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  • METODOLOGIAS DE PESQUISAS pS-CRTICAS EM EDUCAOCopyright 2012 by Dagmar Estermann Meyer e Marlucy Alves Paraso (organizadoras)Todos os direitos reservadas

    COLEO PENSAR A EDUCAO PENSAR O BRASIL

    Comit EditarialMarcus Aurelio Taborda de Oliveira - Coordenao (UFMG)Cleide Maria Maciel de MeioJos Angelo Gariglio (UFMG)Juliana Cesrio Hamdan (UFMG)Luciano Mendes de Faria Filho (UFMG)Marcus Vinicius Corra Carvalho (UFF)Maria do Carmo Xavier (PUC Minas)Rosana Areal de Carvalho (UFOP)Tarcsio Mauro Vago (UFMG)

    Srie DilogosCoordenaoJos Angelo Gariglio (UFMG)

    CapaTlio Oliveira

    RevisoEduardo Assis, Lourdes Nascimento; Paloma Figueiredo e Ricardo Neto

    Projeto Grfico e diagramaoAnderson Luizes - Casadecaba Design e Ilustrao

    Este livro foi publicado com recursos do CNPq.

    Metodologias de pesquisas ps-crticas em educaoM593 Dagmar Estermann Meyer, Marlucy Alves Paraso, (organizadoras). - Belo

    Horizonte: Mazza Edies, 2012.

    312 p.; 16x23 cm

    ISBN: 978-85-7160-582-4

    1. Pesquisa - Metodologia - Educao. 2. Pesquisa - Metodologia- Sade. 3. Pesquisa educacional. 4. Currculos. I. Meyer, DagmarEstermann. 11. Paraso, Marlucy Alves.

    CDD: 370.18CDU: 37.012

    MAZZA EDiES LTDA.

    Rua Bragana, 101- Pompeia

    30280-410 BELO HORIZONTE - MG

    Telefax: + 55313481-0591

    email: [email protected]

    site: www.mazzaedicoes.com.br

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    CAPTULO 1

    Metodologias de pesquisas ps-crticasem educao e currculo: trajetrias,

    pressupostos, procedimentose estratgias analticas

    MARLUCY ALVES PARAso

    As teorias ps-crticas - multiculturalismo, ps-estruturalismo, estudos degnero, ps-modernismo, ps-colonialismo, ps-gnero, ps-feminismo, estudosculturais, estudos tnicos e raciais, pensamento da diferena e estudos queer - tminfluenciado as pesquisas que venho realizando, desde 1995, quando iniciei meu tra-balho como docente da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Elas tm sidoinspiradoras tambm para diferentes pesquisas de mestrado e doutorado que venhoorientando no Programa de Ps-Graduao em Educao da Faculdade de Educao(FAE) da UFMG, desde 2003.9 Muitas foram, ao longo desses anos, as dvidas queenfrentamos; as solues que encontramos para articular teorias e interrogar os maisdiferentes currculos que investigamos e as experimentaes que fizemos com essasteorias em nossas pesquisas.

    Entre as muitas questes que tivemos que resolver ao trabalharmos com asteorias ps-crticas em nossas investigaes sobre currculo, as questes rnetodolgi-cas, sem dvida, foram aquelas que mais mobilizaram nosso pensamento e deman-daram nosso esforo de inveno e ressignificao. Afinal, as teorias ps-crticas no

    9 Ver algumas dessas pesquisas em Paraso (2010).

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    possuem um mtodo recomendado para realizarmos nossas investigaes. Dedica-mos esforos para construirmos nossas metodologias, ento, porque sabemos queo modo como fazemos nossas pesquisas vai depender dos questionamentos quefazemos, das interrogaes que nos movem e dos problemas que formulamos. Mas certo que com nossas empreitadas investigativas trocamos muitas experinciase acumulamos um conhecimento sobre esses modos de fazer pesquisa que consi-deramos importante compartilhar e divulgar. J so mais de 15 anos de trabalhointerrogando as metodologias de pesquisas existentes, ressignificando-as com baseno que aprendemos das diferentes teorias ps-crticas e experimentando fabricarnossos modos de pesquisar em educao de acordo com a problemtica que inves-tigamos.

    sobre essas trajetrias de pesquisa, sobre as dvidas mais recorrentes quetivemos, sobre aquilo que descartamos e aquilo que consideramos que no pode-mos abrir mo que escrevo este captulo. Discuto, aqui, em sntese, algumas contri-buies .que as diferentes correntes tericas ps-crticas trazem para o modo comoconduzimos nossas pesquisas em educao e em currculo. Este captulo tem comoobjetivo, portanto, mostrar como, nas pesquisas que realizamos, buscamos ampliaro vocabulrio terico-metodolgico para interrogar os mais variados currculosque investigamos.

    importante explicitar que, apoiadas nos Estudos Culturais, que defendemque existe pedagogia, modos de ensinar e possibilidades de aprender nos maisdiferentes artefatos culturais, que se multiplicaram na nossa sociedade, ampliamosnossos objetos curriculares, para investigar todo e qualquer artefato cultural queensina, buscando mostrar o currculo que eles apresentam. 10 Claro, para isso tivemosque ampliar nosso vocabulrio terico-metodolgico, porque foi necessrio inventarprocedimentos que nos possibilitassem "ler" esses diferentes artefat?s e estabelecerrelaes com a educao escolar," Mostro, ento, neste captulo, como fazemosnossas investigaes, como elegemos e/ou articulamos diferentes teorias ps-crticaspara ressignificar currculos, mostrar o que pode um currculo e registrar suas foras,seus limites e as suas possibilidades. Mostro alguns pressupostos que adotamos como

    10 Ver sobre isso Paraso (2004a; 2010).

    11 Ver aqui mesmo, neste livro, metodologias construdas/usadas para investigar artefatos como msicas(Marlcio Maknamara), cibercultura/Orkut (Shirlei Sales) e televiso e cinema (Rosngela Soares e Patr-cia Balestrin). Ver aqui neste livro, tambm, usos de diferentes instrumentos ou recursos metodolgicoscomo a internet e os bate-papos virtuais (Jeane Flix) e a anlise de imagens (Maria Simone Schwengber).

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    ponto de partida para nossas construes metodolgicas. Mostro como algumasinspiraes, que podem vir de qualquer coisa e lugar e em qualquer momento, soimportantes para o modo como fazemos nossas pesquisas.

    Argumento que em nossas metodologias temos, por um lado, algumas pre-missas e alguns pressupostos importantes que nos auxiliam a construir nossoscaminhos e, por outro lado, alguns procedimentos gerais que nos possibilitam aabertura e a coragem necessrias para pesquisar em educao sem um mtodo pre-viamente definido a seguir. Na construo metodolgicaque fazemos, em momen-to algum desconsideramos o j produzido com outras teorias, com outros olhares,com outras abordagens sobre o objeto que escolhemos para investigar. Ocu amo,-nos do j conhecido e produzido para suspender significados, interrogar os tex-- - - -- _ ..- --tos, encoI!trar 0E..troscillinhos, rever e problematizar os saberes roduzidos e Qi.percursos trilhados por outros: Enfim, buscamos as mais diferentes inspiraes earticulaes para modificar o dito e o feito sobre a educao e os currculos.

