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Projeto Rede de Avaliação e Capacitação para a Implementação dos Planos Diretores Participativos Secretaria Nacional de Programas Urbanos Ministério das Cidades Convênio: IPPUR Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional

Miolo Plano Diretor

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  • Projeto Rede de Avaliao e Capacitao para a Implementao

    dos Planos Diretores Participativos

    Secretaria Nacional de Programas Urbanos

    Ministriodas Cidades

    Convnio:

    IPPURInstituto de Pesquisae Planejamento Urbano e Regional

  • Copyright Orlando Alves dos Santos Junior e Daniel Todtmann Montandon (Orgs.), 2011

    ObservatriO das MetrpOles - ippUr/UFrJAv. Pedro Calmon, 550, sala 537, 5 andar Ilha do Fundo

    Cep 21.941.901 Rio de Janeiro, RJTel/Fax 55-21-2598.1950

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    letra Capital editOraTelefax: (21) 3553-2236 / 2215-3781

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    CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    Joo Baptista Pinto

    Andreia Bessa Ilustrao: Andrs Sandoval

    Francisco Macedo

    Dos Autores

    editOr

    Capa

    prOJetO GrFiCO e editOraO

    revisO

    P774

    Os planos diretores municipais ps-estatudo da cidade: balano crtico e perspectivas / Orlando Alves dos Santos Junior, Daniel Todtmann Montandon (orgs.). Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatrio das Cidades: IPPUR/UFRJ, 2011.

    il. ApndiceInclui bibliografiaISBN 978-85-7785-089-1

    1. Planejamento urbano. 2. Poltica urbana. 3. Planejamento regional. 4. Brasil. [Lei n.10.257, de 10 de julho de 2001]. 5. Direito urbano. I. Santos Junior, Orlando Alves dos, 1963-. II. Montandon, Daniel Todtmann. 1977-. III. Observatrio das Metrpoles. IV. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional.

    11-0665. CDD: 711.40981 CDU: 711.4(81)

    03.02.11 07.02.11 024355

  • Os Planos Diretores MunicipaisPs-Estatuto da Cidade:

    balano crtico e perspectivas

    Orlando Alves dos Santos JuniorDaniel Todtmann Montandon

    Organizadores

  • Presidenta da RepblicaDilma Rousseff

    Rede de Avaliao e Capacitao para a Implementao dos Planos Diretores Participativos

    Ficha Tcnica da Pesquisa

    Ana Margarida Botafogo KoatzArquimedes Belo PaivaBruna Martins de MeloDaniel Todtmann MontandonFabiana Borges da Silva MoreiraLuciana Gill BarbosaMarcel Cludio SantAnaNathan Belcavello de OliveiraPatrcia Roberta PezzoloPaula Regina Comin CabralRenata Helena da SilvaRoberto Luis Torres AquinoRodrigo de Almeida Santos

    Ministro das CidadesMrio Negromonte

    Secretrio Nacional de Programas Urbanos (Substituto)Celso Santos Carvalho

    Departamento de Planejamento Urbano Daniel Todtmann Montandon

    Departamento de Assuntos Fundirios Urbanos e Preveno de Riscos Sandra Bernardes Ribeiro

    Departamento de Apoio Gesto Municipal e Territorial Pedro Henrique Dcker Bastos

    Equipe Ministrio das Cidades

    Ministrio das Cidades

    Prof. Jorge NatalDiretor

    Prof. Orlando Alves dos Santos JuniorVice-Diretor e Coordenador do Programa de Ps-Graduao

    Prof. Cludia PfeifferCoordenadora de Pesquisa, Documentao, Divulgao e Extenso

    IPPUR Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional

    Coordenao Executiva

    Observatrio das Metrpoles

    Luiz Cesar de Queiroz RibeiroCoordenador Geral

    Orlando Alves dos Santos JuniorCoordenador Geral (IPPUR/UFRJ Observatrio das Metrpoles)

    Daniel Montandon Ministrio das Cidades

    Grazia de Grazia Ministrio das Cidades 2007-2008

    Nelson Saule Polis

    Regina Ferreira FASE

    Raquel RolnikFAU/USP

    Benny SchvasbergUnB

  • AL Regina Dulce Barbosa Lins UFALAM Jussara Maria Pordeus e Silva UEAAP Gerson Gonzlez Instituto EcoVidaBA Ana Fernandes Arquitetura-UFBaCE Valria Pinheiro Cearah Periferia - Observ. das MetrpolesDF Neio Campos UnB/NEURES Andr Tomoyuki Abe UFESGO Aristides Moyss PUC Gois Observ. das MetrpolesMA Frederico Lago Burnett UEMAMG Renato Barbosa Fontes Ao Urbana Observ. das MetrpolesMT Eduardo Cairo Chiletto UNICMS ngelo Marcos Vieira de Arruda UFMS

    Coordenadores Regionais

    PA Simaia Mercs UFPA Observatrio das Metrpoles)PB Fernanda Costa Cooperativa GenesisPE Lvia Miranda FASE Observatrio das Metrpoles PI Luiz Eugnio Carvalho UFPIPR Gislene Pereira UFPR Observatrio das MetrpolesRJ Mauro Santos FASE Observatrio das Metroples RN Dulce Bentes UFRN Observatrio das MetrpolesRO Emanuel Pontes Meirelles CEAPRS Regina Maria Pozzobon CIDADESC Luiz Alberto Souza FURB/NEURSE Lvia Miranda FASE Observatrio das MetrpolesSP Kazuo Nakano PolisTO Germana Pires Coriolano

    Observatrio das Metrpoles

    Mariana Alves Observatrio das Metrpoles

    Mariana MiloObservatrio das Metrpoles

    Comit Tcnico de Planejamento e Gesto do Solo Urbano

    Assistentes de Pesquisa

    Patrcia NovaesObservatrio das Metrpoles

    Carolina SantosObservatrio das Metrpoles

    Achilles Leal Filho Governo do Estado da ParabaAlexandra Reschke Ministrio do Planjamento, Or. e GestoAndr Queirz Guimares Frente Nacional de Vereadores pela Reforma Urbana

    Antnio Jos de Arajo Movimento Nac. de Luta pela MoradiaAntnio Srgio Porto Sampaio Fed. Nac. Emp. Compra e Venda, Locao e Administrao de ImveisArlete Moyss Rodrigues Associao dos Gegrafos Brasileiros

  • Carlos Henrique de Oliveira Central nica dos TrabalhadoresCelso Santos Carvalho Ministrio das CidadesCsar Augusto Batista dos Santos Santos Confederao Nac. de Ass. de MoradoresEdilza Maria da Silva Felipini Unio Nacional por Moradia PopularEdina Martins de Oliveira Central nica dos TrabalhadoresEduardo Lrio Guterra Confederao Nac. dos Trab. em Transporterica Cristina Castilho Diogo Ministrio da CulturaEugnia Glaucy Moura Ferreira Governo do Estado de RoraimaFiladelfo Mendes Neto Governo do Estado do MaranhoGermana Pires Coriolano Federao Nac. dos Arquitetos e UrbanistasHlio Hamilton Vieira Jnior Associao Brasileira de COHABsIramar Cardoso da Silva Movimento Nacional de Luta pela MoradiaJoo Deon da Silva Unio Nacional por Moradia PopularJoo Mendes da Rocha Neto Ministrio da Integrao NacionalJos Roberto Geraldine Jnior Conselho Federal de Engenharia,

    Arquitetura e AgronomiaJulieta Aparecida Tolentino de Abrao Central de Movimentos PopularesJurandir Guatassara Boeira Frente Nacional de PrefeitosKarla Fabrcia M. dos Santos de Azevedo Centro pelo Direito Moradia contra

    DespejosLarissa Garcia Campagner Conf. das Ass. Comerciais e Emp. do BrasilManoel Wanderley de Oliveira Movimento Nac. da Micro e Peq. Empresa

    Mrcia Regina Sartori Damo Ministrio da Integrao NacionalMaria Clara da Silva Pereira Movimento Nacional de Luta pela MoradiaMaria da Glria Rincon Ferreira Governo do Distrito FederalMaria Gorete Fernandes Nogueira Conferncia Nacional de Ass. de MoradoresMaria Teresa Peres de Souza Caixa Econmica FederalMrcia Maria Alves da Silva Centro Dom Helder Cmara de Estudos e Ao SocialMiguel Reis Afonso Frente Nacional de PrefeitosNelma Maria Oliveira Lisboa Governo do Estado de SergipeNelson Saule Jnior Instituto de Estudos, Formao e Assessoria em Polticas SociaisOrlando Santos Junior Assoc. Nac. de Ps-Graduao e Pesquisa em Planejamento Urbano e RegionalPaula Ravanelli Losada Secretaria de Relaes Institucionais da Presidncia da RepblicaSandro Verssimo Oliveira de Miranda Governo do Estado de Minas GeraisSergio Antonio Gonalves Ministrio do Meio AmbienteUsnia Aparecida Gomes Central de Movimentos PopularesValtudes Mendes da Silva Confederao Nac. de Ass. de MoradoresVanessa Alexandra Santos Rezende Confederao Nacional de MunicpiosVeruska Ticiana Franklin de Carvalho

    Confederao Nac. de Ass. de MoradoresVitria Clia Buarque Unio Nacional por Moradia PopularWilson Bley Lipski Governo do Estado do Paran

  • sumrio

    ApresentAoMrio Negromonte

    introduoOrlando Alves dos Santos JuniorRenata Helena da SilvaMarcel Claudio SantAna

    Captulo Isntese, desAfios e recomendAesOrlando Alves dos Santos JuniorDaniel Todtmann Montandon

    Captulo IIo Acesso terrA urbAnizAdA nos plAnos diretores brAsileirosFabricio Leal de OliveiraRosane Biasotto

    Captulo IIIo plAno diretor e A polticA de HAbitAoAdauto Lucio CardosoMaria Cristina Bley da Silveira

    Captulo IVsAneAmento AmbientAl nos plAnos diretores municipAisAna Lucia Britto

    11

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    57

    99

    127

  • Captulo VA polticA de mobilidAde urbAnA e os plAnos diretoresLiane Nunes Born

    Captulo VIA dimenso AmbientAl nos plAnos diretores de municpios brAsileiros: um olHAr pAnormico sobre A experinciA recenteHeloisa Soares de Moura CostaAna Lcia Goyat CampanteRogrio Palhares Zschaber de Arajo

    Captulo VIIo temA metropolitAno nos plAnos diretoresBenny SchasbergAlberto Lopes

    Captulo VIIIo sistemA de gesto e pArticipAo democrticA nos plAnos diretores brAsileirosMauro Rego Monteiro dos Santos

    Captulo IXeducAo crticA e gesto democrticA dAs cidAdes: A experinciA de cApAcitAo no mbito do projeto de AvAliAo e cApAcitAo pArA A implementAo dos plAnos diretores pArticipAtivosPatrcia Ramos Novaes

    rede de AvAliAo e cApAcitAopArA A implementAo dos plAnos diretores pArticipAtivos:1 cadernos tcnicos2 estudos de casos3 relatrios estaduais

    155

    173

    219

    255

    281

    AnexoDVD

  • 11

    DesDe sua criao, o Ministrio das Cidades estruturou polticas e pro-gramas voltados habitao, ao saneamento bsico, ao transporte pblico coletivo e mobilidade urbana, regularizao fundiria, ao planejamento urbano, dentre outros temas, de modo a reverter o passivo de desigualdade social das cidades brasileiras. So programas que operam com a lgica de enfrentamento das carncias urbanas, como o Programa de Acelerao do Crescimento (PAC) e o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), alm de programas que visam a melhoria da gesto urbana, como o Programa de Fortalecimento da Gesto Urbana.

