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MODELAGEM DINÂMICA DO DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA Dynamic deforestation modeling in the Amazon ARIMATÉA DE CARVALHO XIMENES 1 CLÁUDIA MARIA DE ALMEIDA 2 SILVANA AMARAL 1 MARIA ISABEL SOBRAL ESCADA 1 ANA PAULA DUTRA DE AGUIAR 1 Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE. Divisão de Processamento de Imagens – DPI. e-mail: [email protected]; {silvana, isabel, anapaula}@dpi.inpe.br 1 Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE. Divisão de Sensoriamento Remoto – DSR. e-mail: [email protected] RESUMO Modelos dinâmicos baseados no paradigma de autômatos celulares surgem como uma alternativa viável para a análise do rápido crescimento das taxas de desmatamento na Amazônia. Neste sentido, este trabalho tem como objetivo simular o desmatamento na região de São Félix do Xingu, sudeste do Pará, utilizando essa classe de modelos como ferramenta para a compreensão dos fatores condicionantes do desmatamento. Dados reais do desmatamento em 1997 e 2000 foram usados para identificar o processo de supressão da floresta na região. Um conjunto de variáveis relacionadas ao processo foi selecionado para, juntamente com parâmetros internos do modelo, fornecer uma simulação do desmatamento para o ano de 2000. A simulação gerada apresentou um índice de similaridade fuzzy elevado, indicando a eficácia do modelo. A variável que teve maior contribuição nas simulações obtidas foi “distâncias a áreas desmatadas em 1997”, o que confirma assertivas de estudos científicos anteriores para a região sobre a prevalência do padrão de avanço do desmatamento em torno das áreas pioneiras. Palavras-chave: Desmatamento; Amazônia; Autômatos celulares; Modelagem dinâmica. Bol. Ciênc. Geod., sec. Artigos, Curitiba, v. 14, n o 3, p.370-391, jul-set, 2008.

MODELAGEM DINÂMICA DO DESMATAMENTO … Modelagem dinâmica do desmatamento na Amazônia.. DINAMICA opera a partir da vizinhança de Moore (janela 3x3) e apresenta a vantagem de utilizar

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MODELAGEM DINMICA DO DESMATAMENTO NA

AMAZNIA

Dynamic deforestation modeling in the Amazon

ARIMATA DE CARVALHO XIMENES1 CLUDIA MARIA DE ALMEIDA2

SILVANA AMARAL1MARIA ISABEL SOBRAL ESCADA1ANA PAULA DUTRA DE AGUIAR1

Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais INPE. Diviso de Processamento de

Imagens DPI. e-mail: [email protected]; {silvana, isabel, anapaula}@dpi.inpe.br

1 Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais INPE. Diviso de Sensoriamento Remoto DSR. e-mail: [email protected]

RESUMO Modelos dinmicos baseados no paradigma de autmatos celulares surgem como uma alternativa vivel para a anlise do rpido crescimento das taxas de desmatamento na Amaznia. Neste sentido, este trabalho tem como objetivo simular o desmatamento na regio de So Flix do Xingu, sudeste do Par, utilizando essa classe de modelos como ferramenta para a compreenso dos fatores condicionantes do desmatamento. Dados reais do desmatamento em 1997 e 2000 foram usados para identificar o processo de supresso da floresta na regio. Um conjunto de variveis relacionadas ao processo foi selecionado para, juntamente com parmetros internos do modelo, fornecer uma simulao do desmatamento para o ano de 2000. A simulao gerada apresentou um ndice de similaridade fuzzy elevado, indicando a eficcia do modelo. A varivel que teve maior contribuio nas simulaes obtidas foi distncias a reas desmatadas em 1997, o que confirma assertivas de estudos cientficos anteriores para a regio sobre a prevalncia do padro de avano do desmatamento em torno das reas pioneiras. Palavras-chave: Desmatamento; Amaznia; Autmatos celulares; Modelagem dinmica.

