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METAIS: UMA PROPOSTA DE ABORDAGEM COM ENFOQUE CIÊNCIA/TECNOLOGIA/SOCIEDADE Maria Aparecida do Carmo Padulla Soares 1 Marcelo Pimentel da Silveira 2 RESUMO Neste artigo, apresentamos os resultados obtidos na aplicação de uma unidade didática de Química, baseada em referenciais teóricos que propõem a contextualização do ensino das ciências por meio das relações entre Ciência/Tecnologia/Sociedade (CTS), assim como na valorização das concepções prévias dos alunos. Este trabalho foi desenvolvido na 2ª série do Ensino Médio, envolveu 37 alunos de uma escola pública de Colorado – PR e centrou-se no tema metais, suas propriedades, obtenção e impacto ambiental. O ensino dos conceitos foi iniciado a partir da observação dos fenômenos, da identificação das idéias iniciais dos alunos e da construção de modelos que explicassem as propriedades observadas, utilizando a experimentação. Dessa forma, o módulo iniciou-se com o estudo das propriedades dos metais, para depois discutirmos as suas aplicações associadas às suas propriedades, abordando-se também as ligas metálicas e suas características. Os resultados indicam que a articulação do trabalho experimental à constante problematização dos conteúdos pode ser muito eficaz para a aprendizagem de conceitos, procedimentos e atitudes pelos estudantes. Palavras-chave: Ciência/Tecnologia/Sociedade; Concepções prévias; Metais; Problematização dos conteúdos. ABSTRACT In this article, we present the results achieved in the implementation of a teaching unit of Chemistry, based on theoretical references that propose the contextualization of Science education in the relations among Science / Technology / Society (STS), and on the valorization of students’ previous conceptions. This study was conducted at the 2nd grade of high school, involved 37 students from a public school in Colorado - PR and focused on the theme metals, their properties, obtention and environmental impact. The teaching of concepts was started from the observation of phenomena, knowledge of the initial students ideas and the construction of models that explained the observed properties. Thus, the module was initiated with the study of the properties of metals, and then we discussed their applications associated with their characteristics. The results indicate that the combination of experimental work with the constant discussion and debate of the contents can be very effective in learning the concepts, procedures and attitudes by the students. Key words: Science / Technology / Society; Previous conceptions; Metals; Discussion and debate of the contents. 1 Professora de Química do Colégio Estadual Monteiro Lobato- Colorado (PR). Mestre em Educação para a Ciência e o Ensino de Matemática pela Universidade Estadual de Maringá. 2 Mestre em Ensino de Ciências (modalidade Química) pela USP, é professor assistente da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Agradecimentos: ao professor Marcelo Pimentel da Silveira, pela segura e valiosa orientação, à SEED pela oportunidade de formação continuada e aos alunos do Colégio Estadual Monteiro Lobato de Colorado-PR.

METAIS: UMA PROPOSTA DE ABORDAGEM COM ENFOQUE … · a articulação do trabalho experimental à ... produção de um material didático para ser aplicado ... ensino de química que

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METAIS: UMA PROPOSTA DE ABORDAGEM COM ENFOQUECIÊNCIA/TECNOLOGIA/SOCIEDADE

Maria Aparecida do Carmo Padulla Soares1

Marcelo Pimentel da Silveira2

RESUMO

Neste artigo, apresentamos os resultados obtidos na aplicação de uma unidade didática deQuímica, baseada em referenciais teóricos que propõem a contextualização do ensino dasciências por meio das relações entre Ciência/Tecnologia/Sociedade (CTS), assim como navalorização das concepções prévias dos alunos. Este trabalho foi desenvolvido na 2ª sériedo Ensino Médio, envolveu 37 alunos de uma escola pública de Colorado – PR e centrou-seno tema metais, suas propriedades, obtenção e impacto ambiental. O ensino dos conceitosfoi iniciado a partir da observação dos fenômenos, da identificação das idéias iniciais dosalunos e da construção de modelos que explicassem as propriedades observadas, utilizandoa experimentação. Dessa forma, o módulo iniciou-se com o estudo das propriedades dosmetais, para depois discutirmos as suas aplicações associadas às suas propriedades,abordando-se também as ligas metálicas e suas características. Os resultados indicam quea articulação do trabalho experimental à constante problematização dos conteúdos pode sermuito eficaz para a aprendizagem de conceitos, procedimentos e atitudes pelos estudantes.

Palavras-chave: Ciência/Tecnologia/Sociedade; Concepções prévias; Metais;Problematização dos conteúdos.

ABSTRACT

In this article, we present the results achieved in the implementation of a teaching unit ofChemistry, based on theoretical references that propose the contextualization of Scienceeducation in the relations among Science / Technology / Society (STS), and on thevalorization of students’ previous conceptions. This study was conducted at the 2nd grade ofhigh school, involved 37 students from a public school in Colorado - PR and focused on thetheme metals, their properties, obtention and environmental impact. The teaching ofconcepts was started from the observation of phenomena, knowledge of the initial studentsideas and the construction of models that explained the observed properties. Thus, themodule was initiated with the study of the properties of metals, and then we discussed theirapplications associated with their characteristics. The results indicate that the combination ofexperimental work with the constant discussion and debate of the contents can be veryeffective in learning the concepts, procedures and attitudes by the students.

Key words: Science / Technology / Society; Previous conceptions; Metals; Discussion anddebate of the contents.

1 Professora de Química do Colégio Estadual Monteiro Lobato- Colorado (PR). Mestre em Educação para aCiência e o Ensino de Matemática pela Universidade Estadual de Maringá.2 Mestre em Ensino de Ciências (modalidade Química) pela USP, é professor assistente da UniversidadeEstadual de Maringá (UEM).Agradecimentos: ao professor Marcelo Pimentel da Silveira, pela segura e valiosa orientação, à SEED pelaoportunidade de formação continuada e aos alunos do Colégio Estadual Monteiro Lobato de Colorado-PR.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho é resultado do processo de formação continuada da

Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED), especificamente o Programa de

Desenvolvimento Educacional (PDE), desenvolvido ao longo dos anos de 2007 e 2008. Tal

programa envolve as escolas públicas estaduais de Educação Básica do Paraná e as

Instituições de Ensino Superior, visando à integração desses dois níveis de ensino. O PDE

assume o pressuposto de reconhecimento dos professores como produtores de

conhecimento sobre o processo de ensino-aprendizagem e os coloca em um programa de

formação continuada integrado com as instituições de ensino superior.