    De modo transversal a esses programas, a gesto democrtica est pre-sente em todas as aes promovidas pelo Ministrio das Cidades, tendo sua maior expresso no Conselho das Cidades, que tem participado ativamente dos avanos e debates sobre a poltica urbana, contribuindo sobremaneira para o fortalecimento da gesto democrtica nos estados e municpios.

    O planejamento urbano tambm um tema transversal a todas as po-lticas do Ministrio, tendo o Plano Diretor como o principal instrumento integrador e articulador das demais polticas setoriais. Depois de aprovado o Estatuto da Cidade em 2001, os municpios avanaram na elaborao dos Planos Diretores, num momento em que os principais programas nacionais de investimento em infraestrutura urbana ainda no estavam institudos, como o PAC e o Minha Casa Minha Vida. Considerando que em 2011 o Estatuto completar dez anos, oportuna sua avaliao e a retomada do planejamento

    ApresentAo

    Mrio NegromonteMinistro das Cidades

  • 12 ApresentAo

    urbano, agora de forma articulada aos investimentos do PAC e do Programa Minha Casa Minha Vida.

    A Rede Nacional de Avaliao e Capacitao para Implementao de Planos Diretores Participativos um projeto que realizou a avaliao quali-tativa de Planos Diretores em todo o Brasil, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), atravs do Instituto de Pesquisa e Planeja-mento Urbano e Regional (IPPUR), mobilizando a sociedade e os pesquisa-dores de todo o pas, o que possibilitou a construo de um quadro do plane-jamento urbano no Brasil. Esperamos que a presente publicao, que rene os resultados dessa pesquisa, contribua para o debate sobre a implementao do Estatuto da Cidade nos municpios e para a retomada do planejamento urbano no prximo ciclo decenal de Planos Diretores.

  • 13

    A Constituio Federal de 1988 trouxe para o seio da sociedade brasi-leira, recm empossada de seus direitos democrticos, um princpio bsico para a equidade urbana e a justa distribuio dos nus e benefcios do processo de urbanizao: o princpio da funo social da cidade e da propriedade. Este princ-pio, afirmado em nossa carta magna, fruto da mobilizao da sociedade e de um processo de luta dos movimentos sociais envolvidos com a Reforma Urbana, pas-sou a compor um capitulo especfico da nossa Constituio Federal: o da Poltica Urbana. Alm desse princpio, o texto constitucional afirmou o papel protago-nista dos municpios enquanto principais atores da poltica de desenvolvimento e gesto urbanos e elegeu o Plano Diretor como instrumento bsico da poltica de desenvolvimento e de expanso urbana, com elaborao compulsria para os municpios com mais de vinte mil habitantes.1 2 3

    Passada a criao desse marco jurdico para a poltica de desenvolvimento urbano, tivemos que aguardar mais treze anos para que finalmente fosse criada uma lei federal que regulamentasse os artigos constitucionais que tratam da poltica urbana. A Lei n 10.257 de 10 de julho de 2001, denominada Estatuto

    1 Socilogo, doutor em planejamento urbano e regional, professor do IPPUR/UFRJ e coorde-nador geral da pesquisa.

    2 Arquiteta e Urbanista, Especialista em Gesto Ambiental. Analista do Departamento de Planejamento Urbano, SNPU/MCidades.

    3 Arquiteto e Urbanista, Mestre em Planejamento Urbano. Assessor Tcnico do Departamen-to de Planejamento Urbano, SNPU/MCidades.

    introduo

    Orlando Alves dos Santos Junior1

    Renata Helena da Silva2

    Marcel Claudio SantAna3

  • introduo14

    da Cidade, alm de reforar o Plano Diretor como instrumento bsico da po-ltica de desenvolvimento e expanso urbana, estende sua obrigatoriedade, an-tes definida apenas quanto ao porte populacional, para as cidades integrantes de regies metropolitanas e aglomeraes urbanas, as integrantes de reas de especial interesse turstico, as inseridas em reas de influncia de significativo impacto ambiental ou ainda aquelas nas quais o poder pblico pretenda utili-zar os instrumentos definidos no 4 do Art. 182 da Constituio Federal, que trata do devido aproveitamento do solo urbano. O Estatuto da Cidade trouxe, tambm, novos rumos para o desenvolvimento urbano a partir da afirmao de diretrizes, princpios e instrumentos voltados para a promoo do direito cidade e para a gesto democrtica.

    Desta forma, alm da promoo do Plano Diretor, a Constituio Federal e o Estatuto da Cidade fortaleceram a gesto democrtica e a funo social da cidade e da propriedade, objetivando a incluso territorial e a diminuio das desigualdades, expressas na maioria das cidades brasileiras por meio das irre-gularidades fundirias, da segregao scio-espacial e da degradao ambien-tal. Buscou-se, tambm, oposio lgica assimtrica entre centro e periferia, pois enquanto nas reas centrais verificam-se os constantes investimentos p-blicos e uma urbanizao consolidada e legalizada, nas reas perifricas, sem contar os inmeros conflitos scio-espaciais, nota-se carncia de investimen-tos pblicos e urbanizao precria.

    O Plano Diretor, nos termos dados pela Constituio Federal e pelo Es-tatuto da Cidade, pea chave para o enfrentamento desses problemas, con-tribuindo para a minimizao do quadro de desigualdade urbana instalado, quando elaborado e implementado de forma eficaz.

    Essa eficcia diz respeito a uma nova concepo de Plano Diretor ps--Estatuto, pois, embora o instrumento plano diretor seja anterior ao Esta-tuto da Cidade, o conceito de Plano Diretor e, principalmente, suas formas de elaborao foram adaptadas de um formato anterior, mais burocrtico e tecnocrtico, para uma prtica com ampla participao da populao. Neste contexto, ganhou destaque tambm a atuao da sociedade civil organizada, especialmente dos movimentos sociais envolvidos com a Reforma Urbana.

    O objetivo principal do Plano Diretor, de definir a funo social da cida-de e da propriedade urbana, de forma a garantir o acesso a terra urbanizada e regularizada a todos os segmentos sociais, de garantir o direito moradia e aos servios urbanos a todos os cidados, bem como de implementar uma gesto democrtica e participativa, pode ser atingido a partir da utilizao dos

  • 15orlando Alves dos santos junior, renata Helena da silva, marcel claudio santAna

    instrumentos definidos no Estatuto da Cidade, que dependem, por sua vez, de processos inovadores de gesto nos municpios.

    sabido, no entanto, que os municpios apresentam muitas dificuldades para implementar seus Planos Diretores. A maioria no apresenta uma estru-tura administrativa adequada para o exerccio do planejamento urbano, no que se refere aos recursos tcnicos, humanos, tecnolgicos e materiais, sem contar ainda a baixa difuso dos conselhos de participao e controle social voltados para uma cultura participativa de construo e implantao da polti-ca de desenvolvimento urbano.

    A atuao do Ministrio das Cidades para apoiar o planejamento urbano nos municpios brasileiros

    Tendo em vista as dificuldades enfrentadas pelos municpios brasileiros, o Ministrio das Cidades, criado em 2003, passou a incentivar a construo de uma nova cultura de planejamento urbano no pas e a fortalecer o apoio ao planejamento urbano dos municpios. Tal apoio oportuno e necessrio, pois embora o planejamento e a gesto territorial sejam de competncia local, os municpios no esto plenamente preparados para exercer essa tarefa, visto que os problemas urbanos so de difcil soluo, requerendo o apoio do Go-verno Federal e tambm dos Estados.

    No mbito do Ministrio das Cidades, a Secretaria Nacional de Progra-mas Urbanos (SNPU) a responsvel pela coordenao das aes relacionadas ao planejamento urbano e tem buscado, desde sua criao, mobilizar, sensi-bilizar e capacitar os municpios, bem como disponibilizar meios e recursos para que estes consigam efetivar uma poltica urbana em consonncia com o Estatuto da Cidade.

    A poltica de apoio elaborao e reviso de Planos Diretores coordena-da e executada pela SNPU visa: estimular os municpios a executarem prticas participativas de gesto e planejamento territorial; proporcionar condies para a formulao e articulao das polticas urbanas que garantam melhores condies de vida da populao; e promover o desenvolvimento urbano sus-tentvel, inclusivo e voltado para a reduo das desigualdades sociais.

    Com esses objetivos, a SNPU instituiu um programa de apoio aos muni-cpios para a implementao dos instrumentos do Estatuto da Cidade e elabo-rao e reviso dos Planos Diretores. Trata-se do Programa de Fortalecimento

  • introduo16

    da Gesto Urbana, criado para fortalecer a capacidade tcnica e institucional dos municpios nas reas de planejamento, servios urbanos, gesto territorial e poltica habitacional. Est subdividido em sete aes, que se efetivam por meio de apoio capacitao e assistncia tcnica aos municpios. Ao longo do processo de execuo da ao de Assistncia Tcnica para o Planejamento Territorial e a Gesto Urbana Participativa, pode-se identificar dois momen-tos: o primeiro, marcado pela necessidade de apoio elaborao de Planos Diretores, sendo considervel a motivao dada pelo prazo estipulado no Es-tatuto da Cidade para que os municpios elaborassem e revisassem seus planos (at 2006); e o segundo perodo, de 2007 at hoje, marcado pela necessidade de implementao dos Planos Diretores e seus instrumentos.

    A seleo dos municpios beneficiados por essa ao obedece a determi-nados critrios, definidos em Manual de Apresentao das Propostas, publica-do anualmente4.

    Alm da ao supracitada, cabe dar destaque Campanha Nacional Plano Diretor Participativo: Cidade de Todos, idealizada e realizada pelo Ministrio das Cidades em conjunto com o Conselho das Cidades. Iniciada em maio de 2005, a Campanha foi executada por meio de atividades des-centralizadas de sensibilizao e capacitao, com o objetivo de alavancar a elaborao dos Planos Diretores pelos municpios, atingindo grande alcance no pas. Foram mobilizados governos e sociedade, por meio de uma coor-denao nacional que articulou e envolveu vinte e cinco ncleos estaduais, compostos por representantes dos governos estaduais e municipais, entidades tcnicas e profissionais, Ministrio Pblico, Caixa Econmica Federal, movi-mentos sociais e populares e ONGs.

    Na tentativa de realizar um levantamento dos municpios que elabora-ram e revisaram seus Planos Diretores com base na obrigatoriedade estabe-lecida pelo Estatuto da Cidade, foram executadas pesquisas sob a coordena-o do Ministrio das Cidades. Uma em 2005, com a empresa INFORME; outra em 2006, com apoio do sistema CONFEA-CREA. Esta ltima tambm 4 Por exemplo, no ano de 2009, foram priorizados os seguintes tipos de municpios: que dis-

    pem de instrumentos de gesto democrtica e participativa, demonstrada pela existncia e funcionamento regular de Conselhos das Cidades, oramento participativo ou similar; que expressam interesse na elaborao de Planos Diretores Participativos e instrumentos do Estatuto da Cidade de forma associada ou integrada a outros municpios ou a Governos estaduais; com investimentos do Programa de Acelerao do Crescimento PAC;

    localizados em reas de influncia de empreendimentos tursticos; com populao de at vinte mil habitantes, segundo Censo IBGE 2000; inseridos na rea da Amaznia Legal, segundo definido por lei federal e; com capacidade de gesto dos contratos de repasse e execuo dos projetos contratados.

