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METAS DE INFLAÇÃO NO BRASIL, CHILE E MÉXICO: UMA ANÁLISE DAS DIFERENÇAS NA SUA IMPLEMENTAÇÃO E UTILIZAÇÃO
COMO ÂNCORA NOMINAL DE POLÍTICA MONETÁRIA
Bernardo Piccoli Medeiros Braga1
Orientador / Adviser: Márcio José Vargas da Cruz
RESUMO Nos anos 80, praticamente todos os países da América Latina passaram por sérios problemas inflacionários. Entretanto, na década de 90, esses países conseguiram atingir uma relativa estabilidade de preços2 (inflação baixa). Em geral, nessa década, os Bancos Centrais latino-americanos utilizaram o câmbio como âncora nominal de Política Monetária. Sucessivas crises de confiança nos mercados emergentes, entre outras dificuldades, fizeram com que fosse necessário alterar a âncora nominal. O presente artigo pretende analisar as diferenças e semelhanças na implementação e utilização das Metas de Inflação como âncora nominal nos casos brasileiro, chileno e mexicano. A análise tem enfoque no papel das peculiariedades estruturais de cada regime de Metas de Inflação para a perseguição do objetivo maior, declarado e comum aos três Bancos Centrais estudados: preservar a estabilidade da moeda. PALAVRAS-CHAVE: Metas de Inflação, Política Monetária, Âncora Nominal. ABSTRACT In the 1980s, practically all Latin American countries experienced serious inflationary problems. In the 1990s, however, these countries managed to achieve relative price stability3 (low inflation). By and large, in that decade, the Latin American Central Banks used the foreign exchange rate as a nominal anchor for their monetary policies. This article analyses the differences and similarities in the implementation and use of inflationary targets as nominal anchors in the Brazilian, Chilean, and Mexican cases. The analysis focuses on the role played by structural peculiarities in each of these inflation target systems as a way of achieving the greater objective explicitly stated and shared by the three Central Banks analyzed here: preserving currency stability. KEY-WORDS: Inflation Targets, Monetary Policy, Nominal Anchor.
1 Graduando do 3° ano do Curso de Economia, da Universidade Federal do Paraná e bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET). E-mail: [email protected] 2 Neste texto quando nos referirmos à estabilidade de preços não estaremos tratando do sentido literal do termo, que é de inflação nula ou igual a zero. Mas sim, do conceito definido por Alan Greenspan(1996) e citado por Filho(2001):”Price Stability obtains when economic agents no longer take account of the prospective change in general price level in their economic decision making”, portanto de uma inflação baixa e estável. 3 In this text, the term price stability is not used in its literal meaning – null or zero inflation – but rather, as it was defined by Alan Greenspan (1996) and quoted by Filho (2001): “Price Stability obtains when economic agents no longer take account of the prospective change in general price level in their economic decision making”, that is, low and stable inflation.
2
1) INTRODUÇÃO
Desde o final da década de 80 a tolerância com a inflação diminuiu
sensívelmente1. Após a desaceleração da inflação mundial durante essa
década, surge um novo aliado para o objetivo de se chegar e manter-se
em nível de estabilidade de preços, as metas inflacionárias, sistema que
foi primeiramente adotado na Nova Zelândia em 1990. Brasil e Chile
adotaram o Sistema de Metas para Inflação (SMI) em 1999 e o México
em 2001.
Dada a diversidade de formas de aplicação do SMI e seus
respectivos efeitos na função das metas como âncoras nominais deste
regime, nos interessou estudar suas diferenças e semelhanças nestes
três países latino americanos. Neste sentido, o presente trabalho tem
como objetivo colaborar com a discussão quanto à adequada estrutura
do Sistema de Metas para Inflação (SMI), como âncora nominal de
Política Monetária.
Para cumprir este objetivo, estuda-se primeiramente o que é o
Sistema de Metas de Inflação. Em seguida, é apresentado seu processo
de implementação, separadamente, em cada país estudado. Depois são
expostas e analisadas as principais divergências e convergências na
utilização das Metas de Inflação no Brasil, Chile e México. Por fim, são
apresentadas algumas propostas modificadoras do SMI nos países
estudados.
1 Filho (2001) atribui este fenômeno a três fatores: “a) o alto custo produzido pelo aumento da inflação durante as décadas de 70 e 80; b) os custos menores que o esperado da desinflação global na década de 90 e; c) a sensível evolução a respeito dos custos e benefícios da inflação nos últimos dez anos.”
3
2) O QUE É O SISTEMA DE METAS DE INFLAÇÃO?
Nesta seção vamos discutir o que é o Sistema de Metas para
Inflação (SMI)1, o que ele representa para a Política Monetária e quais
são seus elementos básicos. Primeiramente, é necessário compreender
que o Sistema de Metas para Inflação é um Regime Monetário. A
definição de um objetivo para a inflação, como compromisso do Banco
Central, e seu cumprimento, é o que chamamos de âncora nominal de
Política Monetária do Regime Monetário em questão.
Âncora nominal2, em termos genéricos, representa um compromisso
institucional que é fundamental para guiar as expectativas dos agentes,
atenuar problemas de inconsistência temporal de políticas e fornecer
condições para a determinação do nível de preços necessárias para o
sucesso de um Regime Monetário (DERZODI, 2004), (SALOMÃO, 2003).
Este, no caso do Regime de Metas para Inflação, consiste sinteticamente
em utilizar os instrumentos de Política Monetária para manter a inflação
próxima de uma meta precisa ou flexível, de acordo com um índice de
inflação escolhido, publicado com certa antecedência, para determinado
período.
Os pressupostos básicos, inerentes à adoção do Sistema de Metas
para a Inflação, são:
a) O único objetivo da Política Monetária é a convergência da inflação
à meta (CARDIN, SOUZA, SICSÚ, PAULA e STUDART, 2000).
b) O reconhecimento da neutralidade da moeda no longo prazo
(STEVENS e DEBELLE, 1995).
1 Neste texto utilizaremos os termos Sistema de Metas para Inflação e Regime de Metas para Inflação como sinônimos. 2 Para uma discussão mais aprofundada sobre o papel das âncoras nominais no combate à inflação, ver SALOMÃO (2003).
4
c) Aceitação da Curva de Phillips1 de Longo Prazo proposta por
Friedman e Phelps, a qual afirma que não há “trade-off” entre
inflação e nível de atividade (DERZODI,2004).