Bol. Cinc. Geod., sec. Artigos, Curitiba, v. 14, no 3, p.370-391, jul-set, 2008.

mailto:[email protected]

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ABSTRACT Dynamic models operating on a cellular automata (CA) basis have arisen as a feasible alternative for the analysis of the ever increasing deforestation rates in the Amazon. In this sense, this work aims at simulating deforestation in the area of So Flix do Xingu, southeastern part of Par State, employing such class of models as a tool for understanding the main driving factors of deforestation. Real data of deforestation in 1997 and 2000 were used to assess the forest suppression extent in the study area. A set of explaining variables related to deforestation together with internal parameters of a CA model were used to generate a simulation for the year 2000. The provided simulation output presented a high fuzzy similarity index, what indicates the model effectiveness. The main driving variable takes the distance to deforestaded areas in 1997, into consideration which confirms statements of previous scientific studies for this region concerning the predominance of new deforestation patches in the surroundings of pioneer areas. Keywords: Deforestation; Amazon Forest; Cellular automata; Dynamic modeling. 1. INTRODUO

Com a finalidade de preservar a biodiversidade e mitigar os efeitos adversos do desmatamento, diversas ferramentas de geotecnologias tm sido usadas para indicar reas prioritrias para a conservao bem como direcionar aes do poder pblico. A simulao de sistemas constitui-se em um exemplo do uso de tais ferramentas, pois auxilia no entendimento dos mecanismos indutores e processos de desenvolvimento de sistemas ambientais. Ao determinar como os sistemas evoluem diante de um conjunto de circunstncias, chamadas de condies de contorno, podem-se representar cenrios traduzidos por diferentes quadros socioeconmicos, polticos e ambientais (SOARES-FILHO et al., 2001), e, assim, antecipar a ocorrncia de certos fenmenos, como mudanas de cobertura e uso da terra, incluindo-se o desmatamento. Segundo Openshaw (2000), as simulaes ou modelos computacionais geram informaes qualitativas e quantitativas de fenmenos complexos da natureza. Desse modo, modelos de dinmica espacial podem ser definidos como representaes matemticas de processos ou fenmenos do mundo real, nos quais o estado de uma dada localizao na superfcie terrestre muda em resposta a alteraes nas suas forantes ou variveis explicativas (BURROUGH, 1998).

Os modelos de dinmica espacial ancoram-se usualmente no paradigma de autmatos celulares (ou cellular automata - CA). Wolfram (1983) define autmatos celulares como idealizaes matemticas dos sistemas fsicos, no qual o espao e o tempo so discretos, e os atributos assumem um conjunto de valores tambm discretos. Um autmato celular consiste de uma grade regular uniforme, com uma varivel discreta em cada localidade (atributo ou estado da clula), que

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evolui em passos de tempo discretos. A vizinhana de uma clula tipicamente formada pela prpria clula em considerao e todas as demais clulas localizadas nas suas adjacncias imediatas. As variveis em cada clula so atualizadas simultaneamente, baseando-se nos valores das variveis da sua vizinhana no passo de tempo precedente, e de acordo com um conjunto pr-definido de regras locais (WOLFRAM, 1983).

A regio do municpio de So Flix do Xingu, juntamente com as regies do norte do Mato Grosso e do sul do Amazonas, foram apontadas por Becker (2005) como as trs grandes frentes de ocupao na Amaznia. Segundo Becker (2005), essas frentes constituem as novas fronteiras amaznicas, ou seja, fronteiras mveis, que diferem em sua gnese das fronteiras amaznicas dos anos 1970 essencialmente em trs aspectos: a migrao dominante intra-regional, e principalmente rural-urbana; a expanso das frentes tem como forte componente o capital privado, apresentando uma dinmica regional caracterizada por uma maior diversidade de atores locais, principalmente madeireiras, pecuaristas e produtores de gros instalados na regio, e, finalmente, possuem um grau de acessibilidade e conectividade maior, contando com uma rede de circulao mais densa do que a da dcada de 1970. Dados recentes de desmatamento mostram que So Flix do Xingu foi o municpio que apresentou os maiores valores de desmatamento entre os anos de 2000 a 2006. Do total de rea desmatada observada para a Amaznia Legal nos anos de 2005 (665.854 km2) e 2006 (679.899km2), So Flix do Xingu foi responsvel por 13.626 km2 (2,0%) e 14.496 km2 (2,1%), respectivamente (INPE, 2006). Parte da explicao para a histria de ocupao dessa regio est vinculada ao extrativismo da borracha, explorao do mogno, minerao, garimpo, pecuria e colonizao privada e pblica, sendo hoje a pecuria a principal atividade econmica desenvolvida na regio (ESCADA et al., 2007).