  • 17orlando Alves dos santos junior, renata Helena da silva, marcel claudio santAna

    tratou de aferir quantitativamente a utilizao de instrumentos do Estatuto da Cidade nos Planos Diretores, o que revelou a necessidade de se avanar no apoio implementao dos demais instrumentos do Estatuto e no so-mente do Plano Diretor.

    O papel do Conselho das Cidades no apoio ao planejamento participativo

    No mbito do Ministrio das Cidades, a instncia de gesto democrtica o Conselho das Cidades ConCidades, rgo de natureza deliberativa e consultiva, integrante da estrutura do Ministrio. Dentre suas atribuies, estabelecidas pelo Decreto n 5.790, de 25 de maio de 2006, cabe ao ConCidades emitir orientaes e recomendaes sobre a aplicao do Estatuto da Cidade e propor diretrizes para a formulao e implementao da Poltica Nacional de Desenvolvimento Urbano PNDU, em consonncia com o disposto no Estatuto e nas resolues aprovadas pelas Conferncias Nacionais das Cidades. Tambm atribuio do ConCidades, promover a cooperao entre os governos e incentivar e fortalecer os conselhos afetos poltica de desenvolvimento urbano nos trs nveis de governo.

    Atualmente, o ConCidades constitudo por 86 titulares, sendo 49 repre-sentantes de segmentos da sociedade civil e 37 dos poderes pblicos federal, estadual e municipal.

    Alm dos titulares, h a mesma quantidade de suplentes. A representa-o da sociedade civil abrange representantes do poder pblico, movimentos populares, entidades empresariais, trabalhadores, entidades profissionais, aca-dmicas e de pesquisa e organizaes no-governamentais.

    As resolues aprovadas pelo ConCidades, em reunies ordinrias ocor-ridas ao longo do ano, traam recomendaes ao Ministrio das Cidades no que diz respeito poltica de desenvolvimento urbano. Dentre elas, cabe des-tacar algumas que tratam especificamente do Plano Diretor:

    Resoluo n 25 de 18 de maro de 2005: dispe sobre o processo parti-cipativo na elaborao do Plano Diretor, o envolvimento do Conselho da Cidade ou similar nesse processo, a devida publicidade e a realizao das audincias pblicas;

    Resoluo n 34 de 1 de julho de 2005: emite recomendaes quanto ao contedo mnimo dos planos diretores;

  • introduo18

    Resoluo Recomendada n 22 de 6 de dezembro de 2006: emite reco-mendaes quanto regulamentao dos procedimentos para aplicao dos recursos tcnicos e financeiros na elaborao do Plano Diretor em municpios inseridos em rea de influncia de empreendimentos ou ati-vidades com significativo impacto ambiental;

    Resoluo Recomendada n 83 de 8 de dezembro de 2009: dispe sobre orientaes com relao reviso ou alterao de Planos Diretores.

    Uma ateno especial deve ser dada s resolues n 25 e n 34, frente aos princpios do Estatuto da Cidade: a primeira, dentre outros pontos de seu contedo, ao abordar a questo do processo participativo, estabelece uma srie de diretrizes que visam qualificar a participao social nos processos de elabo-rao e implementao dos Planos Diretores participativos. J a segunda, ao tratar do contedo mnimo dos Planos Diretores, acaba por fortalecer aspectos qualitativos, como a necessidade de se estabelecer como cada poro do ter-ritrio cumpre a funo social e a demarcao de instrumentos no territrio para garantir seu cumprimento.

    Na estrutura do Conselho das Cidades existem quatro Comits Tcnicos, que reproduzem as funes das Secretarias Nacionais do Ministrio das Ci-dades. O Comit Tcnico de Planejamento e Gesto do Solo Urbano acompa-nha as aes da Secretaria Nacional de Programas Urbanos. Tanto o Conselho quanto os Comits podem instituir grupos de trabalho para realizao de ati-vidades especficas, conforme suas atribuies. Por exemplo, o Comit Tcnico de Planejamento e Gesto do Solo Urbano criou um grupo de acompanha-mento da Pesquisa Rede Nacional de Avaliao e Capacitao para Implemen-tao dos Planos Diretores Participativos, para monitorar sua execuo.

    A Conferncia das Cidades, prevista no artigo 43 do Estatuto da Cidade, o principal instrumento para garantia da gesto democrtica na promoo da Poltica Nacional de Desenvolvimento Urbano. Trata-se do evento de maior abrangncia nacional no que diz respeito discusso da poltica urbana e deli-berao de resolues que traam as principais diretrizes sobre o tema. Tambm promove a sensibilizao e a mobilizao da sociedade para o enfrentamento dos problemas urbanos, com a participao dos diversos segmentos sociais. At o momento, j foram realizadas quatro conferncias nacionais, sendo que a l-tima ocorreu em junho de 2010. Cabe destacar que um dos eixos de discusso foi justamente a implementao do Estatuto da Cidade e dos Planos Diretores.

  • 19orlando Alves dos santos junior, renata Helena da silva, marcel claudio santAna

    Motivao da pesquisa

    O avano de qualquer poltica publica parte de uma concepo bsica de que todo processo, ao ou programa implementado pelo Governo deve passar por um instrumento de avaliao, de modo a construir subsdios que possibilitem dimensionar os erros, os acertos e os desafios para a melhoria de tal poltica.

    O Ministrio das Cidades vem apoiando os municpios, desde 2003, no desafio que a elaborao e implementao dos Planos Diretores, tanto por meio de recursos prprios, quanto por meio de parcerias institucionais, via apoio financeiro direcionado assistncia tcnica e por meio de processos de capacitao. Tratava-se de um primeiro ciclo do programa que tinha por ob-jetivo apoiar o maior nmero possvel de municpios com obrigatoriedade de elaborao de Planos Diretores conforme estabelecido pelo Estatuto, e que ti-nham cinco anos para cumprimento dessa obrigatoriedade, a partir de 2001.

    Nesta busca por promover apoio em ampla escala aos municpios, muitos desafios e dvidas se impuseram equipe ministerial: era premente a necessi-dade de se conhecer qualitativamente o que vinha sendo produzindo nos mu-nicpios brasileiros, tanto para gerar subsdios para reformulao do programa de apoio elaborao de Planos Diretores quanto para gerar subsdios para a implementao dos planos.

    A primeira pesquisa, realizada em parceria com o sistema CONFEA/CREA, garantiu a aferio quantitativa do alcance da poltica de apoio elabora-o dos Planos Diretores. Trouxe dados quantitativos sobre o universo de elabo-rao de Planos Diretores, bem como dados sobre a utilizao dos instrumentos do Estatuto da Cidade. Mas essa pesquisa no possua em seu desenho uma metodologia que permitisse uma avaliao qualitativa dos Planos Diretores de-senvolvidos pelos municpios brasileiros. Tornava-se premente a construo de uma nova pesquisa que possibilitasse a aferio qualitativa dos Planos Diretores no que se refere a sua correspondncia com os preceitos do Estatuto da Cidade.

    Nesse esprito, foi iniciada a concepo do projeto da Rede Nacional de Avaliao e Capacitao para Implementao dos Planos Diretores Participati-vos, a partir de uma reunio do Comit Tcnico de Planejamento e Gesto do Solo Urbano do ConCidades, realizada em setembro de 2007, em que se apon-tou a necessidade de se conhecer o contedo dos planos j aprovados, de aferir se estes incorporaram de fato as diretrizes do Estatuto da Cidade, alm de reavaliar a forma de apoio implementao dos mesmos. Assim, o projeto Rede de Ava-

  • introduo20

    liao e Capacitao para a Implementao dos Planos Diretores Participativos foi iniciado, em dezembro de 2007, com o objetivo central de constituir uma rede nacional de avaliao e monitoramento de Planos Diretores com foco no acesso terra urbanizada e bem localizada para todos. A rede foi criada visan-do, ainda, a capacitao de agentes do poder pblico e atores da sociedade civil para a implementao de Planos Diretores e fortalecimento da gesto municipal e das formas de participao social. Desse modo, so objetivos especficos do projeto: (i) mobilizar atores sociais e pesquisadores para a avaliao do contedo dos Planos Diretores Participativos, com vistas a subsidiar estratgias locais de capacitao para a implementao dos PDPs; (ii) trazer o conhecimento tcni-co especializado dos pesquisadores para um esforo unificado de avaliao, em conjunto com os atores sociais, do estado da arte do planejamento urbano local, no Brasil, atravs dos planos diretores aprovados nos municpios brasileiros.

    Tendo em vista a complexidade do trabalho, o considervel universo de municpios com obrigatoriedade de elaborao de Planos Diretores e a neces-sidade de ser conferir amplo alcance territorial s atividades, adotou-se uma estratgia de trabalho descentralizada, por meio de parcerias com universida-des, governos estaduais, movimentos sociais e entidades de classe, nos moldes do que j havia sido desenvolvido pelo Ministrio das Cidades na campanha Plano Diretor Participativo: cidade de todos, quando foram estruturados n-cleos em todos os Estados.

    As diretrizes gerais do projeto foram definidas pelo Ministrio das Ci-dades, por meio da Secretaria Nacional de Programas Urbanos. A instituio responsvel pela execuo e coordenao executiva dos trabalhos foi a Univer-sidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por meio do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR).

    O Conselho das Cidades teve papel importante, tanto na concepo do projeto como tambm no acompanhamento das atividades, tendo ocorrido a indicao de conselheiros, por segmento, para acompanhar o desenvolvi-mento dos trabalhos da Rede, na forma de um grupo de trabalho constitudo especialmente para isso.

    Concepo do projeto e metodologia da pesquisa

    A pesquisa foi executada de forma descentralizada, sob trs instncias de coordenao: uma coordenao executiva, uma coordenao ampliada e

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    coordenaes estaduais. A Coordenao Executiva foi composta pela SNPU, pelo IPPUR/UFRJ, pelo Instituto Polis e pela FASE. Entre as suas atribuies, destacam-se: operacionalizao da Rede; mobilizao das coordenaes esta-duais; formatao do projeto; proposta de metodologia da pesquisa; contato com os pesquisadores; e aprovao da programao da pesquisa nos estados.

    A Coordenao Estadual (uma em cada Unidade da Federao) foi cons-tituda por conselheiros do Conselho das Cidades, outros conselhos estaduais ou organizaes sociais atuantes e um pesquisador responsvel, com as atri-buies de articular e mobilizar as organizaes sociais e os pesquisadores, en-caminhar o processo de capacitao, discutir no estado a aplicao da pesquisa e realizar as oficinas de avaliao e capacitao.

    A Coordenao Ampliada foi composta pelos pesquisadores respons-veis em cada estado, pelo grupo de trabalho de acompanhamento do Comit Tcnico de Planejamento e Gesto do Solo Urbano do ConCidades e por re-presentantes da Coordenao Executiva. A atribuio da Coordenao Am-pliada foi a de definir as diretrizes gerais da pesquisa, das avaliaes e da etapa de capacitao.