Quanto à operacionalização de SMI, Mishkin (2004) define
sinteticamente este sistema em cinco elementos:
1) Compromisso institucional de que a estabilidade de preços é o
principal objetivo da Política Monetária;
2) Anúncio público de metas para a inflação;
3) Explicação de como as diversas variáveis, e não só os agregados
monetários e o câmbio, afetam as decisões de uso dos
instrumentos de política;
4) Transparência referente à estratégia de Política Monetária, por
meio da comunicação com o público e com os mercados sobre os
planos, objetivos e decisões das autoridades monetárias;
5) Atribuição de responsabilidade ao Banco Central para que atinja a
inflação estipulada.
Outro ponto comum à grande maioria dos países que adotam o
SMI é o câmbio flutuante, uma vez que não é possível controlar
satisfatoriamente câmbio e juros ao mesmo tempo. E no SMI são os
juros que são utilizados para manter a inflação sob controle.
Muitos países têm passado a utilizar o Sistema de Metas para a
Inflação devido à grande preocupação em se obter uma inflação baixa e
pouco volátil, com minimização da taxa de sacrifício2. O primeiro país a
adotar este Regime Monetário foi a Nova Zelândia (março de 1990),
sendo seguida por Canadá (fevereiro de 1991) e Reino Unido (outubro
de 1992). Em 2003, o FMI já contabilizava 42 países como seguidores
desse regime (CARARE e STONE, 2003).
1 Para uma abordagem crítica a respeito da Curva de Phillips e suas aplicações, ver SILVA (2006). 2 Taxa de Sacrifício é o custo em termos de produto necessário para controlar a inflação via freio na demanda.
5
Apesar de tamanha adesão, Neumann e Von Hagen (2002)
alertam que estudos empíricos têm falhado em comprovar
satisfatoriamente o efeito do SMI no processo de aceleração da
desinflação, obtenção de menores taxas de inflação, diminuição do
custo da desinflação e até mesmo de associá-lo com maior
credibilidade do Banco Central no compromisso com inflação baixa.
Ainda que carecendo de melhores evidências empíricas, o SMI
destaca-se por institucionalizar o compromisso de manter a inflação
dentro de patamares determinados. Isso faz com que atue como guia
para a expectativa dos agentes (SCHWARTZ, 2005), que, cientes de
que o Banco Central vai utilizar os instrumentos disponíveis, caso
necessário, para manter a inflação no nível estípulado, convergem
suas expectativas de inflação para a meta1, contribuindo, dessa
forma, para que a inflação efetiva atinja a meta (idéia de Expectativas
Adaptativas).
É míster saber que a forma e o comprometimento dos bancos
centrais com o objetivo inflacionário estipulado é bastante diverso.
Carare e Stone (2003) definem como Full Fledged Inflation Targets
(FFIT) os países com maior grau de comprometimento ao SMI.
Segundo esses autores:
“FFIT countries have a medium to high level of credibility, clearly
commit to their inflation target, and institucionalize this commitment in
the form of a transparent monetary framework that fosters
accountability of the central bank to the target”.
De acordo com esta classificação, podemos constatar que Brasil,
Chile e México são FFIT. Para eventuais comparações, nos
interessaremos apenas por países também assim classificados.
1 De acordo com Schwartz (2005), as expectativas de inflação convergem para a meta de maneira dirtamente proporcional à credibilidade do Banco Central, a qual é muito dependente do nível de transparência na condução da Política Monetária.
6
3) IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA DE METAS DE INFLAÇÃO NO BRASIL, CHILE E MÉXICO Brasil, em junho de 1999, o Chile em setembro do mesmo ano, e o
México, em janeiro de 2001, adotaram o SMI Full Fledged. Nesta
seção apresentaremos o contexto, a maneira e em que ritmo o
Regime de Metas para Inflação foi implementado em cada um desses
países. Com este intuito, essas questões serão agora tratadas, em
três sub-seções, uma para cada país estudado.
3.1) Brasil Após uma série de planos monetários fracassarem, o Plano Real
foi implantado, com relativo sucesso, em Julho de 19941. As
explicações para o sucesso estão sucintamente relatadas em
(FACHADA, 2001):
“The Real Plan has been supported by a program of structural
reforms, including the trade liberalization, with tariff reductions and
elimination of quantitative barriers to imports; liberalization of capital
accounts; privatization of public companies in several sectors such as
steel, petrochemicals, mining, fertilizers and transports; and
restructuring of the financial sectors, with introduction of new
supervision norms, closing of unsound finantial institutions, and
privatization of state-owned banks.”
Importante também foi o superávit primário do setor público
registrado em 1994, de 5,1% do PIB2 (FACHADA, 2001).
Como a âncora nominal era o câmbio (um regime de bandas
cambiais estreitas), o BC tinha de comprar ou vender divisas na
cotação estipulada. Entretanto, sucessivas crises de confiança
1 Em 1993, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, medido pelo IBGE, registrou inflação de 2477,15% e em 1996 de 9,56% (IPEA-DATA). 2 O qual ocorreu principalmente devido ao aumento da carga tributária e a diminuição do efeito Oliveira-Tanzi.
7
atinjiram mercados emergentes (México 1994-95 e Ásia 1997), e
estas provocaram uma pressão para desvalorização do Real. Isso
ocorreu pois com a comprovação ou desconfiança acerca dos
fundamentos macroeconômicos de uma nação emergente, os
investidores tendem a mover seus recursos desses mercados para
locais seguros, sem risco de calote. Somado a isso, um ajuste
profundo das contas públicas brasileiras era necessário e estava
sendo sistematicamente adiado (BOGDANSKI, TOMBINI e
WERLANG, 2000).
Em agosto de 1998 a moratória russa fez com que se agravasse a
crise de confiança nos mercados emergentes, gerando intensa fuga
de capitais desses mercados e fazendo com que o Banco Central do
Brasil aumentasse a taxa de juros para reter divisas. Todavia, o
estabelecimento de um acordo com o Fundo Monetário Internacional
e o anúncio do Plano de Estabilidade Fiscal atenuou as pressões para
desvalorização do Real até dezembro (FACHADA, 2001).
