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Mobilidade Urbana - Desafios e Sustentabilidade · mobilidade urbana, e de seus respectivos instrumentos de apoio. Essa legislação pretendeu promover, além da melhoria da acessibilidade

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APRESENTAÇÃO

OlivroMobilidadeurbana:desafios e sustentabilidadeé o resultadobem-sucedido dos grupos de pesquisa “Direito administrativocontemporâneo” e “Direito e sustentabilidade” (ambos registrados noConselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –CNPq) desenvolvidos na Universidade PresbiterianaMackenzie (UPM),emSãoPaulo.

Naatualidade,amobilidadeurbanaconstituiumadasproblemáticasaserem enfrentadas nos grandes centros urbanos, essencial tanto para aprodutividadeeconômicaquantoparaagarantiadaqualidadedevidadoscidadãos. No Brasil, passados mais de 20 anos da promulgação daConstituiçãoFederal,apenasem2012foraminstituídasasdiretrizesgeraisaplicáveis à mobilidade urbana. A partir da edição da Lei Federal nº12.587 em 3 de janeiro de 2012, cujo texto tramitou por 17 anos noCongresso Nacional, estabeleceram-se os princípios, os objetivos e asdiretrizes da Política Nacional deMobilidade Urbana, além das normasgeraisaplicáveisaoplanejamento,àgestãoeàregulaçãodosserviçosdemobilidade urbana, e de seus respectivos instrumentos de apoio. Essalegislação pretendeu promover, além da melhoria da acessibilidade emobilidadedaspessoas e cargasno territóriodomunicípio, a integraçãoentre os diferentesmodais de transporte.Diante disso, as linhasmestraspara a normatização, fiscalização e prestação dos serviços de transportepúblico encontram-se previstas nesse diploma normativo. Há anecessidade de uma reflexão aprofundada sobre essa política e suaimplementação. Entre as cidades latino-americanas que promoveraminovaçõesjurídicasemmatériademobilidadeurbana,destacam-seBogotáeMedellínnaColômbia.

Arelevânciadatemáticanãoéapenasacadêmica,mastambémsocial,política e econômica. Reflexo disso é, por exemplo, a iniciativa daAgência dasNaçõesUnidas para asCidades (ONU-Habitat) que, comoobjetivodepromoverodesenvolvimentosustentávelurbanoeestimularamudançadecomportamentodocidadãoemproldeumfuturomelhorparaascidades,lançouacampanhamobilidadesustentável.

Em setembro de 2015, foi realizado, no auditório da Escola

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Americana, o I Encontro Internacional de Direito AdministrativoContemporâneo e os Desafios da Sustentabilidade: Mobilidade Urbana,patrocinado pelo Fundo Mackenzie de Pesquisa (MackPesquisa).ProfessoresealunosdasFaculdadesdeArquiteturaeDireitodaUPM,daPontifíciaUniversidadeCatólicadeSãoPaulo(PUC-SP),UniversidadedeSão Paulo (USP – campus Ribeirão Preto), Universidad AutónomaMetropolitana-Xochimilco (México), Universidad de Buenos Aires eUniversidad Nacional de La Plata (ambas da Argentina), e do InstitutoCidade em Movimento (IVM), e representantes da sociedade civilMobilize Brasil e do Instituto de Políticas de Transporte eDesenvolvimento (Institute forTransportationandDevelopmentPolicy–ITDP) se mobilizaram para discutir o tema. O evento contou com apresença de Clodoaldo Pelissione, secretário de TransportesMetropolitanos do Estado de São Paulo, e Tácito Pio Silveira,representantedomunicípiodeSãoPaulo.

Um evento importante como esse merece ser eternizado em anais.Ocorre que o grupo e os participantes, dada a qualidade das discussões,apósoeventotiveramconsiderávelavançoqualitativoemsuasreflexões,motivopeloqualestapublicaçãoestálongederefletirtãosomenteasfalashavidas durante o evento, que foram documentadas em vídeo, mas ostextos apresentam aprofundamento sobre a matéria com conclusões quemerecemregistroparaauxiliona implementaçãodepolíticaspúblicasnaárea.

Agradecemos ao MackPesquisa, sem o qual o evento e estapublicaçãonão seriampossíveis, àFaculdadedeDireito, àFaculdadedeArquitetura e Urbanismo e, em especial, ao Instituto Cidade emMovimento(IVM),representadoporLuizaAndradeeSilva.

AgradecemosaosalunoseprofessoresligadosaogrupodepesquisaadisposiçãocontínuaemfazeralgonovoeàequipeadministrativadaFaDirdaUPMqueseguesempredispostaconosco.

AntonioCecílioMoreiraPires

LilianReginaGabrielMoreiraPires

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1ESTADO E MOBILIDADE URBANA

AntonioCecílioMoreiraPiresLilianReginaGabrielMoreiraPires

O processo de industrialização e o crescimento desordenado dascidades provocaram exclusão e segregação. Como decorrência disso, oacesso e o direito à cidade1 nos remetem à imperiosa necessidade dereorganizaroespaçourbano.

A forma de uma cidade é o resultado de diversos agentes e fatorescombinadosnoespaçoenotempo:oEstado,osetorprivadoeadinâmicasocialeeconômica.

Asinergiaentreagentese fatoresnãogaranteo resultadonaturaldeconvivênciaintegrativa,poisváriosproblemasemergemesemostramdedifícil solução, gerando o afastamento da utilização dos equipamentosexistentes na cidade. O movimento dos cidadãos depende de como acidade está organizada territorialmente e vinculada de forma funcionalcomasatividadesquesedesenvolvemnoespaçourbano.

Nas grandes metrópoles, onde há permanente disputa entre seusdiferentesatores,queseapresentamcomopedestres,condutoreseusuáriosdeveículosmotorizadosparticularesoucoletivos,a(faltade)circulaçãoéum problema que se reflete em vários pontos: desperdício de tempo delocomoção que gera prejuízo à saúde física e mental; saturação daqualidadedevidaedomeioambiente,aumentodedespesacomenergia,poluiçãoatmosféricae sonora;maiorgastocom logísticae transportedeprodutoseprestaçãodeserviço,oqueacabaporafetarocustodebenseserviçosetc.

A cidade é o núcleo urbano que deve proporcionar o bem-estar dacoletividade e dos cidadãos que a integram. Sendo assim, a garantia deacesso aos serviços públicos, ao comércio e à indústria, ao lazer, à

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prestaçãode serviços, à saúde, à educação e àmoradia é imprescindívelparaamanutençãodacidadaniaplena,etaisfatoresseconsolidamcomapossibilidadedecirculardemodoefetivo.

Nesse contexto, a mobilidade urbana ganha importância. Cabedestacar que a mobilidade é, de forma equivocada, associadaexclusivamente à circulação de veículos. Contudo, é um atributo dascidades e se refere à facilidade de deslocamento de pessoas e bens noespaçourbano,ouseja,éoresultadodainteraçãoentreosdeslocamentosdepessoasebens2.

Para que exista a devida mobilidade urbana, bem como o acessoigualitárioàcidade,oEstadotemodeverdeconsolidaroreferidoacessoàcidade, a fimde assegurar a preservação do interesse da coletividade.Éinegável que somente a atuação do Estado não é suficiente, afinal oempoderamento das pessoas na cidade é reflexo de um lugar onde oscidadãosdiscutemoquequeremparasieparaolocalondevivem.Dessamaneira, a atuação eficaz do Estado somada à participação popular é afórmulaparaobtermosacidadequequeremos. A REFORMA URBANA

Apartir da década de 1930, ocorre o processo de intensificação dodesenvolvimento brasileiro baseado na industrialização3. As principaisatividades econômicas não estavammais associadas à agricultura, razãopela qual a população migrou das áreas rurais para as urbanas. Dessaforma,oBrasil éhojeumpaíspredominantementeurbano,commaisde80%dapopulaçãovivendoemcidades.

O êxodo rural provocou deslocamento do eixo populacional, e acidade recebeu grande número de pessoas. Como essa recepção não foipensada nem preparada, a cidade cresceu desordenadamente, e dessarealidade emergiuumhiato entre grupospopulacionais urbanos.Ovivernacidadeimplicaacessoàeducação,aolazer,àsaúdeeatodasasoutrasnecessidadesdavidacotidiana.Entretanto,afaltadeinfraestruturamínimapara a recepção de um enorme contingente de pessoas resulta na durarealidade de exclusão, ou seja, os benefícios da urbanização sãoinacessíveisparaumagrandeparceladapopulação.

Desse modo, surgiu uma luta em defesa do direito à cidade, àhabitação digna, ao transporte e aos demais serviços públicos de

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qualidade. Isso tanto é verdade que, em janeiro de 1985, foi criado oMovimentoNacionalpelaReformaUrbana(MNRU)4,comoobjetivode“reduzir os níveis de injustiça social no meio urbano e promover umamaiordemocratizaçãodoplanejamentoedagestãodascidades”.

A sociedade civil se organiza registrando sua crítica e denúncia doquadrodedesigualdadesocial.Essanovaéticasocialpolitizaadiscussãosobre a cidade e formula um discurso e uma plataforma política dosmovimentossociaisurbanos,emqueoacessoàcidadedeveserumdireitoatodososseusmoradoresenãoumarestriçãoaapenasalgunsouaosmaisricos. A bandeira da reforma urbana se consolida não somente naperspectivadaarticulaçãoeunificaçãodosmovimentossociaispormeiodeumaplataformaurbanaqueultrapassaasquestões locaiseabrangeasquestões nacionais, mas também na crítica da desigualdade espacial, dacidadedual.

OresultadodasreivindicaçõessematerializanaConstituiçãoFederal(CF)comainserçãodocapítulosobrepolíticaurbana,oquerepresentouoiníciodaafirmaçãodalutadasociedadeorganizada.

Doregramentodotextoconstitucional,surgeoEstatutodaCidade,oqual tem como intuito modular a cidade para as pessoas, de modo agarantir que as gerações futuras possam usufruir de um ambienteapropriadoparaumavidadigna.

A lei em questão estabelece normas de ordem pública e interessesocialqueregulamousodapropriedadeurbanaemproldobemcoletivo,da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrioambiental.

O Estatuto da Cidade regulamenta os artigos 182 e 183 da CartaMagna e tem por objetivo estabelecer as diretrizes gerais da políticaurbana.Emlinhasgerais,apolíticaurbanatemcomofinalidadeordenarodesenvolvimento das cidades, de modo a garantir a satisfação dosinteressescoletivoseindividuaisdoshabitantes.Nessesentido,oartigo2ºdoestatutodispõe,expressamente,queosobjetivosdapolíticaurbanasão:o desenvolvimento da função social da cidade e da função social dapropriedade.

Verificam-se como funções sociais da cidade aquelas ligadas àcirculação,à recreação,ao trabalhoeàmoradia.Emoutraspalavras,éagarantiadodireitoacidadessustentáveis,entendidocomoodireitoàterraurbana, àmoradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, aotransporteeaosserviçospúblicos,aotrabalhoeaolazer,paraaspresentes

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efuturasgerações.O desenvolvimento da função social da cidade se concretizará

mediante a execução e implementação de projetos, planos e programaspeloEstadoquebusquemevoluirtodosossetoresnecessáriosparaatenderàsdemandascoletivaseindividuais.

Desse modo, o Poder Público tem o dever de elaborar estratégias,baseadas nas diretrizes gerais do estatuto, com a intenção de constituir,melhorar,restaurarepreservaraordemurbanística,demodoaassegurarobem-estardascomunidadesemgeral.

O Poder Público também é responsável por assegurar que todos osprojetos de desenvolvimento urbano possam ser apropriadamenteexecutados, contando com o devido fornecimento de equipamentos einfraestrutura.

Entretanto, é fundamental a participação popular no processo dehumanizaçãodascidades,demaneiraisoladaoupormeiodeentidadesdasociedadecivil,afimfrgarantirumagestãodemocrática.

O conceito de função social da cidade não está presente no textoconstitucional, tampouco no Estatuto da Cidade. Isso ocorre porque énecessário garantir uma mutabilidade do conceito, afinal a cidade estásujeitaaconstantesmudanças,esehouverumconceitosemaamplitudenecessária,odireitonãoserácapazdepropiciarajustiçaaodecorrerdosanos.

Contudo,épossívelcompreendera funçãosocialdacidade como aconsubstanciação dos direitos fundamentais dos cidadãos dentro doambienteurbano.Afunçãosocialéatingidaànamedidaqueoshabitantesconseguem usufruir, gozar e satisfazer suas necessidades e direitos,garantidos por lei. A cidade deve oferecer, de modo justo e igualitário,moradiadigna;acessoàsaúde,lazer,educaçãoeemprego;acessibilidade;segurança;infraestruturadesaneamentobásicoetransporteadequadosetc. POLÍTICA NACIONAL DE MOBILIDADE URBANAHistórico

Abuscapor uma regulamentaçãodenível federal sobremobilidadeurbanaexistedesdeapromulgaçãodaCFde1988.

Em 1989, foi proposto o Projeto de Lei (PL) nº 4.203, visandoinstituirnormassobreosistemadetransportecoletivo.Posteriormente,em

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1991, surgiramoPLsnº870,quedispunhasobrediretrizesnacionaisdetransporte coletivo urbano, 1.777, que determinava a regulamentação dotransporte coletivo rodoviário, e 2.594, que tratava sobre as diretrizesnacionaisdo transportecoletivourbano.Porém,osquatroprojetosforamarquivadosdefinitivamenteem1995.

Surgiu então, ainda em 1995, o PL nº 694, de autoria do deputadoAlberto Goldman, que tratava novamente do transporte coletivo. Emseguida,foramapresentadososPLsnº 1.974/96, que mais uma vez trouxe à baila a discussão sobre otransportedotransportecoletivorodoviário,e2.234/99,sobreotransportecoletivourbano,osquais foramapensadosaoPLnº694/95por trataremdomesmotema.

Somenteem2003foiinstituídaumacomissãoespecialparaapreciaroPLnº694/95edarparecersobreele.Em2004,oConselhodasCidadeselaborouumapropostamaisamplaquefoienviadaaoCongressoNacionalpeloExecutivoem2007–PLnº1.687–aqualtambémfoiapensadaaoPL694/95.

Após tantas tramitações legislativas, o PL nº 694/95 seguiu para oSenadoFederalsobadenominaçãodeProjetodeLeidaCâmara(PLC)nº166/2010.Em2010,amatériafoiapreciada.Emdezembrode2011,semalteraçõesdemérito,oSenadoremeteuoPLCàpresidente,quesancionouanovaLeidaPolíticaNacionaldeMobilidadeUrbana(PNMU)em3dejaneirode2012.

Aleiestádivididaemsetecapítulos.Oprimeirotratadasdisposiçõesgerais,consolidandoconceitoseobjetivosaserematingidospeloPlanodeMobilidade.O segundo dispõe sobre as diretrizes do transporte públicocoletivo.Oterceiroprevêodireitodosusuárioseformasdeparticipaçãodasociedadecivilnoplanejamento,nafiscalizaçãoeavaliaçãodaPNMU.OquartodefineasatribuiçõesdaUnião,dosEstadosedosmunicípiosarespeito da mobilidade urbana. O quinto versa sobre as diretrizes deplanejamentoegestãodossistemasdemobilidade.Porfim,osexto tratados instrumentosdeapoioàmobilidade,desdequeestejamdevidamenteprevistosnosplanosplurianuaisenaleidediretrizesorçamentárias.

Umdosmecanismosdecontroledeaplicabilidadeda leiconsistenaelaboraçãodeplanosdemobilidadeurbanaparamunicípioscommaisde20 mil habitantes, sob pena de não receberem repasses federais para ofinanciamentodeobrasdeinfraestruturaeexecuçãodasdiretrizesdalei.Oprazo para elaboração dos planos de mobilidade é de três anos, isto é,

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encerrou-seemabrilde20155.OEstatutodaCidadejáapresentavaumasingelaregulamentaçãono

sentido de exigir plano municipal de mobilidade para cidades compopulação superior a 500 mil habitantes. Na prática, o que temos sãodocumentos que contêm disposições genéricas e servem apenas parasatisfazerrequisitoslegais.

Apartirdessalei,amobilidadeurbanafoiincorporadacomoumfatoressencialparaodesenvolvimentourbano,demaneiraaproporcionarumacidademaisdemocrática,igualitáriaeacessível.Afinal,terumapolíticademobilidadeurbanasignificaterumconjuntodeprincípios6ediretrizesqueorientem as ações públicas demobilidade urbana e as reivindicações dapopulação.

PRINCÍPIOS, DIRETRIZES E OBJETIVOSAPNMUestáfundamentadanosseguintesprincípios:acessibilidade

universal; desenvolvimento sustentável das cidades nas dimensõessocioeconômicas e ambientais; equidade no acesso dos cidadãos aotransportepúblicocoletivo;eficiência,eficáciaeefetividadenaprestaçãodosserviçosdetransporteurbano;gestãodemocráticaecontrolesocialdoplanejamento e avaliação da PNMU; segurança nos deslocamentos daspessoas; justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dosdiferentes modos e serviços; equidade no uso do espaço público decirculação, vias e logradouros; e eficiência, eficácia e efetividade nacirculaçãourbana.

Observa-se que tais princípios já estavam expostos no caderno dePMNU do Ministério das Cidades em 2004. Embora tais princípios jáexistissem, a partir da Lei de Mobilidade, eles ganharam força de leifederal.

AsdiretrizesqueorientamaPNMUapresentamanecessidadedasuaintegração com a política de desenvolvimento urbano e respectivaspolíticassetoriaisdehabitação,saneamentobásico,planejamentoegestãodousodosolonoâmbitodosentesfederativos;aprioridadedosmodosdetransportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços detransporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado; aintegração entre os modos e serviços de transporte urbano; o uso deenergias renováveis e menos poluentes e a mitigação dos custosambientais, sociaiseeconômicosdosdeslocamentosdepessoasecargas

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nacidade(artigo7ºdaLeinº12.587/2012).APNMUtemdoisgrandesobjetivos:aintegraçãoentreosdiferentes

modosdetransporteemelhoriadaacessibilidadeemobilidadedaspessoasecargas,inverbis:

Art. 1º A Política Nacional de Mobilidade Urbana é instrumento dapolíticadedesenvolvimentourbanodequetratamoincisoXXdoart.21eo art. 182 da Constituição Federal, objetivando a integração entre osdiferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade emobilidade das pessoas e cargas no território do Município (Lei nº12.587/2012).Éfácilnotarqueodispositivomenciona,expressamente,oartigo21,

XX, da CF, o qual dispõe sobre a competência da União para instituirdiretrizesparaodesenvolvimentourbano,inclusivehabitação,saneamentobásicoetransportespúblicos.Oartigo182tratadacompetênciadoPoderPúblico Municipal para executar a política de desenvolvimento urbano,conformeasdiretrizesfixadasemlei.Ouseja,aadministraçãomunicipalnão pode executar a política de desenvolvimento damaneira que julgarconveniente,poiséprecisoquesigaasdeterminaçõesdalei.

O artigo 7º assenta mais cinco objetivos da PNMU, quais sejam:reduzirasdesigualdadesepromoverainclusãosocial;promoveroacessoaos serviços básicos e equipamentos sociais; proporcionar melhoria nascondições urbanas da população no que se refere à acessibilidade e àmobilidade;promoverodesenvolvimentosustentávelcomamitigaçãodoscustos ambientais e socioeconômicos dos deslocamentos de pessoas ecargasnascidades;econsolidaragestãodemocráticacomoinstrumentoegarantiadaconstruçãocontínuadoaprimoramentodamobilidadeurbana.

EmumaanálisesistemáticadaPNMU,pode-seafirmarqueelaatribuià política de mobilidade urbana o papel de catalisar quatro principaisfinalidades: viabilizar a acessibilidade por meio do fornecimento deserviçoseinfraestruturadetransportessuficientesedequalidade;efetivarodireitoàcidadeeaminimizaçãodasdesigualdadessocioeconômicas,àmedidaquesecolocadeformaintegradaaoordenamentodousodosolourbano;contribuirparaamelhoriadaqualidadeambientalnascidadespormeio da redução do consumo de combustíveis, dos vetores da poluiçãoatmosféricaqueprejudicamaqualidadedoarereduçãodosdosgasesdeefeitoestufa(GEE).

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Em suma, a PMNU não trata somente do serviço de transporteurbano. A partir das premissas básicas – desenvolvimento urbano,sustentabilidadeambientale inclusãosocial–,aPNMUabordaarelaçãodos deslocamentos das pessoas e dos bens com eficiência, eficácia eefetividadepormeiodoplanejamentodascidadesparaodesenvolvimentodasfunçõessociais,demodoapropiciaroacessouniversaldapopulaçãoàs oportunidades oferecidas pela cidade e, mais ainda, a questão daequidadenautilizaçãodoespaçopúblicomedianteracionalizaçãodousodosolourbano.

CONCLUSÃOOarranjo legal relativo à política urbana envolveobrigações para o

Estado, impondoodeverdearticularosatoresdoprocessoe fomentaradiscussão e a participação da sociedade. Afastar desejos políticos evantagenseleitoreiraséodesafiodogestorparaapróximadécada.

O arquétipo legislativo e o plexo de obrigações estão colocados, odesafioagoraéimporsuaconcretude.Construiraideiadesubstituiçãodoveículo automotor por outros modos de transporte é um desafio, e oprocessodeconstruçãodessanovaculturapassapeloincrementodoPoderPúblicoemdotarapopulaçãodemúltiplaspossibilidadesdeescolhadosmodaisdetransporte.

Estas são as grandes tarefas do Estado: articular, possibilitar aparticipaçãodasociedade,discutirecriarmeiosdeimplementarapolíticademobilidadedotandoapopulaçãodeefetivaescolha.

O processo de planejamento que envolva as especificidades locaisjuntoaoatendimentoàsdiretrizesdapolíticanacionaléomeiodegarantirmelhorias no sistema de mobilidade dos municípios. Outro desafio éinstrumentalizar os municípios de pequeno porte, que não possuemcapacidadedegestãoeelaboraçãodeplanos.Assim,asesferas federaleestadualdevemsearticularnessamissão.

Agovernança,aboagestãoeaarticulaçãodos recursospúblicos sematerializarão com a implementação efetiva de planos que tenham avocaçãodecadalocalidadeequeplasmemavontadedacidadeidealparacadagrupo.

REFERÊNCIAS

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BANDEIRA DE MELLO, C. A. Curso de Direito Administrativo. 12 Ed.,Malheiros, 2000, p. 748.KLINTOWITZ, D. C. O Movimento Nacional de Reforma Urbana e acomstrução de uma nacional política de desenvolvimento urbano pós-redemocratização: da cooptação à estruturação de um funcionamento dedecoupling. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, v. 15, Anais... Recife,2013.PARK, R. On social control and collective behavior. Chicago: University ofChicago Press, 1967.SOUZA, M. L. de. Mudaracidade – uma introdução crítica ao planejamento eà gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 1 A cidade, segundo o sociólogo Robert Park (1967, p. 3), é “a tentativa mais

bem-sucedida do homem de reconstruir o mundo em que vive o maispróximo do seu desejo. Mas, se a cidade é o mundo que o homem criou,doravante ela é o mundo onde ele está condenado a viver. Assim,indiretamente, e sem qualquer percepção clara da natureza da sua tarefa,ao construir a cidade o homem reconstruiu a si mesmo”.

2 Calçadas, acesso e acessibilidade, meios de transporte (a pé, bicicleta,moto, veículo, caminhão, ônibus, metrô, trem etc.), parcelamento de solo edefinição de sua utilização.

3 No Brasil, houve um processo de urbanização desordenado, e um dosresultados dessa realidade foi a (i)mobilidade, que gerou efeitos de cunhossocial, econômico, político e ambiental, isto é, os espaços urbanoscresceram sem ganhos de qualidade de vida e bem-estar dos cidadãos.

4 Na década de 1980, a bandeira da reforma urbana se diversificou, e outrasquestões que iam além da moradia passaram a fazer parte da pauta.Nesse período, o Brasil já se apresentava muito mais urbanizado ecomplexo do que naquele momento do seminário de 1963. A mobilizaçãopela reforma urbana acabou desembocando na constituição do MNRU em1987, motivado pelos debates da Assembleia Nacional Constituinte, quedeveria conduzir o país à redemocratização. Assim, o MNRU já nasce coma aposta na institucionalização de sua pauta por meio da inserção de novasregras no arcabouço jurídico do país. Ao mesmo tempo, o Estado passavapor um momento de reestruturação e precisava do apoio dos movimentossociais na condução dessa nova etapa política do país. Essa confluênciagerou a incorporação de várias demandas sociais na Constituição. Houve,portanto, o encontro de demandas objetivas com condições favoráveis naconjuntura política que propiciou o surgimento desse movimento e ocomeço da institucionalização de sua pauta. Na fase de debates realizados

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no Congresso Nacional, as várias entidades e os movimentos organizadosem torno do MNRU assumiram a tarefa de redigir a Emenda Popular daReforma Urbana, que, apesar de elaborada em pouco tempo devido aocalendário da Constituinte, contou com a assinatura de seis entidadesnacionais e de 160 mil pessoas. Essa proposição constitucional deu origemao capítulo da política urbana, artigos 182 e 183, uma das maioresconquistas da mobilização social daquele período (cf. KLINTOWITZ, 2013).

5 Entretanto, o PL nº 7.898/2014, de autoria do deputado Carlos GomesBezerra, prevê a concessão de mais três anos para que os municípioselaborem e apresentem seus planos de mobilidade urbana. Atualmente, oprojeto está pronto para pauta na Comissão de Constituição e Justiça e deCidadania (CCJC).

6 Ensina Celso Antônio Bandeira de Mello: “Violar um princípio é muito maisgrave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípioimplica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas atodo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ouinconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porquerepresenta insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valoresfundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosãode sua estrutura mestra”.

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2A FUNDAMENTALIDADE DO DIREITO À

MOBILIDADE URBANA

FláviodeLeãoBastosPereira

INTRODUÇÃOFoi realizado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em

setembro de 2015, importante e histórico evento acerca da mobilidadeurbana e sustentabilidade sob uma perspectiva multidisciplinar e commódulos marcados por intensos e frutíferos debates sobre relevantesquestõesquedevemserenfrentadasnosdiasatuaisparaaconstruçãodecidadesmaishumanase justas.Nesseevento,pôde-severificarariquezano intercâmbio de ideias e no compartilhamento de experiências,proposições de soluções e expectativas para uma agenda comprometidacom uma nova visão acerca do espaço urbano que tenha o cidadão nãomaiscomocoadjuvante,mascomoprioridade,pormeiodaconcepçãodemecanismoseaparelhamentosqueatendamàsnecessidadeseaosanseiosdaspopulações,especialmentepormaisqualidadedevida.

Como restou evidente pelos profícuos debates e exposiçõesministradospelosespecialistasepesquisadores,profissionaiseestudiososconvidados, os espaços públicos vêm sendo repensados noBrasil, assimcomooforamemoutrospaísesquejásuperaramtalfasedodebate,oquetem gerado inúmeras polêmicas e divisão de opiniões, especialmente noquetangeàreavaliaçãodadestinaçãodosespaçosdeviaspúblicas,praçaselogradouros.

Taispolêmicas,porrazõespolíticaseideológicas,restarampatentes,por exemplo, quando da implementação das ciclovias e ciclofaixas nacidadedeSãoPaulopelaatualgestãomunicipal.

Nãobastassemosconteúdospolíticoseideológicosjámencionados,o

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debate se torna ainda mais árduo à medida que a alteração dosfundamentos e escopos quanto à utilização da via pública se confronta,ainda,combarreirasculturaisimplantadasdurantedécadasdepropagandasobre as virtudes dos veículos automotores, símbolo de sucesso e statusem uma sociedade consumista e materialista que abriu mão dodesenvolvimentoharmônico e sistêmicodeoutras vias dedeslocamento,comoasmalhasferroviáriasefluviais,alémdarodoviária.

Defato,énotórioquea fragilidade institucionalnoBrasil,ao longodesuahistória,vempermitindoqueoespaçoeointeressepúblicosejamconstantementealienadosecapturadosporgrandesepoderososinteressesprivadosesetoriais,comgravesdanosàcidadaniaeaointeressepúblico,comoveremos.

URBANIZAÇÃO DAS CIDADES NO BRASIL.HIPOTECA DO INTERESSE PÚBLICO EATENDIMENTO A INTERESSES PRIVADOS. AGENDAE CONFLITOS

De acordo com o professor doutor Alexandre Delijaicov, doDepartamento de Projetos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo daUniversidadedeSãoPaulo(FAU-USP)1,oprojetourbanísticorelacionadoà mobilidade do engenheiro sanitarista Francisco Saturnino de Brito –presidentedaComissãodeMelhoramentosdoRioTietêapartirde1920eautordosprojetosdoscanaisdeSantos–quepropunhaoresgatedaorlafluvialurbanadoprimordial logradouropúblicodafuturametrópole foidesconsideradonoplanejamentodametrópoleembenefíciodoprojetodoengenheiro (e futuro prefeito nomeado, entre 1938 e 1945) FranciscoPrestesMaia.IntituladoPlanodeAvenidasparaaCidadedeSãoPaulo,oprojeto deMaia tinha como objetivo o desenvolvimento urbano de SãoPaulocombaseemumplanoradialconcêntrico.

Bem representados os interesses da indústria automobilística,desconsiderou-se no Brasil a necessidade de estabelecimento, antes daimplantaçãodoanelrodoviário,dosanéishidroviárioeferroviário,comoViena,Paris,Moscou,entreoutras.

O exemplo lembrado bem demonstra o grau de cooptação dosinteresses públicos por setores privados economicamente poderosos aolongodaRepúblicaequevemgerando,comonocasodotemamobilidade

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urbana, graves limitações dos direitos fundamentais dos cidadãos,incluídasasfuturasgerações.

A atual agenda relacionada à utilização dos espaços das cidades,especialmentedasmetrópoles,apresentaconflitosque,sejásuperadosempaíses como Holanda ou Alemanha, encontram-se ainda no cerne dasdefinições que devem ser consolidadas e das opções que devem sertomadascomorespostaaproblemasdealtíssimagravidadenomundodehoje,taiscomo:

• limitação do número de veículos individuais que travam amobilidadeurbana;

• redução da emissão de gases poluentes oriundos da combustão decombustívelfóssilparapermitiramobilidadedeveículosautomotivos;

•estabelecimentodeviaspúblicasmaissegurasparacidadãos,pedestreseciclistas;

•combateàviolêncianotrânsitodasgrandescidadesereduçãodasmortesnotrânsito,emelevadíssimospatamaresnoBrasil;

• maior articulação entre os diversos meios de transporte, permitindo aconexão entre eles (por exemplo, implantação de bicicletários emestaçõesdemetrô);

•restriçãodavelocidadedosveículosindividuais;•limitaçãoouproibiçãodeacessodeveículosdegrandeporteacertasviaspúblicas;

• redução das distâncias entre bairros residenciais afastados do centro edospoloscomerciaisedeserviços;

• viabilização de zonas de emprego, de comércio e de prestação deserviços,próximasaosbairroscommãodeobra;

• transformaçãodeestruturasviáriasultrapassadasearcaicasemparquesouáreasdelazerabertosàspopulações,comonocasodoElevadoCostaeSilva(Minhocão),emSãoPaulo,entreoutros.Tais abordagens constituem exemplos de desafios que precisam ser

enfrentados comurgência, sobpenada reduçãoconstante e crescentedasustentabilidadeequalidadedevida,especialmentenasgrandescidades.

A revisitação da filosofia que deverá marcar a destinação dosaparelhamentos e benefícios próprios das cidades, tendo em vista amelhoria da qualidade de vida de seus cidadãos, aliada à renovação dasfontes energéticas com absoluta priorização e preferência pelas

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consideradasrenováveisesustentáveis, revela-se comoum caminho semvolta.

O ser humano, em suadignidade e suasnecessidades, passa a ser odestinatário das ações e dos objetivos buscados pelo administrador, emsubstituiçãoaoatendimentodeinteressessetorizadosequetransformaramas cidades brasileiras em complexos urbanos desumanizados; espaçoscruéis, excludentes e sem diálogo com a fundamentalidade dos direitosindividuais,sociais,difusosecoletivos.

NOVOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: DIREITO ÀCIDADE, À MOBILIDADE E AO TRANSPORTE.SUSTENTABILIDADE

A análise do tema mobilidade urbana não admite atualmentedissociaçãodosdireitosfundamentaisprevistospelaordemconstitucionalvigente.

Não sem razão, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº74/2013 inseriu no texto constitucional, em seu artigo 6º, como direitosocial,odireitoaotransporte.

Portanto, reconhece o Poder Constituinte Derivado a já referidafundamentalidade,tantoformalquantomaterial,dodireitoao transporte,firmando assim o entendimento de que a Carta Constitucional, tambémquanto àmobilidade urbana, configura verdadeiro sistema de garantiashumanas e fundamentais aberto à evolução das inúmeras e constantesprojeçõesdoserhumanonocontextosocial.

Amobilidadeurbana apresenta características asmais interessantes,na medida em que, assim como outros direitos fundamentais, risca atrajetória dos anseios do ser humano de forma transversal, perpassandotodas as dimensões dos direitos essenciais à sobrevivência e aodesenvolvimento das mulheres e dos homens que habitam as grandesmetrópoles.

Assim,porexemplo,amobilidaderevela-seessencialaodireitodeire vir, consubstanciando ela própria, ontologicamente, tal prerrogativaindividual; mas, também, é a mobilidade essencial para a garantia deacessodocidadãoaospostosdetrabalhoquelhegarantamosustento,bemcomodesuafamília,emcondiçõesdechegaraorecônditodeseularemcondiçõesdeconvivercomsuafamíliaevaler-sedeseusagradorepouso,para então enfrentar novo dia de embates pela sobrevivência, em um

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autêntico exemplo de mobilidade como condicionante de importantesdireitossociais.

Se avançarmos em tal análise, testemunharemos, ainda, aconfiguraçãodoquepodemosdenominardemobilidadesustentável,valedizer,garantidaaocidadãodemodo rápido, seguro,acessível, articulado(conformejáfrisamos)etambémharmônicocomopatrimônioambientalindispensável à sobrevivência da espécie humana sobre este pequeno evilipendiado planeta, sobrevivência aqui vislumbrada não apenas sob oprismadapermanência físicadoserhumanosobreaTerra,mas tambémquantoàpreservaçãodesuasherançasculturaisedesuaidentidadecomoagrupamentosmulticulturais, já que omeio ambiente, do ponto de vistajurídico-constitucional, inclui não apenas o ecossistema (extremamentedanificadodemodo irremediável pelo avançodas grandes cidades),masainda o patrimônio histórico, paisagístico e cultural dos povos, tambémfrequentementedanificadoporumavassaladorneodesenvolvimentismo.

Referidoâmbitodosdireitosfundamentais,queemnossaavaliaçãoserevela também intimamente conectado à questão da mobilidade nascidades contemporâneas, adentra a terceira dimensão dos direitosfundamentais,condicionantesdaprópriasobrevivênciadenossaespécie.

Não sem razão, Paulo Bonavides (2014, p. 583-584) delineia a taldimensão dos direitos fundamentais, bem ressaltando seus aspectosuniversais,nostermosseguintes:

Com efeito, um novo polo jurídico de alforria do homem se acrescentahistoricamenteaosdaliberdadeedaigualdade.Dotadosdealtíssimoteordehumanismoeuniversalidade,osdireitosdaterceirageraçãotendemacristalizar-senofimdoséculoXXenquantodireitosquenãosedestinamespecificamenteàproteçãodos interessesdeum indivíduo, deumgrupoou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênerohumanomesmo, nummomento expressivo de sua afirmação como valorsupremoemtermosdeexistencialidadeconcreta.Ospublicistasejuristasjáos enumeramcom familiaridade, assinalando-lheo caráter fascinantede coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira daconcretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexãosobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, àcomunicaçãoeaopatrimôniocomumdahumanidade.As diretrizes formuladas e concretizadas ao longo do século XX

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relacionadas ao desenvolvimento das grandes cidades nos diversoscontinentes e, especialmente, no Brasil não foram concebidas sob umaóticadeintegraçãoeharmonizaçãoentreosdiversosâmbitosdosdireitosfundamentais,menosaindaforampautadasporumavisãoholísticanoquetangeaosimpactosdoscrescimentosurbanossobreomeioambiente.

Àmobilidade considerada em relação à sua função social, deve seracrescentada,ainda,abuscaporsuanecessáriasustentabilidade,inclusivepor meio do desenvolvimento de energias renováveis indispensáveis àsobrevivênciahumana.

Nãosemrazão,abuscapelasreferidasenergiasrenováveiscompõeapauta da ConferênciaMundial Sobre asMudanças Climáticas (COP21),iniciadaemParisem30denovembrode20152.

AUSÊNCIA DE VISÃO HUMANISTA E FUNÇÃOSOCIAL DAS CIDADES: ELITISMO E EXCLUSÃO

Especificamente no caso brasileiro, aludido crescimento seguiu alógicadaexclusãoedoatendimentoaosinteressesprivados,inclusivedaindústria automobilística, sempreocupação coma eliminaçãodas causasdapobrezaemarginalizaçãodegrandesparcelasdaspopulações.

As consequências são percebidas atualmente com a existência defavelaseperiferiasconfigurandoáreaseregiõesabandonadaspeloEstado,que, em geral, faz-se presente demodomais frequente apenas quanto aaçõesrepressivasepolicialescas,mostrando-sereiteradamenteausentenoquetangeàsaçõessociaiseconcernentesàspolíticaspúblicas.

Mais ainda, uma superficial análise bem demonstra a visãopatrimonialistaeelitistadascidadesbrasileiras,comsuasengenhariasquesempreprivilegiarameaindaprivilegiamosautomóveisebairrosnobres,emfrancoprejuízodamaioriadesuaspopulações,depedestreseciclistas,edealternativasmaisracionaisesustentáveisdetransportes.

Nesteponto,cabeoescóliodeAntonioCecílioMoreiraPireseLilianReginaGabrielMoreiraPires(2014,p.344)queenfatizamoseguinte:

Vale lembrar que, anteriormente à Carta Magna de 1988, as práticashigienistas e o planejamento tecnocrático não foram suficientes paramaterializarnaleiapreocupaçãocomatotalidadedoespaçodacidade,massomentecomaquelesbemlocalizados[...].

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O Estado brasileiro, em seus planejamentos urbanísticos, jamaispriorizouocidadão.

Assim,porexemplo,nacidadedeSãoPaulo,éaLeinº15.442,de9desetembrode2011,comalgumasalteraçõesposteriores,quedeterminaqueosproprietáriossãoresponsáveisporseusimóveis,edificadosounão,lindeiros a vias ou logradouros públicos dotados de guias e sarjetas,inclusiveobrigadosaexecutar,mantereconservarosrespectivospasseiosna extensão correspondente à sua testada, na conformidade danormatizaçãoespecíficaexpedidapeloExecutivo3.

Emboratratemos,nesteponto,deviaspúblicas,aAdministração,noreferido exemplo, responsabiliza-se pelas rodovias, mas não pelascalçadas, que, além de sua importância como elemento de aproximaçãoentre os cidadãos e de segurança pública, têm verdadeira funçãointegradora,lúdicaepedagógicaparacrianças.

Se os direitos de ir e vir, bem como a segurança individual, sãocomprometidoseseodireitoaoacessoaotrabalhoédificultadopormeiosdetransporteslotados,comserviçosmalprestadospelasconcessionárias4,temosqueosdireitosfundamentaissãotambémaindaviolados,namedidaem que o meio ambiente é gravemente destruído pelo gás carbônicoemitido pela frota de veículos, crescente a cada dia em virtude dainefetividade,peloEstado,deoutrodireito social,qual seja,o transportepúblico.

Portanto,restaevidentequeodireitoàmobilidadeurbanaémarcadopor contundente fundamentalidade, com conexão transversal pelas trêsprincipaisdimensõesdedireitosfundamentais.

Odireitoàmobilidade,comodireitofundamental,decorretambémdodireitoàcidade,esteconsideradosobumaperspectivaprecedenteàquele.Possuímosodireitoessencialdeirevir,inclusiveaolocaldetrabalhoouao lar, ao lazer etc. exatamente porque somos cidadãos, vivemos emcidades, estruturas complexas surgidas após o rompimento do sistemafeudaleporforçadaRevoluçãoIndustrialcausadoradoêxododoscamposporpartedaspopulaçõesembuscadetrabalhonasgrandescidades.

A ORDEM CONSTITUCIONAL DE 1988 E A NOVAVISÃO FUNDAMENTAL SOBRE O DIREITO ÀMOBILIDADE. NOVA PRINCIPIOLOGIA. O DIREITOURBANÍSTICO.

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Aordemconstitucionalde1988,consagrandonovasdimensõessobasquaisodireitoàcidadepassavaaservisto,pavimentouviasdeefetivaçãodedecisõesepolíticaspúblicasquantoaosdireitosdecorrentesdodireitofundamentalàcidade,comoacriaçãodoMinistériodasCidadesem2003,o estabelecimento do Conselho Nacional das Cidades, o ProgramaNacionaldeRegularizaçãoFundiáriaUrbananoanode2004,entreoutrasmedidas(ROGUET;CHOHFI,2015,p.83).

De fato, a função social que condiciona os direitos fundamentaisdesde a promulgação da Carta de 1988 propiciou o reconhecimento edesenvolvimento de novas condicionantes e objetivos relacionados aodireitoàmobilidadenosespaçosurbanos.

Enãosemrazão.Ofatodemilhõesdehabitantesdasgrandescidadesteremasorte,ou

amásorte,denasceremlocalidadescomaltaoubaixaqualidadedevida,commelhoroupior infraestrutura e comacessoounãoà água tratadaesegura,eaosmeioseficazesdetransportepúblicoetc.imprimeamarcadarestauraçãodaequidadeaodireitofundamentalàmobilidade.

Porém,maisdoqueapenasumfatorrelacionadoàsorte,asgrandescidades, especialmente as metrópoles latino-americanas, refletem oresultado de políticas neoliberais e alguns dos fracassos do sistemacapitalista.

Aexclusão,ainjustiçasocialeaspolíticasrepressivasedeextermíniosistêmico sobre as populações periféricas, especialmente sobre aspopulaçõesnegrase indígenasnoBrasil, impuseramaoscentrosurbanosno Brasil (sem contar as heranças do sistema escravista brasileiro – oúltimoaserextintonasAméricas)aproliferaçãodefavelas,guetos,áreascontroladas pelo tráfico e por milícias, fazendo com que nossas ruas,praçaseavenidassetornassemcadavezmenosocupadaspeloscidadãos,com a consequente valorização dos espaços internos e, portanto, perdapelaspopulaçõesdeseulegítimodomíniosobreoslogradouroseespaçospúblicos, atualmentepriorizadosparaveículos automotores emissoresdepoluentes, bem como tomados pela violência urbana, tanto por parte decriminososquantopelosexcessosdosagentesdoEstado.

Resta,pois,evidenteainserçãododireitoàmobilidadenoâmbitodoresgatedosdireitosfundamentais.

EduardoViera(2015),daFaculdadedePsicologiadaUniversidadedaRepúblicaOrientaldoUruguai,cristalizacomclarezatalpontodevista,aoabordarosprocessosdeurbanizaçãocomofenômenoscaracterísticosdos

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séculosXXeXXIecausadoresdaexclusãoesegmentaçãodosatoresedaconvivênciasocial,bemcomodadesertificaçãodosespaçoseterritórios:

Ennuestrocontinentetalesprocesos,encuadradosenelsistemaneoliberalde mercado, han remarcado aún más las desigualdades sociales,culturales y políticas de los ciudadanos; las franjas de inclusión yexclusión se profundizan generando guetificaciónes que segmentan laconvivencia social y la vida cotidiana.Núcleosaisladosque sólo logranencontrarseavecesenelenfrentamientooelmiedo.Losespaciospúblicossedesertificanylascasasseenrejan.Senaturalizanunaseriedeformasomodos de vida que “incluyen la exclusión”, ya no sólo del otro sino deespaciosyterritórios[...].

O direito à mobilidade é, pois, componente fundamental em talcontextododireitoàcidade,instrumentodereequilíbrionasrelaçõesentreos mais vulneráveis e as camadas minoritárias mais afortunadas, eapresenta, atualmente, por também inserir-se no contexto do direitourbanístico, principiologia própria que norteia o direito à mobilidade eauxilianainterpretaçãodeste,taiscomo:

•princípiodafunçãosocialdascidades;•princípiodaobrigatoriedadedoplanejamentoparticipativo;•princípiodadescentralização;•princípiodagestãodemocrática;•princípiodaprimaziasocial;•princípiodasustentabilidade;•princípiodarepartiçãodoônusedistribuiçãodebenefícios;•princípiodacoesãodinâmica;•princípiodacooperaçãoentreossetorespúblicoeprivado5.

Cumpre trazerà luzoconceitodedireitourbanístico formuladopor

JoséAfonsodaSilva(2005,p.277):“oconjuntodenormasquetêmporobjeto organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhorescondiçõesdevidaaoserhumanonacomunidade”.

Logo, o direito à mobilidade urbana pode ser vislumbrado comoinseridonoreferidocontextododireitourbanístico,namedidaemqueodeslocamento do cidadão nos espaços urbanos constitui exercício dedireitofundamentalcomponentedaprópriaideiadehabitaçãoeocupação

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das cidades e acesso a todos os benefícios que lhe são próprios ecaracterísticos.

Não sem razão, aliás, no que tange aos benefícios materiais eintelectuaisdascidadesalmejadospelaspopulaçõesqueconfluíamparaaurbe,jánaIdadeMédiatornou-secélebreaexpressãogermânica“Oardacidadeliberta”(“Stadtluftmachtfrei”).

Ofenômenomigratórioprossegue.DeacordocomBritoetal.(2015,p.1):

Assim,ocrescimentodessapopulaçãourbanadá-sedeformavertiginosa,comorevelamosdadosdaOrganizaçãodasNaçõesUnidas (ONU),queem 1945 contabilizou dois terços da população do mundo vivendo emzonas rurais, ao passo que, em 2050, dois terços da populaçãomundialviverãoemcidades.Daí a crescente relevância da constatação do grau de

fundamentalidadedodireitoàmobilidade.Noquetangeaotratamentoconstitucionalconferidoaourbanismoe,

logo, relativamente ao direito às cidades e à mobilidade, temos que oconstituinte destinou comando específico quando, no artigo 24, inciso I,reservouaosentesfederativosdaUnião,dosEstadosedoDistritoFederala competência legislativa concorrente para dispor sobre direitourbanístico, cabendo àUniãoo estabelecimentode normasgerais, e aosEstados e ao Distrito Federal, a edição de normas suplementares, noâmbitodesuascompetências.

Aos municípios foi reservada a possibilidade de efetivação daspolíticas dedesenvolvimentourbano, desdeque condicionada às normasgerais estabelecidas em lei, tal como disposto no artigo 182 daConstituiçãodaRepública.

Em relação às competências administrativas, o constituinte asreservou de modo comum entre todos os entes da Federação (União,Estados, Distrito Federal e municípios), porém não diretamente sobredireito urbanístico, mas quanto a searas que guardam estreita relação eevidentedependênciadodireitourbanísticoedodireitoàmobilidade.

Assim, por exemplo, quando destina a competência comum àsreferidasentidadesfederativaspara:

•proporcionarmeiosdeacessoàcultura,educaçãoeciência;

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• proteger o meio ambiente e combater a poluição em todas as suasformas;

•organizaroabastecimentoalimentar;• Promover programas de construção de moradias e melhoria dascondiçõeshabitacionaisedesaneamentobásico;

• combater os fatores demarginalização e promover a integração socialdosvulneráveisedesfavorecidos;

• registrar, acompanhar e fiscalizar a exploração de recursos hídricos emineraisemseusterritórios;

• estabelecer e implantar política de educação para efetivação de maiorsegurançanotrânsito.Essas diretrizes constitucionais apenas demonstram que o direito à

mobilidade urbana é caracteristicamente prerrogativa fundamental comimpactos cuja capilaridade espraia-se por inúmeros outros direitos enecessidades das populações urbanas, como os direitos à educação; aomeioambientesadioepreservado;aoalimento;àmoradia,aosaneamentobásicoeàáguasegura;funçãoequalizadoradecombateàmarginalizaçãosocioeconômica,alémdaexploraçãodosolo.

AmobilidadeurbanagarantidapeloEstadopormeiodeprogramasepolíticas públicas includentes revela-se como um direito fundamentalcondicionante de outros direitos; um direito que, se não observado,inviabilizainúmerosoutros.

CIDADANIA PARTICIPATIVAAacepçãomaisatualeevoluídadecidadania,comofundamentoda

República(incisoII,artigo1º,daConstituiçãoFederalde1988),traduzaideia do indivíduo que, muito além da mera titularidade de direitosfundamentaisabstratos,civise,especialmente,políticos,participaeexigeativamente do Estado brasileiro e dos governantes, em todas as esferasfederativas, a consecução de políticas públicas efetivadoras dos direitosfundamentaisaquetemdireito.

Afinal,ocidadãoéaqueleque,desdeaAntiguidadehabitaascidades,como bem lembra RuthMaria Chittó Gauer (2014, p. 105) nos termosseguintes:

A ideia de cidadania está ligada ao pertencimento de uma entidade

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políticaterritorial,talcompreensãoremontaàcidade-Estadogrega,onde,apósoséculoVIa.C.,oscidadãostinhamodireitoeodeverdeparticiparda vida política. Na Grécia clássica, o termo cidadão designava osdireitosrelativosaoscidadãosqueviviamnascidades.Oensinamentodareferidaautoraevidenciaaíntimarelaçãoentreos

habitantesdascidadesque,por titularizaremodireitoesubmeterem-seàobrigaçãodeparticipardavidapolíticalocal,passamaostentareexercersua cidadania de forma ativa, o que, nos dias atuais, qualifica-se comoumacidadaniaparticipativa.

Paraalémdasfunçõesambiental,urbanística,socialeeconômica,quebem marcam o direito à mobilidade urbana, identificamos uma vitalfunção política do direito àmobilidade, namedida em que o resgate deruas, logradouros, avenidas, praças e demais espaços públicos,tradicionalmentecapturadospelosinteressesprivadosesetoriaisnocivosàigualdadeeàsliberdadescoletivasesociais,permitiráageraçãodenovoperfil de cidadão, que, ao ocupar tais vias públicas, seja como pedestre,ciclista ou usuário do transporte público, por exemplo, restabelecerá arazãoprimordialdascidades,condensadanaexpressãoalemãcunhadanaIdade Média: garantir aos cidadãos a sua liberdade, em todas as suasmodalidadesedimensões.

Mais ainda, no contexto das grandes cidades, um dos grupos decidadãos hoje privados de seu fundamental direito de ir e vir sãoexatamenteascriançaseosadolescentes,vítimasprincipaisdaviolênciaurbanaedotrânsito.

O resgate das grandes cidades consagra o resgate da cidadania,propriamentedita.

Do ponto de vista ambiental, a restrição aos veículos privadosindividuais, com o incentivo e aperfeiçoamento do transporte público,traduz-se, antes de tudo, em questão atinente à saúde pública, hojecomprometidaemrazãodedecisõeserradasadotadasnopassado,comoatualpreçocobradodasnovasgerações.

A reflexão cabível neste ponto refere-se à verificação sobre aconsecução, ou não, pelas decisões políticas e administrativas adotadas,dasdiretrizesconstantesdostextosjurídico-constitucionais.

Esclareça-se: decisões como a construção do Rodoanel (casoanalisadono evento1ºEncontro Internacional deDireitoAdministrativoContemporâneo e os Desafios da Sustentabilidade, realizado pela

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FaculdadedeDireitodaUniversidadePresbiterianaMackenzieeexpostopelaDesembargadoraFederalConsueloYoshida)ou,ainda,aconstruçãodemaisviadutosemonotrilhosemSãoPauloatendemaosparâmetrosdesustentabilidade reconhecidos como condicionantes da manutenção epreservaçãodavidacomqualidade,pelavigenteordemconstitucional?

Ao abordar o tema sustentabilidade ecológica como condicionantepara o desenvolvimento do país em bases sustentáveis, a professoradoutoraSolangeTelesdaSilva(2015,p.104),especialistaemdireitoambientalesustentabilidade,afirma:

Entretanto, há a necessidade de realizar não apenas uma pesquisa dostermos contidos em textos jurídicos que afirmam a necessidade de umdesenvolvimento sustentável ou da sustentabilidade. É fundamentalindagar-sesobreaconcretizaçãodepolíticaspúblicassustentáveis.Essareflexãoaplica-seàperfeiçãoquandoquestionamosaspolíticas

públicas conduzidas nas últimas décadas, nas grandes cidades. Afinal,problemas como favelas sem condições mínimas de saneamento einseguras;periferiasafastadasdeestruturasdetransportespúblicosideaisearticuladasentresi;calçadasinadequadasparaospedestres,especialmenteparacrianças,adolescentes,pessoascomnecessidadesespeciaiseidosos;ruasmaliluminadaseextremamenteinsegurasparamulheres;altograudepoluiçãocausadapelogáscarbônicoexpelidopelosveículosautomotores;acentuada agressividade e violência no trânsito; inexistência de espaçosabertos como praças, comuns em outros países, condição que torna ocidadão dependente de espaços fechados e com objetivos comerciais,comoos shoppingcenters,normalmenteambienteshostisaos jovensdasperiferias etc., são resultan-tes da omissão e da negligência dos PoderesPolíticos e da Administração Pública em relação à im-plementação dasreferidaspolíticaspúblicasinclusivas.