Este trabalho se prope a contribuir para a metodologia de modelagem por autmatos celulares, visando ao estudo dos processos que condicionam as atividades de desmatamento. Tendo o municpio de So Flix do Xingu uma dinmica de alterao de uso e cobertura da terra intensa e persistente desde o final da dcada de 1980, este trabalho usou uma plataforma de modelagem por autmatos celulares para simular processos de desmatamento entre 1997 e 2000, buscando compreender os fatores condicionantes do desmatamento nesse perodo.

2. REA DE ESTUDO

A rea de estudo (Figura 1) compreende grande parte do municpio de So Flix do Xingu e adjacncias, no sudeste do Estado do Par, cortado longitudinalmente pelo rio Xingu, um dos maiores tributrios do rio Amazonas. Os dados encontram-se no Sistema de Projeo Policnica, Datum SAD-69, entre as coordenadas de longitude 52o 30 a 51o 00W, e de latitude 05o 52 a 07o 07S. Alm do municpio de So Flix do Xingu, a rea estudada engloba as sedes dos municpios de Ourilndia do Norte e Tucum, parte dos municpios de Marab,

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Parauapebas e gua Azul do Norte. Em So Flix do Xingu, a rea de estudo compreende as seguintes localidades e distritos: Vila Taboca, Nereu, Tancredo Neves, Carapan, Minerasul e Ladeira Vermelha. Parte das Terras Indgenas Apyterewa, Kayap e Xinkrin do Catet tambm compem esse recorte geogrfico.

Figura 1- Localizao da rea de estudo: So Flix do Xingu e municpios adjacentes.

A rea de estudo corresponde poro do municpio de So Flix do Xingu que pode ser considerada como uma regio de povoamento consolidado. Na dcada de 1980, essa rea correspondia s frentes pioneiras, com processos de uso e ocupao da terra intensos e concentrados ao longo do eixo da rodovia PA-279, que liga Tucum a So Flix do Xingu (SHIMINK e WOOD, 1992; GEOMA, 2004). A regio caracterizada pela presena de grandes fazendas, concentrao fundiria e, muitas vezes, formas ilcitas de apropriao da terra (ESCADA et al., 2005).

Embora a regio atualmente tenha como principal atividade econmica a pecuria, a explorao de minrio (principalmente cassiterita e ouro), desde os anos 1970, teve um papel importante na economia e estruturao da regio. Inicialmente, o transporte do minrio era realizado utilizando o rio Xingu, seus afluentes e transporte areo (SANTANA, 2007). A partir da primeira metade da dcada de 1990, a minerao entrou em declnio, deixando como legado uma rede de estradas que conectam as fazendas da regio e que diminuram consideravelmente a importncia do transporte areo e fluvial (AMARAL et al., 2006; ESCADA et al., 2007).

3. MODELO DE SIMULAO DE DESMATAMENTO

O modelo de simulao espacial de dinmica da paisagem - DINAMICA - foi utilizado para gerar as simulaes de desmatamento da rea de estudo. O

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DINAMICA opera a partir da vizinhana de Moore (janela 3x3) e apresenta a vantagem de utilizar algoritmos estocsticos de alocao de cobertura da terra. Essa plataforma de modelagem de domnio pblico e foi desenvolvida pelo Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais (SOARES-FILHO et al., 2002).

Para as simulaes, os dados reais do desmatamento em 1997 e 2000 foram usados para quantificar a converso da floresta para outros tipos de coberturas na regio. Um conjunto de variveis relacionadas a esse processo foi selecionado para, juntamente com parmetros internos do DINAMICA, fornecer uma simulao do desmatamento para o ano de 2000. Nas prximas sees, a metodologia aplicada em cada fase do processo de modelagem (aquisio dos dados, seleo de variveis, anlise exploratria, clculo de probabilidades, parametrizao e validao) ser tratada de forma detalhada. 3.1 - Dados de Desmatamento

O mapa de desmatamento original, contendo as classes de floresta, campos abertos, rios, desmatamento at 1997 e o incremento do desmatamento no perodo de 1997 a 2000, foi adquirido a partir do projeto PRODES Digital (INPE, 2006) e apresentado na Figura 2. O processamento dos dados de entrada foi realizado no Idrisi Kilimanjaro (EASTMAN, 2003).

Figura 2 - Mapa de desmatamento do PRODES de 1997 a 2000.