No início de Janeiro de 1999, o anúncio de uma moratória pelo
governador de Minas Gerais, Itamar Franco, tornou a situação
insustentável. Com um baixo nível de reservas, o Banco Central do
Brasil, em 15 de Janeiro, foi forçado a deixar o Real flutuar
(BOGDANSKI, TOMBINI e WERLANG, 2000). Em poucos dias a
cotação do dólar passou de U$S/R$1,21 para U$S/R$1,98, gerando
pressões inflacionárias1. Em março de 1999, uma nova diretoria
assumiu o Banco Central, sob o comando de Armínio Fraga (o
terceiro presidente do banco nesse ano, antes dele, Gustavo Franco e
Francisco Lopes estiveram a frente da instituição). A nova gestão se
focou inicialmente em duas frentes: evitar que a maxidesvalorização
cambial se manifestasse em um processo inflacionário (SCHWARTZ,
2005) e adotar o SMI (FACHADA, 2001). Após quatro meses de
1 Em fevereiro de 1999, os preços no atacado subiram 7% (BOGDANSKI, TOMBINI e WERLANG, 2000). Isso devido ao efeito pass-through.
8
grandes esforços de pesquisa e adaptação, o BC adotou
formalmente, em 1° de Julho, um SMI Full Fledged, de acordo com o
decreto presidencial n°3088 de 21 de Junho de 1999 (BOGDANSKI,
TOMBINI e WERLANG, 2000).
3.2) Chile Em 1989, o Banco Central do Chile adquiriu independência, foram-
lhe atribuídos os objetivos maiores de zelar pela estabilidade da
moeda e pelo normal funcionamento dos pagamentos internos e
externos (Ley Orgánica y Constitucional del Banco Central de Chile,
Artículo 3°.). Foi instituído um Conselho, responsável pelas decisões
de uso dos instrumentos de PM, composto de cinco membros,
indicados pelo Presidente da República, com aprovação do Senado,
para um mandato de dez anos. Entre os conselheiros, o Presidente do
Chile escolhe um para ocupar o cargo de Presidente do Banco
Central por cinco anos, ou o tempo que lhe restar como conselheiro
(Ley Orgánica y Constitucional del Banco Central de Chile, Artículo
8°). Os membros do Conselho podem ser destituídos de seus
mandatos caso o Presidente da República e o Senado concordem
que não estão buscando os objetivos maiores do banco. Além disso,
deve ser apresentado ao Congresso, todo mês de setembro, uma
análise das perspectivas para o desempenho da economia no ano
vindouro (MORANDÉ, 2001).
A fim de conciliar a exigência constitucional de se fazer previsões
para a inflação futura, controlar mais adequadamente as pressões
inflacionárias, e também devido à falta de alternativas (MORANDÉ,
2001), o Banco Central Chileno estipulou metas para a inflação em
1990. Estas não podem ser interpretadas como marco do início de
um SMI Full Fledged no Chile, pois como destaca Derzodi (2004):
9
“Uma característica marcante do regime de metas de inflação foi a
classificação dada a inflação projetada a ser seguida inicialmente
como um objetivo oficial e não formal ou rígido.”
Ademais, havia um claro conflito de objetivos, pois o Chile utilizou
um sistema de bandas cambiais até 1998, o que poderia ser uma
fonte de inconsistência dinâmica. Após a adoção do regime de
flutuação suja para o câmbio, o Banco Central do Chile anunciou a
formalização do regime de metas para a inflação. Agora, a meta seria
estacionária e não mais decrescente, fixada em 3%. Esta seria a
única meta formal do banco, o qual também comunicou que relatórios
periódicos sobre inflação começariam a ser publicados, visando o
aumento da transparência e, assim, o ganho de credibilidade. Com
essas medidas o Chile passou a ter um Sistema de Metas de Inflação
Full Fledged.
3.3) México Em dezembro de 1994, devido à uma corrida especulativa contra
sua moeda, o Banco Central do México (Banxico) abandonou o
regime de bandas estreitas para o câmbio e adotou a flutuação suja.
O movimento especulativo ocorreu pois a economia mexicana sofria
de grandes déficits em conta corrente, causando um desequilíbrio do
Balanço de Pagamentos e uma diminuição das reservas. Outro fator,
que contribuiu para a fuga de capitais, foi a situação de insolvência de
grande parte do sistema bancário (FRANCIA e GARCÍA, 2005), que
resultou em uma corrida dos agentes à segurança do dólar, em
detrimento de suas posições em Pesos Mexicanos.
Como destacam Francia e García (2005), um amplo e necessário
programa de estabilização macroeconômica foi implementado. Pacote
de ajuda externa1, medidas para contração da demanda agregada e
1 De acordo com Francia e García (2005), o pacote de ajuda que o governo mexicano negociou com instituições financeiras internacionais superou cinquënta bilhões de dólares.
10
fortalecimento do sistema financeiro foram os focos do programa. No
que diz respeito à PM1, a âncora nominal cambial foi substituída por
metas para crescimento da base monetária por meio do controle da
rede doméstica de crédito (SCHMIDT-HEBBEL e WERNER, 2002).
Em 1998, as decisões de PM passaram a ser mais transparentes,
sendo elas, agora, explicadas ao público por meio de relatórios. No
ano seguinte o Banxico passou a usar as metas de inflação2 como
âncora nominal, aumentando ainda mais a transparência e
anunciando um objetivo final e estacionário de inflação, a ser
alcançado em 2003, 3%. Contudo, é válido lembrar, que apenas em
2001 o SMI foi formalmente definido no México, passando a ser,
então, Full Fledged.
1 É importante destacar que, desde os princípios da década de 1990, o BC mexicano define objetivos para a inflação (SCHIMIDT-HEBBEL e WERNER, 2002), os quais eram inicialmente utilizados apenas como referencial. 2 O Banxico definiu o teto da meta de inflação para 1999 como 13%, de 2000, 10%, 2001, 6,5% e 2002, de 4,5%, apenas a partir de 2003 foi adotada uma banda de 1%.
11
4) DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS DO SISTEMA DE METAS DE INFLAÇÃO NO BRASIL, CHILE E MÉXICO
Teóricos de Metas para Inflação destacam a diversidade das
formas de utilização deste regime1, que aliada ao compromisso de se
atingir uma inflação próxima à meta estabelecida, dá liberdade à
autoridade monetária para analisar todas as informações relevantes e
decidir qual a melhor forma de utilização dos instrumentos de política,
sem perda de credibilidade (MENDONÇA, 2000). Neste sentido, na
presente seção, vamos estudar as diferenças básicas de aplicação do
SMI no Brasil, Chile e México2. A discussão será realizada, em
tópicos, analisando os principais aspectos que diferenciam ou não os
países tratados, comparando oportunamente suas peculiaridades com
outros países praticantes do full-fledged inflation targeting. Para
ilustrar nossa comparação inicialmente construímos uma tabela, que
abrange diversas características do SMI nos países estudados.
