Sua menor parte contém a essência imagética do seu total e o

seu total guarda dentro de si a essência de suas partes. Um poema como “Mar

Portuguez” (PESSOA, 1981, p.16), por exemplo, equaciona, de maneira

sintética, é claro, quase que todo o enigma textual do livro inteiro, conforme

supracitamos, assim como a obra em sua completude é, de maneira

grandilo uente, o “Mar Portuguez” (Ibidem). São estruturas que se relacionam,

que se interseccionam, mas que também se dissipam uma das outras. Que se

juntam no ponto cego de seu afastamento.

Essa tríplice divisão que compõe a totalidade do poema sugere

projeções míticas de personagens que fizeram parte da trajetória histórica da

nação portuguesa, escolhidos a partir de concepções simbólico-metafísicas,

atribuídas a eles por intermédio do próprio autor da Mensagem. Como

acontece no poema dedicado a “D. Diniz”, “O plantador de naus a haver”

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(PESSOA, 1981, pg. 07), sexto d’“Os Castellos” de “Bras o”, ue no “Canto

erceiro” d’“Os Lus adas” recebe apenas as seguintes notas:

Eis de[s]pois vem Dinis, que bem parece Do bravo Afonso estirpe nobre e di[g]na, Com quem a fama grande se escurece Da liberalidade Alexandrina. Com este o Reino próspero flore[s]ce (Alcançada já a paz áurea divina) Em constituições, leis e costumes, Na terra já tranquila claros lumes. Fez primeiro em Coimbra exercitar-se O valeroso oficio de Minerva; E de Helicona as musas fez passar-se A pisar de Mondego a fértil erva. (CAMÕES, 2002, p.103)

Para o poeta renascentista, parece-nos que, em seu poema “b lico”, um

Rei Lavrador 32, conforme o epíteto dado pela história, não pertencia à

32

Segundo José Hermano Saraiva, em História concisa de Portugal (1984), “Ao longo dos

séculos XIII e XIV desenvolve-se o comércio interno e externo e progride a articulação da actividade comercial com a agricultura. Não é um fenômeno apenas português, mas uma tendência verificada em toda Europa ocidental. A evolução portuguesa neste período é, sob esse aspecto, uma inserção da produção e do consumo nacionais no quadro da economia europeia. [...] Os mercadores da cidade percorriam as feiras do interior para ali vender a fazenda que importavam e para adquirir os stocks das mercadorias que exportavam. Desde os inícios do século XIII que a técnica de construção naval registra progressos: velame com área maior, um leme fixo que permite governar o barco a uma maior velocidade, o aumento da tonelagem, que possibilita carregar quantidades de mercadorias cada vez maiores, A palavra caravela aparece escrita pela primeira vez no foral de Vila Nova de Gaia, de 1255. [...] Em 1293, D. Dinis confirmou (não instituiu) a bolsa marítima, que era uma organização de capitais provenientes do comércio e formada por uma porcentagem sobre os lucros, que servia para custear os prejuízos dos sinistros marítimos. Durante todo o século XIV cresce nos nossos portos o movimento comercial e é por essa altura que Lisboa se transforma numa grande cidade mercantil, que supera todos os outros centros urbanos e assume a posição de capital. [...] Do mesmo modo que a evolução política, a evolução cultural foi agitada por mutações súbitas. [...] As produções deste ciclo são, no seu conjunto, numerosíssimas. Considera-se ainda hoje mais de duas mil. Dir-se-ia que toda a gente fazia versos. Os próprios reis eram poetas; atribui-se a autoria de uma poesia a D. Sancho I, e D. Dinis foi um excelente poeta, como tinha sido o avô dele, Afonso X, autor das famosas Cantigas de Santa Maria. Mas, quase subitamente, essa chilreada poética deixou de se ouvir e a poesia só voltará a dar sinal de si numa fase muito posterior, com o Cancioneiro Geral, publicado em 1516, mas com produção que abrange toda a segunda metade do século XV. O emudecimento parece coincidir com o

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es uadra consagrada d’“os barões assinalados” (CAMÕES, 2002, p.103).

Como um imperador de paz e da ordem, segundo atestam os versos finais da

primeira estância, o que nos chama a atenção, porém, é o tratamento dado por

Camões aos investimentos agrícolas feito por D. Dinis durante o seu reinado,

fato claramente reconhecido na palavra “flore[s]ce”, inserida no uinto verso da

estrofe primeira, abrindo mão até de mencionar com mais ênfase os dotes

poéticos pelos quais o rei era também reconhecido. Já na Mensagem,

seguindo um critério pessoal de seletividade dos heróis, que culmina em um

intervalo de quase um século após o reinado do Conde D. Henrique, D. Dinis é

evocado em sua condição mítica de pseudoprecursor da expansão marítima,

muito devido ao cultivo dos pinhais em seu governo; esse “rumor dos pinhaes

ue, como um trigo / De Imperio, ondulam sem se poder ver.” (PESSOA, 1981,

p.7), a matéria-prima das embarcações. Portanto, em sua dúplice condição

histórica de plantador de naus e de cantigas, o lirismo pessoano confere suma

importância ao Rei ao dimensioná-lo no poema a partir de sua terceira

condição de sentido; a de mito-profeta, vaticinando o intervalo que separa

Portugal de uma hist ria “Onde a terra se acaba e o mar come a” (CAMÕES,

2002, p.86).

Embora o movimento evolutivo-narrativo de Mensagem aparentemente

se apresente mais ou menos linear, a conquista da terra e a predestinação

para o Ultramar, a expansão ultramarítima e seu declínio, a evoca o d’“O

encoberto”, o percurso narrado se dá como um circuito fechado. Como um

fim do reinado de D. Dinis, que morreu em 1325, e constitui um enigma para o qual ainda não se encontrou explicação. (SARAIVA, 1984, pg. 94-95/104-105)

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eterno retorno, a figura que se anuncia no último poema que já “É a hora”

(PESSOA, 1981, p.23) de um novo descobrimento a mesma ue “jaz, fitando”

(PESSOA, 1981, p.5), em seu poema inaugural, um ocidente que transcende o

ocidente. De maneira espiralar, cada capítulo, embora relativamente

independente, anuncia-se e se cumpre, anunciando o próximo capítulo.

Repetindo-se e invertendo-se, didaticamente at ─ li o atrav s da repeti o

─, sugerindo uma pluralidade de sentido de uma unidade, assim como uma

unidade de sentido dentro da pluralidade. Cleonice Berardinelli, em Fernando

Pessoa: Outra Vez te Revejo (2004), ao analisar o poema sob o viés de sua

estrutura tripartida, relata:

a simetria formal da Mensagem reside no fato de que cada um de seus elementos tem correlatos necessários e suficientes dentro do plano estabelecido e seguido pelo poeta; apesar de compor-se de breves poemas agrupados em três partes que correspondem aos seus três “tempos”, tem a unidade de uma poema. (BERARDINELLI, 2004, p.120)

Sobre esses três “tempos” narrativos apontados pela ensa sta Cleonice

Berrardinelli, constata-se que a referida simetria pessoana é buscada apenas

na importância que é dada ao agrupamento das partes como um todo de

sentido. A cronologia narrativa, não arbitrária, é pouco relevante quando o

conteúdo narrado é tensionado a partir das frinchas abertas pelo esvaziamento

histórico. Num poema, em que tudo são sintagmas míticos, em que tudo, como

bem disse o pr prio Pessoa, “ udo tem outro sentido, (...) mesmo o ter-um-

sentido...” (PESSOA, 1981, p.113), o projeto arquitetural cronológico só poderia

também ser erguido sobre um alicerce mítico-temporal, ou, como tão bem

definiu Eduardo Lourenço, as três faces dialéticas da Mensagem são

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emblematicamente articuladas “em «passado mitificado», «presente m tico» e

«mítico futuro».” (LOURENÇO, 1983, p.254). E Lourenço ainda afirma que:

Quanto a Mensagem, o cuidado da composição, a articulação das suas partes em função de um todo de sobra inculcam a sua realidade arquitectónica. Melhor será dizer, a sua intrínseca organicidade, a tal ponto a arquitectura do texto de Mensagem é, por assim dizer, pleonástica, por ser, de raiz, de ordem simbólica e mítica. Se fosse exacto que Os Lusíadas não são enformados por um pensamento, Mensagem encarnaria um projeto ideal e oposto: um só pensamento a estrutura, o da omnipotência do Oculto como inacessível origem ou ao pelo de futurante revelação. O tempo de Mensagem é, por isso, uma espécie de não-Tempo, sem ser exactamente eternidade, como na grande poesia mística. (Ibidem, 1983, P. 251)

Não nos cabe enveredar por uma análise exegética de cada um dos 44

poemas que configuram a Mensagem, também não nos compete uma análise

minuciosa das três partes que constituem a obra. Isso se deve ao fato de de

encontramos obras que já desbravaram tal caminho, como tão bem se

debruçou Cleonice Berardinelli 33 em sua organização, apresentação e ensaios

sobre a Mensagem, preparados a partir dos originais dos manuscritos de

Fernando Pessoa, além de tantos outros que visaram a depuração global de

sentido do poema pessoano, como acrescentou devidamente Clécio Quesado

em Labirintos de um “Livro à Beira-Mágoa” (1999), ensaio no qual ele nos

oferece uma análise detida e pormenorizada de cada poema que constitui o

livro de Fernando Pessoa.

33 BERARDINELLI, Cleonice, PESSOA, Fernando. Mensagem. Organização, apresentação e

ensaios. Edição preparada a partir dos originais da obra e de correções feitas a mão pelo poeta. Rio de Janeiro: Edições Rio de Janeiro,2014.

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Antes de nos lançarmos prontamente no real projeto a que nos

propusemos, que é o reconhecimento do discurso épico em seu âmbito

moderno na Mensagem pessoana, procuramos, primeiramente, fazer uma

breve análise do texto do escritor português; um objeto poético digno de ser

investigado em suas múltiplas facetas poéticas, por isso acreditamos que essa

análise nos auxiliará e nos apontará direções, por vezes insólitas, para que

possamos estabelecer mais uma via de interpretação do poema, no real

propósito de se manter vivo o gosto pela leitura de uma das mais belas obras já

produzidas em língua portuguesa e de aumentar ainda mais o legado crítico do

livro do poeta português.

Nosso recorte textual será feito a partir de um apanhado poético do livro

pessoano que compreenda ao máximo o caminho por nós apontado. Afinal,

como supracitado anteriormente, se ninguém melhor que Fernando Pessoa

para falar dele próprio, não há mensagens mais compreensíveis do que

aquelas encontradas na Mensagem.

4. – A VITALIDADE DE UM DISCURSO ENVELHECIDO

As ideias, consideradas como algo de distinto dos prop sitos, ue produzem a imortalidade ideias como forma e não como substância. Na arte, tudo é forma e tudo inclui ideias. Não interessa à opinião da posteridade se um poema contém ideias materialistas ou idealistas; o que interessa é se elas s o elevadas ou n o, agradáveis na sua forma ainda ue na sua forma mental e abstracta ou desagradáveis.

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Fernando Pessoa34

O propósito do nosso trabalho é lançar um olhar sobre a Mensagem

pessoana capaz de reconhecer em sua tessitura formal elementos que a

exemplifiquem como um discurso épico específico da modernidade. Antes,

porém, de suscitarmos um enquadramento redutor do poema em um tipo de

gênero literário, buscamos apontar que é justamente nesse modo

pessoalíssimo e nesse m todo, dir amos mesmo “pessoal e pessoano” de

contar a trajetória nacional a partir da situação mítica do(s) herói(s) que residirá

porventura, talvez, a originalidade formal da obra.

O discurso associa-se ao período de glória dos portugueses, cantado,

recantado e recontado ao longo do tempo na literatura lusitana. O que se

intenciona em Mensagem é um novo canto do canto. Sua essência épica não

se condiciona na necessidade estrutural pré-estabelecida, e sim no

compromisso de reinterpretar a história portuguesa e a condição espiritual do

homem do seu tempo.

No poema de Pessoa, o lírico, o elegíaco e o dramático estão a favor do

épico, assim como o épico está a favor do dramático, do elegíaco e do lírico.

Retomando, em certo ponto, a visão oferecida por António Cirurgião em O

34

PESSOA, Fernando. Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literária. Textos estabelecidos e prefaciados por George Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho. Lisboa: Ática. S/D. p.259.

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Olhar esfingico da Mensagem, de Fernando Pessoa35 (1990), na qual

considera o livro pessoano “uma epopeia de composi o h brica.”.

O tom elegíaco esteve quase sempre presente na poesia de Pessoa,

sobretudo em sua construção lírica. Porém, se considerarmos o fato de que

Mensagem é uma obra que se constrói a partir de um contexto histórico

nacional, cumprido e esvaziado, em outras palavras, que o poema pessoano,

como uma fênix mitológica, nasceu a partir de uma necessidade urgente de

aniquilar o discurso épico de exaltação da pátria em O Lusíadas, podemos

perceber que a figura da morte, metaforicamente que seja, também se faz

presente na épica de Fernando Pessoa. O poema com o qual o poeta inaugura

o seu livro reflete a imagem de uma esfinge que, hibernada em seus

“cotovellos” (PESSOA, 1981, p.5), necessita ser acordada de seu estágio de

letargia cultural, para fazer, atrav s de um olhar português, o “parto” de um

novo canto épico, sem tempo e espaço. Ainda uma vez convém lembrar que

talvez aí resida a sua vitalidade.