    A pesquisa foi estruturada em quatro etapas. A primeira contemplou a constituio da Rede e o planejamento das atividades; as articulaes do IPPUR com o Ministrio das Cidades, com o ConCidades e com as coordena-es estaduais; e o detalhamento da avaliao em cada Estado, alm da cons-truo do roteiro metodolgico para avaliao dos planos.

    A segunda etapa consistiu na avaliao dos Planos Diretores com base em um roteiro determinado na etapa anterior, com informaes sobre o mu-nicpio e outros temas especficos. Nessa fase, as coordenaes estaduais rea-lizaram, no mnimo, duas oficinas: uma para seleo dos municpios a serem pesquisados e outra para consolidao dos relatrios estaduais. Os resultados dessa etapa compreenderam: 526 relatrios municipais dos Planos Diretores pesquisados, o que corresponde a aproximadamente um tero dos municpios com obrigatoriedade de elaborao de Planos Diretores determinada pelo Es-tatuto da Cidade; 26 relatrios dos estudos de caso; 27 relatrios estaduais; um relatrio nacional; e a realizao de oficinas regionais para validao da metodologia e para definio das estratgias de capacitao em cada Estado.

    Os municpios que tiveram seus planos analisados foram selecionados pelas coordenaes estaduais, obedecendo-se a trs critrios. Em primeiro lu-gar, o plano diretor deveria ter sido aprovado ps Estatuto da Cidade. O segun-do critrio vinculava-se distribuio populacional dos municpios, de forma

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    a preservar a diversidade dos municpios em relao ao porte e tipologia de municpios estabelecida no Plano Nacional de Habitao (PlanHab), que classifica os municpios conforme indicadores intra-municipais e caractersti-cas microrregionais. Nesse caso, a diviso obedeceu a diviso apresentada no quadro abaixo:

    Municpios por

    populao

    At 20.000

    De 20.000a 50.000

    De 50.000a 100.000

    De 100.000a 500.000

    Acima de 500.000

    Rio de Janeiroe So Paulo Total

    Quantidadee percentual 23 4% 226 43% 120 23% 130 25% 25 5% 2

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    Tabela 1 Distribuio de Municpios Pesquisados por Unidades da Federao Brasil, 2008

    Unidades da Federao Relatrios Municipais Estudo de CasoAcre 1 -Alagoas 11 -Amap 1 -Amazonas 8 1Bahia 47 2Cear 25 3Distrito Federal (Ride) 5 -Esprito Santo 14 -Goias 14 1Maranho 24 1Mato Grosso 8 -Mato Grosso do Sul 5 1Minas Gerais 54 3Par 23 1Paraba 7 -Paran 33 2Pernambuco 36 2Piau 4 -Rio de Janeiro 28 2Rio Grande do Norte 6 1Rio Grande do Sul 42 2Rondnia 4 -Roraima 1 -Santa Catarina 24 1So Paulo 92 3Sergipe 5 -Tocantins 4 -Total 526 26

    Fonte: Rede de Avaliao e Capacitao para a Implementao dos Planos Diretores Participa-tivos, 2010.

    Para a avaliao dos planos diretores municipais selecionados e para os es-tudos de caso, a coordenao da pesquisa definiu um roteiro nacional unificado, que foi utilizado por todos os pesquisadores. O roteiro de avaliao buscou ve-rificar se estavam explcitas as principais estratgias para o desenvolvimento do

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    municpio, se a linguagem era acessvel e qual a relao do Plano Diretor com o oramento municipal e com investimentos em infraestrutura. Alm dessa ava-liao geral, cada pesquisador deveria examinar como o plano tratou o acesso terra urbanizada e o acesso aos servios e equipamentos urbanos.

    Na avaliao do acesso terra urbanizada, o roteiro previu os seguintes temas: diretrizes para cumprimento da funo social da propriedade; controle do uso e ocupao do solo (macrozoneamento ou outra forma de regulao); permetro urbano e parcelamento do solo; coeficientes e macrozonas; zonas especiais de interesse social (tipos, localizao, acesso, regulamentao); e ins-trumentos de poltica fundiria (forma de aplicao, remisso a lei especfica, auto-aplicabilidade, utilizao, prazos, aprovao, recursos, finalidades e ou-tras informaes especficas para cada instrumento).

    Na avaliao de como o plano dialoga com os servios e equipamentos urbanos, buscou-se avaliar a integrao das polticas urbanas, a interface do plano com as polticas de habitao, saneamento, mobilidade e transporte e meio ambiente, especialmente com relao poltica habitacional, pois esta tem grande interface com os princpios do Estatuto da Cidade, na medida em que busca a reduo das desigualdades sociais e utiliza instrumentos como as ZEIS, os instrumentos de promoo da funo social da propriedade e os ins-trumentos de regularizao fundiria, entre outros.

    O roteiro tambm previu a avaliao da articulao do Plano Diretor com a poltica metropolitana, para municpios inseridos em reas dessa natureza. E, por fim, cabe destacar o item do Sistema de Gesto e Participao Democr-tica, onde se avaliou como o plano tratou as audincias pblicas, as consultas pblicas, as conferncias, a instituio dos conselhos, fruns e outras instn-cias de participao social.

    Os relatrios dos estudos de caso, para uma amostra de 26 Planos Dire-tores, contemplaram anlises mais detalhadas, centradas na investigao do processo de implementao, relacionando os planos aprovados com os inves-timentos e aes realizadas nos municpios e com a estrutura de gesto da prefeitura, especialmente o sistema de planejamento e de gesto democrtica.

    Os relatrios estaduais seguiram roteiro similar aos municipais, buscan-do a leitura sistematizada dos planos avaliados em cada estado. Um grupo de pesquisadores foi designado para consolidar as avaliaes temticas a partir de seis eixos, com base nos relatrios estaduais: acesso a terra urbanizada, ha-bitao, saneamento ambiental, mobilidade e transportes, meio ambiente, e questo metropolitana.

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    A terceira etapa do projeto contemplou atividades regionais de capaci-tao, objetivando alavancar o processo de implementao dos Planos Dire-tores e dos instrumentos do Estatuto da Cidade, com participao dos movi-mentos sociais.

    A quarta etapa consiste na presente publicao, que contm a sntese dos resultados da pesquisa, bem como as perspectivas e desafios para o fortaleci-mento do planejamento urbano nos municpios brasileiros.

    Por fim, cabe destacar um aspecto metodolgico fundamental. Esta pes-quisa foi desenvolvida, em todas as suas fases, com o acompanhamento do Grupo de Trabalho do Comit Tcnico de Planejamento e Gesto do Solo Ur-bano, vinculado ao Conselho das Cidades, composto por representantes de to-dos os segmentos que compem este conselho. Isso permitiu uma experincia inovadora, em termos dos paradigmas hegemnicos no campo das pesquisas cientficas, ao serem incorporados representantes de segmentos sociais hetero-gneos associaes profissionais, organizaes no-governamentais, sindica-tos, associaes empresariais, entidades acadmicas, movimentos populares e poder pblico na discusso da metodologia e dos resultados da pesquisa. Re-conhecendo as tenses decorrentes dessa opo metodolgica, cabe registrar o enorme aprendizado e a riqueza do conhecimento produzido nesse processo. No sentido mais profundo do termo, esta pesquisa resultado de um trabalho coletivo, que envolveu centenas de pessoas.

    A presente publicao est estruturada em trs blocos. O primeiro bloco, composto do primeiro captulo, traz a sntese das anlises e elenca desafios e recomendaes para o fortalecimento do planejamento urbano dos munic-pios brasileiros.

    O segundo bloco rene os captulos que trazem a sntese das avaliaes por eixos temticos: acesso terra urbanizada, habitao, saneamento ambien-tal, transporte e mobilidade e sistema de gesto e participao democrtica. Cada eixo teve um pesquisador responsvel pela produo de uma sntese das avaliaes produzidas, que o(a) autor(a) do artigo aqui apresentado.

    Por fim, o terceiro bloco trata da sntese do processo de capacitao, contendo a descrio das atividades realizadas pelo projeto e um breve balano desse processo.

    Espera-se que essa publicao contribua para a compreenso do estado da arte do planejamento urbano no Brasil e para o fortalecimento da gesto municipal, seja atravs da ampliao da capacitao de agentes pblicos e so-ciais, seja no fomento de novas pesquisas em torno da temtica dos planos

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    diretores. Com isso, esperamos que seus resultados possam contribuir para a efetivao dos instrumentos do Estatuto da Cidade previstos nos planos dire-tores, com o objetivo de romper com a lgica perversa da contnua expanso perifrica das cidades brasileiras, oferecendo aos municpios a oportunidade da implementao dos instrumentos urbansticos que viabilizem o acesso a terra urbanizada e da prtica do planejamento urbano politizado, na perspec-tiva da construo de pactos socioterritoriais em torno do direito cidade.

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    Um olhar sobre as experincias recentes de planejamento e gesto das ci-dades, sobretudo aquelas desenvolvidas a partir da dcada de 1990, permite reco-nhecer novas e velhas prticas no campo da poltica urbana. As primeiras so im-pulsionadas por uma nova cultura vinculada tanto dimenso dos direitos sociais inscritos na Constituio de 1988 e no Estatuto da Cidade quanto participao de uma pluralidade de atores sociais com presena na cena pblica. J as velhas prticas se ligam cultura conservadora e aos paradigmas tecnocrticos que ainda vigoram em muitos municpios brasileiros. O balano dos Planos Diretores reali-zado no mbito desta pesquisa parece confirmar esse diagnstico. 1 2

    A elaborao de Planos Diretores como instrumentos de planejamento do uso do solo urbano no recente, mas aparece na histria do urbanismo brasileiro desde a dcada de 1930, quando foi elaborado o Plano Agache no Rio de Janeiro. No entanto, primeiramente com a promulgao da Constituio de 1988 e posteriormente com a instituio do Estatuto da Cidade, em 2001, a abrangncia dos Planos Diretores foi ampliada, e seu sentido, alterado, estando agora vinculados definio da funo social da cidade e da propriedade e ao plano de desenvolvimento urbano municipal. Com efeito, a aplicao, pelos municpios, de diversos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade depen-

    1 Socilogo, doutor em planejamento urbano e regional, professor do IPPUR/UFRJ e coorde-nador geral da pesquisa.

    2 Arquiteto, mestre em planejamento urbano e regional, diretor de planejamento urbano do Ministrio das Cidades (2009-2010).

    sntese, desAfios e recomendAesI

    Captulo

    Orlando Alves dos Santos Junior1

    Daniel Todtmann Montandon2

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    de da aprovao do Plano Diretor, que, segundo determina o prprio Estatuto, deve definir a funo social das diferentes reas do municpio, sejam elas ur-bana ou rural, privada ou pblica, tornando obrigatria a existncia dessa lei nos municpios brasileiros com populao acima de vinte mil habitantes ou integrantes de regies metropolitanas e aglomeraes urbanas.3 Nesse proces-so, pode-se perceber uma clara tentativa, por parte de planejadores, urbanistas e do movimento social, de desenvolver uma nova concepo de planejamento politizado da cidade, re-significando o sentido dos Planos Diretores a partir de novas diretrizes, princpios e instrumentos voltados para a promoo do direito cidade e para a sua gesto democrtica.4

    A sntese das avaliaes qualitativas dos Planos Diretores avaliados pela pes-quisa aqui apresentada leva em considerao esse contexto. Antes de apresentar o balano, contudo, preciso destacar que, tomando-se como referncia os estados da Federao, constatam-se especificidades que exigem cuidados nas generali-zaes. Assim, necessrio analisar os resultados encontrados tendo em vista as particularidades dos estados e dos municpios que tiveram seus Planos avaliados. De fato, o objetivo aqui no avaliar se determinado Plano Diretor bom ou ruim, mas produzir um balano geral que indique o estado da arte do processo de elaborao dos Planos Diretores no Brasil aps Estatuto da Cidade.