    METODOLOGIAS pS-CRTICAS: PREMiSSAS E PRESSUPOSTOS

    Com a compreenso mais livre que temos de metodologia, podemos dizerque tanto a genealogia e a arqueologia, que Foucault tomou de Nietzsche para fazersuas anlises histricas, como a cartografia ou esquizoanlise, usadas por Gilles De-leuze e Flix Gattari em seu "pensamento da diferena" so "mtodos" de pesquisa,no sentido de que oferecem tanto modos especficos de interrogar como estrat-gias para descrever e analisar. A!!!.sconstruo usada Ror Jac9.!:!~~ida",apesarde sua insistncia em ressaltar que no mtodo, tambm nos oferece modos deproblemati a os textos e as estratgias para desconstru-lo-;-;~~lis-los. E sob

    - --~~--- ---- - - -'rasura, portanto, que usamos estratgias de seus "mtodos" como inspirao paraas nossas investigaes, sabendo, de antemo, que nenhum desses filsofos quisapresentar um mtodo de pesquisa.

    Os trabalhos desses filsofos tm sido de grande importncia para as diferen-tes correntes ps-crticas e, consequentemente, para as pesquisas que temos realiza-do. Afinal, tanto seus modos de interrogar como suas estratgias descritivo-analticastm sido fundamentais para a construo das nossas "metodologas" Alm disso, oque eles desconstruram do pensamento moderno e alguns dos conceitos que cria-ram ou com os quais operaram passaram a constituir, tambm, alguns de nossospressupostos ao desenvolvermos nossas pesquisas ps-crticas em educao. Sim, em

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    12 Falo aqui em premissas e pressupostos juntos, porque em alguns momentos trata-se mesmo de premis-sas, j que no enunciamos previamente o raciocnio todo que d base para o nosso pensar, pesquisa r eescrever. Ele vai sendo enunciado no prprio desenvolvimento do escrito e da descrio analtica desseraciocnio. Outras vezes explicitamos os nossos pressupostos, que so, ento, apresentados, comentados,discutidos e que conduzem todo o nosso pesquisar.

    13Ver sobre isso Hutcheon (1991), Madan Sarup (1993) e Silva (2003).

    14 Hutcheon (1991) argumenta que as teorias ps-modernas vivem uma contradio: ao mesmo tempo queatuam no sentido de subverter os discursos dominantes, as narrativas mestras ou os grandes discursos,elas dependem desse mesmo discurso para sua existncia fsica. Para a autora, exatamente a que residea fora das teorias ps-modernas: elas no negam a histria e as referncias. Elas nos mostram a neces-sidade de que repensemos as noes que temos de histria e de referncias. As teorias ps-modernas,--portanto, usam as grandes explicaes para se o or a elas.

    nossas pesquisas, temos premissas e pressupostos! 12 Alguns deles so fundamentaispara o modo como conduzimos nossas investigaes e imprescindveis para cons-truirmos nossa trajetria de pesquisa, porque nos mostram o que preciso levarem considerao para construirmos os modos de interrogar adequados pers~ectivacom a qual estamos trabalhando. Vejamos algumas delas.

    Temos como premissa, em primeiro lugar, que este nosso tempo vive mudanassignificativas na educao porque mudaram as condies sociais, as relaes cultu-rais, as racionalidades. Mudaram os espaos, a poltica, os movimentos sociais e asdesigualdades. Mudaram tambm as distncias, as geografias, as identidades e asdiferenas. Mudaram as pedagogias e os modos de ensinar e aprender. Mudaramas estratgias de "colonizar", de educar e de governar. Mudaram os pensamentos, osraciocnios, os modos de "descolonizar', os mapas culturais. Nesses "novos mapaspolticos e culturais" (SILVA,2003), mudaram as formas como vemos, ouvimos, sen-timos, fazemos e dizemos o mundo. Mudaram nossas perguntas e as coisas do mun-do. Mudaram Q.S "outros" e mudamos ns.

    Por ttido isso, em segundo lugar, temos como premissa, ao pesquisar e cons-truir nossas metodologias de pesquisas ps-crticas, que educamos epesquisamos emum tempo diferente. Tempo que gostamos de chamar de "ps-moderno': porque eleproduz uma descontinuidade com muitas das crias, criaes e criaturas da moder-ndade." Lutamos em nossos dizeres, em nossos fazeres e em nossas pesquisas edu-cacionais contra algumas dessas criaes modernas:" o sujeito racional, as causasnicas e universais, as metanarrativas, a linearidade histrica, a noo de progresso,a viso realista de conhecimento. Trata-se de um tempo que Sandra Corazza (2005)chama de "tempo do Desafio da Diferena Pura" porque, nesse tempo, "todas as suas

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    concepes e prticas atestam a existncia dos diferentes, que povoam nossas ca-sas e ruas, salas de aula e ptios de recreio, dias e noites" (CORAZZA, 2005, p. 17).Seja qual for o nome, o certo que, nesses tempos, vivemos muitos desafios e somosinterpelados, em todos os momentos, pelas ml!iplas lutas de diferentes grupos epela alteridade dos/as diferentes que desejam ser educados de modo a possibilitarviver todas as suas inquietantes experincias. Juntamo-nos, em nossas investigaes,a todos esses/as "diferentes" e buscamos maneiras de encontrar/formular linguagensno territrio da pesquisa educacional para abordar suas lutas, seus saberes e suasexperincias.

    Nas metodologias de pesquisas ps-crticas que usamos/fabricamos, temoscomo premissa, em terceiro lugar, que as teorias, os conceitos e as categorias que po-dem explicar as mudanas na vida, na educao e nas relaes que nela estabelecemosso outros. Sabemos que a teorizao cultural e social, os movimentos sociais, a pe-dagogia e a educao no podem ser mais os mesmos. Consideramos que nossos en-tendimentos disso tudo tambm devem ser outros. No podemos mais pesquisar domesmo modo que, em outros tempos, investigamos em educao e em currculo. Porisso, em nossas pesquisas, ampliamos nossas categorias de anlise que deixaram depriorizar apenas classe social e passaram a atentar e a operar com questes de gnero,sexualidade, raa/ etnia, gerao, idade, cultura, regionalidade, nacionalidade, novascomunidades, localidade, multiculturalidade etc.

    Partimos para pesquisar com a sensao embriagadora de que a pesquisaem educao de fato tem importncia. Tal importncia se d, sobretudo, porquetemos como pressuposto, em quarto lugar, que a verdade uma inveno, umacriao. No existe a "verdade", mas, sim, "regimes de verdade': isto , discursosque funcionam na sociedade como verdadeiros (FOUCAULT, 2000). Essepressuposto - uma das inmeras aprendizagens que temos e tivemos com FriedrichNietzsche e Michel Foucault - faz-nos pesquisar levando em considerao que todosos discursos, incluindo aqueles que so objeto de nossa anlise e o prprio discursoque construmos como resultado de nossas investigaes, so parte de uma luta paraconstruir as prprias verses de verdade. 15

    .5A preocupao de Fbucault com a verdade deu-se sempre de modo diferente das preocupaes tradicionaisque pareciam buscar uma verdade preexistente. Foucault se preocupou com a "poltica do verdadeiro":processo pelo qual determinados discursos vm a ser considerados verdadeiros. No existe uma verdade aser descoberta; existem discursos que a sociedade aceita, autoriza e faz circular como verdadeiros (FOU-CAULT, 2000, p. 23).