1 Mendonça (2000) classifica o Regime de Metas de Inflação como “um caso onde há discrição limitada”. 2 É importante lembrar, como definimos anteriormente, que Brasil, Chile e México são full-fledged inflation targets, o que significa, como conceituam Carare e Stone (2003): “FFIT countries have a medium to high level of credibility, clearly commit to their inflation target, and institucionalize this commitment in the form of a transparent monetary framework that fosters accountability of the central bank to the target”.
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TABELA 1)
Fonte: Elaboração Própria. Dados: Sites dos bancos centrais de Brasil, Chile e México.
Características do Sistema de Metas de Inflação: Quadro Comparativo entre Brasil, Chile e México
BRASIL CHILE MÉXICO Adoção das Metas de Inflação JUNHO de 1999 SETEMBRO de 1999 JANEIRO de 2001
INDEPENDÊNCIA DO BC
> Formal não sim (1989) sim (1993) > Na utilização dos instrumentos sim sim sim
> Na determinação das metas não sim sim
Quem é responsável por decisões de uso dos instrumentos?
Copom Consejo do BC Junta de Gobierno
Número de membros 9 5 5
> Internos 9 5 5
> Externos 0 0 0
Freqüência de Reuniões 8 vezes ao ano mensal diária
A quem o BC responde? Ministro da Fazenda Congresso Presidente da República e Congresso
Índice Utilizado IPCA (CHEIO) IPC (CHEIO) INPC (CHEIO)
Quem mede o índice? Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Instituto Nacional de Estatística
Diretoria de Preços, Salários e
Produtividade do BC do México
Utilização de Bandas de Tolerância sim (+/-2,0%) sim (+/-1%) sim (+/-1%)
Utilização de Cláusulas de Escape sim não não
Meta de Inflação Anual ideal no Longo Prazo não definida 3% 3%
Meta de Inflação Atual 4,50% 3% 3%
TRANSPARÊNCIA
> Atas das Reuniões de PM sim sim não
> Previsões de Inflação sim sim sim
> Informes sobre a Inflação sim sim sim
13
4.1) Independência do Banco Central (IBC) A concessão de independência ao BC1 é uma tendência, pois se
acredita que, assim, a autoridade monetária não fica sujeita a
pressões políticas, potenciais geradoras de viés inflacionário, e pode
se focar em manter a estabilidade da moeda (MENDONÇA, 2000b).
Portanto, a IBC atenuaria problemas de inconsistência temporal de
políticas e eliminaria a possibilidade de monetização da dívida, bem
como de execução de política monetária expansionista.
O SMI, de acordo com seus defensores, contribui para um
aumento da independência do BC, embora a origem desse regime
não tenha relação com esta (MENDONÇA, 2000b). Os BC´s chileno e
mexicano possuem independência formal, desde 1989 e 1993,
respectivamente, o BC brasileiro não2. Quanto à independência na
utilização de instrumentos de política monetária (instrument
independence), Brasil, Chile e México a possuem, fato que é natural
dado que estes três países seguem o SMI3. Contudo, entre os três
países analisados, apenas o Brasil não possuí independência na
determinação das metas4 (goal independence). Desta maneira, os
BC´s chileno e mexicano têm livre arbítrio na escolha da taxa ótima de
inflação, fazendo com que exerçam papel de formuladores de política
monetária e não apenas de executores desta. Morandé (2001)
1 Um BC independente corresponde, em geral, a uma instituição com personalidade jurídica, patrimônio próprio e finalidade definida, dirigida por pessoas indicadas pelo Poder Executivo com aval do Legislativo, por período determinado por mandato. (definição própria) 2 Mishkin (2004) adverte que a independência efetiva do BC não está necessariamente ligada à questões legais, o desenvolvimento natural de instituições monetárias fortes mostra-se mais importante. Para exemplificar esta tese, ele utiliza o exemplo dos BC´s argentino (independente) e canadense (não independente). Sobre o primeiro, o governo exerce grande influência, apesar da Lei tentar o contrário, no segundo caso, a despeito de não haver impedimentos legais, não há intervenção governamental na condução da política monetária. 3 Conforme a segunda seção, que considera os cinco elementos que Mishkin (2004) acredita serem inerentes ao SMI, e mais especificamente ao quinto elemento:”Atribuição de responsabilidade ao Banco Central para que atinja a inflação estipulada”, a independência de instrumento é condição básica no regime de metas de inflação. 4 O BC chileno possuí autonomia em nível de metas, de acordo com Céspedes, Goldfajn, Lowe e Valdés (2005) e também Morandé (2001), o qual faz a ressalva de que são feitas consultas ao governo antes do estabelecimento da meta, mas quem efetivamente toma a decisão é a autoridade monetária. O BC mexicano tem goal independence, como fica evidente no Programa Monetario para 2001 de janeiro de 2001 .
14
destaca que apenas o BC sueco e o espanhol (antes de assinar o
tratado do euro) também possuem essa peculiaridade. 4.2) Responsabilidade quanto à decisão de uso dos instrumentos de política Nesta sub-seção vamos discutir a estrutura, interna ao BC,
responsável pelas decisões de uso dos instrumentos de política
monetária, bem como a quem ela deve prestar esclarecimentos, no
que diz respeito às suas ações. A condução dos instrumentos
disponíveis para se atingir os objetivos da PM é efetuada pelo Copom
(Comitê de Política Monetária), no Brasil; Consejo del Banco Central,
no Chile; e Junta de Gobierno, no México.
No Brasil, o Copom é formado por nove membros, sendo oito
diretores do BC (diretores de Política Monetária, Política Econômica,
Estudos Especiais, Assuntos Internacionais, Normas e Organização
do Sistema Financeiro, Fiscalização, Liquidações e Desestatização, e
Administração) e o Presidente do Banco. O comitê se reune oito
vezes ao ano1, cada reunião tem duração de dois dias, e ao final é
divulgada a meta para a taxa Selic2, com possibilidade de haver viés3.