Salientemos que um estudo dos influxos elegíacos na Mensagem

merece um olhar mais detido, devido à complexidade que tal apontamento

suscita.36 Desde já, porém, para uma maior reflexão daquilo que abordamos

até agora e também para análises futuras, torna-se necessário um recorte de

“O dos Castellos” ue, como uma esp cie de R uiem para uma Europa

35

CIRURGIÃO, António. “O Olhar Esfingico” da Mensagem de Fernando Pessoa. Lisboa: Ministério da Educação, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa. 1990. 36

Talvez se faça nascer a partir desse olhar crítico um outro trabalho futuro; o que, por

enquanto, não nos cabe fazer.

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esfíngica, perdida em seu próprio enigma, dá o tom inaugural do poema

pessoano:

O DOS CASTELLOS A Europa jaz, posta nos cotovellos: De Oriente a Occidente jaz, fitando, E toldam-lhe românticos cabellos Olhos gregos, lembrando. O cotovello esquerdo é recuado; O direito é em ângulo disposto. Aquelle diz Italia onde é pousado; Este diz Inglaterra onde, afastado, A mão sustenta, em que se appoia o rosto. Fita, com olhar sphyngico e fatal, O Occidente, futuro do passado. O rosto com que fita é Portugal. (Ibdem)

Segundo José Augusto Seabra, em O Arquitexto da Mensagem 37, ao

recuperar os apontamentos feitos pelo crítico francês Gérard Genette, em

Introdução ao arquitexto, define que o poema pessoano seria um

[...]Livro estruturado segundo uma intencionalidade simbólica, de significação esotérica, que se pode ler tanto nos planos de sua construção como na sua arquitectura final, a Mensagem releva de uma textualidade complexa, onde se cruzam múltiplos discursos, cujos tipos, modalidades e formas

37

Mensagem – Poemas esotéricos / Fernando Pessoa; edición crítica, José Augusto Seabra, coordinador, 1ª reimp. Madrid; Paris; México; Buenos Aires; São Paulo; Lima; Guatemala; San José de Costa Rica; Santiago de Chile; ALLCA XX, 1987.

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compõem o que Gérard Genette chamaria, não uma ar uitectura, mas uma “ar uitextura” [...] A manifestação por excelência dessa arquitextura é a sobreposição na mesma obra de uma diversidade de géneros, ou melhor, de “ar uig neros”, ue a configuram poeticamente e que são nada mais nada menos do que os que, com diferentes avatares, atravessam toda tradição ocidental até à modernidade, constituindo a famosa tríade: epopeia, lirismo e drama. (Mensagem: poemas esotéricos, edição crítica, p. 238)

Já Cleonice Berardinelli, no ensaio por nós já mencionado, ao se

debruçar sobre a tessitura formal da Mensagem, afirmará que ela compreende

Um poema, dizíamos, e queremos caracterizá-lo: um poema épico de tipo especial, ou melhor, um poema épico-lírico contendo uma leve tessitura narrativa ─ a hist ria de Portugal através de uma visão personalíssima que seleciona os personagens históricos de acordo com a dualidade expressa pelo poeta, uando se diz “um nacionalista m stico, um sebastianista racional”. [...] Acreditamos que a criação de símbolos a partir de uma realidade ou a deformação dessa realidade, a fim de torná-la simbólica, implica um subjetivismo bastante acentuado, o que nos faz dizer de Mensagem que é um poema épico-lírico. (BERARDINELLI, 2004, p.120)

Poema épico? Poema épico-lírico? Poema emblemático? Antiepopeia

camonia? Ao longo dos anos, múltiplas nomenclaturas vêm sendo atribuídas

ao único livro publicado pelo poeta português em sua língua.

Ao tentar enquadrar a Mensagem no gênero épico, muitos estudiosos da

poesia de Pessoa têm buscado confrontá-la com a épica camoniana, o que, no

âmbito formal, impede que se reconheça uma na outra. Se o plano histórico em

ambas basicamente o mesmo, justamente do “areal” movedi o onde a

ideologia d’Os Lusíadas ca ra “virgemente parada” (PESSOA, 1981, p.9) que

se regressa em sonho à ideologia mítica de Fernando Pessoa. O escritor de

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Fausto (1982) foi um dos primeiros a perceber poeticamente que o estandarte

conferido à épica de Camões necessitava ser arrancado do consciente da

nação, que era preciso reconhecê-la como um legado de imensa beleza

poética e não mais ideológico. Ora, à ideologia renascentista Os Lusíadas

atenderam excelentemente, como Homero e Virgílio atenderam à Antiguidade.

Pelo bem da literatura, a escrita nunca foi um processo estático,

portanto, não há como um gênero literário permanecer imutável para sempre.

Se se confrontar Os Lusíadas com a Ilíada e a Eneida, por exemplo, perceber-

se-á que, embora o poema camoniano seja estruturalmente equiparável às

épicas clássicas, seus excursos e seus episódios líricos se afiguram como

incongruência em relação à epopeia greco-romana; disparidades que alguns

reconheceram como “deturpa ões” do fenômeno pico.

Fernando Pessoa também apreendeu exemplarmente o processo

(de)gradativo pelo qual passaram os gêneros literários ao postular que

Dividiu Aristóteles a poesia em lírica, elegíaca, épica e dramática. Como todas as classificações bem pensadas, é esta útil e clara; como todas as classificações, é falsa. Os géneros não se separam com tanta facilidade íntima, e, se analisarmos bem aquilo de que se compõem, verificaremos que da poesia lírica à dramática há uma gradação contínua. (PESSOA, 1974, p.86) 38

Outro poeta, não menos genial, o argentino Jorge Luis Borges, n’Esse

Ofício do Verso (2000), ao analisar o ofício de narrar, destaca que na

Antiguidade “narrar uma hist ria era essencial, e o narrar uma história e o

declamar o verso não eram pensados como coisas diversas.” (BORGES, 2000,

p.58). Nota-se que a figura do poeta na modernidade tem sido fracionada.

Quando se pensa no poeta, pensa-se logo no poeta lírico, pois a figura do

poeta épico Borges também não reconhecera atuante no século passado. Era,

38

PESSOA, Fernando. Obras em prosa. Org., int., not. Cleonice Berardinelli, Rio de Janeiro, J.

Aguilar, 1974, p.86.

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portanto, para Jorge Luis Borges, o herói épico um modelo a ser seguido e que

a sociedade moderna carecia desse herói no fazer literário atual; e, quando se

dispôs como Jorge de Sena e o seu Minotauro a investigar “com o dedo sujo”

(SENA, 2006, p.216) a condição humana e o efeito causado por ela na escrita

épica nos últimos tempos, colocara que

Chegamos agora ao nosso tempo e nos deparamos com a circunstância um tanto esquisita: tivemos duas guerras mundiais, porém delas não surgiu, de um modo ou de outro, nenhuma pica ─ exceto talvez os Sete pilares da sabedoria. Nos Sete pilares da sabedoria encontro muitas qualidades épicas. Mas o livro é tolhido pelo fato de que o herói é o narrador, e tem assim algumas vezes de se rebaixar, se fazer humano, se fazer crível demais. (BORGES, 200, p.59)

Vivendo em um período de declínio social de Portugal, de um pós

Primeira Guerra Mundial, de depressão econômica, a Segunda Guerra batendo

às portas e, principalmente, de um tempo estanque no cenário criativo

português, Fernando Pessoa não incumbirá à Mensagem um outro canto de

exaltação nacional, puro e simplesmente por exaltá-la, muito menos a

conclamação de um resgate da hegemonia político-econômica. Sabia-se

incapaz de tal empresa. O literário era o que lhe comovia. Portanto, Mensagem

é um subproduto equacionado a partir da cosmovisão pessoal de seu próprio

criador, na qual ele se exprime metonimicamente como a voz coletiva da

realidade da pátria através dos mitos que a conferem como nação cultural,

buscando perenemente restabelecê-la em uma concepção que excede as

fronteiras, e as fronteiras da história, as fronteiras do tempo e do próprio

espaço poemático.

Mensagem é, portanto, um poema épico porque condiciona a

grandiloquência da história nacional e os heróis e pseudo-heróis que a

compuseram. Mas uma épica que deambula pelo lírico e pelo dramático. É,

portanto, lírico porque essa mesma história e esses mesmos heróis e pseudo-

heróis são condicionados a partir da cosmovisão do próprio poeta. É, portanto,

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dramático porque a história é o enredo e os heróis as personagens

representando os anseios humanos no teatro do mundo, que é a Mensagem.

Mensagem é, portanto, uma épica deambulante. É, portanto, um poema épico-

lírico-dramático.

Assim, para darmos seguimento à nossa linha de raciocínio e para

melhor sedimentá-la, guiar-nos-emos sob o lume de um corpus textual crítico,

teórico e filosófico que seja satisfatoriamente congruente com a(s) proposta(s)

levantada(s) pelo nosso trabalho de pesquisa, tal como os postulados estéticos

oferecidos por Hegel ─ autor cabal na condu o de nossa proposta anal tica ─

que, ao analisar a epopeia através de um viés supra-aristotélico, afirma que:

Se pretendemos encontrar nos tempos modernos obras verdadeiramente épicas, devemos procurá-las numa esfera diferente da epopeia propriamente dita. O estado do mundo moderno é, com efeito, de prosaísmo tal que o opõe uma recusa absoluta às condições que, segundo nós, a verdadeira poesia épica deve preencher, enquanto que, por outro lado, as transformações que as condições reais dos Estados e dos povos sofreram são ainda demasiado recentes para se prestarem à forma de arte épica. Por isso a poesia épica, renunciando aos grandes acontecimentos nacionais, refugiou-se na esfera mais estreita e limitada dos acontecimentos domésticos, no campo e nas pequenas cidades, para nela encontrar temas próprios para uma exposição épica. (HEGEL, 1993, p.606).

Assim como evocamos ao poeta português as cinco “condi ões”

necessárias para o entendimento de seu livro, tomemos agora emprestada a

inscri o latina com a ual ele abre a terceira face de seu poema, “Pax In

Excelsis” (“Paz nas alturas”), para que o desenvolvimento de nosso trabalho

possa “encontrar o caminho / à praia onde o mar insiste” (PESSOA, 1981,

p.22). Portanto, Pax in scriptura!

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Ainda n’Esse Ofício do Verso (2000), o poeta argentino Jorge Luis

Borges coloca ue “hoje em dia, uando falamos de um poeta, pensamos

apenas em uem profere tais notas l ricas, à maneira de pássaros, como “With

ships the sea was sprinkled far nigh, / Like strars in heaven” [ De navio o mar

estava salpicado por toda parte, / Como estrelas no céu] (Wordsworth)39,

(BORGES, 2000, p.51).

Para Borges, uando os antigos se referiam à palavra “poeta”,

pensavam num ser que não somente proferia notas l ricas, mas tamb m como

um ser ue narrava uma hist ria; esp cime de “fazedor” de aventuras. Ao

poeta, ent o, cumpria-se o papel de narrar “uma hist ria na ual todas as

vozes podem ser encontradas n o somente a l rica, a pesarosa, a

melancólica, mas tamb m as vozes da coragem e da esperan a” (BORGES,

2000, p.51). Segundo o poeta argentino, uma narrativa transformada “na mais

antiga forma de poesia: a pica” (Ibdem).

Contudo, ainda segundo Jorge Luis Borges, a poesia, com o passar dos

anos, fragmentou-se. “Ou melhor, de um lado temos o poema l rico e a elegia,

e de outro temos o narrar uma hist ria o romance.”. (BORGES, 2000, p.56)

Esse modo “moderno” de narrar, o romance, compreendido pelo autor em

uest o “como uma degenera o da pica.” (Ibdem). Ao colocar O Castelo de

Franz Kafka, como um exemplo, Borges aponta que da narrativa do livro do

escritor áustro-húngaro não se pode depreender um sentido de felicidade e

39

William Wordsworth, “With ships the sea was sprinkled far and night”, coligido em seu

volume Poems, 1985.

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sucesso da história narrada, já que o herói, que também é a voz narrativa,

apresenta-se subjetivo demais, centrado no seu universo particular. E que,

mesmo se Kafka escrevesse um livro “feliz e triunfante” (BORGES, 2000, p.57),

o público leitor teria “percebido ue ele n o estava dizendo a verdade. N o a

verdade dos fatos, mas a verdade dos seus sonhos.” (Ibdem).

Segundo o viés borgeano, havia uma voz que contava e que também

cantava uma história, e o leitor não tomava tal fato como uma ação bipartida,

mas como uma só tarefa, dividida em dois aspectos: o enredo e o canto.

Assim, ao se subdividir o ato de narrar do ato de contar uma história,

desponta-se na narrativa do último século um herói que sucumbiu às mazelas

da sociedade burguesa; um herói centrado no macrocosmo e no microcosmo

de si mesmo.