CONCLUSÃOOsistemaconstitucionalinauguradocomaCartade1988foierigido

sobrebasesreceptivasàsevoluçõesdosdireitosfundamentais,viaderegraoriundas das contemporâneas necessidades dos in-divíduosconstantementerenovadasnocontextodeummundocujosreferenciaissãoalterados de mo-do fluído e volátil a cada dia, e cuja sobrevivência e

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evolução dependem cada vez mais da (re)conciliação entre pontos devistas antagônicos, tanto no que concerne aos direitos e às garantiasindividuaisesociais,quantoaosdireitosdifusosecoletivos.

Assim, o reconhecimento formal da fundamentalidade de novasgarantias e direitos, como o direito social ao transporte, recentementeconsagrado pelo poder constituinte derivado, bem demonstra a altaprobabilidadedoavançoemtalreconhecimento,especialmentequantoaotema ora abordado, ou seja, o direito à mobilidade urbana, conectadotransversalmente a outros direitos fundamentais, em todas as suasdimensões.

Aindaquenãoformalizadopelopoderconstituintederivado,qualqueroutrodireitorelacionadoàcidadeeàmobilidade,porsercondicionantedeoutrosimportantesdireitosfundamentais(acessibilidade,educação,saúde,lazer, trabalho, qualidade de vida etc.), compõe o bloco deconstitucionalidade que deverá nortear as ações e políticas públicas dereurbanizaçãoederestauraçãodamobilidadeurbana.

Aspressõesdecunhoambientaltambémimpõemaosadministradoresabuscapelasfontesalternativasviabilizadorasdamobilidadeurbana,semoqueasdiretrizesconstitucionaisnãoserãoconcretizadas.

O direito à cidade configura, além de prerrogativa fundamentalpropriamente dita, elemento condicionante da denominada cidadaniaparticipativa, pela qual os cidadãos migram de uma postura passiva elimitada ao exercício de direitos políticos a uma posição de atores compoder de pressão e cobrança perante os governos e administradoresrespectivos, dando nascimento à figura do cidadão participativo, quetitularizaodireitoaocuparasruas,praçaseavenidasdasgrandescidades,e, principalmente, a capacidade e legitimidade de fazer movimentar ospoderespúblicosparaquegarantamadisponibilizaçãodetodososbene-fícios socioeconômicos próprios das sociedades modernas, em polosurbanosadequadosaoconfortoeàsegurançadoscidadãos.

Tanto a ordem jurídico-constitucional interna quanto as normasinternacionais (que, aliás, dialogam com aConstituição daRepública de1988pormeiodesuacláusuladeabertura)fornecemconfortávelamparoataisprerrogativas,necessáriasaocumprimentodosobjetivosdaRepúblicaconsagradosemseuartigo3º.

Efetivado o direito à mobilidade das populações, dar-se-á aequalização das desigualdades predominantes nas cidades brasileiras,especialmentequantoàsperiferiasefavelastradicionalmenteabandonadas

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pelo Poder Público, não apenas do ponto de vista dos benefíciosurbanísticos, como também dos pontos de vista humano, social,econômicoecultural.

Afinal,comoensinamPiresePires(2014,p.342),“acidadeévistacomoasomatória,inseparável,dochão,genteecultura.Gentequemora,transita,trabalhaevive”.

Defato,podemosentendercomocivilizadoopaísquetemsuasviaspúblicasocupadaspelaspopulações,porsuasmanifestaçõesculturaiseporsuascrianças.

Nasruasreencontraremososerhumanohámuitoesquecidoeperdidonasfriasestruturasdosasfaltos.

ComoescreveuFedericoGarcíaLorca,assassinadopelosfascistasdeFranco em agosto de 1936, “a poesia é algo que anda pela rua” (Lorca,1994).

Quepossamosresgataraspoesiasdenossasruasepraças.

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digna. In: ANDREUCCI, A. C. P. T. et al. (Org). Direitos humanos –perspectivas e reflexões para o século XXI. São Paulo: LTr, 2014.ROGUET, P.; CHOHFI, R. D. Políticas públicas e moradia: a falta deacompanhamento com óbice à concretização do direito à cidade. In:SMANIO, G. P.; BERTOLIN, P. T. M.; BRASIL, P. C. (Org.). O direito nafronteiradaspolíticaspúblicas. São Paulo: Páginas & Letras Editora e Gráfica,2015.ROSIN, J. A. R. de G. Aplicabilidade de princípios do direito em matéria deurbanística: conflitos e dilemas da regularização fundiária sustentável.Disponível em:<http://www.amigosdanatureza.org.br/publicacoes/index.php/forum_ambiental/article/viewFile/156/156Acesso em: 29 nov. 2015.SILVA, J. A. da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros,2005.SILVA, S. T. da. Políticas públicas, desenvolvimento sustentável esustentabilidade. In: In: SMANIO, G. P.; BERTOLIN, P. T. M.; BRASIL, P. C.(Org.). Odireitonafronteiradaspolíticaspúblicas. São Paulo: Páginas & LetrasEditora e Gráfica, 2015.UNITED Nations Climate Change Conference. Disponível em:<http://newsroom.unfccc.int/media/463248/overview-schedule-published-on-6-november.pdf>.Acesso em: 30 nov. 2015.VIERA, E. Derecho a la ciudad – herramienta de inclusión social enLatinoamérica. Disponível em:<http://web.b.ebscohost.com/ehost/pdfviewer/pdfviewer?vid=3&sid=aed6e83c-1ab0-472c-beff-3ab7cc57c348%40sessionmgr113&hid=102>. Acesso em: 29 nov. 2015.

1 Mais informações estão disponíveis em: <https://www.youtube.com/watch?v=Fwh-cZfWNIc>. Acesso em: 22 nov. 2015.

2 Mais informações estão disponíveis em:<http://newsroom.unfccc.int/media/463248/overview-schedule-published-on-6-november.pdf>. Acesso em: 30 nov. 2015.

3 A legislação completa sobre o uso e a conservação das calçadas nomunicípio de São Paulo está disponível em:<http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/calcadas/index.php?p=36957>. Acesso em 15 nov.2015.

4 Ficou conhecido em 2009 o caso de passageiros-trabalhadores que foram

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agredidos por funcionários da concessionária SuperVia, no Rio de Janeiro,com socos, pontapés e até chicotadas. Cf. “Funcionários da SuperViaagridem passageiros que embarcavam na estação de Madureira” (2015).

5 Para maior detalhamento sobre o conteúdo de tais princípios, ver Rosin(2015).

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3DIREITO À CIDADE, DIREITO À

MOBILIDADE: ENTRE A TEORIA, ASREGRAS E O ESPAÇO

AndrésBorthagaray

Odiscursodosdireitostemsedifundidocadavezmaisnoâmbitodascidades, tanto na comunidade acadêmica quanto nomundo político. Noentanto,eletemconotaçõesparticularesnaAméricaLatina,ondeàvisãointroduzida por Lefebvre e outros autores se acrescenta uma afirmaçãonormativa de direitos. Mas essa vontade legislativa não se refletenecessariamenteno tratamentodoespaçodamobilidade.A incorporaçãodessaperspectivafornecesubsídiosparaenriquecerodiscursopormeiodaanálisedecasos–taiscomoodaAvenida9deJulhoemBuenosAireseda Vespúcio em Santiago do Chile – e de elementos analíticos deavaliação de projetos demobilidade para a definição das prioridades dedeslocamento.Assim,seráapresentadaaquiumaanálisedasrelaçõesentredeterminadas referências teóricas, referências normativas, referências decasosemblemáticosecritériosdeanálise.Dessemodo,desenvolver-se-áaideiadodireitoàmobilidade,fiocondutordaaçãodoInstitutoCidadeemMovimento(InstitutpourlaVilleenMouvement–IVM),comoumdireitoàqualidadedoespaço,dotempo,dasformasedogovernodamobilidade.

Emprimeirolugar,serãoestabelecidasalgumasdefiniçõesdodireitoàcidadeeàmobilidade.Emsegundoejáemrelaçãocomosujeitodessedireito, veremos como ele afeta os diferentes grupos de cidadãos. Emterceiro,serápropostaumarelaçãocomanormativalocal.Porfim,comoconclusão, apresentaremos os desafios para uma abordageminterdisciplinar.

O direito pode ser entendido de diversasmaneiras: como liberdade,

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garantia,questãosocialeobrigação.Nessasdiferentesacepções,podemosfalardodireitoàcidade,mobilidadeeinformação.Aqui,desenvolveremosessas ideiasemrelaçãoaosujeitodessesdireitoseàsnormasemnossospaíses.

O DIREITO COMO LIBERDADEJá nas primeiras definições do IVM, compiladas por François Ascher(2004) em Le sens du mouvement, distinguia-se o direito comoliberdadedodireitocomogarantia,o direitodedeslocamento.Demover-se sem autorizações internas. Uma conquista consolidada nos paísesdemocráticos. Destacou-setambémacitação:“Oardacidadenostornalivres”,adágiomedievalrecuperadoporMaxWeber.Pois bem, como se garante essa liberdade em uma sociedade

altamente urbanizada, com altos níveis de congestionamentos,necessidadesdearbitrarousodeumespaçofinitoerecursosfinitos?

Quandonãosegarante,issosedeveàfaltadenormaseplanejamento,a um desenvolvimento espontâneo ou a erros de planejamento? Basta oque está estabelecido nas normas ou é necessário desenvolver uma açãopositivaparaqueelapossaalcançada?

O DIREITO COMO GARANTIAConformedefinidoporRobertPelloux, (2004)“cabeao indivíduoo

direito de exigir desempenho por parte da sociedade ou do Estado: odireitoaotrabalho,àeducação,àsaúde”.

Esse conjunto de direitos foi consagrado como parte integrante doEstadodebem-estar,especialmentenasegundametadedoséculoXX.

Ainterpretaçãodosdireitosedasliberdades, individuaisecoletivas,se cruza no caminho, como a velocidade (no trânsito) e os riscosrelacionadosaumlimitemuitoalto.Liberdadesindividuaisecoletivasemque se deve arbitrar em função do bem comum. Por exemplo, comoexplica o relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobresegurança viária em 2015, um pedestre adulto terá menos de 20% dechancedemorrerseforatropeladoporumcarroamenosde50km/h,masquase80%dechancedemorrerseoautomóvelestivera80km/h.

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O DIREITO COMO OBRIGAÇÃOAssim,geram-seresponsabilidadesindividuaisnoscomportamentos–

como resposta a estímulos, do tipo “bastão com a cenoura na ponta”.Quandoseaceitaqueessasresponsabilidadesnãoserãorespeitadasequenãohaverácapacidadepara fazê-las respeitadas,paga-seumcustosocialmuitoalto.Porexemplo:

•Quandopostessãocolocadosnolimiteentreacalçadaearuaparaevitarousoinvasivodessesespaçoscomoestacionamento,emParisououtrascidades francesas. (E. Charmes, 2006). Esta solução consome umagrande quantidade de espaço precioso na cidade e, em particular, nacalçada. Outras sociedades podem resolver esse problema com osimples respeitoàs regras.Cita-se,emparticular,oexemplodoJapão,ondeasregrasdeconvivêncianãorequeremaqueletipodemecanismoineficiente para ser respeitadas.Admitir a crise de governabilidade daruatemumcustomuitoelevadoparaasociedade.

• Lombadas ou redutores de velocidade. Admitir que não se podeconseguir queosmotoristas observemum limite de velocidade, queoseucomportamentonãoserácapazdelevaremcontaasregrasequeosdiferentes mecanismos de sanção são impotentes para que a lei sejarespeitada tambémsignificaumcusto socialmuito elevado.Estepodeser medido no custo da construção, nos reparos adicionais deamortecedoresquebrados,noperigodefrearsenãosepercebeantesasuapresençaenoriscoquesecorreporaceitaressaimpotênciasocial.

DIREITO À CIDADE, DIREITO À MOBILIDADEDesdeaGréciaantiga–nostextosclássicossobreapolítica,queeram

textos sobre a cidade – até a valorização de um novo conceito sobre odireito à cidade, o discurso dos direitos vem ganhando lugar. Tem-sesugerido que o acesso às oportunidades da cidade permite identificarvalores intrínsecos, que não são os mesmos que existem para outrosâmbitos.Particularmentenocontextodeumquadroteóricovinculadoaosmodos de produção da cidade, desenvolvido porHenriLefebvre (1974),David Harvey (2003) e outros, há muitas críticas aos desenvolvimentospromovidospelourbanismocontemporâneoatéadécadade1970.

Assim, esse direito é sacrificado quando o planejamento da cidade

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resulta em contrastes e barreiras que aumentam a segregação. Porexemplo,quandosepagaocustodavelocidadeedasegregaçãosocialnotratamento do espaço. Quando se produzem pressões no mercadoimobiliário que tornam cada vezmais difícil o acesso à cidade.Quandoumainfraestruturaurbanatratadeformadiscriminadaosbairrosporondepassa, como aAvenida 9 de Julho emBuenosAires ou aVespúcio emSantiagodoChile.Écertoqueessa ideia está evoluindo, e,naprimeira,foramfeitastransformaçõesqueexpressamumaformadiferentedemedirasdecisões.

No contexto ibero-americano, tanto das instituições quanto dapolítica,écadavezmaiscomumencontraralusõesdiretasou indiretasaesse discurso. A tentativa de criar um espaço urbano integrador é atentativadeterlugaresetemposdequalidadeparaamobilidade.Assim,arevoluçãodasinfraestruturaspodejogarafavoroucontraosdireitos.

Mas o que significa um espaço de qualidade? Um espaço paracaminhar,seguro,ondeacontecemmaisatividadesdoqueasestritamentenecessárias (GEHL, 2014). Onde se consideram questões como sombra,paisagem, possibilidades de encontros. Onde os lugares de passagens eespera,comodiferentesestaçõesdetransferência,têmqualidadeeajudamanosmoverdeumlugaraoutro.Ondesepodedeixarumveículoepegarumoutro,comoumabicicleta.

A governança dos espaços de mobilidade requer das instituiçõesarticuladorasumavisãotransversal:

De repente, um sistema único para governar as cidades perde suacredibilidade.Doisregimesseinsinuam:odacidade-centro,socialmentemisturada e orientada para a competência econômica, e o da cidadeperiférica,socialmentehomogêneaeorientadaparaosserviçosàspessoas(ESTÈBE,2008).A forma de considerar esses espaços varia em nossas cidades entre

lugares de Primeiro Mundo e lugares totalmente abandonados, onde onúmero de pedestres mortos em acidentes pode ser completamentedistinto. Juan Carlos Dextre (2013) desenvolveu em profundidade essescontrastesentreosbairrosdeMirafloreseosdaperiferiadeLima,aindaque o exemplo também se aplique a uma vasta gama de cidades latino-americanas.Porexemplo,a“visãozero”emmortesdepedestresqueforçaasobrigações.

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Achamada“visãozero”,expressãoqueimplicaquenãosetratamaisdeestabelecermetasquefaçamdiminuironúmerodeacidentesfataisporano,especialmentedepedestres,masdereduzi-losazero,éorigináriadaSuécia. Logo foi adotada, entre outras, pela cidade de Nova York. Issosignifica uma mudança drástica de medidas nas responsabilidades dosmotoristas e no desenho da infraestrutura (raios de giromais apertados,calçadasmaisestreitas)ereduçãodevelocidadesmáximas(a40milhasou25km/h).

Dentrododireitoàmobilidade,estáodireitoà informação.Porquealgunstiposdecidadãosãoobjetodeumamelhorqualidadedeinformaçãodoqueoutros?Emborasejaincompletaemuitasvezesinadequadaparaotempo que existe para sua leitura, as estradas e infraestruturas viáriasatendem, em parte, aos requisitos internacionais de informação. Ossistemas sobre trilhos são geralmente bem-dotados de informação doprópriosistema.Osmetrôs,porexemplo,por terempoucas linhaseumalógica bastante compreensível, são fáceis de entender. Mas, quandopassamos para o sistema de ônibus, para não falar do de pedestres ouciclistas, a vida se torna muito complicada para aqueles que não sãousuários frequentes de um trajeto. Estes últimos são, paradoxalmente, agrande maioria dos usuários. Além disso, trata-se de experiências pelasquaiscostumampassaraquelesquefazemdeterminadostrajetosdecarro.

Assim, uma questão democrática fundamental, como o direito àinformação, parte do direito à mobilidade, é muitas vezes muito poucoobservadaporumagrandemaioriadosusuários.Seoproblemajáédifícilparaopúblicoemgeral,torna-semuitomaisdifícilselevarmosemcontaa população com necessidades especiais. Por isso, em outro momento,falava-se em pactos de mobilidade para desenvolver mecanismos deconsulta entre os diferentes atores e hoje se fala de um pacto deacessibilidade.

O SUJEITO DO DIREITO À MOBILIDADEPassar a falar de mobilidade em lugar de transporte e trânsito

representa umamudança profunda de paradigma. Em vez de pensarmosnosfluxosenosveículos,pensamosemcomoaspessoassemovem.Deacordocomapercepçãoquesetemdessesujeito,altera-searespostaaumconjunto de questões para as quais a Justiça é chamada cada vez maisfrequentementeafimdedirimi-las.

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Quem temessesdireitos?Quemdormeevota emumadeterminadacidadeouquemvemetrabalhanelatodososdias?Quempagaasdecisõespúblicas sobre a mobilidade e quem se beneficia com elas? Como é osistema de subsídios, tarifas, equações de investimentos e de operação?Como se insere em um contexto socioeconômico mais amplo? Quantoespaçoédado,naproporção,àquelesquesedeslocamdeumaformaoudeoutra?

Umexemplográficoépensarquantaspessoaspodempassaremumtrecho de três metros durante uma hora, de acordo com o modo dedeslocamento que escolhem. Segundo dados da Apur (Atelier Parisiend’Urbanisme, a agência de urbanismo da cidade de Paris) (), cerca de1.500 pessoas usam automóveis; quatromil, um ônibus tradicional; dezmilandamapé,debicicletaoutrólebus;15milutilizambondes;de20mila40mil,metrô;emaisde70mil,trem(porexemplo,RERA,emParis).

Trata-se de uma questão essencial quando se fala de direitos. Porexemplo, em grandes áreas metropolitanas, fala-se do direito ao sono,porque só podem votar aqueles que dormem em um lugar e não quemtrabalhaali.

Quando se analisam os beneficiários de uma determinadainfraestruturacomummaiorníveldeinformação,verifica-seque,emborasetenhapassadoaavaliaremtermosdepessoasenãodeveículos,aindahámuitoaaprofundar,comoaspectosrelacionadoaidade,gêneroerenda.Nos acessos por autoestrada à cidade de Buenos Aires, fez-se umamedição que apontou que apenas 20% eram mulheres dirigindo (DeCiervo, Guilliani et al., 2008), enquanto, no transporte público, adistribuiçãoporgêneroeramuitomaispróximade50%(Intrupuba,2010).

Emtermosdeidade,ascriançasnãodirigem,eapenasumapartedosidososcomrendasuficienteo faz.Alémdisso,quandoseconsideramasdistânciasdeacessoao transportepúblicoouo tempodeatravessarumarua nos termos de uma pessoa em plena capacidade e condição física,ficarão de fora todos aqueles que têm um tipo diferente de capacidade,permanenteoutransitória.

O CONTEXTO NORMATIVO REGIONALNaAmérica Latina, levamos o discurso dos direitos às normas, em

legislaçõesmuitoavançadas (porexemplo,naConstituiçãodoBrasil,naConstituição da Cidade de Buenos Aires, em leis avançadas de

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mobilidade).Noentanto,aomesmotempo,háumfortedesafioàsinstituições,aos

processos de gestão, à alocação de recursos. Por exemplo: em BuenosAires,cobra-seumataxaporcongestionamento,invocandooantecedentedeLondres,porpartedasconcessionáriasdeautoestradas.Diferentementede Londres, os fundos são reinvestidos nas rodovias – e gastos fora dosistemaorçamentárioedoscontrolespúblicos.

Esubsídiosao transportenasgrandescidades?Quemospaga?Paraondevão?Valemapenasparaotransportepúblicoouemtodososmodosde deslocamento? Quanto paga um motorista de automóvel por seudeslocamento? Como assinala Vuchic (1999), as externalidades têm umcusto que o motorista de automóvel não paga. Apesar dos gastos comcombustível, eventualmentedopedágioeestacionamento,omotorista sóassume uma parte do custo de um deslocamento. Quanto vale o espaçoocupadoporseucarro?Comoasnormasoincorporam?

A questão é se as grandes rupturas tecnológicas vão mudar essasituação.Com carros que passamde “softwares sobre rodas” à “internetsobrerodas”.Ecomumaquestãoenergéticaeambientalquecolocanovapressãosobreosdeslocamentos.

CONCLUSÃOA mobilidade está se convertendo em uma demanda primária e

crescente da sociedade. Ela impacta os acordos federativos. Desafia oslimites entre o público e o privado, com novos esquemas de parceriaspúblico-privadas(PPP),novossistemasdeserviçospordemanda(comooUber). O papel do Estado está mudando e ainda não terminou de seadaptaràsnovasexigências.

O campo do direito à mobilidade requer uma abordageminterdisciplinar.Aoportunidadeoferecidapela presente publicação é umpassonessadireção.

REFERÊNCIASASCHER, F. Le sens dumouvement. Modernité et mobilités dans les sociétésurbaines contemporaines. Paris: Belin, 2004.BOURDIN, A. Losactoresquehacenalaciudad.Nuevastendencias. Conferenciaen la Cámara Argentina de Comercio1, 21 de diciembre de 2011

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4DIREITO À MOBILIDADE. DIREITOS E

MOBILIDADE

AndreaGutierrez

INTRODUÇÃOA Política Nacional deMobilidade Urbana Sustentável, sancionada

em 2012 pela Lei nº 12.587, coloca o Brasil na vanguarda da AméricaLatinaemmatériadeinstitucionalizaçãodamobilidadecomoumdireito.Esse reconhecimento é parte de um processo recente emais amplo queocorreemnívelmundialetranscendeocampododireito.Háuminteresseconvergentepelodireitoàmobilidadequeseregistrasimultaneamentenoâmbito das políticas públicas, no campo jurídico-institucional e nomeioacadêmico. Apesar desse fato, único e difícil de produzir, ainda seapresentam grandes dificuldades em termos de realizações: umafundamentaléefetivarodireitoàmobilidade.

Entrereconhecereefetivarosdireitos,háobstáculosdeváriostipos:políticos, jurídicoseconceituais.Osavançosobtidosnesses trêscampos,relativos a reconhecer a mobilidade como um direito, vão semprecontornando os limites e, às vezes, encontrando novos. Essereconhecimentoencerra,emseuprópriofundamento,umnovodesafio:amobilidade é reconhecida como um direito porque é um meio e umacondição para o acesso a outros direitos e à cidadania como um todo.Comofunciona,então,onexoentredireitosemobilidade?

Sabemos que o nexo entre direitos e mobilidade existe porque ovivenciamos.Precisamosnosmover para trabalhar, para atender à nossasaúde,paranoseducar,paracomprarcomidaparaonossosustentodiário.Todasessasnecessidades,reconhecidascomodireitoshumanos,precisamdamobilidadedaspessoasecoisas,e,porisso,elaéreconhecidacomoum

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direito também. Mas agir sobre a mobilidade requer levar, de maneiraefetiva,aspolíticas(asleisouideias)paraagestãocotidiana.Eissoexigeir além, entender como amobilidade interage com os demais direitos ecomo é tal interação na gestão de direitos diferentes entre si. E isso écomplexo.Ovínculoentredireitosemobilidadeécomplexoeexigeumaabordagempaulatinaparasuamelhorcompreensãoegestão.

Os avanços legais e institucionais feitos pelo Brasil em torno doreconhecimento da mobilidade como um direito merecem que seaproveitem os espaços construídos para fornecer novas ferramentas einformaçõesàgestãopública,demodoquehaja,defato,umarenovaçãoquetorneefetivososdireitosdeclarados.

O presente capítulo aponta nesse sentido, pois tem como objetivocontribuir para evidenciar como amobilidade intervémna concretizaçãodeoutrosdireitos,quefazemoexercíciodacidadania,equeamobilidadehabilitaecondiciona.

Otextoestáorganizadoemtrêseixos:umaapresentaçãodocontextodas políticas e do pensamento em torno do direito à mobilidade; umlevantamentodeproblemasourestriçõesà interpretaçãodovínculoentredireitos e mobilidade; e algumas contribuições provenientes de estudossobreesteúltimotema.

A MOBILIDADE COMO DIREITO: ESTADO DAQUESTÃOO direito à mobilidade do ponto de vista jurídico

Oreconhecimentodamobilidadecomoumdireitoseinscreveemumcontextoquedemarcaaspolíticaspúblicasinternacionais,conhecidocomoenfoque nos direitos. ADeclaração Universal dos Direitos Humanos de1948 estabelece os princípios desse enfoque, que coloca as pessoas nocentro da atenção e orienta o desenvolvimento às possibilidades desatisfazeradequadamenteasnecessidadeshumanas.Posteriormente,váriospactos, tratados e convenções internacionais reforçam a declaração eampliam o alcance de seus princípios a outros direitos. Dois itens sãofundamentaisnesseprocesso,paraointeressedestetrabalho:aDeclaraçãodoMilênio,de2000,eaCartaMundialdoDireitoàCidade,de2004.

ADeclaraçãodoMilêniovinculaosdireitoshumanosaumconjuntodenoveobjetivosdodesenvolvimento(ObjetivosdeDesenvolvimentodo

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Milênio – ODM), e os governos nacionais se comprometeram aestabelecer metas a serem cumpridas em 2015, tomando para cada umdelesoanode1990comobase.Osobjetivossereferemàpobreza,saúde,educação, igualdadedegênero, sustentabilidadeambiental eparticipaçãosocial. Trata-se de objetivosmultidimensionais, dos quais fazem parte otransporteeamobilidade,quenãosãoumobjetivoporsimesmos.

ACartaMundialdoDireitoàCidade,noentanto,incluiotransportepúblicoeamobilidadeurbanacomoumdireitoexplícito(parteIV,artigoXIII), comoutros relacionados aos desenvolvimentos econômico, social,culturaleambiental, comoodireitoàágua,ao fornecimentodeserviçospúblicos domiciliares e urbanos, à habitação, ao emprego e a um meioambiente saudável, ao exercício da cidadania e à participação noplanejamento,naproduçãoenagestãodacidade,àinformaçãopúblicaeaousodemocráticodoespaçopúblico.ACartatambémestendeosdireitoshumanos à cidade como um todo, constituindo-a como uma área deexercícioefetivodacidadania,diferentementedaabordagemusualdeatéentão,queremetiaosdireitosàescaladacasaoudobairro.

O direito àmobilidade se inscreve, portanto, nomarco do direito àcidade;eeste,nomarcodosdireitoshumanos.Assim,sãotranscendenteso enfoque e o aval institucionais que lhe são dados hoje em nívelinternacional.

O Brasil ocupa um lugar de vanguarda nesse processo deinstitucionalização crescente da mobilidade como um direito. Em 2001,estabeleceoEstatutodaCidadee,em2003,criaoMinistériodasCidadeseoConselhoNacionaldasCidades.Sãoinovaçõeslegaiseinstitucionaisanteriores à Carta Mundial de 2004 que constituem um horizontenormativoparaaAméricaLatinaeomundo.Masnãosurgemde formaespontâneaouisolada.SãoconsequênciadapromulgaçãodaConstituiçãoFederalde1988,queestabeleceosdelineamentosdeumareformaurbana.EprecedemacitadanºLei12.587de2012,quehojedáasdiretrizesdaPolíticaNacionaldeMobilidadeUrbana.

O Estatuto da Cidade sancionado pela Lei nº 10.257/2001regulamenta os artigos da Constituição relativos à política urbana. OMinistério das Cidades implementa o Estatuto da Cidade e prioriza oplanejamento territorial urbano. Finalmente, a Lei nº 12.587 entra nessecontexto como um instrumento a mais, com o objetivo explícito depromover o acesso universal à cidade por meio do planejamento e dagestãodemocráticadoSistemaNacionaldeMobilidadeUrbana.Assim,o

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Brasil avançano reconhecimentodamobilidadeurbanacomoumdireitosocial institucionalizado e incorporado às normas federais deplanejamento,istoé,opaísofazdeumamaneirauniformeehomogênea,paraquetaldireitoalcancedemodoequitativotodooterritóriobrasileiro.

Em síntese, há um processo de crescente institucionalização e“formalização”damobilidadecomoumdireitohumanoemnívelmundial,do qual o Brasil é um país de referência. Esse processo tem correlaçãocomaagendaprogramáticadepolíticaspúblicas.

O direito à mobilidade do ponto de vista programáticoA abordagem de direitos humanos constitui progressivamente um

horizonte programático de desenvolvimento para todo o mundo. Osdocumentos das Nações Unidas comprovam esse impulso para oprogramático,orientando-separaconcretizaraspolíticascomenfoquenosdireitos,pormeiodaaçãoedoprosseguimentoedageneralizaçãodeboaspráticas.

O Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos(ONU-Habitat)recuperaodireitoàcidadecomoumconceitointegradorjána primeira conferênciamundial de 1976 (Habitat I, emVancouver); nasegunda, de 1996 (Habitat II, em Istambul), retoma-o e conduz àformulação de uma Nova Agenda Urbana global, uma agendaprogramática para um urbanismo sustentável. A mobilidade urbanasustentável é parte dessa agenda mundial, e o transporte torna-se umapreocupaçãocentralnadiscussãodas cidades sustentáveis.OdocumentopreparatórioparaaconferênciaHabitat III, a ser realizadaemQuito,em2016,destacaotransportecomoumtemaespecífico.

Essa nova agenda urbana renova a “aliança” entre o planejamentourbano e o do transporte. Incentiva o planejamento da mobilidade eigualmenteomantémassociadoaoplanejamentoterritorialdourbano.Háumatomadadeconsciênciasobreainterdependênciaentreourbanismoeamobilidade,alémdoconceitotradicionallimitadoaostransportes(serviçoseinfraestruturas)emsieporsi.

Amobilidadeurbana sustentável sintetiza aDeclaraçãodosDireitosHumanos e do Direito à Cidade e encarna um paradigma de políticasbaseadas nos direitos que põe foco no desenvolvimento ambientalmentesustentávelenaescalahumana.Assim,destacaosmodos“doces”,comoas caminhadas e o ciclismo, prioriza o transporte demassa e recupera o

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desenho do espaço público a partir de princípios de convivência eequidadeentregrupossociaiscomnecessidadesecapacidadesdiferentes,todos com paridade de direitos (idosos, crianças, deficientes, mulheres,pedestres,pobres).Aatençãoaosgruposvulneráveis,emumhorizontedesustentabilidade para as gerações futuras e em uma expectativa dequalidadedevidaampliadaparaocotidiano(enãoapenasnoníveldavidaeconômica), na escala da cidade comoum todo, como território da vidaurbana,e,porconsequência,odireitoàcidadeeaoexercíciodacidadaniasãocaracterísticastransversaisaodiscursoprogramáticosobremobilidadesustentável(ONU-HABITAT,2013;ONU-HABITAT–PNUMA2015).

AAmérica Latina tem um protagonismo significativo nessa agendaprogramática, não apenas como parte dos “problemas” urbanos, mastambém das soluções. Cidades como Medellín tornam-se exemplos deboaspráticasemnívelmundial,eossistemasdetroncosalimentadosporônibus (como o Transmilênio) são exportados para o mundo comoalternativa de renovação dos transportes de massa. Nos últimos anos, aexpansão do escritório regional daONU-Habitat para diversos países daAméricaLatinadácontadaalturaalcançadaporesseprotagonismo.

O direito à mobilidade do ponto de vista acadêmicoOdireito àmobilidade e o direito à cidade são conceitos com uma

marcadeorigemnoâmbitoacadêmico.Oreconhecimentodamobilidadecomoumdireitoque,porsuavez,

afetatodososoutrose,portanto,mereceaqualificaçãodedireitogenéricodeve muito a um autor fundamental: François Ascher. De acordo comAscher(2004,p.23),

[...] hoje, mover-se tornou-se indispensável para acessar a maioria dosbens, dos serviços e das relações sociais [...] condiciona o acesso àhabitação, ao trabalho, à educação, à cultura etc. [...] O direito àcirculação tornou-se uma espécie de direito genérico, do qual derivamnumerososoutrosdireitos[...].Ascher (2004) recupera o conceito de direito à cidade da obra de

Lefebvre(1968),masaborda-oemrelaçãoàmobilidadeeapartirdela.Eletambém coloca o conceito de mobilidade como chave interpretativa deumamudançadeépoca:aglobalização.NaobraMetápolisoul’avenirdes

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villes,Ascher(1995)refletesobreanovarelaçãoentreespaçoetemponavida urbana moderna, e descreve a sociedade do hipertexto(LIPOVETSKY, 2006) como uma sociedade hipermóvel, caracterizandoassimumnovomododevidadamodernidade.

O InstitutoCidade emMovimento (IVM) resgata a contribuição deAscheredesempenhaumpapelfundamentalnoestabelecimentododireitoà mobilidade como um conceito ampliado em nível mundial e ligado àglobalizaçãoeaumamudançanomododevida,feitoqueseplasmaemumaobrahojedereferência:Lessensdumouvement(ALLEMAND;ASCHER;LÉVY,2004).

A hipermobilidade da metápolis como expressão de um“encurtamento de distâncias” na globalização, baseado em redes detransportedealtavelocidadeetambémnostempossimultâneospermitidospelasnovastecnologiasdetelecomunicaçõeseinformática,organizaumapródiga produção no âmbito do urbano que reconhece autores dediferentes disciplinas (SANTOS, 1996; VELTZ, 1997; BORJA;CASTELLS,1997).

AmetápolisdeAscherdánomeanovosterritóriosdourbano.Estesse configuram como um sistema de metrópoles globais conectados porredesde transportede altavelocidade, que emparalelogeramumefeito“túnel”: deixamespaços inertes entre aeroportos ou estações de trens dealtavelocidade.Omesmoseaplicaaointeriordacidade,entreacasanaperiferia e o trabalho no centro, ligados por redes de autoestradas quepermitemumnovosubúrbiomaisdistantee,porvezes,fragmentado.Essenovo território do urbano rompe o conceito tradicional de centro(s) eperiferia(s) como zonas, como espaços internamente homogêneos ejustapostosemumaregião,eintroduzoconceitodefragmentação,comoasobreposição de espaços heterogêneos que coexistem nessa região (DEMATTOS,2002;PRÉVÔTSCHAPIRA,2002).

Aexpressãocomquemaiscomumentehojeseidentificaamorfologiada metápolis é “cidade difusa”, uma cidade estendida e descontínua,articulada por rodovias e redes de transporte de alta velocidade que dãolugaraum“arquipélagourbano”(DEMATTEIS,1998),caracterizadoporbaixa densidade populacional na periferia, uso intensivo do automóvelparticularefortescontrastesentrericosepobres.Reconhecem-se,assim,problemasdeacessibilidadenamorfologiadacidadedifusa,e,porisso,ofoco recai também namorfologia urbana como seu “antídoto”: a cidadecompactaoudecrescimentointeligente.

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Agrandeacolhidaaessasideiasampliaprogressivamenteaproduçãoacadêmica e o alcance do pensamento em torno da mobilidade, dandolugaraoquehojesedenomina“girodamobilidade”(FAIST,2013),umamudançadepensamentonasciênciassociaisquetranscendeasfronteirasdisciplinares e leva a mobilidade para além da sua dimensão como umdireito cidadão. Progressivamente, ela se apresenta como um capitalsocial, ou seja, como um conjunto de competências, recursos ecapacidadesparaomovimentonoterritórioquefazpartedopotencialdaspessoasparasuainserçãoeascensãosocial(URRY,2005;KAUFMANN,2008).Masareflexãosobreessecapitalsocialnãoapontapara uma análise política centrada nos direitos, e sim para uma maissociológicaqueexploraosefeitosdainteraçãopessoal.

Assim, o debate acadêmico sobre a mobilidade como um direitogenérico perde progressivamente a marca original que tem o direito àmobilidadeemAscher(2004),maispolíticaeterritorial,eomesmoocorrecomodireitoàcidadeemLefebvre(1970).

ParaLefebvre (1970),odireitoàcidade secentrana ideiadequeaurbanização é um processo que expressa o desenvolvimento geográficodesigualnocapitalismo, sob relaçõesdepoderhegemônicasdocapital edoEstado,e,portanto,ésusceptíveldesetornarumobjetocrucialdalutade classes e da luta política. Ascher (2004, p. 28) também enquadra odireitoàmobilidadena ideiadedesenvolvimentogeográficodesigualdametápolis, observando que “certas periferias se tornam mais acessíveisparadiversaspessoaseatividadesqueoscentrosgeométricoseantigosdascidades. [O direito à mobilidade] implica também uma acessibilidadegeneralizadaportodaacidade[...]”.

Emresumo,aanálisepolíticadamobilidadecomenfoquededireitosse enfraqueceu no meio acadêmico, nos últimos anos. Cresce umapreocupaçãopelamorfologiaurbana eporuma sociologiaque estanca areflexão sobre questões centrais, como o acesso e a acessibilidade. Aagendaprogramáticarecuperaoenfoquededireitoseenfatizaoacessoeaacessibilidade,mas se não aprofunda neles comoproblemas conceituais.Como resultado, permanecem lacunas a serem preenchidas na reflexãosobre o direito àmobilidade com enfoque de direitos.O próximo pontorevisa a abordagem sobre os problemas de acesso e acessibilidade, erefletesobreseualcanceesuaslimitações.

DIREITO À MOBILIDADE: A ACESSIBILIDADE E O

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ACESSO COMO PROBLEMASA acessibilidade como problema central vinculado aodireito à mobilidade

Odireitoàmobilidadeestápredominantementeligadoaproblemasdeacessibilidade. O acesso a direitos e à igualdade de oportunidades, nosquaissefundamentaseureconhecimentocomodireito,remeteaproblemasdeacessibilidadeetambémaaçõesprogramáticasorientadasparatorná-loefetivo. A acessibilidade é, portanto, o nexo principal entre o direito àmobilidadeeodireitoàcidade.

Comoseviu,paraAscher(2004),odireitoàmobilidadeimplicaumaacessibilidadegeneralizadapara todaacidade,e,por isso,elesublinhaaimportância do desenvolvimento de uma geografia da acessibilidade,destinadaaobservaradistribuiçãoterritorialdoatributodaacessibilidadedos lugares (ALLEMAND;ASCHER;LÉVY, 2004). Essa preocupaçãocontinua válida até hoje e é formada a partir de diferentes abordagens,tantonoâmbitoacadêmicoquantonoprogramático.

Assim,Miralles-Guasch(2005,p.218)sustentaque[...]odireitoàcidade,entendidocomoapossibilidadedeparticipardasatividadesqueomeiourbanoofereceecomoinclusãosocialdaspessoasnas diversas esferas urbanas (produção, comércio, lazer, associaçõesetc.),sópoderáserrealsehouverumadequadoacessoabens,serviçoseatividades que cidade oferece (SEU, 2003). A acessibilidade refere-se àfacilidade com que cada pessoa pode superar a distância entre doislugarese,assim,exerceroseudireitocidadão.Por isso, Miralles-Guasch (2005, p. 218) enfatiza a acessibilidade

como uma condição individual e subjetiva em relação às opçõesdisponíveisparaos cidadãos e constatao seguinte: “Épreciso analisar aacessibilidade em âmbitos concretos,medindo a eficácia da organizaçãoterritorialemrelaçãoàspossibilidadesquetemcadacidadão”.

A recente renovação conceitual na relação entre mobilidade eterritório se concentra mais no tempo do que no espaço. Surge umapreocupaçãocomaproximidadequemedeaacessibilidadeemtemposdeviagem para diferentes meios de transporte, a fim de expressardesigualdades concretas entre grupos sociaismais específicos (KORSU;MASSOT; ORFEUIL, 2012; RAVALET; DIAZ OLVERA, 2013;

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OROZCO;DELVAL,2015).EstudoscomoodeStophereStanley(2014),que mapearam a porcentagem de emprego acessível a 60 minutos deviagememtransportepúblico,sãoumaexpressãorecentedegeografiadaacessibilidadedeAscher.

A acessibilidade é também a coluna vertebral e o objetivo final damobilidadeurbana sustentável, conformeaNovaAgendaUrbanaGlobaldaONU-Habitat.DeacordocomodocumentopreparatóriodoHabitatIIIde2016:

Oobjetivo[damobilidadeurbanasustentável]écriarumacessouniversalaotransporteseguro,limpoeacessívelparatodos,queporsuavezpodefacilitar o acesso a oportunidades, bens e serviços. A acessibilidade e amobilidade sustentável têm a ver com a qualidade e a eficiência dealcançar os destinos e reduzir as distâncias. Consequentemente, amobilidadeurbanasustentávelédeterminadapelograuemqueacidade,em seu conjunto, é acessível a todos os seus moradores, incluindo ospobres,osidosos,osjovens,aspessoascomdeficiência,asmulhereseascrianças (ONU-HABITAT – PNUMA, 2015, p. 1).Na agenda programática, os problemas de acessibilidade se

concentramprimeiramentenaacessibilidadefísicaaostransportespúblicosenaspessoascommobilidadereduzida.Logo,aabordagemsetornamaiscomplexaeprogressivamenteincorporadiferentesdimensõesdeanáliseeatinge todos os grupos sociais. No geral, procura-se subordinar apreocupação tradicionalde expandir a infraestruturade transporte aumapreocupaçãocentradanaspessoasenaigualdadedeoportunidades.Hoje,UN-HabitatestabelecedezprincípiosparaaNovaAgendaUrbanaglobal:(1)projetocompactodeedificações; (2)usosmistosdo solo; (3)bairros“caminháveis”; (4) oportunidades de moradias mistas; (5)desenvolvimentos voltados para as comunidades existentes; (6)comunidadesatraentesecomumfortesensodelugar;(7)preservaçãodeespaços abertos, campos agrícolas, belezas naturais e áreas ambientaiscríticas; (8) variedade de opções de transporte; (9) desenvolvimento detransportesjustos,previsíveiserentáveis;(10)colaboraçãodacomunidadee dos grupos de interesse nas decisões de desenvolvimento (ONU-HABITAT – PNUMA, 2015, p. 1). Hoje, abordar os problemas deacessibilidadequese reconhecemnacidadedifusa implicadaratençãoàconstrução do espaço urbano, à densidade urbana e ao estímulo a um

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sentidodepertencimentoaolugar(OLIVEIRA,2012).O enriquecimento das dimensões a partir das quais se aborda o

problema da acessibilidade também se expressa na criação de novostermos. Identifica-se como exequibilidade a acessibilidade econômica;como disponibilidade a acessibilidade em termos de rotas, horários efrequências; como aceitabilidade a acessibilidade de acordo com ospadrõesdosusuários;eacessibilidadepropriamentedita,afacilidadeparausar e encontrar informações sobre as ofertas disponíveis de transporte.Todas essas dimensões da acessibilidade seguem sendo referidas aotransporte(eaotransportepúblico,emespecial)(ONU-HABITAT,2013).

Em síntese, a acessibilidade é o problema que dá o nexo principalentreodireito àmobilidadeeodireito à cidade.Oacessoadireitos e àigualdade de oportunidades nos quais se fundamenta o direito àmobilidadeestá ligadocomproblemasdeacessibilidade.Eosproblemasdeacessibilidadeestãovinculadosaotransporte,comomeioecondiçãodeacessomaterialaoslugaresseoferecemasatividades,osbensouserviços.

O acesso como problema central vinculado ao enfoquede direitos

Aspolíticascomenfoquededireitosestãopredominantementeligadasao problema do acesso, tanto no âmbito acadêmico quanto noprogramático. O problema de acesso refere-se à efetividade dos direitosreconhecidos ou declarados, isto é, à sua concretude. E por isso foca alacuna entre os objetivos e os resultados das políticas orientadas paraalcançá-los.

As próprias metas assinaladas nos ODM revelam este significado,bem como a validade do problema: o cumprimento das metas é aindaparcialem2015,apesardosprogressosrealizadosdesdeaDeclaraçãodosDireitosHumanosatéhoje.Omesmoocorreemrelaçãoaodireitoàcidadee ao direito àmobilidade.Apesar de oBrasil ser um país de vanguardapelos avanços jurídicos e institucionais realizados, os especialistasconcordam que “há uma enorme dificuldade de ‘chegar no chão’ dacidade,para‘aterrissar’alei,oplano”(CALDANA,2015).

Oproblemadoacesso,comoode“efetivar”aspolíticascomenfoquede direitos, está presente na teoria do desenvolvimento desde há muitotempo. Autores emblemáticos como Amartya Sen (1982) enfatizam ascondições e capacidades concretas de exercer a escolha pessoal e de

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converter os direitos em liberdades reais. Por isso, suas contribuiçõesapontamparamedirdeformamaisadequadafenômenoscomplexoscomoapobreza,buscandoavaliaremonitoraraeficáciadaspolíticasdeacordocomsuasrealizações.Assim,oÍndicedeDesenvolvimentoHumanoéumindicador multidimensional que supera as medições tradicionais depobrezasegundoarendapercapita,comoadoProdutoInternoBruto.

Também a partir de epistemes opostas da economia, autores comoLucioKowarick(1991)convergemparaapontaroacessocomoproblemanaefetivaçãodosdireitos.Kowarick(1991)diferenciacidadedecidadaniaemseusestudossobreascondiçõesdevidaurbana(edeclasse)desdeoiníciodosanos1990.Tambémalertaparaanecessidadede incorporar amagnitude valorativa e existencial dos grupos sociais para entender apobreza,nãoobstanteatribuirumpapelestruturanteàscondiçõesmateriaisdevida,comoahabitaçãoeotrabalho.

Também os especialistas brasileiros reconhecem uma questãometodológica por trás do problema de efetivar as políticas baseadas noreconhecimentododireitoàmobilidadeedodireitoàcidade,eapontam“uma profunda necessidade de alterar os métodos para refletir como acidade é produzida, e, em seguida, produzir leis, planos e outros”(CALDANA,2015).

O acesso comomodo de efetivar ou concretizar direitos coloca umdesafio complexo no caso da mobilidade. Como visto, a mobilidade éentendidacomoumdireitogenérico,comoummeioeumacondiçãoparadar concretude a “outros” direitos, de modo que efetivar o direito àmobilidadeestáligado,dealgumaforma,àconcretizaçãodesses“outros”direitos.

A definição de mobilidade como um direito genérico, a sercontrastada com o enfoque de direitos de acesso, revela uma limitaçãoanalítica primária, a saber, que mover-se inútil ou desnecessariamentecarece de efetividade. Então,mover-seper se, ter acessibilidadeper se,torna efetivos os direitos dos cidadãos que seu reconhecimento procuraamparar?

Essa limitação primária, que resulta da aplicação do enfoque dedireitos ao direito à mobilidade, desafia a maneira de pensar e gerir oacesso à mobilidade na atualidade, tanto no meio acadêmico quanto naagendaprogramáticadaspolíticas.

O direito à mobilidade: como pensar o acesso?

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Comoseviu,aspolíticascomenfoquededireitoscolocamoacessocomo um problema de efetivar direitos. No entanto, a revisão anteriorsobreodireitoàmobilidademostraque,tantonoâmbitoacadêmicocomono programático, o acesso a direitos confunde-se com acessibilidade.Efetivarodireitoàmobilidadeéchegara lugaresoucapacitarpessoasafazê-lo.Eisso,emqualquercaso,remeteatransporte.

Os problemas de acessibilidade complementam duas abordagenssobreos fatoresque intervêmnaefetivaçãododireitoàmobilidade.Umconjuntodefatoresserefereatudoaquilodequeaspessoastenhamqueseapropriar,ouseja,adisponibilidadefísicadeequipamentoseserviçosnoterritório, sejam de transportes ou de outros setores, tais como escolas,lojas e centros de saúde. Isso inclui também o espaço público e adisponibilidade e inteligibilidade da informação sobre as ofertas detransporte etc. (GHEL, 2006;BORTHAGARAY; 2009). Outro conjuntodefatoresrefere-seatudoaquilodequeaspessoaspossamseapropriardomaterialmente disponível no município, isto é, as suas capacidades deautonomia(sejamaquisitivas,degênero,físicasouintelectuais,incluindo,por exemplo, a leitura ou a compreensão da informação gráfica,cartográfica etc.), o seu capital de relações sociais, familiares e laços devizinhança, a sua cognição do município e a sua liberdade (religiosa,étnica, racial, política etc.) (ORFEUIL, 2004; LE BRETON, 2005;BORTHAGARAYetal.,2015).

Asdimensõesanalíticasdaacessibilidadeseampliam,mas,emalgunscasos,aabordagemdamobilidadecomodireitogenéricoéumsetorialqueremeteatransporte.Subjazumavisãosetorialou“endogâmica”dodireitoàmobilidade.

O direito à mobilidade, como meio e condição de acesso a outrosdireitos, torna-se concreto ou eficaz com um conjunto de aspectos quefazem referência ao transporte, seja atuando sobre as capacidades daspessoasousobreaofertadeequipamentos,bensouserviçosnoterritório.Em alguns casos, o direito à mobilidade é colocado em relação aotransportee,pormeiodele,aosoutrosdireitos.Aquestãobásicadoacessopermanece:“Comochegaraos lugaresoucapacitaraspessoasparafazê-lo?”.Comosepercebe,trata-seaindadeumproblemadeacessibilidade.

Odireitoàmobilidadecomodireitogenéricoreconheceumanaturezaintersetorialaoproblemadoacesso,massua“aterrissagem”oreduzaumacondição setorialou“endogâmica”como transporte.Essa“aterrissagem”setorial evidencia uma abordagemdo acessomuitomaismorfológicado

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que de direitos. Efetivar o direito à mobilidade é ter transporte eacessibilidade.

Masteracessibilidadeésuficienteparaefetivarodireitoàmobilidadecomo um direito genérico? Os direitos se tornam efetivos somentechegando-se aos lugares? Basta ter transporte para concretizar direitos?Essa interfacematerial é aúnica interaçãoquevincula amobilidade aosoutrosdireitos?

Acondiçãointersetorialdodireitoàmobilidadecomodireitogenéricoédifícildecaptareaindaémaisdiscursivadoqueprática.“Aterrissá-la”étantoumdesafioconceitualquantoparaagestão.

DIREITOS E MOBILIDADE: CONTRIBUIÇÕES DEESTUDOS DE CASO

O estado da situação descrito neste capítulo nutre e estimula odesenvolvimentodeumalinhadepesquisaquearticulaaelaboraçãodeumquadroconceitualcomestudosdecasorealizadosnaregiãometropolitanade Buenos Aires (Argentina), de 2008 até hoje. Ela se nutre da ênfaseoriginal nas dimensões política e territorial dodireito àmobilidade e dodireitoàcidade,eseconcentranosproblemasdeacessoeacessibilidadecomumenfoquededireitosparauma“aterrissagem”damobilidadecomodireito genérico. Como metodologia, adota uma abordagem teleológicaparaestudaramobilidadeeutilizaaexperiênciadaspessoascomofontedeinformação.

Aabordagemteleológicaéempregadaemdireitocomométodoparainterpretaralei,demodoaobjetivarosfinssociaisdanormaeosvaloresque pretende concretizar. Em Gutiérrez (2011, 2012), adota-se aabordagemteleológicaparaavaliaroacessoadireitos,conformeovínculoentreamobilidadeeaefetivaconcretizaçãodosserviçosoudasatividadesque motivam as viagens, que, por sua vez, torna eficazes os “outrosdireitos”aqueserefereodireitoàmobilidade(saúde,educação,moradia,emprego etc.). A mobilidade é, portanto, a trajetória que descrevem aspessoas no território para concretizar ou efetivar os motivos de suasviagens(tratarumadoença,obteraaposentadoria,fazerumexameetc.).

Os resultados desses estudos fornecem algumas contribuições úteispara refletir sobre o nexo entre direitos e mobilidade, e enriquecer aquestão do acesso à mobilidade com um enfoque de direitos. Umacontribuiçãofundamentaléqueaabordagemteleológicarevelaproblemas

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de acesso que estão ligados à mobilidade, mas que não são apenas deacessibilidade.

A experiência da vida cotidiana alimenta a reflexão com váriosexemplosquemostramqueoacessoefetivoadireitosnãosereduza ter(ounão)acessoaotransporte,alémdotipo,dascondiçõesdequalidade,dopreçoetc.

Éclaroqueter(ounão)transporteparairaotrabalho,àescolaouparaencaminharaaposentadoriacontaparaoacessoaoemprego,àeducação,àseguridade social ou a qualquer outro direito que se considere. Contatambémquantodinheiroénecessário,quantotemposelevaparachegaraodestino,quantosecaminha,seéprecisofazerbaldeaçãoounãoetc.Contaaindaseoshorárioseafrequênciasãoincertos,seéprecisocaminharporruas escuras, esperar em locais perigosos ou sem abrigo do calor e dachuva, ou se as pessoas têm de viajar sem se mexer, “sacudidas” porfreadas ou empurrões, sujeitas a maus-tratos domotorista ou abusos degêneroetc.Todosessesaspectosafetamadecisãodeviajar,quanto,comoeaonde.E, comoseviu, estão sendoprogressivamente incorporadosemestudos acadêmicos e na nova agenda programática para a mobilidadeurbana.

Mas a viagem é não “setorial”, tampouco o acesso. A decisão dedeslocar-se (ou não) também inclui o tempo de atendimento neste ounaquele centro de saúde, ou a segurança de ter vagas nesta ou naquelaescola. A demora de atendimento na administração pública afeta, porexemplo,adecisãodeencaminharaaposentadoria,desaberseéprecisoque alguém que trabalhe vá como acompanhante ou se é necessárioadaptarasprópriasatividades.Agestãocotidianado“extra”setorial,dos“outrosdireitos”quemotivamaviagem,acrescentaeimpõeobstáculosàmobilidade que impedem o acesso efetivo aos direitos que motivam amobilidade.