O objetivo do Copom, em nome do BC do Brasil, é de cumprir as
metas para inflação estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional
(CMN)4, mediante proposta do Ministro da Fazenda. A este, o BC
deve esclarecimentos sobre suas decisões e em caso de
descumprimento da meta, o presidente do banco deve encaminhar
uma Carta Aberta explicando os motivos do descumprimento, quais
as providências para o retorno da inflação ao patamar estabelecido e
1 De acordo com a Circular n°3297, de 31 de outubro de 2005, as reuniões do Copom passaram a ser realizadas oito vezes ao ano, antes eram mensais. 2 Sistema Especial de Liquidação e Custódia. 3 O viés representa uma autorização que o Copom concede ao Presidente do BC para alterar a meta da taxa Selic, na direção do viés, entre as reuniões ordinárias (Fonte: Site do Banco Central do Brasil) . 4 O CMN é composto pelo Presidente do Banco Central do Brasil, Ministro do Planejamento e Ministro da Fazenda.
15
em quanto tempo essas medidas terão efeito (Decreto n°3088, Artigo
4°, de 21 de junho de 1999).
No caso chileno, o Consejo del Banco Central é composto por
cinco pessoas, os conselheiros, todos indicados pelo Presidente da
República para mandato de dez anos (conforme explicado na seção
3). Suas reuniões ocorrem mensalmente, tendo como objeto a
definição da tasa de interés de politica monetaria. Esta deve ser
determinada com vistas a cumprir a meta estacionária para inflação
de 3%, determinada pelo próprio BC, pois este possuí independência
na determinação das metas (goal independence). O BC chileno, por
meio de seu presidente, deve obrigatoriamente satisfações ao Senado
(através da Comisión de Hacienda del Senado) e ao Presidente da
República (Ley Orgánica y Constitucional del Banco Central de Chile,
Artículo 22°), a respeito das ações do Consejo . Uma importante
peculiaridade chilena, no que diz respeito às decisões do conselho, é
que na eventualidade destas não serem unânimes, o Ministro da
Fazenda pode suspendê-la em um prazo de quinze dias transcorridos
da reunião.
A Junta de Gobierno, do BC do México, é formada por cinco
membros, quatro governadores e o presidente do banco. Os
componentes desse comitê são indicados pelo Presidente da
República, e submetidos a aprovação no Senado, para um mandato
de seis e oito anos para presidente e governadores, respectivamente
(Ley de Banco de Mexico, Artículo 40°). Suas reuniões são diárias
(ROGER e STONE, 2005), e definem suas operações de open market
para manter um nível de saldos acumulados dos bancos comerciais,
“el corto”, seu instrumento principal de política monetária. Dessa
forma, o BC do México procura fazer com que a inflação convirja à
meta estacionária de 3% proposta pela sua própria Junta de
Gobierno. O BC mexicano deve apresentar ao Congresso e ao Poder
Executivo, todo mês de janeiro, um programa de Política Monetária
16
para o ano em questão - em abril, um informe sobre a execução da
PM no segundo semestre do ano anterior e em setembro, um informe
sobre as ações de PM no primeiro semestre (Ley del Banco de
Mexico, Artículo 51°). Além disso, o banco é obrigado a fornecer
informações sobre quaisquer políticas e atividades por ele
executadas, solicitadas pelo Congresso.
As estruturas de decisão para utilização dos instrumentos de PM
não são muito diferentes nos três países analisados. É importante, no
entanto, fazer as seguintes considerações:
1) A freqüência de reuniões dos comitês é consideravelmente
díspar, especialmente ao compararmos Brasil e Chile – oito
e doze vezes ao ano, respectivamente – com o México, que
realiza reuniões diárias.
2) Os BC´s do Chile e do México, apesar de serem
independentes, possuem maiores obrigações junto a seus
respectivos Congressos do que o Banco Central do Brasil.
3) É digno de nota o fato dos três comitês de PM (Copom,
Consejo del Banco Central e Junta de Gobierno) não
possuírem membros externos ao BC, com direito a voto.
Vários seguidores do SMI têm elementos de fora do BC com
direito de votar. O Monetary Policy Committee, do BC
britânico é composto de nove integrantes, sendo cinco
internos e quatro externos; o Reserve Bank Board,
autoridade monetária australiana, é formada por três
pessoas internas e seis externas; e o Monetary Council, do
BC polonês, possuí dez integrantes, sendo apenas um
interno.
4.3) Índices A característica básica dos índices escolhidos como referência
para o SMI, de Brasil, México e Chile é o objeto de estudo dessa
17
breve sub-seção. O IPCA, Índice de Preços ao Consumidor Amplo,
utilizado no Brasil; o IPC, Índice de Preços ao Consumidor, do Chile; e
o INPC, Índice Nacional de Preços ao Consumidor, usado no México,
têm uma metodologia de cálculo muito semelhante. Eles medem a
variação dos diversos itens de compra1 de uma parcela significativa
da população2, em diversas regiões metropolitanas, e são utlilizados
pelos Bancos Centrais, dos referidos países, sem expurgo.
Isso é, o índice escolhido nos países do estudo mede a inflação
cheia (headline inflation), fazendo com que o BC precise realizar uma
política monetária restritiva (diminuindo a Demanda Agregada) para
atenuar os efeitos de choques de oferta (CURADO e OREIRO, 2005)
e ou aumento (arbitrário, ou via contratos3) de preços administrados
(SCHWARTZ, 2005). O procedimento de expurgar o índice, retirando
dele determinantes não monetários (DERZODI, 2004), é adotado por
diversos Bancos Centrais seguidores do SMI como o australiano,
canadense, finlandês, neo-zelandês e britânico. Contudo, a
justificativa para não usar a inflação subjacente (underlying inflation) é
que dessa forma se estaria perdendo credibilidade, como se pode
perceber em Bogdanski, Tombini e Werlang (2000), na seguinte
passagem:
“An important issue to discuss is the choice of the full inflation rate as
reference for the target, and not some core inflation measure.
Perhaps, the best technical procedure would have been to purge
some items from the full index, exempting it from temporary and once-
and-for-all shocks. Nevertheless, adopting a headline index was
essential for credibility reasons, at least in the beginning of IT
implementation. Unfortunately, Brazilian society has experienced
1 No México, são feitas 170 mil cotações de preço, a cada mês, para 313 categorias diferentes de produtos (BANXICO, 2002). 2 No Brasil, a cesta de produtos, escolhida para a formação do índice, tem base no consumo de famílias com rendimento de 1 a 40 salários mínimos (aproximadamente de $ 159 a $ 6363). 3 Estes contratos não necessariamente utilizam o índice referência para as metas como medida de reajuste e, mesmo que o utilizem, corresponderiam a uma resposta à inflação do período anterior.