Nesse contexto de formação, o professor PDE3 fica afastado da sua função

pelo período de um ano, participando de atividades, tais como: disciplinas específicas da

área de atuação, disciplinas de formação geral, participação em seminários, simpósios e

encontros específicos de educação, grupo de estudos, projetos na Universidade, entre

outras. Os trabalhos desenvolvidos são orientados por professores de diferentes

Universidades do Estado do Paraná e, no caso específico desse, pela Universidade

Estadual de Maringá.

No decorrer do primeiro ano, foi necessário elaborar um plano de trabalho, com

o objetivo de melhorar a qualidade do ensino de química e a produção de um material

didático para ser aplicado na escola de trabalho do professor PDE durante o segundo ano

do programa, período pelo qual o professor ficou afastado 25% da sua carga horária.

Como último momento do trabalho, cabe escrever sobre o processo de

elaboração do material didático, a escolha dos pressupostos teóricos que nortearam a

proposta de trabalho e os resultados obtidos a partir da implementação da proposta na

escola campo de trabalho.

Fundamentação Teórica

As transformações políticas, sociais, econômicas, culturais e tecnológicas pelas

quais vem passando a sociedade têm mobilizado os educadores a repensar o papel da

escola e da educação. Vêm ocorrendo a reflexão, a análise e a revisão da prática

3 Nome dado ao professor vinculado ao programa PDE.

3

pedagógica, visando à proposição de ações de intervenção no processo de ensino e

aprendizagem em prol da elevação de sua qualidade. Nesse sentido, questões como a

fragmentação dos conteúdos e sua dissociação dos acontecimentos sociais e das

experiências de vida dos alunos têm merecido atenção.

O Ensino de Ciências, é claro, faz parte deste contexto e tem sido freqüentemente

conduzido de forma desinteressante e pouco compreensível. Muitas práticas ainda hoje são

baseadas na mera transmissão de informações, tendo como recurso exclusivo o livro

didático e sua transcrição na lousa. O aluno passa a ser um receptor estático de conteúdos

sem significado e não um sujeito ativo em seu processo de aprendizagem. Dessa forma, o

estudo das Ciências Naturais de forma exclusivamente livresca, sem interação direta com

fenômenos naturais e tecnológicos, deixa enorme lacuna na formação dos estudantes.

Nesse contexto, é possível perceber, por meio da literatura, que a prática

docente, na maioria das vezes, fica resumida a um conjunto de elementos que apenas

reforçam a aprendizagem memorística, cheia de dados, acrítica e descontextualizada.

Embora se reconheça a importância de ensinar conhecimentos químicos inseridos em um

contexto social, político, econômico e cultural, a realidade escolar não confirma tais

aspectos. Ao contrário, é possível observar que, com freqüência, a seleção, a seqüência e a

profundidade dos conteúdos escolares em Ciências e/ou Química estão orientadas de forma

estanque, o que mantém o ensino dogmático, distante e alheio às necessidades dos alunos.

Em consonância com tais constatações, acrescida à crescente degradação do

meio-ambiente e o reconhecimento, por parte da sociedade contemporânea, da existência

de problemas considerados críticos, como por exemplo, a questão energética e o

aproveitamento dos recursos naturais, têm se aumentado a preocupação em incorporar nas

atividades de ensino de química, aspectos da relação do ser humano com o ambiente. Com

isso, é emergente a necessidade de abordar, durante as atividades de ensino de ciências,

questões relacionadas com a dimensão valorativa e aspectos da relação entre ciência,

tecnologia e sociedade.

Nesse sentido, novas propostas curriculares para a Educação no Brasil e, em

particular, no Paraná, através das Diretrizes Curriculares apresentam grande ênfase na

formação de cidadãos críticos que sejam capazes de compreender a cidadania como

participação social e política, assim como reconhecer os seus deveres e direitos nesta

sociedade que valoriza cada vez mais o conhecimento científico e tecnológico.

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Concordamos com Bazzo et al. (2003, p. 144) quando ele afirma que: “A democracia

pressupõe que os cidadãos, e não só seus representantes políticos, tenham a capacidade

de entender alternativas e, com tal base, expressar opiniões e, em cada caso, tomar

decisões bem fundamentadas”.

Partindo desses pressupostos, a adoção de temas envolvendo questões

sociais relativas à ciência e à tecnologia, que estejam diretamente vinculados aos alunos,

parece ser de fundamental importância para a formação de atitudes e valores pertinentes à

formação de um cidadão crítico. Para isso, é essencial o desenvolvimento de atividades de

ensino nas quais os alunos possam discutir diferentes pontos de vista sobre problemas

reais, na busca da construção coletiva de possíveis alternativas de solução.

Essa possibilidade de enriquecer as aulas de Química com a exploração de

outros aspectos, além dos técnicos durante a abordagem dos conteúdos químicos, está em

sintonia com as Diretrizes Curriculares da Rede Pública de Educação Básica do Estado do

Paraná (PARANÁ, 2006, p.25) quando afirmam que:

Nestas Diretrizes, indica-se que a Química deva ser tratada com os alunos demodo a possibilitar o entendimento do mundo e a sua interação com ele. (...)cabe ao professor criar situações de aprendizagem de modo que o alunopense criticamente sobre o mundo, sobre as razões dos problemasambientais.

Assim, a incorporação de aspectos ambientais, sociais, políticos, históricos,

éticos e econômicos diretamente relacionados à Ciência e suas diversas aplicações, podem

proporcionar aos alunos espaços para discussões e argumentações, dentro de um contexto

significativo para a aprendizagem da Química.

As Diretrizes Curriculares de Química da Rede Pública de Educação Básica do

Estado do Paraná também sugerem que o ensino da química deve ser norteado pela

construção e “reconstrução de significados dos conceitos científicos, vinculada a contextos

históricos, políticos, econômicos, sociais e culturais” (PARANÁ, 2006, p.23).