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    Sabemos, assim, por um lado, que tudo aquilo que estamos lendo, vendo, sen-tindo, escutando e analisando pode e deve ser interrogado e problematizado, porquepodemos mostrar "como os discursos se tornaram verdadeiros", quais foram as rela-es de poder travadas, quais estratgias foram usadas, que outros discursos foramexcludos para que estes pudessem ser autorizados e divulgados. Por outro lado, sabe-mos que aqueles significados sobre a educao, os currculos, os/as estudantes, os/asdocentes, sobre os diferentes grupos culturais, sobre o ensino e a aprendizagem queproduzimos disputaro sentido com outros discursos divulgados em outros espaos,por outras pessoas em diferentes meios.

    Dessa forma, tudo aquilo que lemos para construir nossa problemtica de pes-quisa parece funcionar como um impulsor da nossa "vontade de potncia" que nostira da paralisia do que j foi significado e nos enche de desejo de mover, encontraruma sada e estabelecer um outro modo de pensar, pesquisar, escrever, significar edivulgar a educao. Ao mesmo tempo sabemos, antecipadamente, que o discursoque produzimos com nossas pesquisas um discurso parcial que foi produzido combase naquilo que conseguimos ver e significar com as ferramentas tericas-analti-cas-descritivas que escolhemos para operar. Sabemos, tambm, que o discurso queproduzimos far parte da luta pelo verdadeiro sobre o currculo e a educao.

    Em quinto lugar, construmos nossas metodologias de pesquisas com opressu-posto de que o discurso tem uma funo produtiva naquilo que diz. Esse pressuposto,apreendido dos trabalhos de Foucault (1988; 1995; 1996), que entende que os discur-sos "so prticas que formam sistematicamente os objetos de que fala" (FOUCAULT,1995, p. 56), importante para construirmos nossas metodologias de modo a buscarseu funcionamento e o que ele produz. Consideramos que a "realidade" se constridentro de tramas discursivas que nossa pesquisa precisa mostrar. Buscamos, ento,estratgias de descrio e anlise que nos possibilitem trabalhar com o prprio dis-curso para mostrar os enunciados e as relaes que o discurso coloca em funciona-mento. Perseguimos e mostramos suas tramas e suas relaes histricas. Analisamosas relaes de poder que impulsionaram a produo do discurso que estamos in-vestigando' e mostramos com quais outros discursos ele se articula e com quais elepolemiza ou entra em conflito.

    Ao focarmos nossa ateno no processo produtivo do discurso e da nossa pr-pria linguagem, registramos e analisamos aquilo que nomeiam, mostram, inclueme excluem. Mostramos o que um discurso torna visvel e hierarquiza. Multiplicamosas relaes do discurso, mostrando a histria de um enunciado, acompanhando sua

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    descontinuidade e suas transformaes. Mostramos, em sntese, como o discurso queinvestigamos produz objetos, prticas, significados e sujeitos. Esse pressuposto nosmobiliza a construir nossas metodologias, portanto, sabendo que a linguagem pre-cisa receber a maior ateno de ns pesquisadosas: tanto a linguagem dos nossosobjetos, a linguagem que escolhemos para descrever/analisar, como a nossa prprialinguagem que vamos usar/inventar para falar, escrever e dizer sobre o nosso objetode pesquisa.

    Em sexto lugar trabalhamos em nossas pesquisas ps-crticas com opressuposto de que o sujeito um efeito das linguagens, dos discursos, dos textos,das representaes, das enunciaes, dos modos de subjetivao, dos modos deendereamentos, das relaes de poder-saber (ver tambm CORAZZA; TADEU,2003, p. 11). O questionamento do sujeito centrado, homogneo, coerente, racional,iluminado, unificado e universal gan~ou uma dimenso inimaginvel nas teoriassociais e culturais contemporneas. Esse sujeito, centro do pensamento e da ao- que foi considerado durante muito tempo o centro da educao -, recebeu tantosquestionarnentos" que, hoje, como sugere Michael Peters (2000), parece inconcebvelretornar " ideia de que o homem o mestre e possuidor da totalidade de suas aese de suas ideias" (PETERS, 2000, p. 79). Michel Foucault foi um dos pensadores deimportncia central na problematizao do sujeito. Em vez de aceitar a noo deque o sujeito est dado, de que o sujeito j existe e precisa ser apenas formado oucorrigido, Foucault dedicou-se a estudar no apenas como se deu a construo dessanoo de sujeito, mas a mostrar de quais maneiras nos constitumos como sujeitos(FOUCAULT,1986; 1988; 1991; 1993). Foucault concebeu o sujeito, ento, como umartifcio da linguagem, uma produo discursiva, um efeito das relaes de poder-saber. O sujeito passa a ser, ento, aquilo que dele se diz.

    Por isso trabalhamos e colocamos foco em nossas pesquisas nos modos desubjetivao, isto : as formas pelas quais as prticas vividas constituem e medeiamcertas relaes da pessoa consigo mesma. Nessa perspectiva, subjetivao entendida

    Para Peters (2000) a crtica do sujeito cartesiano foi iniciada de certo modo por Marx, ganhou outrasdimenses em Nietzsche e Heidegger e recebeu contornos diferentes em Freud e Lacan (PETERS,2000).Para Silva (2000) a "teoria do sujeito" vai se tornar claramente insustentvel com as problematizaesfeitas por Foucault. Silva (2000) mostra ainda que a crtica a esse sujeito intensificou-se profundamentecom Derrida - "para quem o sujeito uma inscrio; pura exterioridade" - e foi levado s ltimas con-sequncias por Deleuze, a ponto de Deleuze dizer apenas que "o sujeito um artifcio" (SILVA,2000, p.16-17).Stuart Hall (1997), por sua vez,mostra como os estudos feministas tambm foram de fundamentalimportncia para a desconstruo desse sujeito moderno.

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    como "prticas e processos heterogneos por meio dos quais os seres humanos vm ase relacionar consigo mesmos e com os outros como sujeitos de um certo tipo" (ROSE,2001, p. 36). A prpria subjetividade, que tem ganhado destaque em nossas pesquisasps-crticas, entendida, ento, como produzida pelos diferentes textos; pelasdiferentes experincias, pelas inmeras vivncias, pelas diferentes linguagens pelasquais os sujeitos so nomeados, descritos, tipificados. Com essas noes de sujeitoe subjetividade e essa compreenso da subjetivao, conduzimos nossas pesquisase buscamos estratgias para descrever e analisar aquilo que nomeia o sujeito, quedivide, separa, categoriza, hierarquiza, normaliza, governa e, consequentemente,produz sujeitos de determinados tipos.