18
several price index manipulation in a not so distant past, and so would
be suspicious about any change related to suppressing items from the
target index.”
4.4) Flexibilidade (utilização de bandas e claúsulas de escape) Neste momento, discutiremos a estrutura discricionária dos SMI
comparativamente. A discricionariedade, nesse regime monetário,
compreende basicamente as bandas para a inflação, ao invés de uma
meta pontual, e a existência de claúsulas de escape, situação prevista
na estrutura formal do SMI em que a inflação pode estar fora da meta.
Esses dispositivos, dependendo de como são utilizados, denotam o
grau de flexibilidade do regime.
As bandas para a inflação são um importante instrumento para
aliar flexibilidade à credibilidade1 (MENDONÇA, 2000), uma vez que o
efeito da política monetária é retardado2 (DERZODI, 2004) e o BC
não possui instrumentos para prever precisamente a inflação futura3.
Dessa forma as bandas representam uma “folga” (intervalo de
tolerância), dentro da qual a autoridade monetária considera estar
cumprindo a meta. Quanto à amplitude adequada da banda,
Mendonça (2000) considera que se ela for muito grande, não estará
servindo como um bom guia para a formação de expectativas (a
função de âncora nominal do SMI estará prejudicada). Ademais, uma
banda só tem sentido, se houver credibilidade, caso contrário os
agentes terão como expectativa o teto da meta (MENDONÇA, 2000).
1 Mendonça (2000) destaca a consideração de Brunilla e Lahdenperä (1995): “a distinção entre adoção de bandas ou de um ponto tem importância secundária caso os agentes sejam dotados de expectativas racionais. A razão para esta interpretação advém do fato de os agentes saberem que as autoridades monetárias possuem capacidade limitada na determinação da taxa de inflação. Destarte, mesmo que seja anunciado um ponto como meta, as expectativas serão formadas para uma taxa de inflação próxima à anunciada.”. 2 Bogdanski, Tombini e Werlang (2000):”..., the monetary policy transmission trough the aggregate demand channel takes between 6 to 9 months to fully operate”. 3 Dedutivamente, de acordo com os modelos utilizados pelos BC`s, podemos dizer que a inflação que a autoridade monetária não pode conter sem desestabilizar o produto é a gerada por choques aleatórios (choques de oferta). Portanto, as bandas de tolerância são um instrumento (com reduzida capacidade) para acomodação de choques de oferta.
19
Claúsulas de escape são exceções previstas para se descumprir a
meta estipulada (sendo ela uma meta precisa ou uma meta com
intervalo de tolerância). Estas são usadas para não causar grandes
choques no produto em situações extremas (MENDONÇA, 2000).
Sobre as claúsulas de escape, Mendonça (2000) diz:
“...não há perda de credibilidade quando a meta não é obtida, pois a
mudança na política planejada não é resultado de políticas
inconsistentes no tempo, mas resultado de variáveis que não podem
ser mensuradas. Contudo, as claúsulas de escape não representam
uma solução para os problemas advindos da incerteza sobre as
previsões da inflação.”
Brasil, Chile e México utilizam bandas de tolerância, sendo que no
primeiro ela é de 2% e nos outros de 1%. No Brasil, a tolerância já
mudou duas vezes: foi de 2% de 1999 a 2002, passou a ser 2,5% em
2003 e agora (2006), é de 2% novamente. O BC chileno trabalha com
uma banda de 1% desde a formalização de seu SMI em 1999. Já no
México, em 2001 e 2002, primeiros anos do regime de metas
inflacionárias, não havia bandas (a meta era o teto para a inflação),
estas só foram instituídas em 2003 (1%).
Quanto às claúsulas de escape, nenhum dos países analisados as
utiliza1. Todavia, pode-se constatar a presença de uma cláusula de
exceção no caso brasileiro2 (MORANDÉ, 2001) - a possibilidade do
prasidente do BC enviar uma carta aberta ao Ministro da Fazenda
explicando razões de descumprimento da meta fixada. Procedimento
semelhante está previsto no SMI britânico, neste caso o BC tem a
obrigação de enviar uma carta aberta caso a inflação não atinja a
1 Bogdanski, Tombini e Werlang (2000) afirmam não haver cláusulas de escape no caso brasileiro. 2 Céspedes, Goldfajn, Lowe e Valdés (2005) entendem que o Brasil possuí uma cláusula de escape, a qual seria o reavaliamento da meta futura se a inflação estourasse a meta em determinado período. Este procedimento, classificados pelos autores citados dessa forma, estaria previsto na carta aberta que explica o descumprimento da meta em 2002 (Banco Central do Brasil, 2003).
20
meta (a qual tem tolerância de 1%), ao chanceler1. No cenário
internacional, o caso mais conhecido de uso das cláusulas de escape
é o da Nova Zelândia, onde grandes mudanças nos acordos
comerciais, nas taxas ou choques de oferta (como por exemplo
epidemias que provoquem redução no rebanho de gados) desobrigam
o BC a cumprir a meta (MISHKIN, SCHMIDT-HEBBEL, 2001).
4.5) Meta ótima de inflação Conforme dissemos anteriormente (Introdução), há um relativo
consenso entre os economistas que o mais adequado para o bom
andamento da economia é uma inflação baixa e estável. Mas afinal,
qual seria a taxa de inflação ideal para se obter uma alocação ótima
entre seus custos e benefícios? Essa questão é fonte de grandes
debates, contudo a discussão se estende, em geral, de 0% a 4%
(BLANCHARD, 2005).