O mapa do PRODES foi reclassificado de modo a gerar o mapa de cobertura da terra referente aos anos de 1997 (Figura 3) e de 2000 (Figura 4). Como

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o projeto PRODES no considera reas de campos naturais para o levantamento do desmatamento, este trabalho tambm se limitou a simular somente o desmatamento nas reas de floresta. Em vista de generalizaes adotadas nos mapas do PRODES, apenas o rio Xingu e seu afluente rio Fresco so visveis na classe Rios, uma vez que os cursos dgua de menor porte foram desconsiderados.

Figura 3 - Mapa de cobertura em 1997, resultante da reclassificao do mapa de desmatamento do PRODES.

Figura 4 - Mapa de cobertura em 2000, resultante da reclassificao do mapa de desmatamento do PRODES.

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3.2 - Variveis Explicativas A escolha adequada das variveis explicativas um fator determinante para

o sucesso do uso de modelos. precisamente atravs de suas relaes com a varivel dependente que se definem as clulas com maior ou menor probabilidade de transio de cobertura da terra. Neste trabalho, as variveis testadas e utilizadas foram baseadas em estudos anteriores (ALVES, 2002; LAURENCE et al., 2002; AGUIAR et al., 2007; SOARES-FILHO et al., 2006; PEREIRA et al., 2007; BRANDO JNIOR et al., 2007), que mostram a influncia de variveis conhecidas no processo de desmatamento. Existem diversos fatores que podem influenciar o desmatamento, porm, as dificuldades em relao obteno de dados torna-se uma limitao no processo de modelagem. Contudo, foram testadas seis variveis de distncia em relao a: (i) estradas pavimentadas, (ii) estradas no pavimentadas, (iii) cidades, (iv) rios e (v) reas desmatadas.

Atravs da anlise visual do mapa de desmatamento de 1997, foi possvel observar que as distncias s estradas e cidades tm pouca influncia sobre o processo do desmatamento. Em 1997, a ocupao j havia se consolidado, reduzindo a disponibilidade de terras para o desmatamento situadas prximas a estradas e ncleos urbanos. Apesar da reduzida importncia do transporte fluvial na regio, conforme anteriormente exposto, constatou-se o surgimento de focos de desmatamento nas imediaes dos rios Xingu e Fresco, no perodo de estudo, os quais, embora ocorram em menor escala, justificaram a incluso da varivel distncias a rios no modelo.

As variveis estticas foram construdas a partir dos arquivos reclassificados do PRODES (Figura 3) e correspondem ao mapa de distncias a rios e a reas desmatadas at 1997. Para a discretizao dos mapas de distncias, isto , gerao de faixas de distncias timas (Figuras 5 e 6), foram utilizadas rotinas de calibrao automtica disponveis no DINAMICA 2.4, baseadas no algoritmo de generalizao de linhas, conforme proposto por Goodacre et al. (1993). Figura 5 - Varivel esttica distncias a rios, definida em metros, considerando o

rio Xingu e o rio Fresco.

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Figura 6 - Varivel esttica distncias s reas desmatadas em 1997, definidas em metros.

4. O PROCESSO DE MODELAGEM 4. 1 - Anlise Exploratria dos Dados

O mtodo estatstico pesos de evidncia foi empregado nesse experimento de modelagem para a definio dos pesos das variveis explicativas. Esse mtodo inteiramente baseado no Teorema de Bayes ou da probabilidade condicional, o qual pressupe a independncia de eventos. Neste sentido, deve-se inicialmente verificar a eventual existncia de dependncia entre os mapas de variveis. Para tanto, foram utilizados o ndice de Cramer (V) e o Joint Information Uncertainty (U) ou ndice de Incerteza de Informao Conjunta (BONHAM-CARTER, 1994), os quais operam com valores reais e percentuais, respectivamente, de reas de sobreposio entre diferentes categorias (no caso, faixas de distncia) de dois mapas de variveis explicativas, visando avaliar a presena de associao ou dependncia espacial entre ambos. O Joint Information Uncertainty, ao trabalhar com valores relativos de reas de sobreposio, tende a ser mais robusto que o ndice de Cramer, pois evita o risco de tendenciosidade representado por valores absolutos de reas.