Confundir acesso a direitos com acessibilidade implica uma visão“subsocializada” do direito àmobilidade, que entende os outros direitoscomo lugares, comodestinos “mudos”das viagens.Só interagemcomamobilidade por sua localização e distribuição no território. Seufuncionamentoestáexcluído,“cindido”damobilidade.

Odireito àmobilidade é intersetorialper se.Mas ele “aterrissa” demaneira setorial.Confundir acesso a direitos com acessibilidade induz aum vínculo linear entre mobilidade e direitos, mas esse nexo ébidirecional.Amobilidaderesultadeumfeedbackentreo transporteeas

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outrasatividadesquecondicionaoacessoaosdireitos,deacordocomaspossibilidadesecapacidadesmateriaisesubjetivasdaspessoas.Odireitoàmobilidadecomodireitogenéricorequerconsideraressefeedbackparasereficazealcançaroacessoaoutrosdireitos.

Confundiracessoadireitoscomacessibilidadetambémaparelhaumavisão subsocializada do direito à mobilidade que simplifica o acesso adireitos à chegada a lugares. Os direitos de destino são “lugares” dedestino.

Masnãobastachegaralugaresparaefetivaroacessoadireitos.Pode-setertransporteeacessibilidade.enãoteracessoadireitos.Porquenãosedeslocaouporquesedeslocainútiloudesnecessariamente.Seteracessoàeducaçãorequerfazerprovas,nãoéosuficientesóchegaràescola.Seteracessoàsaúdeexigeseratendidopelomédico,nãobastaapenaschegaraohospital.

O direito à mobilidade como um direito genérico reconhece umanatureza teleológica na mobilidade: seu objetivo é concretizar outrosdireitos.Amobilidadenão éum fimem simesma.Não seviaja porquesim.Umdireitoefetivoàmobilidadeéaquelequepriorizaaconcretizaçãodos direitos “fins” da mobilidade (GUTIÉRREZ, 2011, 2012). Se teracessoàeducaçãorequerfazerprovaseestassãoadiadaspelaausênciadoprofessor(ouporgrevedosfuncionáriosnãodocentesouporocupaçãodaescola por exigências dos estudantes etc.), a viagem será inútil. E se aescolatemconhecimentodaausênciadoprofessor,masnãoa informa,aviagemserádesnecessária.

Deslocamentos inúteis ou desnecessários restringem os direitos daspessoas,emvezdeampliá-los.Restringemasoportunidadesdeusodeseudinheiro,tempoeenergiavital,alémdeatrasaroufrustraraoportunidadedeconcretizarodireitoúltimoqueasmotiva(trabalhar,cuidardasaúde,estudar etc.). Cada viagem inútil ou desnecessária afeta o peso damobilidadenoacessoaosdireitoseocondiciona.

AssimcomoAscher faladeumefeito túnel, que torna invisíveisoslugaresatravessadosporredesdetransportes,hátambémumefeitotúnelquetornainvisívelofuncionamentodasatividadesnoacessoaodireitoàmobilidade.Odireitoàmobilidadecomenfoquededireitosnãoseefetivasócomotransporteeaacessibilidade.Osdireitosnãoseefetivamsócomachegadaalugares.Odireitoàmobilidadecomodireitogenériconegaanatureza intersetorialdamobilidadee reduzousimplificaoproblemadoacessoàacessibilidade.

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Em síntese, a abordagem teleológica da mobilidade aporta duascontribuições fundamentais: revela uma visão subsocializada do acesso,queconfundeefetivardireitoscomchegaralugares,eindicaqueefetivardireitos implica um vínculo bidirecional, e não apenas linear, entremobilidadeedireitos.

CONCLUSÃOHá ainda dificuldades para conhecer o funcionamento do vínculo

entremobilidadeeosoutrosdireitosreconhecidosouprotegidospelalei.Faltaefetivarumolharintersetorialdamobilidadeparaefetivarodireitoàmobilidade.

Há uma visão endogâmica do direito à mobilidade que temimplicaçõespráticas.Umadasprincipaiséconsiderarque,comtransportee acessibilidade, é possível resolver o acesso aos direitos. Mas isso éapenasparcialmenteverdadeiro.

A experiência de acesso a direitos mostra que a intervenção damobilidade no acesso a direitos é mais complexa do que simplesmentelinear e que efetivar direitos requer indispensavelmente observar ainteraçãoentreos transporteseo funcionamentodasoutrasatividades, ede ambos com as pessoas, com suas condições concretas de efetivarliberdades.

Entre o direito à mobilidade e o acesso a direitos, a relação ébidirecional,nãolinear.Porisso,quandoseperguntaporquenãosepõemde acordo as leis e as açõesquevisamproteger o acesso a direitos comações emmobilidade, pode-se incluir uma resposta adicional: porque se“afasta”umapartedadiscussão...osoutrosdireitos!

Seu funcionamento, e não apenas a sua localização, faz parte damobilidade, o acesso a direitos e a qualidade de vida. É necessárioconhecer os processos de gestão de cada serviço, de cada atividade, decada“direito”.Cadatrâmite,cadainformaçãoruiméumaviagem(inútil,desnecessária) que afeta o peso da mobilidade no acesso a direitos e ocondiciona.Falta-seàaula,aotrabalho,adia-seaconsultacomomédico.Quando se põe o foco no acesso a direitos, torna-se necessário incluir agestãodosserviçosdedestinonaspolíticasdemobilidade.Eamobilidadenagestãodaspolíticassetoriais.

O acesso à mobilidade como direito genérico é intersetorial eteleológico. Vai além do acesso ao transporte e da acessibilidade aos

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lugares. Efetivar o acesso à mobilidade requer efetivar um olharintersetorial da mobilidade, indissolúvel de sua interação com outrosdireitos.Requercompreendercomoéaligaçãoentredireitosemobilidade,e podermedir e avaliar o acesso de acordo com a concretização dessesoutrosdireitos.

Épossívelcriarferramentasparacaptardadosúteisàgestãopormeiode amostras pequenas, de baixo custo e em escala municipal ou local.Pode-se fazer planejamento sem pesquisas de mobilidade ou outrosestudoscomplexos.Aabordagemteleológicacomométodoparaestudaroacessoàmobilidadecomenfoquededireitosajudaaobjetivarosfinsqueaspessoasperseguem(omotivopeloqualelassedeslocam)etambémosvalores perseguidos pelas normas legais e políticas de mobilidade(concretizaroacessoaosdireitosdoscidadãos).

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5NOVO PLANO DIRETOR DE SÃO PAULO E

O SISTEMA DE MOBILIDADE

HeNemKimSeo

INTRODUÇÃONoBrasil, o crescimento e a evoluçãodas cidadesocorremdesdeo

início do século XX, caracterizado pelo rápido crescimento a partir de1930 devido à conjuntura econômico-política do país, quando há oprocesso de intensificação do desenvolvimento brasileiro baseado naindustrialização. A cidade de São Paulo em específico, já centro degrandesfluxosmigratóriosporserimportanteentrepostocomercialdesdeofinaldoséculoXIX,passaaserumimportantecentroindustrialapartirdadécadade1920.Favorecidapelasduasguerrasmundiaisquegeraramanecessidade de substituição de importações, São Paulo se localiza navanguardadastransformaçõesdaindústriabrasileiraatraindocontingentespopulacionais de outros Estados doBrasil. Entre 1950 e 1980, a cidadeexperimentou alto índice de fluxo migratório interno, que, somado aocrescimento vegetativo populacional, manteve altas as taxas decrescimentodacidade,entre4%e5%aoanosegundodadosdoInstitutoBrasileirodeGeografiaeEstatística(IBGE).

Nessemesmo período, aomesmo tempo que a área central de SãoPaulo passa a experimentar a intensa verticalização, a área urbana seexpande rapidamente com a ocupação das regiões periféricas comoestratégia de moradia para a população de baixa renda, mudando aconstituiçãoespacialdacidade.Caracterizadapelomodelocentro-periferia(VILLAÇA,2004,p.204),aregiãocentralpassaaconcentrarocomércioeosetorterciário,econsequentementeosmelhoresempregos,eaperiferiapassa a abrigar extensos conjuntos habitacionais e ocupação irregulares,

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queservemcomoespéciesde“dormitórios”depopulaçãodebaixarenda.Diversosproblemas sãodecorrentesdesseprocessodeespraiamento

urbanodeSãoPaulo,comoamobilidadeurbana.Évisívelqueopadrãodeocupação,afaltadecontroleeoplanejamentodistantedarealidadeurbanatêmrelaçãodiretacomaimobilidadeurbana.SãoPaulojáexperimentavatrânsito caótico e deficiências no transporte desde a década de 1960,iniciandoumacrisedecirculaçãonacidadecomoumtodo.Nãopodemosdeixar demencionar que o ideário rodoviarista, usualmente associado àideia de modernização de São Paulo, também foi um dos fatores queagravaram a crise da mobilidade urbana na cidade. Observa-se tambémque o planejamento e o investimento público no sistema viário são, emgeral, uma política associada ao atendimento do uso do transporteindividual, sendo muitas vezes o investimento em transporte público,comoacriaçãodecorredoresexclusivosdeônibus,deixadoemsegundoplano.

Diante desse quadro histórico de dispersão territorial, a crise decirculação se perpetua até hoje à medida que a cidade cresce de formafrenética,avançandosobreasregiõesperiféricas,muitasvezesemsituaçãode fragilidade ambiental, com o sistema viário cada vez maissobrecarregado devido à má distribuição territorial das atividades e dapopulação.Ouseja,naregulaçãodoespaçourbano,oparcelamento,ousoeaocupaçãodosolodevemestarintrinsecamenterelacionadosaosistemade mobilidade urbana, pois trata-se de um dos sistemas estruturais dequalquer política de desenvolvimento urbano. O Plano Diretor comoinstrumento básico para o desenvolvimento urbano deve pautar erelacionarasdisposiçõesdousodosoloaosistemaviário,objetivandoolivreacessoàcidade.

Nessesentido,onovoPlanoDiretordeSãoPaulo,dispostopelaLeinº 16.050/2014, mudou os paradigmas de uso e ocupação do solopaulistanoaoassociá-lo aos eixosde transportepúblico coletivo.Apesarde a medida já ter sido adotada por outras cidades brasileira, comoCuritiba, desde a década de 1970, o novo Plano Diretor de São Paulodemonstra a possibilidade de modificar o modelo de expansão adotadohistoricamentepelomunicípiodesdeoiníciodoséculoXX.

Nesteestudo,avaliaremosaefetivaçãodosconceitosedasdiretrizesdaPolítica eSistemadeMobilidadedonovoPlanoDiretorpormeiodaRede de Estruturação e Transformação Urbana e a vinculação doordenamento territorial aos eixos de transporte coletivo do sistema de

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mobilidade.

PLANEJAMENTO URBANO E O MODELO DEOCUPAÇÃO DE SÃO PAULO

O processo de desenvolvimento econômico, urbano e social dequalquercidadepressionaeexigeuma infraestruturade transportecapazdeconectarpessoas,produtoseserviços.EmumacidadecomoSãoPaulo,centro de uma das maiores metrópoles do mundo, o planejamento daocupação urbana deve ser integrado ao sistema de mobilidade. Para talintegração, omunicípio adotoumodelos dedesenvolvimentourbanoquegeraramconsequênciasnoespaçourbanodacidade.

Vale lembrar queo sistemademobilidade, conformeo artigo3º daLeinº12.587/2012,éo“conjuntoorganizadoecoordenadodosmodosdetransporte,de serviçosede infraestruturasquegaranteosdeslocamentosde pessoas e cargas no território do Município” (BRASIL, 2012). Odesempenho da mobilidade de uma cidade não se restringe apenas aotransporteurbano.Alémdosistemaviário,podemosincluirnesseconjuntoo sistema de circulação e acessibilidade de pedestres, o sistema detransportepúblicocoletivoetc.Trata-sedeatributodascidadesreferenteàfacilidade de deslocamento de pessoas e bens no espaço urbano e aoconjunto de meios e serviços que possibilitam essa movimentação.Portanto,pensaremmobilidadeurbanaécompreendercomoseorganizamos usos e a ocupação da cidade, e, consequentemente, propor a melhorformadegarantiroacessodaspessoasàscomodidadeseaosbensqueacidade pode oferecer. Em outras palavras, garantir o acesso amplo edemocráticoàcidadeeatodososseusbenseprodutos.

Apesar de o sistema demobilidade sermuitomais amplo do que osistema viário, o crescimento de São Paulo foi basicamente estruturadosobre o investimento maciço do, e apenas do, segundo. Verifica-seinclusivequeosistemaviário temumpapelmuitofortenaregulaçãodousoedaocupaçãodosolonoprocessodeurbanizaçãodeSãoPaulo.

Em1930,PrestesMaiaestabeleceuumconjuntodediretrizesparaosistemaviárioconhecidocomoPlanodeAvenidas,propondoumsistemaradioperimetral que trouxe consequências na ocupação e no crescimentodacidade.Omodeloradioconcêntricofoideterminanteparaaimplantaçãodeummodelodedesenvolvimentourbanomononuclear.Ouseja,aregiãocentral tem papel importante de concentração urbana de atividades e

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pessoas,condicionadaporummodeloderuaseavenidasqueconvergemparaumponto,ondeainfraestruturaviáriasetornasaturada.

Posteriormente,oPlanoUrbanísticoBásico(PUB)de1968,baseadona visão social inaugurada pela Sociedade para a Análise Gráfica eMecanográfica Aplicada aos Complexos Sociais (Sagmacs), coordenadapor padre Lebret, e o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado(PDDI), disposto pela Lei nº 7.688, de 30 de dezembro de 1971, játentavamquebraroparadigmadomodeloadotadopeloengenheiroPrestesMaia, com uma postura ideológica baseada em suposta superação domodelorodoviarista,apresentandooconceitodemalhadeviasexpressasdepadrãoortogonal,dissociadodarededetransportepúblico,queligariaoutros núcleos de atividades comerciais e diluiria, assim, o carátermononuclear da cidade.OPDDI se constituiu sobre três elementos paradescentralizarehierarquizaracidade:acirculação,oplanodousodosoloe a organização funcional, materializados sobre as vias expressas e ozoneamento.Assume-seassim“comomodelodeplanoaassociaçãoplanoviário e zoneamento” (FELDMAN, 2005, p. 248). Cabe destacar que,segundoestudiosos,essemomentomarcaa“falênciada idéiadequeumtrabalho técnico exaustivo é suficiente para direcionar a atuação daprefeitura” (FELDMAN, 2005, p. 237), e verifica-se um distanciamentoentre os “superplanos” e a viabilidade de implementação das propostaspeloPoderPúblico(VILLAÇA,1999,p.212).

Menos de um ano depois, conforme determinação do PDDI, éaprovadaaLeiGeraldeZoneamento,Leinº7.805,de1ºdenovembrode1972, baseada na concepção do sistema viário em grelha, conformedisposição do PUB, rompendo com a concepção radioconcêntrica dacidadepormeiodeimplantaçãoderededeviasexpressasduranteadécadade1990.Comrelaçãoàszonasdeuso,comexceçãodazonaestritamenteresidencial(Z1),ademarcaçãosemostrarelativamentecondizentecomodiscurso de construção de uma cidade de estrutura polinuclear, que tempor objetivo criar unidades autônomas da região central, “minicentros”urbanos, que diminuiriam os deslocamentos centro-periferia. Apesar desustentarem o discurso, os mapas indicam uma estrutura polinucleartotalmente distinta da realidade urbana da cidade, expressando-se maiscomo uma reserva de mercado para futura apropriação da valorizaçãoimobiliária, especialmente por meio da verticalização, permitida apenasemalgumaszonasdeuso.Apesardisso,podemosverificarqueexisteumatentativa de disposição dessas centralidades em entroncamentos de

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terminaisde transporteegrandesavenidas.Duranteadécadade1990, aevolução da cidade e os investimentos em intervenções viáriasviabilizaram o desenvolvimento desses centros locais dissociados donúcleo central, o que provocou certa descentralização urbana. Com otempo, esses centros passaram a ser integrados nasmedidas estratégicasdos planos urbanos posteriores. Entretanto, continua visível a prioridadepara o modo de transporte motorizado individual ao verificarmos osgrandes investimentos públicos dirigidos para a ampliação do viário emdetrimentodotransportecoletivo,porexemplo.

ComaediçãodoEstatutodaCidadeem2001,cria-seaexpectativadepossibilidadesdetransformaressarealidadeurbanacaóticaedesenvolverumanovaconcepçãodeplanejamentodecidades,dandonovosentidoaosplanos diretores a partir de diretrizes, princípios e instrumentosconstitucionaisvoltadosparaapromoçãododireitoàcidadeeparaasuagestãodemocrática.

PLANO DIRETOR DE 2002: AVANÇOS E ENTRAVES.ComoadventodasgarantiassociaisdispostasnaConstituiçãoFederal

de 1988 e a regulamentação de seus artigos 182 e 183 pelo Estatuto daCidade, Lei nº 10.257/2001, o Plano Diretor é instrumento básico dapolíticaurbanaqueobjetivaserumapráticadeamplaparticipaçãopopularcom enfoque em uma gestão democrática. Além disso, trouxe para ocentro da política de desenvolvimento urbano a função social dapropriedade urbana, vinculada ao exercício do Plano Diretor, que serácumprida“nomomentoemque todasas funções [habitação, circulação,trabalho e lazer] forem plenamente executadas de forma coordenada eharmônica” (PIRES, 2007, p. 95). Verifica-se que a circulação deve seranalisada sob dois aspectos: o deslocamento em si, por meio dainfraestrutura viária e da estrutura operacional (os modos de transporteurbano),eaacessibilidadeàsestruturasdacidade(edifícios,benspúblicosdeusocomumetc.).

O Estatuto da Cidade trouxe diversos avanços, como ainstrumentalização para a aplicação da função social da propriedadeurbana. Porém, cabe observar que pouco se avançou sobre a política demobilidade associada ao desenvolvimento urbano, que foi relegada aapenas uma determinação, constante no parágrafo 2º do artigo 41, quedispõesobreaelaboraçãodeumplanodetransporteurbanointegradopara

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cidades com mais de 500 mil habitantes. Posteriormente, com a Lei nº12.587/2012,pormeiodoartigo24,essadeficiência foicorrigidacomaexigênciadeumPlanodeMobilidadevinculadoàexigênciadeelaboraçãodoPlanoDiretor.

ALeiGeraldeZoneamentofoipromulgadaem1972emuitoalteradapor leis posteriores. Mas a alteração mais importante ocorreu em 2002comaediçãodaLeinº13.430,primeiroPlanoDiretordeSãoPaulopós-Estatuto da Cidade, principalmente pela aplicação imediata das ZonasEspeciaisdeInteresseSocial(Zeis).

OPlanoDiretorEstratégico (PDE)de2002 avançouprincipalmentena determinação e possibilidade de aplicação dos princípios da funçãosocial da propriedade, no direito à habitação, no planejamentoparticipativo e na recuperação social da valorização imobiliária geradapelos investimentos públicos, com a criação do Fundo deDesenvolvimentoUrbano(Fundurb).

OPDEde2002buscareverteromodelodecrescimentobaseado:naexpansão horizontal periférica e dispersa, na verticalização de baixadensidade populacional em regiões consolidadas que dispõem deinfraestrutura, no uso intensivo do automóvel, no movimento pendularcentro-periferia/casa-trabalho, naocupaçãomonofuncional etc.Para isso,buscaacriaçãoeofortalecimentodascentralidadesdebairro,incentivaouso misto em um modelo multifuncional e determina alguns elementosestruturadoreseintegradoresparaumnovomodelodecidade:

Art.101–AurbanizaçãodoterritóriodoMunicípioseorganizaemtornodenoveelementos,quatroestruturadoresecincointegradores,asaber:I–ElementosEstruturadores: a)RedeHídricaEstrutural; b)RedeViáriaEstrutural; c) Rede Estrutural de Transporte Público Coletivo; d) RedeEstruturaldeEixosePólosdeCentralidades.§ 1º – Os Elementos Estruturadores são os eixos que constituem oarcabouço permanente da Cidade, os quais, com suas característicasdiferenciadas, permitem alcançar progressivamente maior aderência dotecidourbanoaosítionatural,melhorcoesãoefluidezentresuaspartes,bem como maior equilíbrio entre as áreas construídas e os espaçosabertos,compreendendo:I–aRedeHídricaEstrutural[...];II – aRedeViáriaEstrutural, constituída pelas vias que estabelecem asprincipaisligaçõesentreasdiversaspartesdoMunicípioeentreesteeos

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demaismunicípioseestados;III – a Rede Estrutural de Transporte Público Coletivo que interliga asdiversasregiõesdaCidade,atendeademandaconcentradaeorganizaaoferta de transporte, sendo constituída pelos sistemas de alta e médiacapacidade, tais como o metrô, os trens urbanos e os corredores deônibus;IV–aRedeEstruturaldeEixosePólosdeCentralidades,constituídapelocentrohistóricoprincipal epelos centros e eixosdecomércioe serviçosconsolidadosouemconsolidação,epelosgrandesequipamentosurbanos,tais como parques, terminais, centros empresariais, aeroportos e pornovascentralidadesaseremcriadas (SÃOPAULO,2002,grifosnossos).Verifica-se que o conceito de “RedeEstrutural deEixos e Pólos de

Centralidades”nãoapresentavinculaçãodiretacomarededetransportesouredeviária,ouseja,asporçõesdoterritóriocompotencialqualidadedeserumnúcleode concentraçãodeusosdiversos, coma configuraçãodeuma “minicidade”, não parecem ter vinculação direta com o sistemaviário.

No entanto, encontramos no texto legal um artigo vinculando apossibilidadeeanecessidadedeadensamentoeocupaçãoaolongodaredeestruturaldetransportecoletivopúblico:

Art. 121 – Ao longo daRedeEstrutural de TransporteColetivoPúblicodeve-se estimular o adensamento populacional, a intensificação ediversificação do uso do solo e o fortalecimento e formação de pólosterciários–EixosePólosdeCentralidades[...].Art.122–FicamdefinidascomoÁreasdeIntervençãoUrbana,áreasaolongodoseixosdaslinhasdetransportepúblicocoletivo,comoobjetivodequalificarestasáreaseseuentornoeobterrecursosparaaplicaçãonaimplantação e melhoria das linhas de transporte público por meio daoutorgaonerosadopotencialconstrutivoadicional,delimitadaspor:I–faixasdeaté300(trezentos)metrosdecadaladodosalinhamentosdosistemadetransportepúblicocoletivodemassa;II–círculoscomraiodeaté600(seiscentos)metrostendocomocentroasestaçõesdotransportemetroviárioouferroviário.Parágrafo único – O Executivo estimulará a implantação deestacionamentos de veículos e de bicicletas, em um raio de 100 (cem)metrosdetodasasestaçõesdemetrôedetrensurbanos,dandoprioridade

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paraasestaçõeslocalizadasnoscruzamentoscomviasestruturais (SÃOPAULO,2002,grifosnossos).Apósaleitura,parece-nosqueonovomodelodecidadequesebusca

é o de fortalecer centralidades lineares ao longo dos eixos de transportepúblico coletivo, de modo a aproximar as funções das cidades (lazer,moradiaetrabalho)aoseixosdealtacapacidadedemobilidade.

Aqui vale ressaltar alguns pontos de discussão: podemos verificarpelo artigo 122 a vinculação das Áreas de Intervenção Urbana (AIU),instrumento de projeto urbanístico que deve ser regulamentado porlegislação específica a cada trecho, aos eixos das linhas de transportepúblico.A regulamentação do procedimento para aplicação dasAIU foirealizada posteriormente pela Lei nº 13.885/2004 (também conhecidasimplesmente como Lei de Zoneamento), que estabelece normascomplementares ao PDE (Lei nº 13.430/02), institui os planos regionaisestratégicosdassubprefeiturasedispõesobreoparcelamento,disciplinaeordenaousoeaocupaçãodosolodomunicípiodeSãoPaulo:

Art. 31 – Os Projetos Urbanísticos Específicos deverão propor índicesurbanísticos e padrões de uso e ocupação do solo para cada AIU, osquais, se diferentes das zonas de uso contidas no perímetro da Área deIntervençãoUrbana,deverãoserdeterminadosporlei.Parágrafo único. Nas Áreas de Intervenção Urbana em que os índicesurbanísticos e padrões de uso e ocupação do solo para o perímetroestiverem previstos por esta lei, ficam dispensadas da exigência do“caput” deste artigo, exceto quando expressamente determinada suaexigência nos artigos que tratam de cada AIU especificamente (SÃOPAULO,2004).Para adensar e qualificar as áreas ao longo dos eixos de transporte

público,oPoderPúblicodeveelaborarprojetourbanísticoparacadaárea,outrechodesejado,eaprová-loemformadeleiespecífica.Ocorrequeatéo presente momento (2015) não houve aprovação de nenhuma lei queviabilizasse qualquer AIU, e também não existem AIU com índicesurbanísticosepadrõesdeusoeocupaçãodosoloprevistosemambasasleis,tornandooparágrafoúnicodesseartigoinócuo.

Dequalquerforma,emboratímida,verifica-se,pelaleituraconjugadadoPDEde2002edaLeideZoneamentode2004,queexisteaintençãode

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vincularaocupaçãoaolongodeeixosdotransportepúblicocoletivooudeviascomatividadestípicasdeáreascentraisoudesubcentrosregionaisnaformadeumazonadecentralidadelinear(ZCL),conformeincisoV do artigo 108 da Lei nº 13.885/2004. São também incorporadas ereconhecidas as zonas de centralidade polar (ZCP), porções do territórioconfigurado em um conjunto de quadras de zona mista destinadas àlocalização de atividades típicas de áreas centrais ou de subcentrosregionais,conformeincisoIVdoartigomencionado.

Aszonasdecentralidades(ZC),tantolinearesquantopolares,sãoasáreas de maior permissividade do município, detendo a maiorpossibilidadedediversidadesdeusosealtosparâmetrosdeocupaçãodolote:

Art. 2º da Lei nº 13.885/04 – Para os efeitos desta lei, as seguintesexpressõesficamassimdefinidas:[...]XII – centralidades lineares ou polares são áreas onde se pretendeestimularaintensificaçãoe diversificaçãodosusosdosoloeaformaçãode pólos terciários, propiciando adensamento populacional [...] (SÃOPAULO,2004,grifonosso).Porém,osconceitosdispostosnostextosnãocondizemcomosmapas

dezoneamentodaLeinº13.885/2004,osquais,alémdenãovincularemoconceito à realidade territorial, são utilizados novamente para delimitaráreasdereservademercadoparaaindústriadaconstrução,distorcendo,naprática,omodelododiscurso.AsáreasassinaladascomoZCsãodispersase existem em grande número ao longo do território municipal, fazendocomqueosterritóriosassimclassificados“concorram”entresi.Emvezdedirecionaro adensamentonos territóriosdesejados, ou seja, pormeiodaatuação do Poder Público como indutor de uma distribuição espacial dapopulação e das atividades econômicas como forma de corrigir asdistorções do crescimento urbano, o mercado imobiliário, dentre asdiversasZCsespalhadaspelo território,espacializa-senaZCquemelhoratende aos seus objetivos, o lucro. Não condenamos a atividadeeconômica, mas o Poder Público, pelos seus próprios instrumentos, porvezes perde a oportunidade de modificar um modelo segregacionista eexcludentedecidade.Perpetua-seassimumacontradiçãoemqueopróprioplanoécontraelemesmo.

Alémdisso,parece-nosqueoscomponentesdosistemademobilidade

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admitidospeloPDEde2002serestringemapenasaosistemaviárioeaomodo de transporte público coletivo, deixando de mencionar, oumencionandomuitopouco,ossistemasdecirculaçãodepedestresemodosde transporte não motorizados. Determina a elaboração do Plano deCirculação e de transporte até 30 de abril de 2003, que, apesar deformulado e enviado à CâmaraMunicipal de São Paulo pela SecretariaMunicipaldeTransportesem2004,nãofoiefetivado.

Aindasobreomarcoregulatóriode2002e2004,orançorodoviaristaévisível quandonosdeparamos comapriorizaçãoquaseque intensadagarantiadafluidezdosistemaviário,conjugadacomasdisposiçõessobreas intervençõessobreosistemaviárioemdetrimentodedispositivosquefazem previsão de corredores de ônibus, inclusive com prazosdeterminados,semvinculaçãoorçamentária.

Outroproblemaéquesãodeterminadascomoáreasnãocomputáveisnos cálculos de outorga, e também no cálculo do coeficiente deaproveitamento, as áreas destinadas a vagas de automóveis, produzindomodelos construtivos de condomínios residenciais com alto número devagas de automóveis por apartamento. Ou seja, essas áreas não sãocomputadas para a recuperação das mais-valias adquiridas peloproprietário que em nada ajudou para a valorização eventual de seuapartamento(portermaisdeumavagadeautomóvel)e,pelocontrário,iráonerar o Poder Público que precisará fazer melhoramentos nainfraestrutura viária às custas de um investimento coletivo, devido àpressão na sua capacidade de suporte. Verifica-se aqui também o ciclovicioso da contradição interna ao plano. Ainda sobre os dispositivos devagasdegaragemparaautomóveis,adeterminaçãodenúmeromínimodevagas de carros para uso não residencial que é calculado por metroquadrado da edificação por vezes faz-se desnecessária: imagine umrestaurante próximo a um eixo de transporte público ou mesmo ummercadoexpressemqueamaioriadosclientesselocomoveapé,paraosquaisnãoexisteanecessidadedeexigirnúmeromínimodevagas.

Essas e diversas outras questões influenciam e interferem namobilidadeurbanadeSãoPaulo.NãopodemosnegarosavançosdoPDEde2002edaLeideZoneamentode2004,masaprincipalcríticarefere-seaofatodeodiscursoeasdiretrizesdoPDEde2002nãocondizeremcomosinstrumentosprevistosnessalei.Alémdisso,aprevisãodeumsistemademobilidade associadoàspolíticasdeocupaçãodo território semostraaindafrágil,sobretudoporteracumuladoresultadoseproblemasdurantea

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últimadécadaecontinuaradesafiaramaiorcidadedaAméricaLatinanaelaboração de um novo Plano Diretor capaz de solucionar problemas,dirimirconflitoseviabilizarodesenvolvimentourbanoembuscadeumacidademenosdesigual.

INOVAÇÕES DO NOVO PLANO DIRETOR E APOLÍTICA DE MOBILIDADE

OnovoPlanoDiretordeSãoPaulo,aprovadopelaLeinº16.050,de31dejulhode2014,temcomoprincipalobjetivoreequilibraracidadedeSão Paulo, de modo a aproximar moradia e emprego e enfrentar asdesigualdades socioterritoriais. Para atingir esses objetivos, esse planoutiliza como ações o combate à terra ociosa que não cumpre a funçãosocial, a implementação de política habitacional, a valorização domeioambiente, a orientação do crescimento da cidade nas proximidades dotransportepúblico,apromoçãododesenvolvimentoeconômiconacidade,o fortalecimento da participação popular nas decisões dos rumos dacidade,entreoutras.

Umadasinovaçõesdesseplanoéadefiniçãododireitoàcidadecomoo acesso universal aos benefícios e às comodidades da vida urbana portodososcidadãos.Parte-sedoraciocíniodequeaacessibilidade,nalógicadacidade,seviabilizapormeiodosistemadetransportepúblicocoletivo.Então,alógicadeusoeocupaçãodosolodevepermitir,nasproximidadesdessesistema,aocupaçãodemocráticaeadiversidadedeusos.

Art. 6º A Política de Desenvolvimento Urbano e o Plano DiretorEstratégicoseorientampelasseguintesdiretrizes:I–justadistribuiçãodosbenefícioseônusdoprocessodeurbanização;II–retornoparaacoletividadedavalorizaçãodeimóveisdecorrentedosinvestimentospúblicosedasalteraçõesda legislaçãodeusoeocupaçãodosolo;III – distribuição de usos e intensidades de ocupação do solo de formaequilibrada, para evitar ociosidade ou sobrecarga em relação àinfraestrutura disponível, aos transportes e ao meio ambiente, e paramelhoralocarosinvestimentospúblicoseprivados;IV – compatibilização da intensificação da ocupação do solo com aampliação da capacidade de infraestrutura para atender às demandasatuaisefuturas;

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V–adequaçãodascondiçõesdeusoeocupaçãodosoloàscaracterísticasdomeio físico, para impedir a deterioração e degeneração de áreas doMunicípio;VI–proteçãodapaisagemdosbenseáreasdevalorhistórico,culturalereligioso, dos recursos naturais e dosmananciais hídricos superficiais esubterrâneosdeabastecimentodeáguadoMunicípio;VII–utilizaçãoracionaldosrecursosnaturais,emespecialdaáguaedosolo, de modo a garantir uma cidade sustentável para as presentes efuturasgerações;VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviçoscompatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social eeconômicadoMunicípio;IX–planejamentodadistribuiçãoespacialdapopulaçãoedasatividadeseconômicas de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimentourbanoeseusefeitosnegativossobreomeioambiente,amobilidadeeaqualidadedevidaurbana;X – incentivo à produção de Habitação de Interesse Social, deequipamentossociaiseculturaiseàproteçãoeampliaçãodeáreaslivreseverdes;XI–prioridadenosistemaviárioparaotransportecoletivoemodosnãomotorizados;XII – revisão e simplificação da legislação de Parcelamento, Uso eOcupação do Solo e das normas edilícias, com vistas a aproximar alegislação da realidade urbana, assim como facilitar sua compreensãopelapopulação;XIII–ordenaçãoecontroledousodosolo[...];XIV – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demaissetores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento aointeressesocial.Art. 7º A Política de Desenvolvimento Urbano e o Plano DiretorEstratégicoseorientampelosseguintesobjetivosestratégicos:I – conter o processo de expansão horizontal da aglomeração urbana,contribuindoparapreservarocinturãoverdemetropolitano;II – acomodar o crescimento urbanonas áreas subutilizadas dotadas deinfraestruturaenoentornodarededetransportecoletivodealtaemédiacapacidade;III–reduziranecessidadededeslocamento,equilibrandoarelaçãoentreoslocaisdeempregoedemoradia;

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IV–expandirasredesdetransportecoletivodealtaemédiacapacidadeeosmodosnãomotorizados,racionalizandoousodeautomóvel[...](SÃOPAULO,2014,grifosnossos).Observa-se aindaque a rede de transporte coletivo, alémde ser um

elemento estruturador da cidade, assim como ocorreu no PDE de 2002,servedebasepara territóriosde transformaçãourbana,ouseja,emvoltada rede estrutural de transporte coletivo, serão viáveis a ocupaçãoadensadaeainstalaçãodeusosdiversos.Sobreesseaspecto,cabeverificarquehouveumacorreçãocomrelaçãoaoPDEde2002:aocontráriodoqueocorreu com as ZC que, conforme mencionado anteriormente,“concorrem”entresi,onovoPlanoDiretor“rebaixa”todososlimitesdegabarito e os limites de ocupação em todo o território municipal,induzindo o adensamento apenas ao redor do sistema estrutural detransportecoletivodemédiaealta capacidades.Emoutraspalavras,nãoexiste possibilidade de adensar até o coeficientemáximo de 4,0 (ocuparquatrovezesaáreadoterreno)foradessasáreas,oqueforçaomercadoaatuardentrodaregiãosobinfluênciadosistemadetransportecoletivo.

Além disso, o PDE de 2014 define um capítulo específico para aPolítica e Sistema de Mobilidade, em que reconhece a existência dediversossistemasquecompõemapolíticademobilidadeurbana:

Art.226.SãocomponentesdoSistemadeMobilidade:I–sistemaviário;II–sistemadecirculaçãodepedestres;III–sistemadetransportecoletivopúblico;IV–sistemadetransportecoletivoprivado;V–sistemacicloviário;VI–sistemahidroviário;VII–sistemadelogísticaetransportedecarga;VIII–sistemaaeroviário (SÃOPAULO,2014).Nãoapenasreconheceosdiversossistemas,comotambémaplicacada

umdelesaumaescalaadequadadacidade,vinculando-osaosdispositivosde ocupação do território. Por exemplo, o sistema cicloviário tem papelimportantenosplanosregionaisedebairros.

EmatendimentoàLeideMobilidade,onovoPlanoDiretorinstituia

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elaboraçãodoPlanodeMobilidadedeterminandooatendimentodoprazoestabelecido na legislação federal. Especial atenção deve ser dada aoparágrafo 2º do artigo 229 que, apesar de não ser suficiente, é umdispositivo importante para viabilizar os conceitos e planosdispostos notexto:

Art. 229. A Prefeitura elaborará o Plano Municipal de MobilidadeUrbana, de acordo com os prazos e determinações estabelecidas pelalegislaçãofederalqueinstituia PolíticaNacionaldeMobilidadeUrbana,bemcomodosobjetivosediretrizesdosarts.227e228destalei.[...]§2ºParagarantiros recursosnecessáriospara investirna implantaçãodaredeestruturalde transportecoletivo,previstanestePlanoDiretor,oExecutivodeverealizarestudosvisandoobterfontealternativadereceita(SÃOPAULO,2014,grifonosso).Outra inovação desse novo Plano Diretor é a desvinculação da

obrigatoriedade de atender ao número mínimo de vagas, invertendo oraciocínio para númeromáximo de vagas, desde que atendidas as vagasespeciaisdeestacionamento.

Paraonossoestudo,focaremosumadasmaisimportantesnovidadestrazidas pelo Plano Diretor: as áreas de influência dos eixos deestruturação da transformação urbana, que carregam a potencialidade demodificar o modelo de expansão urbana adotado historicamente pelomunicípiodeSãoPaulo.

ORDENAMENTO TERRITORIAL E MOBILIDADEA rede de estruturação e transformação urbana, assim como as ZC

determinadaspelaLeideZoneamentode2004(aindaemvigor),refere-seàs áreas da cidade que sãomuito disputadas por aqueles que pretendemocupá-las e transformá-las de forma intensa. Nessas áreas, é necessárioque haja um processo de transformação do uso do solo, com oadensamento populacional e construtivo articulado a uma qualificaçãourbanística dos espaços públicos, mudança dos padrões construtivos eampliação da oferta de serviços e equipamentos públicos, de modo aestimularosusosmistos.NonovoPlanoDiretor,essasáreassãodispostasao longo do sistema de transporte público coletivo de média e altacapacidades, como trem, metrô, monotrilho, veículo leve sobre trilhos

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(VLT),veículolevesobrepneus(VLP)ecorredoresdeônibusmunicipaiseintermunicipaiscomoperaçãoemfaixaexclusivalocalizadoàesquerda.Somente as quadras e os lotes próximos ao conjunto desses elementospoderãoteroadensamentomajoradoatéocoeficientedeaproveitamento4,0 e sem limite de gabarito de altura das edificações, nas seguintescondições:

Art. 76.As áreas de influência dos eixos delimitados nosMapas 3 e 3Acontêm quadras inteiras e são determinadas segundo as capacidades ecaracterísticasdosmodais:I – nas linhas de trem,metrô,monotrilho, Veículos Leves sobre Trilhos(VLT)eVeículosLevessobrePneus(VLP)elevadas,contêm:a) quadras internas às circunferências com raio de 400m (quatrocentosmetros)centradasnasestações;eb)quadrasalcançadaspelascircunferênciascitadasnaalíneaanterioreinternas às circunferências, centradas nos mesmos pontos, com raio de600m(seiscentosmetros);II– nas linhasdeVeículosLeves sobrePneus (VLP)nãoelevadasenaslinhasdecorredores deônibusmunicipaiseintermunicipaiscomoperaçãoem faixa exclusiva à esquerda do tráfego geral, contêm as quadrasinternasàs linhasparalelasaoeixodasviasdistanciadas150m(centoecinquenta metros) do eixo e as quadras alcançadas por estas linhas einteiramentecontidasentrelinhasparalelasaoeixodasviasdistanciadas300m(trezentosmetros)doeixo;III–nas linhas1Azul,3VermelhadoMetrôe15PratadoMonotrilho,aplicam-sesimultaneamenteoscritériosestabelecidosnosincisosIeIIdo“caput” (SÃOPAULO,2014,grifosnossos).Verifica-se no disposto a preocupação de diferenciar o alcance da

influênciadesistemasdemédiacapacidade,linhasdeVLPnãoelevadasecorredores de ônibus, das de alta capacidade, linhas de trem, metrô,monotrilho,VLTeVLPelevadas.

Nesse dispositivo, o fator importante é a aplicação imediata e deformaclaradoprincípiodafunçãosocialdapropriedadeurbana,demodoa induzir e obrigar o proprietário a utilizar ao máximo o potencialdisponibilizadopelainfraestruturalocal,pormeiodaocupaçãoconstrutivamáximaedaaltapermissividadenainstalaçãodeatividades.Parabuscarum territóriomaisdiverso,passívelde fornecer livreacessoa serviçose

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comérciosvariados, incentiva-sea instalaçãodeusosmistospormeiodedispositivosderetornofinanceiro,especialmentequandotaisáreasnãosãocomputáveis para efeito de cálculoda outorga onerosa.Para viabilizar oefetivo adensamento populacional, incide nessas mesmas áreas aobrigatoriedade de atender à cota máxima de terreno por unidade:densidadehabitacional,expressaemunidadedeárea,entreaáreatotaldoterreno e o número de unidades habitacionais a serem idealmenteproduzidas.Emoutraspalavras,essedispositivovinculaonúmeromínimodeunidadeshabitacionaisaserconstruídoemdeterminadoterrenoe temcomo objetivo evitar o que ocorreu, por exemplo, na região deMoema,onde a alta densidade construtiva, prédio altos e com ocupação edilíciadensa, não condiz com a baixa densidade demográfica, já que, nosapartamentosdegrandesáreas,oíndicedehabitantespormetroquadradoépequeno.

A aplicação dos dispositivos referentes à rede de estruturação etransformaçãourbanafoiimediataeautomáticacomasançãodalei.Essaestratégia foi adotadaparagarantirquealgunsdispositivosdeterminadoscomo importantes não sofressem modificações ou desvirtuamentos emuma posterior regulamentação do zoneamento, que também está emprocesso de revisão. Embora tivesse sido recebida com aplausos, aestratégia também recebeu muitas críticas por adiantar matéria dezoneamentonaleidoPlanoDiretor.

O desenvolvimento orientado pelos eixos de transporte públicocoletivonãoéemsiuma inovação.CidadesbrasileirascomoCuritiba jáadotamessemodelodesdeadécadade1970edetêmumbomdesempenhodemobilidadeurbana.Averdadeirainovaçãoestánotratamentodadoaosfuturoseixosdeestruturaçãodatransformaçãourbana,ouseja,aindanãoexistentes.

A cidade de São Paulo é muito dinâmica e continuará sedesenvolvendo. Novas vias, avenidas e eixos de transporte serãoplanejadoseimplantados,eoprocessodeocupaçãotambémavançaránoterritório.Conformedispostonoartigo4º,parágrafoúnico,apropostaderevisão do Plano Diretor deve ser enviada em 2021, primeiro ano deexercíciodomandato2021-2024.Ouseja,até lánovas linhaseeixosdetransporte coletivo de média e alta capacidades serão implantados, e odesenvolvimento urbano ao longo desses novos eixos não poderá ficar“congelado”,subutilizandoainfraestruturalocalinstalada.

Nos casos em que o eixo de transporte público coletivo estiver

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planejado(para2016),masnãoefetivamenteinstalado,oplanodenominouessasáreasdeeixosdeestruturaçãodatransformaçãourbanaprevistos.Ouseja,noMapa3AdaLeinº16.050/2014,foramassinaladasasáreasqueatendem às condições dispostas no artigo 76, sob influência futura doseixos de transportes ainda não implantados.Os parâmetros de ocupaçãonão poderão ser maximizados enquanto não houver o início daimplantaçãodosistemadetransporteedecretoregulamentador:

Art. 83. As condições de instalação de usos e atividades e os índices eparâmetros de ocupação estabelecidos nesta lei para as áreas deinfluênciadoseixosdeestruturaçãodatransformaçãourbanaplanejados,delimitados no Mapa 3A anexo, somente passarão a vigorar após aemissãodaOrdemdeServiçosdasobrasdasinfraestruturasdosistemadetransportequedefineoeixo,apósaemissãopelosórgãoscompetentesdetodas as autorizações e licenças, especialmente a licença ambiental,correspondentesàobraemquestão.§1ºAvigênciadadisciplinadeque tratao“caput”serádeclaradopordecreto,queindicaráqualaáreadeinfluênciadoeixooutrechodeeixo,constante do Mapa 3A anexo, correspondente à obra nos termos do“caput”.§ 2º As áreas remanescentes das desapropriações necessárias àimplantação de melhoramentos viários, relacionados à implantação desistemasdetransportecoletivodeverão,quandoadimensãoforsuficiente,ser destinadas à produção de Habitação de Interesse Social comequipamentossociaisouusosnãoresidenciaisnopavimentotérreo (SÃOPAULO,2014,grifosnossos).OPoderPúblicomunicipalapelidouessedispositivocomo“gatilho”,

que tem como objetivo não permitir o alto adensamento populacionalenquanto não houver infraestrutura adequada, que também deve serentendidacomoumaformadeatendimentodoprincípiodafunçãosocialda propriedade. Ao vincular o padrão de ocupação do solo à existênciaprévia de um sistema de transporte coletivo, o novo PlanoDiretor tentaquebrar o paradigmade ummodelo adotado até entãona cidade deSãoPaulo,ondeasocupaçõessematerializamsemnenhumainfraestruturadeacessibilidadedisponível.

Adensarediversificaroseixosdetransportepúblicocoletivosignificavincular a essas regiões mais potencialidade na construção de edifícios

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residenciaisassociadasaosusosnãoresidenciais,empreendimentosdeusomistoque,aomesmotempoqueatendemàsmoradias,geramempregosnomesmo espaço. Assim, essa estratégia poderá diminuir a movimentaçãocasa-trabalho, desafogando os sistemas de mobilidade de forma geral emelhorandoodesempenhodalocomoçãointernadacidade.

EntendemosqueessassãoalgumasdasprincipaisinovaçõesdoPlanoDiretor que viabilizam um grande potencial na mudança do rumo dacidadedeSãoPaulonospróximosanos,pois, independentementede serbomou ruim, esse planomodificou radicalmente as bases do padrão deocupação estabelecido e praticadodesdeo início do séculoXXemumacidadecomoSãoPaulo.

AVANÇOS E DESAFIOSCabe por fim realizar um balanço das inovações do novo Plano

Diretor de São Paulo e das possíveis consequências para a mobilidadeurbana da cidade, lembrando que pensarmobilidade urbana é pensar naorganizaçãodousoedaocupaçãodosolo.

Destacamoscomoavançoapossibilidadedeefetivaçãodeummodelopolicêntricohámuito almejadopelos urbanistas.As áreas sob influênciadoseixosde estruturaçãoe transformaçãourbana terãopapel importantenacriaçãodecentralidadeslinearesquefarãoaconexãoentreosnúcleosdecomércioe serviços, tambémconfiguradoscomocentrosdebairro.Ofato é que essas regiões nunca serão autônomas, com a configuração deuma “minicidade”, mas o que importa é que por meio desse modeloocorreráaminimizaçãodosefeitosdamádistribuiçãodepessoasebenseo equilíbrio no desempenho da mobilidade urbana. Outro avançoimportante é a conjugação do discurso/conceito à aplicação imediata darededeestruturaçãoetransformaçãobaseadanarededetransportepúblicocoletivo,queéosistemaqueviabilizaoacessodemocráticoaoscidadãosparalongasdistâncias.1

Com relação aos eixos de estruturação da transformação urbanaprevistos, por haver menos áreas passíveis de transformação eadensamentonoterritório,omercadoimobiliárioatuaráconcentradamentenessas áreas sob influência dos eixos. Uma vez que novas áreas deinfluênciadoseixosdeestruturaçãoestãocondicionadasaoiníciodeobrasde implantação do transporte público coletivo planejado, será interessetambémdomercadopressionareexigirdoPoderPúblicoaexecuçãodas

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obras de transporte público. Se esse cenário se tornar verídico,entenderemosquesetratadeumaspectopositivo,umavezqueopróprioPoderPúblicoestácriandomecanismosdecontrolesocialparaviabilizareefetuar, por exemplo, um Plano de Mobilidade efetivo que garanta aexecuçãodentrodosprazosacordados.

Podemosdestacarcomodesafioaintegraçãoegestãocompartilhadasentre Estado e município, que, ante as inovações desse plano, fazem-senecessárias. As linhas e estações dometrô e da Companhia Paulista deTrens Metropolitanos (CPTM), sistemas de transporte coletivo de altacapacidade,sãoderesponsabilidadedogovernodoEstadodeSãoPauloecomponentesmuito importantes na rede de estruturação e transformaçãourbana. Na questão da mobilidade, a integração e gestão conjunta sãoimprescindíveisparaosucessodo“gatilho”.

Outrodesafioserefereàslinhaseestaçõesplanejadas,previstaspara2016, que podem sofrermodificações e alterações de desenho e projetodiscricionariamente com base no binômio conveniência e oportunidade,tantoporpartedomunicípioparacorredoresdeônibusquantodoEstadopara trens e metrô. Perante tais alterações, serão necessáriosprocedimentosjurídicos,comorevogarparcialmenteoMapa3A,vistoquenãoexistedescriçãoperimétricadaspoligonais,determinarparaamesmaáreanovozoneamentodistintododispostonoMapa3Aeestabelecernovozoneamentopara as áreas sob influênciadosnovos traçadosde eixosdetransporte público. Além disso, até 2021 podem ser planejados eimplementados novos eixos de transportes não previstos no Mapa 3A.Comonãoexisteregulamentação,essescasosdemandamdoPoderPúblicoumaadministraçãoegerênciaintegradaemtodosossetoresdeaplicaçãodosmarcosregulatórios.

ComonovoPlanoDiretorfoiaprovadorecentemente,aindaérarefeitaavisibilidadedesuaatuação.Porém,entendemosqueasmedidasadotadaspodem causar, em médio e longo prazos, um impacto na mobilidadeurbanadacidadedeSãoPaulo.Ainda,onovoPlanoDiretordemandarádoPoderPúblicoumagerênciaeadministraçãocoerenteeatuante.

REFERÊNCIASBRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os artigos 182 e183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana edá outras providências. Disponível em:

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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acessadoem: 30 jan. 2016.______. Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012. Institui as diretrizes daPolítica Nacional de Mobilidade Urbana. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>.Acessado em: 30 jan. 2016.______. PlanMob: caderno de referência para elaboração do Plano deMobilidade Urbana. Brasília: Ministério das Cidades 2015.FELDMAN, S. Planejamentoe zoneamento: São Paulo 1947-1972. São Paulo:Edusp, Fapesp, 2005.PIRES, L. R. G. M. FunçãosocialdapropriedadeurbanaeoPlanoDiretor. BeloHorizonte: Fórum, 2007.SANTOS, I. M. Sistema viário estrutural de SãoPaulo e estratégias urbanísticas:planos, projetos e intervenções, 1930 a 2002. 2014. Dissertação (Mestradoem Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura da Universidade deSão Paulo, São Paulo, 2014.SANTOS JUNIOR, O. A. dos; MONTANDON, D. T. (Org.). Osplanosdiretoresmunicipais pós-Estatuto da Cidade: balanço crítica e perspectivas. Rio deJaneiro: Letra Capital, Observatório das Cidades, Ippur/UFRJ, 2011.SÃO PAULO. Lei Municipal nº 13.430, de 13 de setembro de 2002. PlanoDiretor Estratégico. Disponível em:<http://www3.prefeitura.sp.gov.br/cadlem/secretarias/negocios_juridicos/cadlem/integra.asp?alt=14092002L%20134300000>. Acessado em: jan. 2016.SÃO PAULO. Lei Municipal nº 13.885, de 25 de agosto de 2004. Estabelecenormas complementares ao Plano Diretor Estratégico, institui os planosregionais estratégicos das subprefeituras, dispõe sobre o parcelamento,disciplina e ordena o uso e a ocupação do solo do município de São Paulo.Disponível em:<http://www3.prefeitura.sp.gov.br/cadlem/secretarias/negocios_juridicos/cadlem/integra.asp?alt=06102004L%20138850000>. Acessado em: jan. 2016______. Lei Municipal nº 16.050, de 31 de julho de 2014. Aprova a Política deDesenvolvimento Urbano e o Plano Diretor Estratégico do Município de SãoPaulo e revoga a Lei nº 13.430/2002. Disponível em:<http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/arquivos/PDE_lei_final_aprovada/TEXTO/2014-07-31%20-%20LEI%2016050%20-%20PLANO%20DIRETOR%20ESTRAT%C3%89GICO.pdf>. Acessado em:

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jan. 2016.VILLAÇA, F. Uma contribuição para a história do planejamento urbano noBrasil. In: DÉAK, C.; SCHIFFER, S. R. (Org.). O processo de urbanização noBrasil. São Paulo: Edusp, 2004. p. 169-243. 1 É importante lembrar que o sistema de mobilidade mais democrático e

acessível é o de circulação de pedestres.

