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Mitologia Armênia Este trabalho busca fazer um resumo de aspectos significativos da mitologia armênia, anterior à conversão do povo armênio ao catolicismo. São destacadas as principais divindades, suas relações com outras culturas e rituais. Como acontece em outros aspectos da cultura armênia, também nas religiões primitivas um traço marcante é a influência recebida de diversos impérios e povos que ocuparam regiões vizinhas, resultando em lendas marcadas por sincretismo, apropriação de deuses de outras culturas, associações e identificações entre deuses locais e estrangeiros, constituindo um panorama extremamente rico e complexo. De acordo com Hacikyan (2000), no período urartiano a crença era em uma trindade composta por Khaldi, Teisheba e Shiwini. Ananikian (1925) se refere ao trio por Khaldi (deus dos céus), Theispas (deus do trovão) e Artinis (deus do sol). Kurkjian (1958), por sua vez, indica o predomínio de Haldis, Thiespas e Ártemis. Da contradição entre essas fontes pode-se inferir que o protagonismo de Khaldi provalvemente era muito significativo, mas a composição da trindade é questionável para além das variações de registro como Khaldi-Haldis e Teisheba-Theispas. Ananikian (1925) acrescenta que abaixo do trio havia ainda 46 divindades secundárias, com culto restrito a certas localidades. O mesmo autor argumenta que a trindade

Mitologia armênia

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Breve relato das principais divindades do panteão armênio

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Mitologia Armênia

Este trabalho busca fazer um resumo de aspectos significativos da mitologia

armênia, anterior à conversão do povo armênio ao catolicismo. São destacadas as

principais divindades, suas relações com outras culturas e rituais. Como acontece em

outros aspectos da cultura armênia, também nas religiões primitivas um traço marcante

é a influência recebida de diversos impérios e povos que ocuparam regiões vizinhas,

resultando em lendas marcadas por sincretismo, apropriação de deuses de outras

culturas, associações e identificações entre deuses locais e estrangeiros, constituindo um

panorama extremamente rico e complexo.

De acordo com Hacikyan (2000), no período urartiano a crença era em uma

trindade composta por Khaldi, Teisheba e Shiwini. Ananikian (1925) se refere ao trio

por Khaldi (deus dos céus), Theispas (deus do trovão) e Artinis (deus do sol). Kurkjian

(1958), por sua vez, indica o predomínio de Haldis, Thiespas e Ártemis. Da contradição

entre essas fontes pode-se inferir que o protagonismo de Khaldi provalvemente era

muito significativo, mas a composição da trindade é questionável para além das

variações de registro como Khaldi-Haldis e Teisheba-Theispas.

Ananikian (1925) acrescenta que abaixo do trio havia ainda 46 divindades

secundárias, com culto restrito a certas localidades. O mesmo autor argumenta que a

trindade de deuses masculinos seria uma característica de inspiração babilônica,

afastando o panteão urartiano do comportamento de tribos da Anatólia, em que era

frequente a presença de uma deusa mãe.

Os intercâmbios com povos de origem indo-europeia, como os medos, já estava

presente mesmo nesse período remoto e se intensificou após a chegada dos armênios.

Estes provalvemnte seguiam ritos proto-gregos ou de origem do Oriente Médio, como

hitita (Leeming, 2005). Tanto Hacikyan(2000) quanto Ananikian (1925) indicam que do

contato com os persas surgiu o novo panteão armênio. Hacikyan aponta que os

membros mais importantes dessa família eram Aramazd, Vahagn, Mihr, Tir, Anahit,

Astghik e Nane, enquanto o outro autor discorda, incluindo Baal-Shamin (Barhsamina)

no lugar de Vahagn, sendo este um acréscimo posterior como divindade originariamente

armênia. Em todo caso, os dois autores citados anteriormente concordam que Aramazd,

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Anahit e Vahagn compunham uma tríade acima dos outros deuses Kurkjian (1958)

aparentemente é contraditório, colocando primeiramente Mihr e posteriormente Vahagn

como terceiro elemento. ). Ananikian (1925) sugere que Mihr deve ter perdido espaço

ao longo do tempo para Vahagn, o deus local do fogo. Novamente percebe-se aqui a

cultura armênia como mescla de influências diversas, aproximando sua divindade local

com o ser supremo e onipotente tomado por empréstimo dos persas (Aramazd). Ele

afirma ainda que os cultos exatos são pouco conhecidos, mas não deveriam ser tão

sincréticos quanto a composição do panteão. Contudo, ele não explica se a principal

linha de conduta era baseada em costumes ou locais ou persas.