Bonham-Carter (1994) reporta que valores inferiores a 0,5 tanto para o ndice de Cramer (V) como para a Incerteza de Informao Conjunta (U) sugerem uma tnue dependncia espacial entre as variveis consideradas, o que no suscita o descarte de nenhuma delas do modelo. Assim, adota-se o limiar de 0,5 para se decidir sobre a incluso (V ou U < 0,5) ou excluso (V ou U > 0,5) de variveis no modelo. No presente trabalho, o ndice V obtido foi baixo, com valor de 0,21, confirmando que ambas variveis previamente selecionadas poderiam ser

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empregadas simultaneamente no modelo. O valor do ndice U foi de 0,0485, o que mais uma vez confirmou a coerncia de permanncia das duas variveis no modelo.

4.2 Clculo da Probabilidade Global de Transio As probabilidades globais de transio referem-se quantia total de

mudanas para cada tipo de transio da cobertura da terra em um dado perodo de simulao, sem se ater a particularidades espaciais locais, que so aquelas pertencentes a cada clula da rea de estudo em termos de caractersticas do stio fsico ou de infra-estrutura.

No experimento de modelagem deste trabalho, e em demais experimentos nos quais se dispem dos mapas de cobertura da terra inicial e final, a probabilidade global de transio de floresta para reas desmatadas na rea de estudo foi calculada por meio de uma operao de tabulao cruzada, que produz como sada uma matriz de transio entre os mapas de cobertura inicial e final do perodo de simulao (1997-2000).

4.3 Clculo das Probabilidades Locais de Transio

De forma diversa das probabilidades globais, as probabilidades locais de transio so calculadas para cada clula e, sendo assim, consideram as especificidades naturais e antrpicas do stio fsico. Para o clculo das probabilidades de transio de cobertura da terra em cada clula, representada por suas coordenadas x e y, foi utilizada uma equao que converte a frmula de logit para uma frmula de probabilidade comum. O logit corresponde ao logaritmo natural da chance ou odds, que consiste na razo entre a probabilidade de transio da cobertura ocorrer e a probabilidade complementar de no-ocorrncia. Este conceito advm do mtodo bayesiano de pesos de evidncia, a partir do qual se pode obter a probabilidade de transio da cobertura pela manipulao algbrica da frmula do logit, conforme segue (Bonham-Carter, 1994):

n W + x,y O {T} . e i = 1Px,y {T/V1 % V2 % ... % Vn} = n t W + x,y 1 + O {T} . e i = 1

j = 1

, (1)

em que: Px,y = probabilidade de transio da cobertura em cada clula de coordenadas x,y;

T = transio de cobertura da terra; Vi = refere-se a cada uma das variveis explicativas para a transio de cobertura

(no caso desse experimento, h apenas duas);

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O{T} = representa a chance ou odds, que consiste na razo entre a probabilidade de transio da cobertura ocorrer e a probabilidade complementar de no-ocorrncia, expressa por ; P{T}/P{T}

t = corresponde a todas as transies possveis de cobertura da terra (no caso da rea de estudo, t = 1, pois a nica transio considerada de floresta para reas desmatadas); e

W+x,y = refere-se aos pesos positivos de evidncia para cada nvel (faixa de distncia) das variveis explicativas, o qual dado por:

W+ = loge P {Vi/T} P {Vi/T}

(2)

Os pesos positivos de evidncia (positive weights of evidence ou W+), so obtidos a partir de um clculo que utiliza resultados de uma operao de tabulao cruzada entre o mapa de transio de cobertura e as variveis estticas (Figuras 5 e 6), a qual desconsidera as reas cuja cobertura da terra no tempo inicial no seja floresta. Os W+ indicam a atrao entre uma determinada transio de cobertura, no caso o desmatamento, e uma dada varivel esttica. O valor de W+ representa a influncia de cada nvel ou faixa de distncia de cada varivel nas probabilidades locais ou espaciais de transio (BONHAM-CARTER, 1994). Quanto mais elevado o valor de W+, maior ser a chance de ocorrer a transio em funo da presena prvia de determinado nvel da varivel ou evidncia. De forma contrria, quando o valor de W+ negativo, isto indica que menor a probabilidade da transio de cobertura ocorrer em funo da presena prvia do respectivo nvel da evidncia.

Com base na estimativa dos W+, o DINAMICA gera um mapa de probabilidade local (ou espacial) de transio da cobertura da terra, que apresenta valores diferenciados para cada clula. Para avaliar se o modelo est bem calibrado, isto , se o conjunto de variveis explicativas selecionadas o mais adequado e se a definio das faixas de distncia tima, esse mapa deve apresentar as reas com valores elevados de probabilidade ao mximo possvel coincidentes com as reas que de fato sofreram desmatamento (transio de floresta para reas desmatadas).