Segundo Trivelato (1994), apesar do esforço dos educadores na tentativa de

mudança, percebemos que a escola continua apresentando a Ciência como una, sem

dissensões, sem divergências, sem competições internas, sem disputa. Além disso, quando

alunos e demais participantes do ensino das disciplinas científicas identificam alguma

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relação entre a Ciência e a Sociedade, ela parece, geralmente, como uma visão de que a

dependência da Sociedade em relação à Tecnologia é algo natural, parecendo não existir,

por parte das pessoas, tanto no meio escolar, quanto fora dele, um reconhecimento

adequado no que concerne à existência de intrínsecas e complexas relações tanto de

dependência, como também de influência entre a Ciência, a Tecnologia e a Sociedade

(CTS).

As metas do movimento CTS

Vários autores têm apresentado quais seriam as metas do movimento Ciência,

Tecnologia e Sociedade (CTS) no ensino de ciências. Dentre essas podemos citar duas que

são as mais aceitas: a primeira afirma que o fim último da integração das relações CTS no

ensino seria alfabetizar científica e tecnologicamente os cidadãos para tomadas de decisões

informadas e ações responsáveis, e a segunda seria alcançar o pensamento crítico e a

independência intelectual (SANTOS, 2002). Tais considerações vinculam o ensino de CTS

aos direitos do cidadão e à sua participação na sociedade democrática. Nesse contexto,

Santos e Schnetzler (2003, p.40) afirmam que:

Tal educação permitirá ao cidadão tomar decisões frente a dilemas morais quenecessitam de respostas que sejam morais. Sendo assim, precisamos desenvolvernos jovens brasileiros a consciência histórica de compromisso com o destino danação, construindo o ideal da busca da sociedade democrática que ainda não temosque será conquistada por nós, à medida que participarmos ativamente da sociedade.É preciso, a todo custo, fazê-los refletir sobre as conseqüências dos valorespaternalistas, clientelistas, buscando, talvez, no nosso jeitinho de resolver osproblemas, os mecanismos sociais necessários para se ter a verdadeira cidadania.Acima de tudo, é necessário demonstrar as contradições de nosso capitalismo, ou domodelo neoliberal que nos é imposto. Enfim, é preciso mostrar ao aluno o quanto oconsumismo tem nos afastado da coletividade e o quanto temos sido massa demanobra de interesses econômicos, sobretudo pela manipulação dos meios decomunicação de massa.

Entre os objetivos apresentados por Santos e Schnetzler (2003), destacamos o

desenvolvimento de valores como altamente relevante, visto que estes estão vinculados aos

interesses coletivos, como os de solidariedade, de fraternidade, de consciência, do

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compromisso social, de respeito ao próximo. Será por meio da discussão desses valores no

contexto do ensino de química que contribuiremos para a formação de cidadãos críticos,

comprometidos com a sociedade. Objetivos estes, aliás, contemplados em nossa proposta

de trabalho no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE).

O ensino de Química na perspectiva CTS

Existe um consenso entre os educadores sobre a importância de se ensinar

conhecimentos químicos inseridos em um contexto social, político, econômico e cultural.

Apesar da discussão antiga em torno dessa problemática, o ensino de Química, nem

sempre, contempla a preocupação de educar para a cidadania.

De acordo com Santos e Schnetzler (2003), educar para a cidadania é educar

para a democracia, ou seja, é preparar o indivíduo para participar de uma sociedade

democrática, saber lidar com produtos tecnológicos e posicionar-se frente às implicações

decorrentes de tais tecnologias. Portanto, o exercício consciente da cidadania exige, por

parte do cidadão, conhecimentos para efetuar um julgamento crítico e político. Tais

considerações evidenciam a existência de dois grandes objetivos para o ensino em questão:

(i) o fornecimento de informações básicas para o indivíduo compreender eassim participar ativamente dos problemas relacionados à comunidade emque está inserido; (ii) o desenvolvimento da capacidade de tomada dedecisão, para que possa participar da sociedade, emitindo a sua opinião, apartir de um sistema de valores e das informações fornecidas, dentro de umcomprometimento social (SANTOS e SCHNETZER, 2003, p. 94).

Por meio da análise desses objetivos, podemos inferir que o ensino de

Química para a formação do cidadão precisa estar centrado na inter-relação de dois

componentes básicos: a informação química e o contexto social. Posto de outra forma: para

participar da sociedade, o indivíduo precisa não só compreender química, mas também a

sociedade na qual está inserido.

Nesse sentido, é importante que o ensino em questão, não pode ser nem

restrito à mera discussão ideológica do contexto social nem ao estudo de conceitos químicos

descontextualizados. Ao contrário, tal ensino deve se caracterizar pelo entrelaçamento do

conhecimento químico com o contexto social, o que não pode ser confundido com a simples

inclusão de componentes sociais, por meio de uma abordagem unilateral. Sobre essa

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concepção errônea de abordagem do contexto social, as Diretrizes Curriculares do Paraná

nos alertam que:Uma prática comum, adotada pelos professores da disciplina, é o trabalho detemas como: lixo, efeito estufa, camada de ozônio, água, reciclagem, químicaambiental, poluição, drogas, química da produção, por meio da metodologiade projetos que, algumas vezes, envolve toda a escola. Isso, porém, nãogarante a construção e a apreensão do conhecimento da Química. O alunosabe pelo senso comum e do mundo da vida o que é droga, o que é lixo;sabe que é importante preservar a água limpa. Cabe ao professor dar-lhe aoportunidade para que desenvolva o conhecimento científico, aproprie-se dos conceitos de Química e seja sensibilizado a um comprometimentocom a vida no planeta (PARANÁ, 2006, p.27, grifo nosso).

Essas afirmações evidenciam que há necessidade de o aluno adquirir

conhecimento químico para poder participar com maior fundamentação na sociedade atual.

Deste modo, o objetivo básico do ensino de química para formar o cidadão compreende a

abordagem de informações químicas fundamentais que permitam ao aluno participar

ativamente na sociedade, tomando decisões com consciência de suas conseqüências.

Assim, o conhecimento químico passa a ter um papel importante e, ao mesmo tempo,

diferente do que tem sido caracterizado pelo ensino atual. Através do conhecimento químico,

o aluno pode discutir e pensar criticamente sobre o mundo, assim como participar

ativamente da sociedade.

Conforme já foi discutido anteriormente, o ensino de química na perspectiva

CTS apresenta dois componentes essenciais: a informação química e os aspectos sociais.