    O balano demonstra certa centralidade no tratamento da questo do zoneamento, da gesto do uso do solo, do sistema virio, da habitao e do patrimnio histrico. Por outro lado, parece que, relativamente, houve ainda uma pequena incorporao das temticas do saneamento ambiental e da mo-bilidade urbana, ao mesmo tempo em que se percebe uma crescente incorpo-rao da questo ambiental nos planos diretores municipais.

    De uma forma geral, a pesquisa qualitativa sobre os Planos Diretores demonstra a generalizada incorporao dos instrumentos previstos no Es-tatuto da Cidade pelos municpios. Tambm comprova que o Plano Diretor foi amplamente elaborado pelos municpios5, indicando o efeito das aes do Ministrio das Cidades na sensibilizao e mobilizao de gestores pblicos e da sociedade. Ao mesmo tempo, do ponto de vista qualitativo, nem todos os Planos Diretores so efetivamente resultado de um pacto social para a gesto 3 Para uma anlise dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade, ver: Ministrio das

    Cidades, 2005; e RIBEIRO e CARDOSO, 2003.

    4 RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz, CARDOSO, Adauto Lucio. Plano Diretor e Gesto Democr-tica da Cidade, cit.

    5 Principalmente os municpios com obrigao de elaborao segundo a Lei n 10.257/01 - Estatuto da Cidade.

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    do territrio municipal e tambm no so todos os planos que dialogam com os preceitos sociais do Estatuto da Cidade, especialmente quanto instituio de instrumentos de gesto do solo urbano.

    Neste captulo, procurou-se sintetizar os principais resultados das an-lises desenvolvidas, privilegiando alguns temas. Ao mesmo tempo, buscou-se sintetizar os resultados das anlises desenvolvidas, bem como identificar al-guns dos principais desafios para o planejamento urbano das cidades brasilei-ras, na perspectiva da promoo do direito cidade. Nessa direo, por fim, foi esboada uma pauta propositiva para se avanar na efetivao do planeja-mento urbano nos municpios em consonncia com o Estatuto da Cidade e tambm para que estados e Unio estruturem formas de apoio aos municpios.

    1 A incorporao dos Instrumentos de Acesso Terra Previstos no Estatuto da Cidade nos Planos Diretores6

    Mesmo que a presente pesquisa tenha o propsito de ser uma anlise qualitativa dos Planos Diretores, cabe um olhar preliminar sobre os dados quantitativos para o exame da evoluo dos Planos Diretores no Brasil. A Pes-quisa de Informaes Bsicas Municipais do IBGE (MUNIC),7 realizada desde 2001, evidencia a clara evoluo dos Planos Diretores no Brasil no perodo entre 2001 e 2009. Por exemplo, os grficos 1 e 2 demonstram que a partir de 2005 o nmero de Planos Diretores aumentou consideravelmente, passando de 805 em 2005 para 2318 em 2009. Se considerado o universo de municpios com mais de vinte mil habitantes que tem obrigatoriedade de elaborao do Plano Diretor segundo o Estatuto da Cidade , a proporo de Planos elabo-rados em relao ao total mais expressiva: em 2009, dos 1644 municpios com mais de vinte mil habitantes, 1433 declararam ter Plano Diretor, o que corresponde a 87% do total.

    6 Esta seo sistematiza informaes contidas no estudo O acesso terra urbanizada nos Planos Diretores brasileiros, elaborado por Fabrcio Leal de Oliveira e Rosane Biasotto e publicado nesse livro.

    7 IBGE: Pesquisa do perfil dos Municpios Brasileiros MUNIC.

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    Grficos 1 e 2 Evoluo de Planos Diretores no Brasil de 2001 a 2009: total de municpios brasileiros e total de municpios com obrigatoriedade de elaborao

    Fonte: IBGE, Perfil dos Municpios Brasileiros / MUNIC. 2001 a 2009. Disponvel em: Acesso em: 16 set. 2010.

  • 31orlando Alves dos santos junior, daniel todtmann montandon

    Se for analisada a incorporao de instrumentos de planejamento ur-bano, perceber-se- a mesma tendncia de evoluo nos municpios, com algumas variaes conforme o instrumento. Se forem consideradas as Zo-nas Especiais de Interesse Social (ZEIS), por exemplo, constatar-se- a nti-da evoluo do instrumento no perodo de 2001 a 2009, com um expressivo aumento a partir de 2005. Os grficos 3 e 4 demonstram que de 2001 a 2005 o instrumento foi pouco incorporado pelos municpios, passando de 647 mu-nicpios com ZEIS em 2001 para 672 em 2005. Contudo, no perodo de 2005 a 2009 o nmero de municpios com ZEIS passou de 672 em 2005 para 1799 em 2009, o que representa um incremento de 168%. Comparando os dados em relao ao universo de municpios com obrigatoriedade de elaborao do Pla-no Diretor, a mesma evoluo se confirma: houve um incremento de 145%, ao se comparar o nmero de municpios com ZEIS em 2009 com o nmero de municpios com ZEIS em 2005. Este um avano expressivo, pois demonstra a efetiva incorporao dos conceitos e ferramentas do Estatuto da Cidade nos Planos Diretores. (Grficos 3 e 4).

    No perodo de 2005 a 2006 o Ministrio das Cidades realizou uma ampla campanha nacional para mobilizao e sensibilizao de gestores pblicos e da sociedade para a elaborao dos Planos Diretores.8 Os dados da MUNIC permitem a interpretao de que a campanha contribuiu sobremaneira para a evoluo dos Planos Diretores e dos instrumentos de planejamento urbano nos municpios, dado o expressivo nmero de municpios que elaboraram o Plano Diretor a partir de 2005. Ou seja, do ponto de vista quantitativo, ao se considerar que os instrumentos so institudos nos Planos Diretores, fica claro que o Estatuto da Cidade foi incorporado pelos municpios.

    Quanto dimenso qualitativa, a avaliao de 526 leis de Planos Diretores de diferentes municpios tambm demonstra que a grande maioria dos Planos procurou incorporar os conceitos e ferramentas do Estatuto da Cidade.9 O grfi-co 5 sistematiza os dados relativos incorporao dos instrumentos nos Planos Diretores. Nota-se a expressiva presena do zoneamento ou macrozoneamento (91%), das Zonas Especiais de Interesse Social (81%) e do conjunto de instru-mentos composto por Parcelamento, Edificao ou Utilizao Compulsrios, IPTU Progressivo no Tempo e Desapropriao (87%); assim como tambm

    8 Denominada Campanha Nacional Plano Diretor Participativo: Cidade de Todos.

    9 A pesquisa no pressups a avaliao de experincias referenciais as chamadas boas prticas ,mas englobou municpios de diversas regies e de diferentes portes, em termos de populao e extenso territorial, dentre outras caractersticas.

  • sntese, desAfios e recomendAes32

    Grficos 3 e 4 Evoluo de Zonas Especiais de Interesse Social no Brasil de 2001 a 2009: total de municpios brasileiros e total de municpios com obrigatoriedade de elaborao de Plano Diretor

    Fonte: IBGE, Perfil dos Municpios Brasileiros / MUNIC. 2001 a 2009. Disponvel em: Acesso em: 16 set. 2010.

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    expressiva, por exemplo, a instituio da Outorga Onerosa do Direito de Cons-truir (71%) e das Operaes Urbanas Consorciadas (71%).

    Grfico 5 Incorporao dos instrumentos do Estatuto da Cidade nos Planos Diretores a partir das anlises dos relatrios municipais e estaduais

    Fonte: SNPU/MCidades, IPPUR, 2010

    Tal incorporao dos instrumentos deu-se de diferentes formas. Muitos Planos apenas transcrevem trechos do Estatuto, outros incorporam os instru-mentos sem avaliar sua pertinncia em relao ao territrio e capacidade de gesto do municpio, outros, ainda, incorporam alguns fragmentos de concei-tos e ideias do Estatuto de modo desarticulado com o prprio plano urbans-tico. Por outro lado, alguns Planos avanaram no delineamento de estratgias de desenvolvimento urbano que dialogam com as dinmicas locais e com a perspectiva de cumprimento da funo social da propriedade pactuada com os diversos segmentos da sociedade.

    Independentemente da forma como o Estatuto da Cidade foi abordado nos Planos Diretores, constata-se o ntido esforo da sociedade e dos gestores em incorpor-lo no Plano Diretor. Quanto regulamentao dos instrumen-tos para sua aplicao prtica, os Planos ainda apresentam debilidades e defi-cincias de natureza tcnica, conforme se ver adiante.

  • sntese, desAfios e recomendAes34

    1.1. Inadequao da regulamentao de instrumentos nos Planos Diretores para sua efetiva aplicao

    Uma das inovaes do Estatuto da Cidade foi a definio de instrumentos de planejamento urbano, classificados pelo Estatuto como planos, institutos tributrios e financeiros, institutos jurdicos e polticos, dentre outros. So ins-trumentos novos e antigos. Alguns j vinham sendo aplicados por determi-nados municpios, como as zonas especiais de interesse social, as operaes urbanas, a outorga onerosa do direito de construir e a transferncia do direito de construir. Outros, ainda, como o Parcelamento, Edificao ou Utilizao Compulsrios e o IPTU Progressivo no Tempo, eram novidade para vrios municpios em termos de experimentao prtica, posto que esses instrumen-tos tinha sido pouco utilizados pelos municpios at ento.

    A Resoluo n 34 do Conselho Nacional das Cidades, instituda em 1 de julho de 200510, definiu orientaes sobre o contedo mnimo do Plano Diretor. Nela percebe-se a clara orientao para que os Planos incorporem os instrumentos do Estatuto da Cidade vinculando-os aos objetivos e estratgias estabelecidos no Plano Diretor (inciso IV do art. 1). A razo de utilizao dos instrumentos est na sua relao com o cumprimento da funo social da propriedade e, consequen-temente, nas estratgias de desenvolvimento urbano previstas no Plano Diretor.

    A pesquisa evidenciou uma generalizada inadequao da regulamenta-o dos instrumentos nos Planos Diretores no que se refere autoaplicabilida-de ou efetividade dos mesmos, principalmente no caso dos instrumentos re-lacionados induo do desenvolvimento urbano. Tal inadequao gera uma insuficincia no que se refere definio de conceitos e parmetros urbansti-cos, demarcao dos instrumentos no territrio e definio de prazos para implementao e operacionalizao de procedimentos administrativos entre outros aspectos. Mesmo que alguns instrumentos requeiram regulamentao especfica ou que suponham detalhamento de seu modo de operar em regula-mento prprio, aquilo que cabe ao Plano Diretor definir, especialmente a inci-dncia dos instrumentos no territrio, de um modo geral est precariamente disposto nos Planos Diretores.