A convivência de Aramazd com outros deuses é um exemplo do distanciamento

entre o paganismo armênio e o zoroastrismo original. O seu caráter de luta contra o Mal

também é menos pronunciado na versão armênia, que tende a enfocar características de

paz e bondade. Seu vínculo com a festa de colheita descrito por Hacikyan (2000)

ressalta a importância que o povo armênio dava para a agricultura e para a subsistência

naquele ambiente inóspito.

Anahit ocuparia o segundo lugar no panteão, sendo muito esporadicamente referida

como esposa de Aramazd, que usualmente era considerado como solteiro. Ananikian

(1925) diz ainda que sua origem pode ser traçada a partir de Ishtar da Babilônia,

passando por Anahita, deusa da fecundidade para os persas. Hacikyan concorda que ela

seria estrangeira para os persas mas discorda que estes teriam sido o veículo para sua

chegada na Armênia, por terem a mulher em condição subalterna. Um argumento

interessante lançado por Ananikian é o nome Nahid com que os persas designam o

planeta Vênus, associado à fertilidade feminina na mitologia greco-romana. Kurkjian

(1958) cita fontes que associam o culto de Anahit à prostituição. Ananikian defende que

autores antigos de inclinação cristã, como Aganthangelos, tendem a favorecer seu

vínculo com as virtudes das boas mães de família, enquanto outros como Strabo citam

que rituais orgiásticos eram comuns em homenagem a deusas da fertilidade em outras

culturas asiáticas.

Todas as fontes consultadas indicam que Tir era o escriba de Aramazd, mantendo

registro das ações boas e ruins de cada ser humano. Era essa ligação com o

conhecimento e, por extensão, com a adivinhação que o levou a ser identificado com o

Apolo grego, visto que ele não possuía atributos relacionados à luz e ao sol (Ananikian,

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1925). Por outro lado, suas virtudes de eloquência aproximariam-no de Hermes,

enquanto outro aspecto chave de sua representação era a ligação com o mundo dos

mortos, registrando o nome dos que iriam morrer. Percebe-se dessa forma que a

aproximação direta entre deuses de mitologias diferentes é em geral parcial e enganosa.

Ananikian sugere que tanto Tir quanto Hermes seriam derivados de Nabu, uma

divindade babilônia vinculada ao conhecimento. Novamente ele lança mão do mesmo

argumento citado no parágrafo anterior, pois os babilônios identificariam o planeta

Mercúrio a Nabu. Ele teria sido levado à Armênia pelos persas.

Mir seria outro deus importado da Pérsia, apontado por Ananikian (1925) como um

acréscimo tardio, baseado na etimologia de seu nome. A homenagem a ele em fevereiro

devido à sua conexão com o fogo é exemplo de uma prática pan-indo-europeia,

demonstrando que algumas características locais armênias não são explicadas pelo

contato com outros povos mas sim remontam a estágios bastante primitivos da

civilização. Ananikian conjectura que a destruição de seu templo em Bagarij estaria

relacionada ao desenvolvimento de um culto paralelo em sua homenagem, envolvendo

aspectos demoníacos e incluindo sacrifícios humanos, que teria evoluído

simultaneamente à sua adoração como deus do fogo.

De acordo com Ananikian, as outras três divindades principais do panteão armênio

(Barshamina, Nane e Astghik) seriam de origem semítica, ou seja, síria ou babilônica.

Elas são acréscimos tardios, datando das conquistas de Tigran no século I a. C, por isso,

com exceção de Astghik, não alcançaram o mesmo status dos deuses citados

anteriormente. Barshamina, a despeito do imponente ídolo transportado por Tigran,

disputava espaço com Vahagn na posição de deus do sol e do fogo.

Por fim, em relação a Vahagn, os indícios apontam para uma manifestação religiosa

autóctone. Contudo, a lenda de que ele teria roubado o fogo de Barshamina para trazê-lo

aos humanos, derrubando fragmentos no caminho que formaria a Via Láctea, é

primordialmente similar ao mito de Prometeu, o que levanta a suspeita sobre a

espontaneidade da criação armênia. O que prevalece é uma valorização de espírito

comunitário (“nacionalismo” avant la lettre), pois na versão armênia um herói local

consegue enganar uma divindade estrangeira.

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Leeming (2005) aponta que a origem de Nane poderia ser da frígia Cybele.

Referências bibliográficas

ANANIKIAN, M (1925). Armenian Mythology. Disponível em

http://rbedrosian.com/ananik.html , último acesso em 20/06/2015.

HACIKYAN, A. J. (coord. 2000). The Heritage of Amenian Literature. Volume I:

From the Oral Tradicion to the Golden Age. Detroit, Wyane State University Press.

Tradução de Deize C. Pereira.

KURKJIAN, V. M. (1958). A History of Armenia. Chicago, Armenian General

Benevolent Union of America. Tradução de Deize C. Pereira.

LEEMING, D (2005). "Armenian Mythology". The Oxford Companion to World

Mythology]. Oxford University Press.