Tais componentes precisam ser abordados de forma integrada, o que implica,

necessariamente, a adoção de temas sociais. Essa abordagem através de temas sociais é

importante para permitir a contextualização do conteúdo e o desenvolvimento de habilidades

essenciais ao cidadão. Nesse sentido, Santos e Schnetzler (2003, p.98) afirmam que:

Ao contextualizar o conteúdo, os temas sociais explicitam o papel social daquímica, as suas aplicações e implicações e demonstram como o cidadãopode aplicar o conhecimento na sua vida diária. Além disso, os temas sociaistêm o papel fundamental de desenvolver a capacidade de tomada de decisão,propiciando situações em que os alunos são estimulados a emitir opinião,propor soluções, avaliar custos e benefícios e tomar decisões, usando juízosde valores.

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Entretanto, cabe salientar que os pesquisadores alertam que os temas não

podem ser vistos apenas como elementos de motivação dos alunos, apenas como um

conteúdo adicional, mas como ferramentas importantes para auxiliar na formação da

cidadania, ou seja, eles não têm um fim em si mesmo, mas sim uma função de

contextualizar o conhecimento químico. Conforme já discutimos, as Diretrizes Curriculares

do Estado do Paraná alertam que a abordagem de temas sociais não pode se dar no sentido

apenas da curiosidade, da informação jornalística, da discussão ideológica, da mera citação

descontextualizada da aplicação tecnológica de determinados princípios.

A partir de tais considerações, entendemos que no ensino em questão, a

abordagem dos conteúdos tem que ser fundada na integração entre conceitos químicos e na

discussão dos aspectos sociais e, para isso, não basta apenas incluir alguns temas sociais

ou debates em sala de aula, mas é necessário que tenhamos a discussão social entrelaçada

aos conceitos químicos.

Nessa perspectiva, os conteúdos incorporados em currículos que priorizam

uma abordagem CTS apresentam um caráter multidisciplinar, uma vez que é sugerida que a

abordagem dos conceitos, sempre seja feita numa perspectiva relacional, de maneira a

evidenciar as diferentes dimensões do conhecimento estudado, em especial, as interações

entre ciência, tecnologia e sociedade.

Dessa forma, podemos perceber que adotar propostas CTS é muito diferente

de simplesmente maquiar currículos com ilustrações do cotidiano e, por isso, não devemos

confundir CTS com o chamado ensino do cotidiano, que na Química, muitas vezes se limita

a nomear os produtos químicos de uso diário, seus usos e aplicações e algumas discussões

ambientais (SANTOS, 2002). Assim, quando se pensa em conteúdos dos currículos CTS

temos que ter em mente uma abordagem de ciência em sua dimensão ampla, em que são

discutidos muitos outros aspectos além do significado dos conceitos científicos.

Ressaltamos que é de fundamental importância refletir que não adianta apenas

inserir temas sociais no currículo, sem qualquer mudança significativa na prática e nas

concepções pedagógicas, como também não basta inserir temas sociais nos livros didáticos

de química ou mesmo a disseminação de livros paradidáticos, pois, sem uma compreensão

do papel social do ensino de ciências e, em particular da Química, podemos incorrer no erro

da simples maquiagem dos currículos atuais com pitadas de aplicação das ciências à

sociedade, ou seja, sem contextualizar a situação atual do sistema educacional brasileiro,

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das condições de trabalho e de formação do professor, dificilmente poderemos

contextualizar os conteúdos científicos na perspectiva de formação da cidadania (SANTOS e

MORTIMER, 2002).

Concepções alternativas

As investigações em Ensino de Ciências também têm mostrado a importância

das concepções dos alunos no processo de ensino/aprendizagem. Assim, o presente

trabalho também privilegiou este aspecto na elaboração das atividades de ensino.

Nas últimas décadas, pesquisas sobre os processos de ensino-aprendizagem,

particularmente na área do Ensino de Ciências, têm atentado para a importância de se

considerar as concepções que os alunos trazem ao submeterem-se ao ensino de

determinados conteúdos. Essas concepções, chamadas de alternativas, prévias ou

espontâneas, são vistas como fundamentais para o sucesso de processos de ensino-

aprendizagem e, portanto, conhecê-las é um passo importante.

Com este pressuposto, podemos considerar que a contribuição dos estudos das

concepções dos alunos sobre um determinado assunto é uma base de conhecimentos

segura para o desenvolvimento do currículo e de estratégias de ensino.

A partir destas ponderações, concluímos que é cada vez mais consensual que as

concepções alternativas que os alunos trazem para a sala de aula devem constituir o ponto

de partida para todas as aprendizagens escolares. Assim, o professor deve ser capaz de

identificá-las e utilizá-las para promover aprendizagens significativas, descobrindo o que o

aluno já sabe e, poder relacionar os saberes do aluno com o saber científico que se

pretende ensinar, provocando possibilidades de incorporar novas aprendizagens o que, sem

dúvida, é um importante princípio a ter em conta, uma vez que a aprendizagem deve ser

encarada como uma busca de sentido para as situações do mundo que rodeia o aluno.

O papel dos experimentos

O trabalho proposto também explorou as atividades experimentais e, neste

sentido, é conveniente fazer uma reflexão sobre o uso de tal estratégia em sala de aula, pois

muitas vezes, predomina-se uma visão simplista sobre a atividade experimental, que a

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separa da teoria, considerando a experimentação apenas como um meio de comprovação

teórica. Assim, quando os alunos vão para a realização da experiência, eles já sabem,

antecipadamente, os resultados, ou seja, o experimento apenas confirma algo que já se

sabe teoricamente. São experimentos que visam atestar a veracidade de uma informação

científica, mas não permitem compreender a sua construção, bem como a visualização do

conhecimento como um todo.

Neste trabalho, a experimentação é utilizada na perspectiva que os alunos,

apoiados pelo professor, sejam capazes de discutirem e interpretarem os resultados obtidos.

Assim, procuramos inicialmente identificar as idéias prévias dos alunos e, a partir do trabalho

experimental, eles são convidados à observação, à reflexão e à elaboração de modelos

plausíveis com as observações e resultados alcançados e as idéias iniciais podem ser

desenvolvidas ou modificadas. Desse modo, o trabalho em laboratório passa a ser uma

ponte entre o que o aluno já sabe e o novo conhecimento a ser construído.

