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1 RI 391.2/14 COMUNIDADES QUILOMBOLAS DO VALE DO RIBEIRA E O PROGRAMA BRASIL QUILOMBOLA – PBQ PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE IGUAPE COMUNIDADE QUILOMBOLA: MORRO SECO e ALDEIA Tendo em vista a solicitação do Núcleo de Políticas públicas do Ministério Público do estado de São Paulo - estudo sobre as condições sociais das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, com vistas a identificar quais ações do Programa Brasil Quilombola (PBQ) podem ser viabilizadas na região – apresentamos relatório técnico elaborado pelo Núcleo de Assessoria Técnica Psicossocial do Vale do Ribeira a respeito das comunidades de remanescentes de quilombos Morro Seco e Aldeia. Promotoria de Justiça de Iguape: A cidade de Iguape é considerada uma das estâncias balneárias do estado de São Paulo e o maior município por aérea. Com população de aproximadamente 30 mil habitantes, seu grau de urbanização atinge cerca de 85,6%, foram registrados 5.354 domicílios em área urbanizada e 1.233 na área rural. Com a maioria da população rural formada por homens, o munícipio possui atualmente duas comunidades quilombolas reconhecidas, Aldeia e Morro Seco, localizadas cerca de 24 km e 85 km do centro urbano respectivamente.

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RI 391.2/14

COMUNIDADES QUILOMBOLAS DO VALE DO RIBEIRA E O

PROGRAMA BRASIL QUILOMBOLA – PBQ

PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE IGUAPE

COMUNIDADE QUILOMBOLA: MORRO SECO e ALDEIA

Tendo em vista a solicitação do Núcleo de Políticas públicas do

Ministério Público do estado de São Paulo - estudo sobre as condições

sociais das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, com vistas a

identificar quais ações do Programa Brasil Quilombola (PBQ) podem ser

viabilizadas na região – apresentamos relatório técnico elaborado pelo

Núcleo de Assessoria Técnica Psicossocial do Vale do Ribeira a respeito

das comunidades de remanescentes de quilombos Morro Seco e

Aldeia.

Promotoria de Justiça de Iguape:

A cidade de Iguape é considerada uma das estâncias balneárias do

estado de São Paulo e o maior município por aérea. Com população de

aproximadamente 30 mil habitantes, seu grau de urbanização atinge cerca

de 85,6%, foram registrados 5.354 domicílios em área urbanizada e 1.233 na

área rural.

Com a maioria da população rural formada por homens, o munícipio

possui atualmente duas comunidades quilombolas reconhecidas, Aldeia e

Morro Seco, localizadas cerca de 24 km e 85 km do centro urbano

respectivamente.

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Número da população residente, por situação do domicílio e sexo,

segundo IBGE1 2010, informado abaixo:

Munic. Total Total

Urbana

Total

Rural

Homens

Total

Homens

Urbana

Homens

Rural

Mulheres

Total

Mulheres

Urbana

Mulheres

Rural

Iguape 28841 24687 4154 14462 12230 2232 14379 12457 1922

A promotoria de justiça de Iguape conta com dois promotores de

justiça, é localizada no Cento da cidade e não possui sede própria,

funcionando junto ao fórum.

No mapa do índice Paulista de Responsabilidade Social – IPRS, que

avalia dados de riqueza, escolaridade e longevidade Iguape foi classificada

Iguape como pertencente ao grupo 3 - municípios com baixos níveis de

riqueza, mas bons indicadores de longevidade e escolaridade.

Programa Brasil Quilombola:

“O Programa Brasil Quilombola foi lançado em 12 de março de 2004,

com o objetivo de consolidar os marcos da política de Estado para as áreas

quilombolas. [...] A coordenação geral do Programa é de responsabilidade da

SEPPIR, que atua em conjunto com os 11 ministérios que compõem o seu

Comitê Gestor.

A Gestão Descentralizada do PBQ ocorre com a articulação dos entes

federados, a partir da estruturação de comitês estaduais. Sua gestão

estabelece interlocução com órgãos estaduais e municipais de promoção da

igualdade racial (PIR), associações representativas das comunidades

quilombolas e outros parceiros não governamentais.

As ações são divididas em 4 eixos, como segue: “2Eixo 1: Acesso a Terra

– execução e acompanhamento dos trâmites necessários para a

1 http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?dados=21&uf=35

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regularização fundiária das áreas de quilombo, que constituem título coletivo

de posse das terras tradicionalmente ocupadas. O processo se inicia com a

certificação das comunidades e se encerra na titulação, que é a base para a

implementação de alternativas de desenvolvimento para as comunidades,

além de garantir a sua reprodução física, social e cultural; Eixo 2: Infraestrutura

e Qualidade de Vida – consolidação de mecanismos efetivos para destinação

de obras de infraestrutura (habitação, saneamento, eletrificação,

comunicação e vias de acesso) e construção de equipamentos sociais

destinados a atender as demandas, notadamente as de saúde, educação e

assistência social; Eixo 3: Inclusão Produtiva e Desenvolvimento Local - apoio

ao desenvolvimento produtivo local e autonomia econômica, baseado na

identidade cultural e nos recursos naturais presentes no território, visando a

sustentabilidade ambiental, social, cultural, econômica e política das

comunidades; Eixo 4: Direitos e Cidadania - fomento de iniciativas de garantia

de direitos promovidas por diferentes órgãos públicos e organizações da

sociedade civil, estimulando a participação ativa dos representantes

quilombolas nos espaços coletivos de controle e participação social, como os

conselhos e fóruns locais e nacionais de políticas públicas, de modo a

promover o acesso das comunidades ao conjunto das ações definidas pelo

governo e seu envolvimento no monitoramento daquelas que são

implementadas em cada município onde houver comunidades

remanescentes de quilombos.”

2 http://www.seppir.gov.br/

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A Comunidade Quilombola Morro Seco:

De acordo com o Diário Oficial Poder Executivo - Seção I – de 16 de

março de 2006, no qual foi publicado o parecer da assistência especial de

quilombos do ITESP em seu Relatório Técnico Cientifico abordou a gênese

daquela comunidade: a “fundação da comunidade Morro Seco não

obedece a critérios encontrados em outras comunidades de quilombos nas

quais já trabalhamos. Nestas, via de regra, há um ancestral fundador,

geralmente reconhecido como ex-escravo [...] e não apresentam nenhuma

história a respeito de como seus antepassados chegaram à área em que

nasceram e vivem até agora”.

