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Mente, Corpo, Imaginação e Memória em Espinosa - Amauri Ferreira (PDF)

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Existência

66 FilosoFiaciência&vida

Mt, cr,mgçã mmór

eM espinosa 

pr fló, mt mg mdfcçõ dcr qu crrm td mmt — rcb

ccb dé rt. a mmór r cdmt d mg rduzd

Por AmAuri FerreirA

66 FilosoFiaciência&vida www.portalcienciaevida.com.br

Existência

   I   M   A

   G   E   N   S  :   S   h   u   t   t   E   r   S   t   o   c   k   /   M   o   N   t   A   G   E   M   f   E   r   N   A   N   D   A   D   A   L   h   u   I   S   E   N

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Amauri Ferreira é lósoo e escritor. Ministra cursos, coordena grupos de estudos e desenvolvepesquisas pela Escola Nômade de Filosoa. www.escolanomade.org

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 D

istinção real entre o corpo e a mente. Este é um dos pilares dopensamento de Baruch de Espinosa (1632-1677), a partir do qualpodemos dizer que não é possível estabelecer uma relação decausalidade entre ambos. Há, na verdade, uma conexão neces-

sária entre os corpos, que somente produz corpos, assim como há tam-bém um encadeamento entre as idéias, que somente produz idéias. ParaEspinosa, um corpo  não produz uma mente ou uma idéia, assim comouma mente não produz um corpo. Mas, primeiramente, toda idéia é idéiade alguma coisa existente em ato, e não uma idéia de algo que não existe:“O que, primeiramente, constitui o ser atual da mente humana não é se-

não a idéia de uma coisa singular existente em ato” ( Ética, 2, Prop. 11).Seguindo esta idéia, a mente humana tem uma potência para co-

nhecer o objeto ao qual está unida, que é o corpo, uma coisa singularque sofre modificações produzidas nos encontros com outros corpos.Nesse primeiro momento, não há nenhuma outra coisa singular exis-tente em ato que a nossa mente possa perceber alem do próprio corpo.Portanto, a mente humana é a   idéia do corpo: “Segue-se disso que ohomem consiste de uma mente e de um corpo, e que o corpo humanoexiste tal como o sentimos”. ( Ética, 2, Prop. 13, cor.).

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Existência

O corpo sempre sofre afecções — oumodificações — nas misturas com outroscorpos e a mente produz idéias dessasafecções. Porém, Espinosa faz uma ob-servação importante a respeito da uniãoda mente e do corpo: “Ninguém, entre-tanto, poderá compreender essa uniãoadequadamente, ou seja, distintamente,se não conhecer, antes, adequadamen-te, a natureza de nosso corpo.” ( Ética, 2,

Prop.13, esc.). Isso quer dizer que o corpotem uma grande importância nas idéiasque a mente produz, já que, como o cor-po sofre afecções, a mente as percebe.Mas, é importante ressaltar que o corpoe a mente são autônomos, ou seja, nãohá superioridade de um com relação aooutro. Apenas há superioridade de uma

  mente com relação a outra mente e deum corpo com relação a outro corpo.

Essa superioridade se define quando

a potência de modificação ou transfor-

mação deste corpo (desde que não per-ca a sua natureza, ou seja, que não sedestrua) for maior do que um outro cor-

po. E uma mente é superior a outra men-te porque produz mais idéias, em razãode seu corpo ter uma maior capacidadede ser modificado. Diz Espinosa: “[...]uma idéia é superior a outra e contémmais realidade do que a outra, à medidaque o objeto de uma é superior ao objetoda outra e contém mais realidade do queo objeto da outra. E, por isso, para de-terminar em quê a mente humana diferedas outras e em quê lhes é superior, énecessário que conheçamos, como dis-semos, a natureza de seu objeto, isto é,a natureza do corpo humano.” ( Ética, 2,Prop. 13, esc.). Superioridade, para Es-pinosa, é sinônimo de  maior perfeição.Todo corpo e toda mente são perfeitos,mas o que faz uma mente ser mais per-feita do que outra mente é a capacidadede uma produzir mais idéias do que aoutra. Dessa forma, a mente mais perfei-

ta sempre corresponde a um corpo queé mais modificado do que outro corpo:“[...] quanto mais um corpo é capaz, em

comparação com outros, de agir simul-taneamente sobre um número maior decoisas, ou de padecer simultaneamentede um número maior de coisas (1), tantomais a sua mente é capaz, em compa-ração com outras, de perceber, simulta-neamente, um número maior de coisas.