    Em stimo lugar, a compreenso de que nas escolas, em diferentes instituiese espaos, nos currculos e nos mais diferentes artefatos esto presentes relaes depoder de diferentes tipos - de classe, gnero, sexualidade, idade, ra~, etnia, gerao ecultura - outro pressuposto de grande relevncia para as nossas pesquisas. Isso fazcom que todas essas relaes de poder recebam nossa ateno no sentido de mape-Ias, descrev-Ias, desconstru-las, mostrar seus funcionamentos e analis-Ias. As rela-es de poder referentes a gnero, por exemplo, tm recebido ateno na maior partedas pesquisas do GECCe do GEERGEe , seguramente, um dos mais importantespontos de conexo das pesquisas desenvolvidas nos dois grupos. Temos trabalhadocom a compreenso de que os raciocnios que so operados na educao, nos curr-culos, nos diferentes artefatos e espaos da vida social so generificados. Essa pre-missa, construda com base nos estudos de gnero, no ps-feminismo e nos EstudosQueer, possibilita considerarmos que o currculo, a escola e outros artefatos culturaisoperam com raciocnios generificados que tendem a ver as meninas/garotas/moas!mulheres como "faltosas" Consideramos que nesses espaos, as normas generfica-das so ensinadas e permanentemente reguladas no sentido de garantir distines,diferenciaes e demarcaes ente homens emulheres. Muitas dessas normalizaese regulaes acabam por produzir hierarquizaes e desigualdades, alm de dificul-tar o aprender na escola.

    Nesse sentido, o pressuposto de que os raciocnios operados na educao sogenerificados nos faz considerar os diferentes espaos educativos que investiga-mos tanto como territrio em que as relaes desiguais de gnero so produzidase reforadas como resistncias e lutas que podem ser empreendidas e fortalecidas(MEYER,2011). Consideramos que neles circulam diferentes discursos sobre mulhe-res e homens; sobre como devemos ser, comportar e fazer. Esses diferentes discursos

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    e significados podem contribuir (e tm contribudo) para produzir desigualdadesentre homens e mulheres, garotos e garotas, moas e rapazes e reforar distines,discriminaes, sofrimentos e hierarquias. Ma e es a os tambm, discursosp~~~~ ser desnaturalizados, questionados e desconstrudos, e ru turas podem ~erintrod zdas.numa tra~sformao constante de rela {>esde oder j instaurad~. Aocolocar em foco os "raciocnios generificados" (PARASO,2011), consideramos quequalquer tipificao e conhecimento que inscreve distines e divises generificadase de outros tipos oferece maneiras de entender as relaes entre educao, governo,incluso e excluso (PARASO,2010). Assim, as tipificaes, os conhecimentos e asnomeaes so estudados como possuindo uma "funo prtica" na produo daqui-lo que falam e nomeiam e que nossas pesquisas podem contribuir para desmont-Ias,decomp-Ias e desconstru-las.

    Por fim, um outro pressupostocae tem sido de grande importncia em nossasinvestigaes o de que a diferena o que vem primeiro e ela que devemos jazerproliferar em nossas pesquisas. Inspiradas no trabalho de Gilles De uze (1988) -filsofoda multiplicidade que pensou adiferena eoacontecimento - buscamos exaltara difer~ mu1tipliCidadeem vez da identidade e da diversidade. A diferena, emDeleuze (1988), no diferena entre dois indivduos; no diferena entre coisas ouentes; mas sim, "diferena em si': "diferena interna prpria coisa" o "diferenciar-e em si da coisa" (DELEUZE, 1988, p. 63). A identidade," nesse pensamento,que tem como critrio a diversidade, reduz o diverso a um ponto comum; buscaa reunio, o agrupamento, a identificao das coisas e pessoas. A diversidade esttica, "um dado - da natureza ou da cnltur " C~ORAZZA;TADEU 2003, p.

    - ----13) para reafirmar o idntico; remete a formas e elO jJ~xistente.~A diferena, ~sua vez, que tem_cmo critrio o acontecimento.rrabalha pela ~ari-_.9de ~n~~pela multiplicao das foras, pela disseminao daquiloque ~u~mLa._poJncia

    Essa compreenso da identidade com base no pensamento da diferena no significa que trabalhos quese apoiam em outras correntes da teorizao ps-crtica no trabalhem com o conceito de identidade.Apesar de todas as crticas feitas ao conceito de identidade, concordamos com Stuart Hal\ (2000) quan-do pergunta "quem precisa de identidade?" e ele mesmo responde: "os movimentos" sociais e culturaisnecessitam da identidade para suas aes e lutas polticas (HALL, 2000). Nesse sentido, as pesquisasps-crticas do GECCque consideram o conceito importante para essas aes polticas trabalham comele, incorporando as diferentes reconceitualizaes que ele recebeu, sobretudo, pela vertente ps-crticados estudos culturais.

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  • 32 METODOLOGIAS DE PESQUISAS PS-CRITICAS EM EDUCAO

    ~ existir, pela proliferao_~?:_ af!ctos felize~ 18 A multiplicidade multiplicadora,ativadora e produtora de diferenas porque opera com o "e" da ligao; esse mesmo"e"que estratgico na operao de destruio do ""da identidade.

    Com isso estimulamos em nossos trabalhos os movimentos de multiplicaode sentidos e de proliferao das foras. Buscamos introduzir as foras nas formas.Buscamos operar com a decomposio para desmontar aquilo que foi identificado,reunido, agrupado. Trabalhamos com a desmontagem para decompor o que foiatualizado e fixado. Operamos com a remontagem para fabricar outros sentidos ecom a recomposio para encontrar virtuais. Em sntese: operamos com a multi-plicao para fazer o "e" da multiplicidade funcionar; para produzir e estimular adiferena e a inveno de outros significados e/ou de outras imagens de pensamen-to para a educao.

    Essas premissas e esses pressupostos aqui registrados so uma sntese reduzidae incompleta de alguns dos temas centrais das teorias ps-crticas, especialmentedas teorizaes contemporneas denominadas ps-estruturalismo, ps-modernismoe pensamento da diferena. Tais pressupostos nos fazem olhar e encontrar caminhosdiferentes a serem seguidos, possibilidades de transgresses em metodologias e pro-cedimentos que supomos fixos, dados, no modificveis. Podemos com esses pres-supostos deixar-nos guiar pelas novas maneiras de compreender, ver, dizer, sentir eouvir criadas e instauradas pelas aprendizagens que tivemos das diferentes correntesdas teorias ps-crticas. Com tais aprendizagens ficamos armados/as, emocionados/as, encorajados/as. Uma coragem necessria para, em nossas metodologias, encon-trarmos sadas contra o aprisionamento e a fixidez de sentidos, os essencialismos, o" isso" ou o "deve-se fazer assim': Esses pressupostos nos mobilizam porque sabemosque, ao partirmos para pesquisar em educao, precisamos, acima de tudo, buscar/encontrar/perseguir novos modos de enunciao do currculo e da educao.

    TRAJETRIAS E PROCEDIMENTOS OU ESTRATGIASDESCRITIVO-ANALTICAS

    Ao construirmos nossas metodologias traamos, ns mesmos/as, nossa traje-tria de pesquisa buscando inspirao em diferentes textos, autores/as, linguagens,

    18 Ver exemplos de trabalhos em educao e em currculo nessa perspectiva em Corazza e Tadeu (2003) eParaso (2010a; 2010b; 20011).