Com uma área de 164.686,9 ha, Morro Seco está situado na região

limítrofe entre os municípios de Iguape e Juquiá sendo que seu acesso mais

facilitado se dá no Km 419 da BR-116, à direita no sentido Curitiba/São Paulo

adentrando aproximadamente 5 Km em estrada de terra.

De acordo com fontes secundárias de pesquisa “no ano de 2011 a

Comunidade contava com 22 famílias, totalizando 85 pessoas. Mais da

metade da população tinha idade entre 19 e 60 anos; havia 16 crianças com

até 12 anos e; 14 idosos com mais de 60. A escolaridade da maior parte das

pessoas era o ensino fundamental incompleto, até a 4ª série. Nos extremos,

apenas uma pessoa teve acesso ao ensino superior e seis não são

alfabetizados”.

Durante nossa visita, fomos recebidos por um grupo moradores, alguns

idosos (na sua maioria irmãos) o que representou bem a situação de

envelhecimento daquela população.

É importante salientar sobre a relevância da presença dos mais velhos,

impulsionadores da preservação das práticas culturais presente na história da

comunidade quilombola. Morro Seco é reconhecido por preservar suas festas,

além da prática do fandango.

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Comunidade Morro Seco e as políticas públicas para comunidades

quilombolas:

Logo no início de nosso encontro, a população foi taxativa ao

demonstrar que o poder público mantem sazonalidade especifica em sua

aproximação com aquela população - seus representantes passam a ter

maior frequência na comunidade durante as campanhas eleitorais, contudo

passado esse período é certo o seu distanciamento, dificultando o

atendimento das reivindicações ou a garantia dos direitos da comunidade.

Eixo I – Acesso à Terra:

Esse eixo foi criado pelo Programa Brasil Quilombola no intuito de

acompanhar a execução dos “trâmites necessários para a certificação e

regularização fundiária das áreas de quilombo, que constituem título coletivo

de posse das terras tradicionalmente ocupadas”.

A partir de alguns levantamentos bibliográficos foi possível perceber que

há um longo caminho a ser percorrido quando a comunidade remanescente

tem a pretensão de regularizar e titularizar suas terras.

A comunidade Morro Seco teve seu reconhecimento pelo ITESP, a partir

Diário Oficial Poder Executivo - Seção I – de 16 de março de 2006. E quatro

anos mais tarde de acordo com a portaria de nº 595 de 23 de setembro de

2010, publicada no DOU pg. 700, o INCRA reconhecia e declarava como

terras Remanescentes de Quilombos a comunidade “São Miguel Arcanjo do

Morro Seco” no município de Iguape. Ainda segundo noticia publicada no

portal do Incra no dia 10 de outubro daquele mesmo ano:

“Publicado o reconhecimento, o próximo passo será a edição do

decreto de desapropriação para que o Incra possa retirar do local cerca de

30 posseiros e titular as terras em nome da associação dos moradores do

quilombo. A titulação é uma garantia contra o processo de especulação

imobiliária e o risco de fragmentação do território quilombola”

Quando questionados, os moradores relataram que a preocupação

com os terceiros não se dá por conflitos diretos, mas porque a maior parte da

área do quilombo e as melhores terras para a agricultura ainda se encontram

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sob seus domínios, o que impossibilita a implantação de alguns projetos da

comunidade.

Por outro lado, a comunidade disse entender a situação de

insegurança que os posseiros estão vivenciando, pois desde 2012 o oficial de

justiça convocou-os para resolver os trâmites referentes às indenizações, mas

até hoje a pecúnia não foi recebida. A morosidade em resolver esta questão

tem prejudicado ambas as partes, pois se por um lado os quilombolas têm

uma pequena faixa de terra para plantarem, por outro os terceiros temem

plantar e terem de sair de uma hora para outra perdendo sua produção.

Eixo II: Infraestrutura e qualidade de vida:

O eixo infraestrutura e qualidade de vida envolve as seguintes ações:

saneamento básico, acesso a água para consumo e produção, programa de

habitação, acesso a energia elétrica. Ressaltamos que uma vez que a

comunidade quilombola é localizada em área rural, há dificuldades de acesso

a bens e serviços comuns às demais famílias rurais.

Esgoto: O Programa de Aceleração do Crescimento – PAC

No Guia de Políticas Públicas PBQ: As ações são programadas

anualmente, em função da disponibilidade orçamentária para cada exercício

e considerando prioridades de governo. A seleção de comunidades

quilombolas a serem contempladas na programação é feita com base nas

informações de demandas prestadas pela SEPPIR à Funasa. A Funasa tem

priorizado o atendimento de demandas dos municípios que possuem projetos

técnicos de engenharia elaborados. Os municípios encaminham suas

demandas às Superintendências Estaduais da Funasa ou à SEPPIR.

No que tange o saneamento, a comunidade lembra que há mais de

dezesseis anos os técnicos da FUNASA estiveram presentes e numeraram as

casas para implantar o sistema de saneamento e nunca mais voltaram. Assim,

o esgoto ainda é mantido por fossa negra, construída pelos próprios

moradores.

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Segundo eles, também não há coleta de lixos implantada, sequer

propostas para esta realização, como consequência os moradores se vêem

obrigados a queimarem o lixo que produzem.

Destacamos a importância da presença de técnicos para orientação e

apoio para a elaboração de projetos de engenharia, como mencionado

acima no PAC, para a concretização de alternativas mais saudáveis de

descarte de dejetos. Notamos o interesse em formas mais limpas para o

destino do esgoto, com o intuito de proteger o meio ambiente e a saúde da

comunidade, como as fossas sépticas, entretanto eles salientaram dificuldades

em arcar com os custos que seriam gerados.

A escola municipal localizada na comunidade quilombola também

utiliza fossa negra, e ao que tudo indica a prefeitura não mantém a

manutenção e limpeza da fossa com periodicidade.

A comunidade recebeu um projeto de captação de água da serra

elaborado e implantado pelo ITESP, que foi estendido para o uso dos terceiros

que vivem próximos. Os moradores ainda falaram que além desta fonte,

existem outras fontes de águas menos puras que eles próprios implantaram,

porém como estas fontes não são tratadas acabam sendo utilizadas para

outros fins.