Neste processo, é importante que o professor perceba que as atividades

experimentais necessitam de um trabalho conceitual correspondente, para que não se caia

em apenas uma atividade “diferente”. Assim, uma situação bastante desejável no ensino de

Química é aquela em que o desenvolvimento dos conceitos seja feito a partir da observação

e participação dos alunos em aulas experimentais, permitindo que eles compreendam as

transformações químicas que ocorrem no mundo físico de forma abrangente e integrada. As

atividades experimentais devem ser planejadas para facilitar o desenvolvimento conceitual e,

gerar interesse pela ciência. Desse modo, o trabalho experimental deve ser usado para criar

oportunidades nas quais os alunos possam manifestar seus conceitos já conhecidos,

explorá-los e reconstruí-los.

Dessa forma, o trabalho busca contemplar aspectos conceituais que permitam

compreender a constituição, as propriedades e as transformações dos materiais (os metais),

destacando as implicações sociais, econômicas e ambientais, relacionadas à sua extração e

ao seu uso, sempre utilizando as atividades experimentais como ponto de partida.

A escolha da temática

Não é difícil reconhecer a importância dos metais e das ligas metálicas na

atividade humana. São em grande número os objetos de uso diário feito com esse tipo de

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material. Eles fazem parte da história da humanidade há milhares de anos e, apesar dos

esforços na produção de materiais sintéticos que possam substituí-los, como os plásticos,

eles continuam imprescindíveis para a produção de vários utensílios.

Para compreendermos as propriedades dos metais e os cuidados sobre sua

utilização, torna-se fundamental conhecer a sua natureza, ou seja, a sua constituição e as

suas transformações. Nesse sentido, consideramos que vários podem ser os argumentos

que justificam a proposta de se trabalhar com metais, tais como:

• Os metais e suas ligas são partes do cotidiano de qualquer classe

social; assim, peças de cobre, ferro, alumínio, zinco, ouro, prata,

estanho; chumbo; peças com banho de crômio, níquel, rodas com

magnésio; mercúrio de termômetros; latão, bronze, aço inoxidável e

outras ligas são conhecidos de todas as pessoas;

• Por meio dos metais podemos discutir aspectos da sociedade industrial

capitalista, através dos minérios, metalurgia, siderurgia e a exploração

dos recursos minerais;

• Por meio dos metais, também podemos estudar os conceitos químicos,

tais como: óxido-redução, eletrodeposição de metais e a corrosão.

• Compreendendo melhor diversas informações relativas aos metais,

poderemos discutir mais apropriadamente questões sobre problemas

sociais decorrentes do uso de metais no dia-a-dia.

• Como os metais são normalmente encontrados na natureza em

substâncias compostas e os materiais metálicos são, em geral,

substâncias simples, então, o processo de obtenção de materiais

metálicos a partir de substâncias compostas é outra questão que pode

ser abordada.

Deste modo, a proposta foi elaborada, procurando promover a aprendizagem

de conceitos químicos relativos aos metais e de aspectos relativos à natureza da ciência,

desenvolver atitudes e valores em uma perspectiva humanística diante das questões sociais

relativas à ciência e à tecnologia e encorajar os alunos a relacionar suas experiências

escolares em Química com problemas reais de sua vida.

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É importante ressaltar que a proposta não se propõe a aprofundar ou esgotar

os conhecimentos químicos e geoeconômicos, mas procura centralizar a discussão em

alguns metais mais relevantes no contexto do cotidiano dos alunos, fornecendo um conjunto

de informações para que os mesmos possam entender e se posicionarem perante questões

relacionadas à exploração dos recursos minerais do ponto de vista tecnológico, econômico,

geográfico e ambiental.

Acreditamos então que, trabalhar o tema metais, considerando as intrincadas

relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade, será de suma importância para o exercício

consciente da cidadania, na medida em que pode ampliar as possibilidades de participação

social juntamente com o desenvolvimento cognitivo dos alunos do Ensino Médio.

DESENVOLVIMENTO

O material didático produzido foi aplicado em uma sala da 2ª série do ensino médio

diurno, composta de 37 alunos do Colégio Estadual Monteiro Lobato, localizado na cidade

de Colorado, estado do Paraná. O trabalho de aplicação da proposta, assim como o

processo investigativo em sala de aula, foi realizado no período correspondente a 12 aulas.

Para aplicação da proposta foi elaborada uma unidade didática4 sobre metais

que privilegiou determinados aspectos metodológicos, como por exemplo: planejando

atividades que promovessem espaços para a problematização inicial dos assuntos, onde os

alunos eram levados a pensar sobre determinados aspectos do conteúdo que seriam

trabalhados. Além disso, as atividades possibilitaram o trabalho em grupo e as atividades

experimentais tiveram o papel de proporcionar espaços de construção de conhecimentos

necessários para responder às perguntas, como também o incentivo ao debate e ao diálogo.

O quadro 1 traz uma síntese de tais atividades:

4 Disponível no site www.diaadiaeducacao.pr.gov.br

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Número deaulas

Tema / atividade Aspectos metodológicos

01 Levantamento das concepçõessobre metais

Trabalho em grupo: resposta aum questionário e discussãoposterior.

01 Atividades experimentais 01 e 02:condução de calor e correnteelétrica

Trabalho em grupo: realização deexperimentos sobre condução decalor e corrente elétrica

01 Discussão das respostas dos alunosapós o experimento

Debate geral conduzido peloprofessor

01 Apresentação da pesquisa sobremantas de alumínio

Exposição dos trabalhos pelosalunos, mediada pelo professor

01 Levantamento das concepçõesprévias dos alunos sobre ligasmetálicas

Trabalho em grupo: resposta aum questionário e discussãoposterior.

01 Atividade experimental nº 03:condução de calor e correnteelétrica, ponto de fusão e densidadedas ligas metálicas.

Trabalho em grupo: realização deexperimentos sobre os aspectoscitados.

01 Apresentação de pesquisa sobreligas metálicas e suas aplicações

Exposição dos trabalhos pelosalunos, mediada pelo professor.

01 Levantamento das concepçõesprévias dos alunos sobre a origemdos metais

Trabalho em grupo: resposta aum questionário e discussãoposterior.