[...] E quanto mais ações de um corpo de-

Too copo tot so ptos. Oqu z u t ss pt o quout é cpc

u pouz sés o qu out

e c a memória aoencadeamentodas imagens quea mente orma dasmodifcações queocorrem no corpo.Henri-Louis Bergson,flósoo rancês,também relacionamemória, imagense corpo. Na obraMatière et Mémoire (1896), escreve:“Tudo deve se passarportanto comose uma memóriaindependentejuntasse imagens aolongo do tempo àmedida que elas seproduzem, e comose nosso corpo, comaquilo que o cerca,não osse maisque uma dessasimagens” (p. 83)

   i   l   u   s    õ   e   s   d   a   v   i   d   a ,

   p   o   r   G   E   o   r   G   E   f   r   E   D   E   r   I   c   k   W   A   t   t   S ,

   1   8   4

   9 -

   A   r   t   r   E   N   E   W   A   L   I   N   t   E   r   N   A   t   I   o   N   A   L

A ordem é uma ilusãoconstruída pela mente.A vida humana torna-sepesada quando se

tenta, a todo momento,corrigir a alta dessaordem imaginária

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pendem apenas dele próprio, e quantomenos outros corpos cooperam com eleno agir, tanto mais sua mente é capaz decompreender distintamente. É por essescritérios que podemos reconhecer a su-perioridade de uma mente sobre as ou-tras...” ( Ética, 2, Prop. 13, esc.). Portanto,há total correspondência entre a mente eo corpo: uma mente ativa corresponde aum corpo ativo e uma mente passiva cor-responde a um corpo passivo. É  impos-

 sível haver uma mente ativa e um corpopassivo e vice-versa.

COnTaTO mOdifiCadOrOs corpos distinguem-se entre si pelo

movimento e pelo repouso. Um corpo emmovimento será determinado ao repousoquando encontrar um outro corpo que o

determine a isso; um corpo estará em re-pouso até encontrar um outro corpo queo determine ao movimento; um corpo emmovimento altera a sua relação de mo-

 vimento quando se choca com um outrocorpo, etc.: “[...] um só e mesmo corpo,em razão da diferença de natureza doscorpos que o movem, é movido de dife-rentes maneiras, e, inversamente, corposdiferentes são movidos de diferentes ma-neiras por um só e mesmo corpo.” ( Ética,

2, Prop. 13, axioma 1). Espinosa quer nosdizer que todos os corpos têm suas rela-ções de movimento e repouso alteradasnos encontros com outros corpos, poisqualquer corpo sempre está em conta-to com outros corpos menores, maioresou de diferentes naturezas. As partesdo nosso corpo sempre têm relações demovimento alteradas nas misturas queelas estabelecem com as partes dos ou-tros corpos. Isto quer dizer que as idéias

que a nossa mente produz são sempre

idéias dessas afecções do corpo, isto é, são sempre idéias inéditas e singulares,já que os encontros de corpos sempre sedão de modo singular e inédito.

Na sua exposição sobre a naturezado corpo humano, Espinosa vai falarde corpos mais simples e de corposcompostos. Os corpos mais simples dis-tinguem-se entre si apenas pelo movi-mento e pelo repouso, pela velocidade epela lentidão. Já em relação aos corposcompostos, Espinosa nos diz: “Quandocorpos quaisquer, de grandeza igual oudiferente, são forçados, por outros cor-pos, a se justaporem, ou se, numa ou-tra hipótese, eles se movem, seja com omesmo grau, seja com graus diferentesde velocidade, de maneira a transmiti-rem seu movimento uns aos outros se-

gundo uma proporção definida, diremosque esses corpos estão unidos entre si,e que, juntos, compõem um só corpo ou

“A imaginação é algo vago peloqual a alma padece” ESPINOSA

   d   a   v

   i   d ,

   p   o   r   c   A   r   A   v   A   G   G   I   o ,

   1   6   0   6 -   0

   7_   W

   G   A -

   W   E   b   G   A   L   L   E   r   y   A   r   t

A consciência é refexiva:é a idéia da idéia das

modicações pelasquais o corpo passa.