    Para um instrumento ser implementado, o nvel de regulamentao no Plano Diretor deve ser suficiente para que, no licenciamento urbanstico de novos projetos privados ou no planejamento de uma interveno pblica em

    10 CONSELHO DAS CIDADES. Resoluo n 34 do Conselho das Cidades, de 1 de julho de 2005. Disponvel em: www.cidades.gov.br, acessado em 11/09/2010.

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    uma determinada rea da cidade, tais instrumentos sejam efetivamente incor-porados. Como exemplo, pode-se utilizar as Zonas Especiais de Interesse So-cial (ZEIS), que foram consideravelmente incorporadas em 81% dos Planos Diretores avaliados. Segundo a Resoluo 34 do Conselho Nacional das Cida-des, a instituio das ZEIS, considerando o interesse local, dever:

    III demarcar as reas sujeitas a inundaes e deslizamentos, bem como as reas que apresentem risco vida e sade;IV demarcar os assentamentos irregulares ocupados por populao de baixa renda para a implementao da poltica de regularizao fundiria;V definir normas especiais de uso, ocupao e edificao adequadas regularizao fundiria, titulao de assentamentos informais de baixa renda e produo de habitao de interesse social, onde couber;VI definir os instrumentos de regularizao fundiria, de produo de habitao de interesse social e de participao das comunidades na gesto das reas; [] (Art. 5 da Resoluo n 34 do Conselho Nacional das Cida-des de 1 de julho de 2005).

    Como se v, presume-se o diagnstico da situao real de ocupao e a respectiva demarcao do instrumento no territrio, assim como, no caso das ZEIS vazias, a reserva de reas para o uso habitacional de interesse social. Sem a adequada conceituao, demarcao no territrio e definio de parmetros urbansticos, o instrumento perde sua efetividade quando o proprietrio pre-tender a viabilizao de um projeto, correndo-se o risco da rea ser destinada a outra finalidade. Isso pode acontecer, por exemplo, quando outro uso for possibilitado pela lei de uso e ocupao do solo, anterior lei do Plano Diretor, ou ainda, quando o prprio Poder Pblico pretender uma destinao diferente daquela expressa no Plano Diretor por razes polticas.

    Aqui cabe um comentrio. Mesmo havendo orientao expressa para que os Planos Diretores sejam auto-aplicveis, principalmente em relao aos instrumentos de planejamento urbano, fundamental que os parmetros e diretrizes do Plano Diretor sejam incorporados nas revises das leis de parce-lamento, uso e ocupao do solo. Tal legislao no pode contradizer o Plano Diretor, devendo ser complementar s suas disposies.

  • sntese, desAfios e recomendAes36

    1.2. Precariedade no rebatimento territorial das diretrizes e instrumentos estabelecidos nos Planos Diretores

    Um dos principais problemas identificados na pesquisa que diversas diretrizes e instrumentos no esto adequadamente demarcados no territrio. O Plano Diretor deve definir como cada poro do territrio cumpre sua fun-o social e, para tanto, deve apresentar, com clareza, a configurao espacial das diretrizes e dos instrumentos voltados regulao do uso e ocupao do solo e dos investimentos pblicos. Mas foram poucos os planos que avana-ram no adequado rebatimento territorial de diretrizes e instrumentos, o que evidencia, em diversos casos, o descolamento dos propsitos do plano com o territrio municipal e a fragilidade de estratgias de desenvolvimento urbano pretendidas nesses Planos Diretores.

    Segundo a Resoluo n 34 do Conselho Nacional das Cidades, definida a funo social da propriedade para cada poro do territrio municipal, toda a rea do municpio dever ter sua destinao identificada nos mapas, assim como a descrio de permetros de zonas e de instrumentos (inciso V, Art. 3); e, ainda, toda a legislao incidente sobre o uso e ocupao do solo no territ-rio do municpio dever ser consolidada no Plano Diretor.

    Podem ser diversas as razes que justificam a insuficiente e inadequada demarcao territorial de diretrizes e instrumentos nos Planos Diretores: leitura tcnica e comunitria mal elaborada, poucos recursos tcnicos e humanos para a elaborao de mapas e demais peas tcnicas, inexistncia ou precariedade de cadastros e de informaes bsicas sobre o territrio, reduzido tempo para o pro-cesso de elaborao do Plano Diretor, descaso ou desinteresse dos gestores e do legislativo com o processo de elaborao ou aprovao do Plano Diretor, entre ou-tros motivos. No se dispe de dados concretos que possibilitem uma afirmao clara, mas acredita-se que o principal motivo seja a baixa capacidade institucional e tcnica dos municpios, o que requer uma ateno especial dos governos federal e estaduais no sentido de apoiar os municpios a superarem essas deficincias.

    Nessa perspectiva, o municpio poderia avanar, por exemplo, na estrutura-o do Cadastro Territorial Multifinalitrio (CTM). O Ministrio das Cidades edi-tou a Portaria n 511, de 7 de dezembro de 2009,11 que estabelece as diretrizes para a criao, instituio e atualizao do CTM nos municpios brasileiros. Segundo a portaria, o CTM o inventrio territorial oficial e sistemtico do municpio [...].

    11 MINISTRIO DAS CIDADES. Portaria n 511, de 7 de dezembro de 2009. Disponvel em: www.cidades.gov.br, acessado em 11/09/2010.

  • 37orlando Alves dos santos junior, daniel todtmann montandon

    Trata-se de uma ferramenta potente para reunir e atualizar os dados oficiais do territrio municipal e integrar as diversas informaes oriundas de outros cadas-tros temticos, facilitando a gesto das polticas pblicas no que se refere s suas interfaces com o territrio e, principalmente, contribuindo para o processo de ela-borao e implementao do Plano Diretor. Cabe, portanto, aos estados e Unio apoiar os municpios para que estes avancem na estruturao do CTM.

    2 A questo habitacional nos Planos Diretores12

    A anlise indica que a maior parte dos Planos Diretores incorpora defini-es relativas poltica de habitao, apesar de existirem situaes nas quais os municpios no tratam da questo, mas remetem o assunto para uma posterior elaborao de Planos Municipais de Habitao. Em linhas gerais, percebe-se que os Planos Diretores estabelecem definies, diretrizes e objetivos relacio-nados poltica de habitao, porm sem incorporar os elementos necessrios efetividade dos instrumentos adotados. Em sntese, apesar de poder-se cons-tatar avanos no discurso relativo ao direito a moradia, este no se traduz na definio de metas e estratgias efetivas para o enfrentamento da problemtica habitacional das cidades pesquisadas.

    No entanto, apesar dessa tendncia geral, existem diferenas significati-vas no perfil dos Planos conforme os estados em que se localizam. A anlise tambm indica destaques para alguns municpios que adotaram em seus Planos Diretores estratgias de ampliao do acesso terra e da oferta de moradia atra-vs: (i) da vinculao de instrumentos do Estatuto da Cidade tais como a Con-cesso de Uso Especial para Fins de Moradia, o Direito de Superfcie e o Direito de Preempo s polticas de regularizao fundiria; (ii) da criao de Zonas de Especial Interesse Social ZEIS em reas vazias; (iii) da vinculao dos re-cursos decorrentes da aplicao de alguns instrumentos, em especial a Outorga Onerosa do Direito de Construir, produo de habitao de interesse social e urbanizao e regularizao fundiria de reas ocupadas por famlias de baixa renda; (iv) da demarcao das reas destinadas moradia social no Zoneamen-to, visando aproveitar as reas infraestruturadas com vazios urbanos.

    Para alm dos poucos avanos existentes, as tendncias gerais permitem destacar os seguintes pontos:

    12 Esta seo traz uma sntese do estudo O Plano Diretor e a poltica de habitao, elabo-rado por Adauto Lucio Cardoso e Maria Cristina Bley da Silveira, publicado neste livro.

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    a) Um pequeno nmero de Planos Diretores incorpora programas espec-ficos para a moradia popular (urbanizao de favelas, regularizao de loteamentos etc.). Entre aqueles que preveem programas com esta fina-lidade cerca de cem municpios destacam-se aqueles voltados para a: proviso habitacional de interesse social, inclusive para populao resi-dente em reas de risco; regularizao urbanstica e fundiria em parce-lamentos urbanos e rurais; criao de bancos de terra e reserva fundiria nos processos de parcelamentos do solo.

    b) Os instrumentos previstos pelo Estatuto da Cidade, ainda que presentes em larga medida nos Planos Diretores (como j mencionado, necessi-tando, em sua maioria, de regulamentao posterior), no se encontram efetivamente atrelados poltica de habitao. Existem poucas refern-cias aplicao do IPTU Progressivo, do Parcelamento Compulsrio e da Outorga Onerosa do Direito de Construir voltadas para essa finalidade, apesar de se verificar a vinculao de alguns instrumentos da poltica ur-bana em especial a Concesso de Uso Especial para Fins de Moradia, o Direito de Superfcie e o Direito de Preempo s aes de regulariza-o urbanstica e fundiria de assentamentos precrios.

    c) A definio de ZEIS configurou-se como o instrumento mais utilizado en-tre o conjunto de dispositivos associado questo da moradia. Aqui, cabe destacar que, apesar do grande nmero de municpios que previram ou adotaram esse instrumento (81%), menos da metade define a localizao das ZEIS, indicando que a maioria dos municpios contemplou reas j ocupadas por assentamentos precrios, sendo que cerca de quarenta Planos Diretores definiram a criao de ZEIS exclusivamente nessas reas. Mas pode-se considerar um avano o fato de aproximadamente sessenta Planos Diretores inclurem alguma referncia aplicao das ZEIS em reas va-zias, alguns dos quais j realizando as respectivas delimitaes e/ou demar-caes em mapas. Da mesma forma que para os demais instrumentos, em geral, as definies relativas ZEIS no so autoaplicveis, necessitando de medidas posteriores, tais como detalhamentos e regulamentaes.

    d) Um nmero expressivo de Planos Diretores (mais de duzentos) define di-retrizes, objetivos e prazos para a elaborao dos Planos Municipais de Ha-bitao. Da mesma forma, uma grande quantidade de Planos indica a pre-viso ou instituio de fundo especfico de habitao de interesse social ou de fundo de desenvolvimento urbano tambm destinado moradia. Alm

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    disso, um percentual expressivo de Planos (cerca de setenta Planos) define suas fontes de recursos, entre as quais se destacam: dotaes orament-rias municipais, repasses de recursos estaduais e federais, parte da receita gerada com a aplicao dos instrumentos do Estatuto, percentual na renda da alienao de imveis pblicos, entre outras. Tanto no caso dos Planos Municipais de Habitao como no dos fundos, provvel que a alta incor-porao dessas definies pelos Planos Diretores expresse as exigncias de adeso ao Sistema Nacional de Habitao de Interesse Social SNHIS.

    e) Praticamente so inexistentes as articulaes entre as definies em torno da poltica habitacional e o oramento municipal (PPA, LDO e LOA) nos Planos Diretores, com exceo de referncias genricas ou de previses efetivas em um nmero reduzido de municpios, o que reflete a falta de prioridade de investimento na superao dos problemas habitacionais.