01 Atividades experimentais 04 e 05:queima da palha de aço e formaçãoda ferrugem

Trabalho em grupo: realização doexperimento.

01 Discussão das respostas dos alunosapós o experimento

Debate geral conduzido peloprofessor.

02 Apresentação das pesquisas:projeto Carajás, fontes de obtençãodos metais, principais jazidas deminérios do Brasil, impactosambientais da exploração mineral.

Exposição dos trabalhos pelosgrupos.

Quadro 1 - Síntese das principais atividades pertinentes à aplicação da unidade didática.

Levando em consideração os aspectos metodológicos discutidos acima e a

importância do aluno se comunicar, não somente pela oralidade, mas também por meio da

escrita, em um primeiro momento foram coletadas informações a respeito das concepções

prévias dos alunos sobre os metais. Tomando ciência das principais concepções que os

alunos apresentaram sobre os metais, foi possível planejar ações ou estratégias

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pedagógicas necessárias para superar e ampliar as concepções apresentadas pelos

mesmos.

O levantamento das idéias prévias dos alunos foi realizado por meio de atividades

com grupos 05 de alunos que eram solicitados a responderem questões que abordavam as

idéias e os saberes trazidos por eles sobre os metais, conforme exemplificado a seguir:

“Cite alguns materiais, ou objetos, que você julga ter a presença de metais.”

“Vocês podem citar algum exemplo de metal?”

“Que critérios você utilizou para classificar o material citado como metal?”

Sempre procuramos levantar questionamentos importantes antes das atividades

experimentais, com o objetivo de problematizar o assunto a ser discutido, possibilitando aos

alunos o levantamento de hipóteses e a tentativa de explicações para fenômenos. Assim,

por exemplo, antes do experimento 01 (condução de calor pelos materiais) e experimento 02

(condução de corrente elétrica pelos materiais), foi sugerido aos alunos que respondessem a

questões, como as citadas a seguir:

“Por que utilizamos panelas de alumínio para cozinhar os alimentos?”

“Por que os cabos das panelas de alumínio ou de ferro não são de metal?”

As atividades experimentais proporcionavam resultados que possibilitavam aos

alunos discutirem suas idéias iniciais e, assim, serem ponto de partida para promovermos

intervenções para eles compreenderem os conceitos necessários para resolução dos

problemas levantados. Cabe ressaltar que essa dinâmica de ação na prática de sala de aula,

foi constante durante todo o processo de aplicação da unidade didática.

Os resultados experimentais eram registrados em tabelas ou outras formas de

registros e foi adotada a dinâmica de fornecer questões que levassem os alunos a refletirem

sobre os resultados e servirem de ponte para os conceitos que pretendíamos ensinar,

conforme exemplos apresentados a seguir:

“Os materiais testados são bons condutores de calor?”

“Por que você utilizou a mesma quantidade de parafina em todas as placas?”

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“É possível identificar qual foi a placa que melhor conduziu calor? Que critérios você

utilizou para responder?”

“Cite exemplos de como o homem utiliza a propriedade que você verificou.”

“Que conclusões, a respeito da condução de calor pelos metais, podem ser tiradas da

experiência realizada?”

“Todos os materiais testados são bons condutores de corrente elétrica?”

“Essa propriedade (conduzir corrente elétrica) é importante para o homem?”

“Por que os cabos de ferramentas metálicas, por exemplo, alicates e chave de fenda,

são encapados com borracha ou plásticos?”

As discussões dos resultados continuaram alicerçadas na perspectiva

problematizadora, na qual professor e alunos, referenciados pelos resultados dos

experimentos, refletiam sobre as respostas das questões levantadas no início das

atividades, fazendo com que as questões iniciais e as relacionadas à discussão dos

resultados fossem orientadoras do trabalho experimental. Cabe ressaltar que seguir tal

caminho foi muito importante para garantir o espaço para o diálogo oral e escrito com os

alunos, entre os alunos e com o professor.

A partir dos resultados obtidos por meio das observações experimentais, sempre

retomamos os registros escritos das questões iniciais, discutimos as respostas dos alunos, e

inserimos novas informações coletadas a partir dos experimentos. Tais processos sempre

foram norteados por debates em grupo e um debate geral.

Para ampliar as bases de discussão teórica, textos foram trazidos para a leitura e o

debate, seguidos de questões, novamente trabalhadas em pequenos grupos, onde a

discussão entre os alunos foi muito significativa. Assim, foram trabalhados textos sobre

“História dos metais”, “Serra dos Carajás”, onde o debate procurou identificar aspectos

ambientais, políticos e econômicos envolvidos na exploração dos recursos minerais.

Uma das características dos textos analisados era a associação entre o conteúdo

disciplinar e assuntos socialmente relevantes. Assim, os textos tinham o objetivo de

promover uma relação entre o conteúdo químico estudado e um problema social, como, por

exemplo, a exploração mineral e os impactos ambientais. Nessa direção, textos e questões

que traziam a discussão entre ciência, tecnologia e sociedade foram debatidos em pequenos

grupos por meio de questões como as apresentadas a seguir:

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“Todos os países têm os metais de que necessitam?”

“As reservas minerais de metais são fontes renováveis?”

“A extração desses metais provoca impactos ambientais?”

“Proponha medidas para evitar o desperdício dos materiais e evitar a exaustão

das jazidas.”

“Você conhece o Projeto Carajás?”

“Qual a importância da reciclagem do alumínio para a economia e o meio-

ambiente”?

Também se buscou, por meio do trabalho com os textos, o desenvolvimento de uma

prática interdisciplinar, pois os mesmos necessitavam de conhecimentos trazidos da

geografia e da história para a compreensão das problemáticas sugeridas, como é possível

perceber nas questões apresentadas a seguir:

“Explicar o contexto político-econômico no qual surgiu o projeto Grande

Carajás e as conseqüências socioambientais desse empreendimento para a região atingida.”

“O que poderia ser feito para conjugar exploração mineral e preservação da

natureza?”

“Quais os agentes econômicos envolvidos no processo de exploração e

comercialização dos minérios brasileiros?”