Habitação: Habitação Rural/ Minha Casa Minha vida “Trabalhadores rurais e

agricultores familiares, com renda familiar bruta anual máxima de R$ 15.000,00,

que comprovem enquadramento no Programa Nacional de Fortalecimento

da Agricultura Família (Pronaf), mediante apresentação de Declaração de

Aptidão ao Pronaf (DAP), e trabalhadores rurais com renda familiar bruta

anual máxima de R$ 15 mil. São também beneficiários do Programa e se

enquadram como agricultores familiares: pescadores artesanais, extrativistas,

silvícolas, aquicultores, maricultores, piscicultores, ribeirinhos, comunidades

quilombolas, povos indígenas e demais comunidades tradicionais. Os projetos

que atendem comunidades quilombolas são priorizados. O Trabalhador Rural

ou Agricultor Familiar procura uma entidade organizadora para que esta

constitua grupos e apresente as propostas a CAIXA; pode ser representada por

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cooperativa, associação, sindicato ou poder público (Estado, Município e

Distrito Federal).”

A comunidade também participou do projeto com a organização não

governamental “Madre Terra”, um agente denominado Artur visitou a

comunidade, tomou cópias dos documentos de alguns moradores, tirou fotos

e após darem entrada no financiamento a entidade deixou de prestar

assistência - não dão qualquer resposta em relação ao andamento do

financiamento.

Diferentemente de outras comunidades, o Morro Seco ainda não

começou a receber as cobranças dos financiamentos realizados, mas eles

não sabem dizer se isso vai acontecer ou não. As casas que existem hoje em

dia foram construídas por eles, em sistema de mutirão com recursos próprios.

Luz: Programa Luz para Todos/ Tarifa Social “O morador do meio rural

que ainda não tem energia elétrica em casa e não fez o pedido da luz, e

desde que se enquadre nos critérios de atendimento do Programa, devem se

dirigir à distribuidora local para cadastramento.

Tarifa social: As famílias indígenas e remanescentes de quilombos

inscritas no Cadastro Único e que tenham renda familiar por pessoa menor ou

igual a meio salário mínimo, terão direito a desconto de 100% até o limite de

consumo de 50 kWh/mês”.

Os moradores de Morro Seco relataram que receberam a rede de

energia através do programa Luz da Terra do governo federal, mas nenhuma

família recebe o beneficio da Tarifa Social de Energia Elétrica, apesar de

alguns serem cadastrados no CadÚnico.

Eixo III – Desenvolvimento Local e Inclusão Produtiva:

“O eixo desenvolvimento local e inclusão produtiva do Programa Brasil

Quilombola abarca as ações de fomento produtivo sustentável junto às

organizações das comunidades quilombolas. As ações desenvolvidas nesse

eixo são efetivadas por parcerias com o poder público e organizações da

sociedade civil.”

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Declaração de Aptidão (DAP) ao PRONAF - Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar.

A DAP “é o instrumento que identifica os agricultores familiares e/ou

suas formas associativas organizadas em pessoas jurídicas, aptos a realizarem

operações de crédito rural ao amparo do Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, em atendimento ao

estabelecido no Manual de Crédito Rural MCR, do Banco Central do Brasil,

Capítulo 10, Seção 2, no inciso V é posto “Quilombolas que pratiquem

atividades produtivas agrícolas e/ou não agrícolas, de beneficiamento e

comercialização de seus produtos” também fazem jus a esta modalidade de

financiamento.

O Guia de Políticas Públicas do PBQ (2013) esclarece que a DAP é um

documento obrigatório para se acessar as linhas de crédito. Elencando os

requisitos necessários para se conseguir este financiamento.

Atualmente a comunidade do Morro Seco não procurou meios de

adequação para receber o PRONAF, contudo aquela população vem

buscando outros tipos de parcerias que têm surtido maior significado na sua

produção. O projeto que está mais adiantado é o de Agricultura Tradicional

intermediado pelo ISA (Instituto SocioAmbiental) – projeto co-financiado pela

Fundação Interamericana – que já está com a segunda parcela do

financiamento liberada para a reforma da quadra, barracão comunitário e

para o resgate e o fomento da roça tradicional (arroz, mandioca, feijão, milho

banana e hortaliças). Há também o projeto Micro Bacias II que está em fase

de implantação, faltando apenas a oficialização da conta corrente para que

a verba seja liberada.

Os moradores mais velhos ressaltaram que um dos intuitos desses

projetos é primordialmente trazer os jovens de volta e estimular a sua

permanência na comunidade, por meio de trabalhos que possibilitem a

prosperidade e a dignidade, além de preservar a tradição que é

característica daquela população.

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No que tange a questão das roças, a comunidade tem desenvolvido

seus trabalhos agrícola em áreas que já são usadas para plantação há muito

tempo, mediante autorização da CETESB, todavia afirmaram que há certa

demora na demarcação para o desmatamento.

Assistência Técnica e Inclusão rural Quilombola – ATER

“O Ministério do Desenvolvimento Agrário, a partir do serviço de

Assistência Técnica e Extensão Rural, busca estimular o desenvolvimento

etnosustentável das comunidades quilombolas com apoio à produção

diversificada, seu beneficiamento e comercialização, gestão do território,

fortalecimento das formas de organização e conhecimentos tradicionais.

Como participar: As instituições são selecionadas por meio de chamada

pública que, mediante equipes especializadas, prestarão atendimento aos

agricultores familiares. Os territórios quilombolas priorizados são definidos pelos

MDS, MDA, SEPPIR e FCP.”

A ATER é um importante recurso para as comunidades

quilombolas já que a atuação possibilita o acesso às políticas públicas através

de apoio técnico, sendo está uma solicitação recorrente na fala dos

quilombolas ouvidos. A necessidade de intervenção técnica e apoio nos

procedimentos burocráticos para o acesso a um determinado direito está

entre as reivindicações dos moradores da comunidade, principalmente entre

aqueles que tentam viver da produção agrícola.

A comunidade ressaltou que dispõem de assistência dos órgãos

governamentais já consolidados como o ITESP e a CATI, mas também dispõem

de excelentes colaborações das Instituições do ISA e MOAB para auxiliarem na

elaboração e manutenção de projetos agroecológicos e socioambientais.

Segundo eles, a CATI está ajudando na implantação do projeto do

MICROBACIAS II.

Foi ressaltado ainda que o auxílio técnico da CATI também se faz

através de cursos de insumos, adubação, manutenção de lavoura e etc.