    Em sntese, a anlise revela a inexistncia de estratgias socioterritoriais no enfrentamento da questo habitacional na quase totalidade dos planos di-retores. No entanto, apesar das fragilidades identificadas, no so desprezveis os avanos identificados, em especial aqueles observados em torno do direito moradia, que expressam possibilidades de enfrentamento das desigualdades sociais que marcam as cidades brasileiras.

    3 A poltica de saneamento ambiental nos planos diretores13

    A anlise do tratamento dado ao tema do saneamento ambiental revela que os Planos Diretores municipais aprovados pelos municpios so extremamente frgeis na construo de diretrizes, objetivos, instrumentos e programas que vi-sem a ampliao do acesso da populao aos servios de saneamento o que grave, tendo em vista que o acesso terra urbanizada e bem localizada requer os mesmos programas, instrumentos, objetivos e diretrizes. No obstante o fato de um nmero significativo de Planos reconhecer a importncia da universalizao do acesso aos servios, vinculando essa definio necessidade de construo de cidades socialmente justas e ambientalmente sustentveis, poucos conseguem formular uma estratgia de poltica de saneamento ambiental que seja um com-ponente da poltica de desenvolvimento urbano municipal.13 Esta seo traz uma sntese do estudo Saneamento ambiental nos Planos Diretores, ela-

    borado por Ana Lucia Britto, publicado neste livro.

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    Com raras excees, as indicaes referentes universalizao do acesso aos servios de saneamento ou ampliao das redes de infraestrutura para todo o municpio se constituem como objetivo bastante genrico. De fato, o frgil tratamento dado ao tema expressa o fato de grande parte dos municpios ter dificuldades em assumir suas responsabilidades na gesto dos servios de saneamento, muitas vezes repassados concessionrias estaduais ou, em me-nor nmero de casos, a empresas privadas.

    Apesar de serem raras as articulaes entre os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade e a poltica de saneamento, cabe destacar que alguns municpios preveem a aplicao da outorga onerosa e do IPTU progressivo como fonte de recursos para investimentos em saneamento ambiental. Todavia, o nmero de municpios que faz uso desses instrumentos para financiar aes de saneamento e que cria fundos exclusivos para esse fim pouco expressivo.

    4 A questo da mobilidade e do transporte nos planos diretores14

    A avaliao indica que muitos Planos Diretores incorporam diretrizes para melhorar, estimular ou priorizar o transporte pblico coletivo atravs da integrao da rede existente, incluindo, em alguns casos, o servio de taxi-lotao e o sistema hidrovirio como modais integrantes do sistema de transporte pblico. Alm disso, nesse tema, uma questo que aparece com frequncia diz respeito incluso social, com diversos planos adotando diretrizes para a adoo de tarifas sociais.

    No entanto, ainda se percebe que dado um tratamento insuficiente aos modos no motorizados de transportes (modo a p e de bicicleta). Com efeito, constata-se que os deslocamentos a p ainda no aparecem como uma prioridade efetiva nos municpios, sendo mencionados de forma genrica nos Planos Dire-tores, com nfase nas pessoas portadoras de deficincia fsica ou com mobilidade reduzida. Assim, so raros os projetos que tm por objetivo a pavimentao, a ampliao das caladas e a construo de espaos para a circulao de pedestre.

    De mesma forma, em geral a bicicleta no tratada pelos municpios de maneira integrada aos outros modais de transportes, incluindo-se a o trans-porte coletivo. Ao contrrio: muitas vezes esse meio de transporte aparece nos Planos Diretores como um tema vinculado questo ambiental, por tratar-se de em modo no poluente.

    14 Esta seo traz uma sntese do estudo A poltica de mobilidade e os Planos Diretores, elaborado por Liane Nunes Born, publicado neste livro.

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    Na poltica de mobilidade, o tema da acessibilidade um dos assuntos que mais aparecem nos Planos Diretores, sendo que parcela considervel dos municpios tratou dessa questo sob a tica da eliminao das barreiras fsicas e da adaptao das caladas e do transporte coletivo para os portadores de de-ficincia fsica. Um nmero pequeno de municpios ampliou essa abordagem, considerando que o conceito de acessibilidade no se limita a esse grupo so-cial, mas abrange a todas as pessoas que, por diversas razes, vivem situaes de restries de acesso s infraestruturas urbanas, e incorporando, assim, a universalizao do transporte pblico e a acessibilidade universal, na perspec-tiva do acesso amplo e democrtico cidade.

    Outro tema que aparece com grande centralidade nos Planos Diretores o planejamento do sistema virio, que deve ser realizado em articulao com as demais polticas urbanas. A avaliao indica que grande parte dos munic-pios estabeleceu a classificao viria, ou as diretrizes para o estabelecimento desta, conforme determinao contida no Cdigo de Trnsito Brasileiro, hie-rarquizando as vias de trnsito rpido, vias arteriais, vias coletoras e vias locais, sem avanar alm desse ponto. De fato, a maior parte dos municpios remeteu a discusso para um plano setorial especfico, instituindo o Plano Setorial de Mobilidade Urbana, do Sistema Virio ou similar.

    Em sntese, pode-se dizer que os planos diretores municipais, de uma for-ma geral, avanam - em relao forma como tradicionalmente o planejamento urbano tratava o tema na perspectiva de incorporar a poltica de mobilidade como instrumento de universalizao do direito cidade. No entanto, esse avan-o no se traduziu na incorporao de instrumentos auto-aplicveis, nem na definio de metas e diretrizes para a alocao de recursos, limitando profunda-mente a efetividade dessas definies presentes nos Planos Diretores.

    5 A questo ambiental nos planos diretores15

    A anlise da questo ambiental revela que no existe homogeneidade no tratamento dessa temtica por parte dos Planos Diretores, mesmo nos de munic-pios situados nos mesmos estados e/ou regies. Apesar da grande quantidade de

    15 Esta seo traz uma sntese do estudo A dimenso ambiental nos Planos Diretores de municpios brasileiros: um olhar panormico sobre a experincia recente, elaborado por Heloisa Soares de Moura Costa, Ana Lcia Goyat Campante e Rogrio Palhares Zschaber de Arajo, publicado neste livro.

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    Planos Diretores que incorporam a questo ambiental entre os objetivos e princ-pios fundamentais da poltica de desenvolvimento urbano, sobretudo atravs dos conceitos de sustentabilidade e qualidade ambiental, poucos so os que incorpo-ram mecanismos e instrumentos capazes de dar efetividade poltica ambiental.

    Percebe-se que alguns Planos adotam consideraes sobre os ecossis-temas e a capacidade das infraestruturas locais como condicionantes para a delimitao das reas e dos padres de ocupao, apesar de estes, em geral, no serem efetivamente autoaplicveis, requerendo definies posteriores. De fato, constata-se que h pouca ou nenhuma inovao no uso dos instrumen-tos previstos pelo Estatuto da Cidade vinculado a estratgias de ordenamen-to territorial fundamentadas em princpios de sustentabilidade ambiental. O macrozoneamento, por exemplo, principal instrumento de ordenao do uso e ocupao do solo, restringe-se, na maior parte dos casos, definio de uni-dades de conservao integral, sem enfrentamento dos conflitos vinculados dinmica de operacionalizao dessas e de outras categorias de reas de inte-resse ambiental tanto nas reas urbanas quanto nas rurais.

    Outro elemento a ser destacado diz respeito pouca presena, nos Pla-nos Diretores, da exigncia de licenciamento ambiental para empreendimen-tos causadores de impacto no meio ambiente natural e na estrutura urbana em nvel local, bem como de propostas de elaborao de Cdigos Ambientais, Planos Municipais de Meio Ambiente e Zoneamentos Ecolgico-Econmicos. Nos poucos Planos em que esses instrumentos so institudos, na maioria dos casos eles so remetidos a regulamentao posterior.

    O Estudo de Impacto na Vizinhana EIV, proposto pelo Estatuto da Cidade, o instrumento que mais aparece nos Planos analisados. Contudo, muitas vezes esse instrumento apenas citado, sem qualquer detalhamento ou vinculao com uma poltica concreta de meio ambiente, de fato ausente nos Planos Diretores.

    Em sntese, os Planos Diretores de modo geral no expressam uma abor-dagem integrada da questo ambiental com as demais polticas setoriais ur-banas, as quais continuam sendo tratadas de maneira segmentada e muitas vezes conflitante, sem mecanismos efetivos de articulao. O pequeno nmero de Planos que incorpora os estudos de impacto e o licenciamento ambiental como instrumentos de poltica urbana indica o tratamento segmentado que, na maior parte dos casos, dado s polticas setoriais.

    No tratamento das questes urbanas parece haver uma prevalncia da tradio do urbanismo, da poltica ambiental e da tradio preservacionista, o que resulta em uma viso antagnica de cidade e natureza cuja consequncia

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    a incapacidade de se perceber e enfrentar os conflitos urbano-ambientais na sua complexidade.

    No que se refere especificamente abordagem da questo ambiental, pre-valece nos Planos Diretores o enfoque centrado na chamada agenda verde, ou seja, na arborizao urbana, na preservao de espaos livres e na gesto das unidades de conservao, na maioria das vezes desvinculada das demais questes de desenvolvimento municipal e marcadas pelo no reconhecimen-to dos conflitos socioambientais que caracterizam essa temtica. Ou seja, no obstante os avanos observados no discurso em relao sustentabilidade das cidades explicitada como objetivo em quase todos os Planos Diretores a grande maioria dos municpios no foi capaz de fazer a integrao necessria com a chamada agenda marrom, reproduzindo a dicotomia existente entre ambas as agendas, verde e marrom, expressando uma viso que no considera os processos de loteamento e ocupao do espao urbano como integrantes das dinmicas ambientais, restritas a aes de preservao, ou seja, de no ocu-pao. Alm disso, essa viso no incorpora as abordagens mais contempor-neas em torno da questo urbano-ambiental, que incidem, por exemplo, sobre a concepo da funo social da propriedade, envolvendo os usos ambiental-mente coletivos de espaos para agricultura urbana, hortas e jardins produti-vos, inexistentes nos Planos Diretores avaliados.

    A contradio entre essa abordagem ambiental e a abordagem urbana se reflete de forma grave, por exemplo, no enfrentamento dos conflitos envolven-do a questo da habitao de interesse social e a regularizao de assentamen-tos informais em reas de preservao, cujas respostas presentes nos Planos nem sempre esto associadas garantia do direito moradia e obrigatorie-dade de reassentamento nos casos em que a permanncia da populao no for possvel, abrindo a possibilidade de o discurso ambiental ser utilizado para justificar processos de remoo e reproduo de mecanismos de excluso so-cioespacial e segregao urbana.

    Em suma, constata-se que a questo ambiental aparece de forma desvin-culada da poltica de ordenamento territorial e das polticas urbanas, o que se reflete, por exemplo, na baixa incorporao do licenciamento ambiental como instrumento prvio para a aprovao de empreendimentos urbanos potencial-mente causadores de impacto no meio ambiente e na infraestrutura urbana local.

    No obstante todas as limitaes explicitadas, pode-se perceber, no pro-cesso de elaborao e/ou reviso dos planos diretores, um movimento positivo de reflexo em torno da questo ambiental e de sua relao com a dinmica

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    urbana, que, mesmo que no tenha produzido resultados concretos nas leis aprovadas, pode produzir novas perspectivas para a compreenso dos confli-tos urbanos-ambientais.