As idéias discutidas a respeito dos metais, suas propriedades e aplicações, levou a

uma dimensão investigativa, isto é, a investigação sobre um “problema-novo” acerca do

tema estudado. Assim, buscando essa nova possibilidade de exploração do conteúdo, foram

sugeridas pesquisas tais como:

“Pesquise sobre a utilização de mantas de alumínio, ou algum material

alternativo, por exemplo, como as embalagens tetraplack na cobertura de casas e

construções.”

“De que material eram feitas as bicicletas antigamente? E atualmente?”

“E os ferros de passar roupa? Como eram antigamente e como são agora?”

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Os resultados dessas pesquisas foram apresentados pelos alunos em sala de

aula.

As discussões acerca de tais questões foram importantes para mudar, em grande

parte, a impressão às vezes arraigada nos alunos, que os conhecimentos de Química não

têm utilidade prática. Essas questões buscavam colocar o aluno numa perspectiva de

ampliar os seus conhecimentos teóricos, buscando construir relações entre o que ele estava

verificando nas aulas e a aplicação dessas informações pelo homem, trazendo melhorias

nos artefatos utilizados no cotidiano.

Desse modo, a junção da contextualização e da interdisciplinaridade favoreceu a

compreensão mais ampla do conteúdo, que foi abordado em seus múltiplos

desdobramentos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na análise qualitativa dos dados obtidos por meio das questões apresentadas

aos alunos antes das atividades propostas, pôde-se observar que, de um modo geral, os

estudantes apresentavam idéias prévias sobre o tema proposto, embora muitas vezes

distantes do conhecimento científico.

Assim, quando questionados sobre qual critério eles utilizaram para classificar

determinado material como metal, encontramos respostas inconsistentes sobre os materiais

metálicos, como por exemplo:

“Os metais são materiais duros.”

“Metais são sólidos, duros e não quebram.”

“Metais enferrujam.”

“Os metais são aqueles elementos que estão na tabela periódica e são bons

condutores de energia.”

“Conduzem calor, eletricidade e são sensíveis à presença da água.”

“Metais são resistentes e duráveis.”

Com o prosseguimento das discussões, novas idéias sobre os materiais

metálicos foram surgindo e, são idéias impregnadas com os conhecimentos químicos

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abordados, mostrando que as atividades foram proporcionado mudanças nas respostas dos

alunos, conforme percebemos nos exemplos abaixo:

“Os metais conduzem a corrente elétrica e também o calor.”

“Os metais são sólidos (exceto o mercúrio), bons condutores de calor e

eletricidade, são maleáveis e brilham.”

Nas questões relacionadas à origem dos metais foi possível perceber que

muitos alunos apresentam determinados conhecimentos sobre a mesma, conforme

podemos perceber nas falas apresentadas a seguir: “todos os metais que utilizamos são

retirados de minérios presentes nas rochas”, “os metais não estão prontos para o uso, sendo

necessária a sua extração”, “as reservas minerais não são renováveis” e a “extração dos

metais provoca impactos ambientais”. No entanto, apesar destas respostas mostrarem certo

conhecimento sobre os metais, os alunos não sabiam como se pode obter os materiais

metálicos a partir das substâncias compostas, pois quando foram questionados a esse

respeito, as respostas foram vagas, como por exemplo:

“Os metais são extraídos pelos garimpeiros.”

“Os metais são extraídos através do uso de mercúrio.”

“As indústrias extraem os metais das rochas.”

“Os garimpeiros e as siderúrgicas extraem os metais das rochas.”

Na tentativa de modificar essas idéias iniciais, várias foram as atividades e

discussões realizadas e foi possível perceber que após retomarmos algumas questões

apresentadas no início, os alunos demonstraram que adquiriram conhecimentos científicos,

como é possível observar nas respostas que surgiram a partir da atividade sobre oxidação-

redução:

“Os metais são extraídos de seus minérios a partir de reações químicas de

redução”.

“Os metais são tirados de seus minérios através de reações de redução”.

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“Reações chamadas de redução são usadas para transformar os minérios em

seus metais”.

As novas respostas aos questionamentos são um indicativo de uma

aprendizagem pelos alunos, visto que para respondê-los foi necessário aplicar os conceitos

estudados e trabalhados nas atividades experimentais e outras discussões em sala de aula.

Nesse movimento ficou implícito que o diálogo, a crítica e a possibilidade de contra-

argumentação são altamente relevantes no processo ensino-aprendizagem.

Em relação às aulas experimentais, os alunos alegaram que elas facilitaram o

entendimento de muitas propriedades dos materiais metálicos. Os alunos concordaram que

tais aulas exigiram raciocínio e os relatórios orais e escritos foram importantes para auxiliar

na compreensão dos problemas sugeridos. Os alunos alegaram que não sentiram

dificuldades em responder aos questionamentos através dos experimentos. Na auto-

avaliação que realizaram eles apontaram que colaboraram com o grupo, as atividades

experimentais foram motivadoras e as leituras foram importantes para ampliar os

conhecimentos com outras áreas do conhecimento. Na auto-avaliação os alunos alegaram

também que se inseriram nas atividades. Os estudantes parecem ter adquirido autonomia e

segurança em relação aos aspectos conceituais do conteúdo trabalhado revelando a

aprendizagem de novos conhecimentos e suas interrelações com a sociedade.

Em relação ao uso da experimentação no ensino da química os resultados

estão de acordo com Hodson (1994), quando o pesquisador destaca que os momentos

proporcionados pelas atividades experimentais podem refletir a autêntica prática científica,

além de possibilitar que os estudantes pratiquem a linguagem da Ciência e se estabeleçam

como uma “comunidade de aprendizagem”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As atividades de ensino elaboradas e aplicadas em sala de aula procuraram

envolver o aluno cognitivamente através da coleta, análise e discussões dos resultados

pelos estudantes.

A utilização dos debates orais se mostrou muito enriquecedora, pois contribuiu

para o aprimoramento da argumentação oral dos estudantes. Assim, tal abordagem posta

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em prática permitiu o desenvolvimento de competências relacionadas à comunicação, pois

verificou-se que alguns alunos que, normalmente nunca participavam de atividades durante

as aulas de química, demonstraram maior autonomia para expor aos colegas o que

pensavam sobre as situações propostas. Desse modo, a exposição oral inseriu grande parte

dos alunos no contexto do trabalho.