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Eixo IV: direitos e cidadania

“As políticas situadas no Eixo Direitos e Cidadania, do Programa Brasil

Quilombola, visam o fortalecimento dos direitos das comunidades quilombolas,

a partir do acesso à políticas públicas de saúde, educação assistência social,

previdência, fortalecimento institucional, dentre outras.”

Saúde:

De acordo com a prefeitura a área pertence ao ESF Itimirim 2, faz divisa

com Juquiá e recebe a equipe estratégia saúde da família uma ou duas vezes

ao mês, dependendo da necessidade.

A Equipe é completa, conta com agente de saúde morador do morro

seco, atende em um ponto recentemente reformado pela comunidade, com

material comprado pela prefeitura. O atendimento foi iniciado em 2005 e a

unidade base, que leva o n° do CNES, fica localizada na Rodovia Casemiro

Teixeira km 17, aproximadamente 20 km do quilombo morro seco. Pela

dificuldade de acesso normalmente a população é atendida, no caso de

emergência, no PS de Juquiá.

De acordo com a comunidade há um posto de saúde, o qual foi

erguido através de mutirão, com o auxilio da igreja católica que cedeu boa

parte do material. O prédio já existe há mais de três décadas, porém ficou por

muitos anos desativado, devido ao desgaste natural da estrutura e, apenas há

pouco tempo a comunidade se reorganizou para reformá-lo com o intuito de

receber a nova médica que viria atendê-los. Segundo os moradores, a

prefeitura apenas cedeu algumas carteiras escolares para serem usadas

como escrivaninhas pela agente de saúde e auxiliar de enfermagem e um

banco de espera para os usuários.

Foi levantado que é preciso a reorganização do posto que além de ser

muito pequeno, ainda tem uma sala ocupada por materiais que não estão

em uso. Dificultando a utilização adequada de seu pouco espaço.

Os moradores lembraram que a primeira médica que veio com o

Programa Mais Médicos fazia os atendimentos da comunidade no barracão

comunitário, um espaço aberto (sem divisórias) e só passou a atender no posto

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quando a população se uniu para reformá-lo ao perceber que a prefeitura

não tomaria a frente desse projeto.

Segundo os entrevistados, a médica atual é cubana, o que dificulta um

pouco sua comunicação, mas esse fator é amenizado pela atenção que a

profissional dedica a todos. O atendimento clínico ocorre uma vez ao mês e

há a realização de visitas aos idosos.

Os moradores ressaltam que a profissional tem mantido assiduidade e

que às vezes em que ela precisou se ausentar foi em decorrência à falta de

transporte da prefeitura.

Foi explicado que os atendimentos de rotina intercalam os pacientes

mês a mês para que todos possam ter acesso ao serviço.

A agente de saúde reside próximo à comunidade e faz visitas regulares,

para levantar as demandas a respeito da saúde da população, marcar e

lembrar aos moradores os dias das consultas, e quando a médica está

atendendo a agente sempre procura acompanhá-la para auxiliá-la.

Ainda não existe um programa de saúde bucal implantado na

comunidade. Foi dito que na escola já houve algumas ações, como ensinar as

crianças a fazerem a higiene bucal adequada.

No que tange o atendimento de saúde emergencial os moradores do

Morro Seco contaram que são atendidos pelo serviço de Juquiá, sem

restrições pela questão de municipalidade, todavia quando se trata de

atendimentos de rotina o impedimento passa ser maior, culminando com a

dificuldade do deslocamento até o a zona urbana de Iguape, muitas vezes os

cidadãos perdem suas consultas por não conseguirem chegar a tempo,

resultando na perda de exames e na demora em obter novas vagas em

consultas ou receber algum diagnóstico e tratamento.

Educação:

De acordo com o município a escola quilombola - EMEIF Bairro Morro

Seco é vinculada a EMEIF Prof. José Luiz de Aguiar (localizada a 19 km da

comunidade), com 16 alunos atualmente matriculados, sendo 08 alunos na

educação infantil e 08 alunos no ensino fundamental em caráter multiseriado.

Os alunos do ensino fundamental são matriculados na unidade escolar de

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Morro Seco e os do infantil são matriculados na escola vinculadora. A escola

quilombola dispõe de um professor que atende no período das 7h às 12h. O

transporte escolar é fornecido pelo município. A merenda escolar e produtos

de higiene e limpeza são disponibilizados pela prefeitura semanalmente. Uma

dificuldade encontrada é a condição da estrada que está precária.

Atualmente uma nova equipe assumiu o departamento municipal de

educação e foi afirmada a intenção de maior entrosamento e aproximação

às demandas das famílias quilombolas.

Segundo os moradores, a escola foi construída pelo prefeito Carlos

Fausto (1964-69) no tempo da campanha e a pouco mais de três anos foi

reformada.

O professor vem de Iguape, mas devido à dificuldade no acesso pelas

condições da estrada, são constantes as ausências, nos últimos tempos a

própria comunidade vem tentado contornar este problema com o trabalho

de uma moradora que substitui o professor quando ele falta. Todavia, não é

sempre que ela pode e muitas vezes as crianças ficam sem aula.

Essa inconstância gerou certa insegurança em alguns pais quanto à

frequência do professor, fazendo com que estes preferissem matricular seus

filhos em escolas regulares de Juquiá. Esta situação tem gerado atrito entre

aqueles que querem manter a escola rural funcionando e aqueles que

preferem abandoná-la.

Por fim, foi dito que o professor não tem muita integração com o

restante da comunidade, para além dos muros da escola, dificultando seu

trabalho no equipamento de ensino que deveria fomentar a cultura

quilombola.

Sobre a merenda, foi dito que geralmente as mães das crianças

revezam para o preparo da alimentação.

No tocante ao transporte escolar, foi levantado que a Ponte no Rio do

Braço ficou por anos apenas na estrutura, impossibilitando que os ônibus

transitassem por aquele caminho, impedindo de levarem as crianças à escola.

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Isso acabava obrigando alguns alunos que moram mais distantes a

caminharem longos trechos para chegarem à escola.

Ao que tange a Educação de Jovens, é a prefeitura de Juquiá que

cede o transporte para educação da população dessa faixa etária.

Contudo, não existem jovens inseridos em programas profissionalizantes como

o PRONATEC. Os entrevistados sequer sabiam da existência desta

possibilidade.

Segundo os moradores, o transporte escolar tem utilizado veículos

razoáveis, não tão precários quanto os de antigamente.