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    materiais, artefatos. Estabelecemos nossos objetos, Construmos nossas interroga-es, definimos nossos procedimentos, articulamos teorias e conceitos. Inventamosmodos de pesquisar a partir do nosso objeto de estudo e do problema de pesquisa queformulamos. Como estamos, permanentemente, " espreita" de uma inspirao, acei-tamos experimentar, fazer bricolagens e transformar o recebido. Aceitamos trabalharcom o que sentimos, vemos, tocamos, manuseamos e escutamos em nosso fazer in-vestigativo. Alguns trajetos e procedimentos podem ser resumidos aqui porque tmnos mobilizado na conduo de nossas pesquisas e tm sido importantes nas nossasinvestigaes ps-crticas que realizamos em nosso grupo de pesquisa.

    1. Articular e "bricolar"! Fazer as articulaes de saberes e as bricolagens meto-dolgicas fundamental nas pesquisas ps-crticas que realizamos. Procedemos emnossas metodologias de modo a cavar/produzir/fabricar a articulao de saberes e abricolagem de metodologias porqu~ no temos uma nica teoria a subsidiar nossostrabalhos e porque no temos um mtodo a adotar. Usamos tudo aquilo que nos ser-ve, que serve aos nossos estudos, que serve para nos informarmos sobre nosso objeto,para encontrarmos um caminho e as condies para que!lgo d:E0vo ~ja ~Ioduzido_A bricolagem um momento de total desterritorializao, que exi e a inven o deoutros e novos territrios. Contudo, para articular saberes e bricolar metodologias,nos apoiam~ em dif~r;ntes deslocamentos, "viradas': exploses e desconstruesfeitas pelas teorias ps-crticas.

    Assim, nas metodologias de pesquisas ps-crticas, eliminamos as barreirasentre as diferentes disciplinas. Deslocamos as linhas que separam cincia e literatura,conhecimento e fico, arte e cincia, filosofia e comunicao. Explodimos as sepa-raes entre teoria e prtica, discurso e "realidade': conhecimento e saberes do sensocomum, representao e realidade. Desconstrumos as oposies binrias que tantashierarquias construram entre as pessoas e as coisas do mundo e, consequentemente,os muitos tipos de verdades que esto presentes nas imagens de pensamento j cons-trudas sobre o nosso objeto de pesquisa.

    Para isso, precisamos encontrar, coletar e juntar as informaes disponveissobre nosso objeto. Usamos nessa tarefa elementos da etnografia, da netnografia, daetnografia ps-moderna. Usamos grupos focais, entrevistas, narrativas, documentos.Juntamos materiais impressos, textos, livros, projetos. Coletamos cartazes, desenhos,figuras, fotografias. Usamos o MSN, o Orkut, qualquer site de relacionamento, ainternet. Olhamos, observamos, escutamos. Entrevistamos, registramos, anotamos,gravamos, filmamos. Perguntamos, interrogamos, questionamos, fotografamos.

  • 34 METODOLOGIAS DE PESQUISAS P6S-CRTICAS EM EDUCAO

    Olhamos professores/as, alunos/as, crianas, jovens, adultos, meninas, meninos,brancos/as, negros/as, surdos, ouvintes, cegos, videntes, movimentos sociais.Observamos a rua, laboratrios de ensino de cincias, ptios de recreio, salas deaulas, aulas, conversas, brincadeiras, jogos, reunies, quadras esportivas, encontros,assentamentos, acampamentos, aldeias, shows, espetculos, gestos e mmicas.Escutamos conversas, bate-papos, discusses, aulas, msicas. Perguntamos a pessoas,autores/as, filmes, programas televisivos, campanhas publicitrias. Interrogamoscurrculos escritos, livros de literatura, livros didticos. Questionamos documentosde polticas, projetos pedaggicos, projetos de interveno, diretrizes, leis. Em sntese,usados tudo que acreditamos nos servir em nossas pesquisas, fazendo bricolagem.

    Mas, ateno, porque a bricolagem ocorre com operaes de recorte e cola-gemoRecortamos de "l" - de onde inventaram e significaram os mtodos, os instru-mentos e os procedimentos - e colamos "ali" - no nosso trabalho de investigao, queopera com ferramentas tericas ps-crticas e com outras imagens de pensamentos.O recorte uma operao feita com pequenas partes, e no permite a totalizao,nem integrao. Quando colamos, no restauramos a unidade, porque o que quere-mos mesmo a juno de diferentes. Temos na bricolagem a juno de coisas, proce-dimentos e materiais dspares. O resultado da bi-icolagem, portanto, uma com~o-sio feita de heterogneos. Tu~ cortamos vem para nossas pesquisas de modo~ignificado pelo efeito da colagem. Afinal, aquilo que foi cortado vai se juntar aosnossos pressupostos, s nossas premissas e s imagens de pensamentos institudasnas correntes tericas com as quais trabalhamos.

    Alm disso, em nossas articulaes e bricolagens usamos as contribuies detodas as disciplinas que possuem algum saber, algum conceito, alguma estratgiametodolgica ou algum procedimento que seja til para os nossos trabalhos de inves-tigao. Usamos tudo aquilo que nos serve das diferentes disciplinas, dos diferentescampos tericos, das diferentes metodologias de pesquisas. Usamos a literatura, apoesia, a filosofia, a pintura, o cinema, a arte para nos inspirar. Somamos, juntamos,articulamos, estabelecemos relaes para ver no que d, para encontrarmos modos .de fazer, de obter as informaes que necessitamos. Usamos o que aprendemos dediferentes campos do saber para descrever-analisar nossos objetos, compreend-los,dizer algo diferente sobre eles e a partir deles.

    2:..J.eI! Buscamos ler demoradamente. Apesar de vivermos uma "poca detrabalho e de precipitao na qual temos que acabar tudo rapidamente" (LARROSA,2002, p. 14), esforamo-nos para demorarmos nas leituras. Fazemos isso porque

  • CAPTULO 1 35

    sabemos que a demora importante tanto para conhecermos bem nosso objeto comopara conhecermos nossas "filiaes tericas" e a potncia dos conceitos e ferramentascom os quais vamos trabalhar. Lemos demoradamente para sabermos o que j foiproduzido sobre nosso objeto, para nos juntarmos e nos separarmos de ideias,perspectivas, temas, significados. Lemos para mostrarmos a diferena do que estamosproduzindo e nos capacitarmos a buscar novas associaes, estabelecer comparaese encontrar complementaes. Talvez seja importante falar aqui que, em nossosprocedimentos, comumente fazemos vrios tipos de leituras concomitantemente.Dois deles merecem destaque, porque so procedimentos importantes de nossaspesquisas ps-crticas: a leitura dos "ditos e escritos" sobre o nosso objeto e a leitura daeorizao que escolhemos para realizar nossa investigao. Nos dois tipos de leituravamos operar com os procedimentos de desmontagem, rernontagem, composio,decomposio e recomposio.