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6MOBILIDADE E DESAFIOS DO PLANO

DIRETOR ESTRATÉGICO: O PDE DE 2014COMO ESTÍMULO À EQUIDADE

EuniceHelenaS.AbascalCarlosAbascalBilbao

DESAFIOS DA MOBILIDADE URBANA EM SÃOPAULO

AmetrópoledeSãoPauloenfrentahojeodesafiodoaprimoramentodamobilidadeurbanaevisaatenderaosfluxosgeradospeladiversidadedeformas e pela intensidade de ocupação do solo. É premente enfrentar aconvivência de extensas e populosas periferias e o esvaziamento e atransformaçãodeusosporquevêmpassandoasáreascentrais,edotaracidadedediferentesmodaisdemobilidade, reequilibrandodesigualdadessocioterritoriais que podem afetar regiões que hoje se transformam econtam com imóveis ociosos. Que política urbana e quais instrumentosurbanísticos há para ocupar os vazios e promover o adensamento dacidade,sobretudonasregiõesemprocessodeesvaziamento?

OPlanoDiretorEstratégico(PDE)deSãoPaulo(Leinº16.050/2014)assumiu como um de seus principais objetivos a reversão desse quadro,compolíticasdeocupaçãodosoloeadensamentointegradasàmobilidade.Para tanto, a ênfase recai sobre os eixos de transformação urbana,sinalizados como áreas de intervenção urbana (AIU) em torno decorredores de transporte e estações metroviárias, compreendendo essaconfiguração como a mais interessante para o adensamento das áreascentrais, de maneira integrada à mobilidade urbana (PREFEITURAMUNICIPALDESÃOPAULO,2015c).

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NossoobjetivoéapresentarumareflexãosobrecomopoderáoatualPDEatingirseusfinsecomoapolíticaurbanaprevistapoderáreverteraexpansão periférica da metrópole: para quem esse modelo está sendoproposto e que ações e instrumentos se dispõem para acompanhar aaplicaçãodalei.

Para problematizar a questão, o PDE de 2014 dispõe de outrosinstrumentos,taiscomooperaçõesurbanasconsorciadas(OUC):“conjuntointegrado de intervenções coordenadas pela Prefeitura, através da SP-Urbanismo, com participação dos proprietários moradores, usuários einvestidores,a fimde implementar transformaçõesurbanísticas, sociaiseambientais na área de abrangência” (PREFEITURA MUNICIPAL DESÃOPAULO,2015c).

AsOUCconceitualmentesãointegradasamodelosdetransformaçãodo solo com base em projetos urbanos1 e apresentam, em tese, umpotencial para transformar induzidamente o território e alcançar aplenitude esperada pelo conceito de mobilidade – uma ação sobre osdeslocamentos humanos em todos os seus modais –, promovendo aequidade socioterritorial. Qual dos modelos, eixos de transformaçãourbanaouOUC,émaisadequadoàponderaçãodeinteresseseconflitos,eàpreservaçãodosdireitosdeequidadeemoradiadepopulaçõesde diferentes níveis de renda?Há outros instrumentos, além desses, quepoderiamcontribuirparaesseequilíbrio?

MOBILIDADE, EQUIDADE E POLÍTICA URBANASão Paulo é uma metrópole onde são prementes as ações para o

aprimoramento da mobilidade que sejam capazes de atender aos fluxosgeradospeladiversidadedeformaseintensidadedeocupaçãodosolo.Odesafiodeproverextensasepopulosasperiferiasdeformasdemobilidadeereequilibrardesigualdades,queconvivemcomoesvaziamentodasáreascentraiseapresençadeoutrasregiõesemtransformaçãodeusoeimóveisociosos,urgedapolíticaurbanaaçõeseinstrumentosparaocuparvaziosepromoveroadensamentodacidade,sobretudonasregiõesmaiscentrais.

Oesvaziamentodaáreacentral2podeserverificadodesde1980:de526.170 ha passou-se a 431.106 ha em 2010 (FUNDAÇÃO SISTEMAESTADUAL DE ANÁLISE DE DADOS, 2015). Uma degradação deimóveisetecidosurbanosfoidesencadeadaporesseesvaziamento,oque

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levouàformulaçãodeplanoseinstrumentosparasanaroproblema.Embora tenha se verificado perda da população residente, a

concentraçãodeempregosprosseguiunocentroenazonaoeste.SegundoaFundaçãoSistemaEstadualdeAnálisedeDados–Seade(2015),deumtotalde3.670.312deslocamentosde trabalhadorescomorigemnaregiãodemoradiaatéolocaldetrabalho,47,2%vãoparaocentroeazonaoeste.As áreas mais carentes, com extensas periferias e sem infraestrutura detransporte suficiente, caracterizam-se como verdadeiros bairros-dormitórios–emqueimperamaescassezdeempregoselongostemposdedeslocamentoentrecasaetrabalho

O PDE3 (Lei nº 16.050/2014) vigente assumiu como um de seusprincipais motes a reversão desse quadro de desenvolvimento urbanoconsagrado durante décadas de investimento prioritário em grandesinfraestruturasviárias,valorizandootransportesobrepneuseaexpansãoperiférica,oquecontribuiuparaaprofundaracisãoentrecentroeperiferia.

O novo plano aposta em uma política de ocupação do solo eadensamento, integrada àmobilidade e a seus diversosmodais, que temnos eixos de transformação urbana – AIU que assumiram o caráter de“eixo” (PREFEITURA MUNICIAL DE SÃO PAULO, 2015c),configurando-seematé300metrosaoladodecorredoresdeônibuseaté600metrosaoredordasestaçõesdetrememetrô–umdeseusprincipaisinstrumentos.Oplanoseorientapelaambiçãode,aoproveracidadedeum adensamento estimulado ao longo dos eixos, humanizá-la aoaproximar emprego e moradia, enfrentando com esse recurso osdesequilíbrios e as desigualdades socioterritoriais (PREFEITURAMUNICIPALDESÃOPAULO,2015c).

OatualPDE(PREFEITURAMUNICIALDESÃOPAULO,2015c)assumecomoestratégiaaocupaçãoda terraociosaquenãoatendaàsuafunçãosocial,conformeprevistopeloEstatutodaCidade(LeiFederalnº10.257/2001), prioriza a política habitacional e intenta valorizar o meioambiente e coordenar o desenvolvimento urbano no entorno dainfraestruturaviáriapróximadotransportepúblico.Comessaestratégia,oplano entende que poderá enfatizar a escala do bairro, estimulando odesenvolvimentoeconômicopelageraçãodenovosempregos,aomesmotempoquepreservaopatrimônioevalorizainiciativasculturaisaolongodessasáreasdedesenvolvimento.

Cria a Macroárea de Estruturação Metropolitana (MEM): territórioquejulgaestratégicoparaarticularSãoPauloaosmunicípiosquedefinem

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suaregiãometropolitana.Paratanto,estimulacomopolíticaaconstruçãodeedifíciosdeusomistocomfachadasativase,poresserecurso,entendeincentivaroespaçopúblicoaolongodoscorredoresdetransportecoletivo,fixando-oscomolocaisprioritáriosparatransformaracidadeeotimizarousodaterra,embairrosresidenciaislocalizadosaolongodosmencionadoseixosenasimediaçõesdeles.

ÉinteressanteproblematizarosrecursoseoalcancesocialpropostosporessaestratégiadoPDEde2014,bemcomoasformasderegulaçãoquepermitem atingir os efeitos socioterritoriais esperados, dirimir conflitos,aplicar recursos de ponderação e contrapartidas, de forma a proverequidade e alcançar o equilíbrio almejado, e, assim, implementarmobilidade urbana, e não tão somente aprimorar o transporte. SegundoEurípedesdeOliveiraEmiliano (2015, p. 6), “Aponderação se constituiem técnica mais flexível e mais trabalhosa do que a subsunção, sendoadequada para dirimir conflitos surgidos em sociedade permeada porvalorescomoopluralismoeademocraciaparticipativa”.

Aqui,éprecisoestabeleceradiferençaqueseconfigura,noâmbitododireitoadministrativo,doqualemanaodireitourbanístico,entreponderaresubsumir,emtermosdeaplicaralegislação.Oplano,conformeOliveira(2011),comforçadelei,emsuaaplicaçãoaumasuperfíciedeterminada,engendrará o projeto. Alude ao espaço de embate dos conflitos deinteresses, por excelência; e é em seu âmbito que se deverá encontrar ocaminhopararegularsobreoqueafetatodos,noprocessodeproduçãodoespaço urbano.O jogo dos interesses é uma ação de ponderação, o quecaracteriza, para essa autora, o próprio processo de planejamento doterritório.A ponderação de que falaOliveira (2011, p. 141) alude a umconjunto de interesses que, de forma concreta, devem ser dirimidossimultaneamente,realizandoconcessõese“sacrificandoomínimodecadaum”.

Ponderar é flexibilizar a norma, a fim de considerar e dirimirconflitos, e criar critérios para tanto, e subsumir é tão somente regular,estabelecendoumarelaçãodecausaeefeitoentrenormaeação:“se...[seessa é a norma], então... [seu efeito de aplicação é...]”. O direitourbanístico regula um complexo de direitos, dos múltiplos atores queincidemnoterritório,relativosaumapopulaçãoafetadaporsuadinâmica,nãosendoumaaçãopunitiva,sequerreguladoradeumsistemafechadodecausaeefeito,mascriadoradedireito(OLIVEIRA,2011).

ComopoderiaentãooatualPDEatingirseusfins?Quaisinstrumentos

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estãodisponíveisparatransformaroterritório,tendoemvistaamobilidadee a equidade, dessa forma mais ampla, envolvendo a multiplicidade deatoreseinteresses?Atéquepontoapolíticadeadensamentodoseixosdetransformaçãourbanapodereverteroatualquadrodeexpansãoperiféricadametrópole:paraquemessemodelopodeoferecermoradiaeatingirdefato o objetivo de prover a função social da terra e da propriedade?Haveria outros modelos para transformar induzidamente o território epromoveramobilidadeeaequidadesocioterritorial?

MOBILIDADE URBANA E POLÍTICA PÚBLICA:PLANOS NACIONAL E MUNICIPAL DE MOBILIDADEE POLÍTICA DE TRANSFORMAÇÃO DA CIDADE

Adiferençaconceitualentretransporteemobilidadeurbanaécrucial:enquanto o sistema de transporte provê o deslocamento, a mobilidadeimplica o uso do solo, necessário para atrair e fixar os fluxos gerados(KNEIB, 2012). Outras variáveis afins à mobilidade são os temasambientais,econômicosesociais–anoçãoapenasseesboça:implicaumaamplagamadefatores,comprioridadeaosdiversosmodaisdetransporte,e ênfase nos modos coletivos de deslocamento e não exclusivamentemotorizados(KNEIB,2012).

Mobilidade é um atributo da pessoa (KNEIB, 2012) e deve serabordada tanto do ponto de vista espacial como em sua acepçãoeconômica.Amobilidade individualvariaemfunçãodacondiçãosocial,principalmenteemfunçãodarenda.Étambémumatributourbano,comooconjunto de predicados próprios para possibilitar uma mobilidadequalificada.

ALeiFederalnº12.581/2012,LeideMobilidade, instituiuasbasesde uma política nacional, a fim de racionalizar o transporte e osdeslocamentosdepessoasecargas.Apolíticadedesenvolvimentourbanoéfundamentalparaengendraramobilidade,poisenvolveaespacializaçãodos determinantes que a afetam. O fato de a mobilidade depender dapolítica de desenvolvimento urbano sugere que urbanismo, instrumentosurbanísticosdetransformaçãoeplanejamentodoterritórioeconcretizaçãodos diversos modais que garantem fluxos qualificados para pessoas sãoindissociáveisenecessitamdeumaabordagemintegrada.

Aênfaseemummodelodemobilidadeurbanacomoaçãofacilitadorado escoamento de veículos motorizados e na crença de que um

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adensamentodasáreaspróximasacorredoresde tráfegoéummeioparaconcentrar emprego e renda em áreas ociosas e alcançar de per se umaqualidade ambientalmelhor pode não ser um estímulo suficiente para asolução dos graves problemas de uma metrópole como São Paulo.Mobilidadeurbanasustentáveléumobjetivoquedependedocontroledosefeitos ambientais resultantes da poluição visual, sonora e do ar, fatorespossivelmente impactados pela prioridade aos eixos conectores compossíveladensamento.

Paraatingirodesenvolvimentourbano,énecessáriointegrarousoeaocupaçãodosolo(BERGMAN;RABI,2005).Noentanto,usoeocupaçãodo solo não se dissociam do parcelamento e da qualidade total datransformaçãourbana.Se não é interessante que a população se fixe embairrosdistanteseperiféricos,longedoempregoecarentesdecomércioeserviços, cujos deslocamentos cresçam para atender às necessidadescotidianas de trabalho, é certo que a política demobilidadeurbanadevetambémestardeacordocompolíticasambientaisededesenvolvimentodacidade.

A atenuação do ônus ambiental, social e econômico dosdeslocamentosdepessoasebensdevepreverocontroledaaçãopoluenteeda impermeabilizaçãoexcessivado solo, oque supõe tambémumaaçãoracionalizadadaconstruçãoedoparcelamento.Nãohácomomaterializaruma política de mobilidade sem integração com o urbanismo, seusrecursos e instrumentos, e também ao projeto (projeto urbano),concretizando a aplicação de instrumentos urbanísticos. Energiasrenováveis não poluentes, tecnologias limpas, prioridade àsmodalidadesde transporte coletivo não motorizado (BERGMAN; RABI, 2005) einclusão social, garantindo que todos se beneficiem de sistemas demobilidade, são premissas para toda ação de planejar e intervir noterritório.

Entre as diversasmaneiras de financiamento damobilidade urbana,encontra-se a recuperação da valorização imobiliária, pois obras deinfraestruturademobilidadevalorizamaterraeosimóveis,cujoprodutopode retornar na formade algum tipode contrapartida.Opoder públicopoderesgataressasvalorizaçõesparaasociedadeepromoverequidadeeponderação de direitos e deveres das populações afetadas em AIU.Contribuiçõesdemelhoriaouinstrumentosurbanísticosintegramaagendadosrecursosdisponíveis.

Paraalémda relaçãoqueseestabeleceentremobilidadeeprodução

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do espaço urbano, uma gestão integrada e intersetorial que preserve amultiescalaridade se torna imprescindível. A autonomia do municípioassegurada pela Constituição Federal de 1988 não impede que odesenvolvimentourbanourjaoutrasregulaçõesparaalémdoPlanoDiretore do uso e da ocupaçãodo solo,mas, valendo-se doEstatuto daCidade(Lei Federal nº 10.257/2001), novos instrumentos para a melhoria damobilidadee integraçãocompolíticas interescalaresdevemgarantirumaaçãointegradacomregiõesmetropolitanaseaglomeradosurbanos.

OPlanoDiretordeSãoPauloaprovadoem2014deixoumargemaoPlanodeMobilidade,oPlanMob/SP2015(PREFEITURAMUNICIPALDE SÃO PAULO, 2015e), que visa atender à Lei Federal nº 12.587(promulgadaem3dejaneirode2012).Esteúltimodispositivoestabeleceua Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU) e regulamentou aobrigatoriedadedeosmunicípios acimade20milhabitantes elaboraremumplanodemobilidadeurbanaaté2015.

Umadesuasprincipaisdeterminaçõeséacoordenaçãoentrepolíticade transporteecirculaçãoeapolíticadedesenvolvimentourbano, tendonoseixosde transformaçãourbanaoseuprincipal recursode integração.Parte-se do pressuposto de que os eixos associam o desenho da rede detransporte demédia e alta capacidade (PREFEITURAMUNICIPALDESÃOPAULO,2015e)aoadensamentodeempregoemoradia.Oseixosseconfiguramao longodos sistemasde transportecoletivodealta emédiacapacidade, metrô, trem e corredores de ônibus, para potencializar oaproveitamentodosolourbanoeestimularoadensamentohabitacionaleoutrosusos.

Uma possível distribuição equilibrada de recursos nessas áreasdepende das formas que o poder público dispõe de obter e reinvestirrecursos. Para gerir recursos financeiros provindos de contrapartidasonerosas, a Prefeitura Municipal de São Paulo (2015e) enumera trêspossibilidadesdearrecadação,naformadeoutorgaonerosa.Paramanejaressas contrapartidas financeiras que podem ser reinvestidas no territóriourbano,emcadaumdosdistritosfoidefinidoumestoquedeáreaadicionaldeconstrução,quepodeserregatadomediantepagamento.

Emumaprimeiraacepção,osrecursosdaoutorgaonerosavãoparaoFundoMunicipal deUrbanização (Fundurb) e repercutem emmelhoriasurbanas, sem discriminação de região ou área, podendo beneficiarqualqueráreadacidade.

EmáreasdeOUC,os recursosdaoutorgaonerosa sãodirecionados

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para fundos previstos nas leis específicas de cada uma e revertidosexclusivamenteemprojetosurbanoscorrelatos.Agestãodessesfundosécompartilhada entre prefeitura e sociedade civil, e auditada pela CaixaEconômicaFederal.

Nas AIU – com grande ênfase no Plano Diretor (PREFEITURAMUNICIPALDESÃOPAULO,2015c)para implementaçãodeprojetosestratégicos–eixos,polosdecentralidades,parqueseáreasverdesvisandoàpreservaçãoderiosecórregos,redeviáriaeredesdetransportepúblicocoletivo (PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, 2015c) –, épossívelconstruiracimadoscoeficientesbásicos.Osrecursosdeverãoserinvestidos emprojetos e áreaspreviamentedefinidos.Aquestão é comopoderãoconcretizarumsentidoamplodemobilidadeurbanaemelhoraraequidadedosbenefíciosdessasintervençõesparasuasáreasobjetoeparaacidade.

Osrecursosdevendadepotencialconstrutivo,aplicadosnoFundurbeinvestidosemqualqueráreadacidade,sãoutilizadospelaSecretariadaHabitação (Sehab). A Sehab recebe o principal montante de recursos,somados às contrapartidas obtidas nas OUC e no Fundo Municipal daHabitação(FMH),agregandoaparticipaçãodaFederaçãoedoEstadodeSãoPaulo.

NasOUC, preveem-se benefícios econômicos e sociais à populaçãodiretamenteafetada(ALVIM;ABASCAL;MORAES, 2011).Há ainda aprevisão de um estudo do impacto de vizinhança, remuneração daspopulações atingidas paga pelos proprietários e empreendedores, paradevolver à sociedade parte dos lucros gerados pelas melhoriasinfraestruturaiseliberalizaçãodasregulamentaçõesurbanísticaeedilícia.Prevê-setambémaparticipaçãodasociedadecivil,conferindoimportantepapel à gestão participativa. Visa-se garantir um equilíbrio entreinvestimentospúblicoseprivados,gerandooretornoàsociedadedeumaparte dos lucros do setor imobiliário, provendo uma equidaderedistributiva dos benefícios (PREFEITURA MUNICIAL DE SÃOPAULO,2015a):habitação,espaçopúblico,equipamentoseinfraestrutura,comgrandeênfasenamobilidade,crucialàgeraçãodeempregoe rendanasregiõesemquemaissefizessenecessária.

Intervenções dessa natureza dependeriam de parcerias econtrapartidas, e de ponderação entre ganhos, gastos e investimentos,impedindoqueoprincipalbeneficiáriodoprocessodeurbanizaçãosejaosetorimobiliário(PREFEITURAMUNICIPALDESÃOPAULO,2015a).

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ConformeDéak (2015, p. 1), a origemdasOUCenvolve adefiniçãodeáreas com “potencial de intensificação do uso do solo”, vinculando aintervenção ao aumento da densidade, e investimentos infraestruturaisrealizados,sobretudoemsistemaviário,umacondiçãoparaamobilidade.O PDE de 2002-2013 (Lei nº 13.430/2002) associou a mobilidade àtransformaçãoinduzidadoterritório,anovosusosedensidade,combasenoEstatutodaCidade,econferiugrandeforçaàsoperaçõesurbanas(OU)eOUC,compreendidascomoosmecanismosdeinduçãodatransformaçãodoterritórioporexcelência,naquelemomento.

NasáreasdeOUC,opoderpúblicopreviaarealizaçãodopotencialdeadensamentodassuperfíciesdefinidas,investimentoseminfraestrutura,obras viárias, saneamento, remoção de favelas e cortiços, e provisão dehabitaçãodeinteressesocial(HIS).

As AIU, por seu turno, não são uma inovação, pois já estavamsinalizadasnoPDEde2002.NonovoPlanoDiretor,asAIUassumiramocaráterde“eixodeestruturaçãoetransformaçãourbana”(PREFEITURAMUNICIPAL DE SÃO PAULO, 2015c), configurando-se em até 300metros ao lado de corredores de ônibus e até 600 metros ao redor dasestaçõesdetrememetrô.

Noentanto,aapostanodesenvolvimentodoseixos,centralizandoosinstrumentosnavendadepotencialconstrutivoacimadosíndicesprevistospelo zoneamento (coeficiente de aproveitamento 4) para resgatar essavalorizaçãoeaplicaressesrecursosemobrasviárias,deveserrelativizada,pois pode contrariar o espírito de equilíbrio da política de mobilidadeassociadaàproduçãodoespaçourbano.

Articulando desenvolvimento urbano e mobilidade, o PDE domunicípiodeSãoPaulo(Leinº16.050de31dejulhode2014)definiuaMEM, com três setores: orlas ferroviária e fluvial, eixos dedesenvolvimento e central. As OU estão inseridas nessa macroárea elocalizadasnoArcoTietê,nosetordasorlasferroviáriaefluvialdacidade.

Noquetocaàqualidadedaurbanidadenecessáriaparaconcretizarosanseios da política de mobilidade e fazê-la deixar o plano discursivo,pode-se dizer que a definição de índices urbanísticos de construção e apossibilidade de captura de um sobrevalor (outorga onerosa) não sãosuficientes,emsimesmos,paratransformaracidadedamaneiracomoseesperaealcançarumambientequecontribuaparaatransformaçãourbanatotal.ComolembrouNabilBonduki(2014),relatordoPDEde2014,nãoháculturadeprojetoouprojetourbanoentreosquadrosdopoderpúblico.

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Noqueconcerneàdinâmicadomercadoimobiliário,éprecisorefletirsobre os efeitos do Plano Diretor nos preços do solo e dos imóveisresidenciaisnoseixos,passíveisdeadensamento.Umvolumederecursoscapazdeatrairomercadoimobiliáriopodelevaraunidadeshabitacionaismenores,paraatenderospúblicosdemaiorrenda(padrãomédioemédioalto),sobpenadepopulaçõesoriginalmenteassentadassedeslocaremparabairrosperiféricos–aprofundandoaformaçãodasperiferiaseagravandoproblemasdemobilidadeurbanaemetropolitana.

Aquestão de qual é efetivamente o tipo de produto imobiliário noseixos e para quem são persiste (LIMA JR., 2014). Análises vêmsinalizandoqueaconstruçãodeempreendimentosnoseixosparafaixasderenda adequadas ao ProgramaMinha Casa Minha Vida4, por exemplo,poderáserbastantedifícil,mesmocom incentivosdoPDEde2014paraHISeHabitaçãodeMercadoPopular(HMP)5noseixos.Opreçodaterraéregidopelasregrasdemercado,eaoutorgaonerosatempreçodefinido(LIMAJR.,2014),poisopreçododireitodeconstruiréfixadopelopoderpúblico.OvalordaterraéelevadoemSãoPaulo,eosterrenosobjetodeoperaçõesnoseixosnãotendemaperderpreço,demodoainfluirnocustofinaldoprodutoimobiliário,quandoseincorporamoscustosdaoutorga.Querdizerqueoadensamentonoseixosatenderáaumafaixadepúblicoderendamédiaoumédiaalta.

CandidoMaltaCamposFilho(2015,p.2)asseveraqueé“FalsodizerqueépossívelreduzirsubstancialmenteoproblemadaHabitaçãoPopularsem reduzir substancialmente o preço do solo urbano”, referindo-se àcrença de que não é possível implementar a transformação induzida doterritório para todas as classes sociais sem prover instrumentos deequidade e justiça social. Esses instrumentos urgem a ponderação dosfatores de valorização da terra e o enfrentamento da expulsão depopulaçõesafetadas.

O Plano Municipal de Habitação de São Paulo de 2008 a 2024(SECRETARIAMUNICIPALDEHABITAÇÃOPMSP,2015b),porsuavez, elaborado pela Sehab, pontua que, na cidade, em 2008, havia emtorno de 889.808 domicílios em assentamento precários, favelas,loteamentos irregulares ou cortiços, apresentando uma ou maisinadequações. Desses domicílios, 133mil deveriam ser substituídos porcausa das condições de risco ou precariedade. Somando-se a estes, umdéficitde93.732moradiasporcrescimentopopulacional,perfazendo227mil domicílios no município, sinalizava a extensão do problema do

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assentamento populacional nas periferias e a propriedade privada dosimóveis, urgindo que a questão damobilidade seja encarada de forma aadensar o que é possível em áreas centrais, mas considerando aspreexistências.NolevantamentodaSehab,97,5%dessesimóveiseramdealvenaria, e 77,8 %, próprios; 99,5% detinham acesso à agua, 93,6%dispunhamdebanheirosconectadosàrededeesgotos,98,2%decoletadelixoe100%deluzelétrica.Arendamensalnãoultrapassavatrêssaláriosmínimos, perfazendo 69,1% da população A estratégia dotada pelasecretaria foi então urbanizar e combater a inadequação habitacional,fixando a população no seu lugar de origem e pondo em marcha aregularizaçãofundiária.Essaconsolidaçãodasperiferiasurgepolíticasdemobilidade interescalares para consolidar os benefícios da urbanização.Quanto ao orçamento público, o maior problema é o custo da terra erecursos insuficientes para compra do solo urbano e construção, parasuprirademandadetodasasnovasmoradias.Entãoametrópolenecessitaque o poder público financie habitações para famílias de baixa renda,deixandoaomercado imobiliárioosuprimentodemoradiasparaestratossociais que possam arcar com o financiamento habitacional, com rendaacimadeseissaláriosmínimos,podendovariarde37%a42%dototaldenovasmoradias(SECRETARIADAHABITAÇÃO,2015a).

No ano de 2008 com previsões otimistas da economia brasileira, aSehab estimouatéo anode2024novasmoradiasnaordemde771.898,somando-se a um déficit existente, com necessidade de um milhão denovasmoradiasemSãoPaulo.Apesquisalevouemcontaatendênciadequedadonúmerodeindivíduospordomicílio(que,em2008,erade3,15,com projeções para 2024 de 2,70) e o aumento do preço do metroquadrado.Essa tendência se confirmou pela diminuição do tamanho dosapartamentos verificada de 2005 a 2014 (VEIGA, 2015); o número deunidades lançadas em São Paulo com menos de 40 metros quadradospassou de 960 (2005) para 7.810 (2014). Omenor número de filhos, oenvelhecimentodapopulação,oaumentodaescolaridadeeoaltovalordosololevamapopulaçãoaprocurarmenorespreços,praticidadeefacilidadede locomoção. Esses números ratificam a tendência de um déficithabitacionalparaasclassesmédiaemédiaalta,eaproduçãodeunidadesmenores,sendoparaesseestratooadensamentojuntoaoseixos.

Novos instrumentos urbanísticos estão sendo regulamentados peloPDE de 2014, como o IPTU Progressivo6, que recebeu regulamentaçãoem31deoutubrode2014,eaCotadeSolidariedade7,Decretonº56.538,

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de23deoutubrode2015,queregulamentoudisposiçõesdaLeinº16.050,de 31de julho de 2014. Esses instrumentos preveem a possibilidade deobtenção de recursos para que possam ser adensados os eixos detransformaçãourbanaeparaqueHISeHMPsejamproduzidasnasAIUqueosabrigam.

Sem a integração entre o Plano Diretor, seus instrumentos e umacultura de projetos urbanos, persistirá, a nosso ver, a vacuidade dasproposições, poisoplanoe seusdispositivos “nãodizemcomo,quando,quanto e pra quem essas áreas devem ser transformadas” (ROLNIK,2015).

A política de mobilidade se institui com o debate da necessáriaintegração ao desenvolvimento urbano. Se a prioridade dos eixos detransformaçãourbanacontinuarsendoapenasaproduçãodeedifícioscommais garagens e carros, a ênfase em atender exclusivamente aosmédiospersistirá; é preciso repensar que tipo de cidade se deseja, revertendo acultura que enfatiza a construção e o viário, mesmo em AIU ou deoperaçãourbana.

SeváriasregiõesdocentroexpandidodeSãoPauloaindaapresentamáreas ociosas e em transformação, com potencial de produção de umaoutra cidade, poderemos, uma vez mais, desperdiçar a oportunidade detransformar sua urbanidade, reproduzindo o padrão excludente einsustentável que nega a política de mobilidade proposta, em níveisnacionalemunicipal.

ESTATUTO DA CIDADE: FUNÇÃO SOCIAL DAPROPRIEDADE E TRANSFORMAÇÃO INDUZIDA DOTERRITÓRIO – POSSIBILIDADES E DESAFIOS DOSINSTRUMENTOS DO PLANO DIRETOR

AConstituiçãoFederalaprovadaem1988,emseusartigos182e183,estabeleceuaimbricaçãoentredireitodepropriedadeesuafunçãosocial,preparandoasbasesparaaelaboraçãodoEstatutodaCidade.Esseestatutoconsistiuemimportantepontodeinflexãododireitourbanísticobrasileiro,dirimindosobreinstrumentosurbanísticosquesepropuseramalegitimarafunçãosocialdacidadeecombaterprocessosespeculativosde imóveiseterrenosvazios.

Uma de suas conquistas foi o reconhecimento da diferença entredireito de propriedade e direito de construir. Sinalizava-se a gestão, por

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parte do poder público, da produçãodo espaçourbano e da atuaçãodosempreendedores imobiliários, ao resgatar, na forma de modalidadesdiversasdecontrapartidas,oprodutodavalorizaçãodaterraobtidocomaconstruçãodeinfraestruturaemáreasurbanasemtransformação.

O PDE (Lei nº 13.430/2002) foi um dos primeiros elaborados comfundamentonoentãoaprovadoEstatutodaCidade.Comoumconjuntodediretrizes para a espacialização da política urbana, o PDE sinalizou elocalizou as áreas nas quais os diversos instrumentos do Estatuto daCidade poderiam ser aplicados: Planos Regionais das Subprefeituras(2004),aLeideUsoeOcupaçãodoSolo–Luos(2004,modificandoaLeide Zoneamento de 1972, vigente), Plano de Habitação, Plano deCirculaçãoViáriaeTransportes,asOU,PlanosdeBairroezonasespeciaisdeinteressesocial(ZEIS).

Atuando em perímetros definidos com intervenções em escalasespecíficas, asOUdavamsequência aum tipode instrumentooriginadocomoOperaçõesInterligadas(LeiMunicipalnº11.773/87);nasciam,nessemesmoperíodo,asOUFariaLima(1995),ÁguaBranca(1997)eCentro(1997). Com o PDE de 2002, as operações interligadas destinavamcontrapartidas ao Fundo Municipal da Habitação, redistribuindo-as eaplicando-asaobrasdeHIS.

Oartigo32doEstatutodaCidadedefiniuasOUC–intervençõesemque contrapartidas onerosas deveriam ser reinvestidas na própria áreaobjeto da operação. As OUC previam transformações estruturais,melhoriassociaisevalorizaçãoambiental– implementadascombaseemum projeto urbano, articulador desses objetivos. O perímetro definidoestariasubmetidoaosobjetivosmaioresdoPlanoDiretorMunicipal,bemcomo às diretrizes de lei específica, evidenciando um instrumentodestinado à política urbana com a coordenação do poder públicomunicipal, para que um complexo programa de usos, atividades eocupaçãodosolofosseimplementado,envolvendointervençõesvoltadasamúltiplosusosedestinadasausuáriosdegrupossociaisheterogêneos.

Entre os objetivos dasOUC, estavam infraestrutura e equipamentoscoletivos, e uma integração das políticas de transformação, ocupação eparcelamento do solo, sob a égide de projetos urbanos, com múltiplossistemasdemobilidade.OPDEde2002-2012,elaboradoparaespacializaras diretrizes do Estatuto da Cidade, assinalou nove áreas de OU e acontinuidadedeoutrasquatroqueeramativas:Centro,ÁguaBranca,FariaLima e Água Espraiada. As outras OU eram Carandiru, Celso Garcia,

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Diagonal Norte, Diagonal Sul, Santo Amaro, Vila Leopoldina-Jaguaré,VilaSônia,Jacu-PêssegoeAmadorBueno.

Em 2009, foram sinalizadas novas OUC para desenvolver orlasferroviárias:Lapa-Brás,Mooca-VilaCarioca, reafirmandoasOUCentro,ÁguaBrancaeRioVerdeJacu(antigaJacu-Pêssego).AsOULapa-BráseMooca-Vila Carioca (PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO,2015a)englobaramoutras,anteriormenteprevistas,eforampropostasparareocupar antigos terrenos industriais e o entorno das vias férreas,adensando-os. Essa reestruturação deveria alcançar uma escalametropolitana,comasuperaçãodabarreiradaferrovia,mudandoosusosdasáreasindustriais.Taisaçõesvisavamexpandirosistemadeconexõesleste/oeste, condicionado por poucas ligações viárias restritivas. Nessemomento, tiveram início um debate e a proposta de estratégias einstrumentospara repensaras formasconsagradasatéentãodeocupaçãodosoloeparaaproduçãodeumacidadeinclusivaemaisjusta,combaseemumacrescenteconscientizaçãodesuasváriasescalas,damobilidadeetransformação do solo, prevendo ZEIS e produção de HIS a partir dascontrapartidasobtidascomaoperação.

Esseinstrumento,emtese,contrabalançariaaprioridadeàconstruçãoelitistapropostaparaoseixos.CandidoMaltaCamposFilho(2015,p.7)lembraqueé

FalsodizerqueessePlanoDiretor[PDEde2014],querobemdacidade,se aumenta os custos de sua construção e operação, ao superadensaracimadacapacidadede suportedo sistemadecirculação, exigindo,porconseguinte, o modo mais caro de todos para atendê-la que é o metrôsubterrâneo, quando poderia priorizar o adensamento no entorno dasferrovias,quepropiciaomodomaisbaratodetodosquesãoosmetrôsdesuperfície aperfeiçoando os trens da CPTM. E gerando os CorredoresMetropolitanos, um partido urbanístico que integra a metrópole e levaparaaperiferiacentralidadesdequalidademetropolitana.Poressarazão,orlasferroviáriassetornaramobjetodeinteresseede

novas OU, desde 2009, e apresentam-se ainda hoje atraentes a umatransformaçãoquevemsendopaulatinamenteequasequeexclusivamenteempreendidapelomercadoimobiliário,quealipassouaatuar:oprocessofoi estimulado pelo deslocamento de plantas industriais e galpõesdestinadosaatividadesafins.

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Trata-se de áreas urbanas consolidadas, dotadas de infraestrutura eequipamentos,cujatransformaçãodeusosliberaterrenosquedespertamointeresse imobiliário – espaços em que um possível adensamentoconstrutivo ocupa o lugar de um movimento inicial de redução dapopulação moradora causado pela degradação, devendo atrairempreendimentosresidenciais,comércioeserviços.Comoumaformadeocuparáreasociosas,oestímuloàmaiordensidadepodesercompreendidocomo um recurso de aprimoramento do sistema de mobilidade, comreduçãodotempogastoemdeslocamentos.

OnovoPlanoDiretordeSãoPaulo(Leinº16.050/2014)sepretendehumanista,visandoaoequilíbriodoterritório,porusarderecursosque,emtese, aproximam emprego e moradia, o que se considera ummeio parareequilibraracidade.Elencadiretrizesparaorientarodesenvolvimentoeocrescimentodacidade,comgrandeênfasenasproximidadesdotransportepúblico–oseixosdescritos.

OPDEde2014procuraadotarintegralmenteaPNMU(LeiFederalnº12.587/2012), o transporte coletivo sobre o individual e adoção demodalidades não motorizadas. No capítulo V, propõe que o sistema demobilidade é uma necessária articulação entre todos os modais detransporte,dealtaemédiacapacidades,trilhosecorredoresdeônibus,eopapel estrutural do sistema de mobilidade (FRANCO, 2015). Mas, aoproduziroseixos,põeatônicadasintervençõesurbanasnaedificação,navenda de recursos para verticalizar sem verdadeiramente adensar,favorecendo determinados estratos sociais pela proximidade e pelasvantagensoferecidaspeloscorredoresdetransporte.

CONSIDERAÇÕES SOBRE OS MECANISMOS DETRANSFORMAÇÃO URBANA APRESENTADOS

Tanto o atual PDE e quanto a Lei de Uso e Parcelamento do Soloapostam que o adensamento e o uso múltiplo como forma detransformaçãourbanapoderãoocorrerconjuntamentecomoinvestimentona complexa rede de transportes públicos. O possível adensamento aolongo de eixos de estruturação urbana superaria as desvantagens deesvaziamentodocentroexpandido,reocupandotambémáreasurbanasaonorte,suleleste.

Mobilidade e transporte rodoviarista não se confundem: o efeitoprometidopelasOUeporoutrosmecanismosde transformação induzida

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comooseixosdetransformaçãourbanapodeseropostoaoquesinalizamcomo um benefício: melhorias de conectividade podem servirexclusivamente à criação e ampliação de avenidas e pontes, parareproduziro fluxodeveículos,comoobservaRolnik (2010).Trata-sedeumadistorçãodosobjetivosdasOUCedoseixosquepode reduzi-los ànegociação de potencial construtivo e resgate de outorga onerosa,permitindoaconstruçãoacimadocoeficientedeaproveitamentopermitidopela Luos para reverter em infraestrutura (mecanismo de exceção),apostando em contrapartidas usadas eminentemente para custear obrasviárias.Essaênfasenoviárioeaindefiniçãodeinstrumentosquevinculemosrecursosaoterritórioeàpossibilidadedeadensarparaclassesdebaixarenda(HIS)fragilizamapolíticademobilidade.AsCotasdeSolidariedadeaindaemprevisãoe regulamentaçãopodemamenizaroproblema,masainexistência de projetos urbanos ou quase nenhuma ênfase neles,redesenhandoas superfícies emsuaqualidadeambiental total, tambéméumpontofrágil.

Quanto à reversão do esvaziamento de áreas em transformação eadensamento,verifica-seque,emmuitoscasos,asáreasdasOUperderampopulação: “Pinheiros (que teve 94 mil moradores e hoje tem 65 mil),ItaimBibieMoema,assimcomooutrosbairros(queestãoforadessetipode operações, mas se transformaram sob o mesmo modelo de‘adensamento’), perderam população desde que se verticalizaram”(ROLNIK, 2010), sinalizando que a prática e o estímulo à ação domercadoimobiliárionãogarantemareversãodoquadrodeestagnaçãodedeterminadas área para a criação de emprego e renda, e atração depopulação.

Avalorizaçãodesologeradapormelhoramentosinfraestruturais,emáreasdeOUe,possivelmente,noseixosdeestruturaçãourbana,acarretapreços da terra elevados, excluindo favelas e residências de padrão derenda mais baixo, que cedem passo à ação discricionária de um poderpúblicoquecontrariaapráticaprevistaporessesinstrumentos,impedindoo benefício dos menos favorecidos no jogo das forças de produção doespaço urbano. O adensamento relativo convive com garagens econdomínios que ofertam mais de uma vaga para veículos,impermeabilização do solo garagens subterrâneas, maior afluxo deveículos,sacrifíciodacapacidadedesuportedasviasebaixadensidadedosolo–excluindoosquecontinuamviajandohorasdiáriasparachegaraolocal de trabalho e contrariando omodelo de cidade compacta, já que o

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preçodosoloedos imóveisnasáreaspassíveisde intervençõeseleva-seprogressivamente(ROLNIK,2010).

Um repovoamento includente e a reversão de um modelo demobilidade perverso implicam instrumentos urbanísticos e de gestão dosolourbanoqueatendamaoutrosdeterminantes,quenãoexclusivamenteaprodutividadeeconômicadosoloesuavalorização.

Aexpectativa de equidadeprevista peloEstatuto daCidadepoderiaconsiderar as OU e os eixos de transformação urbana instrumentosvalorizados, verdadeiros meios de requalificação de áreas estratégicas:uma transformação orquestrada por interesses múltiplos e includentes,associando-seaprojetosurbanos.Assimsepromoveriamarenovaçãodepadrões urbanísticos diversidade de usos e tipologias arquitetônicas, e oresgate,comofieldabalança,daproduçãodeHISemáreaslocalizadasembairrosmuitoacessíveis,situadosemáreascentrais,comespaçospúblicosdequalidade.Tais práticas e objetivos vêm sendomenosvalorizadosdoque a construção de área adicional, o que certamente prioriza, uma vezmais,ademandadomercadoimobiliário.

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1 A noção de projeto urbano implica intervenções flexibilizadas, em processo,com efeitos socioterritoriais complexos previstos (ABASCAL; BILBAO,2014); valoriza o projeto como instrumento para o desenvolvimento local etransformação do espaço urbano. Envolve um desenho-conceito, imbricadocom relações socioeconômicas e ambientais, articulando-se a sistemas degestão e instrumentos urbanísticos, como OUC e AIU.

2 Área central corresponde aqui ao denominado centro expandido, ao redordo centro histórico. É delimitada pelo chamado minianel viário: MarginaisTietê e Pinheiros, avenidas Salim Farah Maluf, Afonso d’EscragnolleTaunay, Bandeirantes, Juntas Provisórias, Presidente Tancredo Neves,Luís Inácio de Anhaia Melo e o Complexo Viário Maria Maluf(PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, 2015c).

3 O atual Plano Diretor foi aprovado em 30 de junho de 2014 e sancionadoem 31 de julho pelo então prefeito Fernando Haddad (Partido dosTrabalhadores). A Lei nº 16.050/2014 apresenta diretrizes para odesenvolvimento e o crescimento urbano nos próximos 16 anos(PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, 2015c).

4 De acordo com a Caixa Econômica Federal, “Iniciativa do Governo Federalque oferece condições atrativas para o financiamento de moradias nasáreas urbanas para famílias de baixa renda. Em parceria com estados,municípios, empresas e entidades sem fins lucrativos”. Disponível em:<http://www.caixa.gov.br/voce/habitacao/minha-casa-minha-vida/urbana/Paginas/default.aspx>. Acesso em: 10 out. 2015.

5 Segundo a Prefeitura Municipal de São Paulo, “Habitação de InteresseSocial – HIS corresponde àquela destinada a família com renda igual ouinferior a 6 (seis) salários mínimos, de promoção pública ou conveniada aoPoder Público, nos termos do disposto no Capítulo IV do decreto44.667/04”; “Habitação de Mercado Popular – HMP corresponde àqueladestinada à família com renda igual ou inferior a 16 (dezesseis) salários

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mínimos, de promoção privada, nos termos do disposto no Capítulo VI doDecreto 44.667/04”. Disponível em:<http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/licenciamentos/servicos/index.php?p=154015>. Acesso em: 12 out. 2015.

6 “Trata-se basicamente de combater a ociosidade de imóveis nas regiões dacidade dotadas de infraestrura básica. Tal ociosidade normalmente decorrede atitudes especulativas, quando os proprietários aguardam condiçõesvantajosas financeiramente para comercializá-los. Enquanto isso, o preçoda terra sobe no mercado imobiliário, pela falta de oferta, encarecendoigualmente os produtos (unidades habitacionais, especialmente, mas o usocomercial de pequeno porte também). Além disso, tais imóveis degradam oentorno onde se localizam, quando a limpeza e manutenção não é feitapelos proprietários. Em suma, o poder público notifica os proprietários paraque, no prazo de um ano, apresente projeto de edificação no terreno, ouainda de ocupação da construção, quando esta já existe. Não cumprida talobrigação, ai então entra em cena o IPTU progressivo, até que ela sejaatendida.” Disponível em: <http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/2179-2/>. Acesso em: 4 nov. 2015.

7 “O Projeto de Lei do Plano Diretor Estratégico (PDE) amplia osinstrumentos de planejamento urbano e habitacional no municípiodirecionado para o cumprimento das funções sociais da propriedade e dacidade na medida em que estabelece a Cota de Solidariedade. Este novoinstrumento que deverá ser regulamentado no prazo de 12 meses após aaprovação do novo PDE, por meio de Lei específica, cria condições paraque sejam definidos mecanismos de contrapartida para o licenciamento degrandes empreendimentos imobiliários e/ouprojetos urbanos com o objetivo de ampliar a produção de Habitações deInteresse Social”, além de prever que grandes empreendimentos sejamresponsáveis por, no mínimo, 10% de moradias para a população de baixae média rendas. Disponível em:<http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/novo-pde-cota-de-solidariedade/>.Acesso em: 4 nov. 2015.

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7DIREITO E MOBILIDADE URBANA

SUSTENTÁVEL

SolangeTelesdaSilva

INTRODUÇÃOA problemática da mobilidade urbana sustentável insere-se no

contextodoexercíciodosdireitoscidadãosedaspossibilidadesoferecidasparaasuamovimentaçãonoespaçourbano1.AquioEstadotemumpapelfundamentaldeasseguraratodoseatodasascondiçõesnecessáriasparaquepossamsemovimentar,easdiscussõessobremobilidade/imobilidade,além de um componente geográfico, têm um componente social(SANTOS,2011,p.166).

Realizar a análise dessa temática sob o prisma da sustentabilidadesignificasedebruçarsobreospróprioslimitesdamobilidadeurbana,quaissejam, limites ecológicos, impostos pelo esgotamento dos combustíveisfósseis; limites econômicos, decorrentes do próprio aumento dos preçosdos combustíveis; e limites físicos das próprias cidades que acabamreduzindoosespaçosdestinadosamovimentaçãodaspessoasecargas.

O objetivo deste capítulo é realizar uma análise da temática damobilidade urbana sustentável, considerando os seus limites e aspossibilidades de concretização, a partir das discussões iniciadas no 1ºEncontro Internacional de Direito Administrativo Contemporâneo e osDesafiosdaSustentabilidade–MobilidadeUrbana,realizadoemsetembrode2015naUniversidadePresbiterianaMackenzie.

Assim, avisão tradicionaldemobilidade,qual seja, ade transporte,não será objeto específico do presente estudo, mas buscar-se-ácompreender,paraalémda lógicade infraestrutura,custoseorganizaçãodosmodosdetransporte,arelaçãoentredireitos,ascidadeseamobilidade

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inseridos em um projeto de desenvolvimento urbano, no qual aacessibilidade a diferentes locais deve constituir parte integrante deumalógicasustentáveledeafirmaçãodosdireitoscidadãos.

MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL, AEMERGÊNCIA DE UM CONCEITO

Oconceitodemobilidadeurbanasustentáveldevesercompreendidoapartirdeumnovoenfoquequeemergegradativamentecomoobjetivodereestabelecer “a capacidade de agir sobre o urbanismo e a gestão dodesenvolvimentodosespaçosurbanos” (BOURDAGES;CHAMPAGNE,2012). Como então analisar a sustentabilidade aplicada à mobilidadeurbana? No fundamento dessa ideia, encontra-se o próprio conceito dedesenvolvimentosustentávelquepodeseranalisadoapartirdediferentesconcepções. Entretanto, o relatório Nosso futuro comum, tambémconhecido como Relatório Brundtland, ao alertar em 1987 contra apermanênciadosmodelosepadrõesdeproduçãoeconsumo,enunciouetornou popular a fórmula canônica do desenvolvimento sustentável,definindo-ocomo

Aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer apossibilidade de as gerações futuras atenderem as suas própriasnecessidades. Ele contém dois conceitos chave: o conceito de“necessidades”, sobretudo as necessidades essenciais dos pobres domundo,quedevemreceberamáximaprioridade;anoçãodas limitaçõesque o estágio da tecnologia e da organização social impõe no meioambiente, impedindo-o de atender as necessidades presentes e futuras(COMISSÃO MUNDIAL SOBRE O MEIO AMBIENTE EDESENVOLVIMENTO,1991).Apesar da diversidade de definições da expressão desenvolvimento

sustentável,afórmulaenunciadaindicaduasideias-chaveconsiderandoasgeraçõespresentesefuturas:ajustiçasocialeoslimitestecnológicos.Issoconduzàanálise,porumlado,daquestãodanecessidadedareduçãodosníveisdepobrezaeconcretizaçãodosdireitossociaisconsagradosnotextoconstitucional brasileiro, entre os quais se encontra o direito aotransporte2.Poroutrolado,essadefiniçãodedesenvolvimentosustentáveltambém indica a necessidade de investimentos em educação, ciência e

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tecnologias, aplicadas “para identificar, evitar e combater os riscosambientais, para resolver os problemas do meio ambiente e, de modogeral, para o bem comum da humanidade”3, encontrando-se, entre taisproblemas,odamobilidadeurbana4.

Assim, o conceito de desenvolvimento sustentável aplicado àmobilidade urbana conduz a uma reflexão sobre a necessidade deconsideraracidadesustentáveleoacessoàmobilidade,preservando-seosbenefícios relacionados a ela e reduzindo-se os impactos do transporte,bem como investimentos no planejamento do desenvolvimento dosespaços urbanos e em educação. Tal qual ressaltam Bourdages eChampagne(2012),oconceitodemobilidadeurbanasustentávelfavorece“a emergência de uma cultura e hábitos diferentes de consumo e demobilidade nos planos local, nacional e global”. O direito àmobilidadesustentávelpode,portanto,seranalisadoapartirdessestrêsprismas.

DIREITO À MOBILIDADE SUSTENTÁVELAlgumasquestões surgemquandosediscuteodireitoàmobilidade.

Em primeiro lugar, esse direito considera a possibilidade de acessar asoportunidadesemumacidade, educaçãoeemprego (BOCAREJO, 2011,p.98).Emoutraspalavras,discutirodireitoàmobilidadeérealizarumaanálise de seu alcance, quer dizer, das desigualdades provocadas pelasdiferenças em matéria de acessibilidade. É possível constatar taisdesigualdades quando se observam, por exemplo, os quilômetrospercorridosporumindivíduo.DeacordocomdadosdapesquisaOrigemeDestinodaRegiãoMetropolitanadeSãoPaulode2007,“Arendafamiliaré a principal variável relacionada à mobilidade. Quanto maior a rendafamiliar, maior o número de viagens diárias realizadas por pessoa”(DIRETORIA DE PLANEJAMENTO E EXPANSÃO DOSTRANSPORTESMETROPOLITANOS, 2008, p. 23).As populações debaixa renda em grandesmetrópoles brasileiras “estão sendo privadas doacesso aos serviços de transporte coletivo [...] [e tal] privação contribuipara a redução de oportunidades [...]” (GOMIDE, 2006, p. 242). Aacessibilidade deve propiciar inclusão e não o contrário5. Isso conduz,portanto,arepensaroprópriodesenvolvimentodascidades.

Em segundo lugar, há a necessidade de preservar os benefíciosrelacionadoscomamobilidade,oquesignifica,porexemplo,estabelecer

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outrasformasdemobilidade,comoamobilidadevirtualquepodesubstituiramobilidadefísica.Alémdisso,aredução dos impactos do transporte passa certamente por priorizar osmodosdetransportenãomotorizadoseotransportepúblicocoletivo.

Como então isso se dá nas esferas local e nacional ou ainda sob oprismaglobal?Hánormas jurídicasque fomentama sustentabilidadeemtermos demobilidade urbana, assegurando inclusão social e fomentandooutras formas de mobilidade? A mobilidade urbana é concebidaisoladamenteouhámecanismosdearticulaçãoentreaspolíticaspúblicasterritoriais, energéticas, ambientais e tecnológicas? Essas são algumasindagaçõesquenortearãoapresenteanálise.

DIREITO À MOBILIDADE SUSTENTÁVEL SOB OSPRISMAS LOCAL E NACIONAL

Nas cidades brasileiras, a partir da década de 1960, ocorreu umagrande transformação na mobilidade das pessoas, reflexo do intensoprocesso de urbanização que se associou a um aumento significativo dousodeveículosmotorizados.Apartirdadécadade1980,observou-se.nasgrandesregiõesmetropolitanas,umaquedanousodotransportepúblicoeum aumento do uso do automóvel (VASCONCELLOS; CARVALHO;PEREIRA,2011).Observe-sequeumapolíticade subsídiosdiretosparaosautomóveisfoiadotadatantopelosgovernosfederais,comareduçãodoImposto sobre Produto Industrializado (IPI) – para veículos de baixacilindrada–,comopelosgovernoslocais,comestacionamentogratuitonasviaspúblicas.Jánoquedizrespeitoaotransportedecargas,apreferênciadadaao transporte rodoviário iniciou-secomaConstituiçãode1934quedirecionou esforços para construção de rodovias no país. Como entãodiantedessecontextohistóricoseestruturouodireitoàmobilidadeurbanasustentávelnoBrasil?

Observe-se que as discussões sobre direito ao meio ambienteecologicamente equilibrado, direito à cidade, direito ao transporte emobilidade sustentávelganharam forçaapartirdo finaldosanos1980eemparticularcomapromulgaçãodaConstituiçãode1988.Essasreflexõesse fortaleceram a partir da estruturação de políticas públicas emmatériaambiental, cidades e transportes, notadamente com a adoção daEmendaConstitucionalnº90/2015.