Assim como em outras comunidades, há um êxodo da população

jovem rural em busca de emprego e melhores condições de vida nos centros

urbanos.

Assistência Social:

Os moradores revelaram que a assistência social do município nunca

fez busca ativa na comunidade. Contudo, a maior parte das famílias recebe o

benefício do programa social do Bolsa Família. Segundo um dos moradores, o

cadastramento das famílias foi realizado na Assistência Social de Iguape, mas

atualmente as suas referências estão no cadastro único em Juquiá.

Comunicação:

A comunidade dispõe de um orelhão instalado há pouco mais de três

anos, mas devido a falta de manutenção o aparelho está quebrado, o que

impossibilita seu uso.

Quanto o acesso de dados e internet receberam um computador do

GESAT, mas está sem atualização do sistema, o que impossibilita seu uso

adequado.

O sinal de celular melhorou consideravelmente nos últimos anos, alguns

moradores até desativaram suas antenas de retransmissão.

Estradas:

A estrada que liga a comunidade à zona urbana de Iguape está em

constante estado de precarização, segundo os moradores a prefeitura

demora muito tempo para mandar equipes e máquinas para a manutenção

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minimamente necessária, como aplainar e cascalhar as vias evitando erosão

nas épocas chuvosas.

O problema no acesso acaba afetando outros serviços, como

educação, saúde e transporte.

A comunidade lembrou que na gestão de Ariovaldo (2005) já haviam

unido representantes para poderem reivindicar o mínimo de melhoria na

estrada e assim terem condições de acesso à cidade, ao que o prefeito

alegou que as máquinas estavam quebradas há alguns meses em outra parte

da zona rural.

Em 2012, novamente alguns representantes da comunidade realizaram

uma audiência com o prefeito eleito à época, para cobrar melhorias

prometidas nas campanhas e novamente não obtiveram sucesso.

Alguns representantes da administração e dos vereadores se

comprometeram a verificar de perto as precariedades que a comunidade

estava reclamando, contudo nunca apareceram, alegando a dificuldade no

acesso, pois a comunidade encontrava-se muito distante.

Considerações:

A partir da visita na comunidade de remanescentes de quilombos e dos

dados levantados acerca execução das políticas elencadas pelo Programa

Brasil Quilombola foi possível visualizar algumas dificuldades enfrentadas pela

comunidade. O PBQ é o resultado de esforços de muitos agentes que

viabilizaram e estimularam o Estado a promover ações que insiram os

quilombos dentro do público prioritário para o acesso a determinadas políticas

públicas, sendo um marco importante a essas populações.

Por outro lado, notamos que algumas questões permanecem

constituídas como dificultadoras para a reprodução da cultura quilombola,

culminando para novos arranjos diante da realidade atual. Por se encontrar

em uma das áreas mais distantes do centro urbano de Iguape, a comunidade

do Morro Seco sente-se ainda mais vulnerabilizada em relação ao acesso a

esses direitos.

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Também fica evidente a preocupação acerca do lugar dos jovens no

seio da comunidade, pois suas saídas estão acontecendo cada vez mais

cedo em busca de emprego e renda nos centros urbanos, levando a um

esvaziamento e um envelhecimento populacional progressivo, como pode ser

percebido durante o encontro. Entretanto, é possível perceber a manutenção

da cultura quilombola através do envolvimento constante dos mais velhos.

Por isso é fundamental o alinhamento de programas que

profissionalizem a atuação no campo e possam proporcionar condições paras

os jovens poderem retornar à comunidade. Ao passo que o fortalecimento da

educação no quilombo a partir do equipamento escolar, que já existe na

comunidade, e o estimulo à educação que contemple traços da cultura

quilombola e que fomente ações com metodologias específicas, voltadas à

realidade do campo e com conteúdos curriculares que favoreçam a

interação entre os conhecimentos científicos e os saberes das comunidades,

formando jovens empoderados sobre as histórias do contexto em que vivem.

Por isso também é importante que o professor que atue naquele

equipamento se identifique com a população quilombola, para que sua

atuação não seja pontual e estanque, assim possa criar condições para que a

integração dos saberes ocorra de fato.

Sobre a Assistência Social, é importante destacar que as ações não

deveriam findar apenas na concessão de Bolsa Família, o CRAS que referencia

aquela comunidade deveria propor e fomentar atividades com a população,

levantando as demandas latentes e o mapeamento do território para que

possam pensar juntos em ações de fortalecimento e desenvolvimento social.

No tocante à saúde, pode-se observar que a atenção básica alcança

o quilombo através da Estratégia de Saúde da Família. Por ser uma

comunidade rural, afastada, o Morro Seco enfrenta os mesmos problemas de

outros bairros rurais. O atendimento in loco acaba sendo restringido a apenas

uma vez por mês, os moradores têm maiores dificuldades de utilizarem os

serviços de saúde básica de Juquiá, que seria geograficamente mais próximo,

ao mesmo tempo em que há uma dificuldade maior em chegarem ao centro

urbano de Iguape devido a distancia e as condições da estrada.

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Muitas vezes o atendimento das ambulâncias é dificultado pelas

condições da estrada, o que pode aumentar ainda mais a demora no

atendimento, mas segundo foi confirmado pelos moradores, ele acontece.

Sobre o programa de saúde bucal, ficou claro que é preciso que as

ações não sejam apenas pontuais. Deveria haver o planejamento como a

reforma do prédio onde funciona o posto de saúde para ceder lugar a um

profissional de odontologia, proporcionando um ambiente propício para as

ações de prevenção e educação em saúde bucal, indo além da escovação.

Tratar da questão da garantia de direitos por uma determinada

população parece ser um trabalho árduo à primeira vista. Mas com o

decorrer do trabalho, e com o olhar atento foi possível notar que a falta de

acesso a bens de consumos básicos e a direitos sociais criam na população

que está e à margem, excluída pelo mercado e pelo Estado, sensações de

desânimo e impotência no enfrentamento das dificuldades cotidianas.

No que tange a Comunidade Morro Seco foi percebido que a mesma

possui fortalecido o orgulho da história quilombola, presente nos contos dos

mais velhos, no fandango e em outras atividades culturais existentes. É

importante o apoio técnico para que as ações planejadas pela comunidade

possam ser amparadas, fazendo com que o estado atue em favor daqueles

que lutam para que os quilombos possam sobreviver em meio à negação dos

seus direitos. Sendo de suma importância a parceria de todos, inclusive o

sistema de justiça no fortalecimento da conquista e manutenção desses

direitos. Culminando em no seu protagonismo enquanto cidadãos, e

comunidade.