Temos consciência, porexemplo, ao saber que

estarmos com ódio

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Existência

indivíduo, que se distingue dos outrospor essa união de corpos.” ( Ética, 2,Prop. 13, definição do axioma 2). Portan-to, o indivíduo é uma união de corpos. O corpo humano é um indivíduo, à me-dida que é um corpo composto por ou-tros corpos que também são compostose que, portanto, também são indivíduos.Todo indivíduo, então, sempre está emmodificação, pois os corpos que o cons-tituem estão sempre em relações de ve-locidade e lentidão di ferentes.

O que faz com que um corpo com-posto mantenha a sua forma é a repo-sição de corpos de mesma natureza:quando o nosso corpo perde água, te-mos que regenerá-lo com água. Assim,as relações de velocidade e lentidãoentre os corpos que nos constituem são

conservadas quando encontramos cor-pos que se compõem conosco. Enquan-to houver essa reposição, o indivíduoconservará a sua forma. “Se algunsdos corpos que compõem um corpo— ou seja, um indivíduo composto de

 vários corpos — dele se separam e, aomesmo tempo, outros tantos, da mesmanatureza, tomam o lugar dos primeiros,o indivíduo conservará sua nature-za, tal como era antes, sem qualquermudança de forma” ( Ética, 2, prop. 13,Lema 4). Como podemos constatar, umindivíduo pode ser afetado de muitasmaneiras e, mesmo assim, conservara sua forma. Portanto, o nosso corposofre,  necessariamente, diversas modi-ficações e a nossa mente é, simultane-

amente, capaz de perceber cada mo-dificação: “[...] tudo o que acontece nocorpo humano deve ser percebido pelamente” ( Ética, 2, Prop. 14, demons.).Quanto mais modificações um corpo

 sofre, mais idéias são produzidas pela mente. Nesse sentido, e somente nesse

sentido, podemos dizer que a mentehumana é mais perfeita do que a mentede um outro ser vivo cujo corpo é com-posto por um número muito menor deindivíduos, por exemplo.

Neste ponto, Espinosa nos dá maiselementos que servem para compreen-dermos melhor o erro comum dos ho-mens que, limitados à percepção dasafecções do corpo, julgam aquilo queimaginam como efeitos de causas finais

dos outros, de si mesmos ou de um po-

O cto sés s cõso copo, qu é ucto s, costtu

   S   h   u

   t   t   E   r   S   t   o   c   k

“O papel principal da memória é conservar não simplesmente asidéias, mas a sua ordem e a sua posição” DAVID HUME

Uma das ilusões daconsciência é atribuira uma entidadesobrenatural a intençãode produzir algo que nãose consiga explicar poruma nalidade humana,como um terremoto

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der sobrenatural. Espinosa nos diz quea produção das imagens ocorre nos en-contros dos corpos, ou seja, são impres-

 sões que um corpo sofre no encontrocom outro corpo. A mente humana pas-sa a perceber a existência dos outroscorpos  somente através das afecçõesque eles produzem no seu corpo: “[...] a

mente humana percebe, juntamente coma natureza de seu corpo, a natureza demuitos outros corpos” ( Ética, 2, Prop. 16,cor. 1). Nos encontros, sempre ocorre aprodução das imagens: “[...] chamare-mos de imagens das coisas as afecçõesdo corpo humano, cujas idéias nos re-presentam os corpos exteriores como

estando presentes, embora elas nãorestituam as figuras das coisas” ( Ética,2, Prop. 17, esc.). As imagens referem-seàs impressões sofridas pelos sentidosdo corpo, isto é, há imagens da v isão, doolfato, do paladar, da audição e do tato.Como a nossa mente tem idéias de afec-ções, essas idéias envolvem a naturezados corpos exteriores ao nosso,  mas

 não a explicam, pois são apenas idéiasde efeitos dos outros corpos sobre o

nosso, são idéias que envolvem apenas

 imagens. Nesse primeiro momento, per-cebemos a existência dos corpos exte-riores através das idéias das afecções:

“A mente humana não percebe nenhumcorpo exterior como existente em ato se-não por meio das idéias das afecçõesde seu próprio corpo.” ( Ética, 2, Prop.26). E, enquanto a mente considera pre-sentes esses corpos exteriores, ela os

 imagina. Mas a imaginação não restituia figura do corpo exterior: imaginar umcorpo que não existe mais não vai fazercom que esse corpo volte a existir, poisa presença do corpo exterior apenasé real no corpo afetado como efeito ou

 imaginação. Daí Espinosa dizer que “asidéias que temos dos corpos exterioresindicam mais o estado de nosso corpodo que a natureza dos corpos exterio-res” ( Ética, 2, Prop. 16, cor. 2).