    3. Montar. desmontar e remontar o ' dito! Lemos com muita pacincia os "di-os e escritos" sobre o nosso objeto para conhecer, mapear, mostrar o que j foi dito,

    quisado, significado, escrito, publicado, divulgado sobre o objeto que escolhemospara investigar. Ocupamo-nos do j feito e sabido sobre o nosso objeto para suspen-er verdades, mostrar como funcionam e investigar o que faz aparecer determina-os discursos curriculares, determinadas prticas e certos saberes. No ficamos "de

    fora" e nem "por fora" do que j foi dito e escrito em todas as perspectivas tericassobre o nosso objeto de pesquisa. Participamos da tradio do nosso objeto porqueecessitamos saber o que j foi produzido, para analisar, interrogar, problematizarencontrar outros caminhos. Necessitamos interrogar o legado deixado por outros~ e nos antecederam e nos deixaram seus ditos e escritos. Isso tudo porque estamosreocupados com o "aqui" e "agora'; com o nosso tempo presente, e porque queremos

    ~ oduzir outros sentidos para a educao e o currculo.Por isso montamos um discurso, um mapa sobre o j dito sobre nosso objeto.

    Apresentamos as teses, os significados correntes, as verdades sobre ele. A operaoui de juntar - aquilo e aqueles/as que podem ser considerados comuns, serne-antes, parecidos - e separar - aquilo e aqueles/as que afirmam coisas diferentes,. tintas, contrrias, conflitantes. Para montar esse mapa ou esse discurso, desmon-

    tamos os ditos e escritos resumindo, sintetizando, separando os argumentos, as teses,significados que vamos interrogar, questionar, desconstruir, ressignificar. Estabe-mos relaes entre os diferentes "ditos e escritos" em tempos e lugares diferentes.

    terrogamos e analisamos. Por fim, remontamos, de um modo diferente, tudo que

  • 36 METODOLOGIAS DE PESQUISAS PS-CRTICAS EM EDUCAO

    foi desmontado. Construmos, assim, um mapa com os ditos que desmontamos, jun-tamos e separamos para mostrar o que foi feito e para dizer o que vamos fazer a partirdaquele momento. Delimitamos a o territrio de onde partiremos para investigar.Ler, montar, desmontar e remontar so, portanto, importantes estratgias dedescri-o e anlise das nossas pesquisas ps-crticas em educao.

    4. Com or, decompor e recompor! Lemos tambm, demoradamente, a te-orizao que escolhemos para realizar nossa pesquisa. Mergulhamos no pensa-mento escolhido e separamos conceitos, ferramentas tericas e significados quenos so teis para operarmos sobre o nosso material. Escolhemos conceitos quenos auxiliam a fazer perguntas, a interrogar nosso material, a multiplicar sen-tidos e a mostrar as contingncias dos acontecimentos e a proliferao da dife-rena. Elegemos as ferramentas tericas que nos possibilitam trabalhar sobrenosso material estabelecendo relaes e mostrando seu funcionamento. Selecio-namos os significados que nos ajudam pensar de modo diferente do que j foipensado o nosso objeto, que nos possibilitam usar o "e" da li a o, da soma e da~ultiplicidade. Para tudo isso, necessitamos de leituras demoradas. Demoramosnas leituras para observarmos as imagens de pensamentos, para encontrarmospossibilidades de interrogar de modo diferente nosso objeto, para vermos o quecombina e o que no combina com nossa "epistemologia', com nossa perspec-tiva, com o nosso objeto. Procuramos "ler em direo ao desconhecido", comoto bem nomeou Jorge Larrosa (1996). Nesse caso, no se trata de leituras ape-nas para serem sintetizadas ou para relembrar o que j sabemos. Trata-se de lerpara aprenderl" para fazer conexes inesperadas, para despertar nossos afectosfelizes. Lemos esperanosas de que essas leituras possam nos estimular a veralgo desconhecido e a mobilizar nosso pensamento. Tudo que os/as autores/asque lemos tm de doutrina ns descartamos, porque sabemos que as doutrinasno nos movem e nem mobilizam nosso pensamento. Porm, o que eles tm deinquietude funciona em nosso fazer investigativo como um potencializador denossas curiosidades e como um motor de nossas inspiraes."

    19 Venho argumentando que aprender "abrir-se e refazer os corpos, agenciar atos criadores, refazer a vida,encontrar a diferena de cada um e seguir um caminho que ainda no foi percorrido" (PARASO, 2011,p.147).

    20 Dos prprios trabalhos de Nietzsche, por exemplo, que muito inspiram nossos modos de pesquisar, descar-tamos todas as suas doutrinas, e retiramos dele aquilo que nos move, nos inquieta, nos deixa perplexas eque, por isso mesmo, alimenta nosso pensamento.

  • CAPITULO 1 37

    A operao com os textos que lemos para nos inspirar mesmo de decomposi-o e recomposio ou de desterritorializao e territorializao. Desterritorializamosou decompomos porque precisamos inventar uma outra imagem de pensamento parao nosso estudo. Territorializamos ou recompomos porque nossa pesquisa exige a in-veno ou a construo de um novo territrio. Tudo isso feito para compor uma outraimagem de pensamento para nossa investigao. Nessa nova imagem de pensamentoestaremos, portanto, reterritorializando-experimentando, Afinal, o grande "mote" denossas pesquisas ps-crticas a busca por encontrar uma outra linguagem para dizerdos currculo~Eirar em ns mesmas um o tro ~bre a educao.

    5:...Ef!guntar, interrogar! Quando j temos as informaes, os materiais, os tex-tos ou discursos que vamos a~lisar, no perguntamos "o que isso?': Inspiradas emmuito do que aprendemos dos trabalhos de Michel Foucault perguntamos: "comoisso funciona?" "O que posso fazer ~om isso?" (CORAZZA; TADEU, 2003, p. 16).Que relaes podem ser estabelecidas com outras enunciaes, com outros discursosdivulgados em outros tempos e lugares? Que urgncia histrica essa inveno veioresponder? Que continuidades e descontinuidades podemos traar? Quem est nessediscurso autorizado a falar ou a prescreve~? Que relaes de poder e de saber movemesse discurso? Que modos de subjetivao esto em funcionamento nesse discurso?Perguntamos e examinamos, como sugere Veiga Neto (2003, p. 22), "como as coisasfuncionam e acontecem' e buscamos ensaiar "alternar a nham a .funcionar e acontecer e outra maneira"

    Mas tambm fazemos outras interrogaes, inspiradas em outros pensadoresque vinculamos a outros pensamentos "ps". Para o pensamento da diferena deGilles Deleuze, por exemplo, pesquisar um acontecimento que se d chocando-secom o j feito, j pesquisado. Perguntamos, ento: como mobilizamos uma imagemde pensamento que estica linhas de fuga em um currculo? Como fazer isso, que o meu objeto, movimentar? Como dar visibilidade a novas foras em minhainvestigao? O que pode um currculo ou um discurso? De que afectos capaz?Que impulso, que desejo movem um discurso? Que ligaes ou conexes podem serfeitas? Que composies e agenciamentos podem ser operados? Como engendramosvigor, alegria e vida em um currculo? Que novas formas no dogmticas de pensar ocurrculo podemos indicar? Quando e como, em um discurso, as rupturas aconteceme se abrem campos de possibilidades?