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A Comunidade Quilombola Aldeia:

Foi realizada visita à comunidade quilombola Aldeia, para ter acesso ao

local foi necessário percurso em estrada de terra e uso de barco,

agradecemos a disponibilidade dos moradores para que a visita fosse

concretizada.

A comunidade Aldeia, em Iguape, é a que detém o maior lote territorial

(7.350 hectares). À beira do Rio Una, na divisa com a Estação Ecológica da

Jureia. Atualmente lá vivem aproximadamente 22 pessoas, segundo relato.

De acordo com o relatório técnico cientifico do ITESP: “O núcleo de

moradias da comunidade Aldeia dista 24 km do centro urbano de Iguape. São

11 km asfaltados pela Rodovia Prefeito Casemiro Teixeira (que liga Iguape à

Rodovia Régis Bittencourt) e 13 km pela estrada do Embu (ou Umbu). Na

estrada do Embu, são 9 km de estrada ‘cascalhada’ e 4 km que foram

cobertos pela vegetação, só vencidos por meio de veículo com tração. Ao

chegar ao ponto final da estrada, ainda é preciso atravessar o Rio Una para

enfim chegar à margem da Aldeia. A outra maneira de se chegar à

comunidade é seguir pela estrada do Embu percorrendo os 9 km de estrada

‘cascalhada’, alcançar o ‘portinho’ da Agroeste e seguir de barco pelo Rio

Uma da Aldeia por aproximadamente 20 minutos. O núcleo é composto por

dezessete residências, Igreja e escola. Apenas sete residências são habitadas

em tempo integral. A Escola Municipal está desativada há 20 anos, fato que

ocasionou uma maciça migração da população em direção ao centro

urbano do município.”

Fomos recebidos por integrantes da associação da comunidade, houve

uma conversa a respeito das formas de vida, dificuldades encontradas e

modos de superação adotados coletivos ou individuais.

A partir das informações colhidas dentro da comunidade e em contato

com os departamentos municipais, o relatório pretende apontar pontos

significativos para os interesses da missão institucional do Ministério Público do

estado de São Paulo.

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De acordo com os moradores entrevistados, existem 17 famílias ligadas

ao território quilombola, entretanto, não são todos que residem no quilombo,

devido aos motivos que serão apontados no presente documento, muitos

moradores optam por morar próximo à urbanização.

Comunidade Aldeia e as políticas públicas para comunidades quilombolas:

Durante a visita à Comunidade Remanescente de Quilombo Aldeia foi

possível abordar algumas questões acerca das percepções de seus

moradores ao acesso a bens sociais, a partir da execução das políticas

públicas, mais especificamente em relação àquelas reunidas no plano de

ação do Programa Brasil Quilombola. Entretanto, a conversa foi guiada

através das falas dos moradores, assim notamos maior ênfase na área de

saúde e a importância da estrada para o acesso à cidade.

Para formalizar o presente documento, foi pensada a sistematização

das informações colhidas na mesma dinâmica do documento elaborado pela

Secretaria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial, a SEPPIR. Deste

modo, os assuntos serão divididos em grandes eixos temáticos – (I) acesso a

terra; (II) infraestrutura e qualidade de vida; (III) desenvolvimento local e

inclusão produtiva; (IV) direitos e cidadania – sendo que cada um destes terá

subdivisões que lhes serão pertinentes. Esse cuidado foi tomado como forma

de garantir que a maior parte das informações seja exposta para o

conhecimento do leitor.

Eixo I: Acesso a terra

O eixo de acesso a terra aborda: “execução e acompanhamento dos

trâmites necessários para a certificação e regularização fundiária das áreas de

quilombo, que constituem títulos coletivos de posse das terras tradicionalmente

ocupadas”.

A comunidade Aldeia foi reconhecida recentemente, com publicação

no Diário Oficial do estado de São Paulo no dia 18 de novembro de 2014. É

possível verificar o quanto a questão do território é significativamente ligada a

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vivência quilombola, a terra está historicamente relacionada a sua existência,

sendo assim, é constante a demanda apresentada em torno das garantias

para o título da propriedade e a exploração para a sua produção.

Em todos os quilombos visitados, até o presente momento, é notável a

luta pelas formas de apropriação do território em que vivem. Constantemente

há ameaças legislativas que não levam em consideração as especificidades

dos interesses quilombolas.

De acordo com os moradores do quilombo Aldeia, não há relatos de

confrontos e conflitos diretos com outros moradores do território (terceiros -

moradores não quilombolas). Entretanto, foi mencionado que enquanto

aguardam o processo de titularização há espaços que não podem ser

aproveitados para o bem da comunidade, como a existência de uma casa

antiga que poderia ser um investimento turístico no quilombo e que é mantida

cercada pelos “terceiros”.

Outros problemas referentes à terra são as formas de produção e roça,

já que a legislação atual não garante que as práticas tradicionais sejam

mantidas, de acordo com relatos, as proibições e intervenções policiais

prejudicam muito os moradores, sendo este um dos motivos que incentivam

muitos a deixarem o quilombo. Foi ressaltado que a fiscalização já chegou a

ser realizada de maneira violenta, outras pessoas temem as altas multas

aplicadas e por não conseguirem plantar, acabam optando por saírem da

área rural.

Eixo II: Infraestrutura e qualidade de vida

O eixo dois trata da “consolidação de mecanismos efetivos para

destinação de obras de infraestrutura (saneamento, habitação, eletrificação,

comunicação e vias de acesso) e construção de equipamentos sociais

destinados a atender as demandas, notadamente as de saúde, educação e

assistência social”.

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Sobre o acesso a saneamento básico3, as ações para as comunidades

quilombolas estão inseridas no “Programa Saneamento Básico”, cujo órgão

responsável é o Ministério da saúde.

Na comunidade Aldeia fomos informados que há a utilização de fossa

negra, sem auxílio de órgãos municipais para limpeza, ou outra ação que dê

opções de substituição na forma de descarte de dejetos.