Assim, na esfera constitucional, o direito de todos de viver em um

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meio ambiente ecologicamente equilibrado e o direito ao transporte,ambos direitos sociais, podem ser analisados comodireitos de prestaçãopositivaporpartedoEstado,oquesignificaqueaeleincumbeaçõesparapropiciar amelhoria das condições de vida e demobilidade nas cidadesbrasileiras. Destaque-se que a Emenda Constitucional nº 90/2015 –PropostadeEmendaàConstituição(PEC)nº74/2013–oriundadaPECnº90/2011,dadeputadafederalLuizaErundina,aopropornovaredaçãoaoartigo6ºdotextoconstitucionalparaintroduzirotransportecomodireitosocial,justificoutalinserçãoemrazãodotransporteconstituirum

Vetor de desenvolvimento relacionado à produtividade e à qualidade devida da população. [...] [destacando-se] na sociedade moderna pelarelação com a mobilidade das pessoas, a oferta e o acesso aos bens eserviços. [...] [O] transporte, notadamente o público, cumpre funçãosocialvital,umavezqueomaioroumenoracessoaosmeiosdetransportepodetornar-sedeterminanteàprópriaemancipaçãosocialeobem-estardaqueles segmentos que não possuem meios próprios de locomoção(PROPOSTADEEMENDAÀCONSTITUIÇÃOORIGINAL,2015).Énecessárioteremmentequeamobilidadeurbananãoseresumea

umproblemade transportes ou aodireito ao transporte.Ela relaciona-secom a própria edificação das cidades e gestão sustentável dos espaçosurbanos,oquedemandaumaconcepçãotransversaldepolíticaspúblicasapartirdeumaconcepçãodecidadania edo território como“formade sealcançarumprojetosocialigualitário”(SANTOS,2011,p.204).

Assim, a Política Nacional de Mobilidade Urbana, ao definirmobilidadeurbana,considera-acomoascondiçõesemqueserealizamosdeslocamentosdepessoasecargasnoespaçourbano(artigo4º,II,daLeinº12.587/2012)eestabelecealgunsprincípiosaseremobservados,entreosquais: (1)odesenvolvimentosustentáveldascidadese(2)aequidadetantonoacessodoscidadãosaotransportepúblicocoletivocomonousodoespaçopúblicodecirculação,viaselogradouros.

Odesenvolvimentosustentável,portanto,éconcebidoaquicomoumprincípionorteadordodesenvolvimentodasprópriascidades.Trata-sedeum desafio para o país: transformar padrões de produção e consumoinsustentáveis e implementar políticas públicas que rompam com ainjustiça socioambiental, considerando os limites tecnológicos. Nessesentido,odesenvolvimentosustentáveldascidadesdevesercompreendido

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comoumprocesso cuja realizaçãodeve serprogressivapara asseguraroprópriodireitoacidadessustentáveis6eamobilidadeurbanasustentável.Entretanto, enquanto essa discussão não permear as demais políticaspúblicas, impondo-se refletir sobre a complexidade das questões sociais,ambientais e econômicas nas sociedades contemporâneas, estaremosapenasconsiderandoa“pontadoiceberg”.

Anecessidadedeassegurarequidadetantonoacessodoscidadãosaotransportepúblicocoletivocomonousodoespaçopúblicodecirculação,vias e logradouros, estabelecida na Política Nacional de MobilidadeUrbana como princípio, indica o reconhecimento das profundasdesigualdadesnoacessoaotransporteeusodoespaçopúbliconascidadesbrasileiras.Écertoque,emcertamedida,háalteraçõesemcurso:medidasvêm sendo adotadas, como a instalação de ciclovias, ciclofaixas,ciclorrotasouaindaciclofaixasdelazer.

Todavia, sem ter a ingenuidade de que apenasmedidas pontuais oupolíticasde transportepodemasseguraramobilidadeurbanasustentável,há estratégias a serem desenvolvidas, e elas devem ser complementadaspor políticas e ações em matéria de infraestrutura, inclusão social eredução dos níveis de pobreza, moradia e ordenamento territorial(GAKENHEIMER,1994,p.336)7,energiaeinovaçõestecnológicas.

Dentre as discussões realizadas no 1º Encontro Internacional deDireitoAdministrativoContemporâneoeosDesafiosdaSustentabilidade–MobilidadeUrbana,considerando-seaacessibilidadenosentidoamplo,ou seja, sem gerar exclusão,mas possibilitando o exercício dos direitoscidadãos,algumaspistasdereflexõesforamapresentadas,comoousodasbicicletaseomodoapénascidadesdoséculoXXI;anecessidadedeumaavaliação ambiental estratégica em matéria de infraestruturas detransportes, como no caso do Rodoanel em São Paulo; a relação entreurbanismo e mobilidade urbana, refletindo a necessidade de equilíbrioentreosterritóriosdacidade.

Emsuma,comonãoháumaúnicasoluçãoemtermosdemobilidadeurbana,cabeàspolíticaspúblicaspropiciarcondiçõesparaoflorescimentodealternativassustentáveisparaamobilidadenoespaçourbano.

DIREITO À MOBILIDADE SUSTENTÁVEL SOB OPRISMA GLOBAL

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Soboprismaglobal,odireitoàmobilidadesustentáveltrazdesafios,notadamente quando se consideram a política energética, o uso decombustíveis fósseis e a mudança climática. Em realidade, oscompromissos assumidos internacionalmente pelo Brasil no contexto damudança climática podem auxiliar no desenvolvimento do direito àmobilidade sustentável, namedida em que, para que sejam atingidas asmetas acordadas, deverá ocorrer uma alteração substancial no modo dedeslocamento dos cidadãos. No Brasil, observa-se que o setor detransporteéaquelequemaiscontribuiparaasemissõesdegasesdeefeitoestufaqueresultamdousodeenergia.Entretanto,essaalteraçãonãodevecontribuirparaoimobilismodeparcelamaiscarentedapopulação.

Noquediz respeitoàPolíticaNacionaldeMudançadoClima,a leiqueestabeleceuessapolítica,Leinº12.187/2009,adotoucomoprincípios:odaprecauçãoedodesenvolvimentosustentável,entreoutros.Entretanto,ocorreramvetos a algunsde seus artigos, entreosquais odo artigoqueestabeleciacomoumadesuasdiretrizesoestímuloaodesenvolvimentoeao uso de tecnologias limpas, e o paulatino abandono do uso de fontesenergéticas que utilizassem combustíveis fósseis (artigo 4º, III). Por suavez, aPolíticaNacionaldeMobilidadeUrbanaadotacomoumade suasdiretrizesaprioridadedosmodosdetransportesnãomotorizadossobreosmotorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre otransporteindividualmotorizado,ou,emoutraspalavras,estimula-seanãoutilização de combustíveis fósseis, uma vez que a prioridade é dada aosmodos de transporte que se utilizam do esforço humano ou da traçãoanimal. Aqui estaria uma contradição entre as políticas de mudançaclimáticaedemobilidadeurbana.Esseéapenasumdosexemplosdanãoarticulaçãodepolíticaspúblicas.

Enfim,paraatingirosobjetivosdaPolíticaNacionaldeMudançadoClima, adotou-se uma série de instrumentos, entre os quais os planossetoriais demitigação e de adaptação àmudançado clima, como:PlanoDecenaldeExpansãodeEnergia(PDE)ePlanoSetorialdeTransporteedeMobilidadeUrbanaparaMitigaçãoeAdaptaçãoàMudançadoClima(PSTM). O PDE apresenta uma meta geral em relação à expansão daprodução de biocombustíveis para substituir os combustíveis fósseis.Todavia, há de se salientar que a produção de biocombustíveis deve serrealizadasemqueocorraumaalteraçãonegativadousodaterra,ouseja,semquehajadesmatamento.JáoPSTMressalta

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[...] a importância de planejar e investir em modos de transporte maiseficientes energeticamente, e criar condições objetivas para melhorar aeficiênciaenergética,tantodosmodosdetransportedecargasquantodepassageiros,esseúltimo,focadonaquiloqueéumdosgrandesdesafiosdopaís,amelhoriadotransportepúblicoedamobilidadeurbana (BRASIL,2013).Contudo, apesar de esse plano tratar da melhoria da mobilidade

urbana,nãoapresentametasaseremalcançadas.Éimportanteressaltaraindaqueadiscussãosobremobilidadeurbana

sustentável se insereno contextode “descarbonização”das cidades– aomenos dos centros urbanos.Aqui, podem-se discutir as prospectivas dascidades “pós-carbono” que deverão enfrentar fundamentalmente trêsquestões:(1)aindependênciavis-à-visdasenergiasfósseis,(2)areduçãodrásticadosgasesdeefeitoestufae(3)aadaptaçãoàmudançaclimática(VIDALENC et al., 2013). Essas questões devem ser enfrentadasigualmente a partir de uma prática cidadã, de concretização dos direitoscidadãos.

CONSIDERAÇÕES FINAISÉcertoqueostransportesemcomumcontinuamaestarnocentrodas

discussõessobremobilidadeurbana,nãoexistindoumasoluçãoúnicaparaessa questão. Há a necessidade de estabelecer uma lógica detransversalidade entre políticas públicas, notadamente a energética,ambiental,territorialetecnológica,paraqueosesforçosestejamvoltadosaassegurar a todos e a todas o direito à mobilidade urbana sustentável apartir do prisma do exercício dos direitos cidadãos. Nesse sentido,incumbe ao Poder Público fornecer condições mínimas para odesenvolvimento da mobilidade urbana sustentável, e à coletividade, opapeldeatuarpara a conscientizaçãoe alteraçãodacultura edehábitosdiferentes de consumo e demobilidade no espaço urbano. Aqui podemganharrelevodiscussõessobreamobilidadevirtual,areinvençãodenovasformasdevivereopapeldodireito.

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d’articulation entre prospective et modélisation Les Cahiers duDéveloppementUrbainDurable, n. 15, p. 177-194, fév. 2013. 1 “Não há cidade sem movimento, nem sociedade que prescinda das

interações entre os seus membros” (SILVA, 2013, p. 383).2 O direito à mobilidade é mais amplo que o direito ao transporte. Cf. infra.3 Princípio 18 da Declaração das Nações Unidas sobre Meio Ambiente

Humano – Declaração de Estocolmo 19724 “Não se nega que os desafios que o futuro da mobilidade urbana coloca são

complexos, nem que os problemas, que urge resolver nesse domínio,exigem modos de atuar e meios que nem sempre são fáceis de instituir emobilizar. Mas o que sabemos é que o caminho trilhado até agora só podeconduzir ao agravar dos problemas ambientais, urbanos e sociais.Sabemos também que outros conseguiram, senão superá-loscompletamente, pelo menos inverter a tendência e pôr em prática soluçõesinovadoras e socialmente aceites, que apontam para futuros maispromissores, qualquer que seja a latitude que estivermos a considerar. Oprincipal problema que tiveram de enfrentar foi o dos ‘poderes instituídos’ evencer a ‘preguiça mental’ em analisar os problemas nas suas diferentesvertentes e pensar soluções que melhor respondam aos objetivos a atingir.Isso, se bem que difícil, está certamente ao alcance dos conhecimentos edas tecnologias de que hoje dispomos!” (SILVA, 2013, p. 385).

5 “A mobilidade das pessoas é, afinal, um direito ou um prêmio, umaprerrogativa permanente ou uma benesse ocasional? Como, há linhas deônibus rentáveis e outras não, a própria existência dos transportescoletivos depende de arranjos nem sempre bem-sucedidos e nem sempreclaros entre o poder público e as concessionárias. Aliás, com o estímuloaos meios de transporte individuais, as políticas públicas praticamentedeterminam a instalação de um sistema que impede o florescimento dostransportes coletivos. Enquanto isso, o planejamento urbano convencionaltrabalha a partir das mesmas falsas premissas e fica dando voltas em tornode si mesmo, sem encontrar uma saída que seja de interesse dapopulação” (SANTOS, 2011, p. 124).

6 O direito à cidade sustentável, de acordo com o Estatuto da Cidade, deveser “entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamentoambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos,ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações” (artigo 2º, I,da Lei nº 10.257/2001).

7 Gakenheimer (1994) aponta seis estratégias para as políticas urbanas nosetor de transportes em megacidades que devem responder, notadamente,às seguintes indagações: “Como melhorar os preços e financiamento dotransporte urbano?”, “Como escolher os meios de transporte público?”,

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“Como controlar o uso dos automóveis?”, “Como melhorar a mobilidadepara a parcela da população mais carente?” e “Como proteger o meioambiente por meio do transporte público?”.

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8O NOVO MARCO JURÍDICO DA

MOBILIDADE NA CIDADE DO MÉXICO

BernardoNavarroBenitezJoséRamónHernandezRodriguez

INTRODUÇÃONasprincipais cidadesdoplaneta,odireitoàmobilidadeéumadas

questões mais destacadas na discussão atual. Embora as interpretaçõesrelativasaessaimportantequestãovariemconsideravelmenteentrepaíses,cidades e especialistas, a relevância do fenômeno da mobilidade éindiscutível nas vastas, complexas e polarizadasmetrópoles daAméricaLatina.

Portanto, émuita acertada a sua inclusão pelos organizadores desteimportante encontro internacional sobre as temáticas do espaço, daequidade e do meio ambiente, uma vez que estas são referênciasfundamentais para compreender, em sua dimensão exata, a realidade daestratificada mobilidade existente nas grandes metrópoles de nossosubcontinente.

A seguir, apresentamos as questões relevantes que deverão serincluídasnessadiscussão:

•Dequecidadesestamosfalando?•Quemobilidade(s)estamosconsiderando?•Qualéocontextoinstitucionaldasnossascidades?•Aquedemandasenecessidadessociaisdevemosresponder?• Devemos renunciar às aspirações de uma mobilidade ideal diante darealidade complexa e contraditória dos deslocamentos, da degradaçãoambiental,daeconomiaedascondiçõessociaisprevalecentesemnossos

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países?

DESENVOLVIMENTOTransporte e mobilidade metropolitanos

ACidade doMéxico e sua áreametropolitana constituem uma dasáreas urbanas mais populosas do mundo. Seu crescimento horizontal,extensoedescontínuo,queseacentuounosúltimos lustros,emconjuntocomanotávelseparaçãoterritorialdasatividadessociaiseeconômicas,e,portanto, dos usos do solo, provocou a necessidade de grandes, caros eineficientes deslocamentos para a circulação de pessoas, mercadorias,documentosevaloresdentrodeseuterritório.

Essa problemática é particularmente aguda para a maioria dapopulação que vive na periferia do Distrito Federal, como se designa acapital mexicana, e dosmunicípios metropolitanos. As pessoas utilizamvários meios de transporte público, algo em torno de 3,5 segundo apesquisa“Origem-Destino2007”,paraumdeslocamentocompleto,muitasvezes,especialmentenaorigemdaviagem,emveículoscomasseguintescaracterísticas: obsolescência, desconforto, alto custo para o usuário,elevadosimpactosdepoluiçãoeinsegurança1.

ODistritoFederaléocoraçãodamegalópoleedesempenhaumpapelfundamentalcomoáreaqueproporcionaempregoeserviçosparaaseoshabitantes de toda a área metropolitana. Isso faz com que a Cidade doMéxico atraia, das viagens metropolitanas, uma maior proporção dedeslocamentospormotivosde trabalhoeestudo,emcomparaçãocomosmunicípiosvizinhos2.

O transporte coletivo é predominante nos deslocamentos, com 60%dasviagensmotorizadasmetropolitanas.NoterritóriodoDistritoFederal,essaproporçãoémenorporcausadopesodosseusserviçospúblicosdetransporte – Sistema de Transporte Colectivo-Metrô, Serviços deTransportes Elétricos,Metrobús eRede de Transporte de Passageiros –,mas certamente o transporte coletivo segue prevalecendo no transporteurbano,comumafrotapertode25milveículos.Noentanto,osveículosque dominam do serviço de transporte coletivo, os micro-ônibus,apresentam um alto grau de obsolescência, insegurança na operação eimpactosambientaisnegativos.Aproeminênciadessesveículosdebaixacapacidade(Kombisemicro-ônibus)notransportepúblicodenossacidade

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foi consequência da implementação de políticas neoliberais de ajusteestrutural introduzidas pelas últimas “regências”, provocando adesregulamentação dos principais transportes públicos, a retirada daparticipaçãoestataldiretanosserviçosdetransportepúblicodeônibusdepassageiros pelo desaparecimento da Ruta-100, decretada em 1995, quecobriacomeficiênciaasnecessidadesdetrasladodesseserviço,comcercadequatromilônibusemumaredeortogonal.Foramigualmenteremovidosos serviços estatais do Estado do México, que tornavam possível àsusuárias e aos usuários fazer transferências de troncos para tarifasrazoáveis,emônibusmodernosecombaixosimpactosambientais.

SERVIÇOS ALTERNATIVOS E FRAGMENTADOSUma consequência dessas políticas neoliberais foi a proliferação de

alternativas de baixa capacidade, inicialmente Kombis, que depoisevoluíramparamicro-ônibus,paracobriros trajetosdeônibusdaextintaRuta-100. Esse serviço coletivo de baixa capacidade expandiu-severtiginosamenteapartirde1993ealcançouasuapredominânciaabsolutanasúltimasduasregências,quandochegouaumafrotademaisde30milveículos. Desde suas origens, a organização do transporte públicocaracterizou-sepela fragmentação,estruturaartesanalepeloalinhamentocorporativodesuasliderançasaopartidohegemônicodaépoca.

A promoção e valorização do transporte coletivo sustentável e suaadequadagestão,regulação,planejamentoemodernizaçãosãocruciaisnãosóparaamaioriadasusuáriasedosusuáriosdenossacidade,masparaoconjuntodoscidadãos,jáqueamelhoradesseserviçoaumentaaqualidadede vida deles. Falamos de reduzir congestionamentos, utilizar maisapropriadamentearedeviária,melhoraraconvivêncianoespaçopúblicoeelevar a qualidade domeio ambiente, pela diminuição dos geradores depoluiçãoambiental.

Praticamente apenas uma quarta parte dos trechos das viagensrealizadasemnossacidadeéfeitaporautomóveis,masestesocupammaisde 90% da frota de veículos3. Essa proporção exagerada de veículosparticularesresultaemaumentodotráfego,gravescongestionamentos,problemasdeconvivêncianasviaspúblicasegravesimpactosambientaispor causa da exagerada movimentação de automóveis. O peso e aimportância desses veículos nos traslados não são exclusivos da nossametrópole, mas respondem a um fenômeno global no qual a indústria

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automobilísticatemumpapelfundamental.ParticularmentenoMéxico,amontagemdeveículosautomotorestornou-seumdospilaresdaindústriaedas exportações nacionais, e osmercados significativos que representamsuasprincipais cidades constituemumelementoprimordial (GOVERNOFEDERAL;PRÓ-MÉXICO;AMIA –Associaçãomexicana da indústriaautomotriz,2013).

Só na região metropolitana do Vale doMéxico, o crescimento dasvendasdecarrosnovosmanteve-seentre200mile250milunidades,emmédia, desde o início do novo milênio. Certamente, esse crescimentoexplosivonasvendasprovocouasubstituiçãodoscarrosusados.Masissoocorreuemumaproporçãomuitoinferioràdaincorporaçãoderegistrosdeveículos novos no Distrito Federal. Como resultado dessa dinâmica decomercialização,ataxamédiadecrescimentodeautomóveisvendidosnametrópoletriplicouemrelaçãoàtaxadecrescimentodesuapopulação,eocrescimentodasmotocicletasatingiuoquádruploda taxadeaumentodapopulação4. A proliferação de motocicletas gerou um fenômenoperturbador, de interesse para a nova Lei da Mobilidade da Cidade doMéxico(promulgadaem14dejulhode2014).

Nessesentido,odesestímuloaousodeautomóveiséumaestratégia-chavenanossagrandecidade,jáquesuacirculaçãoéresponsável,comasmotocicletas, por dois terços das emissões de poluentes despejados naatmosferametropolitana5, entreoutros efeitosnegativos jámencionados.Aexperiênciatemmostrado,nosúltimosanos,queotransportepúblicodemassadealtacapacidadeequalidadeconstituialternativarealparaquease os motoristas passem a usar os transportes públicos, deixando seusveículosparticularesestacionados6.

Ousodemotocicletaseasuarápidaexpansãotambémconstituemumfenômeno emergente nas cidades mexicanas. As facilidades para suaaquisiçãoeageneralizaçãodoscongestionamentosnasprincipaiscidadesmexicanas favoreceram o crescimento impressionante dessa opçãomotorizada.

Felizmente, outros países e regiões do mundo nos antecederam naexperiência da rápida disseminação de motocicletas em deslocamentosurbanos e nos dão inestimável aprendizado, positivo e negativo, para anormatizaçãopúblicadessaalternativaemrápidaexpansãonaCidadedoMéxico.

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Rumo a uma Lei de Mobilidade para a Cidade doMéxico

Todasetodosusuáriosdetransportepúblicoouprivadotambémsãopedestresemalgummomento.Háumaestimativadequeentre15%e18%dos deslocamentos são realizados exclusivamente a pé no DistritoFederal7.Namaioriadoscasos,realizadosporcrianças,jovens,mulhereseidosos.Éporissoque,namobilidadedenossacidade,osdeslocamentosde pedestres são cruciais. Por tratar-se de um aspecto importante dacidadania,amobilidadedeveserabordadacomrelevâncianoconteúdodalei.

Apromoçãodeumsistemaintegradodetransportepúblicoconstituiuma prioridade para facilitar a interconexão eficiente entre os diferentesmodais de transporte, incluindo os não motorizados, como parte dasopções de cotidianas de deslocamento. Portanto, a promoção daintermodalidade integrada física e tarifariamente, mediante sistemas depré-pagamento com tecnologia de ponta, e a promoção gradual daintegração funcional são aspectos cruciais para abordar o exercício dodireito emergente àmobilidade em nossa cidade. Para isso, o adequadoplanejamentoeadignificaçãodoscentrosdetransferênciamodalsãoumimperativo para que passem a ser considerados gradualmente como nós(hubs) de intercâmbio e de serviços que racionalizem e dignifiquem amobilidadedosusuários.

Otransportepúblicomoderno,eficiente,integradoeacessívelporsualocalizaçãoetarifaconstituiumaalternativadeinclusãofundamentalparaa cidade e a economia atual. A acessibilidade oferecida pelo transportepúblico “aproxima” as oportunidades de trabalho, educação e serviçosdisponibilizadaspelacidade,eécrucialparaforneceropçõesdeinclusãocom“equidadeterritorial”paraamaioriadapopulação.Constituindo,comaamplapolíticadesubsídiosdogovernodoDistritoFederalaotransportepúblico, uma das políticas sociais “transversais” do governo de maiorrelevânciaeimpactosobreobem-estardesuasusuáriaseusuários,moremounãonoDistritoFederal.

ACidadedoMéxicosecaracterizaporpromoveraequidadesocial,considerandoasnecessidadesespecíficasdaspessoasemsituaçãoderisco.Assim, as várias políticas que facilitam o acesso dos cidadãos aotransporte público e a promoção de novas alternativas de transporteespecial são fundamentais para a mobilidade inclusiva promovida pelo

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governodoDistritoFederal.Atransferênciadebensprovocagrandesimpactossobreotrânsito,os

congestionamentos e a sustentabilidade da nossa cidade; as mudançaseconômicaseterritoriaisobrigam-naadispordeconhecimentoatualizadosobreadinâmicadamobilidadedasmercadoriasparaoplanejamentoeaimplementaçãodeestratégiasabrangentesparaessaatividadeimportante,queconsideremainfraestrutura,oequipamentoseasuaregulação.

Esseprojetode lei reconhece,pelaprimeiravez,amobilidadefísicacomo um direito humano emergente, privilegiando as pessoas sobre asformasdetranslado.

Da mesma forma, abre espaços para a participação socialdiversificada, inclusiva e equilibrada em diferentes aspectos relativos àmobilidade. Nesse sentido, a lei inclui a totalidade dos agentes sociaisenvolvidosnamobilidade,considerandoosdireitoseasobrigaçõesdesseconjunto.

Semdúvida,esseordenamentojurídicocoincide,emmuitosaspectos,com um processo de transição dos modais e serviços de transporte emnossacidade,eporissoelemesmoassumeessecaráterdetransição.

Um aspecto fundamental dessa iniciativa é o reforço à diretriz dogovernonoplanejamentoenaregulaçãodamobilidade,especialmentenosaspectos relacionados permanente e estreitamente com a governança dacidade.

Além disso, a lei prevêmecanismos de participação e coordenaçãoinstitucional entre agências governamentais, voltados para uma nova emodernagestãodamobilidadenoDistritoFederal.

Com base no exposto, essa lei tem como objetivo principal apromoçãodamobilidadesustentávelparatodasaspessoas,assimcomodotransportedecarganoterritóriodoDistritoFederal.Paraessefim,deveregular,gerenciareplanejarosváriosmodaisde transporte, seus equipamentos, infraestrutura e sua sinalização.Também deve incluir alternativas não motorizadas e, especialmente,promover os deslocamentos de pedestres, tudo isso no âmbito dascompetências de diferentes departamentos, instituições e organismos doGoverno do Distrito Federal Essa lei reconhece a pessoa comoprotagonistadamobilidade.

Emoutraspalavras,aleiconsideraapromoçãodamobilidadecomoumdireitohumanoEmergenteeequitativoparatodasascidadãsetodososcidadãosdoDistritoFederal.Portanto,essesistemapriorizaráosrequisitos

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detrasladodamaioriadapopulação,jáque,dototaldeviagensfeitasnoDistrito Federal, 83,4%8 têm como destino os bairros periféricos. Essesviajantesrealizamosdeslocamentosmaislongos–16,84km,emmédia–,com investimentos significativosde tempoede recursos familiares–73minutose12pesos9–ecommaiores impactosambientais,efetuando-osprincipalmenteemserviçosdetransportecoletivo.Aessesdeslocamentoséprecisoacrescentarasviagensmetropolitanasproduzidasemmunicípiosvizinhos,dasquaisquaseumaemcadaquatrotemcomodestinooDistritoFederal. Uma cidade que tem uma topografia variável em seu vastoterritório, forçando a maioria dos moradores a longos deslocamentosdiários.

Para essa finalidade, a presente iniciativa incentiva um sistemaintegrado de transportes que prioriza a promoção, gestão, regulação e oplanejamento do transporte público, bem como o planejamento e aregulação de sua infraestrutura e seus equipamentos. E o fazprincipalmente impulsionando as alternativas de alta capacidade equalidade e amigáveis ao meio ambiente, permitindo substituirpaulatinamenteafrotademicro-ônibusevansdetransportecoletivo,quejá cumpriram sua vida útil, são inseguros e obsoletos, e impactamnegativamenteomeioambiente,emdetrimentodoscidadãosemoradoresdoValedoMéxico.

A prioridade ao transporte público sustentável de alta capacidade equalidade permite apoiar uma das aspirações centrais dos governos dacapital que consiste em promover a equidade, a inclusão e o bem-estarsocialpormeiodapromoçãodoacessoàsoportunidadesoferecidaspeloDistritoFederal,comumtransporteseguro,acessível,eficienteeamigávelaomeioambiente.

O fomento e impulso ao transporte público sustentável de altacapacidade e qualidade também é um imperativo para proporcionaralternativas à motorização individual, a qual, sobretudo diante daproliferação de veículos de combustão interna – 96% das unidadesregistradasnoDistritoFederalem201010–,provocagravesproblemasdetráfego,congestionamentos,eprejudicaaconvivêncianoespaçopúblico,além de causar altos impactos ambientais, já que despeja mais de doisterços dos principais poluentes da atmosfera da cidade. Segundo asprevisõesdogoverno federal e daAmia (GOVERNOFEDERAL;PRÓ-MÉXICO;AMIA–AssociaçãoMexicanadaIndústriaAutomotriz,2013),

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aindústriaautomotivadoMéxicoplanejaaumentarsuaproduçãoem28%ao longo dos próximos dois anos – quase 14 vezes mais do que ocrescimento populacional esperado para a capital nacional no mesmoperíodo.

Osserviçosdetransportepúblicodequalidadesãoaalternativaviávelaousodocarroparticular.Àmedidaquehouveraofertadessesserviçoseo incremento de conectividade, segurança, eficiência e comodidade, elesseconstituirãoemumaopçãocadavezmaisfactívelparaapopulaçãodenossametrópole.Portanto,écrucialapromoçãodatransferênciaeficienteentreosmodaisdetransportepúblico,tambémincluindoaintegraçãocomalternativasnãomotorizadas.

Sistema integradoO objetivo, nesse contexto, deve ser a promoção de um sistema

integrado de transporte público, no qual, para além da integração físicamencionada, se promova a integração tarifária e, gradualmente, aintegraçãofuncional.

A realizaçãodesses objetivospermitirá impulsionar a segurançadasusuárias e dos usuários do transporte em geral e também promover aeducaçãoeaculturaparaamobilidade(educaçãoviária).Oquepermitiráalcançar o objetivo primordial de proteger a vida e a integridade daspessoas no transporte e nas vias públicas, questões que estão entre asmetasqueaOrganizaçãodasNaçõesUnidas(ONU)fixouparaadécadaatual (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE;ORGANIZAÇÃOMUNDIALDESAÚDE,2013).

A Cidade do México recuperou o seu caráter de liderança napromoção de novas alternativas de transporte público que incorporamtecnologias avançadas.ALinha 3 do SistemaMetrobús é a primeira daAmérica Latina a usar ônibus Euro-V para o serviço. O sistemamultimodal de cartão integrado já opera alternadamente em quatroserviços públicos do Governo do Distrito Federal. Também no CentroHistórico, para apoiar a sua completa recuperação, incorporaram-se ostáxis elétricos e ciclotáxis híbridos, únicos em operação na AméricaLatina,epromoveu-sevigorosamenteodeslocamentoapé.ACidadedoMéxico também temoEcobici, um serviçopioneiro naAméricaLatina,quecontinuaaseexpandircomsucessonoperíodorecente.

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Princípios e alcance da Lei da MobilidadeOs princípios que formam a Lei daMobilidade noDistrito Federal

foram projetados para realizar uma mudança na visão tradicional dotransporte,jáquepormuitosanos,naCidadedoMéxico,aconcepção,odesenvolvimento e a implementação de políticas públicas demobilidadecolocaramoautotransporte,principalmenteoscarrosparticulares,comooprincipalcomponente.Aoproporumamobilidadesustentável,a leiatualbusca substituir a visão tradicional do autotransporte individual por umaquetenhacomocentroaspessoas,representadasporpedestres,usuáriosdetransportes públicos, ciclistas e todos aqueles agentes passíveis dedeslocamentos,demodoapromoverumatendênciadotransportepúblicoparaamobilidadecomoumdireitohumanoemergente.

Fazerdamobilidadeumdireitohumanoemergenterequer,emtermoslegais, alcançar um equilíbrio entre as alternativas de deslocamentointegradas, não só de maneira intermodal, por meio das diferentesmodalidadesdetransportepúblicooferecidasnacidade,mastambémcombasenasnecessidadesreaisdaspessoasdesdeseuspontosdeorigematéodestino final. Também deve fazer parte dessa solução abrangente a

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necessária relação entre os espaços públicos, que são vinculadores earticuladoresporexcelência,eaofertademobilidadenacidadecombinadaao equipamento correto necessário para a mobilidade. Em suma,possibilitar um sistema integradodemobilidadebaseadona coexistênciasustentáveleharmoniosaentretodasasformasemeiosdedeslocamento.

Odesenvolvimentoeaimplementaçãodeumsistemaequilibradodemobilidadesãopeças-chaveparaageraçãodeumaequidadesocialsimilaràpossibilitadaporummaiorcrescimentoeconômico.

ParaalémdanecessidadedeimplementarumSistemaEquilibradodeMobilidade,éimportantereconhecer,protegereregulartodasasformas–e cada uma delas – de circulação na cidade, o que permitiria proteger ereconhecer os direitos e as obrigações dos agentes passíveis dedeslocamento:pedestres,ciclistas,carrosparticulares,transportespúblicosetc.

ACidadedoMéxicoapostaemumsistemademobilidadeintegradaque facilite a transferência entre modais, de preferência entre meios detransporte menos poluentes e deslocamentos não motorizados; quepossibiliteumamelhorasignificativanaqualidadedevidadaspessoasqueprecisam se deslocar dentro da cidade; e, claro, que resulte em umareduçãosignificativadosimpactosambientais.

Apreservaçãodomeioambientecomeçaráapartirdoplanejamentode esquemas de transportes públicos eficientes, em termos de consumoenergético,eamigáveisaomeioambienteque,por suavez,diminuamoimpacto causado pelo deslocamento diário de milhões de usuários,apoiadospormecanismoseconômicos sustentáveisquepossibilitemumaequidadesocialereduzamousodeautomóveisindividuais.

Agarantiadepreservaçãodeumambientelimpopartirádarevisãodoatualsistemadetransportepúblicopormeiodamodificaçãoesubstituiçãonecessárias, com base nas demandas reais da população, avançando nacombinação de diferentes meios de transportes públicos, além dasalternativas nãomotorizadas, buscandomelhorias no tempodas viagens,confiabilidade,segurançaecoberturadeumaredeintegradadetransporte.

Trata-sedeplanejarumsistemaatrativoeconvenientede transportepúblico que possa competir com as opções de transporte privado,combinadocomoincentivoaousodotransportedemassa,comoometrô,os ônibus e os meios de mobilidade sustentável, que possibilitem umareduçãosubstancialdasemissõesdecarbono.

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Arrecadação inteligenteApartirdapromoçãodousomassivodo transportepúblicourbano,

deve-sedarcontinuidadeaoSistemaIntegradodeArrecadaçãoInteligente,o qual representa uma solução tecnológica que engloba os váriostransportes públicos, agilizando assim a prestação do serviço epossibilitandoumprecisocontrole,emtemporeal,detodososaspectosdaoperaçãodarededetransporte.

Éclaroqueaintegraçãoemtermosdemobilidadeapostanainclusãoadequada dos espaços urbanos públicos, permitindo a conectividadeurbanacomsegurançanãoapenasnotransportepúblico,mastambémnosdeslocamento dos pedestres. Com base no exposto, é necessário criarcondições de segurança que contribuam para reduzir os acidentes eprotegeravidadaspessoasqueutilizamoespaçopúblico,paracomissomelhorar e aumentar a qualidade de vida dos cidadãos que transitamdentrodaCidadeMéxico,comomoradoresouvisitantes.

É importante tambémgarantiraacessibilidadea todososmoradoresdacidade, independentementedasuasituaçãofísica,psicológica;sempreem condições adequadas de segurança, conforto e eficiência,independentementedomeiodedeslocamento,motorizadoounão.

Ainda é necessário considerar a acessibilidade em termos detransportepúblico extensoe adaptadoparausode todoshabitantes, bemcomo a incorporação de transporte de baixa e alta capacidades sob osparâmetrosdoplanejamentourbano,dotadosdecentrosdetransferênciamodalquepermitamaintermodalidade.

OsucessodaLeideMobilidadedependedeumesforçoconjuntodoslegisladores e funcionários do governo da Cidade do México, com opropósito de melhorar o espaço público e a infraestrutura urbana e detransportes, de modo a garantir conectividade e segurança tanto nosespaçospúblicosquantonasmodalidadesdedeslocamentos.

Aproposta contidanaLeideMobilidadepartedeumapirâmidedemobilidadeque indicaa importânciaporsetorde trabalhoeo ímpetonotrabalho de elaboração de políticas públicas em matéria de mobilidade,transporteesistemaviárioquedeemlugaraodesenvolvimentododireitohumanoàmobilidade.

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EstessãoalgunsdosprincipaisprincípiospostuladosnaatualLeida

Mobilidade:•Regularotransportedemercadorias,•Continuarcomasubstituiçãodosmicro-ônibusporônibus.•Desenhareimplementarnovoscorredoresdetransportespúblicos.•ImplementarnovoscorredoresdeMetrobús.•Aumentarorigornotrâmiteenaemissãodelicençadecirculação.•Desenvolverumsistemaintegradodetransportes.•Desenhareimplementarruasparatodos.

Pendências da Lei de MobilidadeUma das lacunas no corpo da lei é a implementação de uma

coordenaçãometropolitanaemmatériademobilidade,oquepermitiriaoplanejamentourbanoemtermosmetropolitanos,aregulaçãoeaintegraçãodeserviços,níveistarifáriose,especialmente,oaumentodaqualidadedoserviço,cujoimperativoseráarecuperaçãodomeioambiente.

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Énecessárioregularacontinuidadedosplanos,programaseprojetosemmatéria demobilidade que resultem em benefício para os cidadãos;enfatizar o transporte público de alta capacidade e qualidade; promoveralternativas de vanguarda em termos tecnológicos, sociais e urbanos;incorporar plenamente a gestão das motocicletas e bicicletas e umaexpansão dos treinamento com vistas a criar uma nova cultura demobilidade.

CONCLUSÕESA recém-promulgada Lei de Mobilidade do Distrito Federal é

definitivamenteummarco,noquedizrespeitoaodireitourbano,entreasprincipaiscidadesdopaís.

Representa um importante avanço em relação ao quadro jurídicoanterior, ainda que reflitamuitos dos grandes avanços que ele continha,dandomaissolidezecoerênciaàsuaestruturaeaoseuconteúdogeral.

Noentanto,anovaLeidaMobilidadeestáaindanocampodo“deverser”edoideal,etalvezsofrapornãoconsideraronecessáriogradualismoque permita enraizar o direito emergente à mobilidade de forma maiseficaznacomplexarealidademetropolitanadaCidadedoMéxico.

Igualmente,énecessáriorevisaraspectosespecíficosque,pelapressanaelaboraçãoda lei, limitamsuacapacidadeeeficiência jurídicaanteasdemandasdemodernizaçãodamobilidade,infraestruturaeadministração.

Aleitambémélimitadanoquedizrespeitoafenômenosemergentes,como a utilização de novas tecnologias no transporte público e adeterminação dos campos próprios destas no que se refere aoscorrespondentes dos serviços públicos e à sua regulamentação em favordosusuários,alémdasalvaguardadosdireitosdosprestadoresdeserviçosedeseusoperadores.

Édegrande interessecontrastaraexperiência legislativabrasileiraaesserespeitocomoesforçomexicanoemergente.

REFERÊNCIASDISTRITO FEDERAL. Sistema Metrobús, relatórios de atividades – 2009-2012. México: Distrito Federal.GARZA, G. (Comp.). La Ciudad de México en el fin del segundo milenio: ElColegio de Mexico, 2000.

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GOVERNO FEDERAL; PRÓ-MÉXICO; AMIA (Associação Mexicana daIndústria Automotriz). Setor automotivo, os pontos fortes em relação México-EUA. Mercados, México. Disponível em:<http://mim.promexico.gob.mx/work/sites/mim/resources/LocalContent/69/2/130924_Diagnostico_automotriz_2013_ES.pdfAcesso em: 6 maio 2013.INEGI – Instituto Nacional de Estadística y Geografía do MéxicoORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE; ORGANIZAÇÃO MUNDIALDA SAÚDE. Década mundial para a segurança rodoviária – 2011-2020.México, Disponível em: <http://www.paho.org/mex/index.php?option=com_content&view=article&id=561:informe-sobre-situacion-mundial-seguridad-vial-2013-apoyando-decenio-accion-2011-2020&Itemid=499>.Acesso em: maio 2013. 1 Programa Integral de Transporte e Rodovias, 2006-2012, diagnóstico de

março de 2010.2 Governo do Distrito Federal, Setravi, 2012, com dados da pesquisa Origem-

Destino, 2007, no México.3 Inegi – Instituto Nacional de Estadística y Geografía do México (cf.

Pesquisa Origem-Destino).4 Governo do Distrito Federal-Setravi, Cidade do México, Transportes e

Mobilidade Sustentável, primeira parte, editado por Alterna SC, no México,em setembro de 2011.

5 Grupo de Estudos de Transportes e Mobilidade, Universidade AutônomaMetropolitana, com base em dados da Comissão Ambiental Metropolitana,México, 2013.

6 Em seus melhores anos, o STC-Metro tinha entre 15% e 17% dosproprietários de automóveis entre os seus usuários (GARZA, 2000). Nosúltimos anos, o Metrobús capta 15% dos usuários que possuem carros(Inegi – DISTRITO FEDERAL).

7 Cálculo feito pela oficina Estudo Especializado Mobilidade para IntegrarPrograma de Gestão da Área Metropolitana do México, Puec (ProgramaUniversitario de Estudios sobre la Ciudad), Unam (Universidad Autónomade México).

8 A partir da base de dados de Inegi – Instituto Nacional de Estadística yGeografía do México, Pesquisa Origem-Destino dos Habitantes da ZMVM,México.

9 No deslocamento médio entre origem e destino. Cálculo com base“Pesquisa Origem-Destino”.

10 Inegi – Instituto Nacional de Estadística y Geografía do México,Estatísticas dos veículos motorizados registrados em circulação, México,

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2013.

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9AS DELEGAÇÕES DOS SERVIÇOS DE

TRANSPORTE, ALGUMAS IMPLICAÇÕESDE SUA CLASSIFICAÇÃO COMO DIREITO

SOCIAL E O IMPERATIVO USO DATECNOLOGIA COMO INSTRUMENTO DE

AUXÍLIO À MOBILIDADE URBANA

GeraldoLuísSpagnoGuimarães

O TRANSPORTE AGORA COMO DIREITO SOCIALDesdesetembrode2015,comaaprovaçãodaPropostadeEmendaà

Constituição (PEC) 90/2011, que introduziu o transporte como direitosocial no rol do artigo6º daConstituiçãoFederal brasileira, o tema temqueserentendidocomumnovoolhar,umaleiturademaiorrespeitoque,atodasasluzes,ampliaoespectrodosubstantivo.

Nessenovocontexto,oassuntoseagiganta,eessanaturalexpansão,decorrentedoimpulsodadoaotema,guindando-oaopatamardosdireitosmais sensíveis da sociedade, favorece o transporte em todos os seusmatizes com o relevo que ele merece em um país de proporçõescontinentais.

AideiainicialdapropostadadeputadaLuizaErundinaeraviabilizarosonhodatarifazeronotransportecoletivourbano,masestaésóumadaspossibilidadesque amudançapermite, certamente desejável e degrandeimpactonaeconomiaevidasocial.

Embora a Constituição não imponha a gratuidade universal, masapenas a modicidade tarifária, baixar ou até zerar a tarifa do transportecoletivo urbanomovimenta a economia e garante o acesso a uma gama

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enorme de outros fomentos como desenvolvimento social, educação etrabalho,comoestreitamentodoslaçospessoaisedeproduçãoqueresultado afastamento da barreira do customonetário.Não por outromotivo otransporte coletivo urbano foi o único serviço público adjetivado comoessencialpelaCartarepublicana.Équetodososoutrosserviçospúblicosficamcomprometidoscomaeventualdescontinuidadee ineficiênciaque,porexemplo,umagrevenosserviçosdetransportescoletivosurbanosdepassageirosprovoca.

Contudo, muitas outras questões antes escondidas ou apequenadaspodem ser agora tratadas com respaldo do acesso ao honorável rol dosdireitossociais.Dissemosaquipodemquandohámuitootemajáreclamapelodevem.

CONSEQUÊNCIAS DA MUDANÇA DE PATAMARQuadraaquidestacarqueanovaredaçãodoartigo6ºdaCartaMagna

indicao transportesemrestringir tiposoumodais,oque impõeentenderque, tal como posto no TextoMaior, se refere a qualquer das diversasespéciesedimensõesqueotemacomporta.

Assim, por ser a indicação inespecífica, remete tanto ao transportepúblico quanto ao privado, motorizado ou não, aéreo, marítimo outerrestre,depessoasoudecargas, local, regionalounacional, individualou coletivo, remunerado ou gratuito. Todos, sem distinção, reclamamagora tratamento nas leis orçamentárias anuais e plurianuais, rigor noalcance de metas, respeito aos princípios, aos objetivos e às diretrizesregulados no âmbito do ordenamento infraconstitucional e participaçãodemocráticanoplanejamento,naregulação,implantação,operaçãoseguraefiscalização.

A alteração da Constituição indica, em uma visão geral, um novotempo de necessárias acomodações, providências e embates.Émais quecediçoqueo direito positivo apenas caminha atrás dos fatos sociais quecorremapassoslargosàsuafrente.Daíadificuldadedehaversintonianavelocidade dos instrumentos de concretização e consolidação da pazsocial,mas“[...]aCartade1988rejeitaoabsenteísmoestatal, istoé,oEstado Brasileiro não pode manter-se inerte diante das demandaseconômico-sociais”(MELLO,2010).

Assim, a PEC 90/2011 insistiu em correr quase meia década noCongresso Nacional até ser aprovada, e a Lei do Plano Nacional de

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MobilidadeUrbanafoiprojetoporquaseduasdécadasatéserpromulgada.No mesmo poço de indefinição, ou até confusão, estão legislador,

doutrina e jurisprudência sobre diversos temas, especialmente conceitos,ligados ao transporte. Por isso, a judicialização efervescente do tema dotransporte,notadamentedotransportedepassageiros,públicoouprivado.

Há quem confunda o transporte coletivo com o individual ou trateamboscomosefossemamesmacoisa,oqueéumerro,devidoaváriasdiferenças técnicas e operacionais consistentes entre eles, inclusive adiferença definida em lei, que conceitua o individual como sendo o querealiza viagens individualizadas, enquanto, no coletivo, nenhum usuárioescolhe destino ou itinerário, antes se submete coletivamente a essasdefinições previamente fixadas e conhecidas, para atender indistinta ecoletivamente,e tambémsemespecificidadepontual,comregularidadeegeneralidadeosusuáriosquesevalemdosserviços.Dessaforma,anãosernotáxilotação,otáxi,comoregra,étransporteindividualdepassageiros,concessa venia de entendimentos que pontuam o táxi como transportecoletivo1.

Porumlado,mesmomaisde20anosapósapublicaçãodaLeiGeraldasConcessões(Leinº8.987/95),aindaháquemdefendaqueotransportecoletivo urbano de passageiros deva ser um serviço explorado em livremercado,semlicitações,mascommerasautorizaçõescomosedácomotransporteaéreoounomodelodetransportecoletivoadotadonosEstadosUnidos.

Ladooutro,aleijádissequetáxiéserviçopúblico(artigo12daLeiFederalnº12.587/2012),masdepoisdesdisseparaagorareconhecerumanaturezademerointeressepúblico(artigo12-AdaLeiFederalnº12.587/2012,comanovaredaçãodadapeloartigo27daLeiFederalnº12.865/2013),eessaoscilaçãoestálongedeserencerrada.

A doutrina, à unanimidade, diz que táxi é atividade econômica (cf.BANDEIRA DE MELLO, p. 212-227; CARVALHO FILHO, 2012, p.444;GUIMARÃES, 2012), embora sujeita a organização, regramentos efiscalizaçãodopodercompetentequenormatizaeincentiva,masnãoatraiaaplicaçãoobrigatóriadoartigo175daConstituiçãoFederal.

Já o Judiciário oscila mais para o entendimento de que é serviçopúblico (Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Apelação Cível(AC) nº 1.0024.01.577094-4/017, 4ª Câmara Cível, rel. desembargadorAlmeidaMelo,em14dejunhode2012).OmesmoTJMG,porseuÓrgão

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Especial, voltou a dizer que táxi é serviço público (Arguição deInconstitucionalidade nº 1.0024.12.335573-7/002, rel. desembargadorAntônioCarlosCruvinel, em28deoutubrode2015), embora sóovotovencido, proferidopelo presidente do sodalício à época, fundamente seuentendimento, nos moldes da decisão anterior de relatoria do mesmomagistrado (Agravo de Instrumento nº 1.0024.13.414670-3/001, 8ªCâmaraCível,rel.desembargadorBitencourtMarcondes,em18dejulhode2014).

AS DELEGAÇÕES DE SERVIÇO DE TRANSPORTEALei Federal nº 8.987/95 é omarco regulatório das delegações de

serviçospúblicos,etalvezessesejaoaspectomaistormentosoemrelaçãoaos serviços de transporte.Enquanto, no caso do transporte de cargas, ébemfácildistinguiroqueouquandodeveounãoserlicitado,assimcomoa compreensão sobre ser privado ou não o interesse e o serviço emquestão, há, nos serviços de transporte de passageiros, váriosposicionamentos antagônicos a respeito, razão pela qual há que sedebruçarsobreaceleumacom temperamentosparadelinearcasoacaso,comespecialavaliaçãoparaacircunstânciado transporte remuneradodepassageiros.

Nomodo do transporte coletivo de passageiros, existe aquele que éunanimemente considerado como privado, como é o caso dos serviçosfretados. Embora sob controle estatal, estes não se sujeitam à licitaçãoporque não existe quem os caracterize como serviço público. No paísinteiro, há leis orgânicas que definem o transporte escolar como serviçopúblico, quando, na verdade, é privado.Percebe-se, então, que a lei nãodeveriaserfonteconceitualdeserviçospúblicos,poisaleinãotemcomoobjetivodefiniranaturezadascoisas.

No transporte coletivo de passageiros, como dito, já houve quemsustentasse que o ideal seria seguir o modelo norte-americano de livremercado,mas é evidente que a legislaçãobrasileira, em todos os níveis,não admite avançar nessa linha de pensamento. Por essa razão, desde ovencimentodoprazodedoisanosestabelecidoquandodapromulgaçãodaLei Federal nº 8.987/95, os entes federativos que ainda não adotavam alicitaçãocomoformadeseleçãodeseusdelegatários,apartirdepressãodamídia,dosórgãosdecontroleouespontaneamente,passaramalicitarasdelegaçõesdessesserviços.

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ALeidaPolíticaNacionaldeMobilidadeUrbana(Leinº12.587,de3de janeirode2012), publicadanodia seguinte, veio a estabelecernovoscritérios, mais específicos, inclusive com um capítulo com orientaçõesparaaslicitações,quandocabíveis.

A grande questão passou, então, a ser esta: quando é cabível alicitação? Ou a quais serviços de transporte se impõe a via processuallicitatóriacomoformadeseleçãodosprestadores interessadosemoperartaisserviços?

Não há dúvida que, quando uma prestação interessa amais de umapessoa (física ou jurídica), aí se estabelece uma competição natural nopróprio mercado, seja quanto à eficiência da operação e satisfação dosusuários clientes, seja quanto aomelhor custo e a outras vantagens quepossam advir das ofertas, as quais serão bem-vindas em condição dedisputa regrada ainda que se conclua que, não sendo caso de serviçopúblico, dispensaria a obrigatoriedade de se deflagrar processo delicitação.

Nesse sentido, o dinamismo e a voracidade em prol do lucro que acompetição traz como consequência, especialmente no que concerne aquemsebeneficiadamelhorprestação,passaramaseronortedoscritériosdequemvaiprevalecereatésobrevivernaselvadomercado.

Essa ambiência, ou talvez orientação, muitas vezes, contamina earrefece outras avaliações necessárias ao equilíbrio das escolhas maisadequadasàquelesquedeveriamserofocoeofimúltimodaprestação:osusuários dos serviços. Na verdade, nem eles ou especialmente eles, osusuários,sabemaocertooqueélegitimoedesejável,eporquê.Aínessaselva prevalece o mais esperto ou mais forte para fazer valer seusinteresses.

O REBU DOS APLICATIVOSNesse contexto é que apareceram os aplicativos acessíveis com as

facilidadesdostelefonesmóveis.Nestemundo,nãoexistemaisvidaforadosaplicativos,conclusãoaindaemtransiçãoparaosanciãos,mas,paraageraçãomaisjovem,catálogotelefônico,porexemplo,écoisademuseu,e, brevemente, poucos vão se lembrar da revolução que um dia foi oatendimentoporcooperativasderadiotáxi.Aguardarumônibusnopontodeembarquesemsaberquantotempolevaráaesperajáécoisadopassadoemmuitospaísesdomundo,etudoissosedeveaoavançodatecnologia

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logística da mobilidade em que os aplicativos são as vedetes maisdesejadaselouvadas.

Quanto à necessidade de as cidades rumarem sempre embusca dosavançostransformadoresdesuarealidade,existemdefensoresradicais,aopontodeafirmaremqueoprocessoéquaseumarevolução.Nessalinhafoique David Harvey defendeu, em 2009, no Fórum Social Mundial, emBelém(PA),que“Odireitoàcidadenãoésimplesmenteodireitoaoquejá existe na cidade, mas o direito de transformar a cidade em algoradicalmentediferente”.

Essenemchegaaserumdiscursorevolucionáriomais,namedidaemque, enquanto digito esse texto, deve haver dezenas de profissionais damodernidade, cada dia mais jovens e bem motivados, pensando elabutando para inserir no dia a dia das pessoas e organizaçõesmais umaplicativo com uma vantagem novidadeira antes inimaginável para oscarentesdemobilidadeouacessibilidadeurbana,exatamentecomofoiemalgum momento quando alguém idealizou a tecnologia do sistema deposicionamento global (global positioning system – GPS)2 e as váriasfuncionalidadeseganhosqueelanosproporcionanodiaadia.

Se,comas tábuasda lei,Moisés tivesseganhadodeDeusumGPS,certamentedemorariamenosqueumadúziadediasparaencontrarCanaã,earevoluçãodoequipamentodemãoseriaconsideradaàquelaépocaummilagretãoimpactantequantoavisãodomarseabrindoparaosmilhõesqueatravessavamodeserto.Muitomaissábioquenós,oTodo-poderosopreferiucolocarumcajadonasmãosdoguiadopovoausaroGPS,poisobrinquedinhopoderiasetransformarnonovobezerrodeouroparatomarolugardoCriadornoscoraçõesenasmentesdoshomensdaquelageraçãodeformaaindamaissurpreendentedoquehojetambémacontececomospersonaldigitalassistants(PDAs–assistentesnuméricospessoais)3.

Engana-se quem pensa que esse comparativo não tem nada decientífico, já que, naquele tempo, como hoje, as guerras eram travadasjustamentepelasfacilidadesqueosavançospermitiamaquemosdetinhaafim de dominar os oponentes a partir da mais avançada tecnologiaconhecida.

Seumaplicativopodehojeresultarnacircunstânciadeseestabelecercomfolganomercadoemfacedasdistânciasqueelediminuinaartedaguerra, imagine como foi fácil para os guerreiros de outrora dominarencastelados quando descobriram o arco e a flecha.Mais ainda, quandodescobrirama formade colocar fogonas pontas das flechas para atingir

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maisagressivamenteoalvo,especialmenteoabrigodoexércitoinimigo.Eissoeraciência,que,aocompassodostempos,sómudaosequipamentos,mascomosmesmosalvos.