4.4 - Definio dos Parmetros Internos do DINAMICA

O DINAMICA apresenta dois algoritmos de transio, responsveis pela alocao de mudanas de cobertura da terra: expander e patcher. A funo expander responde pela expanso de manchas previamente existentes de certa classe de cobertura da terra. A funo patcher, por sua vez, destina-se a gerar novas manchas, atravs de um mecanismo de constituio de sementes (SOARES-FILHO et al., 2002).

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A partir de uma anlise visual, no se verificou, durante o perodo de estudo, a existncia de formaes de manchas de desmatamento por processos de difuso, isto , em meio floresta, o que possibilitado pela funo patcher. Sendo assim, todas as transies da simulao foram produzidas pela funo expander, a qual, conforme exposto acima, simula a ocorrncia de manchas de desmatamento a partir da expanso de reas previamente desmatadas.

As definies do tamanho mdio e varincia do tamanho das novas manchas de desmatamento se deram por meio de um procedimento heurstico, no qual o valor ideal de tamanho mdio () resultou em 300 ha, e de varincia (2), em 500 ha. O modelo tambm comporta um outro parmetro heurstico, denominado ndice de isometria de manchas. Este ndice representa um valor numrico, o qual multiplicado pelo valor de probabilidade das oito clulas da janela de vizinhana 3 x 3, utilizada pelos algoritmos expander e patcher, antes da aplicao da regra de transio. Quanto mais elevado o valor do ndice, mais compactas sero as manchas produzidas pelas funes de transio, e, de forma oposta, quanto mais prximo de zero, mais fragmentadas sero as manchas. Neste experimento, foi adotado um ndice de isometria no valor de 1,5, o que caracteriza um equilbrio entre compacidade e fragmentao das mesmas. Este valor produz resultados em concordncia com o padro de desmatamento encontrado na rea de estudo, que apresenta mesclas entre manchas de desmatamento geometricamente estveis ou compactas, produzidas por fazendeiros que utilizam maquinrio agrcola para a derrubada da floresta, bem como manchas fragmentadas geradas por pequenos produtores rurais desprovidos de meios sofisticados para a remoo da cobertura florestal.

5. VALIDAO - MTODO DE SIMILARIDADE FUZZY

Para avaliar o desempenho do modelo de simulao, medidas de similaridade fuzzy foram aplicadas em um contexto de vizinhana local. Diversos mtodos de validao que operam sobre um contexto de vizinhana de pixels (ou clulas) foram propostos at o momento (COSTANZA, 1989; PONTIUS, 2002; HAGEN, 2003), visando identificar a similaridade de padres espaciais entre o mapa simulado e o respectivo mapa de referncia, isto , o mapa real de cobertura no tempo final da simulao (mapa do PRODES de 2000), de forma a relaxar a rigidez da concordncia pixel-a-pixel. O mtodo de Hagen (2003), empregado neste trabalho, baseia-se no conceito de fuzziness of location (dubiedade de localizao), no qual a representao de uma clula influenciada por ela mesma, e, em menor magnitude, pelas clulas na sua vizinhana. Sem levar em conta a dubiedade da categoria ou estado da clula, o vetor de vizinhana fuzzy neighborhood pode representar a dubiedade de localizao. Nesse mtodo de validao, um vetor crisp (exato) associado a cada clula no mapa. Esse vetor possui tantos elementos quantos forem as categorias (classes de cobertura da terra) dos mapas, assumindo 1 para a categoria = i, e 0 para categorias diferentes de i.