A água é proveniente da captação da serra, há uma caixa d`água

comunitária que faz a distribuição para as casa, entretanto é constante a falta

de água, devido aos desgaste dos encanamentos que são muito antigos. Já

foram realizadas reclamações, para que a prefeitura auxiliasse com a

manutenção da distribuição de água, entretanto, o problema persiste há pelo

menos duas gestões municipais.

Para o lixo produzido não há coleta, o mesmo normalmente é

queimado.

Todas as casas possuem acesso à energia elétrica4 e não pagaram

para a sua instalação, de acordo com as informações isso se deu devido ao

incentivo de uma empresa privada. Não tendo envolvimento governamental.

De acordo com os moradores, a prefeitura recebe as lideranças,

conversa, mas não cumpre o que promete, as datas são constantemente

adiadas e poucos avanços são concretizados.

Eixo III: Desenvolvimento local e inclusão produtiva

3 PAC- Funasa, pode participar a comunidade certificada, observadas as informações

e demandas prestadas pela SEPPIR à Funasa, com demanda de acesso à água ou

saneamento. Como participar: As ações são programadas anualmente, em função

da disponibilidade orçamentária para cada exercício e considerando prioridades de

governo. A seleção de comunidades quilombolas a serem contempladas na

programação é feita com base nas informações de demandas prestadas pela SEPPIR

à Funasa. A Funasa tem priorizado o atendimento de demandas dos municípios que

possuem projetos técnicos de engenharia elaborados. Os municípios encaminham

suas demandas às Superintendências Estaduais da Funasa ou à SEPPIR. 4 O Programa de Tarifa Social é voltado para famílias inscritas no CadÚnico para

programas sociais com renda familiar por pessoa até meio salário mínimo. As famílias

quilombolas dentro do limite dessa renda devem informar seu perfil social no

CADÚnico para terem acesso ao desconto.

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O eixo três oferece: “Apoio ao desenvolvimento produtivo local e

autonomia econômica, baseado na identidade cultural e nos recursos naturais

presentes no território, visando a sustentabilidade ambiental, social, cultural,

econômica e política das comunidades”.

De acordo com os moradores do quilombo Aldeia, alguns plantam para

consumo próprio, ainda assim com variedade bem inferior a que era de

costume dos mesmos. Criados em meio ao cultivo de roças, os moradores

contam com orgulho das plantações que tinham e da importância da relação

com a produção agrícola, entretanto, afirmam que atualmente pouco é

produzido, há medo por parte das fiscalizações ambientais e não existe

projeto para o escoamento produtivo.

Foi mencionado o apoio do ITESP, ainda inicial, devido o pouco tempo

de reconhecimento da comunidade quilombola, mas que já estão sendo

discutidos projetos envolvendo apicultura. Além da oferta de curso de

panificação.

Na fala dos moradores foi possível notar a esperança de que com

apoio técnico e ofertas de formas rentáveis de produção no território

quilombola possam atrair a volta de alguns moradores que deixaram suas

casas devido necessidade econômica, buscando trabalho na cidade.

Há a proposta de um projeto que envolve a implantação de um tanque

de peixes, uma canoa e uma casa com energia solar. A prefeitura municipal

firmou o compromisso de doar um barco-escola para a comunidade,

entretanto, foi entregue um barco simples que acabou ficando sem uso,

deteriorando-se na margem do rio, uma vez que não há trapiche para os

barcos.

Como atualmente produzem apenas para subsistência, os moradores

não estão em inclusos em programas como PRONAF5. É do conhecimento da

comunidade o projeto MICROBACIAS II, programa da Secretaria da Agricultura

do Estado de São Paulo, os quilombolas têm a intenção em utilizar a verba

5 Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, possibilita

formas de financiamento aos Quilombolas que pratiquem atividades produtivas

agrícolas e/ou não agrícolas, de beneficiamento e comercialização de seus produtos.

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para a compra de um veículo, afim de minorar os recorrentes gastos com

transporte (taxis), para atividades cotidianas como consultas ao médico e

compras, mas também estão avaliando a possibilidade da aquisição de um

trator para auxiliar na manutenção das estradas de acesso ao quilombo,

viabilizando a locomoção dos moradores. Importante ressaltar que essas

estratégias estão sendo pensadas, pois em Aldeia existem dois deficientes

visuais e são poucos os recursos para ampará-los.

Notamos expectativas quanto as possibilidades de projetos que

incentivem a inclusão produtiva, a maior parte dos atuais moradores é

formada por aposentados, por isso eles vislumbram a possibilidade de que

com a criação desses projetos, os quilombolas mais jovens possam ser inseridos

e tenham condições de retornarem as suas casas.

Eixo IV: Direitos e cidadania

O quarto eixo apresenta: “fomento de iniciativas de garantia de direitos

promovidas por diferentes órgãos públicos e organizações da sociedade civil,

junto às comunidades quilombolas considerando critérios de situação de difícil

acesso, impacto por grandes obras, em conflitos agrários, sem acesso à agua

e/ou energia elétrica e sem escola”.

Atualmente a escola encontra-se fechada, o prédio é utilizado para

cursos e reuniões. A escola foi inaugurada em 1992 e funcionou por cerca de

seis anos, foi fechada em 1998 devido a falta de alunos, havia dificuldades de

acesso (falta de transporte – ônibus e barco) tanto para alguns estudantes que

tinham de despender muito tempo até chegar à escola quanto para os

professores que tinham de sair do centro de Iguape .

Como consequência, quem estudava teve que ir morar fora da

comunidade, culminando para o processo de permanência da população

mais velha na comunidade.

A respeito da política de assistência social fomos informados de sua

pouca interação, não são todas as famílias que possuem Cadastro Único para

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programas sociais e não são desenvolvidas ações especificas com a

comunidade.

Sobre a politica de saúde houve reclamações tanto do atendimento

realizado na cidade, quanto dentro da comunidade. O médico não vem ao

quilombo acerca de um ano, o agente comunitário comparece uma vez ao

mês e o enfermeiro esporadicamente. Não há oferta de programa de saúde

bucal e não é disponibilizado transporte para as consultas médicas.

Não há acesso à internet e já foi realizada solicitação para telefone

público, entretanto, a empresa nunca instalou orelhão, alegando não haver o

numero mínimo de pessoas que justificasse a disposição do mesmo. Assim, a

comunicação é feita somente via celular, com o empecilho de que são

poucos os lugares onde o sinal chega com qualidade.