Também vale a pena colocarmos os apontamentos do ensaísta M. S.

Lourenço que, parecendo-nos versar com os conceitos borgeanos, em Os

Degraus do Parnaso, aponta que

Embora noutras línguas, como, por exemplo, na língua alemã, os termos “Poesia” e “Poeta” sejam usados no mesmo sentido de uma arte primordial da linguagem, que compreende ao mesmo tempo a poesia e a prosa, nas línguas românicas o termo “Poesia” veio a ter apenas o sentido de uma forma de arte cujos objectos são poemas e, em geral, apenas poemas líricos. Mas, como se vê no exemplo da definição de Aristóteles, a Poesia inclui também o drama e a epopeia. E como o sucessor do gênero épico acabou por ser o romance, e por isso um gênero em prosa, o primitivo conceito de poesia inclui agora também gêneros em prosa. (LOURENÇO, 2002, p.14)

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O fil sofo húngaro Gy rgy Lukács, em Arte e sociedade: Escritos

Estéticos 1932 – 1967 (2011), ao analisar a estética hegeliana, mais

precisamente no ensaio intitulado de O romance como epopeia burguesa,

aponta que, a épica, em sua formulação clássica,

Opera com um herói que, por toda sua psicologia, cresceu sem problemas no seio da sociedade em que vive, a figuração épica não carece de nenhuma espécie de explicação genérica; por conseguinte, ela pode ter seu começo no ponto mais favorável ao desenrolar dos eventos épicos. A narração do passado serve somente aos interesses do relato, à explicitação da imagem do mundo, à tensão épica etc. (LUKÁCS, 2011, p.202)

Ao citar o período homérico da narrativa, aponta que ela se dava em

uma sociedade estabelecidamente harmônica, e que “O indiv duo situado no

centro da narração podia ser típico ao expressar a tendência fundamental de

toda a sociedade, e n o a contradi o t pica no interior da sociedade.”

(LUKÁCS, 2011, p.206). Aponta tamb m ue “A a o da epopeia hom rica a

luta de uma sociedade relativamente unida, de uma sociedade enquanto

coletividade, contra um inimigo externo.” (Ibdem). Mas antes, porém, ainda

amparando-se sob viés hegeliano, ao confrontar a narrativa atual com “a fase

primitiva do desenvolvimento da sociedade”, afirma ue esta última pertencia à

poca “dos ‛her is’, ou seja, ao período em que a vida social ainda não era

dominada, como seria na sociedade burguesa, pelas forças sociais que

ad uiriram autonomia e independência em face dos indiv duos.” (LUKÁCS,

2011, p.196); já que o sujeito narrador do último século estava estritamente

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condicionado ao caráter prosaico da sociedade burguesa. Assim sendo, para

Lukács,

os homens modernos, ao contrário dos homens do mundo antigo, ‛têm seus objetivos e condi ões pessoais separadas dos objetivos do todo; o que o indivíduo faz com suas próprias forças o faz somente para si e, por isso, responde apenas por sua própria ação e não pelos atos do todo substancial ao qual pertence’.”. (Ibdem)

Ao retomarmos os apontamentos suscitados por Jorge Luis Borges,

percebemos que, embora ele denote um certo tom pessimista quanto à

realização do discurso épico na modernidade, muito por conta da humanização

e a subjetiva o do ser narrante, há no poeta d’Esse Ofício do Verso (2000),

porém, uma “cren a” na retomada da “dignidade do verso” pico por parte dos

escritores do nosso tempo. Borges acredita “ ue o poeta haverá de ser outra

vez um fazedor” (BORGES, 2000, p.62) de histórias. Que esse poeta narrará e

também contará essa mesma história. Quanto ao público leitor, Borges não

acreditava “ ue um dia os homens se cansar o de contar e ouvir hist rias”

(Ibdem). Assim sendo, considera que leitor de hoje outra vez não reconhecerá

esses dois atos como algo diverso entre si, assim como se pensava no período

da escrita épica clássica.

Fugindo de uma tonalidade profética, o escritor argentino visava à

propagação da premissa de que o discurso épico na atualidade ainda não se

esterilizou por completo, pois, segundo ele, as mídias atuais, artisticamente

pensadas, como o cinema, sobretudo o cinema americano, vêm tingindo o

mundo com uma nova tonalidade épica. Bastava então ao escritor transformar

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esse discurso grandiloquente em versos, ou seja, empenhar-se na importante

tarefa de se retomar, poeticamente ue seja, a essência do her i “um homem

que é modelo para todos os homens” (BORGES, 2000, p.56), ou que pelo

menos fosse um herói que inspirasse a humanidade a se desgarrar do espírito

de fracasso que contaminou a escrita moderna. Assim, ao credenciar aos

Estados Unidos a responsabilidade de inserção de uma nova ordem épica,

Borges relata que

De certo modo, as pessoas estão famintas e sedentas de épica. Sinto que a épica é uma das coisas de que os homens precisam. Mais que todo outro lugar (e isso talvez soe como uma espécie de anticlímax), foi Hollywood que abasteceu o mundo de épica. Por todo o globo, quando as pessoas assistem a um faroeste observando a mitologia de um cavaleiro, e o deserto, e a justi a, e o xerife, e os tiroteios etc. , imagino que resgatem o sentimento épico, quer tenham consciência disso ou não. Afinal, ter consciência da coisa não é importante. (BORGES, 2000, p.60)

Se considerarmos contundentemente a assertiva borgeana, ainda que

marcada pela ironia, conforme supracitamos, de que a poesia épica é a mais

antiga das manifestações poéticas, é perfeitamente natural percebermos que

dela foram feitos diversos estudos ao longo do tempo, assim como é

compreensível se verificar um vasto olhar crítico sobre o fenômeno épico ao

longo dos séculos. Todavia, antes de nos debruçarmos num estudo da

Mensagem, a partir da efabula o pica, fenômeno no qual visamos

reconhecer o poema de Fernando Pessoa é preciso entender formalmente e

conceitualmente o que é epopeia. Para tanto levantaremos em nosso texto um

conjunto de postulados que substancialmente aumentou o legado analítico

sobre esse gênero textual, sobretudo quando recortamos os apontamentos

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estéticos hegelianos que, apesar de detectar o aparente declínio dessa forma

de escrita na modernidade, destaca que não se deve procurar epicidade na

literatura moderna consoante àquilo que se encontra nas epopeias

propriamente ditas, ou seja, nas épicas remotas, mas, sim, procurar no

universo microcósmico que tangencia a epicidade da escrita moderna, ou seja,

procurar no universo narrado particular e doméstico.

Hegel, em sua Estética, escreve ue “Veio a ser um hábito da nossa

inteligência, quase uma segunda natureza, a definição do particular segundo

princípios gerais: dever, princípio, direito, máxima etc.” (HEGEL, 1996, p.39).

Assim sendo, o sujeito é determinado pelos conceitos acima; os quais,

segundo ele, não são aplicados como produto às atividades artísticas.

Portanto, conforme o filósofo alemão, a poesia épica, ou melhor, as

manifestações das artes em geral não são um produto formulado sob um ponto

de vista estático, já que, como aponta, “pensava-se outrora que a arte possuía

regras para a produção dos seus produtos” (HEGEL, 1996, p.59), e ue “[...]

está hoje abandonada esta intenção porque se percebeu que não é na

conformidade a regras ue reside a produ o de obras de arte [...]” (Ibdem).

Sendo a arte uma faculdade do espírito, portanto, superior `a natureza, ela não

será condicionada aos conceitos de beleza aplicáveis ao belo natural; o que

contradiz os estudos estéticos de outrora que, de acordo com Hegel, entendia

ue “a beleza criada pela arte seria muito inferior à da natureza e o maior

mérito da arte residiria em aproximar as criações do belo natural” (HEGEL,

1996, p.27). Para o escritor alemão:

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a atividade do espírito não se exerce gratuitamente por uma determinação imposta: o espírito tem em si próprio a sua determinação, só a si próprio subordina o seu trabalho. Não sendo um produto mecânico, a obra de arte não pode subordinar-se a uma regra. (HEGEL, 1996, p.60)

Porém, o autor também alerta para o fato de que o abandono do ponto

de vista de que a arte não é livre de regras levou a concebê-la em seu extremo

oposto, ou seja, concedendo ao trabalho artístico o conceito de atividade

extremamente ligada à inspiração do artista. Segundo ele, essa nova maneira

de ver as obras fez com que se deixasse

de considerar a obra como produto de uma atividade geral, formal, abstrata e mecânica, para declarar que ela é o produto de um espírito especialmente dotado e que o homem assim dotado só tem de se entregar à sua específica singularidade se nenhuma preocupação, aliás nociva à sua atividade, com os fins aonde essa entrega o poderá levar. (Ibdem)

Para Hegel era preciso um olhar científico sobre a atividade artística. Por

outro lado, essa forma de conceber a arte, segundos os estudos anteriores ao

fil sofo alem o, fez com ue v ssemos “a ciência dedicar-se a reflexões sobre

o belo e a ideia de belo e limitar-se a generalidades a que não importa o que de

particular nas obras de arte” (HEGEL, 1996, p.72). Desenvolvera-se assim

“uma filosofia abstrata do belo” (Ibdem).

Dialeticamente, Hegel apontou que a análise da arte deve ser

compreendida a partir de uma fusão entre os valores extrínsecos e os valores

intrínsecos ao artista, posto que nos escreveu que

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toda arte pertence a uma época, a um povo, a um meio, relaciona-se com certas representações e fins, históricos ou não, obrigando o estudioso de arte a possuir vastos conhecimentos, simultaneamente históricos e muito especializados, dado que a natureza individual da obra artística contém pormenores particulares e especiais indispensáveis para compreensão e interpretação dela. Em suma, esta erudição não exige apenas, como qualquer ciência, a memória que registra e guarda os conhecimentos adquiridos, mas precisa ainda de uma imaginação viva capaz de reter, para futuras comparações e confrontos, todos os traços das formas que as obras de arte apresentam. (Ibdem)

Ao tecer considerações sobre o estudo do fazer artístico sob um prisma

empírico, cita, de forma crítica, por exemplo, a Poética, de Arist teles, “em ue

se mantêm atual todo o interesse da teoria da trag dia” (Ibdem), além de

Horácio e sua Arte Poética. Segundo Hegel, “As determina ões gerais obtidas

com o processo da abstração deveriam constituir, segundo os autores delas,

prescri ões e regras indispensáveis” (Ibdem), principalmente em períodos da

história em que a arte e a arte poética atravessassem uma aparente

decadência criacional, e arremata o pensamento, afirmando que receitas

m dicas “prescritas por estes m dicos da arte para lhe restabelecer a saúde

seriam ainda menos eficazes do que as que os médicos prescrevem para curar

doentes.” (Ibdem).

O filósofo grego Aristóteles, em sua Poética; obra já referida por

nós, definiu a epopeia por intermédio de sua caracterização mimética, mimese

termo advindo do gr. mímesis, “imita o” (imitatio, em latim). Segundo ele, “A

epopeia e a poesia trágica e também a comédia, a poesia ditirâmbica, a maior

parte da aulética e da citarística, consideradas em geral, todas se enquadram

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nas artes de imita o” (ARIS Ó ELES, 2004, p.23), diferenciando-se, porém,

os meios, os objetos e a maneira de imitar.

Partindo da concepção filosófica da imitação, Aristóteles ateve o seu

estudo na poesia épica através da comparação com outro gênero literário, a

tragédia. Para o filósofo, a épica, do lat. epicus, heroico, do gr. epikós; épos,

palavra, narrativa, poema, recitação, 40

por seu estilo corre parelha com a tragédia na imitação dos assuntos sérios, mas sem empregar um só metro simples e a forma narrativa. Nisto a epopeia difere da tragédia. E também nas dimensões. A tragédia empenha-se, na medida do possível, em não exceder o tempo de uma revolução solar 41, ou pouco mais. A epopeia não se limita assim em duração; e esta é outra diferença. Se bem que, no princípio, a tragédia, do mesmo que as epopeias, não conhecesse limites de tempo. Quanto às partes constitutivas, umas são comuns à epopeia e à tragédia, outras são próprias desta última. Por isso quem numa tragédia souber discernir o bom e o mau, sabê-lo-á também na epopeia. Todos os caracteres que a epopeia apresenta encontram-se na tragédia, mas nem todos os caracteres desta última encontram-se na epopeia. (ARISTOTELES, 2004, p.34)

Segundo o filósofo, com relação à unidade de ação na formulação da

epopeia, “na imitação em verso pelo gênero narrativo é mister que as fábulas

sejam compostas num espírito dramático” (ARIS Ó ELES, 2004, p.81). Assim

sendo, para Arist teles, Homero, “comparado com os demais” (ARIS ÓTELES,

2004, p.82), foi quem melhor soube condensar o conteúdo narrativo, tornando

a leitura mais apraz vel e dinâmica. Para ele, o escritor pico grego “Limitou-se

a tratar de uma parte da guerra de Troia (grifo nosso) e inseriu outros fatos por

40

(Dicionário de Termos Literários, Massaud Moisés, 2004, p.148). 41

Cf. Corneille, III e Discours sur lês trois unités.