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Assim, o vetor de vizinhana fuzzy (Vnbhood) para cada clula dado por:

n b h o o d 1V n b h o o d = n b h o o d 2

n b h o o d C

(3)

nnicuispicrispicrispnbhood mmm *,.....*,* ),(2)2,(1)1,( = , (4)

em que: nbhood i representa a pertinncia para a categoria i dentro de uma vizinhana de N

clulas (normalmente N=n2); crisp ij a pertinncia da categoria i para a clula vizinha j, assumindo-se no vetor

crisp 1 para i, e 0 para categorias diferentes de i (i C); mj a pertinncia baseada em distncia da clula vizinha j, em que m refere-se a

uma funo de decaimento da distncia, por exemplo, um decaimento exponencial (m = 2-d/2). A escolha da funo de decaimento mais apropriada e do tamanho da janela de

amostragem depende da incerteza dos dados e do limiar de tolerncia do erro espacial (HAGEN, 2003). Uma vez que se pretende determinar o ajuste ou concordncia espacial do modelo em diferentes resolues, alm do decaimento exponencial, pode-se aplicar uma funo constante igual a 1 dentro da janela de vizinhana, e igual a 0 fora da mesma. 6. RESULTADOS E DISCUSSO

A Tabela 1 apresenta a matriz de transio, resultante da operao de tabulao cruzada entre os mapas de cobertura inicial (1997) e final (2000), a qual fornece os percentuais de converso de cobertura da terra, o que corresponde, no caso particular deste trabalho, probabilidade global de transio de floresta para reas desmatadas, estimada em 13,8%. As classes reas Desmatadas e Rios no sofreram alteraes de cobertura durante o perodo de estudo.

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Tabela 1 Matriz de transio de cobertura da terra no perodo de 1997 a 2000. 2000

Cobertura da Terra Floresta reas Desmatadas Rios

Floresta 0,862 0,138 0

reas Desmatadas 0 1 0 1997

Rios 0 0 1 Conforme exposto na Seo 4.3, o clculo das probabilidades locais de

transio, isto , as probabilidades de transio de cobertura da terra em cada clula so feitas com base nos valores do peso positivo de evidncia (W+). As Tabelas 2 e 3 apresentam os valores de W+ para cada faixa de distncia das variveis distncias s reas desmatadas em 1997 e distncias a rios, respectivamente, e a Figura 7 mostra graficamente como se comportam os valores de W+ para essas variveis explicativas. Convm lembrar que o fatiamento das grades de distncias foi executado por meio do algoritmo de generalizao de linhas implementado no mdulo de calibrao do DINAMICA. Tabela 2 Valores de pesos positivos de evidncia (W+) para as faixas de distncia

da varivel distncias s reas desmatadas em 1997.

VALORES DOS PESOS POSITIVOS DE EVIDNCIA

Cdigo Seqencial

Distncias s reas Desmatadas (metros)

W+

1 0 - 170 1,745 2 170 240 1,410 3 240 - 268 1,182 4 268 - 339 0,983 5 339 - 360 0,836 6 360 - 480 0,650 7 480 - 509 0,460 8 509 - 537 0,312 9 537 720 0,179

10 720 805 -0,017 11 805 960 -0,143 12 960 975 -0,011 13 975 988 -0,287 14 988 1.017 -0,221 15 1.017 1.045 -0,313 16 1.045 1.108 -0,247

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17 1.108 1.137 -0,383 18 1.137 3.325 -0,686 19 3.325 3.335 -1,549 20 3.335 3.340 -1,254 21 3.340 3.390 -1,452 22 3.390 3.757 -1,733 23 3.757 4.539 -2,216 24 4.539 4.720 -3,092 25 4.720 29.889 -3,285 26 29.889 2.147.483.647 0

Tabela 3 Valores de pesos positivos de evidncia (W+) para as faixas de distncia

da varivel distncias a rios.

VALORES DOS PESOS POSITIVOS DE EVIDNCIA

Cdigo Seqencial

Distncias a Rios (metros)

W+

1 0 240 -1,238 2 240 360 -0,681 3 360 1.320 -0,515 4 1.320 1.440 -0,353 5 1.440 25.800 -0,212 6 25.800 25.920 -0,049 7 25.920 29.400 0,104 8 29.400 29.760 0,286 9 29.760 32.880 0,193 10 32.880 2.147.483.647 0

Figura 7 Comportamento dos pesos positivos de evidncia (W+) das variveis

distncias s reas desmatadas em 1997, esquerda, e distncias a rios, direita, por faixa de distncia.