Os economistas que acreditam que o melhor é a estabilidade literal
de preços (inflação = 0%) argumentam que a inflação nula simplifica
as decisões, elimina o alcance da ilusão monetária, acaba com o
problema de consistência temporal dos BC`s e gera credibilidade
(BLANCHARD, 2005). Quem defende uma pequena inflação positiva
ressalta que os custos de uma inflação baixa são reduzidos e seus
benefícios compensam. Estes economistas sugerem que uma inflação
diminuta não traz problemas de expectativas a respeito da inflação
futura e não afeta a credibilidade do BC (MENDONÇA, 2001). Além
disso, destacam que ela é necessária pois lubrifica o mercado de
trabalho, facilitando a queda dos salários reais, uma vez que os
salários nominais são rígidos para baixo (FILHO, 2001). Dessa forma,
se evitaria uma constante pressão para aumento da taxa natural de
1 “If the target is missed by more than 1 percentage point on either side – i.e. if the annual rate of CPI inflation is more than 3% or less than 1% – the Governor of the Bank must write an open letter to the Chancellor explaining the reasons why inflation has increased or fallen to such an extent and what the Bank proposes to do to ensure inflation comes back to the target.” (www.bankofengland.co.uk/monetarypolicy/framework)
21
desemprego (conseqüência atribuída a uma inflação próxima de
zero), a qual provocaria um efeito recessivo sobre a economia
(MENDONÇA, 2001).
Mendonça (2001) destaca ainda que os países que optaram pelo
SMI têm usado como meta uma inflação maior que zero, mas baixa.
Brasil, Chile e México não são exceções, os BC`s chileno e mexicano
perseguem um aumento anual de preços de 3% como meta
estacionária e considerada por eles ideal, no caso brasileiro, a meta
definitiva não foi definida1, mas até 2008 está fixada em 4,5%. No
cenário internacional é evidente a fixação média de metas de inflação
de longo prazo em cerca de 2,00% a 3,00%, como na tabela abaixo.
TABELA 2)
PAÍS Ano de adoção do SMI Meta Atual Meta Ideal
Brasil jun/99 4,50% (+/-2%) não definida
Chile set/99 3,00% (+/-1%) 3,00%
México jan/01 3,00% (+/-1%) 3,00%
Reino Unido out/92 2,00% (+/-1%) 2,00%
Colômbia set/99 4,50% (+/-0,5%) 3,00%
Canadá fev/91 2,00% (+/-1%) 2,00%
Hungria jun/01 3,50% (+/-1%) 2,00% Fonte: Elaboração Própria. Dados: Scott Roger and Mark Stone (2005), e sites dos Bancos Centrais do Brasil, Chile, México, Reino Unido, Colômbia e Canadá.
Em Filho (2001), há uma importante referência sobre tema tratado
nesta sub-seção:
“Segundo Mishkin e Schimidt-Hebbel (2000), as metas de inflação de
países com rápido crescimento econômico, característica comum a
1 A não definição de uma meta de longo prazo acarreta em perda de credibilidade, devido à possibilidade de inconsistência temporal. No caso brasileiro, isso parece ser conseqüência de impasses políticos no CMN, fazendo com que a divulgação da meta ideal seja sistematicamente adiada.
22
vários países emergentes, devem ser levemente superiores àquelas
dos países industrializados.”
“A justificativa segundo os autores, baseia-se no fato de que países
com rápido crescimento econômico experimentam uma valorização na
taxa real de câmbio. Essa valorização seria proporcional à diferença
relativa entre o crescimento da produtividade dos setores de bens
comercializáveis e não comercializáveis internacionalmente, em
relação ao resto do mundo (efeito Harrod-Balassa-Samuelson).”
Entretanto, o próprio Filho (2001) não concorda com este
argumento de Mishkin e Schimidt-Hebbel. Para o autor, existem
diversos exemplos de países que cresceram rapidamente sem
valorização significativa do câmbio real – como o Brasil até 1980 – e,
ainda, não existiria “uma implicação direta entre a valorização do
câmbio real e metas de inflação mais elevadas para países em rápido
crescimento. Na verdade, o argumento dos autores traduz apenas
uma opção de política em relação à trajetória futura do câmbio
nominal.” Como pudemos observar nesta sub-seção, a contenda a
respeito da meta ótima de inflação é ampla e profunda. Entretanto,
numericamente, pode-se observar que a discordância quanto à
inflação ótima é pequena, entre a maioria dos economistas, de dois a
quatro por cento.
4.6) Transparência Nosso último objeto de análise será a transparência dos SMI
estudados, já que esta é fundamental para este regime monetário. O
grau de transparência afeta diretamente a credibilidade do BC1, por
meio da informação dos agentes a respeito das atitudes da autoridade
monetária com vistas ao cumprimento da meta fixada, ou das razões
que porventura geraram desvios da inflação em relação ao objetivo
1 De acordo com Mishkin (1999):”Another key feature of inflation-targeting regimes is the tendency toward increased accountability of the central bank. Indeed, transparency and communication go hand in hand with increased accountability.”
23
inflacionário anunciado. Neste sentido, no SMI, um nível alto de
transparência tem impacto sobre as expectativas1 (construídas com
base na credibilidade auferidas ao executor de PM) dos agentes que
esperarão, cientes de que os policy makers estão tomando atitudes
(ou estão dispostos a tomá-las) para que a inflação convirja à meta,
uma inflação próxima à meta, diminuindo a taxa de sacrifício2.
Frisamos anteriormente (início desta seção) que no SMI o BC tem
liberdade para analisar todas as informações e decidir qual a melhor
forma de ação3, tendo apenas de cumprir o objetivo previsto.
Portanto, a transparência pode ser entendida como um preço a ser
pago pelo alto nível de discrição. Neste sentido, Canuto (1999)
observa:
“Com responsabilidades definidas,em termos de taxas ou bandas de
taxas de inflação-ou de níveis de preços- o manejo dos instrumentos
se torna prerrogativa do arbítrio dos executores de políticas. A
transparência e a prestação de contas, razões subjacentes à
existência de um regime explícito de política monetária, podem em
princípio ser alcançadas mediante anúncios públicos de metas
numéricas de médio prazo para a inflação e o comprometimento
oficial das autoridades monetárias com estas. .... Há maior poder
discricionário dos formuladores e executores de políticas, mas a maior
possibilidade de prestação de contas, através dos resultados,
constrange tal exercício de poder.”
1 Neumann e Von Hagen (2002) destacam o efeito da comunicação nas expectativas: “Recent models of IT adopt a similar perspective and stress the importance of the communication tools developed by IT central banks to improve the public`s understanding of central bank intentions and to stabilize inflation expectations over the long run (Cukierman, 2000; Faust and Svensson, 2000; Geraats, 2000). The evidence presented in this paper suggest that the positive impact on inflation expectations has been the most beneficial effect of this new regime (SMI)”. 2 A diminuição da taxa de sacrifício ocorre, pois, com as expectativas de inflação na meta, o BC não precisa utilizar os instrumentos de política monetária para alterá-las. A utilização contracionista destes provoca redução no nível de emprego, devido ao trade-off de curto prazo entre inflação e desemprego. 3 Em diversos regimes monetários o BC tem uma atitude prevista e mecânica de operar (sem liberdade). Por exemplo, utilizando como âncora nominal o câmbio fixo, o BC é obrigado a comprar ou vender divisas na taxa estipulada.