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meio de epis dios” (Ibdem). Ainda sob um viés comparativo entre a epopeia e

a tragédia, ao analisar as partes que compõem essa primeira, Aristóteles

afirma que

A epopeia deve apresentar ainda as mesmas espécies que a tragédia: deve ser simples ou complexa, ou de caráter, ou patética. Os elementos essenciais são os mesmos, salvo o canto e a encenação; também são necessários os reconhecimentos, as peripécias e os acontecimentos patéticos. Deve, além disso, apresentar pensamentos e beleza de linguagem. Todos estes méritos, Homero foi o primeiro que os teve à disposição e os empregou de maneira convincente. Cada um dos dois poemas é composto de tal maneira que a Ilíada é simples e patética, e a Odisseia oferece uma obra complexa (onde abundam os reconhecimentos42), e um estudo dos caracteres. Além disso, em estilo e pensamento, seu autor supera os demais poetas. (ARISTÓTELES, 2004, p.84)

Portanto, na Poética reconhecemos que uma gama substancial dos

estudos aristotélicos sobre a poesia épica, assim como também fizera ao

analisar as outras manifestações poemáticas, fora gerida à luz de uma análise

comparativa entre a epopeia e a tragédia. Primeiro, pela importância dada pelo

escritor grego ao gênero narrativo ue, segundo ele, al m de ser “a imita o de

uma ação importante e completa, de certa extensão; num estilo tornado

agradável” (ARIS Ó ELES, 2004, p.35) ao espectador e também ao leitor,

condicionava em sua formulação estrutural a fusão dos caracteres elevados da

escrita poética com a ação das personagens no palco. Segundo, por

reconhecer, sobremaneira nas épicas homéricas, alguns desses mesmos

caracteres encontrados na escrita dramática. Assim, para Aristóteles a epopeia

42

Cf.Reconhecimentos na Odisseia: Ulisses, que disfarça sua identidade, acaba por ser reconhecido pelo

Ciclope, por Alcino, por seu filho Telêmaco, por seu cão Argos, por sua ama Euricleia, pelos porqueiros Eumeu e Filécio, pelos pretendentes, por Penélope, por seu pai Laertes.

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é a mímesis poético-narrativa de um grande acontecimento histórico, herdado

do confabulário popular, cujo rapsodo, Homero, conforme o entendimento

aristotélico, seria o principal expoente da literatura epopeica.

Se em Aristóteles o estudo épico se concentrou em uma concepção

filosófica da mímesis, alguns postulados mais atuais buscaram uma visão

voltada mais para a estilística do fenômeno épico. O escritor ítalo-brasileiro

Salvatore D’Onofrio, por exemplo, al m de analisar epistemologicamente a

epopeia, caracteriza que

A poesia épica é a primeira forma culta de civilização ocidental. as narrações míticas e lendárias, que a imaginação popular foi criando a partir de um acontecimento histórico, após a fase de transmissão oral, quando o povo chega a dominar o alfabeto e a ter uma língua ou dialetos escritos, são elaboradas por um poeta que lhes dá uma veste literária e as consagra para sempre. (D’ONOFRIO, 1999, p.113)

Emil Staiger, em Conceitos fundamentais da Poética, considera a figura

do poeta/narrador quase tão basilar dentro do universo narrado quanto o herói

épico. Porém, cabe ao poeta reconfigurar uma memória coletiva, instaurada

miticamente na consciência de um povo, afastando-se, contudo, temporal e

espacialmente diante dos fatos retomados para si.

Maurice Halbwachs, em A Memória Coletiva (2012), distingue a

“mem ria coletiva”; esp cie de recomposi o do passado, da “mem ria

hist rica”, pressupondo ue esta segunda se reconstr i por meio de dados ue

a vida social presente nos fornece para reinventarmos o passado, ou seja, para

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que possamos preencher as lacunas desse vazio mnemônico com projeções

de pontos de vistas pessoais. Afirma, portanto, que

A história não é todo o passado e também não é tudo o que resta do passado. Ou, por assim dizer, ao lado de uma história viva, que se perpetua ou se renova através do tempo, na qual se pode encontrar novamente um grande número dessas correntes antigas que desapareceram apenas em aparência. (HALBWACHS, 2012, p.86)

Então o narrador, que não cria, mas que somente retransmite uma

narrativa oral, inerente às gerações anteriores, apossa-se de uma “mem ria

hist rica”, recompondo-a através de uma “mem ria coletiva”, e escamoteando-

se através de um simples espectador. Para Staiger

O poeta dirige a vista de preferência para fora – também aqui há um mundo exterior como interior – e observa o que se apresenta a seus olhos como bens incalculáveis de vida: armas guerreiros, movimentos de batalhas, terras e homens maravilhosos, o mar a praia, animais e plantas... diz-se o que é característico de deuses, de homens, de todas as coisas. Com isso abrem-se os olhos dos ouvintes para contemplar a vida em sua plenitude diversificada. (STAIGER, 1969, p.85-86)

Outro filósofo que buscou uma noção sobre a poesia épica foi Friedrich

Nietzsche, em O Nascimento da Tragédia. Numa tríplice comparação entres os

gêneros já formulados pela tradição teórica da literatura, Nietzsche caracteriza

que a junção dos elementos épicos e dos elementos líricos representa o fio

condutor que grafou o processo evolutivo da escrita trágica. Para o filósofo, a

cultura grega clássica, desde suas primeiras manifestações artísticas, cultivou

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uma busca por uma miscelânea entre as artes em gerais. Assim, por

apresentarem os caracteres primaciais da cultura grega, à poesia épica e à

poesia lírica o escritor creditou como sendo os elementos exponenciais do

ápice artístico dessa civilização ocidental: a tragédia.

A partir de um estudo sobre a epopeia homérica e da lírica de Arquíloco,

Nietzsche associa ambos os gêneros às “personalidades” m ticas dos deuses

Apolo e Dioniso, ou seja, a épica seria a transfiguração do deus do sol e o deus

do vinho seria a transfiguração do lirismo poético. Portanto, o apolíneo

implicaria no estado de sono, na beleza, na ética, na aparência, e, o dionisíaco,

na embriaguez, na melancolia e no pessimismo. Sob a égide desses caracteres

apolíneos, então, o filosofo atribui à épica atributos como a medida, a beleza, a

contemplação. Assim, a tragédia, segundo as hipóteses nietzschianas, seria

um amálgama entre os gêneros épico e lírico; portanto, um gênero apolínio-

dionisíaco. Desta forma, para Friedrich Nietzsche

Teremos feito muito para a ciência estética quando tivermos chegado não somente à observação lógica, mas também à imediata certeza dessa tomada de posição, segundo a qual o desenvolvimento da arte está ligado à dualidade do dionisíaco e do apolíneo: da mesma maneira que a dualidade dos sexos gera a vida no meio das lutas perpétuas e por aproximações somente periódicas. [...] É à suas duas divindades das artes, Apolo e Dioniso43, que se liga nossa consciência do extraordinário antagonismo, tanto de origem como dos fins. Que subsiste no mundo grego entre a arte plástica, a apolínea, e a arte não-plástica da música, aquela de Dioniso. Esses dois instintos tão diferentes caminha

43

Apolo, na mitologia grega, era o deus do sol que conduzia diariamente seu carro de um extremo a outro do firmamento, originando os dias e as noites. Considerado ainda o inventor da lira e protetor das artes, era igualmente o deus da harmonia, da música, da inspiração poética e da profecia. Dioniso, como já foi visto, era o deus do vinho e da embriaguez, da colheita e da fertilidade, da natureza e da realidade concreta, palpável (NT).

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lado a lado, na maioria das vezes em guerra aberta, incitando-se mutuamente para novas criações, sempre mais robustas, para perpetuar nelas o conflito desse antagonismo que seu designativo “arte”, comum a ambos, somente encobre; at ue, finalmente, por um milagre metafísico da vontade helênica, aparecem acoplados e, nesse acoplamento, geram então a obra ao mesmo tempo dionisíaca e apolínea da tragédia ática. (NIETZSCHE, 2007, p.27-28)

Não obstante oferecer um estudo do processo evolutivo dos gêneros

textuais a partir da cultura helênica, O Nascimento da Tragédia é exposição

pessoal do autor sobre a experiência da vida e da morte. Para Nietzsche, a

vida é um amálgama de vidas que se particulariza em partículas, e, ao se

repartir, desprende-se de si mesma, fazendo com que o homem reconheça a

partir dela a dor e o sofrimento, portanto, fazendo com que reconheça a morte,

tal como reconheceu o poeta brasileiro Cassiano Ricardo, em “O Rel gio”, ao

escrever ue “Desde o instante em ue se nasce / Já se come a a morrer” 44.

Porém, se reconhecer que se morre implica também reconhecer o Uno

primordial em sua forma despedaçada, morrer, contudo, não significa o

aniquilamento total do sujeito. A vida é, pois, fruto de uma outra vida morta. É o

eterno retorno do homem não só artística como filosoficamente às suas origens

desde a queda do paraíso. Não há pecado nem redenção, mas sim a

naturalidade inocente de se voltar à essência basilar da raça humana, já que

“ udo ue existe justo e injusto e, nos dois casos, igualmente justificável.”

(NIETZSCHE, 2007, p.77). Portanto, pensar dessa forma é um modo de pensar

trágico; em outras palavras, a tragédia do homem é contemplar apolínea e

44

(RICARDO, Cassiano. Poesias Completas. José Olympio, Rio de Janeiro, 1957)

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dionisiacamente a existência recíproca da vida e da morte, ou seja, o vir-a-ser,

no eterno retorno, o nascimento de sua própria tragédia.

As teorias sobre a epopeia, devidamente adiantadas por Goethe e

Schiller, e mais recentemente levantadas e praticadas por diversos autores

como Hegel, Bakthin, Lukács, Staiger, Adorno, Hansen e, por que não, pelo

filósofo alemão Friedrich Nietzsche, não divergem drasticamente dos estudos

aristotélicos sobre a poesia épica da Grécia Antiga. Essas análises

basicamente se restringiram às épicas homéricas, o que significa que grande

parte das definições sobre esse gênero literário fora concebido a partir de um

só poeta. Staiger e Lukács, por exemplo, adicionam em seus estudos, além da

Ilíada e Odisseia, o “Inferno” da Divina Comédia de Dante, fato que não implica

em muitas mudanças.

Se Aristóteles se preocupou em estruturar seus estudos a partir das

concepções miméticas sobre a epopeia, sobretudo quando a comparou com a

tragédia grega, os teóricos acima, ainda que respaldados nos conceitos

aristotélicos, procuraram formular uma visão sobre o poema épico sob o prisma

de sua estrutura estilística. Porém, esses autores não conseguiram ou não

puderam vislumbrar um sentido teórico que abrangesse a atividade épica no

contexto moderno e contemporâneo, já que, além de se valerem de um objeto

de análise basicamente idêntico ao do filósofo grego, em outras palavras, de

analisarem o fenômeno epopeico através de um viés crítico restrito à Ilíada e à

Odisseia, buscaram também relacionar os elementos estruturais encontrados

nos dois poemas de Homero, já devidamente conjugados, como o mecanismo

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de definição do fenômeno épico em si. Assim, o tempo narrativo passado, a

metrificação uniforme, a grandiloquência, a inalterabilidade de ânimo, o uso da

voz narrativa em 3ª pessoa, a fusão do plano histórico com o plano mítico

pagão, além da presença de elementos como a invocação e a proposição,

serviam de caracteres basilares de definição para esse gênero textual.

Por isso, ao se restringir o olhar sobre o fenômeno épico na

modernidade somente na perspectiva desses postulados, conceitos que já na

construção da Eneida, por exemplo, apresentavam controvérsias, implica em

um não reconhecimento da Mensagem pessoana como um poema

estruturalmente epopeico. No livro de Pessoa, esses elementos estruturantes

não são encontrados, ou são apresentados de forma anômala à épica clássica,

assim como acontece em outras obras mais recentes de tonalidade épica.

Eximindo-nos de propor em nosso trabalho um enquadramento redutor

do texto pessoano em algum tipo gênero textual, e até mesmo nos libertando

da obrigação de citá-lo como um exemplo de poema épico dos tempos

modernos, buscamos primeiro apontar que é justamente em sua anomalia

formal que reside basicamente a originalidade epopeica da Mensagem.