Os serviços de transporte de cargas e de passageiros têm muito aganhar com essas tecnologias, e, a meu ver, elas se impõem diante doordenamento vigente, sendo conveniente a essa altura destrinçar dalegislação o que ela estabelece como marco, justificativa e raiz para amobilidade urbana, como condição inarredável a ser buscada e seguida,sob pena de violação aos princípios do serviço público, especialmente oprincípiodaatualidade, fincadonoartigo6ºdaLeiFederalnº8.987/95,aomenosparaosserviçosdetransporteconsideradospúblicos.

O QUE A LEI JÁ IMPÕE QUANTO AO QUE OSAPLICATIVOS OFERECEM

Semembargodo já invocadoprincípio da atualidade insculpido noartigo6ºdaLeiFederalnº8.987/95,devemserdestacadosospreceitosdoEstatutodaMobilidadequantoaosprincípios,aosobjetivoseàsdiretrizesda política que norteia todas as três esferas de governo sobre o tema dealcancenacional.

OincisoIIdoartigo5ºdaLeiFederalnº12.587/2012estabelecequeaPolíticaNacionaldaMobilidadeUrbanaéfundamentadanoprincípiododesenvolvimentosustentáveldascidades,nasdimensõessocioeconômicase ambientais, e os aplicativos que podem ser utilizados nos serviços detransportedepassageirossãoumaaplicaçãodecorrentedessesprincípios,na medida em que, ao buscar o veículo mais próximo para o usuáriointeressado, o que a plataforma faz resulta em economia de dinheiro etempo,epoluimenos, jáqueoveículo identificadoparaatendimentoaochamadopercorrerádistância inferioràsquepoderiamser traçadaspelosqueseencontrammaisdistantes.

Esseatendimentomaiscélereepontualdosprestadoresacadausuáriointeressado também decorre do princípio gizado nos incisos IV e IX domesmo artigo 5º do Estatuto da Mobilidade, os quais preveem osprincípiosdaeficiência, eficáciaeefetividadenaprestaçãodos serviçosdetransporteurbanoenaprópriacirculaçãourbana.

Namesmalinha,osincisosIVdoartigo6ºeIVdoartigo7ºdaLeiFederalnº12.587/2012declaram que a Política Nacional da Mobilidade Urbana possui como

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objetivos, entre outros, a mitigação dos custos ambientais, sociais eeconômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas (IV, artigo 6º), bemcomo, por consequência, o ideal da promoção da Política Nacional daMobilidade Urbana (IV, artigo 7º), e não há dúvida que o objetivoperseguido é alcançado com o auxílio dos aplicativos, os quais tambémproporcionamamelhorianas condiçõesurbanasdapopulaçãonoque serefereàacessibilidadeeàmobilidade,nostermosdoincisoIIIdomesmoartigo7º,esteaplicáveltantoaosmodaisindividuaisquantoaoscoletivos.

Por todos esses dispositivos e elementos neles presentes e, talvez,aindamuitosoutrosmotivos, legaisou supralegais, nãohádúvidaqueousodosaplicativosnosserviçosdetransporte–tambémnodecargas,masespecialmente no de passageiros – tem na lei fonte de inspiração eordenação e comandos intransponíveis para operadores, gestores eusuários.Emsuma,ousodosaplicativosdecorredeprincípios,objetivosediretrizes estabelecidos pela Lei de Política Nacional de MobilidadeUrbana.

Entretanto, algumas questões têm sido objeto de notícias,comentários, pareceres e até palpites em várias as searas e fóruns, comdestaqueparaospronunciamentosdecunhosjurídico,econômicoesocial.

Algunstrazemposiçõescoerenteselegítimas,masamaioriasótemoobjetivode travar e sustentar as batalhas entre oponentes que lutam, emárido deserto, a guerra em busca da tal terra prometida. Tamanha é aconfusão que Moisés agradeceria o fato de não ter recebido de seuSoberanomaisqueumcajadodemadeira,atéporque foi suficienteparafazerbrotaráguadarocha,coisaqueosaplicativosaindanãofazem.

DISTINGUINDO SUMARIAMENTE O JOIO DO TRIGOOs discursos sobre o uso novidadeiro dos aplicativos e suas

implicações, em sua maioria, estão contaminados por interesses queimpedemumexametécnico,isento,legalejusto.

De um lado, o inegável corporativismo dos taxistas que, sementenderembemsobretodasasintricadasquestõesenvolvidas,sóqueremmesmo manter, enquanto e como puderem, o serviço que sempreprestaramsemmuitoseimportarcomosavançostecnológicosprópriosdoprincípio da atualidade que, em face do artigo 6º da Lei Federal nº8.987/95, os vincularia, para os que entendem que se trata de serviçopúblico,issosemfalarnofatodequenuncaselembraramdeprestarum

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tratamento cortês e eficiente senão quando a competição lhes retiroumercadoquedeveriasercativo.

De outro lado, as empresas das plataformas dos aplicativos, que seescondematrásdeumacapadenãoprestadorasdeserviçodetransporte,com uma alegada proteção constitucional de livre-iniciativa, sem seimportar se fomentam e patrocinam uma atividade não licenciada,praticadapor transportadores clandestinos, assimentendidos aqueles quetransportam passageiros de forma remunerada sem autorização do podercompetentee,porconsequência,semsesujeitaraosrigoresaosquaissãosubmetidos seus pretensos “pares” (os taxistas) que sofrem com umaconcorrência predatória, além, é claro, das outras perdas que aclandestinidadeproduz,comoasonegação tributáriaquedaíadvém,sejaporpartedotransportador,sejaporpartedaquelequeviabilizaefomentaaatividade, conseguindo para o clandestino sua fonte de renda, ou seja, ocontato com o passageiro que antes só tinha o táxi como opção detransporteindividualremunerado.

No meio dessa arena, entre o mar e o rochedo, está o pobreinteressado no serviço como um marisco, sofrendo os respingos desseembate encapeladopelas ondas furiosas e espumantes de cadaparte quequersóparasiosfrutosdesseimensooceanodeusuários.

Os taxistas invocam o direito, como se adquirido e inalterável. Osaplicativospraticamumdescaradodumping,bancandoosdescontosdadosaospassageiros,inclusivecomeventuaismanifestaçõesqueseatribuemaoConselhoAdministrativodeDefesaEconômica–Cade(masqueoórgãonãoapõesuachancelacomoinstituiçãonoexercíciodesuacompetência)dequeteriaosacrodireitoatalalivre-iniciativa,ditainatingível.

Há muitas outras armas postas na arena, mas estas são as maispercebidas e comentadas pelos pareceres e pelas manifestações que sepropõemaabriromarrumoàterraprometidacomasimplicidadedeseuscajados.

Contudo,oquefoiresumidoatéaquinestetópicoinclina-semaisparaaaparênciadejoiodoqueparatrigo,eessanecessáriadistinção,emmeusingeloentendimento,cabemaisao juridiquêsque ao economês, emboraestesegundocaminhotenhasemostradocomoinspiraçãopararesolverapendenga por alguns e, digo novamente, com fundamento na tal livre-iniciativa, como se esta fosse o núcleo do artigo 170 da ConstituiçãoFederal.

Nessa busca para separar as gramíneas, é preciso esclarecer que o

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artigo 170 da Carta republicana não tem como alvo central a livre-iniciativa.Talleituratemaparênciadetrigo,masnãoé.

O dispositivo cuida, na verdade, de um assuntomais abrangente: aordem econômica, esta, sim, firmada em dois fundamentos, sendo avalorizaçãodotrabalhohumanooprimeirodeles (eessaprimazianãoépormeroacaso,masporopçãoconscientedolegisladorconstituinte,queantes de tudo, ao legislar, quis deduzir a escolha de seus representados:uma sociedade de humanos brasileiros) e, depois desse, aí sim, ofundamento da tal livre-iniciativa, que nessa discussão tem sidoindevidamente guindada aopatamar demaior destaquedo artigo170daCartaMagna, porque alardeada emmanifestações quenãomencionamaordemeconômica,quediráavalorizaçãodotrabalhohumano,estaquaseque atacada quando as bravatas dos defensores da livre-iniciativa semisturamsorrateiramentecomopragaparanosconfundirquantoaoqueéalimentobásiconodispositivo.

Umelemento essencial e eficaz quenos socorre quandoprecisamosdistinguir coisas parecidas é justamente o princípio da igualdade,sabendo-se que amáxima aristotélica nos ensina que aos desiguais deveserdispensadotratamentodesigual,aindaqueabuscadasgentessejapelaigualdade.

Na batalha entre os taxistas e os motoristas que, com o auxílio deaplicativos, realizam transporte remunerado de passageiros sem acompetenteautorizaçãooulicença,nota-seque,deambososlados,partemtentativas de se igualar e de se desigualar, conforme a conveniência daquestãoenvolvida.

Assim,porexemplo,ostaxistasseacham,ouamenossedispõemaser, prestadores tão bons e corteses quanto os que eles qualificam declandestinos de luxo.Por décadas, os taxistas prestaram serviços sem sepreocupar comaqualidadee a satisfação, regradeouroparaquemquercativar mais clientes. Esse desejo de serem vistos como iguais aosprestadores de luxo não licenciados, tão preparados e atenciosos, sóapareceu após a perda da demanda de passageiros que decorreu daconcorrência predatória.Quanto aomais, querem continuar sendo vistoscomoos“maislegais”,emtodosossentidos.

Porsuavez,ostais“clandestinos”estãodispostosasesubmeteratéaalguma espécie de controle ou regulação, do aplicativo ou do poderpúblico,seissoassegurarqueserãovistoscomoiguaisaostaxistaseterãoosmesmosprivilégios.Quanto aomais, querem igualmente passar a ser

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vistoscomoos“maislegais”,emtodosossentidos.Enquantoisso,osusuáriosestãodispostosatudoparaseremtãobem

tratados como nos países de PrimeiroMundo, abrindomão de qualquercontroleestatale legalidade,aprovandoquedelessecobremtarifasmaiscarasou,eventualmente,maisbaratasatédoqueocustodoserviçonessetempodeguerraemquenenhumdosladosentreosoperadoresquerabrirmãodoosso,mesmoseexpondoaumaprestaçãodeficitáriadopontodevistaeconômico.

Entretanto,dopontodevistalegal,seoquesesabeéqueaquelequeprestao serviçode transporte remunerado individualdepassageiros semautorização do órgão ou ente organizador e fiscalizador competente éconsideradopelaleiuminfrator,nostermosdoartigo231,VIIIdoCódigodeTrânsitoBrasileiro–CTB (sem falarnaviolação tambémaosartigos135e230,V,doCTB),equeeleexerceamesmaatividaderegulamentadapela Lei nº 12.468/2011 (artigo 2º) e, por isso, exerce ilegalmenteatividaderegulamentada,sendo,porconsequência,umcontraventorpenal,nos termos do artigo 47 do Decreto-Lei nº 3.688/41, não há como serenquadradooclandestinoempéde igualdadecomaquelequenãoviola,emsuaatividade,taisdispositivos.

A questão jurídica pode ser posta com maior clareza até com ainvocação de outros ângulos relativos à violação do princípio daigualdade,porém,comoestesjásemostramsuficientes,convémlembraroutrosaspectosdaordemsocialedaordemeconômica,queenvolvetantoavalorizaçãodo trabalhohumanoquanto a livre-iniciativa, e, para isso,devemos nos lembrar do chamado movimento dos perueiros, que seespalhoupelaAméricaLatinanaviradadomilênio.

Asociedade,àquelaépoca, insatisfeitacomaqualidadedosserviçosregularmenteprestados,passouasesubmeteràclandestinidadepraticadaemveículosmenores,dirigidospormotoristasqueprestavamoserviçodetransporteremuneradodepassageirossemlicençaousobqualquerformadedelegaçãoeadotandoveículossemqualquerpadronização,adequaçãoouvistoriatécnica.

NoChile,opoderpúblicochegouapromoverumadisrupçãoradical,permitindooexercíciodaatividademedianteaaquisiçãomensaldeselosembancasderevistasapreçosbematrativos.Daíquepessoasquetinhamoutras atividades de pequena remuneração complementavam suas rendasofertandoaosinteressadosotransporteremuneradoemveículoscommaisdedezanos,algunscommaisde15,semobedecerapadrõesmínimosde

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segurançaouqualidadeetambémsemfiscalizaçãoouvistoriadequalquerespécie.Algunsdescamisadostambémviramnessenichooportunidadedetrabalho que nem tinham, o que, aparentemente, resolvia um problemasocialdesconfortável.

Disso resultou que nenhum empresário sério, minimamenteresponsáveleorganizadoquismaisinvestirnosetor, levadoàbancarrotaporumaopçãodesastrosadeliberaraatividadeaumatal livre-iniciativaque não valorizava o trabalho humano praticado de forma regular eeficienteeatécommaisqualidadequeaopçãoclandestina.

Pode-seconcluirdaexperiênciaporqueoartigo170daConstituiçãobrasileira estabeleceu uma primazia entre os fundamentos da ordemeconômica,certamenteporqueédifícilouapenasnãosequisqueexistisselivre-iniciativaignorandoavalorizaçãodotrabalhohumano,ouseja,aquitambém se observa que poderia até existir trigo sem joio, nunca ocontrário.

Lá como noBrasil, o que acabou acontecendo foi que tais serviçospassaram a ser controlados por milícias, paralelas ao Estado e comdisputas de pontos e controles entre entidades que invocavam, comoqualquer organização criminosa, a representação territorial em feudosdivididos sabe-se lá como, atéque ações judiciaispassarama reprimir erepudiar a prática ou regulações administrativas começaram a organizartransportessuplementaresoualternativos.

Hoje,diantedarealidadedosaplicativos, tãoúteisedesejadospelosusuáriosdosserviços,osmunicípiostentamencontrarmaneirasderegularo uso legítimo dessa tecnologia de auxílio comprovadamente eficaz noserviço de transporte de passageiros e têm encontrado dificuldades, emface da judicialização óbvia que o tema provoca entre os que querem adisrupçãoaqualquercustoeosqueseapegamàblindagemcooperativistacomo se fosse um patrimônio ou sociedade familiar intocável e perene.Pode-sedizerqueambasasvertentesseveemcomoinstitucionalizadaseumamaisadequadaqueaoutra.

Nessa seara,muita fumaçaestá sendo lançadapara embaçar avisãoindependente e necessária ao desate da discussão, uma que observe osnortesmaisrelevantesequedeveriamprevalecernabuscadesoluçãoparaoimpasse.

O primeiro passo é saber que o foco da solução jamais estará nointeresse dos prestadores dos serviços, regulares ou não, mas noatendimentoeficienteaosenhordonegócioqueéousuáriodosserviços.

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Eleeointeressedeleestãoemprimeirolugar.O segundo passo é saber que a igualdade e a legalidade, como

princípios republicanos e democráticos, fincados na Carta Cidadã dePrincípios de 1988, devem ser referenciais prestigiados, sob pena de seinstalarabarbárieeseinstitucionalizarocaosemumaterradeninguém,prometidaaquemseconsiderapovoescolhido.

Oqueseadvogaaquié,pois,apossibilidadeealegalidadedousodeaplicativos,nosmoldesdosprincípios,dosobjetivosedasdiretrizesdaLeidePolíticaNacionaldaMobilidadeUrbana,assimcomooreconhecimentodos inegáveisbenefíciosparaqualquermodalde transporte,emqualqueresferadecompetência.

Porém,umúltimodadomereceserobjetodereflexão,namedidaemque tem se discutido sobre a forma e competência para legislar sobre otema, de formaque tambémnesse pontomuito joio tem se espalhado, epensoqueéútillançarmaisluzsobreotema.

Jásedisseetambémsepublicou,comfundamentonoartigo22,IV,da Constituição Federal, que compete privativamente à União legislarsobre o tema, porque os aplicativos são itens (produtos e serviços) deinformática. Se essa invocação fosse possível, nada mais poderia serlegislado por qualquer outro ente federativo senão a União, porque ainformática está presente em tudo damesma forma que nos serviços detransportesdecargasedepassageiros.Poressesimplesraciocínio,atesemeparece,datavenia,exageradae,poresteexcesso,inaceitável.

O cerne da regulação para essa discussão é o transporte (nãoinformática),enote-sequeotransportetambémapareceentreostemasdomesmo artigo 22 da Constituição Federal, no incisoXI, e nem por issodoutrina e jurisprudência entendem ser competência exclusiva (emborasejaprivativa,oqueadmitedelegaçãoesuplementariedade)daUnião.

Nessesentido,HelyLopesMeirelles (2006,p.444-446)ensinacommaestriaeclarezaassim:

[...]o trânsito eo tráfego sãodaquelasmatériasqueadmitema trípliceregulamentação– federal,estadualemunicipal–conformeanaturezaeâmbito do assunto a prover. [...] Os meios de circulação e transporteinteressama todoopaís, epor issomesmoaConstituiçãodaRepúblicareservouparaaUniãoaatribuiçãoprivativadelegislarsobretrânsitoetransporte (art. 22 XI), permitindo que os Estados-membros legislemsupletivamente a respeito da matéria, nos termos de lei complementar

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pertinente. [...] De um modo geral, pode-se dizer que cabe à Uniãolegislar sobreosassuntosnacionaisde trânsito e transporte, aoEstado-membro compete regular e prover os aspectos regionais e a circulaçãointermunicipal em seu território, e ao Município cabe a ordenação dotrânsitourbano,queédeseuinteresselocal (CF,art.30IeV).Veja-se que nesse tema que abordamosmuito se trata na respectiva

legislação de cidadania, energia, estatística e consórcio aplicados aostransportes,masnãoseestáa legislar sobre tais temas,oque importariaemvíciodeorigemlegislarforadaUnião(artigo22,XIII,XVIIIeXX,daConstituição).Taisleisdispõemsobretransportesesobreváriosassuntosaplicados aos transportes, tal como agora precisa acontecer e estáacontecendocomosaplicativos.

CONCLUSÃOO tema que aqui tratamos é tão rico quanto importante, seja

relativamenteaotransportedecargasquantoaodepassageiros.Penaqueolegislador tenha demorado tanto para dar ao assunto o lugar que elemerece,emsedeconstitucional,oqueatrasoudemaisodesenvolvimentobrasileiro, no que concerne à infraestrutura e ao desenvolvimento, emespecialdascidadesedaspessoas.

Entretanto, há ainda questões que, mesmo tendo legislação farta esuficiente para a compreensão do que deve ser realizado e reconhecidocomoadequadoelegal,aindaprovocamdebatescalorososenecessáriosàqualidadedevidacitadina.

Umdessestemaséadiscussãosobreoqueéserviçopúbicoeoquenãoé;outroéquantoànecessidadeemelhorformadelicitarcadamodal;eaindaoutroésobreamelhorformadeatenderàsdemandassociais,pormeio do transporte e de seus temas afins, incluídos os aplicativos queauxiliam na mitigação das externalidades negativas experimentadas emface do uso iníquo da via pública, seja pela falta de educação para otrânsito,sejapelafaltadeeducaçãoparaamobilidadeurbana.

Também é lamentável perceber que a jurisprudência engatinha nosassuntosdemobilidadeurbana,peloqueadiscussãosobreosaplicativosvai fortalecer e amadurecer os gestores e usuários em seus propósitos eprepará-losparaumagestãomaisdialógica.

Em minha modesta opinião, embora exista projeto de lei no

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CongressoNacionalsobreaadoçãodeaplicativosnotransporteindividualdepassageiros, eo textonãoéumprimor,pois contém incoerências atémesmo sistêmicas, não é ou será isso que afastará a possibilidade de osmunicípios legislarem nos limites de sua competência, podendo,obedecidas as cautelas necessárias, tratar do uso de aplicativos nostransportessemqualquertemordeofensaàConstituiçãoFederal.

Alémdetudooquesedisseaquieemoutroscomentários,aindahámuitomarparaabriremuitojoioparaarrancar,semprecomosriscosdeengoliraáguaquevoltaaoseucursoedearrancartrigojuntocomapraga.

REFERÊNCIASBANDEIRA DE MELLO, C. A. Serviços públicos e serviços de utilidadepública. Caracterização dos serviços de táxi. Ausência de precariedade natitulação para prestá-lo e desvio de poder legislativo. In: ______. Pareceresdedireitoadministrativo. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 212-227.CARVALHO FILHO, J. dos S. Manual de direito administrativo. 25. ed. SãoPaulo: Atlas, 2012.GUIMARÃES, G. S. Comentários à Lei deMobilidadeUrbana. Belo Horizonte:Fórum, 2012.HARVEY, David. Discurso de Abertura na Tenda de ReformaUrbana. Discursoproferido no Fórum Social Mundial. Belém, 29 de janeiro de 2009. Disponívelem: <http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2009/02/440802.shtml>. Acessado em: jun. 2016.MEIRELLES, H. L. Direitomunicipal brasileiro. 15. ed. atualizada por MárcioSchneider Reis e Edgard Neves da Silva. São Paulo: Malheiros, 2006.MELLO, R. M. de. Atividade de fomento e o princípio da isonomia. In:SPAPARINI, P.; ADRI, R. P. (Coord.). Intervenção do Estado no domínioeconômico e no domínio social: homenagem ao Professor Celso AntônioBandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010. 1 Ver, por exemplo, voto do relator nos autos do incidente de

inconstitucionalidade nº 1.0024.12.335573-7/002, do TJMG, em 28 deoutubro de 2015.

2 O GPS é um sistema de posicionamento por satélite que fornece a umaparelho receptor móvel a sua posição, assim como informação horária,sob quaisquer condições atmosféricas, a qualquer momento e em qualquer

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lugar na Terra, desde que o receptor se encontre no campo de visão dequatro satélites GPS.

3 O PDA é um computador de bolso composto por um processador, memóriaviva, um ecrã táctil e funcionalidades rede em uma caixa compacta dedimensão extremamente pequena.

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10CARACTERÍSTICAS DOS SERVIÇOS DE

TÁXIS. O “CASO UBER”

DinoráAdelaideMusettiGrotti

INTRODUÇÃOA Lei da Política Nacional da Mobilidade Urbana classifica os

serviços de transporte quanto aos itens: objeto – de passageiros ou decargas; característica do serviço – coletivo ou individual; natureza doserviço–públicoouprivado(artigo3º,§2º,Leinº12.587/2012).

SERVIÇOS DE TRANSPORTE INDIVIDUAL DEPASSAGEIROS

OincisoVIIIdoartigo4ºdefine transportepúblicoindividualcomo“serviço remunerado de transporte de passageiros aberto ao público, porintermédio de veículos de aluguel, para a realização de viagensindividualizadas”.

SegundoGeraldoSpagnoGuimarães(2012,p.183),oquedistingueotransporteindividualdepassageirosdotransportecoletivo

[...]nãoéonúmerodepassageiros,masjustamenteofatodaviagemserindividualizada, isto porque se trata de serviço específico, aleatório,personalizado,semitinerárioourotapredefinidos1.Otransportecoletivoé serviço público não apenas porque a lei afirma, mas porque suascaracterísticas evidenciam uma prestação pública de atendimentocontínuo à coletividade e de caráter essencial, e que, por isso mesmo,impõeobediênciaaoprincípiodamodicidade.

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Emsuaredaçãooriginal,oartigo12daLeinº12.587/2012dispunha:Osserviçospúblicosdetransporteindividualdepassageiros,prestadossob

permissão, deverão ser organizados, disciplinados e fiscalizados pelo poderpúblicomunicipal,combasenosrequisitosmínimosdesegurança,deconforto,dehigiene,dequalidadedosserviçosedefixaçãopréviadosvaloresmáximosdastarifasaseremcobradas.

Trêsobservaçõesseextraíamdessedispositivo:(1)aleiconsiderouo

transporte individual de passageiros (táxi e similares) serviço público, enãoatividadeprivada;(2)estabeleceuqueessaatividadeéexploradapormeiodepermissãoe, como tal, sujeita aprévioprocedimento licitatório,conforme prescreve o artigo 175 da Constituição da República paraseleçãodosdelegatários;(3)opreçodoserviçoconstituitarifa,realizávelpelopreçopúblico.

Em2013, foi editada a Lei nº 12.865, a qual deu nova redação aoartigo12daLeideMobilidadeenelainseriuoartigo12-A,comosegue:

Art. 12. Os serviços de utilidade pública de transporte individual depassageiros deverão ser organizados, disciplinados e fiscalizados pelopoderpúblicomunicipal,combasenosrequisitosmínimosdesegurança,deconforto,dehigiene,dequalidadedosserviçosedefixaçãopréviadosvaloresmáximosdastarifasaseremcobradas. (RedaçãodadapelaLeinº12.865,de2013)Art.12-A.Odireitoàexploraçãodeserviçosdetáxipoderáseroutorgadoa qualquer interessado que satisfaça os requisitos exigidos pelo poderpúblicolocal. (IncluídopelaLeinº12.865,de2013).§1o Épermitidaa transferênciadaoutorgaaterceirosqueatendamaosrequisitosexigidosemlegislaçãomunicipal. (IncluídopelaLeinº12.865,de2013).§ 2o Em caso de falecimento do outorgado, o direito à exploração doserviçoserátransferidoaseussucessoreslegítimos,nostermosdos arts.1.829 e seguintes do Título II do Livro V da Parte Especial da Lei no10.406, de 10 de janeiro de 2002 (CódigoCivil). (Incluído pela Lei nº12.865,de2013).§3o Astransferênciasdequetratamos§§1o e2o dar-se-ãopeloprazodaoutorga e são condicionadas à prévia anuência do poder público

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municipal e ao atendimento dos requisitos fixados para a outorga.(IncluídopelaLeinº12.865,de2013).

A natureza do serviço

Pelanovaredaçãodoartigo12,oserviçoindividualdepassageiros,otáxi,passaa serqualificadocomoumserviçodeutilidadepúblicaenãomaiscomoserviçopúblico.

AConstituiçãoFederalde1988consideraotransportecoletivocomoserviço público essencial (artigo 30, V), prescrevendo a sua prestaçãodiretamente pelo município ou pelo regime jurídico da concessão oupermissão, por meio de licitação, “não se podendo, como é óbvio,considerarcasualaexplícitamençãoa‘coletivo’.Nisto,atodaevidência,ficou implícito, mas transparente, o propósito de excluir o transporteindividual de passageiros da categorização de serviço público”(BANDEIRADEMELLO,2011,p.217).

OSupremoTribunalFederal(STF)jádissequeotransportecoletivode passageiros é serviço público (Recurso Extraordinário – RE nº140.989/RJ), mas o transporte individual não era reconhecido como tal,senão como serviço de utilidade pública, próprio do exercício da livre-iniciativa, razão pela qual o Estado não deve titularizá-lo, embora devasubmetê-lo à disciplina estatal reguladora, por apresentar reconhecidointeresseparatodaacoletividade.

Expressiva corrente doutrinária afirma que táxi é atividade privadasujeita a controles estatais, mas não é serviço público, ainda que a leiassimodefina(MEIRELLES,2012,p.457;CARVALHOFILHO, 2015,p. 2468-469; BANDEIRA DE MELLO, 2011, p. 227; GUIMARÃES,2012,p.181-185;JUSTENFILHO,2015,p.849;ARAGÃO (2005);DIPIETRO,2015,p.148-149).

CelsoAntônioBandeiradeMello(2011)concluiuemparecerqueaexploraçãodetáxinãoéserviçopúblico,masatividadeeconômicasujeitaàpolíciaadministrativa,regidapelosprincípiosdaatividadeeconômicaequenãosecategorizamostaxistascomopermissionários.

Demaneirageral,ajurisprudênciacaminhounosentidodereconheceraprestaçãodoserviçodetáxiscomoserviçopúblico2.

Algumas leis municipais instituem o transporte individual por táxicomoserviçopúblico3 e outras como atividade de interesse público4.AexploraçãodoserviçodetransportedepassageirosportáxinoBrasilnão

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foi devidamente disciplinada pelos municípios para a “aquisição dasplacas”,querquantoànaturezadaatividade,quantoaoprocedimentoparaaescolha,àfixaçãodeprazodevigênciaouaotermoformalutilizadoparaotrespasseporpermissão,autorizaçãoousimpleslicença5.

Aformacomoaatividadede taxistavinhasendoexercidaacarretoudesvirtuações quanto ao tratamento conferido à matéria, levando àequivocadaconclusãodequeoatoexpedidopelaAdministraçãoconsistiaem uma “propriedade”, passível de transferência inter vivos ou causamortis.Emfacedessavisãodistorcida,houveoaparecimentodolucrativomercadodecomercialização,pormeiode transferências irregularesentreosparticulares,eaexploraçãodosprofissionaisquenãosãodetentoresdostítulos e prestam o serviço como condutores auxiliares, pagando diáriasextorsivaspeloalugueldas“placasdetáxi”.

Diantedessecenário,oMinistérioPúblico temacionadoosPoderesExecutivoslocais,compelindo-osarealizarlicitaçõesparaadelegaçãodosserviçosemreferência.Pormeiodessasações,almeja,alémdemelhoraraprestação do serviço com o aumento da oferta, conferir função social àexploração do serviço, tornando possível aos milhares de condutoresauxiliares o exercício de sua profissão, sem a necessidade deintermediáriosedesujeiçãoaopagamentodediárias.

Transferência ou sucessão da “outorga” do serviçoA artigo 12-A, incluído pela Lei nº 12.865/2013, cuida da

possibilidadedetransferênciaousucessãodaoutorgadoserviçoindividualdepassageiros,otáxi.

Oobjetivodasdiscussõespolíticasque redundounessamodificaçãoerapermitirqueoserviçodetáxipudessesersuscetívelàhereditariedade,passando do falecido prestador do serviço que o explorava àqueles quedependiamdosustentoqueeleproviaenquantovivo.

Importa notar que o mesmo escopo fora antes empreendido semsucesso quando dos debates que resultaram nas leis federais nº12.468/2011(que regulamenta a profissão de taxista; altera a Lei nº6.094/1974edáoutrasprovidências)enº12.844/2013,asquaissofreramvetospresidenciaisparaafastaraprevisãodeobtençãodoserviçodetáxiporherançaeotratodematériadacompetênciamunicipal,ateordoartigo30,I,daCartarepublicana.Éinteressantequeovetadoartigo30daLeinº12.844/2013–quetinharedaçãoexpressasobreaviadaautorizaçãopara

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otrespassedaoperaçãoegarantiaaoautorizatáriosucessoratéosdireitosdeisençãotributáriadosucedido–tratavaoPoderPúblicolocaldamesmaforma,e,naquelaocasião,justificou-seovetonaviolaçãodecompetênciadosmunicípios para regulamentar os serviços de interesse local, questãodesconsideradaquandodasançãodaLeinº12.587/2012

As alterações introduzidas naLei daMobilidadeUrbana resultaramdeatuação firmedos sindicatos edas associaçõesde taxistas, oquenãoafastaoquestionamentodeconstitucionalidadeformal,namedidaemqueamatériaoraaprovadaapresentateorparecidocomaquelaquehaviasidovetada,porduasvezes,comaalegaçãodequeasregrasde transferênciade exploração do serviço de táxi são definidas pelos municípios, tendocomojustificativadesançãoofatodeque,comasucessãopeloprazodeoutorga, o governo federal não estará interferindo na autonomia dosmunicípios.

No plano econômico e social, é compreensível a insistência porperseguir uma proteção legal à subsistência de várias famílias. Todavia,muitasindagaçõesjurídicassurgirãoquantoàinserçãonaleidetemasnãovinculadosexatamenteàmobilidade.

A formalização da exploraçãoSegundoThiagoMarrara(2014),diantedanovaredaçãodoartigo12

daLeidaMobilidadeUrbana,háduasinterpretaçõespossíveis:Ou o legislador quis dizer que não existemais nenhum ato de outorga,porque o serviço não é público, mas de interesse público (privado, nãomonopolizado pelo Estado, mas somente regulado), razão pela qualcaberá aoMunicípio apenas a prática de atos de polícia administrativaou, em outra opção hermenêutica, desejou o legislador registrar que,emboraoserviçosejamonopolizado,aoMunicípiocaberáselecionarqualo tipo de outorga de serviço utilizará: concessão, permissão ouautorização.Embora o art. 12-A utilize a palavra “outorga”, a interpretação maisadequadadanovasistemáticalegalpareceseraprimeiradasduasacimaapontadas.Oargumentomais fortea favordesseentendimento seextraidoart.30,incisoV,daConstituiçãodaRepública,deacordocomoqualcompeteaoMunicípio“organizareprestar,diretamenteousoboregimede concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local,

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incluídoodetransportecoletivo,quetemcaráteressencial”.Apartirdessaredação,mostra-seaceitávelconcluirqueoserviçopúblicomunicipal seriaapenasode transportecoletivo,nãoo individual.Dessemodo, os serviços de táxis e assemelhados configuram unicamenteatividadeseconômicasemsentidoestrito,aqualpodesofrercontroleporvia da polícia administrativa quando prestados por particulares, semprejuízodeopróprioMunicípioinstituirseuserviçoemconcorrênciacomosdemaisagenteseconômicos.[...]Diante desse cenário, o ato de outorga previsto no art. 12-A da Lei deMobilidade Urbana não representa outorga de serviço público, massimplesatodepolíciaadministrativadenaturezaliberatória,ouseja,atopelo qual se licenciam particulares a prestarem atividades econômicasconsistentes no transporte individual de passageiros por táxi eassemelhados.Eseéassim,atarifamencionadapelaLeinadamaiséqueum preço privado controlado pelo Estado com base em lei. Não setrataria,portanto,de tarifanosentidoutilizadopelodireitodosserviçospúblicos.Nãoháquese falar,porconseguinte,deequilíbrioeconômico-financeiro nesses casos, nem mesmo de controle de receitas dosprestadoresdoserviçopeloEstado.Comoanteriormentesalientado,aclassificaçãodotáxicomoserviço

de utilidade pública sempre foi defendida pela doutrina, embora comresistência pela jurisprudência6, e essa mutação legal da identidade ounatureza jurídica, juntamente com a retirada do instituto da permissão,reforça a discussão sobre ser transferível, a qualquer título, a “outorga”paraexploraçãodotáxi.

Acircunstânciadeseroserviçodetáxiatividadeprivadasobcontrolepúblico não impede a adoção de um processo de seleção dos aceitos àprestaçãodosserviçoscompreservaçãodaigualdadeoumediantesimplescredenciamentodosprestadores,vinculandooprocedimentoadotadotantoà Administração quanto aos prestadores, especialmente quanto aoimprescindívelregulamento.

É por isso que o caput do novo artigo 12, corretamente, confere aomunicípio a competência para organização, disciplina e fiscalização, e oparágrafo 3º exige que essa organização e disciplinamento, casoaconteçam,sejamestendidosaoscasosdetransferêncianoslimitesfixadosnaprópria“outorga”.

ObservaGeraldoSpagnoGuimarães(2013)que,

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[...] além desses regramentos, cada município terá que adequar suarealidade, pois alguns têm delegações em vigor, resultantes ou não delicitações. Nas licitadas, algumas têm impedimentos estabelecidos noeditalerespectivocontratoparatransferênciasaqualquertítulo,edeveomunicípio decidir como agir diante desses atos jurídicos perfeitos namedidaemqueestamosdiantedeordenamentonovo.Seocasoespecíficofor de delegação sem licitação, entendemos que a nova lei pode seraproveitada para regularizar as situações doravante mediante leimunicipalquepasseaordenaredisciplinaraautorização.[...]Diga-se,poroportuno,queváriosmunicípiostêmdecisãojudicialsobreoassuntoabordandoexplicitamenteaquestãodastransferências,emgeralvedandoascessões,aqualquertítulo.Nosprocessosaindaemcursocabequestionamento,poisoart.462doCPCpermitequeofatomodificativododireito capaz de influir no julgamento seja considerado, mesmo que ademandaestejaemfaserecursal 7.Anovaredaçãodoartigo12daLeinº12.587/2012passaaconsiderar

otáxicomoserviçodeutilidadepública,reconhecendoquecabeaoPoderPúblicolocalorganizar,disciplinarefiscalizarsua“outorga”àquelesquesatisfaçam os requisitos previamente fixados em cada município, bemcomo a transferência a qualquer interessado (inclusive os sucessoreslegítimos)duranteoprazodela.Reflexamente,taldispositivodesobrigaopoderlocaldepercorreraviadalicitação,oquenãoimpedeaadoçãodeumprocessodeseleçãodosaceitosàprestaçãodosserviços.

Aalteraçãodoartigo12-AnaLeinº12.587/2012,queasseguraaosherdeirosodireitodecontinuarexplorandooserviçonocasodamortedotaxistatitulardaautorização,bemcomoautorizaaotaxistaatransferênciadodireitodaoutorgadaexploraçãodoserviçodetáxiaterceiro,resultoude intensa pressão de entidades representativas de taxistas, o querepresentaumgrandeganhoparaacategoria.

Considera-se complexa a determinação de que, “em caso dofalecimentodooutorgado”doserviçode táxi,“odireitoàexploraçãodoserviço será transferido a seus sucessores legítimos [...]”, ainda quedependentes de prévia anuência do Poder Público municipal e doatendimentoderequisitosfixadosparaa“outorga”(artigo12-A,§2ºe3º).

A alteração remete a solução à vocação legítima doCódigoCivil eatraiaideiadequeéumbempatrimonial.Muitasforamasmanifestações

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devarasdesucessãoqueautorizaramoumesmoordenaramatransferênciadoveículoerespectivadelegaçãoaherdeiros.Oscivilistasjamaisviramoóbicepropagadopelosadministrativistasàsucessão,eagoraaleiendossaesse expediente quando indica comopossível a autorização, dependendoapenasderegulaçãopréviadomunicípio.

Oquestionamentomaiorgiraráemtornodométodoparaencontraromelhorcaminhoparaatalsucessão(GUIMARÃES,2013).

Trata-se,semdúvida,deumassuntotormentoso,queestálongedeseencontrar apaziguado.Tantoassimqueoprocurador-geraldaRepública,Rodrigo Janot, ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº5.337)noSTFemfacedoartigo12-AdaLeinº 12.587/2012, §§ 1º, 2º e 3º, os quais permitem a transferência deautorizaçãodeserviçodetáxi,emviolaçãoaosartigos5º,caput(princípioda isonomia) e 37, caput (princípio da impessoalidade), daConstituiçãoFederalde1988.AfirmaJanot:

Em se tratando de autorização para exercício de profissão, para cujodesempenho há múltiplos cidadãos interessados em obter autorizaçãoidêntica, cabe ao poder público, em decorrência dos princípiosconstitucionais da isonomia e da impessoalidade, controlar osdestinatários dessas autorizações e permitir que os interessados a elasconcorram de maneira equânime e impessoal, sem favoritismos nemperseguições.ParaJanot,alivrecomercializaçãooutransferênciadasautorizaçõesé

incompatível com a Constituição Federal. Por isso, o Poder Públicoprecisa impedir que taxistas autorizados repassem,mediante pagamento,asautorizaçõesaquemlhesoferecermaiorretribuição.“Taisautorizações,portanto, detêm caráter intuitu personæ. Cessado o desempenho daatividadeporpartedotaxista,porqualquermotivo(aposentadoria,morte,desinteresse,caducidadeetc.),aautorizaçãodevecaducareseroferecidaaoutrointeressadoquepreenchaosrequisitos”.

Nãohá falar, portanto, emdireito subjetivo à exploraçãodo serviçopelos sucessores legítimosdooutorgado”,defendeoprocurador-geralnaação.Eacrescentaque

[...]anormaoraatacada,aoestabelecera transferênciadaautorizaçãoparaodesempenhodaatividadedetransportepormeiodetáxi,acabapor

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criar uma categoria privilegiada, em clara violação do princípio daisonomia(art.5º,caputedoprincípiodaimpessoalidade(37,caput).[...]Porfim,valeressaltarqueapartefinaldo§3ºdoart.12-AdaLei12.587/2012 8 nãoafasta a inconstitucionalidadedos preceitosora impugnados,umavezquenãoevitaaconcessãodeprivilégiosaumdeterminado grupo de pessoas, em afronta, repita-se, aos princípios daisonomiaedaimpessoalidade.Emdespachode30de junhode2015,o relator (ministroLuizFux)

solicitou informações prévias, a serem prestadas, sucessivamente, pelaPresidênciadaRepública,bemcomopeloCongressoNacional,noprazolegal.Após,dê-sevistaaoadvogado-geraldaUniãoeaoprocurador-geraldaRepública,sucessivamente,paraadevidamanifestação9.

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TÁXIS NOMUNICÍPIO DE SÃO PAULO

AprestaçãodosserviçosdetáxisnomunicípiodeSãoPauloéregidapelaLeiMunicipalnº7.329/69,regulamentadapeloDecretonº8.439/69.Portanto,aleipassouatervigênciaemcontextoanterioràpromulgaçãodaConstituição Federal de 1988, levando-nos a inferir que a permissão secaracterizouporserumatounilateral,discricionárioeprecário,peloqualoPoder Público delegava ao particular a prestação do serviço, não seexigindoprévialicitação.

ALeiMunicipalnº7.329/69estabeleceuqueotransporteindividualde passageiros constitui serviço de interesse público, podendo serexecutado tão somente mediante prévia e expressa autorização daprefeitura, já que uma série de exigências é feita às pessoas jurídicasconstituídaspara a execuçãodesse serviço,bemcomoàspessoas físicas(motoristas profissionais autônomos) para que obtenham o termo depermissãoealvarádeestacionamento.

A transferência de alvará de estacionamento foi expressamentepermitida pela lei, e a Portaria nº 114/2008 DTP/SMT regulamentou atransferênciadetitularidade,dependendodepréviodeferimentododiretordo Departamento de Transportes Públicos, em regular processoadministrativo10.

OMinistérioPúblicoingressoucomAçãoCivilPúblicanº0016639-

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80.2013.8.26.0053 perante a 13ª Vara Fazenda Pública de São Paulo,afirmandoquevêmsendopraticadosilícitosadministrativosnaoutorgade“alvarás de estacionamento” para a prestação dos serviços de táxi nacidadedeSãoPaulo,umavezqueasformasprevistasdetransferênciaseconcessão de novos alvarás permitem que pessoas físicas e jurídicasexplorem o serviço de transporte por meio de táxi sem que tenham sesubmetido, previamente, a um procedimento licitatório. O MinistérioPúblico expediu recomendação à prefeitura de São Paulo para queinstaurassetalprocedimentoparaaconcessãodoserviçodetransportedepassageiropormeiodetáxinacidadeequefossevedadaatransmissãododireitodeexploraçãodaatividadeaossucessoresouaterceiros.

Argumenta ainda que a licitação se faz necessária pelo fato de oserviço de táxi ser um serviço público objeto de permissão do PoderPúblicoequehaveriaincompatibilidadedaLeiMunicipalnº7.329/69edoDecretonº8.439/69comaConstituiçãoFederaleLeinº8.987/85.Pede,emsuma,quesejamdeclaradasarevogação,incidentertantum,departedosartigos19e20daLeiMunicipalnº7.329/69edosartigos26e27doDecretonº 8.439/69; a declaração de nulidade de todas as permissões de táxisconcedidasmediantealvaráapós5deoutubrode1988;eacondenaçãodomunicípio de São Paulo a instaurar procedimento licitatório para aconcessãodosserviçosdetransportedepassageirospormeiodetáxiseaseabsterdeefetuarqualquertransferênciadealvarádeestacionamentodetáxisouderenovaraspermissões,excetoapósarealizaçãodelicitação.

A tutela antecipada foi indeferida, e o Ministério Púbico interpôsAgravodeInstrumento,distribuídosobonº0093622-85.2013.8.26.0000.A 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Pauloentendeuque,porserserviçodeinteressepúblico,eranecessáriaaprévialicitação nos termos do artigo 175 da Constituição de 1988 e deuprovimento ao agravo para deferir a liminar, determinando que amunicipalidade não concedesse, renovasse ou autorizasse a transferênciadosalvarásdeestacionamentoedeterminandomedidascabíveisparaqueseefetuassealicitação.

Em sede de contestação, o município de São Paulo alegou que ométodoutilizadopara aoutorgadenovos alvarás atende aoprincípiodaimpessoalidade, aproximando-se da licitação emantendo a outorga comnatureza precária, de forma a não engessar a Administração Pública.DefendeuaindaqueoserviçodetáxideveserregulamentadopeloPoder

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Público, mas possui natureza de atividade econômica – e não serviçopúblico.Apermissãoestavasendoconcedidasobtrêsformas:(1)sorteiopelaLoteriaFederal;(2)portransferêncianoscasosprevistosemlei;e(3)emcasosespecíficos,pordeterminaçãoemanadadoPoderJudiciário.

A Associação das Empresas de Táxi do Município de São Paulo(Adetax)eoSindicatodasEmpresasdeTáxieLocaçãodeTáxidoEstadode São Paulo (Sinetaxi) pediram para entrar na lide como litisconsortesnecessários, tendoemvistaofatoderepresentaremaspessoasque iriamsuportar,diretamente,osefeitosdoprovimentodemandado.

OSindicatodosTaxistasAutônomosdeSãoPauloeomunicípiodeSão Paulo opuseram embargos de declaração, e o Tribunal rejeitou osprimeiroseacolheuemparteosopostospelamunicipalidade,concedendoefeito infringente, para modificar o dispositivo do acórdão embargado,apenas no tocante à renovação das permissões já existentes, permitindoque sejam renovadas pelo Poder Público até a realização do certamelicitatório.

OmunicípiodeSãoPaulo,por suavez, tornouaopor embargosdedeclaraçãocontraoreferidoacórdão,alegandoque,emrazãodosefeitosconcretosenormativosdaantecipaçãodatutela,aquestãodeveriatersidoanalisada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça/SP. Recebidos osembargos,elesforamrejeitados.

Na sentença que julgou improcedente a ação civil pública,primeiramente o juízo afastou os pedidos de litisconsórcios necessários,uma vez que a concessão se dá a título precário e pode ser revogadaunilateralmente,nãosendodevidanenhumaindenizaçãoaoprejudicado.Ojuízo se referiu à concessão como se fosse permissão, tanto é que, apósfalaremconcessão,aduziuqueéconferidaatítuloprecárioaserrevogadaunilateralmente.

Ojuízoaindaentendequeasleismunicipaisnºs7.329/69e10.308/87conferem ao serviço de táxi o tratamento de atividade econômica. Aexploraçãodesseserviço,emboraseuexercícioseencontrecondicionadoàpréviaexpediçãodeautorização,nãootransformaemserviçopúblico:

Entendoqueosserviçosde táxiatendemaumanecessidadede interessegeral,umanecessidadecoletiva,masque,porserematividadesprivadaseexercidas por particulares, dependem de autorização do Poder Público,sendo por ele regulamentadas e fiscalizadas. Não se trata de atividadeprópriadaAdministraçãooudeserviçoessencial,massimdeatividadede

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interessecoletivo,quepode,portanto,dispensaroprocessolicitatóriosemquehajanenhumaviolaçãoaprincípioconstitucional.Nãosepodenegara sua utilidade e relevância para a coletividade, daí a necessidade defiscalizaçãoeregulamentação,masnãoháaaplicaçãodoregimejurídicoadministrativoàsautorizaçõesconcedidaspeloPoderPúblicoMunicipal.Na sequência, fundamenta que, pelo artigo 6° da lei, “a Prefeitura

poderá, a qualquer tempo, cassar a inscrição no CadastroMunicipal deCondutoresdeTáxis,oAlvarádeEstacionamentoeoTermodePermissãosemqualquerdireitodeindenizaçãoaopermissionário”.

Dessedispositivoéquesedenotaanaturezajurídicadeautorização,quepodeserrevogadaaqualquertempo,nãotemcarátercontratualequenãoseencaixanadefiniçãodepermissãodeserviçopúblico, sujeitoaosditames da Lei nº 8.666/93. Por fim, o juízo aborda o alvará deestacionamento como uso de bem público e, uma vez que a outorga denovas autorizações é feita mediante sorteio entre os interessados,atendendoarequisitosdoPoderPúblico,garanteo tratamento isonômicoaosinteressados.

Argumenta que a edição da Lei nº 12.587/2012, com as alteraçõesproduzidaspelaLeinº12.865/2013,veio“aencerraradiscussãosobreapossibilidadeda transferênciados referidosAlvarás e a competênciadosMunicípiosemfazê-lo,emseusartigos12e12-A”.

Após proferida sentença de improcedência da ação, o MinistérioPúblico interpôs recursode apelaçãovisando à sua reforma integral, e aAssociaçãodosTaxistasdeSãoPaulo,oSindicatodasEmpresasdeTáxide São Paulo, o Sindicato dos Taxistas Autônomos de São Paulo e aFederaçãodosTaxistastambéminterpuseramrecursosdeapelação,apenasdestinadosaoreconhecimentode litisconsórciopassivonecessáriocomoMunicípio de São Paulo. Vale destacar que os recursos de apelaçãointerpostospelasentidadesclassistasnãopleiteiamanulidadedasentença.

O magistrado considerou intempestiva a apelação do MinistérioPúblico sobo argumentode que a apelaçãoprotocolada anteriormente àapreciação de embargos de declaração e não reiterada é intempestiva,acolhendo os embargos de declaração da municipalidade. O MinistérioPúblicoapresentouAgravodeInstrumentonº2232301-94.2014.8.26.0000,havendo sido concedido o efeito ativo de modo a determinar oprocessamento do recurso de apelação ofertado pelo recorrente. Dadoprovimentoaorecursoem29dejunhode2015,foramopostosembargos

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dedeclaraçãopelaFederaçãodosTaxistasAutônomosdoEstadodeSãoPaulo(Fetacesp)epelaAssociaçãodasEmpresasdeTáxisdoMunicípiodeSãoPaulo(Adetax)em14deagostode2015,queforamrejeitadosem31deagostode2015.

A apelação retomou seu processamento e foi reaberto prazo paraapresentaçãodecontrarrazõesdeapelação,jájuntadasaosautos.

O CASO UBERLançadonosEstadosUnidos em2010,presente emmuitospaíses e

cidadesdomundotodo,entreasquaisSãoPaulo,RiodeJaneiro,Brasíliae Belo Horizonte, o aplicativo Uber é uma plataforma tecnológica deacesso gratuito para rodar em dispositivosmóveis (como smartphones etablets), acessível pormeio da internet, que permite conectarmotoristasprofissionaisparticulares11epotenciaisclientes,previamentecadastradosno site/aplicativo da Uber e interessados em contratar seus serviços. Areferidaplataformaservede“intermediárioparaumcontratodetransporteentreconsumidoresemotoristas-proprietáriosdeveículos”.(ANDRIGHI,2015).

Por meio do sistema “app”, o passageiro fica ciente do tempo deespera,escolheotipodeserviçodesejado,obtémumaestimativadocustodaviagemeconfirma,ounão,oserviço,oqualseráporeleavaliadoaofinaldaviagem.Amanutençãodocadastramentodosmotoristasdependedessasavaliaçõesrecebidas,oquepermitemanterocontroledaqualidadedosserviçosdetransporteprestados.

OmodeloUberdeaplicativoviabilizaumnovoserviçodetransporteprivado individual, assim nominado por ser um serviço restrito a grupoespecíficodepassageiros(usuáriosdetecnologia),configurandoatividadenão aberta ao público, voltada, na prática, para a realização de viagenscomcaracterísticasoperacionaismuitoprópriasediferenciadas(definidasporumambientesocialvirtual).PontuaAndréRamosTavares(2015):

OmodeloUBERdeaplicativoultima(concebeepermitequeseefetuenaprática) um novo serviço de transporte privado individual. Referidaatividadepropiciadaemtermosconcretosdeveserassimrotuladaporquese tratade serviço restritoagrupodefinidodepassageiros (usuáriosdetecnologia),ouseja,umaatividadenãoabertaaopúblico,sendovoltada,naprática,paraarealizaçãodeviagenscomcaracterísticasoperacionais

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muitoprópriasediferenciadas(definidasporumambientesocialvirtual).O agente tecnológico (UBER) não se confunde com o usuário datecnologia(motoristaseclientes),cadaqualestáinseridoemsuaprópriaórbitaeregimejurídicosomotorista-usuário-do-aplicativoestabelececomousuário-clienteumarelaçãojurídicadetransporte;aUBERtemcomosusuários diversos (motoristas e clientes) a relação jurídica de uso detecnologia.Ocorre, porém, queo referido serviço temgeradomuita polêmica e

váriascontestaçõesjudiciais,sobretudoporentidadesligadasaostaxistaseaos proprietários de frotas de táxi. De um lado, encontram-se taxistasdefendendo o “seu” mercado (cujo acesso é fechado e limitado pelaslicenças emitidas pela prefeitura); de outro, os titulares do aplicativo, osmotoristasautônomos(quequeremexplorarumaatividadeporsuacontaerisco)eosusuáriosclientesdaUber.

Osopositoresdessesistemaargumentamasuadesconformidadecomalegislaçãoregulamentadoradaatividadedetaxista,dotransportepúblicoindividual de passageiros sujeito à autorização municipal, e legalmentemonopolizado pelos taxistas, a promoção do transporte clandestino depassageiroseapráticadeumaconcorrênciadeslealcomorecolhimentodevalores de impostos inferiores aos pagos pelos taxistas. Para tanto,invocamas leis federaisnºs12.468/2011,12.587/2012e12.619/2012.ALeiFederalnº12.468/2011regulamentaaprofissãodetaxista(artigo1º)eserefereatransportepúblicoindividual(artigo2º),semaludiramotoristaparticular ou autônomo, tampouco a transporte privado individual; aprevisãocontidanoartigo2ºdaLeinº12.468/201112,emborapossagerarconfusãojurídica,nãotemocondãodeexcluira“profissãoeaatividadedomotorista autônomo, proprietário, ou não, de veículo, que presta seuserviço de forma lícita,mediante contrato típico previsto no art. 730 doCódigoCivil”(ANDRIGHI,2015,p.16).ALeinº12.587/2012–LeidaPolítica Nacional deMobilidade Urbana – não derroga o artigo 730 doCódigoCivil, pois apenasdefineoque é transportemotorizadoprivado,mas não restringe a prestação desse serviço a taxista, que temexclusividade apenas para prestar serviço de transporte públicoindividual13.