    6 A Questo Metropolitana e os Planos Diretores16

    A anlise dos Planos Diretores dos municpios situados em regies me-tropolitanas17 indica que a referncia questo metropolitana aparece em uma diversidade de temas, entre os quais pode-se destacar: (i) na poltica ambiental, no tratamento da gesto de bacias hidrogrficas, de Unidades de Conservao e, particularmente, das reas de preservao permanente (APPs); (ii) no tema dos transportes, nas questes relativas ao traado e hierarquia dos sistemas virios; e (iii) no uso e ocupao do solo, nas definies relativas a limites e intersees de zonas urbanas e nourbanas, polaridades, multipolaridades e especializaes de funes urbanas envolvendo mais de um municpio.

    No entanto, constata-se a generalidade das definies presentes nos Pla-nos Diretores, em geral sem autoaplicabilidade e requerendo leis especficas que detalhem e regulem as definies existentes. Alm disso, percebe-se que, apesar do reconhecimento da necessidade de articulao federativa, em geral seguiu-se uma tendncia dos Planos Diretores a privilegiar a articulao ver-tical com a Unio e com os estados, em detrimento da articulao horizontal entre os municpios.

    Apesar de serem minoritrios, tambm se constata em alguns dos Planos Diretores pesquisados elementos concretos de planejamento e gesto compar-tilhada, com a definio de projetos especiais que envolvem, por exemplo, a integrao metropolitana dos sistemas de mobilidade. Mas so raras as refe-rncias ao instrumento dos consrcios pblicos como expresso de compro-missos e aes a serem compartilhados entre os entes federados, que, em geral, quando existentes, tratam dos sistemas de saneamento ambiental (abasteci-mento de gua, coleta e tratamento de esgoto, redes de drenagem, coleta e tra-tamento adequado dos resduos slidos etc.), dos sistemas de transportes e da gesto das bacias hidrogrficas.

    16 Esta seo traz uma sntese do estudo O tema metropolitano nos Planos Diretores, ela-borado por Benny Schasberg e Alberto Lopes, publicado neste livro.

    17 Nesse tema, cabe destacar que s foram considerados os Planos Diretores dos Municpios situados em Regies Metropolitanas.

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    Contudo, percebe-se tambm que os municpios encontraram grandes dificuldades em avanar no sentido da construo e implementao de mode-los de planejamento e gesto metropolitana que envolvessem arranjos institu-cionais de gesto e fundos, por exemplo, com raras excees nas quais os Pla-nos Diretores autorizaram o Poder Pblico Municipal a participar de gestes para a criao de rgo metropolitano de gesto de assuntos comuns.

    A fragilidade dos Planos Diretores no que se refere questo metropoli-tana, pelo menos em grande parte, pode ser creditada insuficincia das defi-nies relativas ao papel dos governos estaduais na gesto metropolitana. Ou seja, diante da inexistncia de iniciativas estaduais que possam mobilizar os municpios, seria demais depositar expectativas nos Planos Diretores, sendo estes limitados nas possibilidades de respostas a estes desafios. Efetivamente, faz-se necessrio um papel mais ativo dos governos estaduais na promoo de um planejamento municipal articulado gesto metropolitana, o que deve incluir, entre outras coisas, a produo de subsdios em torno da dinmica urbana, envolvendo a questo do uso do solo, da habitao, do saneamento ambiental e da mobilidade; a produo de cartografias municipais e regionais; estudos socioambientais, etc.

    7 A efetivao do planejamento urbano participativo na perspectiva da gesto democrtica das cidades18

    A pesquisa realizada demonstra que foram promovidos processos parti-cipativos na elaborao e na reviso dos Planos Diretores. Esses processos nem sempre se perpetuaram nas mudanas de gesto municipal, tampouco resul-taram, necessariamente, em Planos Diretores que expressam a construo de um pacto social para o desenvolvimento urbano ou em Planos que estejam em plena harmonia com o Estatuto da Cidade. E, ainda, tambm no significa que esses processos tenham sido institucionalizados em conselhos tal como foram realizados. Em muitos casos, os espaos criados para debate sobre a questo urbana propiciaram um processo de conhecimento sobre os problemas e as potencialidades dos municpios, sobre as alternativas e estratgias de desenvol-vimento urbano, para se pensar o futuro das cidades e, principalmente, para

    18 Esta seo traz uma sntese do estudo O sistema de gesto e participao democrtica nos Planos Diretores brasileiros, elaborado por Mauro Rego Monteiro dos Santos, publi-cado neste livro.

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    um aprendizado, por parte da sociedade e dos gestores pblicos, sobre o que planejamento urbano e qual o papel dos diversos atores envolvidos.

    A riqueza desses processos participativos talvez esteja na apropriao p-blica e social do Estatuto da Cidade e na sua efetivao em mltiplos canais, fruns e espaos de participao, e no necessariamente no carter formal dos espaos que se instituram. Acredita-se que esses processos participativos te-nham contribudo enormemente para o fortalecimento do planejamento urba-no e que merecem ser incentivados.

    A avaliao dos Planos Diretores, no que se refere gesto democrtica, indica que houve uma ampla criao e/ou institucionalizao de Conselhos Municipais da Cidade por parte dos municpios brasileiros. De fato, dos me-canismos e instrumentos de participao previstos pelo Estatuto da Cidade, os rgos colegiados de gesto da poltica urbana foram os incorporados com maior frequncia pelos Planos Diretores. Efetivamente, percebe-se que em to-dos os estados da Federao a maior parte dos municpios criaram ou previ-ram a criao de rgo colegiados, do tipo Conselho da Cidade, Conselho de Poltica Urbana ou similar. Entretanto, cabe registrar que em vrios casos os municpios, alm dos Conselhos das Cidades, previram ou mantiveram a exis-tncia de conselhos setoriais vinculados poltica urbana (de habitao, sane-amento e mobilidade etc.), gerando um risco de fragmentao da participao em torno da poltica de desenvolvimento urbano.

    Alm disso, percebe-se que a maioria dos Conselhos das Cidades ou similares criados tem carter consultivo, sendo que, nos casos em que tm carter deliberativo, destacam-se as atribuies relativas : definio de es-tratgias ou diretrizes para implementao de polticas, planos e projetos urbanos; definio de normas para aplicao da legislao urbanstica; apro-vao da agenda prioritria; deliberao sobre legislao complementar en-volvendo a poltica territorial e de uso e ocupao do solo urbano; aprova-o de aplicao de instrumentos de poltica urbana (como EIV e a Outorga Onerosa); ou ainda deliberao sobre plano de urbanizao e regularizao fundiria em ZEIS.

    A maioria dos Conselhos das Cidades que foram criados necessita ser re-gulamentada, ou seja, tambm nesse caso o Plano Diretor no autoaplicvel, sendo inclusive no definida a sua composio. Mesmo com essa limitao, preciso considerar a importncia da instituio do Conselho da Cidade como espao pblico fundamental para garantir a participao dos diversos segmentos da sociedade na elaborao e implementao das polticas urbanas municipais.

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    Da mesma forma que no tema dos Conselhos, em geral os Planos Dire-tores reconheceram e instituram as Conferncias Municipais da Cidade como instncias de participao e gesto democrtica, no entanto sem definir, mais uma vez, suas finalidades e atribuies.

    Em relao s audincias pblicas, o quadro mais dividido, constatan-do-se que muitos Planos preveem os casos e as situaes em que obrigato-riamente as audincias pblicas devem ser realizadas e aqueles em que no. Nesse ponto, cabe destacar que, por diversas vezes, os Planos Diretores s preveem um nico caso no qual a audincia pblica instituda como obri-gatria, indicando a fragilidade da percepo a respeito desse instrumento como mecanismo de consulta populao sobre a poltica urbana. De fato, a maioria dos municpios vinculou a realizao de audincia pblica aos casos obrigatrios previstos pelo Estatuto da Cidade, ou seja, aos casos passveis de realizao de estudo de impacto de vizinhana EIV e ao debate do or-amento municipal.

    No que se refere questo oramentria, percebe-se que a maioria dos planos diretores no instituiu mecanismos e instrumentos de democratiza-o do oramento municipal, contrariando a diretriz presente no Estatuto da Cidade que estabelece a obrigatoriedade da realizao de debates, audincias e consultas pblicas como condio para aprovao do plano plurianual, da lei de diretrizes oramentrias e da lei oramentria anual. Nos casos dos planos que avanaram nesse tema, vale destacar a instituio de audincias pblicas, a consulta prvia ao Conselho da Cidade e o Oramento Participa-tivo OP.

    Por fim, um nmero muito pequeno de Planos Diretores avanou na construo de um sistema de gesto e planejamento urbano, que incluiu a de-finio dos rgos responsveis e de suas atribuies.

    Em sntese, a anlise indica a clara necessidade de se aprofundar a dis-cusso nos municpios acerca da gesto democrtica das cidades, de forma a dar efetividade aos canais de participao institudos e incorporar a po-pulao, em especial os segmentos populares historicamente excludos dos processos decisrios, na discusso dos projetos e programas urbanos e no processo de gesto das cidades.

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    8 Desafios para o Fortalecimento do Planejamento Urbano das Cidades Brasileiras

    8.1. A herana do pragmatismo e do imediatismo nas prticas de gesto urbana

    De um modo geral, as cidades brasileiras no tiveram seu maior perodo de crescimento pautado por processos de planejamento urbano. Isso pode ser constatado por meio do passivo de desigualdade social expresso pelos dficits habitacionais e de infraestrutura de nossas cidades. Os exemplos de cidades que cresceram seguindo as orientaes do planejamento urbano so poucos e mesmo assim no conseguiram superar a lgica da urbanizao desigual.

    Por outro lado, a dimenso do planejamento fiscal das polticas pblicas, o controle pblico de sua execuo, o curto ciclo da gesto municipal e as dificuldades de se financiar o desenvolvimento urbano, dentre outros fatores, fazem com que muitos gestores pblicos atuem com pragmatismo e imediatis-mo na execuo das polticas pblicas urbanas. Ou seja, os casos de inovao e mudana acabam sendo pontuais.

    Nesse contexto, o planejamento urbano requer uma ateno especial dos gestores, pois pressupe uma mudana de cultura na gesto das cidades. O momento favorvel da economia do pas, a existncia de polticas sociais e de recursos federais robustos para o enfrentamento das carncias urbanas e os avanos recentes no marco jurdico da poltica urbana no mbito nacional constituem uma grande oportunidade para que o planejamento urbano seja fortalecido e estruturado nos municpios, de modo a contribuir para o melhor aproveitamento dos recursos pblicos, para a maximizao dos seus efeitos na cidade e na reduo dos dficits sociais e de infraestrutura urbana.

    Por outra via, o Plano Diretor, para que seja de fato uma ferramenta til, deve dialogar com a cidade real, com os problemas urbanos e com a efetiva ca-pacidade de gesto do municpio. De nada adianta uma ferramenta sofisticada se a prefeitura no souber oper-la. Nessa perspectiva, o Plano Diretor feito e decidido unicamente por tcnicos e por determinados grupos da sociedade no eficaz para o enfrentamento dos problemas urbanos, pois, alm de ter baixa legitimidade, no expressa um pacto para o desenvolvimento urbano do municpio, correndo-se o risco de ser um plano de uma gesto e no um plano da cidade e da sociedade. Assim, fundamental que haja o controle social e os

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