Acreditamos que não é pelo fato de o livro de Pessoa não apresentar uma

proposição ou uma invocação, ou mesmo por não configurar de maneira

consonântica à escrita de Homero os elementos devidamente interrelacionados

no modelo épico clássico que devemos desconsiderá-la epicamente. Como

também acreditamos que seja a remissão ao passado grandiloquente de

Portugal a única justificativa exemplarmente épica no livro de Pessoa. Embora

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o poeta tenha se valido de uma matéria épica pronta, instaurada culturamente

no país, a narrativa da ascensão do Império Ultramarino português tem o seu

relato invertido. Ele parte primeiramente da figura mítica D. Sebastião,

construindo o seu discurso na raiz do esvaziamento da glória nacional, para

depois se debruçar sobre a história portuguesa, mas não uma história que foi, e

sim uma história que poderia ter sido, ou mesmo uma história que deverá ser,

mesmo não sendo. Na épica clássica acontece exatamente o contrário, o fato

histórico sublimado pelo poeta-narrador é fio condutor que rege o universo

narrado até a sua aderência mitológica, representada por um modelo de herói

responsável pela condução de um povo ao apogeu. Na Mensagem, contudo, a

figura heroica oferecida pelo escritor português é um herói que, embora sirva

de modelo universal para o seu povo, busca liderar a nação em uma batalha

grandiloquentemente espiritual. Cabe ao fantasma ressurecto diretamente de

Alcácer-Quibir conduzir a nação para a redenção; não de ordem política, social

e econômica, mas a redenção do homem ele-mesmo, através da redenção da

própria literatura.

Porém, não nos cabe, no nosso presente trabalho, uma análise

comparativa do poema de Pessoa com as concepções formuladas a partir da

expansão dos postulados aristotélicos, muito menos confrontar a Mensagem

com os conceitos miméticos de epopeia, dado à fragilidade que essas duas

vertentes teóricas apresentam quando relacionadas ao estudo da épica

moderna. Contudo, caber-nos-á, aqui, tecer uma ressalva quanto ao filósofo

alemão, Georg W. F. Hegel que, embora nos ofereça também uma expansão

teórica dos conceitos aristotélicos, baseada, sobretudo, em seus apontamentos

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oriundos das épicas homéricas, aponta-nos para a existência de dois tipos de

epopeias, uma primeira, espontânea e autônoma, que se contrapunha a uma

segunda épica, erudita e artificial; essa segunda, conforme suscita, foi aos

poucos limando a possibilidade do épico na modernidade, sendo substituída

aos poucos pela escrita romanesca. Porém, conforme descreve o filósofo, além

da Grécia Antiga, outros povos também investiram nessa poesia genuína,

ampliando, portanto, quantitativamente a incidência épica na escrita mundial;

embora reconheça que o mundo helênico foi o que melhor estruturou

formalmente o gênero épico.

É importante ter em vista que o contributo hegeliano para uma visão

mais ampla dos estudos desse gênero não se restringe à quantidade de

poemas analisados. Para ele, o olhar lançado sobre a epopeia não deveria ser

preso único e exclusivamente aos caracteres extrínsecos que cada obra

comporta, em suma, às estruturas formais já sedimentas a partir dos poemas

homéricos. Segundo ele, era necessário, pois, achar também os valores

autônomos de cada poesia épica, seja ela a Odisseia, a Eneida, Os Lusíadas

ou Ramayana. Assim, ao caracterizar a poesia épica como a totalidade

formada por um conjunto de particularidades conectadas com o todo, comenta

que

É poesia épica, mais do que a dramática e a lírica, que se presta à representação dos caracteres totais. Mas arte não pode ficar nesta totalidade como tal. É preciso contar ainda com ideal na sua determinação, o que implica a exigência da particularidade e da individualidade do caráter. (HEGEL, 1993, p.239)

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Para Hegel, a arte dos tempos modernos se apresenta por intermédio do

desenvolvimento histórico da particularidade no âmbito social burguês. E,

embora ela seja desenvolvida no interior de um total objetivo, apenas pode ser

depreendida através da situação fragmentária do indivíduo subjetivo. Com a

arte grega, segundo o filósofo, acontecia basicamente o contrário. O mundo

helênico ainda era capaz de apresentar uma manifestação artística como meio

de exposição do ideal total de uma determinada sociedade. Assim, como que

caracterizando a épica grega como uma essência devidamente pronta em sua

totalidade, ou seja, caracterizando-a como epopeia propriamente dita,

conjectura que a poesia epopeica é exposição da unidade imediata entre o

particular e o universal. Na sociedade burguesa moderna, porém, a realidade

subjetiva que a rege não é suficiente para restabelecer o sujeito em uma

unidade imediata com o universal ético. Isso faz, segundo Hegel, com que não

se reconheça na modernidade um ideal épico universal. Desta forma, Hegel

descreve a epopeia como uma manifestação artística que

representa o espiritual concreto sob uma forma individual, e a epopeia, quando narra alguma coisa, tem por objeto uma ação que, por todas as circunstâncias que a acompanham e as condições nas quais se realiza, apresenta inumeráveis ramificações pelas quais contacta com o mundo total de uma nação ou de uma época. É, portanto o conjunto da concepção do mundo e da vida de uma nação que apresentado sob forma objetiva de acontecimentos reais, constitui o conteúdo e determina a forma do épico, propriamente dito. Desta totalidade fazem parte, por um lado, a consciência religiosa de todas as verdades profundas do espírito humano e, por outro lado, a vida concreta, a vida política e doméstica, e até as necessidades que a vida exterior comporta e os meios de satisfazer. (HEGEL, 1993, p.572-573).

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Hegel então irá se voltar para um viés que pensa a lírica como sendo a

mais determinada e desenvolvida manifestação artística de uma época na qual

as relações sociais deveriam ser regidas pelo Estado. A arte moderna já não

comportaria o compromisso de apresentar o objeto em seu pleno

desenvolvimento, ou seja, já não exige uma arte pautada na objetividade da

coisa em si. Assim, se a epopeia é a transfiguração ativa de um herói inserido

na totalidade orgânica de um universo fechado, ou, como acontece no drama,

cuja ação dramática do herói assume o pathos universal de um povo, a lírica é

a transfiguração da realidade subjetiva do universo particular. O filósofo assim

caracteriza a lírica contrapondo-a à épica, quando aponta que

O conteúdo da poesia lírica não pode ser a reprodução verbal de uma ação objetiva onde todo mundo, com toda a riqueza das suas manifestações, se possa refletir ou simbolizar. O lirismo restringe-se ao homem individual e, consequentemente, às situações e aos objetos particulares. O conteúdo da poesia lírica é, pois, a maneira como a alma com seus juízos subjetivos, alegorias e admirações, dores e sensações, toma consciência de si mesma no âmago deste conteúdo. Graças a tal caráter de particularidade e individualidade que constitui a base da poesia lírica, o conteúdo pode oferecer uma grande variedade e ligar-se a todos os assuntos da vida social, mas, sob este aspecto, difere da poesia épica, difere essencialmente do conteúdo da poesia épica, sem confusão possível. Enquanto a épica apresenta, numa só e mesma obra a totalidade do espírito nacional em suas manifestações reais, a poesia lírica foca apenas um lado particular desta totalidade ou, pelo menos, mostra- se incapaz de explicar e desenvolver a sua mensagem de forma tão completa quanto à da poesia épica. (HEGEL, 1993, p.608).

Longe de suscitar um olhar pessimista do homem moderno, em suas

concepções filosóficas, Hegel define que o Estado é a instituição que atua em

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consonância com a sociedade atual, e que esse organismo social comporta

uma realidade histórica na qual a liberdade, mediada por ele, realiza-se como

particularidade. É a liberdade do espírito e sua superação ao belo natural,

encontrada no cerne de sua visão estética, que confere à modernidade a

capacidade de se concretizar a verdadeira exposição da arte, a filosofia.

É essa imagem de vida moderna, voltada para a particularidade do

indivíduo que, apesar de apresentada conforme Marshall Berman aponta

uando a define como sendo “uma comunidade abalada pela dor e pela

mis ria” (BERMAN, 1992, p.1), garante ao sujeito o direito de um olhar mais

multifocal para a sociedade burguesa e lhe oferece também uma multiplicidade

de matérias e temas no momento de sua concretização como arte nesse

universo novo. Segundo Berman, em Porque o Modernismo Ainda Vigora,

O homem moderno exige renovações mais profundas e radicais: tem de aprender a encarar-se como sujeito e objeto de modernização, compreender a mudança do mundo que está mudando, e fazer deste mundo movente a sua própria matéria. Sabe que isso é possível, pois o mundo que mudou tanto prova que ainda pode transformar-se mais. É capaz, como diria Hegel, ‛de olhar o negativo de frente e viver com ele.᾽. ‛ udo ue s lido se desmancha no ar᾽ n o uma assertiva de desespero, mas uma fonte de força e afirmação, Se tudo tem de se acabar, que se acabe: o homem moderno tem o poder de criar um mundo melhor do que o perdido por nós. (Ibdem)

N o foi s nas “Odes” de Campos ue Pessoa expressou sua ideia

sobre a vida moderna. Ao discuti-la, aponta que

A velocidade dos veículos tirou a velocidade à nossa alma. Vivemos muito devagar, e é por isso que tão fàcilmente nos

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enfastiamos. A vida tornou-se para nós o campo. Não trabalhamos bastante e fingimos que trabalhamos demasiado. Movemo-nos ràpidamente de um ponto onde nada se faz para outro ponto onde nada há que fazer, e chamamos a isto a pressa febril da vida moderna. Não é a febre da pressa, mas a febre da pressa. (PESSOA, S/D, p.272-273)

Na “Introdu o” de Tudo que é sólido desmancha no ar, Marshall

Berman denota uma preocupação de se esclarecer melhor o senso de

compreensão do que possa ser o termo modernidade. Nela, o escritor define

ue “Ser moderno viver uma vida de paradoxo e contradi o.” (BERMAN,

1986, p.13), posto que o sujeito moderno vive sob a dicotomia entre o desejo

de mudanças e o terror causado por ele.

Em sua dialética da modernização e do modernismo, ele subdivide o

termo modernidade em três fases temporais: a ue compreende “o in cio do

século XVI até o fim do s culo XVIII” (BERMAN, 1986, p.16), fase na qual o

homem ainda vive o limiar da experimentação da vida; a fase segunda, dada a

partir da Revolu o Francesa, na ual surge, “de maneira abrupta e dramática,

um grande e moderno público.” (Ibdem), mas ainda restrito a um sentido

material e espiritual da vida; e, finalmente, a terceira e última fase, que

compreende o século XX, período no qual o modernismo consegue abarcar,

ainda que de forma virtual, a totalidade de mundo, expandindo-se de forma

categ rica nas manifesta ões das artes e do pensamento humano. “Por outro

lado, à medida que se expande, o moderno se multiplica em uma multidão de

fragmentos, que falam linguagens incomensuravelmente confidenciais;”

(BERMAN, 1986, p.17), fazendo com que as pessoas, embora vivendo de

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maneira contundente o sentido moderno, percam a nitidez do sentido do que

realmente é a modernidade. Porém, segundo Berman,

uma das virtudes específicas do modernismo é que ele deixa suas interrogações ecoando no ar, muito tempo depois que os próprios interrogadores, e suas respostas, abandonaram a cena. (BERMAN, 1986, p.21)

E desta forma também compreendemos a epopeia de Fernando Pessoa;

uma construção poemática que sugere muito mais interrogações que

respostas. E a cada resposta encontrada, outras tantas perguntas vão

surgindo. Afinal, como escreveu Jorge Luis Borges, ao mencionar o escritor

inglês Thomas De Quincey, “descobrir um problema novo era t o importante

quanto descobrir a solução de um antigo.” (BORGES, 2000, p.10). Assim,

antes mesmo de incorrermos na redundante assertiva de que não buscávamos

e buscamos ao longo deste trabalho o lançamento de um olhar totalizante do

poema pessoano, haja vista que uma análise dos múltiplos sintagmas

construtivos incutidos no livro seria, al m de um trabalho “sis fico” e atestador

de nossa incapacidade, necessário talvez que dispuséssemos em nosso texto

mais “Notas de Rodap ” do que as apresentadas nas variadas edições da

Divina Comédia . Deixamos claro que o nosso intuito primário fora, é e será a

busca de mais uma via de decifração para poema; ou seja, um estudo capaz

de apontar que é justamente em seu caráter emblemático, digno de indagações

múltiplas, que reside a originalidade épica da Mensagem. Em suma, original

por apresentar uma estrutura formal diferente das épicas antecessoras;

emblemática porque são exatamente esses caracteres anômalos que lhe

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conferem um não reconhecimento épico a partir das concepções aristotélicas e

das expansões teóricas pós Aristóteles.

Fernando Pessoa, na Mensagem, expressou-se não só com versos mas

também com emblemas. As personagens, eleitas segundo os critérios pessoais

do escritor, são apenas projeções circunstanciais dos heróis que, ao longo dos

séculos, constituíram a trajetória de uma história grandiosa. Assim sendo, em

uma espécie dramática de composição poética, os seres históricos que

atuaram na formação da nação portuguesa são postos em cenas como

avatares dos homens que, ressuscitados miticamente, irão compor o relato

narrativo a partir de uma mat ria pica ue se cumpriu n’Os Lusíadas.

A natureza mítica dos heróis garante ao poema uma liberdade narrativa

que não compete com o modelo de narrador-distanciado da epopeia clássica.

Assim, como testemunhos oníricos, que ora são grafados pela voz narrativa do

poeta, ora grafados, como monólogos, pelas próprias personagens, tal como

acontece, por exemplo, nos cinco poemas ue configuram “As Quinas” de

“Bras o”: “D. Duarte, Rei de Portugal”, “D. Fernando, Infante de Portugal”, “D.