24
Brasil, Chile e México, como full fledged inflation targets, adotam
procedimentos muito tranparentes em relação aos planos, objetivos e
decisões de PM. Contudo, cabe destacar que apenas o Banxico não
fornece ata completa das reuniões da Junta de Gobierno, até porque
este realiza reuniões todos os dias. Previsões de Inflação e Informes
sobre Inflação são fornecidos pelos três bancos centrais pesquisados.
25
5) CONCLUSÃO Podemos observar (Tabela 3) que Brasil, Chile e México têm
cumprido as Metas de Inflação com as quais se comprometeram –
cada um desses países só descumpriu a meta duas vezes em sete
anos. A conquista de uma inflação sob controle, decrescente e rumo a
níveis estáveis e compatíveis com a estabilidade de preços é fruto
principalmente da independência de instrumentos que os bancos
centrais brasileiro, chileno e mexicano possuem para que possam
comprometer-se com o principal objetivo da política monetária no SMI,
que é o controle da inflação.
Contudo, apesar do sucesso do SMI nos países analisados por
este artigo, alguns aperfeiçoamentos são ainda necessários com
relação aos tópicos levantados neste estudo. Neste sentido,
numeraremos algumas propostas de mudança adequadas para uma
maior eficiência das metas como âncora nominal das expectativas dos
agentes econômicos.
1) Com o intuito de haver coordenação de política macroeconômica,
os bancos centrais chileno e mexicano não deveriam ter livre
arbítrio na escolha da meta ótima de inflação, pois desta forma
estão executando a tarefa de formuladores de políticas e não
executores.
2) Quanto à composição dos comitês de política monetária, Brasil,
Chile e México deveriam dar espaço a membros externos ao
banco central, talvez integrantes da equipe econômica do governo.
Assim, haveria uma maior coordenação de políticas econômicas.
3) Passados sete anos da implementação das metas como âncora,
não há mais razão para se utilizar o “índice cheio”, a não ser a
tentativa de assegurar os agentes quanto às questões de fora da
alçada da autoridade monetária. Seria, portanto, natural que a
26
utilização do “índice expurgado” fosse adotada como sinal do
amadurecimento dos Sistemas de Metas de Inflação aqui tratados.
4) O SMI brasileiro merece algumas considerações específicas.
4.1) Com vistas a eliminar a possibilidade de inconsistência temporal
de políticas e de realização de política monetária expansionista, o
Banco Central do Brasil deveria ter formalizada sua independência.
Desta maneira, os agentes teriam maior convicção do
comprometimento da autoridade monetária com a estabilidade de
preços.
4.2) A banda de tolerância de +/-2% do SMI brasileiro deve prejudicar
a função da meta inflacionária de guia para as expectativas, por ser
comparativamente muito ampla em relação à média verificada
internacionalmente. Com tamanha amplitude, a meta brasileira
tecnicamente dá aos agentes econômicos a garantia de uma inflação
entre 2,5% e 6,5%, o que é um intervalo certamente exagerado, o
qual representa ameaça à função de âncora nominal do SMI.
4.3) Da mesma forma, a não definição da meta de inflação ideal
compromete a âncora nominal a médio e longo prazo. O Conselho
Monetário Nacional deveria definir qual é a inflação ótima a longo
prazo, de maneira que não houvesse inconsistência temporal de
políticas.
4.4) Ademais, a meta atual de inflação (4,5%), no Brasil, é destoante
do nível internacional e não é compatível com o propósito de
estabilidade (não literal) de preços.
5) A fim de incrementar a transparência, o BC mexicano poderia
passar a divulgar atas das reuniões de política monetária, assim como
Brasil e Chile já fazem. Isso faria com que os agentes tivessem
maiores informações sobre a tomada de decisões de PM,
proporcionando maior previsibilidade e segurança aos agentes.
Naturalmente essa medida deveria ser acompanhada de uma
alteração na freqüencia das reuniões.
27
6) Seria interessante que os SMI’s do Chile e México possuíssem um
mecanismo de Claúsula de Escape – Claúsula de Exceção na
verdade – similar ao brasileiro. Dessa forma, grandes choques de
oferta não gerariam uma reação da autoridade monetária que gerasse
brutal choque no produto, isso sem perda de credibilidade.
O Sistema de Metas de Inflação é complexo e mutável às
diferentes realidades e necessidades dos países que o utilizam,
podendo sempre ser aprimorado. Seguramente as propostas acima
expostas são polêmicas e insuficientes. Contudo, no estudo aqui
realizado, o foco foi a discussão quanto à maximização da eficiência
das metas inflacionárias no que tange a seu papel de âncora nominal
de PM, e neste sentido esperamos ter contribuído.
28
TABELA 3)
Metas de Inflação X Inflação Alcançada, quadro comparativo
BRASIL CHILE MÉXICO
Meta Inflação (IPCA) Meta Inflação
(IPC) Meta Inflação (INPC)
1999 8% (+/-2,0) 8,94% 3% (+/-1) 2,30% 13% (teto)* 12,31%
2000 6% (+/-2,0) 5,97% 3% (+/-1) 4,50% 10% (teto)* 8,95%
2001 4% (+/-2,0) 7,67% 3% (+/-1) 2,60% 6,5% (teto) 4,40%
2002 3,5% (+/-2,0) 12,53% 3% (+/-1) 2,80% 4,5% (teto) 5,70%
2003 8,5% (+/-2,5) 9,30% 3% (+/-1) 1,10% 3% (+/-1) 3,97%
2004 5,5% (+/-2,5) 7,60% 3% (+/-1) 2,40% 3% (+/-1) 5,19%
2005 5,1% (+/-2,5) 5,69% 3% (+/-1) 3,70% 3% (+/-1) 3,33%
2006 4,5% (+/-2,0) --------------- 3% (+/-1) --------------- 3% (+/-1) --------------
2007 4,5% (+/-2,0) --------------- 3% (+/-1) --------------- 3% (+/-1) --------------
Fonte: Elaboração Própria. Dados: Sites dos bancos centrais do Brasil, Chile e México.
29
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