Considerações:

Através da visita à comunidade, notamos mais uma vez a necessidade

de apoio para que a luta quilombola se fortaleça, um dos pontos centrais diz

respeito às formas de titularização da terra e de permissão para a produção

rural, com assistência técnica para implantação de projetos que gerem renda,

envolvendo os jovens.

Como apontado em um dos relatórios técnicos científicos produzidos

pelo ITESP a respeito de uma das comunidades do Vale do Ribeira: “Segundo

dados de 1996 (e posteriormente atualizados), há 12 Unidades de

Conservação no Vale do Ribeira, compreendendo em torno de 979.949,48 ha.

de terra24. Estas Unidades de Conservação, consubstanciadas em parques ou

APA’s (Áreas de Proteção Ambiental), agem no sentido de preservar a flora e

a fauna do Vale do Ribeira, mas empreendem, por outro lado, um efeito

nocivo sobre as comunidades camponesas. A proibição das roças no sistema

de coivara sujeita o camponês do Vale a sequer poder reproduzir sua dieta

alimentar como antigamente. Frente à impossibilidade de abrir novas roças, as

capuavas são novamente reaproveitadas com maior rapidez, não se

respeitando o tempo tradicional de pousio, o que enfraquece o solo. Como a

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fiscalização incide diretamente sobre o território das comunidades rurais, estas

se vêem obrigadas a abrir suas roças cada vez mais no interior da mata, na

tentativa de fugir das pesadas multas e, ao mesmo tempo, conseguir produzir

gêneros agrícolas essenciais para a sua alimentação e para o trato das

pequenas criações. Também a extração do palmito, ilegal, passa a ser feita

na clandestinidade, inclusive como forma de garantir o sustento dos membros

das comunidades, impedidos de realizar o trabalho agrícola”.

As produções legislativas, as formas de judicialização da vida e o

desrespeito à cultura quilombola, entre outros fatores, contribuíram para o

enfraquecimento das comunidades, intervindo nos modos de vida e

produzindo contradições para a vida no campo. É possível perceber os

diferentes interesses em questão e mais do que isso, a importância de órgãos

de defesa de direitos, endossando os direitos das comunidades tracionais.

Além disso, notamos a necessidade de envolvimento municipal,

reconhecendo as áreas rurais como parte das suas responsabilidades. É

possível perceber a existência de acordos e promessas em épocas de

eleições, mas no período seguinte a comunidade permanece abandonada,

como se a distância do centro urbano excluísse as demandas rurais das

pautas da politica local.

A existência de comunidades tradicionais deveria ser motivo de orgulho

para seus governantes, assim como para os conselhos municipais e outros

espaços legítimos de garantias de direitos que deveriam contribuir para o

fortalecimento quilombola e dar voz às demandas existentes. Entretanto, na

visita notamos que as condições atuais caminham para a fragilização e

fragmentação de comunidades menos articuladas.

Existe a expectativa de que os investimentos das políticas públicas nas

comunidades tradicionais contribuam para o retorno de algumas famílias

quilombolas: “esperança que voltem” (sic), entretanto, o caminho para que o

fortalecimento e autoestima da comunidade sejam reconstruídos exigirá o

envolvimento não só dos moradores, mas também de apoio técnico e político.

Atualmente, os que permanecem diariamente na comunidade

constituem-se majoritariamente por aposentados, e os mesmos dizem “A gente

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não exige muito” (sic). Mesmo assim, é notável a insatisfação com as políticas

públicas disponíveis.

Entre as principais demandas, destacamos:

Estrada: A partir da fala dos moradores, notamos que um ponto de

extrema relevância perpassa o acesso à comunidade quilombola, as más

condições da estrada dificultam o ir e vir da população. Principalmente

considerando que muitos dos moradores acompanharam períodos em que

havia manutenção regular. Foi relatado que “a estrada ficou abandonada

nos últimos anos”(sic), evidenciando o desinteresse público para a piora no

acesso.

Água: Fica evidente que a comunidade quilombola está com

dificuldades para o acesso a água potável, uma vez que a instalação utilizada

é antiga e as solicitações para a sua manutenção não são atendidas, é

frequente a falta de água na comunidade prejudicando o cotidiano das

famílias que ali residem.

Saúde: As reclamações de saúde abordaram as dificuldades de

locomoção para consultas, problemas no atendimento oferecido no Centro

da cidade, como: demora, falta de médicos, dificuldade para acesso a

medicamentos.

De acordo com a gestão municipal atual, o quilombo Aldeia

pertencente ao território do Itimirim 1, possui difícil acesso e apenas 6 famílias

residem na área, o atendimento é realizado uma vez ao mês, o acesso é por

barco e dependendo do clima, não é possível chegar ao local. Normalmente

os moradores passam no Centro de Saúde de Iguape, pois a maioria tem

residência na cidade.

Educação: As dificuldades encontradas para o trabalho e a falta de

condições para a oferta de um bom funcionamento da escola culminaram

para a migração de moradores da comunidade para a cidade, muitos

motivados pela necessidade de educação e renda. A escola está desativada

há 17 anos e por enquanto não há demanda para seu funcionamento,

entretanto, há a vontade de que ações que proporcionem desenvolvimento

local possam estimular o retorno de algumas famílias, tornando essencial a

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oferta de escola e transporte. Ademais, o espaço é atualmente utilizado pela

comunidade para outros fins e necessita de reformas, contendo infiltrações e

vidros quebrados.

Assistência social: Não notamos envolvimento por parte do

departamento municipal de assistência social, a aproximação desta política é

muito importante para a comunidade. O trabalho de fortalecimento e

desenvolvimento social poderia ser estendido aos quilombolas que já residem

temporariamente na cidade e estimulando-os e empoderando-os a partir de

suas raízes socioculturais, a fim de fortalecer a identidade daquela população.

Notamos que a comunidade encontra-se fragmentada e

abandonada, entretanto, o reconhecimento enquanto quilombo e a

possibilidade de acesso às políticas públicas no âmbito da inclusão produtiva

trouxe a possibilidade de um resgaste importante para a organização

comunitária e maior força na reivindicação de outras políticas públicas.

Esperando haver cumprido a missão que nos foi atribuída, colocamo-

nos à disposição para o esclarecimento de quaisquer dúvidas.

Registro, 11 de dezembro de 2015.

Leide Sousa Silva

Analista de Promotoria I

Assistente Social

CRESS 44172

Gabriel Hernandes Alonso Borges

Analista de Promotoria I

Psicólogo

CRP 06/92141