imaginaçãO e errO  A imaginação não é, em si mesma,

boa ou ruim — o que importa é o uso

que fazemos dela. Mas nós erramosquando não encontramos as causas re-ais que a produzem: “[...] a mente nãoerra por imaginar, mas apenas enquan-to é considerada como privada da idéiaque exclui a existência das coisas queela imagina como lhe estando presen-tes” ( Ética, 2, Prop. 17, esc.). Ora, en-quanto a nossa mente está privada doconhecimento das causas reais queproduzem aquilo que ela imagina (daí

o conhecimento imaginário ser, na ver-dade, uma privação de conhecimento),estamos inevitavelmente submetidos àsilusões da consciência. A consciência éreflexiva, ela é a idéia da idéia, isto é,a idéia da idéia de afecções. Recolheapenas efeitos ou idéias de imagens.Temos consciência quando sabemosque sabemos, ou então, quando sabe-mos que desejamos, que estamos tris-tes, alegres, com ódio, etc. Enquanto

estamos limitados à consciência, não

Todo julgamento se dáa partir das impressõesque oram causadas emnós por outros corpos.Se as modicaçõesnos são desavoráveis,julgamos o outro comosendo, em si, mau

   P   i   e   r   r   o

   t   e   m    j   u

   l   g   a   m   e   n   t   o ,

   p   o   r   t   h   o   M   A   S   c   o   u   t   u   r   E ,

   1   8   6   3   A   r   t   r   E   N

   E   W   A   L   I   N   t   E   r   N   A   t   I   o   N   A   L

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Existência

compreendemos como as imagens (e osafetos) são produzidas em nós.

 a memória O encadeamento das idéias das afec-

ções do corpo, que é um encadeamentode imagens, constitui a  memória. É porisso que essa memória é uma memóriade marcas, uma vez que o que nos recor-damos são sempre as impressões que onosso corpo recebeu nos encontros com

os corpos exteriores. Essa memória não

explica a natureza das afecções, apenasa envolve: “Compreendemos, assim, cla-ramente, o que é a memória. Não é, comefeito, senão uma certa concatenaçãode idéias, as quais envolvem a naturezadas coisas exteriores ao corpo humano,e que se faz, na mente, segunda a ordeme a concatenação das afecções do corpohumano.” ( Ética, 2, Prop. 18, esc.). Como ohomem submetido ao conhecimento ima-ginário não entende as causas reais que

produzem as imagens, acredita que há

uma ordem da natureza de acordo com aordem da sua memória. Ora, a ordem damemória segue um encadeamento das

afecções do corpo, isto é, a mente passade um pensamento a outro de acordo coma seqüência na qual as afecções foramproduzidas. Essa ordenação das afecçõesdo corpo caracteriza o  hábito: “E, assim,cada um passará de um pensamento aoutro, dependendo de como o hábito tiverordenado, em seu corpo, as imagens dascoisas. Com efeito, um soldado, por exem-plo, ao ver os rastros de um cavalo sobre

a areia, passará imediatamente do pen-samento do cavalo para o pensamento docavaleiro e, depois, para o pensamento daguerra, etc. Já um agricultor passará dopensamento do cavalo para o pensamen-to do arado, do campo, etc.” ( Ética, Prop.18, esc.). Mas essa ordem da memória não é a ordem da produção da natureza, por-que não há produção de realidade por re-petição das mesmas coisas.

Percebemos a existência do acasoquando essa ordem imaginária é rom-pida. Podemos, por exemplo, planejar asnossas tarefas diárias sempre a partirde um encadeamento das afecções docorpo. Mas, quando essa ordem é que-brada pelo acaso, o homem da imagina-ção acredita que o caos se instalou nasua vida, o que o pode levar ao desespe-ro. Segundo sua maneira de conhecer arealidade, o acaso implica uma ausên-

cia de ordem na natureza. O efeito dis-

P cohc tuz, o hopcs c outs

s vv, xpt, ooqu o hábto costtu

su o pt

O homem cria, pela

seqüência temporalde imagens que ormana mente, uma ordemnatural. O desespero seinstala quando surgeo acaso e esta ordemimaginária é rompida

   e   s   P   e   r   a   n   ç   a   n   a   P   r   i   s    ã   o   d   o   d   e   s   e   s   P   e   r   o ,

   p   o   r

   E   v   E   L   y   N   D   E   M   o   r   G   A   N -

   A   r   t   r   E   N   E   W   A   L   I   N   t   E   r   N   A   t   I   o   N   A   L