Pedro, Regente de Portugal”, “D. Jo o, Infante de Portugal” e finalmente, “D.

Sebasti o, Rei de Portugal”, a elocu o narrativa em primeira pessoa parece

indicar a preocupação do poeta de justificar ou mesmo de redimir a passividade

histórica desses homens fadados à tragédia. Portanto, se os poemas que

consubstanciam a “Os Campos” de “Bras o” representam a parte ativa e

material da sedimentação do território português, os her is derrotados d’“As

Quinas” marcam o tributo necessário, para ue se cumpra o fundamento

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místico-messiânico de uma nação duplamente predestinada à fatalidade e à

conquista.

D. Sebastião, símbolo maior da realização messiânica do Quinto

Império, mas também a suprema desgraça consumada da história portuguesa,

é trazido em seu duplo de sacrifício e redenção para o poema que o corporifica,

em sua condição histórica esgotada. Não importa para o poeta a nulidade que

cada uma dessas personagens exerceu no processo de sedimentação

territorial do país, mas sim a natureza mítico-espiritual necessária para

beatifica o de um povo sagrado “em honra e desgra a” (PESSOA, 1981, p.8)

a partir do sacrif cio, “por ue do português, pai de amplos mares,” (PESSOA,

1981, p.9) o dúplice uerer ue “O todo, ou o seu nada.”. (Ibdem) Desta

forma, n o nem o Rei nem o homem, “Cadaver adiado” (PESSOA, 1981,

p.10) que não procriou, que o poeta convoca, mas sim o mito ungido para arcar

com o ônus do tributo histórico da realiza o da “loucura” de “grandeza” de

Portugal. Portanto, vale a pena que recortemos um dos mais substanciais

poemas da “Primeira Parte” da Mensagem:

D. SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL Louco, sim, louco, porque quis grandeza Qual a Sorte a não dá. Não coube em mim minha certeza; Por isso onde o areal está Ficou meu ser que houve, não o que ha. Minha loucura, outros que me a tomem Com o que nella ia.

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Sem a loucura que é o homem Mais que a besta sadia, Cadaver addiado que procria? (PESSOA, 1981, p.09-10)

Não é só na variação da voz narrativa que a epopeia de Pessoa se

distancia dos critérios formais apresentados pelas épicas clássicas. Em sua

tessitura formal, Mensagem não se prende a estrofes e a métricas unificadas.

Assim, um leitor mais desavisado e/ou apresentado às épicas de Homero não

irá conhecer no livro pessoano a voz de um aedo que, acompanhado de sua

fórminx, cantava em versos hexâmetro dactílico a ira de um herói máximo de

um povo em alguns tantos cantos. Irá sim encontrar um conjunto de 44 poemas

que, em suas respectivas particulares formais e filosóficas, formam a essência

universal de um poema, por assim dizer, épico moderno.

Conforme apontamos anteriormente, a atemporalidade do relato oferece

uma liberdade de estruturação mais extensa à epopeia da modernidade. Essa

estruturação parte do maravilhoso e não do histórico, acentuando o surgimento

de uma consciência lírica que, por vezes transfigurada em um Eu estruturante

ou outras em uma voz que não se contenta apenas em contar um fato e cantar

uma personagem mas sim transfigurá-los em símbolos, dinamizando ainda

mais o percurso narrativo da obra. Assim, ao contrário das épicas clássicas, o

poema pessoano centra o seu relato primeiramente no mito vazio do declínio

marítimo, visando ressuscitá-lo como história mítico-poética em um estágio

literário de um futuro mitificado, ou seja, o livro parte do Mito para que a

História se realize.

.

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Vislumbramos em Mensagem três tempos narrativos da história: o tempo

da chegada, que compreende o surgimento do território português, o tempo da

partida, no qual a incursão ultramarítima é narrada e o tempo do regresso, cujo

mito maior da formação cultural portuguesa é transposto para o espaço etéreo

de um tempo atemporal, em suma, para um espaço mítico. Esses três tempos

se fundem reciprocamente com três estados da matéria narrada: o estado de

sedimentação, que se alarga com o primeiro tempo, o estado de liquefação,

que se intersecciona com o segundo e, finalmente, o estado de vaporização, o

qual se funde com o terceiro tempo. Também poderíamos vislumbrar em seu

poema inaugural, “O dos Castellos”, um uarto tempo e um uarto estado: o

tempo da letargia e o estado da contemplação; tempo e estado que seriam, por

assim dizer, os dois a mesma coisa, sendo coisas diferentes. No poema, a

imagem letárgica da Europa, que Fernando Pessoa alevanta, tem, como o

centro pensante, Portugal, cujos olhos são os únicos predestinados a fitar,

remetendo nossas palavras ao “Opiário” de Campos, por m em outro contexto,

os únicos predestinados a fitar um Ocidente ao Ocidente do Ocidente.

Contudo, por ser a cabeça, seria também o principal responsável por essa

aparente estagnação, já que somente contempla letargicamente esse território

mitificado. Mas isso também carece de um estudo mais aprofundado, assim

como supracitamos sobre a ocorrência do fenômeno elegíaco na Mensagem.

Porém, não nos compete ainda fazer. Talvez possamos como um desafio

futuro. Registre-se o desafio.

Tempos e estados que conferem à épica pessoana, além de uma

“obrigat ria” liberdade formal, os cr ditos para ue Pessoa pudesse atuar sua

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obra no intermédio da história. Por isso, não nos custa conferir o tratamento

dado pelo poeta às duas das principais figuras da formação do sentido de

nacionalidade de Portugal. O escritor se debruça de maneira diferente sobre

elas, tanto do sentido estrutural, quanto no sentido filosófico dados. Portanto:

D. AFFONSO HENRIQUES PAE, foste cavalleiro. Hoje a vigília é nossa. Dá-nos o exemplo inteiro E a tua inteira força! Dá, contra a hora em que, errada, Novos infiéis vençam, A bênção como espada, A espada como bênção! (PESSOA, 1981, p.7)

Temos em um conjunto de oito versos hexassílabos, distribuídos em

dois uartetos de rimas cruzadas, evocada numa esp cie de “pai-nosso”

(QUESADO, 1999, p.59), como atesta Clécio Quesado no livro Labirintos de

um Livro à Beira-Mágoa, a figura do “Rei-fundador do da na o”. Dúplice em

sua condição de cavaleiro e de fiel à Palavra de Cristo, D. Afonso Henriques

representa o intervalo entre a história cumprida e o devir mítico de um povo

que o conclama à vigília. Dado a sua importância histórica, que veio a refletir

na independência portuguesa, o Rei D. Afonso Henriques será restabelecido

miticamente por Fernando Pessoa, para que ele venha, em sua dupla categoria

de força e de fé, como exemplifica o quiasmo dos dois últimos versos, proteger

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a na o portuguesa do s culo XX dos “Novos infi is” (Ibdem) tradicionalistas

de uma época de renovação.

Ousamos dizer que se houvesse uma epígrafe geral na Mensagem,

nenhuma, como já assinalamos anteriormente, cair-lhe-ia melhor do ue “O

MYTHO é o nada que tudo.” (PESSOA, 1981, p.6). Esse oximoro, de forma

conscientemente inconsciente, sintetiza bem essa obra de estrutura paradoxal,

pois, nesse poema com o qual Pessoa inicia o relato da formação territorial do

país, o mito inserido no mito da história crepuscular de Portugal irá tangenciar

grande parte de sua concepção filosófico-literária, que é o mito como a medida

de todas as coisas literárias de Pessoa.

Valendo-se de uma personagem da literatura e não da história, o poeta

preenche imaginária e imageticamente a origem remota e não consignada pela

história da forma o de Lisboa. Por m, “Este, ue a ui aportou” (Ibdem), com

seu ep teto de “fundador de cidades” 45 não é por excelência apenas uma

natureza mítica que veio preencher uma lacuna histórica. É também o mito

inaugural com o qual o poeta anuncia uma épica construída a partir de uma

superposição de mitos. Portanto, quando Fernando Pessoa afirma o desejo de

“ser um criador de mitos, ue o mist rio mais alto ue pode obrar algu m.”46,

ele tem, no poema “Ulysses”, um dos maiores atestados de sua genialidade

45

Segundo Clécio Quesado, “Embora a tradi o estabele a um elo m tico entre Ulisses e Lisboa, a relação não passa de uma coincidência fônica entre o remoto topônimo Olissipona e o antropônimo do herói grego...”. (QUESADO, 1999, p.48-49) 46

Mitogenia. In Pessoa, Fernando. Mensagem. Publicações Europa-América, 2ª edição, p.161.

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como criador de mitos, em outras palavras, de “mitogênio”. Assim, em uinze

versos, distribuídos em três estrofes, nas quais os quatro primeiro versos são

heptassilábicos e o último é tetrassilábico, o poeta anuncia aquele que, por não

ser histórico, foi histórico, Ulisses/mito primário:

ULYSSES O MYTHO é o nada que é tudo. O mesmo sol que abre os céus É um mytho brilhante e mudo O corpo morto de Deus, Vivo e desnudo. Este, que aqui aportou, Foi por não ser existindo. Sem existir nos bastou. Por não ter vindo foi vindo E nos creou. Assim a lenda se escorre A entrar na realidade, E a fedundal-a decorre. Em baixo, a vida, metade De nada, morre, (Ibdem)

Ao grafarmos, gratuitamente até, as peculiaridades formais, tipo de rima,

quantidade de versos, métrica, em suma, a natureza física de cada um dos

poemas acima transpostos, buscamos elucidar que não é só nos caracteres

filosóficos, históricos, estilísticos, enfim, em seus enigmas poéticos que reside

a autonomia de cada poema da Mensagem. Cada personagem, através de um

olhar lírico do poeta, é transportado para a área branca do papel como se

fossem “fotobiografias”, ou por vezes, conforme mencionamos anteriormente,

algumas estâncias são feitas através de uma autoenunciação através das

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próprias entidades hist ricas, como n o s acontece em ‘Bras o”, mas tamb m

como se verifica no poema de abertura da “ erceira Parte”, “O Encoberto”, ue

na voz on rica do mito reencarnado de “D. Sebasti o”, anuncia-se como o

primeiro d’“Os S mbolos”, erguido “do fundo de n o seres” (“O DESEJADO”,

PESSOA, 1981, p.19) para que, pela voz do próprio poeta, que porventura

tamb m se enuncia liricamente como o “ erceiro d’“Os Avisos”, tornar-se-á “...

o Christo / De uem morreu o falso Deus, / (...) ... “ Encoberto, / Sonho da

eras portuguez,” (PESSOA, 1981, p.21).

Vale lembrar ue o número três uma constante na “ erceira parte” da

Mensagem. Formada por doze poemas, ou seja, por um número múltiplo de

três, nela Fernando Pessoa parece versar com a famosa imagem da Última

Ceia de Cristo; epis dio antecedente à morte e à reencarna o do “Filho de

Deus”. Portanto, tomemos a liberdade de conjecturar, hipoteticamente, claro,

ue o poeta, ao relacionar D. Sebasti o ao “Messias”, toma-se a si próprio

como o “Pai” criador de um livro, cujo mito, “ ue o nada ue tudo”

(PESSOA, 1981, p.6) seria o “Esp rito Santo” revelador de uma nova ordem

poética. Em suma, o capítulo fecha a imagem de uma trindade perfeita da obra,

configurada em o “Nascimento” da “... voz da terra anciando pelo mar.”

(PESSOA, 1981, p.7) em “Bras o, a “Vida” ue “DEUS QUERE, o homem

sonha, a obra nasce.” (PESSOA, 1981, p.12), inserida no “Mar Portuguez” e a

“Reencarna o” d’“Os Symbolos” desveladores das seguintes indaga ões

levantadas pelo “O Encoberto”; poema, aliás, de t tulo homônimo à “ erceira

Parte” do livro pessoano. Assim:

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O ENCOBERTO Que symbolo fecundo Vem na aurora anciosa? Na Cruz morta do Mundo A Vida, que é a Rosa. Que symbolo divino Traz o dia já visto? Na Cruz, que é o Destino, A Rosa, que é o Christo. Que symbolo final Mostra o sol já disperto? Na Cruz morta e fatal A Rosa do Encoberto. (PESSOA, 1981, p.19-20)

Nos versos decass labos heroicos do último dos três uartetos de “O

Infante”; poema com o ual Pessoa inaugura o “Mar Portuguez”, “ erceira

Parte” de sua epopeia, temos:

Quem te sagrou creou-te portuguez. Do mar e nós em ti nos deu signal. Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. Senhor, falta cumprir-se Portugal! (PESSOA, 1981, p.12)

Não nos custa imaginar que Fernando Pessoa tenha evocado pela

segunda vez na Mensagem, simbolicamente ue seja, à uele ue ocupa “A

Cabe a do Grypho” d’“O imbre” de “Bras o”, por mera distração. O lendário

pseudofundador da Escola de Sagres47 sintetiza basicamente a conjuntura da

47

O Infante (1394 – 1460) é o quinto descendente de D. João II e Filipa de Lencastre. Consta

ter sido um dos homens mais clarividentes do seu tempo: na guerra, soube dar decisão à conquista de Ceuta; na vocação inata para estadista, mostrou-se um ecumenista na sua concepção de expansionismo da cristandade, tornando-se um precursor do destino de Portugal

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história da navega o. Portanto, o poema primeiro de “Mar Portuguez”

condensa em si, intertextualmente, todo o processo de incursão das naus

portuguesas pelos mares. Mas convém atentarmos que isso acontece na

natureza narratológica do poema. A imagem simbólica que Fernando Pessoa

suscita do Infante D. Henri ue, “O unico imperador ue tem, deveras, / O globo

mundo em sua m o.” (PESSOA, 1981, p.10), sugere inicialmente um Portugal

tamb m “infante”; levando em considera o a etimologia da palavra, um pa s

jovem no auge de suas forças e predestinado às grandes façanhas dos heróis

épicos. Porém, o que se vislumbra nos dois versos finais do poema é um

esvaziamento histórico de um expansionismo marítimo que se cumpriu, porque

assim tinha que ser, e se ruiu, mas não ideologicamente no imaginário do povo.