    6. )2escr.ell.er4 Descrevemos muito, minuciosamente, detalhadamente. Sim, adescrio extremamente importante em nossos modos de pesquisar, porque por

  • 38 METODOLOGIAS DE PESQUISAS PS-CRTICAS EM EDUCAO

    meio dela que estabelecemos relaes dos textos, dos discursos, dos enunciados emsuas mltiplas ramificaes. Descrever importante para que possamos mostrar asregras de aparecimento de um discurso, de uma linguagem, de um artefato e de umobjeto. importante para que nos instrumentalizemos para explicitar as condieshistricas de sua existncia, sua "urgncia histrica" suas diferentes relaes, suasramificaes, suas relaes de poder-saber. tambm importante para que mostre-mos suas transformaes, suas continuidades e descontinuidades, suas potncias efragilidades. importante para mostrarmos como as rupturas acontecem, como equando as possibilidades se abrem e para indicarmos novas formas de pensar sobrenosso objeto. Buscamos, em sntese, com esse procedimento, estabelecer uma outrarelao entre o discurso e aquilo que ele nomeia.

    Somente descrevendo, e em detalhe, os diferentes textos educacionais, os di-ferentes discursos e suas enunciaes, ser possvel mostrarmos .suas feituras, seusprocessos de produo, seus modos de funcionamento. Somente descrevendo pode-mos fazer as rupturas que so necessrias para construirmos e divulgarmos outrossentidos, outras linguagens, outras prticas para o currculo e a educao. Somentedescrevendo, e em detalhe, podemos compreender o que somos, o que fizeram dens, o que fizemos de ns mesmos ou, como aparece em diferentes momentos daobra de Nietzsche (2001; 2002a; 2002b), "como se chega a ser o que se ': Enfim, sdescrevendo, e em detalhe, podemos encontrar estratgias para nos transformarmosem algum diferente do que nos fizeram ser.

    7. ~alisar as relaes d~ Se a descrio que fazemos dos textos ediscursos sempre analtica, a anlise que fazemos das relaes de poder sem-pre descritiva. Fazemos a anlise-descritiva das relaes de poder envolvidas nasprodues dos saberes; inspirando-nos em estratgias analticas da genealo ia:-----terrninologii n~~za~a orj2Q.cault ~ falar de um m~do de iE.::vestigao que busca analisar a constituio de um saber hist' rico das lutas e autilizao desse saber nas tticas atuais (FOUCAULT,2000). Para Foucault (2000,~"-" . -- - .p. 16), a "genealogia no se ope histria [00']' Ela se ope origem': Alm dis-so, "trabalha com pergaminhos embaralhados, riscados, vrias vezes reescritos"(FOUCAULT,2000, p. 15). Por isso, ela exige "a mincia do saber, um grande n-mero de materiais acumulados, exige pacincia" (FOUCAULT,2000, p. 15). O seuprograma o de fazer anlises fragmentrias e transformveis ara registrar como,istoricamente, se produzem efeitos de verdade no interior do disc~. Para isso-;-

    necessitamos de pacincia. Afinal, descrever e analisar as relaes de poder implica

    BirgitRealce

    BirgitRealce

  • CAPTULO 1 39

    na demora sobre o detalhe e na ateno s mincias, s tticas, aos exerccios, aosseus procedimentos.

    Nesse sentido, buscamos, em nossas anlises, ativar os saberes locais, des-contnuos, desqualificados, no legitimados. e relacion-los aos saberes verdadei-ros. Buscamos mapear as condies de possibilidade dos saberes e seus vnculoscom relaes de poder. Buscamos explicar a existncia e a transformao dos sabe-res, situando-os como peas das relaes de poder. Damos ateno s multiplici-dades das relaes de poder, aos conflitos e s suas disperses. Prestamos ateno,ao fazer nossas anlises, em uma microfsica do poder, em suas pequenas astcias,em suas produes (saberes, prticas, sujeitos, conflitos, raciocnios, pensamen-tos) e em suas excluses. Como o 120der "uma relao estrat ica" e no uma.-'2~riedad~' (FOUCAULT, 2009) , analisamos as manobras, as tticas e os fun-cionamentos das posies estratgicas que do efeito de conjunto a determinadasrelaes de poder em um discurso. Analisamos tambm os investimentos, os pe-quenos combates, aquilo que se afirma em um discurso, mais do que aquilo que seprobe. Enfim, analisamos-descrevendo os focos de instabilidades das relaes depoder, porque o poder possui inmeros pontos de lutas. Descrevemos-analisandoos saberes explicando suas relaes e desenvolvendo suas implicaes.

    8. MultiplJsEr! Multiplicar os sentidos de todos os textos, discursos, lingua-gens, ar~fatos que investigamos outro procedimento importante em nossas pes-quisas. Multiplicamos em nossas anlises os significados daquilo que lemos naluta para mostrar a no fixidez do significado. Multiplicamos as possibilidades dedescrio-analtica e de anlise-descritiva. Multil2licamos as diferenas para faz-Ias

    !" - -

    proliferar. Em sntese, multiplicamos para que tudo que enunciado no material deinvestigao com o qual trabalhamos em nossas diferentes pesquisas no fique para-lisado, fixo, permanente ou se torne "':Na operao do multiplicar, quando vemos oy"em operao, ~~ em seguida: ser?.....Usamos o "e" que justap~acrescenta sentidos.

    Assim, contra a prtica de destacar um ponto de vista, buscamos multiplicaros olhos e os olhares. Contra a prtica de mostrar uma perspectiva, pluralizamos asperspectivas e ampliamos os sentidos dos textos. Descartamos a existncia de umolhar mais puro, mais objetivo, mais desinteressado. Ao buscarmos os olhares maisadequados para multiplicar os sentidos, a referncia que temos apenas os cuidados

    c - -

    para no "trairmos" as bases das teorias que usamos em nossas pesquisas e para acio-narmos aquilo que mobiliza um pensamento e uma vida. Por fim, nos posicionamos

    BirgitRealce

    BirgitRealce

  • 40 METODOLOGIAS DE PESQUISAS PS-CRTICAS EM EDUCAO

    sempre de modo a concordar que os procedimentos de pesquisa que adotamos, da

    mesma forma que os textos que escrevemos, podem ser reconstrudos, remontados,

    refeitos e estaro sempre abertos a acrscimos.

    9. Poetizar! Um outro procedimento caro a nossas pesquisas que se apoiamem algumas das correntes ps - estudos culturais, ps-colonialismo, ps-feminismo,

    pensamento da diferena, estudos queer, por exemplo - e que nos possibilita inven-

    tar em nossas pesquisas educacionais a atividade potica. loetizar na pes uisa emeducao ~ulo significa p~u.!ir,labri~~r, inventar, criar sentidos novos,

    \ inditos. Significa, durante todo o trabalho de pesquisa, aguar os sentidos_ll~r-- - .,,-----sentir, escutar, falar e escrever de modo distinto. Significa tambm entrar no jogor---- -- - - - - -~ - __da disputa por produo de sentidos sem jamais perder a poesia. Significa, enfim,

    bus~Onvenes _que_ap0l!~e_1ll.ara ,!_~ertura, a transgresso, a subverso, a multi---- .. --""""" -plicao de sentidos .