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so não poderia ser mais nocivo: por nãocompreender a ordem real da natureza— uma ordem que não obedece a dasua memória –, esse indivíduo torna-secovarde e agitado, julga a vida porque oacaso rompeu com a ordem imagináriadas coisas: uma ordem que lhe dava aesperança de obter segurança e tran-qüilidade no mundo. Mas a vida serenaapenas advém de um entendimento danatureza, onde o pensamento compreen-

de uma ordenação necessária em todoacaso. Epicuro já dizia que o conheci-mento da natureza tem a única funçãode tornar a nossa vida feliz e tranqüila.

O homem da imaginação, por ter oseu corpo já habituado a ser afetado damesma maneira, não se permite novasexperimentações com o seu corpo paraque outras imagens sejam produzidas e,

simultaneamente, para que novas idéiasdessas afecções sejam produzidas pelasua mente. Como já vimos, um corpo

passivo (submetido ao hábito) corres-ponde a uma mente passiva. É evidenteque o problema não é nem a memória enem o hábito, já que são absolutamentefundamentais para a nossa vida, no quese refere ao aspecto utilitário ou práticoda existência. O problema é quando amemória das marcas é utilizada para jul-gar a vida, para controlar racionalmentea vida, pois uma vida “desprovida” deordem deve ser “corrigida” — assim aconsciência humana, que conhece ape-nas efeitos, tem a pretensão de submeteraquilo que a produz... Através dessa ilu-são, a vida humana conhece apenas oseu aspecto utilitário, de sobrevivência,o que a impede de entender a naturezae viver de modo livre. Não há dúvida deque, nesse caso, a existência fica pesa-da, transforma-se em um grande fardo,já que está submetida a uma ordem ima-

ginária. Uma vida doente é, necessaria-mente, uma vida que está incapacitadade produzir novos encontros, novas ma-neiras do corpo ser afetado, para quenovas imagens sejam produzidas. Temosas idéias — ou o conhecimento — deacordo com as modificações do nossocorpo, isto é, de acordo com a nossa ma-neira de viver. Para que o homem possaconhecer adequadamente a naturezaé necessário, então, que ele crie outras

maneiras de viver, de experimentar, demodo que o hábito constitua a sua me-nor parte: assim, a vida humana pode-rá retornar ao processo de criação de simesma. Deste modo, o homem impotentepode passar, de fato, a pensar.

referÊnCiaS

SPINOZA, Benedictus de. Ética. Tradução:Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: AutênticaEditora, 2007.1 A palavra “padecer” está no sentido do corpo sorer paixões,

de ser modifcado pelos corpos exteriores, ou seja, de sorerpaixões que aumentam a sua capacidade de agir.

pr e,um indivíduo atuasobre o outro eas modifcaçõesque causa sãopercebidas comoboas ou más,de acordo coma impressão ouimagem que seorma, avorávelou desavorável aoindivíduo aetado.O juízo de valorseria uma ilusãoda consciência,que julga a açãodo indivíduocomo intencional,ou seja, comose ele ossedotado de livre-arbítrio. Posiçãoque lembra opensamentonietzschianosobre o bem e omal, vistas peloflósoo alemãocomo valoraçõesconstruídas pelamoral dominante.Um e outro, emdierentes eseras,relativizam obem e o mal

   v   e   n   u   s ,

   C   u   P   i   d   o   e   o   t   e   m   P   o ,

   a   l   e   g   o   r   i   a   d   a   l   u   x    ú   r

   i   a ,

   p   o   r   b   r   o   N   z   I   N   o   A   G   N   o   L   o ,

   1   5   4   0 -   4

   5   A   r   t   r   E   N   E   W   A   L .   I   N   t   E

   r   N   A   t   I   o   N   A   L

O corpo sempre está em contato comoutros corpos de dierentes naturezas

e tamanhos. Isso altera as relações demovimento de suas partes e leva a mente

a produzir idéias inéditas e singulares