Porsuavez,aLeinº12.619/2012,aoalteraraConsolidaçãodasLeisdoTrabalhodisciplinandooserviçodomotoristaprofissionalempregado(artigo235-A), nãoderrogouo artigo730doCódigoCivil, queprevêo

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transporteprivadoindividualprestadopormotoristaautônomo–oquenãosignifica que, a exemplo do ocorrido na Califórnia, não se possareconhecer,casoacaso,ovínculotrabalhistaentreosmotoristaseoUber(ANDRIGHI,2015,p.17-18).

Deve-se registrar que as leis nºs 12.468/2011, 12.587/2012 e12.619/2012 não regulamentam aplicativos de internet utilizados comoferramenta de pactuação de contratos de transporte privado individualfirmados entre passageiros e motoristas particulares, não havendo,juridicamente, como proibir tais aplicativos com base nas referidas leis(ANDRIGHI,2015,p.19).

A propósito da matéria, em setembro de 2015, o Departamento deEstudos Econômicos (DEE) do Conselho Administrativo de DefesaEconômica (Cade) lançou o documento “O mercado de transporteindividual de passageiros: regulação, externalidades e equilíbrio urbano”(ESTEVES,2015),quetratadosnovosserviçosdecaronaspagas(Uber)emercadodetáxis.

Esse estudoatestaque, dopontodevistada lógica concorrencial, odebate não pode ser reduzido a uma discussão binária do “pode ou nãopode” e indica que seria desejável que as autoridades locais buscassemaprimorar ao máximo seus mecanismos de coleta e processamento deinformações,bemcomodeseusinstrumentosdeinteligênciaanalítica,demodo a fornecer respostas mais rápidas, eficientes e efetivas a eventosdisruptivosquetragamimplicaçõesdiretasouindiretasparaodiaadiadascidades.

Registraaindaque,nocasodagestãodeumapolíticadeformaçãodeummercadoestruturadodecaronaspagas,asrespostasaalgumasquestõessãofundamentais:

• Quais são a previsão e a meta da frota de veículos operando no

mercadodecaronaspagasnaquelacidade?•Qual é o impacto em termos de carros adicionais nas ruas? Seria

apenasefeitosubstituiçãodafrotajáexistente?• Um carro dedicado à carona paga substituiria quantos carros

particulares que tomariam espaço de estacionamentos nos centrosurbanos?

• Caso adicione carros nas ruas, qual seria a estimativa de frotaadicional? Quais serão as regiões da cidade mais afetadas? Qual será aimplicação em termos de consumo adicional de bens públicos? Haveria

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aumentodecongestionamentosedepoluição?•Casohajaoriscodeaumentarafrotadeveículosnasruas,podendo

implicaroaumentodecongestionamentosepoluição,quemarcariacomocustodasexternalidadesdeconsumodosserviçosdecaronaspagas?

• Seria possível acomodar potenciais efeitos adversos com o meroremanejamento do trânsito? Seriam necessários investimentos adicionaiseminfraestruturaviária?

•Serianecessárioe/ouestratégicoreformularoplanodezoneamentodascidadesparaacomodaronovoserviçoaomenorcustosocialpossível?Ouissonemserianecessário,poisseusimpactosseriamnegligenciáveis?

Conclui:As respostas para tais perguntas são fundamentais para a análise decustosebenefíciosdaautoridade local, inclusivepara tratardeeventualdesregulamentação domercado de transporte individual de passageiros,poisanãointernalizaçãodepotenciaisexternalidadestornariaocustodosserviçosdetransporteindividualdepassageirosmaiseconômicodoqueosocialmente desejável, tornando a oferta do serviço desnecessariamentemaior.Emsuma, todaa sociedadearcariacomoônusdaexternalidadeem prol do aumento de bem-estar dos consumidores de serviços detransporteindividualdepassageiros (ESTEVES,2015).No entanto, a par das recomendações trazidas no referido estudo,

recentementefoieditadanacidadedeSãoPauloaLeinº16.279,de8deoutubrode2015,queproibiuousodecarrosparticularescadastradosemaplicativos para o transporte remunerado individual de pessoas nomunicípiodeSãoPaulo14.

Sem ver risco concreto na lei paulistana que proibiu serviçosparticulares de transporte solicitados por aplicativos de celular, oÓrgãoEspecial do Tribunal de Justiça de São Paulo, em 11 de novembro de2015, negou, por unanimidade, pedido liminar impetrada pelaConfederação Nacional de Serviços – Processo nº 2216901-06.2015.8.26.0000,quepediasuspensãodaLeinº16.279/2015.

Alegaorelator,odesembargadorFranciscoCasconi,a“ausênciadosrequisitosautorizadoresparaexcepcionalconcessãodatuteladeurgência”,entendendoquesuspenderaleipoderiaocasionarintranquilidadesocial.Inverbis:

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Pôr-se-iaemdisputaapazsocial,cujosefeitosduradourosdemandamaatuaçãoserenaeprudentedoPoderJudiciário,quedeveseorientarpelasensibilidadedosinteresseseorecentehistóricodeeventosenvolvendoaquestão,prestigiandoassimasegurançaeointeressepúblico,sobretudo,seconsideradaaefemeridadedoatualcontextoprocessualdeurgência.Em 6 de novembro de 2015, o ConselhoAdministrativo deDefesa

Econômica (Cade) pediu ao TJ-SP para entrar na Ação Direta deInconstitucionalidadecomoamicuscuriae.Aentidadeafirmaquenãoháelementos econômicos que justifiquem a proibição de novos prestadoresde serviços de transporte individual, bem como que a atuação de novosagentestendeaserpositiva,sobumaóticaconcorrencialedoconsumidor.

Anossover,porém,aproibiçãocontidanomencionadodiplomalegalofende várias liberdades garantidas pela Constituição Federal e pelalegislaçãofederalordinária.

A importância do princípio da “livre-iniciativa” em nossa ordemjurídica é inicialmente realçada no artigo 1º, IV, como um dosfundamentos daRepúblicaFederativa brasileira.A livre-iniciativa figuratambém,juntocomavalorizaçãodotrabalhohumano,comofundamentoda ordem econômica nacional, no artigo 170, caput, da Lei Maior,devendoobservar,entreoutrosprincípios,odalivreconcorrência(incisoIV) e o da defesa do consumidor (inciso V). Em seu parágrafo único,excetuando-seoprevistonoartigo173ConstituiçãoFederal,assegura“atodos o livre exercício de qualquer atividade econômica,independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casosprevistosemlei”.

ALei nº 12.965/2014, ao estabelecer os princípios, as garantias, osdireitos e os deveres para o uso da internet no Brasil, “determina asdiretrizes para atuação daUnião, dosEstados, doDistrito Federal e dosMunicípios em relação àmatéria” (artigo 1º). Também estabelece comoum dos fundamentos da disciplina do uso da internet no Brasil a livre-iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor (artigo 2º, V).Ressalta que a disciplina do uso da internet tem como um dos seusprincípiosa“liberdadedosmodelosdenegóciospromovidosna internet,desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nestaLei”(artigo3º,VIII).

Cabe ainda ressaltar que, pela Lei nº 12.529/2011 que estrutura o

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SistemaBrasileirodeDefesadaConcorrênciaedispõesobreaprevençãoerepressãoàsinfraçõescontraaordemeconômica,

[...] constituem infração da ordem econômica, independentemente deculpa,osatossobqualquerformamanifestados,quetenhamporobjetooupossam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:[...]limitarouimpediroacessodenovasempresasaomercado(art.36,§3º, III) e criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou aodesenvolvimentodeempresaconcorrenteoudefornecedor,adquirenteoufinanciadordebensouserviço(art.36,§3º,IV).Da análise conjunta da estrutura legislativa vigente torna-se patente

quenãocompeteaosmunicípios,aosEstadoseaoDistritoFederallegislarsobre aplicativos de internet de intermediação de “transporte privadoindividual”,comooéoprestadopelosmotoristas-proprietáriosdeveículosaconsumidoresqueusamtaisaplicativosparafirmarentresiessetipodecontratodetransporte;razãopelaqualtodasasleismunicipais,estaduaisoudistritaisquevenhamaproibirousododeaplicativosdeintermediaçãoparaconsumidoresemotoristas-proprietáriosdeveículos firmementre sicontratos de “transporte privado individual”, alémde incompatíveis comos dispositivos infralegais citados, ainda padecem de grave vício deinconstitucionalidade, por incompatibilidade com os artigos e incisosconstitucionaisarrolados(ANDRIGHI,2015,p.12).

Considerando o modelo, as premissas e categorias da Constituiçãobrasileira e das leis federais em vigor, com propriedade afirma AndréRamosTavares(2015):

[...] a atividade de transporte propiciada pelo modelo UBER nem écoletiva, nem é pública. Pela ausência dessas características, não estásujeitaaoregimedeinterferênciadiretadosMunicípiosnasuaexploraçãoeconômica(comoocorrecomostáxis),razãopelaqualnãodemandanemconcessão nem permissão de autoridade pública. Observadas diversascondiçõeselimitesdeleisemvigor,qualquerMunicípiopodeatuarparaorganizar,disciplinarefiscalizarascondiçõesdedesempenhodoserviçoultimado pelo modelo UBER, até mesmo fixar previamente os valoresmáximosdastarifasaseremcobradas.Noentanto,paraisso,oMunicípiodepende do reconhecimento domodeloUBER como serviço de utilidadepública (já que não se trata de serviço público stricto sensu), o que só

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pode ser feito, no sistema jurídico brasileiro, por alteração da LeiNacional deMobilidadeUrbana. Logo, é inconstitucional a intervençãodo Município, bem como a tentativa de tratar o modelo UBER comoserviçodeutilidadepública,semprévialeifederalqueassimoreconheça.São inconstitucionaisosdesdobramentosquepressupõemessamudança,como a exigência de prévia e específica autorização municipal paraexercício da atividade pelos motoristas que se utilizam da plataformatecnológica UBER. Uma proibição dirigida à circulação e ao uso doaplicativo choca-se com a proteção constitucional à liberdade deexpressão tecnológica no contexto brasileiro (igualmente constitucional)deummodelodemocrático(aberto)eprivado-individualdetransporte.A isso se agregue a postura assumida pelo STF no julgamento de

váriasADIs15,quandoentão“reconheceua inconstitucionalidadede leisestaduais e distritais que tencionaram regular, no ambiente presencial, oserviçodetransporteindividualdepassageiros”(ANDRGHI,2015,p.13).

Dessa feita, a tentativa de regulação da atividade de transporteprivadoindividualdepassageirosmedianteremuneraçãoencetadapelaLeinº16.279/2015nãosóatestaofatodeessamodalidadedetransportenãoser atualmente regulada, como também, ao tentar normatizá-la, agiu emfrancodescompassocomacompetênciaque lhe foi atribuídapeloTextoConstitucional.Portanto,háqueseconsiderarqueoserviçooferecidopelaUber não é um serviço de táxi, ou mesmo de transporte clandestino,porqueoqueestásendoofertado“éumserviçoaindanãoreguladopeloordenamento jurídico brasileiro. E o fato deste não estar regulado nãosignificaqueesteéilícito”(MONTEIRO,2011).

OutraimpropriedadepresentenaLeiº16.279/2015,domunicípiodeSão Paulo, é que ela ignora a distinção entre os modelos de transporteindividual de passageiros (públicos ou privados), concedendo aosprofissionais taxistas uma indevida exclusividade de controle sobrequalquer tipo de transporte individual e remunerado de passageiros,criando,assim,umainjustificávelreservademercado.Oreferidodiplomalegal,alémdeproibiraaçãodepessoasjurídicasnodesenvolvimentoenaoperação de plataformas tecnológicas que aproximam motoristasparticulares de clientes, igualmente impede o emprego de aplicativos notransporteindividualprivadodepassageiroseaassociaçãoentreempresasadministradoras desses aplicativos e estabelecimentos comerciais, tendocomoconsequênciaumadescabidarestriçãoaosmodelosdenegócio,em

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descompassocomopreconizadonaLeiFederalnº 12.695/2014, e um tolhimento do ingresso e da manutenção ematividades legítimas, expressamente previstas noCódigoCivil, naLei nº12.587/2012enoMarcoCivildaInternetnoBrasil,violando,dessaforma,oprincípiodaliberdadedeiniciativa.

OBSERVAÇÕES FINAISHáumhiatolegislativocomrelaçãoaosserviçosofertadospormeio

domodeloUberedasuaplataforma.E,emfacedaausênciaderegulaçãodeserviçosdetransporteoferecidosdeformaprivada,estesnãopodemserconsideradosilícitos,sobpenadeofensaaoprincípiodolivreexercíciodaatividadeeconômica(ORDEMDOSADVOGADOSBRASIL,2015).

É certo tambémque, emdecorrência do princípio da livre empresa,consagrado no artigo 170, parágrafo único, da Constituição, a falta deregulamentação de determinada atividade econômica em sentido estritonão importa em proibição ao seu exercício, mas em possibilidade deatuaçãodoparticular.

Por fim, ressalte-se que não é apenas o caso da Uber que está emdiscussão, mas, sim, novas tecnologias que mudam a forma como seproduzemesefornecemserviços.

ComodestacaAndréRamosTavares(2015),[...] estão no epicentro desse debate postulados caros à democraciabrasileira,comoaafrontadiretaacertasliberdadespúblicas,aexemploda livre iniciativado trabalho, daatividade econômica ea liberdadedeexploração tecnológica.Mas, além disso – e aqui há uma especificaçãopontual mais preocupante – ignora-se certo e inarredável dever de oEstadobrasileiropromoveroadequadodesenvolvimentourbanoeatutelaprioritária da tecnologia aplicada às nossas necessidades e problemasbrasileiros (art.218eparágrafosdaConstituiçãodoBrasil).Deve-seterpresentequeoadventodasnovastecnologiassemprenos

impõe a missão de adequar a legislação vigente à recém-chegadarealidade.

REFERÊNCIAS

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165

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GO, no qual o Superior Tribunal de Justiça (STJ) distinguiu expressamenteo táxi como transporte individual de passageiros, rejeitando a aplicação denormas do transporte coletivo a esse tipo de prestação.

2 TJMG nº 1.0024.01.577094-4/017, 4ª Câmara Cível, rel. des.(a) AlmeidaMelo, j. 14/6/2012, DJe de 05/12/2012; TJ/MG Agravo de Instrumento-Cvnº 1.0024.13.411274-7/001, rel./6ª Câmara Cível, rel. des.(a) Corrêa Junior,j. 12/8/2014, data da publicação da súmula 26/8/2014; TJSP Apelação nº0003502-87.2013.8.26.0196, 5ª Câmara de Direito Público, rel. LeonelCosta, j. 2/12/2013; TJSP Apelação nº 0002168-33.2013.8.26.0482, 7ªCâmara de Direito Público, rel. Moacir Peres, j. 25/11/2013; TJSP Apelaçãonº 0024348-40.2011.8.26.0053, 3ª Câmara de Direito Público,rel. Amorim Cantuária, j. 18/9/2012; TJSP Apelação nº 0030738-26.2011.8.26.0053, 3ª Câmara de Direito Público, rel. Amorim Cantuária. j.4/9/2012; TJSP Apelação nº 9301236-77.2008.8.26.0000, 27ª Câmara deDireito Privado. rel. Gilberto Leme, j. 19/6/2012. Em sentido contrário:TJMG Agravo de Instrumento nº 1.0153.12.008875-9/002, transitado emjulgado, rel. Bitencourt Marcondes; TJ/MG no Agravo de Instrumento-Cv n]

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1.0024.13.414670-3/001/BH, 8ª Câmara Cível, rel. des.(a) BitencourtMarcondes, j. 18/7/2014, data de publicação da súmula 28/7/2014, tendotransitado em julgado em 12/9/2014; TJ/RS Agravo nº 70057035990, de25/11/2013. TJ/RS. ADIn nº 70063136576/Porto Alegre, Órgão Especial,rel.: des. Denise Oliveira Cezar, v. u. j. 24/8/2015. O STF RE nº359.444/2004 é citado como o exemplo de que aquela Corte entende que oserviço de táxi não é serviço público.

3 Belo Horizonte (Lei Orgânica do Município, artigo 193); Porto Alegre (Lei nº11.582, de 21 de fevereiro de 2014); Linhares – Espírito Santo (Lei nº2.927, de 1º de março de 2010).

4 Distrito Federal (Lei nº 5.323, de 17 de março 2014).5 STJ. ROMS nº 15.490 – RJ (2002/0145783-7), item 2, rel. min. José

Delgado DJ, 7 abr. 2003. Ver ainda o REspnº 410367/MG, (2002/0012851-2), 2ª Turma, rel. min. Eliana Calmon, DJ, 2dez. 2002, em que o STJ acentua o usual desprestígio à melhor técnicatambém na nomenclatura permissão/concessão. Nessa assentada, o STJesclarece que, mesmo tendo em comum a prévia licitação, a permissãopermanece como precária e alterável por iniciativa da Administração,enquanto a concessão garante a revisão de cláusulas.

6 TJMG. nº 1.0024.01.577094-4/017, 4ª Câmara Cível, rel. des. AlmeidaMelo, j. 14/6/2012, DJe de 5/12/2012.

7 REsp nº 75.003/RJ, T3, rel. min. Waldemar Zveiter, j. 26/3/1996, DJ,10/6/996.

8 “§ 3º As transferências de que tratam os §§ 1º e 2º dar-se-ão pelo prazo daoutorga e são condicionadas à prévia anuência do poder público municipale ao atendimento dos requisitos fixados para a outorga.”

9 Movimentação. Sem liminar – aguardando julgamento. Movimentação: em21/8/2015 com vistas à Advocacia-Geral da União (AGU) e em 8/9/2015com vistas à Procuradoria-Geral da República (PGR)

10 “Art. 19 – Fica permitida a transferência de alvará de estacionamento depessoas jurídicas ou físicas para quem, satisfazendo as exigências legais eregulamentares, possa executar o serviço de transporte individual depassageiros por meio de táxi. Art. 20 – Por força do disposto no artigoanterior, fica expressamente permitida a transferência de alvará: a)ocorrendo sucessão, fusão ou incorporação de empresa por outrapermissionária do serviço; b) ocorrendo a morte do motorista autônomo,viúva ou a seus herdeiros, enquanto pelo menos um deles for incapaz; c)ao espólio, viúva ou a herdeiro de motorista autônomo. 1 – Aquele queadquirir a propriedade do veículo deverá preencher as exigências desta lei,salvo nos casos previstos na letra ‘e’ deste artigo. 2 – Ao espólio, viúva eaos herdeiros de motorista autônomo é assegurado o direito de registrarcondutor para dirigir o veículo. 3 – Nas hipóteses previstas nas letras ‘c’, ‘d’e ‘e’, o Alvará somente poderá ser transferido para empresa permissionária

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ou motorista profissional inscrito no Cadastro Municipal de Condutores deTáxis.”

11 Esses motoristas são empreendedores individuais que utilizam aplataforma Uber em sistema de “economia compartilhada” (sharingeconomy), que otimiza o acesso e contato entre passageiros e condutores.Eles são credenciados pela Uber, pagando-lhe o correspondente a 20% dovalor que percebem de cada passageiro, como retribuição pela utilizaçãoda plataforma tecnológica. A Uber credencia apenas motoristasprofissionais, cujas carteiras de habilitação autorizem o exercício deatividade remunerada de condutor de veículos (SARMENTO, 2015).

12 “Art. 2º É atividade privativa dos profissionais taxistas a utilização deveículo automotor, próprio ou de terceiros, para o transporte públicoindividual remunerado de passageiros, cuja capacidade será de, nomáximo, 7 (sete) passageiros.”

13 Cumpre ressalvar que o transporte público individual diferencia-se dotransporte privado individual, porque, como aponta Nancy Andrighi (2015,p. 17), é “aberto ao público, isto é, no transporte público individual, háobrigatoriedade de atendimento universal, razão pela qual o taxista nãopode recusar o passageiro ou trajeto por ele solicitado; ao passo que notransporte privado individual impera a autonomia da vontade do motorista,que tem o direito de aceitar firmar o contrato de transporte com oconsumidor, de acordo com a sua conveniência”.

14 “Art. 1º Fica proibido no âmbito da Cidade de São Paulo o transporteremunerado de pessoas em veículos particulares cadastrados através deaplicativos para locais pré-estabelecidos.”

15 Cf. ADIs nºs 1.592/2003, 2.606/2003, 2.802/2003, 2.8028/2003,3.049/2004, 2.328/2004, 2.432/2006, 3.679/2007 e 3.121/2011(ANDRIGHY, 2015, p. 13-14).

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11SERVIÇOS DE TÁXI: ASPECTOS

JURÍDICOS CONTROVERTIDOS EMODELOS REGULATÓRIOS

ThiagoMarrara

INTRODUÇÃO: A MOBILIDADE E A CIDADEPor que nos juntamos em cidades? Eis a pergunta central que

necessita ser retomada antes que se discuta a mobilidade urbana e seaborde a problemática da prestação e da regulação dos serviços detransporte no Brasil, com especial atenção para os serviços de táxi eanálogos.

Conquanto os limites entre urbano e rural tornem-se cada dia maissutis e imprecisos, há uma diferença crucial entre a cidade e o campo.Comofenômenosocial,geográficoecultural,acidadesecaracterizaporumaconcentraçãodeindivíduosemumespaçorelativamentelimitadoeàqualsesomampaulatinamenteatividadeseconômicas,culturas,modosdevida, instituições próprias, além de uma densa infraestrutura física. Naversão mais poética de Jacqueline Beaujeu-Garnier (1997, p. 47),defensoradaconcepçãodesistemaurbano,

[...]acidadeéconstituídaporessamistura,porestesaspectosmúltiplos:umesqueletodepedra, tijolooucimento;homensqueseacotovelamematividades infinitamente diversas, o poder da concentração, amultiplicaçãodaspossibilidades,dosrecursos,doconflito,doprogresso,umaformadecivilizaçãoemmarcha.Aconcentraçãode indivíduos fazdascidadesoespaçodos fluxose

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das trocas. Afinal, em um terreno reduzido e densamente povoado, astrocas são facilitadas e barateadas, daí por que se diz que a urbanizaçãogeraeconomiasdeconcentração,ouseja,reduçõesdecustosquederivamdoadensamentoedaproximidadepopulacionalemseuterritório.

O espaço urbano dos fluxos não se limita apenas ao campo docomércio,dosetorterciário,daeconomia.Ourbanoémarcadopelorápidointercâmbiodeafeto,derelações,deinformações,valores,conhecimentoseculturas.Atépoucotempo,antesdeseconstruíremedeseconsagraremredesdigitaisglobaiseespaçosde trocasnoambientevirtual,ascidadesconstituamomeiosoberanodas trocas,dosfluxosedodesenvolvimentode relações sociais, econômicas e culturais –muitas delas juridicamentereguladas.

Comoespaçodecontatos,fluxosetrocasdasmaisvariadasnaturezas,a função primária da cidade consiste em permitir que os indivíduosbusquem e atinjam aquilo que consideram relevante para satisfazer suasnecessidades econômicas, sociais e individuais. E não poderia serdiferente, já que os indivíduos não se reúnem em cidades para degradarseu bem-estar. Eles se agregam no território urbano e nele influemexatamente pelo objetivo oposto: melhorar suas condições de vida, suainteração,seuscontatos,sembem-estar.

Paraqueacidadecumpraminimamentesuafunçãoprimáriaessencialcomo espaços dos fluxos1, mostra-se imperioso que alguns requisitossejam preenchidos: (1). há que se oferecer uma infraestrutura físicaadequada para a circulação e a interação no espaço urbano (aspectogeográfico)2,(2).éprecisoqueoscustosdeinteraçãonãosejamelevados(aspectoeconômico)e(3).queoambienteurbanosejaseguroesaudável(aspectoambiental).

Sob a perspectiva jurídica, à medida que se garantem todas essascondiçõesdemaneira satisfatória,oespaçourbanose transformaemumlocal de intensiva concretização de direitos. Entretanto, quando osrequisitos em tela são ignorados ou cumpridos de modo deficiente, oespaçourbanopassaabloqueareprejudicardireitos.Acidadeperdeseusentido, sua função primária, sua razão de existir. O sistema urbanoadoece.

É nessa relação entre espaço urbano, fluxos e direito que ganhamrelevância dois temas: mobilidade e serviços de transporte, como os detáxi. Para evidenciar essa afirmação, neste breve ensaio, parte-se deconsiderações e reflexões acerca do papel da mobilidade para a

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concretizaçãodafunçãourbana,apontam-seostiposbásicosdetransporteprevistos na Lei deMobilidade e, ao final, ingressa-se na discussão dotema central de estudo: o serviço de transporte individual de interessepúblico, deque são exemplosos serviçosde táxi, e seu regime jurídico,comespecialdestaqueparaasnormasqueoregulam.

MOBILIDADE, FUNÇÃO URBANA E RENÚNCIA ÀCIDADE

Para que a cidade cumpra a função essencial que seus habitantesesperam e promova economias de concentração no desenvolvimento dastrocas, dos fluxos e das interações, é preciso que a locomoção dosindivíduos e de suas cargas ocorra de maneira simples, fácil, segura ebaratanotecidourbano.Essassãoascaracterísticas ideaisda locomoçãono espaço urbano. Não basta, portanto, qualquer mobilidade, mas amobilidadeadequada3,ouseja,aquelacaracterizadapelosquatroadjetivosjápontuados.

Há,porém,algunsfatoresquedificultamaofertadecondiçõesideaisdemobilidade.

Em primeiro lugar, é possível que as cidades se expandamintensivamentedopontodevistademográficoeterritorial,demodoqueospercursosnecessáriosparaastrocaseasinteraçõessetornemexcessivose,ao final, desestimulem a locomoção e a circulação. Isso se vislumbramuitofacilmenteemcapitaisdepaísesemdesenvolvimento,nasquaisasdificuldades de mobilidade impõem técnicas de adaptação para fins deobtençãodeummínimodequalidadedevida,comoabuscademoradiapróximaaotrabalhoearestriçãodasrelaçõessociaisaoespaçodobairroemquesehabita.

Emsegundolugar,aindaqueacidadenãosealargueespacialmente,seu mero adensamento populacional, por fatores naturais ouextraordinários,podegeraroestrangulamentoouoesgotamentodasviasdelocomoçãoporcontadotransporteindividualoudotransportepúblicoexistentes. Nessas situações, dada a escassez da infraestrutura detransporte, a interação se dificulta não pelo aumento dos percursos,maspelos constrangimentos e incômodos causados pelo uso intensivo eesgotantedasvias,sejaemmeiodetransportepúblicoouindividual.

Em ambas as hipóteses exemplificativas, os efeitos negativos seigualam:afacilidadedefluxosereduz,aseconomiasdeconcentraçãoque

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justificam a existência dos espaços urbanos desaparecem, os custos deinteração e locomoção aumentam e o exercício de direitos fundamentaisurbanos sofre graves restrições. Os impactos negativos da falta demobilidadelevam,nassituaçõesmaisextremas,àrenúnciadoindivíduoàprópriacidade,aqualsemanifestatantopeladesistênciadeusodoespaçourbanoquantopelaemigração.

Paraque todosessesefeitos sejamcontroladosecombatidos, eparaque a queda demobilidade não culmine na renúncia à cidade, torna-sefundamental a ação proativa do Estado quer no desenvolvimento depolíticas nacionais de mobilidade urbana, quer pela adoção de medidasconcretasnoâmbitodecadamunicípio.

Atentaaoproblema,aConstituiçãodaRepúblicade1988atribuiuàUnião as competências de: (1) executar planos nacionais e regionais deordenação do território, bem como instituir diretrizes para odesenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico etransportes(artigo21,incisosIXeXX),e(2)legislarsobreasdiretrizesdapolítica nacional de transporte e sobre trânsito e transporte (artigo 22,incisos X e XI). Aomunicípio, por sua vez, a Constituição conferiu astarefas de: (1) organizar e prestar, direta ou indiretamente, os serviçospúblicos de interesse local, incluído o de transporte público, quedesempenha caráter essencial, e promover o adequado ordenamentoterritorial (artigo 30, incisos V e VIII), e (2) desenvolver uma políticadesenvolvimentourbanoquegarantaasfunçõessociaisdacidadeeobem-estardeseushabitantes(artigo182,caput).

OS TIPOS DE TRANSPORTE NA LEI DE MOBILIDADEOtextoconstitucional,demaneiraevidente,consideraostransportes

(e,porreflexo,amobilidade)essenciaisaodesenvolvimentourbanoeaobem-estardapopulação.Apartirdosmandamentosconstitucionais antesapontados, o Congresso editou a Lei de Mobilidade Urbana (Lei nº12.587/2012),aqualdeuespecialdestaqueàgestãodostransportescomoferramentanecessáriaàviabilizaçãodamobilidadeadequadanascidades.

Apesar de a lei apresentar conteúdo excessivamente descritivo,classificatórioeconceitualemgrandepartedeseutexto–oqueseexplicapelacompetênciadaUniãoparaeditardiretrizesenormasgeraissobreamatéria–,apadronizaçãodostiposdeserviçodetransportequefoiporelatrazida mostra-se bastante relevante. Em poucas palavras, subjacentes à

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classificação legal encontram-se critérios que se apoiam no objetotransportado,nanaturezajurídicadotransporteenasuafunçãoprivadaoucoletiva4.Nessesentido,otransporteurbanosedividepelaleinacionalemtransporte de carga ou de passageiros. Este, por seu turno, subdivide-seem:(1)transporteprivadoindividual,(2)transporteprivadocoletivo5,(3)transportepúblicoindividuale(4)transportepúblicocoletivo.

Desses quatro meios de transporte urbano de passageiros, maiordestaque foi conferido ao transporte público coletivo, haja vista suairrefragável relevância social e sua enorme conveniência urbanística dopontodevistaambientaleespacial,jáqueelepermiteodeslocamentodeum número significativamente alto de indivíduos, mas mediante uso deespaçomuitomenorqueonecessárioparaotransporteindividual6.

Nointuitodevalorizarotransportepúblicocoletivo,serviçopúblicode competência primariamente municipal, a Lei de Mobilidade traçoualgumasdiretrizesquedevemser seguidaspelosPoderesPúblicos locaisao elaborarem suas políticas demobilidade.Os artigos 8º e 10º da Lei,entre outras coisas, indicamcomodiretrizes: a necessidadede garantir aacessibilidade e a ocupação equilibrada da cidade; a transparência esimplicidadenaprestaçãodoserviço;amodicidadedatarifacobrada(noscasos de execução indireta por concessionário ou permissionário, salvoquando houver gratuidade); a busca das integrações física, tarifária eoperacional dos prestadores e dos meios de transporte; a articulaçãofederativa, sobretudo em áreas metropolitanas; e a obrigatoriedade daadoção de metas de qualidade, as quais devem ser estimuladas pelaprevisão de penas e incentivos em relação a executores indiretos dessesserviços.

Nãointeressaaesteestudo,contudo,oaprofundamentodotransportepúblicocoletivo,massimaanálisedoregimejurídicodosserviçosdetáxiedeseuscongêneres.

O TRANSPORTE POR TÁXI: TRADICIONAL, FIXO EPOR SOLICITAÇÃO REMOTA

Ao construir a Lei Nacional de Mobilidade, o legislador reputounecessárioinserirdiretrizesgeraisparaaexecuçãodoserviçodetransportepúblicoindividualdepassageiros,ouseja,paraserviçosdetáxi.Éverdadequetaisserviçosnãosecaracterizampelaacessibilidadefinanceiraepelas

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vantagensespaciaisquemarcamoserviçodetransportepúblicocoletivo,mas ainda assim foram considerados relevantes por algumas razões quemerecemregistro.

A uma, os serviços de transporte público individual possibilitamviagens personalizadas e, com isso, cobrem trajetos e horários nãonecessariamente realizados pelo transporte coletivo, conferindoflexibilidade emaior capilaridade ao sistema de transporte. A duas, taisserviçossãocapazesdegerar,sobcertascondições,benefíciosespaciaiseambientais, sobretudo porque reduzem a necessidade de espaço urbanoparaestacionamentodeveículosindividuaisprópriosemcertasregiões.

Esseseoutrosbenefíciossãohipotéticos,diga-sebem!Naprática,asvantagensconcretasdosserviçosde táxivariamconformeomodocomoeleéprestadonocontextourbano.Aesserespeito,háquesealudirapelomenostrêsformasdeprestação7:•Tradicional:pelaqualostáxiscirculampelasruasaleatoriamenteatéquesejamabordadosporpassageirospotenciais,modelonoqualo serviçoacaba contribuindo para a degradação ambiental e para oestrangulamento das vias públicas (isso em razão do aumento deveículossempassageirosnasruasedaqueimainútildecombustível).

•Fixa:naqualostáxisaguardamempontosespecíficosdistribuídospelacidade, aos quais os passageiros se dirigem quando interessados noserviço, o que evita a circulação aleatória dos veículos e reduz osimpactosambientaiseeconômicosdoprimeiromodelo.

• Transporte por solicitação remota: em que o potencial passageiro,localizado em ponto geográfico distinto ao do transportador, entra emcontatoparasolicitarseusserviçospormeiodeinúmerastecnologiasdecomunicação,detelefoneae-mailouaplicativosdecelulares.

REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS DE TÁXI: O ARTIGO12 DA LEI DE MOBILIDADE

Ainda que não tenha feito menção expressa a essas três formas deprestação do serviço de táxis e congêneres, a Lei de Mobilidade nãodesprezou os serviços em questão. Nomeadamente com o objetivo decontribuirparaaformulaçãodepolíticasdemobilidadeadequadanopaís,ela estabeleceu diretrizes básicas sobre tais serviços – as quais, porconstaremdenormasnacionais,atingemtodososentesdaFederação.

No tratamentodoassunto,asnormasdaLeideMobilidadede2012

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foram logo alteradas em 2013 e, mais tarde, em 2015. As referidasalterações mostraram-se significativas, na medida em que atingiram anaturezajurídicadoserviçoemquestãoegeraramnovasdúvidassobreseuregime jurídico e, igualmente, sobre as opções dos municípios nodesenvolvimento de políticas públicas específicas para esse modo detransporteurbano.

NaredaçãoorigináriadaLeideMobilidade,haviaapenasoartigo12queassimdispunha:

Art. 12. Os serviços públicos de transporte individual de passageiros,prestados sob permissão, deverão ser organizados, disciplinados efiscalizados pelo poder público municipal, com base nos requisitosmínimosdesegurança,deconforto,dehigiene,dequalidadedosserviçosedefixaçãopréviadosvaloresmáximosdastarifasaseremcobradas.A partir da redação transcrita, hoje revogada, observa-se que o

legislador considerava os serviços de táxis como espécie de serviçopúblicomunicipal. Nessa qualidade, não havia dúvida de que o serviçopoderiaserprestadodiretamentepeloPoderPúblicolocalouindiretamentepor particulares. Para fins de delegação, a Lei de Mobilidade aindaimpunha de modo explícito a adoção do instrumento da permissão,celebradocomcadaprestadore–supunha-se–precedidodealgumtipodeprocedimentoracionaldeescolhadosprestadores.

Naquele contexto normativo, o serviço era monopolizado pelomunicípio,eaentradadenovoprestadornessemercadosomenteocorriacaso lograsse celebrar a referida permissão. Havia, pois, um comandonormativonacionalparaocontroledeentradadecompetidoresnosetor.Fora isso, impunha-seumaregulaçãodequalidade (segurança,conforto,higiene etc.), bem como a regulação de preço, mediante a fixação detarifasmáximasqueseriamcobradaspelosprestadoresindiretos.

Empouquíssimotempo,contudo,essesmandamentosforamalteradosdeformasignificativa.ALeinº12.865de2013conferiunovaredaçãodoartigo 12 originário e, além disso, inseriu o artigo 12-A, com trêsparágrafos,naLeideMobilidade.Valeatranscrição:

Art. 12. Os serviços de utilidade pública de transporte individual depassageiros deverão ser organizados, disciplinados e fiscalizados pelopoderpúblicomunicipal,combasenosrequisitosmínimosdesegurança,

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deconforto,dehigiene,dequalidadedosserviçosedefixaçãopréviadosvaloresmáximosdastarifasaseremcobradas.Art.12-A.Odireitoàexploraçãodeserviçosdetáxipoderáseroutorgadoa qualquer interessado que satisfaça os requisitos exigidos pelo poderpúblicolocal.§1ºÉpermitidaatransferênciadaoutorgaaterceirosqueatendamaosrequisitosexigidosemlegislaçãomunicipal.§ 2º Em caso de falecimento do outorgado, o direito à exploração doserviçoserátransferidoaseussucessores legítimos,nos termosdosarts.1.829 e seguintes do Título II do Livro V da Parte Especial da Lei nº10.406,de10dejaneirode2002 (CódigoCivil).§3º Astransferênciasdequetratamos§§1ºe 2ºdar-se-ãopeloprazodaoutorga e são condicionadas à prévia anuência do poder públicomunicipaleaoatendimentodosrequisitosfixadosparaaoutorga.DeacordocomDinoráGrotti(2015,p.93),taisalteraçõesresultaram

sobretudoda“atuaçãofirmedossindicatoseassociaçõesdetaxistas”,masnão afastam debates sobre a constitucionalidade dos novos dispositivos,cujas redações incluemnormasque jáhaviamsidopropostasnopassado(porexemplo,emrelaçãoàsucessãodasoutorgas),masqueforamvetadaspela Presidência com base na alegação de violação da autonomiamunicipal. Apesar dessa incoerência da Presidência, fato é que asalterações não foram declaradas inconstitucionais, e, por isso, cabe aseguir enumerar as suas consequências em termos normativos para osserviçosdetáxi:

•Os antigos “serviços públicos de transporte individual de passageiros”(redação originária do artigo 12) transformam-se em “serviços deutilidadepúblicadetransporteindividualdepassageiros”(redaçãoatualdoartigo12).

•Osserviçoscontinuamsobacompetênciamunicipal,masnãomaiscomomodalidadedeserviçopúblicosobtitularidadeestatal.

• Os serviços passam a constituir atividade econômica privada e nãomonopolizada,sujeitaunicamenteàregulaçãopelopoderlocalmediantetécnicasdepolíciaadministrativae/oufomento.

•Comonãosãoserviçospúblicos,masatividadeeconômicaregulada,emalguns municípios, a ausência de táxis e congêneres não constituirá

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afrontaàConstituiçãoouadireitosfundamentais,razãopelaqualnãosepoderá aplicar o direito social àmobilidade (artigo 6º daConstituiçãoFederal)paraexigiraprestaçãodetaisserviços.

• Pelo mesmo motivo apontado no item anterior, o município apenaspoderáentrarnomercadodeprestaçãodeserviçosdetáxiecongênerescaso respeite os requisitos constitucionais de intervenção direta naatividade econômica (princípio da subsidiariedade, previsto no artigo173,caputdaConstituiçãoFederal).

•Acompetênciamunicipalficalimitadaaocontroledemercado(pormeiodepoderdepolíciaadministrativaoufomentocomointervençãosobreaeconomia) e deverá abarcar a regulação de qualidade e de preços.Contudo,note-sequea redaçãoatualdoartigo12ainda falade tarifa.Reitere-se,porém,quese tratadepreçoprivadocomteto tabeladoemcadalocalidade(tabelamentolocaldepreço).Nãoháqualquertarifa,emsentido técnico-jurídico,poisnãomaisexisteserviçopúblicodelegadonessesetor.Daíporquearedaçãodoartigorevelaumerroconceitual.

•Oexercíciodecontroledeentradadosagenteseconômicosnomercadode táxi não mais se afigura compulsório. Nesse sentido, cabeexclusivamente ao município decidir se realizará ou não controle deentrada, fixando, por exemplo, limites de prestadores. Para tanto, éimportantequeogovernolocalleveemcontaatuteladalivre-iniciativa,a promoção da concorrência e do bom funcionamento domercado detransporte urbano, a defesa do consumidor e a proteção do ambientenatural e urbano (princípios da ordem econômica constantes do artigo170daConstituição).

• Caso o município decida realizar a regulação de entrada nomercado,deverá se valer de mecanismos de polícia, como a licença ou aautorização– note-se queo artigo12-Autiliza, corretamente, o termogenérico “outorga”, deixando ao município a escolha do atoadministrativo mais adequado, que pode ser mais ou menosdiscricionário de acordo com a legislação local. Além disso, DinoráGrotti (2015, p. 94) também aponta a possibilidade de uso decredenciamentoparaviabilizarreferidocontrole.

• Caso decida realizar a regulação de entrada nomercado de táxis combaseemseupoderdepolícia,omunicípiodeverárespeitarosprincípiosda Administração Pública, sobretudo o da impessoalidade. Em outraspalavras, comoatividade regulada, a autorizaçãoou licença independederealizaçãode licitação,masexigeprocedimentoracionaldeescolha

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dosbeneficiáriosdoatodeadmissãonomercado.• Instrumentos como a permissão e a concessão não devem mais serempregados pelos municípios para viabilizar a entrada de agenteseconômicosnessesetor,jáquetaisinstitutosserestringemàfunçãodedelegação de serviços públicos (artigo 175 da Constituição daRepública), e, como esclarecido, os serviços de táxis recaem nacategoriadosserviçosdeinteressepúblico.

• A outorga para exploração do serviço de táxi, de acordo com leimunicipal,poderásertransferívelaterceiro,masobservadosrequisitosrazoáveis fixados por leimunicipal e obtida a anuência do ente localcompetente. Em todo caso, a transferência não reiniciará o prazo deoutorga.

•Aoutorgaparaexploraçãotambémsetransferiráemrazãodemorteaossucessoresdobeneficiáriooriginário,masnovamentemedianterespeitoaos requisitos legais, anuência do ente competente e continuidade doprazooriginariamenteestipuladoparaaoutorgatransferida.Finalmente,em6dejulhode2015,foieditadaaLeinº13.146,cujo

artigo 119 agregou um novo artigo a respeito dos serviços de táxi econgêneresnaLeideMobilidadeUrbana,asaber:

Art. 12-B. Na outorga de exploração de serviço de táxi, reservar-se-ão10%(dezporcento)dasvagasparacondutorescomdeficiência.§1º Para concorreràsvagasreservadasnaformado caput desteartigo,ocondutorcomdeficiênciadeveráobservaros seguintes requisitosquantoaoveículoutilizado:I–serdesuapropriedadeeporeleconduzido;eII–estaradaptadoàssuasnecessidades,nostermosdalegislaçãovigente.§2º No casode nãopreenchimento das vagas na forma estabelecidanocaput deste artigo, as remanescentes devem ser disponibilizadasparaosdemaisconcorrentes.Esse mandamento impõe aos municípios acoplar à sua política de

regulaçãodos“serviçosdeinteressepúblicodetransporteprivado”açõesafirmativas favoráveis a deficientes. Melhor dizendo: a lei nacionalestabelece uma quota de 10% das outorgas para esse grupo vulnerável.Contudo,háquesetercautelanainterpretaçãodomandamentolegal,pois,como afirmado linhas atrás, a regulaçãode entradade novos agentes no

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setoreconômicoexaminadodependedeumaescolhadoPoderLegislativolocalaoestabelecerapolíticadetransportedeinteressepúblico.Casoosentescompetentesnãodefinamregulaçãodeentradarestritiva,oumelhor,ummáximodeoutorgasaserconcedido,entãonãohaveráquesefalardequalquer tipodecota,pois todoequalquer indivíduo,deficienteounão,poderá atuarno setor, contantoque atenda aos requisitos regulatóriosdequalidade (incluindo propriedade do veículo e sua adaptação técnica) erespeiteotetodepreço.

Entretanto, caso o município opte pelo controle quantitativo deprestadores, aí deverá garantir os 10% das outorgas em favor dedeficientes.Noentanto,paraevitarqueindivíduosnãodeficientestentemsebeneficiarindevidamentedacotaeocuparomercadoouquedeficientesusem a cota, mas transfiram o serviço a um não deficiente de modo aaniquilar a efetividade da política inclusiva, a Lei Nacional, de modobastante perspicaz, exige que o beneficiário da cota demonstre possuirveículo próprio para prestação do serviço e que exerça a atividadediretamente. Reitere-se: não pode o deficiente beneficiado delegar aprestação de serviço a um não deficiente. Em sentido reverso, não sepermitequeonãodeficientesebeneficiedacotaportransferiraprestaçãodoserviçoaumdeficiente.AmbasassituaçõessãoilegaisnostermosdaLeideMobilidade.

REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS DE TÁXI: MODELOSPOSSÍVEIS

Os aspectos legais até agora tratados não esgotam a problemáticaregulatóriadoserviçoemdiscussão.Cumprediscutirseeemquemedidaos municípios estão juridicamente autorizados a adotar um sistema deregulaçãoassimétrica,porexemplo,comoobjetivodediferenciarserviçosdetáxideruadosserviçosfixosoudaquelessolicitadosremotamente.

Nãohádúvidasdequeessadiscussãoganhourelevânciaapartirdomomentoemquetaxistasreguladospassaramacompetircomparticularesque agem de modo informal e com suporte de aplicativos diversosdisponibilizados pela internet8. Por conta desse fenômeno, despontaramquestões sobre o acesso a mercados para novos entrantes, os efeitos daampliação dos prestadores de serviços, o desenvolvimento de melhorespadrõesdequalidadeparaosconsumidoresetambémsobreosproblemasambientaiseurbanísticosgeradospelosserviçosdetáxi.

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No fundo, porém, a discussão que se desenrola agressivamente nomercado de serviços de transporte individual de passageiros não é nadanova.Trata-sedemaisumproblemaurbanonoqualseconfrontam,deumlado,atividadeseconômicasforteeformalmentereguladaspeloEstadoe,de outro, atividades informais que ocorrem àmargemdosmandamentosjurídicoseque,porisso,libertam-sedecontrolesdeentrada,bemcomodepadrões estatais de qualidade e de regras administrativas fixadoras depreços.

Sob essas circunstâncias, constitui afronta à isonomia e à livreconcorrênciaaomissãodoPoderPúblicolocalnatomadadeprovidênciapararegulartodosaquelesserviçosdetransportequeseprestamàanálogafunção urbanística. Entretanto, embora a omissão se revele indevida eprejudique maiormente os agentes regulados por normas de fixação depreços,dequalidadeedeentrada,nãoseafigurajuridicamenteimpossívelque os municípios adotem um modelo assimétrico, isto é, um modelonormativoqueleveemcontaaspeculiaridadesdecadaumdostrêstiposdesse serviçode transporte individualdepassageiros, apontadoparaelesregimesjurídicosdiferenciados,masassentadosnasdiretrizesnacionais.

Comorevelaoartigo12daLeideMobilidadeUrbana,osserviçosdetáxiconstituematividadeseconômicasderelevânciapública,e,comotal,cabe aos municípios regulá-las no intuito de promover os princípios daordem econômica e, aomesmo tempo, concretizar a função primária dacidade. Ademais, omesmo dispositivo legal, na redação consagrada em2013,evidenciaquenãohámaisobrigatoriedadedecontroledeentrada.Isso significa que cadamunicípio pode adotar uma política de outorgaslimitadasou,aorevés,deoutorgassemlimitaçãoquantitativa.Imagináveligualmenteéacumulaçãodosdoismodelos.

Frise-sebem:deacordocomaLeideMobilidade,nadaimpedequeaprestação de serviço ocorra sem a outorga prévia municipal se assim odecidir o legislador local. Poder-se-ia pensar que, nessa hipótese, aregulaçãodequalidade,queéobrigatóriapela legislaçãobrasileira, seriaprejudicada.Naprática,porém,apreocupaçãoéfacilmentecombatida.Adesnecessidade de outorga prévia não obsta o controle de qualidadeconcomitante, seja ele de natureza preventiva ou repressiva. A falta deoutorga prévia tampouco inviabiliza a fixação de preço máximo. Porconsequência, é perfeitamente viável que se mantenha a regulação dequalidade e de preço (tarefas municipais obrigatórias) a despeito daexistênciadeumcontroledeentrada(tarefamunicipalfacultativa).

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Portudoisso,e–reitere-se–desdequeomunicípionãoabramãodaregulaçãodequalidadeedafixaçãodepreçomáximo,impostaspornormanacionalvinculantedetodososentesdaFederaçãoeaplicávelaqualquerdas três formas de prestação dos serviços de táxi, a adoção de eventualassimetria regulatória não será a princípio ilegal. É concebível eperfeitamente lícita a adoção de ummodelo de convivência de serviçossujeitosacontroledeentradacomoutrosqueaelenãosesubmetem.

Há, contudo, que se refletir sobre os impactos positivos e negativosdos modelos regulatórios que surgem como alternativa de política aomunicípio,quaissejam:(1)omodelodesujeiçãodetodososprestadoresao mesmo controle de entrada e à regulação formal e (2) o modelo deconvivênciadocontroledeentradaparaprestadoresdealgumasformasdoserviçode táxi comumsistemade entrada aberta paraoutras formasdomesmo serviço.Oquadro abaixo, no intuito de contribuir à reflexão e àcomparação,trazpotenciaisefeitosdecadaopçãopolítica9.

Pormeiodessabrevesistematização,algunspontosconclusivosficamevidentes:(1)existemváriasopçõesregulatóriasdosserviçosdetransporteprivadodeinteressepúblico,sobretudonoâmbitodocontroledeentrada,umavezquearegulaçãodequalidadeedepreçoestádeterminadaemleinacional como tarefa obrigatória doMunicípio; (2) não há uma soluçãoregulatóriaidealeóbvianessesetore(3)cadaentelocal,emconsideraçãoe ponderação de suas circunstâncias econômicas e territoriais, devemensurar a geração das vantagens e desvantagens concretas de cadaalternativapolítico-normativa,promovendoverdadeiraanálisedeimpactoregulatório sob o risco de, em vez de promover a mobilidade urbana,prejudicá-la.

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CONCLUSÃOAinda que tardiamente, o direito brasileiro finalmente passou a se

ocupardemodointensocomotemadamobilidade,requisitocentralparao cumprimento da função primária das cidades: viabilizar a interaçãohumana por meio da garantia do espaço de fluxos na cidade. Todavia,inúmerosaspectosjurídicosnecessitamserdebatidosesolucionadosnessamatéria,mormentenotocanteàconstruçãodemodelosregulatórioslocaisparaosserviçosdetransporteurbano.

No intuito de colaborar para o debate acadêmico, empreendeu-seneste estudo um exame das normas nacionais que regem os serviços detransporteprivadodeinteressepúblicoediscutiram-se,demaneirasucinta,os modelos regulatórios possíveis, sobretudo no tocante ao controle deentrada de prestadores de serviços de táxi. A esse respeito, buscou-seesclarecer a recente evolução da legislação nacional, as consequênciasjurídicas que dela resultaram e as variáveis regulatórias que devem serconsideradaspelosmunicípiosnaavaliaçãodealternativaspolíticas.

Doquantoseinvestigou,merecedestaqueoreconhecimentojurídicodadiscricionariedadequeaLeideMobilidadepassouaconcederaoPoderPúblico localparaoptarounãopela regulaçãodeentradadeprestadoresde serviçosde táxi apartirde2013.Écombasenessepoderdeescolhaque as alternativas regulatórias se abrem e precisam ser cuidadosamente

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avaliadas.O melhor modelo de política pública de transporte privado de

passageiros certamente será o que se adaptar à realidade local e,principalmente,ocapazdepromovernãoasimplesmobilidade,massimde atingir um padrão efetivo de mobilidade adequada, marcada pelasegurança, simplicidade, facilidade e modicidade das formas delocomoção no tecido urbano. Somente assim, a política local poderáreverter o fenômeno da renúncia à cidade, hoje, mais do que nunca,resultado das graves deficiências de mobilidade urbana que afetam ascidadesbrasileiras.

REFERÊNCIASBEAUJEU-GARNIER, J. Geografia urbana. Lisboa: Calouste Gulbenkian,1997.CASIMIRO, L. M. S. M. de; MELO, J. P. P. Administração Pública no séculoXXI: planejamento, mobilidade urbana e desenvolvimento socioeconômico. In:PONTES FILHO, V.; GABARDO, E. (Org.). Problemas emergentes daAdministração Pública: Anais do XXVIII Congresso Brasileiro de DireitoAdministrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2015.ESTEVES, L. A. Omercado de transporte individual de passageiros: regulação,externalidades e equilíbrio urbano. Brasília: Departamento de EstudosEconômicos do Cade, 2015.GROTTI, D. A. M. Táxi. In: PONTES FILHO, V.; GABARDO, E. (Org.).Problemas emergentes da Administração Pública: Anais do XXVIII CongressoBrasileiro de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2015.GUIMARÃES, G. S. Comentários à Lei deMobilidadeUrbana. Belo Horizonte:Fórum, 2012.MARRARA, T. Bens públicos, domínio urbano, infra-estrutura. Belo Horizonte:Fórum, 2007.MARRARA, T. Transporte público e desenvolvimento urbano: aspectosjurídicos da política nacional de mobilidade. Revista Digital de DireitoAdministrativo, v. 2, n. 1, p. 120-136, 2015.MARTINS, R. M. Soluções para a mobilidade urbana. PONTES FILHO, V.;GABARDO, E. (Org.). ProblemasemergentesdaAdministraçãoPública: Anais doXXVIII Congresso Brasileiro de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum,

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relação do espaço com o imperativo da fluidez no mundo atual, “não basta,pois, produzir. É indispensável pôr a produção em movimento. Emrealidade, não é mais a produção que preside à circulação, mas é esta queconforma a produção”. Essa lógica explica muito da relevância adquiridapela mobilidade na contemporaneidade.