Ora, ent o ue “Portugal” esse ue ainda falta se cumprir? A essa indaga o

respondemos, ao apontarmos ue “O Infante”, ue foi imperador (para Pessoa)

ao não sê-lo, embora seja o limiar das grandes navegações portuguesas,

configura o in media res narrativo de um império marítimo que, ao nascer, já

dera in cio à pr pria morte. Assim sendo, o “Horizonte” ue se busca o

cumprimento de Portugal “para o teu novo fado” (PESSOA, 1981, p.19): o de

nação cultural.

Coforme apontamos anteriormente, Pessoa não se expressa somente

com versos, mas também com emblemas, ou melhor, com imagens-símbolos

dos heróis e seus feitos. Alojado logo em seguida ao poema supracitado,

“Horizonte”, um dos mais belos poemas de Mensagem, não só pontifica os

no âmbito do domínio dos mares. Neste particular, a história e a lenda lhe têm atribuído a fundação da Escola de Sagres. Seja enquanto instituição aliás, de existência duvidosa seja

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caminhos percorridos pela incursão marítima, mas também a ação histórica

dos navegantes portugueses na trajetória existencial do homem moderno. Não

o “mar anterior” (PESSOA, 1981, p.12) ao processo expansionista,

transfigurado, após as conquistas em Brasil e em África, que o escritor evoca, e

sim um mar, cuja viagem cósmica é capaz de transladar o ser humano para um

universo paralelo ao nosso; o universo das palavras. Essas que o poeta

brasileiro Carlos Drummond de Andrade dizia terem “mil faces secretas sob a

face neutra” 48. Assim, o poema transubstancia em sonho um convite ao habitat

natural da poesia, a metaf rica “Ilha dos Amores”, como resposta de ue n o

s o feitos de guerra, de con uistas territoriais e mar timas “Os beijos merecidos

da verdade.” (PESSOA, 1981, p.12), mas da afirmação poética de que viver

n o o bastante. Portanto, se “O Infante” configura também o prenúncio de um

novo cumprimento hist rico, o segundo poema de “Mar Portuguez” a imagem

abstrata que o poeta faz de um lugar a se cumprir.

HORIZONTE Ó mar anterior a nós, teus medos Tinham coral e praias e arvoredos. Desvendadas a noite e a cerração, As tormentas passadas e o mysterio, Abria em flor o Longe, e o Sul siderio 'Splendia sobre as naus da iniciação. Linha severa da longínqua costa -

enquanto método experimentalista de navegar, é fato que, a partir desse infante, desencadeou-se o expansionismo português pelos oceanos. (QUESADO, 1999, pg. 88-89) 48

ANDRADE, Carlos Drummond de. Reunião; 10 livros de poesia. Rio de Janeiro: José

Olympio Editora, 1971.

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Quando a nau se approxima ergue-se a encosta Em arvores onde o Longe nada tinha; Mais perto abre-se a terra em sons e cores: E, no desembarcar, ha aves, flores, Onde era só, de longe, a abstracta linha. O sonho é ver as formas invisiveis Da distancia imprecisa, e, com sensiveis Movimentos da esp'rança e da vontade, Buscar na linha fria do horizonte A arvore, a praia, a flor, a ave, a fonte- Os beijos merecidos da Verdade.

(Ibdem)

Nota-se ser incontável a semântica da palavra imagem. Por um lado,

porque a noção de imagem tem uma abrangência extremamente vasta que se

prende à própria historicidade do termo, com o seu uso em diferentes

disciplinas e por referência a diferentes campos das artes. Segundo Michel

Collot, em seu Do Horizonte da paisagem ao horizonte dos poetas (2010), a

paisagem é definida num percurso que vai desde o elemento depreendido pelo

olhar num determinado espaço-temporal limitadamente físico, que é o horizonte

humano, até um campo de visão muito mais subjetivo, que perpassa a

priori pela depuração desse horizonte objetivo até o que Collot classifica como

sendo o horizonte dos poetas.

A paisagem, subjetiva ou não, é delineada por contornos definidos por

certos pontos de vista. Assim, ela se afigura como um mosaico aberto,

preenchido às vezes por metáforas visuais, mitos, suposições e por elementos

responsáveis pela (re)construção da linguagem, desde as mais remotas

origens humanas até a escrita contemporânea. De acordo então com o filósofo

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francês, não existe paisagem sem horizonte. Assim, o horizonte se apresenta

como a fronteira que permite ao ser se apropriar da paisagem, correspondida

pelo observador como sendo apenas uma parte do país em que ele se

encontra. Desta maneira, a paisagem passa a ser não apenas vista, mas,

sobretudo, habitada. E acrescenta:

O que os poetas modernos pedem ao horizonte quase não é mais que o acesso a um Outro mundo, mas a revelação de que nosso mundo é diferente do que se crê, pois ele recebe uma reserva inesgotável de novas perspectivas; não é mais a imagem semelhante de uma identidade própria, mas a distância interior de uma íntima alteridade (COLLOT, 2010, p.217).

Jacques Ranciére, em O Destino das Imagens (2012), destacou logo de

início que n o gostaria de “criar a expectativa de uma nova odisseia da

imagem” (RANCIÉRE, 2012, p.9). Seu objetivo era, antes, por m, “refletir sobre

o que são as imagens da arte e as transformações contemporâneas do lugar

ue elas ocupam.” (Ibdem). Ao se debru ar sobre a “frase-imagem”, ou seja,

sobre a composição da imagem através da palavra na arte moderna, aponta

que

A nova medida comum, desta forma contraposta à antiga, é a de um ritmo, do elemento vital de cada átomo sensível desligado que transpõe a imagem na palavra, a palavra no toque, o toque na vibração da luz e do movimento. Podemos dizê-lo de outra forma: a lei do “profundo hoje”, a lei da grande parataxe, consiste em que não exista mais medida, apenas o comum. É o comum da desmedida ou do caos que doravante confere à arte sua potência. [...] A frase não é o dizível, a imagem não é o visível. Por frase-imagem entendo a união de duas funções a serem definidas esteticamente, isto é, pela maneira como elas desfazem a

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relação representativa do texto com a imagem. No esquema representativo, a parte que cabia ao texto era o encadeamento ideal das ações, a parte da imagem, a de um suplemento de presença que lhe conferia carne e consistência. A frase-imagem subverte essa lógica. A função-frase ainda é a de encadeamento. Mas, a partir daí, a frase encadeia somente enquanto ela é aquilo que dá carne. E essa carne ou essa consistência, de modo paradoxal, é a da grande passividade das coisas sem razão. A imagem tornou-se a potência ativa e diruptiva do salto, da transformação de regime entre duas ordens sensoriais. A frase-imagem é a união dessas duas funções. É a unidade que desdobra a força caótica da grande parataxe em potência frástica da continuidade e potência imageadora de ruptura. Como frase, acolhe a potência paratáxica rejeitando a explosão esquizofrênica. Como imagem, rejeita com sua força diruptiva o grande sono da repetição indiferente ou a grande comunal dos corpos. (RANCIÉRE, 2012, p.55-56)

Ao justapor imagem e versos, Fernando Pessoa não realiza somente um

processo de reflexão do passado histórico, mas antes, porém, um processo

pessoal de refração desse passado. Atuando no intervalo de um discurso épico

que se cumpriu em Alquácer-Quibir, mas que ficou arraigado na consciência

cultural da nação, sugere a sucessão de imagens emblemáticas dos heróis

portugueses em suas condições míticas como a instauração de uma

supraconsciência, a qual somente no universo literário poder-se-ia cumprir. A

história serve então de reduto da busca do mito primordial, representado pela

figura de D. Sebastião, ou, como podemos subentender, metamorfose da voz

do próprio poeta que, ao cantar a glória e o declínio do país, condensa

exemplarmente em alguns poucos poemas aspectos que vão além da narração

de batalhas e feitos; em suma, o que se busca na Mensagem, sobretudo, é

contar a aventura existêncial-metafísica do homem moderno e do homem

moderno português. Tudo isso dentro de uma economia poética de um grande

poema, capaz de agrupar, além do misticismo, do sebastianismo, da gnose

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iniciática, uma consciência histórica, uma consciência mítica, uma consciência

épica, uma consciência lírica, uma consciência dramática, uma consciência

elegíaca, em suma, toda a vitalidade moderna de um discurso envelhecido.

Porém, ao considerarmos a condensação poética da Mensagem não

implica em classificá-la em poema pequeno. O tamanho de uma obra não pode

ser concebido pela diagramação, nem tão pouco por sua quantidade de versos.

Ao analisar o valor de uma obra de arte, ou melhor, da arte literária, M. S.

Lourenço, cujo livro já mencionamos antes, atribui o valor a um poema através

de sua caracteriza o semântica, de modo ue ele aponta ue “o sentido de

uma obra de arte, e da obra literária em particular, é essencialmente o número

de interpretações a que ela dá lugar.” (LOURENÇO, 2002, p.18), e não à sua

quantidade de páginas, e completa o pensamento, ao afirmar ue “o valor de

um poema é a necessidade de pensar o poema essencialmente como a

proposi o de um enigma” (Ibdem). Portanto, compreendemos o livro

pessoano como sendo uma infinitude de proporções de enigmas poéticos

dentro de uma estrutura finita.

O mesmo ensaísta, ao analisar o fenômeno épico na modernidade,

pratica seus estudos a partir do poeta inglês Milton. Porém, sem fazer qualquer

citação epigráfica ou inserir Nota de Rodapé, aponta que

Milton distinguiu dois gêneros de poesia épica, aos quais de-os nomes de “breve” e “longo”. O g nero longo de poema pico formulado dentro do conhecido canon de doze Cantos, dentro do qual é narrada a viagem de uma nação ou do seu chefe. Em

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geral, a viagem tem como ponto de partida um lugar de origem, ou natal, e procede em direcção a um destino novo, onde uma nova ordem política e religiosa será criada, com a qual se iniciará a contagem de uma nova Era. Este género de poema épico a que Milton chama longo adapta-se bem a Homero, Virgílio, Tasso e, claro, a Camões, se exceptuarmos a regra de doze cantos. O género breve de poema épico é, como o nome já sugere, de tamanho menor, e acima de tudo o tema da viagem, que é o objecto comum a ambos os géneros, tem de ser compreendido num sentido puramente espiritual: aqui os dois pontos, o ponto de partida e o ponto de chegada, situam-se ambos na alma do chefe temporal e espiritual. Na verdade, no género breve de poema épico o chefe conduz-se apenas a si próprio. Ele já não funda uma nova ordem religiosa e política, ele funda ou antes descobre uma nova espécie de conhecimento, sendo agora de um sentido inicial de ignorância para uma ordem mais elevada do conhecimento. (LOURENÇO, 2002, p.118-119)

Em sua Estética, ao tecer relações diferenciais entre o Belo Artístico e o

Belo Natural, Hegel aponta ue “ udo uanto conv m do esp rito superior ao

que existe na natureza. A pior das ideias que perpasse pelo espírito do homem

é melhor e mais elevada do ue a mais grandiosa produ o da natureza...”

(HEGEL, 1993, p.27), já ue o pensamento prov m do esp rito e “o espiritual

superior ao natural.” (Ibdem). Ora, se relacionarmos os dois últimos

apontamentos, o do filósofo alemão e o do escritor português, à Mensagem de

Fernando Pessoa, podemos depreender que ela seja um exemplo de gênero

breve de poema épico, concebido a partir de uma moderna ordem do

conhecimento humano, o espiritual, em outras palavras, uma épica breve em

extensão de páginas, porém complexa em sua composição enigmática.

Ao associarmos o poema de Fernando Pessoa às definições de épica

breve e longa não queremos apresentar uma definição estática e definitiva do

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gênero em que ele se enquadraria. Desde o início de nosso trabalho essa não

foi nossa a intenção. Sobre os poemas épicos concebidos a partir do século XX

nenhum conceito nos parece óbvio e totalizante, devido à complexidade formal

e à semântica polissêmica com as quais as epopeias modernas se

apresentam. Apenas são apontamentos que nos servem de objeto de análise e

comparações. Afinal, não nos custa a pergunta: o que seria um poema breve

moderno? Reformulando-a e tomando emprestadas as palavras de Octavio

Paz em La Otra Voz: Poesía y fin de siglo (1990) quando se indaga sobre

poesia e modernidade: “¿Qu es un poema extenso?” (PAZ, 1990, p.11).