Outro aspecto a ser destacado é que a partir da abordagem posta em prática

houve um refinamento conceitual relativamente elevado em relação aos metais. Deve-se

destacar também, o papel participativo dos alunos, resultado da abordagem

problematizadora, e o debate das idéias prévias apresentadas por estes. A análise das

concepções iniciais dos alunos sobre o conteúdo permitiu inferir sobre o prosseguimento das

atividades e o delineamento de novas questões a serem problematizadas.

No decorrer do processo, os estudantes demonstraram maior engajamento nas

atividades de resolução de problemas, contrário ao que normalmente apresentam em aulas

classificadas como tradicionais. Esse engajamento mostrou que os estudantes tinham

objetivos mais definidos, portanto, estavam mais inseridos nas atividades. A discussão, os

debates, e a experimentação demonstraram ser estratégias motivadoras e permitiram aos

alunos desenvolverem atitudes, construir a sua própria metodologia na organização das

respostas e na forma de resolver as situações-problema apresentadas.

A metodologia utilizada também fortaleceu a relação aluno-aluno e aluno-

professor, criando uma atmosfera mais propícia para a aprendizagem. As aulas passaram a

ser mais dinâmicas, despertando nos alunos a curiosidade, a criatividade e a crítica. Essa

estratégia se tornou um forte diálogo proporcionando ao aluno o prazer na construção do

conhecimento, bem como o estar atento às necessidades do mundo atual, sabendo

interpretar os acontecimentos diários, levando-os a modificar certos hábitos e conceitos.

É importante refletirmos também que apesar de ser essencial o aluno

enriquecer o seu conhecimento após a participação em um atividade experimental, isso não

significa a troca, pura e simples, de suas idéias iniciais a respeito do fenômeno estudado

pelos conhecimentos cientificamente aceitos. A própria literatura aponta que nem sempre o

aluno muda o seu entendimento sobre um fenômeno, ou que esse processo de apropriação

de um discurso novo não ocorre imediatamente (MORTIMER,1996). Neste sentido,

concordamos com Driver et al., 1999 que colocam que a aprendizagem em Ciências deve

ser entendida no sentido de “enculturação”, isto é, o ingresso em uma nova cultura, diferente

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daquela do sendo comum. Um ensino que vise a aculturação científica deve ser tal que leve

o estudante a construir o seu conteúdo conceitual, participando do processo de construção e

dando oportunidade de aprender a argumentar e exercitar a razão, em vez de fornecer-lhes

respostas definitivas ou impor-lhes seu próprios pontos de vista, transmitindo uma visão

fechada da ciência. Nas atividades experimentais, cabe ao professor orientar as atividades

de forma que os alunos reflitam e compreendam os conteúdos conceituais e de

procedimentos, e estabeleçam ligações entre as atividades práticas e o conteúdo em estudo.

O estudo do cotidiano revelou-se muito importante para a construção dos

conhecimentos dos conteúdos específicos de química, dando oportunidades aos alunos de

refletirem sobre o mundo e pensarem como transformá-lo, permitindo uma formação integral,

resgatando valores humanos necessários para uma sociedade mais esclarecida e

responsável.

Levando-se em consideração a abordagem sociocultural, a construção de

argumentos foi favorecida também pelo trabalho em grupo, tornando-se fundamental a

comunicação dos resultados experimentais e dos argumentos construídos ao longo das

atividades.

Como já foi discutido, muitos professores apresentam uma visão simplista da

experimentação, imaginando que o laboratório só sirva para comprovar a teoria. Além disso,

as atividades experimentais quando realizadas, têm como objetivo verificar conceitos já

lecionados, se tornando meramente uma coleta de dados, não levando em conta a

interpretação dos resultados, não se caracterizando como um processo investigativo. Assim,

dentro dessa visão simplista, o principal objetivo é o de motivar os alunos, melhorando assim

as aulas e possibilitando que os alunos adquiram conhecimentos e técnicas científicas.

Contrapondo-se a essa idéia, a experimentação problematizadora parece

ativar a curiosidade e o interesse dos alunos. É essencial quem o professor tome

consciência de suas próprias concepções sobre o papel da experimentação no ensino de

ciências, bem como de suas concepções sobre o processo ensino-aprendizagem. Assim, ele

terá uma visão mais adequada das complexas relações que ocorrem na sala de aula, além

de buscar novos caminhos, reconstruir conhecimentos, atitudes e modelos didáticos, já que

o seu papel é fundamental em qualquer tipo de inovação relacionada à educação, pois sem

a sua ativa participação nenhuma mudança será possível (HARRES et al., 2005).

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REFERÊNCIAS

BAZZO, W.A. et al. Introdução aos estudos CTS: O que é Ciência, Tecnologia e Sociedade?Cadernos de Ibero-América, Editora OEI, 2003.

DRIVER, R. et al. Construindo conhecimento científico em sala de aula. Química Nova naEscola, n.9, 1999. p.31-39.

HARRES, J. B. S. et al. Laboratórios de Ensino: inovação curricular na formação deprofessores de ciências. V. 1. Santo André: ESETec. 2005.

HODSON, D. Hacia un enfoque más crítico del trabajo de laboratorio. Enseñanza de lasCiencias, v.12, n.3, 1994. p. 40-44.

MORTIMER, E. F. Construtivismo, mudança conceitual e ensino de ciências: para ondevamos? Investigações em Ensino de Ciências, v.1, n.1, 1996.

PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência da Educação.Departamento de Ensino Médio. Diretrizes Curriculares da Rede Pública de EducaçãoBásica do Estado do Paraná. Química. Curitiba: SEED/DEM, 2006.

SANTOS, W.L.P.; MORTIMER, E.F. Uma análise de pressupostos teóricos da abordagemCTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) no contexto da educação brasileira. Ensaio –Pesquisa em Educação em Ciências - v. 2, n. 2. dez. 2002.

SANTOS, W.L.P.; SCHNETZLER, R.P. Educação em química: compromisso com acidadania. 3 ed. Ijuí: UNIJUÍ, 2003.

TRIVELATO, S. L. F. Ensino de Ciências e movimento CTS (Ciência, Tecnologia eSociedade). In: ESCOLA DE VERÃO, 3, 1994, Serra Negra. Caderno de Textos...São Paulo:FEUSP, 1994.