2 Sobre o papel da infraestrutura urbana para a viabilização das funçõessociais essenciais da cidade, ver Marrara (2007, capítulo IV).

3 Não constitui objetivo central do texto desenvolver o conceito demobilidade. Assim, apenas para fins explicativos, toma-se aqui a definiçãooferecida alhures no seguinte sentido: “mobilidade urbana, porconseguinte, designa o grau de movimento possível na cidade, ou melhor,a facilidade com a qual pessoas se locomovem e cargas são transportadasno tecido urbano. Quanto maior a mobilidade, mais simples e rápida sesupõe que seja a movimentação de pessoas e objetos” (MARRARA, 2015,p. 122). Nas palavras de Lígia Casimiro e José Melo (2015, p. 147), “amobilidade urbana é a possibilidade real das condições de deslocamentodas pessoas dentro do território urbano, ainda que os mesmos lá nãohabitem, permitindo que os cidadãos possam realizar suas necessidades eacessar bens e serviços, sejam os mesmos públicos ou privados”. Arespeito, ver também Guimarães (2012, p. 91).

4 Em sentido semelhante, ver Grotti (2015, p. 88).5 O transporte privado coletivo basicamente se resume ao fretamento. A tal

respeito, explica Dinorá Grotti (2015, p. 89): “o transporte de passageirospor fretamento desempenha um papel relevante na mobilidade daspessoas por razões de trabalho, de educação ou de lazer. Constitui,ademais, uma alternativa ao uso do automóvel ou da motocicleta, uma vezque acarreta menor consumo de espaço viário e menor emissão depoluentes, colaborando para a redução dos níveis de congestionamento. Oargumento prevalecente para restringir o uso do transporte por fretamentoé a constatação, com frequência, de estacionamento dos veículos de forma

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irregular ou errônea, atravancando o trânsito”.6 Em mais detalhes sobre o transporte público coletivo, ver Martins (2015, p.

191 et seq.) e Marrara (2015, p. 131 et seq.).7 Nesse sentido, mas valendo-se de outra terminologia (“segmento de pontos

de táxi”, “segmento de rua” e “segmento porta a porta”), ver o estudo deEsteves (2015, p. 20).

8 A problemática não é exclusiva do Brasil. Sobre a situação na Alemanha,ver o estudo de Schröder (2016, p. 42 et seq.).

9 Uma listagem de vantagens e desvantagens dos modelos de controle deentrada e de ausência de controle pode ser obtida no estudo de Esteves(2015, p. 21-22).

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12MOBILIDADE URBANA E GRATUIDADE:

ANOTAÇÕES

SergioFerraz

INTRODUÇÃOA cidade! Espaço mágico, onde os sonhos se tornam realidade! A

meta (utópica?) em que as oportunidades vicejam e as facilidades setornamacessíveis!Depoisdeséculosvivendo,comooscronistassempreanotaram, grudados às orlas marítimas, os brasileiros passam a migrarmaciçamente do meio rural para o urbano; e não mais apenas para ourbano litorâneo, mas também para o urbano interiorano. Espalham-seentão, pelo território nacional, novas metrópoles, com seus proverbiaisconfortoseencantos.Acidadeéoespaçoideal!

Será?A cidade infelizmente também é o sítio da violência, da ferocidade

competitiva,doesmagamentodaindividualidade.Oespaçoassustadoremque os pesadelos se transformam em dados concretos, os problemasconvencionais se multiplicam, as inseguranças existenciais esobrevivenciais(permitam-nosoneologismo)seconcretizam.

Masháquecompatibilizarasduasfacesdamoedaurbana.Valoresepadrões de convivência social hão que ser consagrados. Até porque, nopanorama prospectivo da espécie humana, não se antevê qualquerpossibilidadederetornoidílicoàvidadocampo.Osdesafiosdaexistênciasãocadadiamaisnumerososemaiscomplexos,aexigiremsomatóriosdeesforçosecompetênciassistematizadas,paraoenfrentamentopermanentedos desafios. E esse ambiente de vivências próximas, alcançáveistirocínioseconcentraçãodeespaços, comamáximaceleridadepossível,de regra só no confinamento urbano se avista plausível. Daí uma

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conclusão:paraomalouparaobem,acidadeéodestinoporexcelênciadevidaemnossostempos.Asuperaçãodasrelaçõesfeudaisdeproduçãoerelacionamento social, a irrupção da industrialização, a concentraçãofabril, a conscientização (rala ou densa, pouco importa) das massas, adisseminação da informação, a circulação das riquezas, tudo isso apontainexoravelmente: estamos condenados à cidade. A cultura, de nossostempos, é urbana. Entre os direitos humanos, avulta, a cada dia maiseloquente,odireitoàcidade.Nocontextodaspolíticaspúblicas,exigir-se-á,sempremaisemais,aadoçãodemedidasediretrizesqueassegurem,nacidade,aplenarealizaçãodoprincípiofundamentaldadignidadehumana.Noseucrescimento,nasuaexpansão,noseudesenvolvimento,taispautasserão impostergáveis.Daí amaximização, emnossos dias, da relevânciadodireitourbanístico.

O ESTATUTO DA CIDADEEmproldaobjetividade,partamos,semtardança,paraascoordenadas

normativas de nossos dias. Não se pretende com isso olvidar todos osesforços, multiprofissionais, vertidos em benefício da racionalização dofenômeno da urbanização. Nem se minimiza o histórico da penosaformação das cidades de destino. Apenas existe, repita-se, o propósitopredominante, aqui, da objetividade e do incontornável reclamo deatualidade.Eataisimperativosoconstituintede1988nãoresistiu.

Porprimeiravez,nahistóriadequase200anosdeconstitucionalismo,houveaLeiMagnadeestipularcomandossobrepolíticaurbana.Eofezemdoisartigos(182e183),queaseguirsãotranscritos:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo PoderPúblico municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem porobjetivoordenaroplenodesenvolvimentodasfunçõessociaisdacidadeegarantirobem-estardeseushabitantes.§1ºOplanodiretor,aprovadopelaCâmaraMunicipal,obrigatórioparacidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico dapolíticadedesenvolvimentoedeexpansãourbana.§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende àsexigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no planodiretor.§ 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e

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justaindenizaçãoemdinheiro.§4ºÉfacultadoaoPoderPúblicomunicipal,medianteleiespecíficaparaárea incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, doproprietáriodosolourbanonãoedificado,subutilizadoounãoutilizado,quepromovaseuadequadoaproveitamento,sobpena,sucessivamente,de:I–parcelamentoouedificaçãocompulsórios;II–impostosobreapropriedadepredialeterritorialurbanaprogressivonotempo;III–desapropriaçãocompagamentomediantetítulosdadívidapúblicadeemissãopreviamenteaprovadapeloSenadoFederal,comprazoderesgatede até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados ovalorrealdaindenizaçãoeosjuroslegais.Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos ecinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e semoposição,utilizando-aparasuamoradiaoudesuafamília,adquirir-lhe-áo domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ourural.§1ºOtítulodedomínioeaconcessãodeusoserãoconferidosaohomemouàmulher,ouaambos,independentementedoestadocivil.§2ºEssedireitonãoseráreconhecidoaomesmopossuidormaisdeumavez.§3ºOsimóveispúblicosnãoserãoadquiridosporusucapião.Ospontosnuclearesdetaisregrasmerecemdestaque.Esãoeles:

•nãodeixaraoléuadinâmicaurbana;•condicionaraexpansãoeodesenvolvimentodacidadeaocumprimentode funções sociais próprias, comprometidas com o bem-estar de seushabitantes;

•consubstanciartaismetasempolíticasurbanasqueinduzamaordenaçãoda cidade à conservação de suas finalidades e o aproveitamentoadequadodeseusespaços.Essas linhas programáticas se revelam bem mais realistas que a

fatuidade (ainda esporadicamente registrável, mas em visível descréditocrescente)dascidadescriadasartificialmente(Brasíliaébemumexemplodo fracasso das cidades inventadas). Muito mais que um produto daarquiteturaoudaengenharia,acidadeéumprodutocultural,nascidoda

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vontade dos homens, dos acasos das convivências, dos determinismoshistóricosedosciclosdevida.Quandoohomemsemete,acimadesuastamancas, o desastre é inevitável. (Exemplo? O abominável hotel“modernoso”deNiemeyer,violentandoaharmoniabarrocadeOuroPreto.Caso típicode tombamentomerecido,nãoo tombamentodepreservaçãodacidade,masotombamentodesmoronadordaquelehorrendocaixote.)

As regras constitucionais, antes reproduzidas, se viram afinalregulamentadasem2001,comaediçãodaLeinº10.257,de10dejulhode2001, conhecida como Estatuto da Cidade. Após declarar seus finssuperiores (uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, dasegurançaedobem-estardoscidadãos,bemcomodoequilíbrioambiental– parágrafo único do artigo 1º), o Estatuto da Cidade elenca, em seuextenso artigo 2º, as funções sociais da cidade. E aqui privilegia, entreoutras,otransportedepessoas,objetoprecípuodestebrevetrabalho.

O DESLOCAMENTO DE PESSOAS NA CIDADE(MOBILIDADE URBANA)

Ocorpohumanotemoimperativodomovimento.Ocorpoinerteoutraduzincapacitaçãosériaouantecipaadefinitividadedamorte.

Por evidente, o deslocamento de pessoas, num aglomerado urbano,poderevestir-sedeempeçoseobstáculos,porvezesatédeconsideráveisproporções. Distâncias, consumo de tempo, acúmulo de pessoas,congestionamentodeveículos,fatoresclimáticos,eventosmeteorológicos,inseguranças localizadas – tudo isso e muito mais pode constituirproblemasqueaordenaçãourbanísticaeapolíticaurbanasãoconvocadasa enfrentar e solver.Preocupamo-nos, aqui, comaquestãodo transportepúblicourbano,depessoas,deumpontodacidadeaoutro.Éinegávelquea qualidade dos serviços de transporte é um dos condicionantes maisimpactantes nodesenvolvimentourbano.O transporte públicourbanodepessoasintegraumadasquestõesbasilaresdavidanacidade:amobilidadeurbana.

Em termosgerais,entende-sepormobilidadeurbanaapossibilidadede locomoção,motorizadaounão,peloespaçodacidade. Inserem-senoconceito, comoelementos constitutivos, o acesso aosmeios e àsviasdelocomoção,aqualidadedetalacesso,aintensidadedesuapossibilidadederealização eo custopara tantonecessário.Comoé evidente, todos esseselementosconstitutivosdoconceitodemobilidadesofreminfluência,em

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sua concretização, dos fatores críticos apontados ao início do parágrafoimediatamenteanterior.Assim,deformaampla,podemosasseverarqueoadensamento urbano, em qualquer de suas múltiplas facetas, se revelapotencialmentecapazdeafetaraquantidadeeaqualidadedamobilidadeurbana.Numaresumidafórmula:cidadeévida,vidaémovimento.Assim,cidadecommobilidadeestranguladadeixadedarrespostaaumadasmaisessenciaisdesuasfunçõessociais.

Pois foi a constatação de que as metrópoles brasileiras vinhamperdendoterreno,noatendimentoaessafunçãosocialbásica,queacaboupor convencero legisladordavaguidade– e, pois, da insuficiência–doEstatuto daCidade, para a questão ora destacada.Daí a edição, 11 anosdepois,daLeinº12.587,de3dejaneirode2012,que,poramoràsíntese,doravante denominaremos Lei daMobilidade Urbana ou, simplesmente,LMU.

LMU: A MOBILIDADE URBANA E SEUS CUSTOS –CONCLUSÃO

A LMU apresenta, como seus principais pilares de normatização emetasaconcretizar:

•ainstituiçãodeumaPolíticaNacionaldeMobilidadeUrbana,entendidacomo instrumento de desenvolvimento urbano, efetivado mediante aintegraçãodosdiferentesmeiosdetransporte(decargae/oudepessoas);

• a busca damelhoria da acessibilidade emovimentação das pessoas (etambémdascargas),comvistasàfruiçãouniversaleequânime;

•aotimizaçãodoconjuntodosmodoseserviçosdetransporte,desorteatorná-losemantê-losseguros,eficientes,eficazes,efetivos;

•agarantiadeobtençãodeumcustosuportávelpelosusuáriosejustoparaostransportadores.Éaqui,nesteúltimopilarque focalizaremosnossaatenção,naparte

final(queoraseinicia)destetrabalho.O transporte de passageiros é – não há discussão a respeito – um

clássicoserviçopúblico.Comotal,podeserprestadopeloPoderPúblicoou, mediante diferentes modelos de delegação, pelo particular. Porconsiderações de racionalização técnica, administrativa, pertinentesademais à atualidadedos reclamosdamodernaAdministraçãoPública –

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matérias que, contudo, aqui não serão abordadas porque alheias aospropósitos deste texto –, prevalece amplamente entre nós a execução doserviçopúblicodetransportedepassageirosporintermédiodeparticulares(concessionáriosoupermissionários,distinçãoquehámaisdedezanosseesgarça conceitualmente, falando-se hoje livremente, e sem heresia, emcontrato de permissão ou em permissão contratualizada), vinculados porumcontratoadministrativo.

Inafastávelentãoumaprimeiraremissãoconstitucional:équeoartigo37,XXI,daConstituiçãodaRepública, após instituir a licitação comoamodalidadeseletivaexcelsaparaascontrataçõesadministrativas,asseguraaocontratadoumajustaremuneração,queconserve,durantetodocursodaexecução contratual, o equilíbrio econômico-financeiro entre aremuneraçãodoprestadoreosseusencargos.Aopreceitomencionadosesomamoutrosdamesmahierarquia,comdestaquepara:

•oartigo170,comseusincisosIIaIV,quefundamaopçãopeloregimecapitalista;

•oartigo173,capute§4º(acontrariosensu),quelegitimamabuscapelolucroeaprimaziadaatividadeprivadanaexploraçãodedesempenhosdesignificaçãoeconômica;

•oartigo175que,reforçandoocompromissodamanutençãodoequilíbrioeconômico-financeirodo contrato administrativo, inserenessa equaçãoos custos da prestação de serviços adequados e de seu constanteaperfeiçoamentoeatualização.Refletindotodoessepanorama,aLMU,apartirdeseuartigo9º,estabeleceoregimeeconômicoefinanceirodaconcessão e da permissão do serviço de transporte público coletivo,fincando na tarifa o mecanismo central da viabilização do serviço. Odetalhamento legal, no particular, é de invulgarminúcia, chegando-semesmoàprevisãodedoistiposdetarifa:1) a tarifa pública, que é a quantia (preço público) cobrada dotransportadopelousodotransportepúblicocoletivo;

2) a tarifa de remuneração, destinada ao prestador do serviço ecompostada tarifapúblicaedeoutras fontesdecusteio,de formaacobrirosreaiscustosdoserviçoprestadoeassegurararemuneração(lucratividade)contratualmenteavençadacomoprestador.Emtese,poderáhaverdiferençaamenorouamaior,entreovalorda

tarifa de remuneração e a tarifa pública (respectivamente, deficit ou

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superavittarifário).Aregra,contudo,decorrentedeavaliaçõesepolíticaspúblicasaplicáveisaosetor,éodeficittarifário.Váriosfatoresconduzemaessepanorama,sobretudoanecessidadedeasseguraracessoaotransportepúblico para as camadas populacionais menos aquinhoadas financeira,física,etária,socialmenteetc.

Em tais casos, e aLMUassimo dispõe, surge, para o prestador doserviço,umdireitosubjetivoaosubsídiopúblicoorçamentário(eo§5ºdoartigo 9º da LMU consigna as diferentes formas de receitascomplementares então imagináveis). Esse autêntico direito públicosubjetivo é emanação direta do plexo de garantias constitucionaiseconômico-financeiras reservadas ao prestador do serviço, que jáelencamosantes.

Tais considerações avultam de importância quando voltamos nossamemóriaparaasmanifestaçõesderua,registradasemtodoopaísapartirde 2013, a início focadas no pleito de gratuidade namobilidade urbanamediantetransportepúblicocoletivo.Opleitoemfavorda“tarifazero”é,constitucionalmente, uma falácia e uma meta inviável. Alguém semprepagará por uma gratuidade qualquer. O ônus ou será transferido paraoutros segmentos populacionais tidos como privilegiados (na forma deacréscimo tarifário repassável, para compensação de gratuidades oubenefícios em favor de outros) ou será arcado pelo delegante (e,seguramente, recuperado mediante o acréscimo das cargas tributárias).Não há, nessa questão, uma fórmula mágica, anulatória de custos. E orisco da demagogia populista ou política sempre rondará as atitudes“generosas” que a Administração queira assumir em tais circunstâncias:inevitavelmente com o sacrifício dos fundamentais princípiosconstitucionaisdaisonomia,darazoabilidadeedaproporcionalidade.

Emacabamento:amobilidadeurbanaéumdesafiopermanente; suamelhoriaincessanteeseuacessouniversal,acustorazoavelmentemódico,é um compromisso fundamental de qualquerAdministração Pública, embenefício de todos, ricos ou pobres. Viver em cidades é um direito detodos, mas tem um custo. E as gratuidades ou “tarifas zero” nãorepresentamamaiscriativa,justaelídimaformademitigartaiscustas.

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TRABALHOS APRESENTADOS

PROGRAMA 21/9/2015ManhãSolenidadedeabertura•EstadoemobilidadeClodoaldoPelissione:secretariodeTransportesMetropolitanos

•EstadoemobilidadeClaudia Cortés: presidente da Comisión de Movilidad, Transporte yVialidad de la Asamblea Legislativa del Distrito Federal (Aldf) –México

•PlanodemobilidadeurbanadeSãoPauloTácito Pio da Silveira: analista de gestão da São Paulo Transportes(SPTrans)–PMSP

Presidentedemesa

Lilian Regina Gabriel Moreira Pires: advogada, professora daFaculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie(UPM)eintegrantedaComissãodeMonitoramentodasConcessõesePermissõesdaSecretariadeTransportesMetropolitanodeSãoPaulo

Debatedor

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Valter Luis Caldana Júnior: diretor da Faculdade de Arquitetura eUrbanismodaUPM

Noite•Mobilidade,legislaçãoetecnologiaAndrés Borthagaray: arquiteto e diretor para a América Latina doInstitutoCidadeemMovimento(InstitutpourlaVilleenMouvement–IVM)

•Caracterizaçãodosserviçosdetáxis.O“casoUber”Dinorá Musetti Grotti: advogada e professora da graduação e pós-graduaçãodaPontifíciaUniversidadeCatólicadeSãoPaulo(PUC-SP)

• A mobilidade e as delegações dos serviços de transporte depassageirosGeraldo Spagno: advogado, professor da Pontifícia UniversidadeCatólica deMinasGerais (PUCMinas) e presidente daComissão deMobilidade da Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais(OAB/MG)

•Ousodetecnologiasmóveisparapromoveramobilidadeurbanaeousoeficientedeespaçospúblicos.RenatoLeiteMonteiro:advogadoeprofessordaUPM

Presidentedemesa

Antonio Cecílio Moreira Pires: advogado e chefe do Núcleo deDireitoPúblicodaUPM

DebatedoraEunice Helena S. Abascal: coordenadora de pós-graduação daFaculdadedeArquiteturaeUrbanismodaUPM

22/9/2015Manhã

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•MobilidadeecidadaniaAndrea Ines Gutierrez: professora da Facultad de Geografía de laUniversidaddeBuenosAiresedaUniversidaddeLaPlata,integrantedoGrupoMovida,EstudosdeMobilidadeeCidadaniadaUniversidadedeBuenosAiresemembrodacátedrainternacionaldoIVM

•Adisciplinado transportepúblicocoletivoedo transporteprivadodeutilidadepúblicaThiago Marrara: professor do Departamento de Direito Público daNova Faculdade deDireito daUniversidade de São Paulo (USP) emRibeirãoPreto

•Gratuidade(ounão)dotransporteurbanodepessoasSergio Ferraz: advogado e professor do Departamento de DireitoPúblicodaPontifíciaUniversidadeCatólicadoRiodeJaneiro (PUC-RJ)

•Ainteraçãodepessoas,espaçoseequipamentosurbanosMarcosdeSousa:jornalistaediretordejornalismodoMobilizeBrasil

Presidente

FlávioLeãoBastos:advogadoeprofessordaFaculdadedeDireitodaUPM

DebatedoraAngélicaBenattiAlvim:coordenadora-geraldapós-graduaçãostrictosensudaFaculdadedeArquiteturaeUrbanismodaUPM

NoiteEspaço,equidadeemeioambiente•LanuevaLeydeMovilidad:esquemasdemovilidadBernardoNavarroBenitez:professordeInvestigaciónenPlanificaciónTerritorial da Universidad Autónoma Metropolitana-Xochimilco emembrodacátedrainternacionaldoIVM

•SustentabilidadedosmeiosdetransportenametrópoleDaniela Campos Libório: advogada, professora da graduação e pós-

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graduaçãodaPUC-SP,epresidentedo InstitutoBrasileirodeDireitoUrbanístico(Ibdu)

•Mobilidade ativa: bicicletas e omodo a pé nas cidades do séculoXXIThiagoBenicchio:gerentedetransportesativosdoInstitutodePolíticasdeTransporteeDesenvolvimento(ITDP)

• Mobilidade urbana e controvérsias atuais em torno da concepçãooriginaldoRodoanelMarioCovasConsueloYatsudaMoromizatoYoshida:professoradeDireitodaPUC-SPedesembargadorafederal

Presidentedemesa

SolangeTelesdaSilva:professoradagraduação(DireitoAmbiental)e pós-graduação stricto sensu em Direito Político e Econômico daUPM

DebatedoraVivianeManzioneRubio: professora daFaculdade deArquitetura eUrbanismodaUPM

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A PROMOÇÃO DA BICICLETA NO

AMBIENTE URBANO COMOINSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DO

DIREITO À CIDADE ACESSÍVEL,DEMOCRÁTICA E SUSTENTÁVEL

AlexandreMouraAlvesdePaulaFilhoMayaraNunesMedeirosdeSouza

RESUMOO presente artigo tem como objetivo analisar as consequências da

inserção da bicicleta como meio de transporte no âmbito do direito àcidade, observando-se, para chegar a tal, a realidade fática e jurídica noBrasilquantoaoincentivoounãodessaprática.Apresentam-seosdireitosligadosàutilizaçãodosmeiosdetransporteurbanosafimdedemonstrarcomo se dá atualmente a exploração destes e como pode se dar parapromover a concretização daqueles. Demonstra-se ainda que o uso debicicletasdeveserencaradocomoumaculturaaserincentivada,alémdaimportância da promoção de políticas públicas incentivadoras do bomaproveitamentodoespaçourbanoparaaefetividadededireitos,afimdeafirmar tanto a importância da atuação estatal quanto da sociedade nagarantiadedireitos.Paraisso,serãoapresentadasmedidasquepodemseradotadas para fomento da cultura das bicicletas como instrumento depromoçãoeefetivaçãodedireitos.

O presente trabalho foi construído por meio da realização depesquisas bibliográficas em livros, artigos jurídicos, pareceres técnicos,documentosestatísticos,declaraçõesdefórunsmundiaisqueabordarama

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mobilidade urbana e informações divulgadas em sítios eletrônicos deentidadeseórgãospúblicos,alémdautilizaçãodeobservaçõesempíricasdo dia a dia urbano. Todas as pesquisas seguiram a linha de exposiçãosobre a situação da mobilidade urbana nas grandes cidades brasileiras,observando que nelas a cultura de bicicletas é pouco difundida.Apresentam-se então os direitos à cidade acessível, o direito à cidadedemocrática,odireitoàcidadesustentávelesuarelaçãocomautilizaçãodasbicicletas.

A bicicleta ainda é pouco utilizada para deslocamento diário nascidadesgrandes,eaprincipalrazãodissoéasupremaciadoautomóvelnavia. Para concretização do direito à cidade são imprescindíveis políticasefetivasedemocráticasvoltadasàmobilidadeurbana,nosparâmetrosdaLei deMobilidade Urbana, priorizando os veículos não motorizados oucoletivos. A título de exemplo, apontam-se como medidas aplicáveis aconstruçãodecicloviasconexasentresiequeestãonarotadosprincipaispontosdacidade, a construçãodebicicletárioseparaciclos, a integraçãodabicicletaaostransportescoletivoseaimplantaçãodepontosderetiradadebicicletaspública.

Odireitoàcidadepressupõeousufrutoequitativodascidadesdentrodosprincípiosde sustentabilidade,democracia, equidadee justiça social.Nos deslocamentos realizados no espaço público, esses princípios seconcretizamcomapromoçãodeliberdadeparaocidadãodeslocar-secomsegurançaerapidez,gratuitamenteouabaixocustoedemaneirasaudávelpara si e para seus concidadãos. Isso garante mobilidade urbanasustentávelatodosindependentedarendadecadaum.

Oacessoàcidadeestádiretamenteligadoàliberdadedelocomoção,direitofundamentalgarantidoemnossaConstituiçãoCidadã.Aliberdadetambém se concretiza a partir do momento em que o cidadão podeescolheromeiodetransportemaisviávelparaseudeslocamento,sempôrem risco sua integridade física. A bicicleta promove ainda ademocratização do espaço público, visto que, por ser um meio detransporte barato, proporciona ambiente urbanomais inclusivo, uma vezque o acesso aos seus serviços deve prescindir da renda do indivíduo.Outrossim,abicicletamostra-secomomodalcoesoaomodelodemobi-lidadeurbanasustentável,umavezquenãoemitepoluentesnaatmosfera,contribuiparaareduçãodapoluiçãosonora,requerbemmenosespaçoqueos demaismodais e contribui diretamente para queo usuário tenha umavidaativae,portanto,maissaudável.

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A MOBILIDADE URBANA E SEUS NOVOS

DESAFIOS: A REGULAMENTAÇÃO DOUBER SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA

TRIDIMENSIONAL DO DIREITO

AlinedeOliveiraGuedesDanielledaCostaSilva

RESUMORecentemente,umaquestãopolêmicatemsidodiscutidanoâmbitoda

mobilidadeurbana:ousodoUber, aplicativopara caronas remuneradas.Os taxistas sentiramumaameaça à sua reservademercadoe realizaramdiversas manifestações e protestos em algumas das maiores cidades dopaísedomundo.Emsolonacional,observou-seaescaladadoconflitoaníveis preocupantes, ocasionando situações como a ocorrida em BeloHorizonte,nodia4de julhode2015,emqueummotoristadoUber foihostilizado e agredido por um grupo de taxistas, após ser acionado porjovensquesaíamdeumafestadaFaculdadedeMedicinadaUniversidadeFederaldeMinasGerais(UFMG).

O aplicativo Uber Technologies Inc. foi fundado em 2009 pelosidealizadores Travis Kalanick e Garrett M. Camp, na cidade norte-americana de São Francisco, no Estado da Califórnia, e funciona comouma plataforma de conexão em que motoristas cadastrados ofertam,mediante pagamento, transporte privado a passageiros que buscam ummeioalternativodelocomoção.Osmotoristas,alémdeatenderemacertosrequisitos, recebem treinamento e passam por entrevistas de seleção.Atualmente,oaplicativoestápresenteemquase60países,distribuídosemquatrocontinentes.

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Osmotoristasparceirosnãopossuemqualquervínculoformalcomoaplicativo.Sãousuáriosaptosa teracessoàplataformadeconexãoUberquebuscamauferirrendaextra,conformesuaexclusivadisponibilidadedetempo, estando absolutamente livres para utilizar ou não a plataformaUber. A cada corrida, o motorista recebe uma avaliação realizada pelopassageiro.Nãohádinheiro emespécie envolvidona transação, sendoopagamento efetuado exclusivamentepor cartãode créditopré-cadastradopelousuáriodoserviçonaplataformaUber.Dototalcobradoporviagemrealizada a partir do aplicativo, a empresa retém de 20% a 25% pelautilizaçãodaplataforma,conformeamodalidadedeprestaçãodeserviçoselecionada, ficando o prestador do serviço com o restante do valorarrecadado.

No Brasil, a referida tecnologia se expandiu rapidamente. AdisponibilizaçãodoaplicativoteveinícionacidadedoRiodeJaneiro,emmaio de 2014, chegando a São Paulo pouco tempo depois, ao final dejunhodomesmoano.

Esse latente fenômeno social demanda especial atenção do PoderPúblico,comreflexõesacercadapossívelregulamentaçãodessenovotipodeserviçoprivado,queconsisteemumnotávelfacilitadordamobilidadeurbana.Aregulamentaçãoeocontroledosserviçospúblicos(essenciais),bem como dos serviços de utilidade pública (úteis), cabem ao Estado,mesmoquandorealizadosporterceiros.IssosedácomoexteriorizaçãodopoderdepolíciadaAdministraçãoPública.

O transporte público coletivo é classificado como serviço público,segundo definição específica constante do artigo 30, V, da ConstituiçãoFederal.Oserviçode táxi,porsuavez,éconsideradocomodeutilidadepública e está regulamentado pela Lei nº 12.468/2011, cujo artigo 2ºexplicaque“éatividadeprivativadosprofissionaistaxistasautilizaçãodeveículo automotor, próprio ou de terceiros, para o transporte públicoindividualremuneradodepassageiros”.

Depreende-sedareferidanormaadistinçãoessencialentreoserviçode táxi e o aplicativo Uber: o táxi se presta a disponibilizar serviço detransporte público individual, ao passo que o Uber oferece serviçoparticulardetransporteindividual.

Por ser classificado como serviço de utilidade pública, o táxi sesubmete à necessidade de prévia autorização para seu funcionamentoconferido pela Administração Pública e, além disso, submete-se a umregime de fiscalização que o sujeita a sanções administrativas ou, até

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mesmo,suspensãooucassaçãodaautorizaçãoconferida.Porsetratardeumaatividadeprivada,oUber,diferentementedotáxi,

nãonecessitadepréviaautorizaçãoparaseufuncionamento.Enquanto o Uber não for regulamentado, contudo, sua vedação se

mostraflagrantementeinconstitucional,postoqueaConstituiçãoFederal,em seu artigo 170, parágrafo único, dispõe que “é assegurado a todos olivre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente deautorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.Ademais,alivre-iniciativaconsisteemumdosfundamentosdaRepúblicaFederativa do Brasil, consoante disposto no artigo 1º da Carta Magna.Outrossim, o “exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,atendidasasqualificaçõesquealeiestabelecer”,éumdireitofundamental,consoanteartigo5º,XIII,daConstituiçãoFederal.Instasalientarqueesteúltimodispositivoénormadeeficáciacontida,istoé,podeserrestringidapor lei infraconstitucional que estabeleça requisitos para o exercício daatividadelaborativa.

AoseponderaraquestãodoUbersobaóticadateoriatridimensionaldo direito, que tem como um de seus principais expoentes o jurista efilósofo brasileiro Miguel Reale, é evidente a necessidade deregulamentaçãodoreferidoserviço.

ParaReale,osdiversossentidosdapalavra“Direito”correspondematrês aspectos básicos, quais sejam: normativo (norma), fático (fato) eaxiológico(valor),sendoofenômenojurídico“umaintegraçãonormativadefatossegundovalores”.

AoanalisaraquestãodoUber,fenômenosocialqueconsistenocernedo presente trabalho, é notório que, na tríade “fato, valor e norma”, oselementosfatoeovalorjáestãopresentes,carecendoapenasdaexistênciaderegulamentaçãolegal(norma)paraerigiraostatusdenormapositivadaum fenômeno (fato) que já goza de aceitação social (valor). Afinal, osentidosóéalcançadonoconjuntodessastrêsdimensões.

Faz-se necessária, portanto, a participação do Poder Público,mormente do Legislativo, ao qual incumbe a produção normativa, nãopodendoquedar-seinertediantedeumeminentefenômenosocial.

O Direito deve acompanhar a dinâmica da vida em sociedade,adequando-se às inovações e consequentesmudanças de comportamentodos jurisdicionados, sob pena de não proporcionar justiça efetiva eadequadaaosanseiosdacontemporaneidade.

Todavia, o posicionamentodos poderes públicos noBrasil quanto à

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questãodoUbertemsidoantagônicaàreflexãorealeanaorademonstrada.Emvezdeadequaçãolegiferante,vê-seamanutençãodostatusquo,comprojetosdeleiqueproíbemousoaplicativo,emumaparenteatendimentoao lobbydos taxistaspara amanutençãode sua reservademercado, emdetrimento das ideias de inovação, livre concorrência eempreendedorismo.

NascidadesdeBeloHorizonte,RiodeJaneiroeSãoPaulo,ousodoaplicativo Uber está vedado, consoante projetos de lei recentementesancionados.

EmBrasília,oUberaindaéproibido,entretantoestáemtrâmiteumprojeto de lei que visa, aomenos, autorizar a prestação de serviços porcarros de luxo,mantendo apenas o serviçoUber Black, demodo a nãoconcorrer diretamente com os taxistas, segundo o governador RodrigoRollemberg.

ÀluzdaTeoriaTridimensionaldoDireito,nota-sea importânciadaregulamentação do Uber. A ciência jurídica, como sistema dinâmico eaberto,deveestaratentaaosfenômenossociaisqueamovem.

Evidencia-se que a nova tecnologia tem sido rechaçada pelo PoderPúblicoematendimentoaolobbydostaxistas,quedesejampreservarsuareservademercadoe, para tanto, têm influenciadoo andamentopolíticoem prol de seus interesses. Contudo, trata-se de serviços de naturezadistinta, porquanto o Uber realiza serviço particular de transporteindividualdepassageiros,enãotransportedeutilidadepública,comooéoserviçodetáxi.

Aspessoastêmodireitodeoptarpelaformacomopreferemtransitarpela cidade. Essa inovadora opção para a mobilidade urbana carece deregulamentação,afimdepacificaracontrovérsiaeatenderaumprementefenômeno social, ainda que em detrimento dos interesses de uma classeespecífica.

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PPP – O PRIVADO NA EFETIVAÇÃO DOS

PLANOS URBANÍSTICOS DEINFRAESTRUTURA DE MOBILIDADE

URBANA DO MUNICÍPIO

VitorCampanaMercierRodriguesdeAguiar

RESUMOO artigo apresentado traz em seu estudo o instituto das parcerias

público-privadas (PPPs) como meio de efetivação das obras deinfraestrutura e urbanismo atinentes à mobilidade urbana. Os objetivosdeste trabalho são os seguintes: demonstrar que as PPPs são uma boaforma de o Estado efetivar políticas públicas destinadas à melhoria damobilidadeurbana,identificá-lascomoummodoeficazdeobterpolíticaspúblicas que visem à elaboração de transformações urbanísticas quemelhoremainfraestruturademobilidadeurbanaedefenderaparticipaçãodoenteprivadonaelaboraçãodessaspolíticas.

Para tanto, utilizou-se, metodologicamente, a pesquisa bibliográficacomescritosdoutrináriossobreotema,alémdeanálisedoscontratosdasPPPsqueserviramdeexemploaesteartigo.

A PPP trouxe à legislação uma nova possibilidade de atuação deagentes privados na execução de diversas políticas públicas, demaneiramenosdispendiosaaopoderpúblico,maiseficientee,sobretudo,capazdeprestarmelhoresserviçosàpopulação.

Por ser tão novo instituto, sua aplicação ainda não é tão ampla e aliteraturanãoédesenvolvida.Contudo, jáépossívelencontrarexemplospráticos em que o advento das PPPs desonerou oEstado e beneficiou ocidadão.UmdosexemploséometrôdeSãoPauloquefezumaPPPparaa

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operaçãodaLinha4-AmareladoMetrôdeSãoPaulo.OutroexemplodedestaqueéoPortoMaravilha,quetambémseráanalisadonesteartigo.

AatuaçãodoEstadonodomínioeconômicoeemquegraueladevesedarsempregerará inflamadosargumentosporpartedosdefensoresdodirigismo (intervencionistas) ou da liberdade econômica (liberais). Odireito administrativo é sensível a essa discussão, uma vez que ele éadstritoaoâmagodoEstado.

Quandoseanalisamosescritosdegrandesadministrativistas,nota-seclaramenteaposiçãoquecadaumtomaparasi.ParagrandesdefensoresdoEstado,asPPPssãoumaaberração.HelyLopesMeirelles,certamente,nãoseriamuitofavorávelaoexpedientedasPPPs.CelsoAntônioBandeiradeMello tambéméuma figuraquepossuicríticasaessamodalidadedecontrato.

Contudo, ao passo que existem administrativistas clássicos que acritiquem,outros,maismodernos,veemaPPPcomoalgopositivodentrodo ordenamento pátrio. Marçal Justen Filho é um deles, pois vê, naassociação do Estado ao privado, uma forma de o governo conseguirconcretizarpolíticaspúblicascomplexasdemaneirasatisfatória.

O artigo fica com a segunda posição. Ora, a prática nos mostra oseguinte: a eficiência decorre da correta alocação de recursos, tantohumanosquantofinanceiros.Emumhorizontegovernamental,aeficiênciadecorrerá do planejamento de gastos e ações. Contudo, as atividadespossíveis aoEstado são numerosas, e quantomais ele diversificar a suaatuação (sem aumentar pessoal e orçamento),menor tenderá a ser a suaeficiência.

Portanto,nota-sequeogovernodevevoltar-seaalgumasatividadesespecíficas.Nocasodosmunicípios,amobilidadeurbanaé,semdúvida,umadelas.Aindaassim,mesmonasatividadesespecíficasdogoverno,oprivadopodeatuardemaneiramaiseficientedoqueopróprioEstado.

O privado tem maior eficiência em comparação ao Estado, e eladecorredaausênciadeamarrasquepossuiosetorpúblico.Pelofatodeoprivado não as possuir, ele tem mais flexibilidade para fazer compras,contratarpessoal,levantarrecursos.Alémdisso,oprivado,viaderegra,seesmeraráemforneceromelhorserviçoaomenorpreçopossível,umavezque ele busca que seus serviços sejam consumidos. Por isso, o privadopossuiumaeficiênciainatingívelaosetorpúblico.Aprivatizaçãoé,pois,benéficaaténaquelesserviçosprecípuosaoEstado.

Ao adentrar a conceituação legislativa, explicam-se as duas

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modalidadesdePPPs:concessãopatrocinadaeconcessãoadministrativa.Primeiramente, fala-se sobre a concessão patrocinada, que lembra a

clássica concessãode serviçopúblico, disciplinadapelaLei nº 8.987/95.NessamodalidadedePPP,opoderpúblicoseresponsabilizaporpartedaremuneraçãoquerecebeoparceiroprivado.Oquantumquecabeaopoderpúblico pagar é objeto de um sistema de garantias prestadas pelo poderpúblico.

Naconcessãopatrocinada,aprestaçãodeumserviçopúblico(aquelesdo qual trata a Lei nº 8.987/95) é delegada a um parceiro privado, quedeverá prestá-lo ao cidadão, mediante cobrança de tarifa ao usuário epagamentodecontraprestaçãopecuniáriaporpartedoEstado.

A forma de prestação do serviço ao cidadão será, basicamente,portanto,igualàprestadanaconcessãocomum.Oregimejurídicoé,aliás,essencialmente idêntico à concessão comum. Boa parte das regras daconcessãocomumseráaplicadaàconcessãopatrocinada:oartigo3º,§1º,daleidasPPPsremeteàaplicaçãosubsidiáriadaleideconcessões.

Amais evidentediferençaéaparcelade remuneraçãoque recebeoparceiro do poder público. Ou seja, enquanto na concessão comum, oconcessionário se remunerava a partir da cobrança tarifária (emboratambémseja,emtese,possívelosubvencionamentoestatalnamodalidadecomum), na concessão patrocinada o parceiro recebe tanto da tarifaçãoquantodoEstado.Onome,aliás,ésugestivo:oEstadopatrocinapartedaconcessão.

Éimportantedizerque,emborasejaadistinçãomaisevidente,nãoéaúnica. Seria tambémum erro dizer que é a distinção principal, uma vezqueoregimejurídicoétotalmenteparaocasodessaPPP,ehádiferençasque,emboranãotãoevidentes,sãosubstanciais.

Após,trata-sedaconcessãoadministrativa,umcontratodeprestaçãode serviços em que a Administração Pública pode ser usuária direta ouindireta,aindaqueenvolvaexecuçãodeobraoufornecimentoeinstalaçãodebens.

Emsuma,aconcessãoadministrativaéamodalidadequeenvolve,namaioria das vezes, a execução de uma obra anterior à prestação deserviços,sempresemacobrançadetarifa.Atarifaçãodoserviçofariadaconcessãoumamodalidadepatrocinada.

É juridicamente impossível que a concessão patrocinada envolvasomente a construção de uma obra pública: para isso, há o contrato deempreitada,regidopelaLei

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nº 8.666/93. E também não seria possível para a simples prestação deserviçosoufornecimentodeinsumos.

Isso significa que esse tipo de concessão pode prever tanto aconstrução de algo (um hospital, uma rodovia, por exemplo) como agestão de serviço público relacionado à obra: serviço hospitalar,manutençãodarodovia.

Passada a conceituaçãodas duas em separado, analisam-se todosospontos em comum das duasmodalidades. A lei de ambas é amesma ereservapoucasparticularidadesemuitospontosemcomum.

Asdiferençasentreambasresidemtãosomentenadefiniçãodoartigo2ºdaLeinº11.079/2004,bemcomonadisposiçãodoartigo3º,capute§1º.Todasas demais disposições da lei submetem tanto a concessão administrativaquanto a patrocinada.Há, portanto, umagrandeparte de disposições emcomumentreelas.

As disposições em comum são as seguintes: pagamento pelo poderpúblico ao parceiro privado de contraprestação pecuniária ou aquilo quefor estipulado em contrato e a lei permitir; compartilhamento de ganhosfinanceiros;equilíbrioeconômico-financeiro;financiamentoporterceiros;existência de um sistema próprio e obrigatório de garantias;obrigatoriedadedeconstituiçãodesociedadeespecíficaparaoperaçãodeumaPPP; possibilidadedepenalizaçãodopoder públicopelos prejuízosque causar; prazo contratual mínimo de cinco anos e máximo de 35;sistema próprio de licitações; e existência-limite porcentual máximo dedespesaemrelaçãoaototaldasreceitas.

Por ser um regime comum a ambas, pode-se dizer que, entre asmodalidades,háumregimegeral,queégeral,frise-se,porseraplicávelàmodalidade de concessão administrativa e à modalidade de concessãopatrocinada.

Após apresentadas as modalidades, faz-se uma digressão a respeitodasPPPsedasobrasdeinfraestrutura.APPPéumaevolução,quevemdeum processo que ocorre desde o início da modernização da economiabrasileira, com o advento da desestatização, da quebra demonopólios ereservasdemercadoqueocorreramnointerregnodosanos1990.

AsPPPspodemedevemserutilizadasna infraestrutura,aindamaisnoBrasil,tãocarentedegrandesobrasdeinfraestruturaqueeliminemosfamosos gargalos logísticos presentes em nossa economia. No âmbitomunicipal, também não faltam gargalos onde as PPPs seriam de grande

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valianoauxílioaoseucombate.No campo da mobilidade urbana, a PPP é uma solução pouco

exploradaecapazdetrazerbenefíciosnocurto,médioelongoprazos.Namodalidade de concessão patrocinada, as PPPs podem ser utilizadas naconstrução e operação de sistema de corredores de ônibus do tipo busrapidtransit(BRT),deveículolevesobretrilho(VLT)oudetransportedemassa de alta capacidade, como ometrô emonotrilho (especialmente opaulistano,quetemcapacidadesuperioraosdemaissistemasconstruídos).

Quanto às grandes transformações urbanas, que envolvem obras dereurbanização, requalificação, iluminação, calçamento, infraestruturaviária ede transportepúblico, a concessãoadministrativamostra-seumaboaopção.

Como exemplo de obras de mobilidade, apresentam-se a Linha 4-AmareladoMetrôdeSãoPauloeoPortoMaravilha.

ALinha4-AmareladoMetrôdeSãoPauloéumaPPPnamodalidadede concessão patrocinada de prazo de 32 anos. Frisa-se que a parte quecabiaaoEstado(execuçãodeobrascivis,emsuma)foijustamenteaqueatrasouequeo serviçoprestadoaoscidadãoséomelhorde todaa rede(quandocomparadaàsdemaislinhas,quesãoestatizadas):ostrenssãoosmaismodernosdosistema,asestações têmamplaconveniênciaea redenão foi afetada pelas greves anteriormente realizadas pelos funcionáriossindicalizadosdometrô.

OProjetoPortoMaravilha,dacidadedoRiodeJaneiro,noEstadodoRio de Janeiro, é uma concessão administrativa, que pressupõe aelaboração de obras públicas e prestação de serviços, com prazo de 15anos.Éumgrandeprojetoque,nocampodamobilidade,construiráumalinhadeVLT–que, nesse caso específico, será realizadovia concessãopatrocinada, independentemente das demais obras –, uma nova viaexpressa em substituição ao elevado da perimetral, requalificará a viabinária do porto (as obras preveema construçãode dois túneis) e criarácicloviaseumteleférico.

Porfim,conclui-sequeaPPPéumavançodecorrentedoprocessodemodernizaçãodaeconomiaedosesforçosdedesestatização,iniciadosnocomeçodosanos1990,capazdeprestarumserviçomelhoràpopulação,aum customenos oneroso ao erário público e comummenor risco a sertomado pela iniciativa privada que contrate com o poder público, bemcomo ao objetivo de ter demonstrado que as PPPs são um modelo de

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contratocomaadministraçãopúblicacapazdetrazermelhoresserviçosàpopulação,aummenorcustoaoerárioecomumriscomenorsofridopeloparceiroprivado.

REFERÊNCIASBANDEIRA DE MELLO, C. A. Curso de direito administrativo. 31. ed. SãoPaulo: Malheiros, 2013.BRASIL. Lei Ordinária nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Institui normasgerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito daadministração pública. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm>.Acesso em: 30 ago. 2015.CAMPOS, R. Naviradadomilênio: ensaios. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999.DAL POZZO, A. N. et al. (Coord.). Parcerias público-privadas: teoria geral eaplicação nos setores de infraestrutura. Belo Horizonte: Fórum, 2014.DI PIETRO, M. S. Z. Direitoadministrativo. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2013.JUSTEN FILHO, M. Cursodedireitoadministrativo. 10. ed. São Paulo: Revistados Tribunais, 2014.JUSTEN FILHO, M. (Coord.).; SCHWIND, R. W. (Org.). Parcerias público-privadas: reflexões sobre os 10 anos da Lei 11.079/2004. São Paulo: Revistados Tribunais, 2015.OCTAVIANI, A. Nota sobre direito e planejamento econômico no capitalismocontemporâneo. In: HORVATH, E.; SCAFF, F. F.; CONTI, J. M. (Org.). Direitoeconômico,financeiroetributário: homenagem a Régis Fernandes de Oliveira.11. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2014. v. 1, p. 39-48.RIO DE JANEIRO. Contrato de parceria público-privada na modalidadeconcessão administrativa. Disponível em:<http://portomaravilha.com.br/web/esq/mnuTransparencia.aspx>. Acesso em:30 ago. 2015.______. Porto Maravilha. Disponível em:<http://www.portomaravilha.com.br/>. Acesso em: 30 ago. 2015.SÃO PAULO. Contrato nº 4232521201, de 29 de novembro de 2006.

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SOBRE OS AUTORES

Andrea Gutierrez:ProfessoradaFacultaddeGeografíadelaUniversidaddeBuenosAiresedaUniversidaddeLaPlata,emembrodoInstitutoCidadeemMovimento(InstitutpourlaVilleenMouvement–IVM)daAméricaLatina.

Andrés Borthagaray:Graduado pela Faculdade deArquitetura,Desenho eUrbanismo da Universidade de Buenos Aires, mestre em Gestão AmbientalMetropolitana pela mesma instituição e diploma internacional emAdministração Pública pela École Nacionale d’Administration (ENA), naFrança.Arquiteto, diretor para aAméricaLatinado IVM,membrodo comitêacadêmicoedaredeHabitatsobreoFuturodaFormaUrbana,coordenadoporKHT,Estocolmo,eex-subsecretáriodeDescentralização,TransporteeTrânsitoePlanejamentoEstratégicodeBuenosAires.

Antonio Cecílio Moreira Pires:MestreedoutoremDireitodoEstadopelaPontifíciaUniversidadeCatólicadeSãoPaulo(PUC-SP).ProfessordeDireitoAdministrativodaUniversidadePresbiterianaMackenzie(UPM)ecoordenadordoNúcleodeDireitoPúblico.AdvogadoeconsultorjurídicoemSãoPaulo.

Bernardo Navarro Benitez: Professor pesquisador do Departamento deTeoria e Análises da Universidade Autônoma Metropolitana UnidadeXochimilco, coordenador-geral do Observatório de Transporte e MobilidadeMetropolitana(OTMM)emembrodoIVMInternacional.

Carlos Abascal Bilbao:MestreemCiênciasSociaispelaFundaçãoEscoladeSociologiaePolítica(Fesp).Arquitetoeurbanista.

Dinorá Adelaide Musetti Grotti:DoutoraemestrapelaPUC-SP.Professorade Direito Administrativo da PUC-SP. Ex-procuradora do município de SãoPaulo.

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Eunice Helena S. Abascal: Doutora em Arquitetura e Urbanismo pelaFaculdade deArquitetura eUrbanismo daUniversidade de São Paulo (FAU-USP).Arquitetaeurbanista.

Flávio de Leão Bastos Pereira: Doutorando em Direito Político eEconômico da UPM e mestre em Direito Político e Econômico pela mesmaintituição.ProfessordeDireitoConstitucionaldaFaculdadedeDireitodaUPM.

Geraldo Luís Spagno Guimarães:MestreemDireitoAdministrativopelaUniversidade Federal deMinas Gerais (UFMG) e especialista em Direito deEmpresapelaFundaçãoDomCabral.Professordegraduação,pós-graduaçãoecursospreparatóriosdecarreirajurídica.PresidentedaComissãodeMobilidadeUrbanadaOrdemdosAdvogadosdoBrasil (OAB/MG)ediretor do InstitutoMineiro de Direito Administrativo (Imda). Autor de Comentários à Lei deMobilidadeUrbana(EditoraFórum).

He Nem Kim Seo: Bacharel emDireito eArquitetaUrbanista. EspecialistaemdesenvolvimentourbanodaprefeituradeSãoPaulo,diretoradadivisãodeSistema de Informações sobreZoneamento doDepartamento doUso doSolo(Deuso)daSecretariadeDesenvolvimentoUrbano(SMDU).

José Ramón Hernandez Rodriguez: Coordenador executivo doOTMM,daUniversidadeAutônomaMetropolitanaUnidadeXochimilco.

Lilian Regina Gabriel Moreira Pires:DoutorandaemDireitodoEstadodaPUC-SPemestraemDireitodoEstadopelamesma instituição.ProfessoradeDireito Administrativo da UPM. Advogada e assessora da Secretaria deTransportesMetropolitanosdoEstadodeSãoPaulo.

Sergio Ferraz: Professor titular de Direito Administrativo da PontifíciaUniversidadeCatólicadoRiodeJaneiro(PUC-RJ).Advogado.

Solange Teles da Silva: Doutora emDireito pela Universidade Paris 1 –Panthéon-Sorbonne.ProfessoradeDireitoedoProgramadePós-GraduaçãoemDireitoPolíticoeEconômicodaUPMe líderdoGrupodePesquisaDireitoeDesenvolvimentoSustentável.

Thiago Marrara:Livre-docentepelaUnversidadedeSãoPauloedoutorpelaUniversidade de Munique (LMU). Professor de Direito Administrativo eUrbanísticodaFaculdadedeDireitodeRibeirãoPretodaUniversidadedeSãoPaulo (FDRP-USP) e pesquisador da Fundação Alexander von Humboldt

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(AvG)daLMU.EditordaRevistaDigitaldeDireitoAdministrativo(RDDA)econsultor.

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Índice

Rosto 2FichaCatalográfica 3Apresentação 4Estadoemobilidadeurbana 6Afundamentalidadedodireitoàmobilidadeurbana 16

Direitoàcidade,direitoàmobilidade:entreateoria,asregraseoespaço 33

Direitoàmobilidade.Direitosemobilidade 41

NovoPlanoDiretordeSãoPauloeosistemademobilidade 60

MobilidadeedesafiosdoPlanoDiretorEstratégico:oPDEde2014comoestímuloàequidade

81

Direitoemobilidadeurbanasustentável 102OnovomarcojurídicodamobilidadenaCidadedoMéxico 113

Asdelegaçõesdosserviçosdetransporte,algumasimplicaçõesdesuaclassificaçãocomodireitosocialeoimperativousoda 129

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tecnologiacomoinstrumentodeauxílioàmobilidadeurbanaCaracterísticasdosserviçosdetáxis.O“casoUber” 145

Serviçosdetáxi:aspectosjurídicoscontrovertidosemodelosregulatórios 169

Mobilidadeurbanaegratuidade:anotações 186

Trabalhosapresentados 193Apromoçãodabicicletanoambienteurbanocomoinstrumentodeconcretizaçãododireitoàcidadeacessível,democráticaesustentável

197

Amobilidadeurbanaeseusnovosdesafios:aregulamentaçãodoUbersobaperspectivadateoriatridimensionaldodireito

201

PPP–oprivadonaefetivaçãodosplanosurbanísticosdeinfraestruturademobilidadeurbanadomunicípio

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Sobreosautores 213

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