Assim, ao analisar as convergências e diferenças entre um poema curto e um

poema longo, Paz considera que

La poesía está regida por el doble principio de La variedad dentro de La unidad. En El poema corto, la variedad se sacrifica a expensas de la unidad; en el poema largo, la variedad alcanza su plenitud sin romper la unidad. Así, en el poema largo encontramos no sólo la extensión, que es una medida cambiante, sino máxima variedade en la unidad. En el poema extenso aparece, además, otra doble exigencia, que está en relación estrecha con la regla de la variedad dentro de la unidad: la sorpresa y la recurrencia, En todos lós poemas la recurrencia es un principio cardinal. El metro y sus acentos, la rima, lós epítetos en Homero y otros poetas, las frases e incidentes que se repiten como motivos y temas musicales, son como signos o marcas que subrayan la continuidad. En el outro extremo están las rupturas, lós cambios, las invenciones y, en fin, lo inesperado: el dominio de la sorpresa. Lo que llamamos desarrolo no es sino la alianza entre sorpresa y recurrencia, invención y repetición, ruptura y continuidad. 49 (PAZ, 1990, p.12-13).

49

A poesia é regida pelo duplo princípio da variedade dentro da unidade. No poema curto, a

variedade é sacrificada à custa da unidade; no poema grande, a variedade atinge sua plenitude sem romper a unidade. Assim, no poema grande encontramos não só extensão, que é uma medida mutável, mas também máxima variedade na unidade. No poema longo aparece, além disso, outra dupla exigência, que tem estreita relação com o princípio de variedade dentro da unidade: a surpresa e a recorrência. Em todos os poemas a recorrência é um princípio cardeal. O metro e seus acentos, a rima, os epítetos em Homero e outros poetas, as frases e incidentes que se repetem como motivos e temas musicais são como signos ou marcas que enfatizam a continuidade. No outro extremo estão as rupturas, as mudanças, as invenções e, no fim, o

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Após a viagem interpretativa da Mensagem pessoana a qual nos

propusemos fazer, verificamos que Fernando Pessoa imprimiu em seu discurso

épico um ideal patri tico, sebastianista e regenerador, numa “vers o” moderna,

por assim dizer, espiritualista e profética de Os Lusíadas. A obra equaciona em

sua estrutura tripartida os três significativos momentos do Império Português: o

limiar de Portugal como na o hist rica, com “Bras o”, a realiza o da

incurs o mar tima em o “Mar Portuguez” e o seu cumprimento e morte,

configurados no “Cadaver addiado” (PESSOA, 1981, p.10) e sem herdeiro do

“Encoberto”. Mas essa morte n o derradeira, pois pressupõe um

renascimento que se instaurará no entrelugar de um passado histórico

cumprido e um futuro espiritual mitificado de “... um mar ue n o tem tempo ou

spa o,” (PESSOA, 1981, p.17). Assim, ao escrever seu canto de exaltação e

alavancamento da nação, inscrevendo-se a si próprio como o arauto dessa

ressurgência que se vislumbra e se anseia, Pessoa constrói uma epopeia única

em seu tempo.

Como um poema épico a interpretamos, pois parte de um núcleo

histórico fechado e estabelecido no imaginário cultural do povo português; mas,

antes, porém, como uma épica de natureza moderna. Longe de se ater

somente na busca da essência narrativa da história nacional, Mensagem

configura em si a procura racional-metafísica de um sentido para a existência

inesperado: o campo da surpresa. O que chamamos de desenvolvimento nada mais é de que a aliança entre surpresa e recorrência, invenção e repetição, ruptura e continuidade. (Tradução própria)

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humana, configurada em uma dimensão subjetiva introspectiva dos heróis,

credenciados à imortalidade segundo uma ótica particular do poeta. Partindo

da inversão do relato, que agora se concentra na condição mítica e não na

história, as personagens e os acontecimentos são convertidos em emblemas,

que o poeta exprime não só liricamente, como também dramática e

elegiacamente. Portanto, o poema apresenta uma composição emblemática e

hibrida do discurso épico. Problemática que faz com que não se reconheça na

obra um epos definido ao relacioná-la às concepções aristotélicas e supra-

aristotélicas do gênero epopeico. Porém, não é só de Proposição, Invocação,

Dedicatória, em suma, através de sua estrutura interna e ideológica que se

constrói uma epopeia; posto que esses caracteres estruturais adaptavam-se

perfeitamente às épicas clássicas e, por que não?, às épicas escritas no

período renascentista, como Os Lusíadas e a Divina Comédia, e não às

concepções epopeicas do século XX. Assim sendo, o que nos suporta

conceitualmente é o fato de Hegel apontar, apesar de sua aparente não

aceitação do fenômeno épico na modernidade, que se devemos encontrar

epicidade nos poemas modernos, devemos procurar primeiro nos fatores

intrínsecos que os compõem. Logo, o que encontramos em Mensagem não foi

“o isto” ou “a uilo” de pico ue a cr tica moderna costuma evidenciar, mas um

livro que em si quaciona basicamente uma multiplicidade de gêneros, nos quais

a história serve apenas de ponto de partida para a verdadeira busca pessoana,

que é dar um caráter enigmático à escrita épica, conferindo, assim, ao legado

cultural literário, a vitalidade de um discurso envelhecido.

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5. – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fim: Os deuses não nos dirão, nem tampouco o Destino. Os deuses estão mortos e o Destino é mudo.

Fernando Pessoa50

A presente dissertação buscou entender, ou pelo menos mostrar como

se dá a problemática de gênero na Mensagem, de Fernando Pessoa. Único

livro devidamente organizando e publicado pelo poeta português que, apesar

de aparentemente passar uma vida de clandestinidade social, dedicou-se a

fazer do ato de viver uma intensa atividade escrita. Como polígrafo que foi,

escrevendo em quase todos os papeis que lhe caiam em mãos e em todos

lugares que lhe fossem possível ser, como ele próprio dizia através do seu

heterônimo Alberto Caeiro, sua “maneira de estar sozinho” (PESSOA, 1981,

p.138).

Deixou-nos um legado literário vastíssimo, compreendido não só pela

obra de nosso destaque, objeto de nossa dissertação, mas também pelo

fenômeno heteronímico, cuja cadeia de poetas por si só representou três

grandes autores do Modernismo português, além de um grande contributo

crítico e idealístico no cenário literário de Portugal.

50 PESSOA, Fernando. Obra em Prosa. Volume único. Rio de Janeiro: Editora Nova

Aguilar S/A, 1983. p.502.

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Obra sui generis em sua época e em língua portuguesa, Mensagem

representa uma proposta de reformulação do ideário cultural a partir de uma

cosmovis o “pessoal e pessoana” ue entendia o per odo da forma o

territorial e das grandes navegações como um processo histórico cumprido e

vazio. O poeta buscou apontar em seu livro que a ideologia expansionista e de

exaltação dos feitos dos heróis nacionais, inseridas, sobretudo, n’Os Lusíadas,

e deveras instauradas na consciência portuguesa, não mais atendia ao século

XX.

Mensagem, como uma aparente forma de denúncia do atraso artístico,

político e econômico de Portugal, veio a lume como a perene missão de incitar

o povo para uma nova revolução futura, literariamente que seja, deslocando o

mito do sebastianismo do espaço histórico para o mítico, simbólico. Representa

não mais a procura por outros territórios ou a incursão por horizontes

desconhecidos, mas a aventura humana de reconhecer em sua essência o

sentido da vida, através de um mergulho profundo na arte, na poesia.

Verificou-se a divis o da obra em três partes: “Bras o” ue, tamb m

tripartido entre os her is atuantes no processo hist rico (“Os Castellos”), entre

os her is da passividade e do sacrif cio (‘As Quinas”) e entre os her is ue

vislumbraram o Ultramar (‘O imbre”), representa as origens míticas e

históricas da formação da terra portuguesa; em “Mar Portuguez”, a incurs o

marítima e também o seu esvaziamento ideológico, e, em “O Encoberto”, parte

mais metafísico-espiritual do livro que, agenciada a partir da figura de D.

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Sebastião em sua natureza mítica, configura a proposta central do poema, que

a busca por uma nova aventura, agora em um “mar’ estritamente espiritual e

literário. Essa divisão tripartida se afigura em três partes autônomas, mas que,

anunciando-se e prenunciando a próxima parte, formam em suas respectivas

unidades o conjunto completo e fechado da obra.

Analisou-se ainda a questão do gênero: Mensagem se apresenta, em

sentido estrutural épico, distinta dos caracteres formais que compõem as

epopeias, segundo os estudos teóricos aristotélicos e supra-aristotélicos, cujos

conceitos reconheceram, nos livros homéricos, o modelo primacial e dogmático

de se construir uma poesia épica. Tais postulados sugerem que uma epopeia

se configura a partir de uma voz narrativa que, representando a figura do aedo,

procurava se ater ao objeto narrado. Com uma estrutura narrativa centrada no

herói principal de um povo, o passado grandiloquente e herdado da oralidade

cultural e literária era resgatado no presente pelo poeta em um livro de versos

distribuídos em Cantos, cujo arcabouço estruturante configura um arranjo de

subdivisões preestabelecidas, como, por exemplo, Invocação, Proposição e

Dedicatória.

A modificação desses esquemas, que já suscitavam as chamadas

“deturpa ões” das poesias picas; problemáticas encontradas em forma de

excursos ou episódios líricos em poemas como Os Lusíadas, por exemplo,

sugerem um não reconhecimento da escrita épica na era moderna. Porém, é a

partir de Hegel, que muito embora tenha também baseado grande parte dos

seus estudos épicos através das epopeias de Homero, que vislumbramos não

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só uma extensão maior do corpus poético, mas, sobretudo, uma visão

panorâmica quando aponta que devemos buscar a épica na era moderna

dentro do universo formal e ideológico que compreende a estrutura interna da

própria obra analisada.

A partir dos postulados hegelianos também visamos, ao longo desse

trabalho, analisar o poema pessoano. Nele, o poeta português centra o seu

relato na condição mítica dos heróis que compuseram a discussão cultural da

nação para projetar uma história futura também mitificada, numa espécie de

evocação de um Portugal que, ao se cumprir não se cumpriu, restando-lhe

somente se cumprir literariamente e espiritualmente como o espaço e o tempo

do homem moderno na busca de si mesmo.

Equacionamos, primeiramente, nossa análise do poema a partir de sua

relação com o histórico de vida de seu criador em seu contexto social,

percebendo-se que Mensagem, além de percorrer reciprocamente grande parte

da criação artística de Fernando Pessoa, representa, em diálogo intertextual e

intratextual, a cosmovisão pessoana do tempo, do Homem, da vida e do

próprio fazer literário. Procuramos também analisá-la em suas estruturas

formais e contraideológicas, por acreditarmos que em suas características

autênticas e distintas de toda a produção poética portuguesa é que reside a

vitalidade e um poema além de seu tempo.

Assim sendo, quando visamos compará-la e discuti-la a partir das

formulações teóricas estipuladas sobre a epopeia em si, buscamos não um

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enquadramento totalizante do poema pessoano em um determinado gênero

literário, mas, antes, mostrar que, a presença de um hibridismo, capaz de

incorporar o lírico e o dramático ao épico, representa, miticamente, a exaltação

de um povo através de seu representante mítico basilar, D Sebastião, que,

levantado das cinzas de onde a história se cumpriu, seria, dentro dessa visão

singular e pessoana, o responsável por conduzir a nação sobre outro prisma

épico, agora de ordem contraideológica e cultural, como se nos revela ao

conclamar o “(...) Galaaz com patria, a (“a”, grifo nosso) erguer de novo / (...) /

A alma pertinente do teu povo / À Eucharistia Nova.” (PESSOA, 1981, p.19).

Finalmente compreendemos que Mensagem é um poema épico distinto,

e aí reside sua originalidade. Épico, por ue configura “o contar e o cantar” a

história de Portugal a partir de um novo olhar metafísico-existencial. Original,

porque seu poeta não se ateve somente em narrar os grandes feitos nacionais,

mas, principalmente, em imprimir em seu poema os aspectos líricos,

dramáticos, eleg acos de um homem ue sintetizou o “portuguez, pae de

amplos mares” (PESSOA, 1981, p.9) e um dos poucos na modernidade a

manter a vitalidade de um discurso que, segundo Jorge Luis Borges, seria a

mais antiga forma de literatura.

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7. – ANEXOS 51

51 As imagens inseridas no presente anexo foram retiradas da obra “BERARDINELLI,

Cleonice, PESSOA, Fernando. Mensagem. Organização, apresentação e ensaios.

Edição preparada a partir dos originais da obra e de correções feitas a mão pelo

poeta. Rio de Janeiro: Edições Rio de Janeiro, 2014. p.

44,78,79,80,81,82,83,84,85,86,87,88 e 89.

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