    . _._---~ Pesquisar-poetizando uma alegria, uma maravilha, mas tambm uma di-

    ficuldade. uma maravilha porque nos proporciona liberdade para inspirar, juntar,

    colar, "roubar': articular, experimentar, somar, dividir, multiplicar. uma dificuldadeporque criar no fcil, romper com as imagens de pensamento j conhecidas por

    demais complexo, montar o novo, daquilo que trazemos de diferentes campos e com

    rigor, demanda coragem, ousadia, dinamicidade, abertura. Na atividade potica de

    nossas pesquisas, referncias so necessrias para juntar, articular, fazer cortes e co-

    lagens, montar mosaicos. Contudo, precisa ~com essas referncias,

    !?~;.que, sem r,uptul~!_~mE~~ye~~~i~l}. R~~!i~E_~_ex12Lor'lUloJw enCQllll.OS ositi-v~s para nossas as trajetrias do pesquisar_ e pa~Qisas vidas.

    10. ,star eE?reita! Aprendemos de Gilles Deleuze (2002) que para ocorreruma inspirao necessrio muito preparo e, sobretudo, estar permanentemente "

    espreita" de uma ideia. Isso E,2!..qgea irm2ira~~~, ~SQ~-o que po~sibilita apren-der, pode vir de qualquer lugar e em qualquer momen!,g... "Como ningum sabe an-......-_... ~ ,......_-----.--------tecipadamente os afectos de que capaz; uma longa historia de experimentao"

    (DELUZE, 1992, p. 130), necessrio estar em alerta, permanentemente e abrir-se a'""' .....--..- -- .."'... ..~---_.---- -

    en_contros com toda a sorte de signos e ling':l~g~s, na luta para que algo nos toque

    ;morosamente e nos ajude a encontrar um caminho para a inveno. As operaes

    necessrias para esse procedimento da espreita so: abertura - abrir-nos s "multi-plicidades" que nos "atravessam de ponta a ponta" e s "intensidades" que nos per-

    correm; povoao - povoar mltiplos espaos que possam acionar perceptos ("novasmaneiras de ver e ouvir") e afectos ("novas maneiras de sentir"); e agenciamento -

  • CAPTULO 1 41

    agenciar foras que possibilitam combinar heterogeneidades, ligar multiplicidades econectar pensamentos. Com o estar espreita, em sntese, podemos deixar "passaralgo" que mobilize um pensamento, encontre uma sada e produza agenciamentosdo desejo.

    Por fim, cabe destacar que, com todos esses procedimentos e estratgias depesquisas aqui discutidos, em nossas investigaes, temos que ser, por um lado, ri-gorosas e inventivas e, por outro, sem qualquer rigidez. Necessitamos ser rigorosas einventivas porque no temos qualquer grande narrativa ou mtodo que nos prescrevacomo devemos proceder, no temos qualquer percurso seguro para fazer e nem umlugar aonde chegar. Precisamos ser rigorosas e inventivas, tambm, porque temoscomo mote de nosso pesquisar a transgresso e a produo de novos sentidos para aeducao. Por outro lado, necessitamos ser abertas e flexveis; no podemos ser rgi-das em nenhum instante dessa pesquisar, porque E-recisamosestar sempre abertas a

    -'- -----modificar, (re)fazer, (re)organizar, (re)ver, (re)escrever tudo aquilo que vamos signi-ficaiido aolongo da'rrossrrinvestigao. A inquiet conS:;;e, a experimenta-~:'os (re)arranjos, o refazer, o retomar inmeras vezes parte do nosso modo de fazerpesquisa. Afinal, como to bem sintetizou Foucault, "aqueles para quem esforar-se,comear, experimentar, enganar-se, retomar tudo de cima a baixo e ainda encontrarmeios de hesitar a cada passo, aqueles para quem, em suma, mantendo-se em reservae inquietao equivale a demisso, pois bem, evidente que no somos do mesmoplaneta" (FOUCAULT,1986, p. 12).

    PESQUISAR "LANANDO-NOS ALM DE NS MESMAS"

    As metodologias das pesquisas ps-crticas, como procurei mostrar nestecaptulo, so constru das , fabricadas, ressignificadas, inventadas. Ao construirmosnossas metodologias sabemos que podemos usar os procedimentos e as prticas deinvestigao que j sabemos ou conhecemos, mas no podemos ficar prisioneirasdessas prticas. Ento, ateno, para no ficarmos prisioneiras tambm dessas pre-missas, dos pressupostos e dos procedimentos e estratgias de descrio e anliseaqui sintetizados e discutidos. No podemos ficar refns dos procedimentos de pes-quisa que dominamos e que muitas vezes nos dominam. Seguir um caminho por de-mais conhecido dificulta que saiamos do seu traado prvio. Isso dificulta a prtica deinterrogar, dificulta o movimento de ida e volta ou a prtica de entrar e sair, to im-portantes para a ao de ressignificar, que fundamental nas pesquisas ps-crticas.

  • 42 METODOLOGIAS DE PESQUISAS POS-CRTICAS EM EDUCAO

    Conduzir uma pesquisa de modo seguro, usando cada procedimento que conhe-cemos com rigidez aceitar tambm que essa segurana estreita as possibilidades decaminhos a percorrer, dificulta a ampliao do olhar, inibe as possibilidades de multi-plicao das perspectivas e dificulta os processos de inveno. Por isso, uma prticaextremamente importante nas metodologias de pesquisas ps-crticas ressignificar asprticas existentes e inventar nossos percursos com base nas necessidades traz idas peloproblema de pesquisa que formulamos. preciso traar linhas que fujam da fixidez,interrogar o que j conhecemos, estarmos abertas a rever, recomear, ressignificar ouincluir novos pontos de vista. necessrio, em sntese, numa inspirao nietzschiana,"lanar-nos alm de ns" mesmas/os, para que algo novo possa aparecer.

    Trabalhar com metodologias de pesquisas ps-crticas movimentarmo-nos constantemente para olharmos qualquer currculo, qualquer discurso comouma inveno. Isso instiga-nos a fazer outras invenes e a "pensar o impensado"nesse territrio. A pesquisa ps-crtica em educao aberta, aceita diferentes tra-ados e movida pelo desejo de pensar coisas diferentes na educao. Gosta deincorporar conceitos, de "roubar" inspiraes dos mais diferentes campos tericospara expandir-se. Por ser to aberta, quer expandir suas anlises para diferentestextos para produzir novos sentidos, expandir, povoar e contagiar. O que importa,em sntese, movimentar-se sempre para a dissoluo das formas. Afinal, sempreque se instaura uma forma que divide e classifica, " porque um poder se infiltrou"(GAUTHIER, 2002, p. 149).

    Existem muitas entradas para as pesquisas ps-crticas em educao e em cur-rculo. Podemos adentrar nesse territrio por diferentes trajetos, desde que observadasalgumas precaues necessrias. Gostamos muito de entrar nesse territrio pelo ca-minho da expanso, e percorrer a sua fora de proliferao. Isso porque acreditamosno potencial dessas pesquisas para desarrumar e desmontar o que j foi pensado naeducao e, a partir da, criar, inventar, multiplicar, proliferar, contagiar ... Acreditamosque possvel traar possibilidades de - na pesquisa em educao e em currculo - en-contrarmos estratgias para fugir dos sistemas de pensamento que lhes do base e abriros corpos para outras imagens de pensamento. Desfazer os pensamentos que cortam,separam, hierarquizam e operacionalizar outros pensamentos na educao e no curr-culo que possam indicar traados de caminhos diferentes na vida.

  • CAPTULO 1 43

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