Pesos Positivos de Evidncia -

Distncias s reas Desmatadas em 1997

-4 .0 0

-3 .0 0

-2 .0 0

-1.0 0

0 .0 0

1.0 0

2 .0 0

1 4 7 10 13 16 19 2 2 2 5

Faixas de Distncia - (Cdigo Seqencial)

W+

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Pesos Positivos de Evidncia - Distncias a Rios

-1.4 0

-1.2 0

-1.0 0

-0 .8 0

-0 .6 0

-0 .4 0

-0 .2 0

0 .0 0

0 .2 0

0 .4 0

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Faixas de Distncia - (Cdigo Seqencial)

W+

A curva dos valores de W+ da varivel distncias a reas desmatadas em 1997 revela a concentrao de pesos com os maiores valores nas primeiras faixas de distncia, o que explicita a prevalncia do padro de avano do desmatamento em torno das reas previamente ocupadas (ALVES, 2002; AGUIAR et al., 2007). Dito de outra forma, o padro de desmatamento, no perodo de estudo, apresenta majoritariamente grandes extenses e segue uma tendncia de ocorrncia no entorno de reas pioneiras, em virtude, inclusive, do histrico de concentrao fundiria nessa regio.

Em relao varivel distncias a rios, nota-se que as faixas de distncia mais prximas aos cursos dgua principais apresentam os valores mais baixos de W+. Isto explicado pelo fato de que, ainda que ocorram desmatamentos nas proximidades dos rios, estes representam apenas uma pequena parcela frente ao total de rea desmatada na regio, o que provoca o decaimento nos valores dos pesos nessas faixas mais prximas. Conforme as faixas se distanciam dos cursos dgua, o peso torna-se gradativamente positivo, pois, na verdade, essas faixas correspondem justamente s reas limtrofes a ocupaes consolidadas, que so exatamente aquelas submetidas a processos de desmatamento. Em suma, essa varivel atuou como um ajuste fino da varivel distncias s reas desmatadas em 1997. Conforme mencionado na Seo 4.3, o DINAMICA produz, a partir dos valores de W+, um mapa de probabilidade local (ou espacial) de transio da cobertura da terra, contendo valores de probabilidade distintos em cada clula. A Figura 8 apresenta o mapa de probabilidade local de transio de cobertura da terra gerado neste experimento.

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Figura 8 - Mapa de probabilidade local de transio de cobertura da terra (floresta para reas desmatadas) no perodo de 1997 a 2000.

As reas em preto apresentam probabilidade de transio nula. As reas em

tons de azul e verde apresentam probabilidade de transio muito-baixa e baixa, ao passo que as reas em tons amarelado, alaranjado e avermelhado apresentam probabilidade de transio mdia, mdia-alta e alta, respectivamente. As reas com valores mais elevados de probabilidade coincidem com as reas onde de fato ocorreram desmatamentos, como se pode observar no mapa de desmatamento do PRODES (Figura 2).

A simulao produzida pelo modelo (Figura 9), considerando ambas as variveis, apresentou ndices elevados de similaridade fuzzy para diferentes resolues (Tabela 4), os quais indicam a eficcia do modelo.

Figura 9 - Resultado da simulao do desmatamento para o ano de 2000, com

tamanho mdio de mancha de 300 ha e varincia de 500 ha.

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Comparando a simulao com o mapa de cobertura de 2000 (Figura 4), pode-se perceber que a forma retangular gerada pelo desmatamento real em algumas reas no foi reproduzida na simulao. Isto se deve ao fato de que as atuais funes de transio do DINAMICA no comportam ainda restries mais elaboradas relativas geometria das manchas. Por outro lado, o padro espacial de distribuio das reas desmatadas na simulao, comparado com o encontrado na cena real (mapa de cobertura 2000), foi bem modelado, o que pode ser confirmado pelos valores de similaridade fuzzy. Cumpre salientar que a meta da modelagem no reproduzir fielmente a realidade, mas to somente detectar principais padres e tendncias de mudanas da cobertura da terra. Os padres referem-se a aspectos morfolgicos e de formao das manchas, isto , se as mesmas apresentam formatos geometricamente estveis ou irregulares, e se so produzidas por processos de expanso ou difuso, ao passo que as tendncias referem-se a vetores do desmatamento, i.e., direes de propagao do desmatamento no espao.

Tabela 4 - Resultado da validao para distintos tamanhos de janela. Tamanho da Parmetros das Modelo

Janela (Pixels) Manchas (ha) ISF*

3 x 3 0,876 5 x 5 0,890 7 x 7 = 300 0,899 9 x 9 2= 500 0,903

11 x 11 0,904

Simulao 1997-2000

13 x 13 0,905 *ISF = ndice de Similaridade Fuzzy

Como o ISF um mtodo de avaliao de concordncia flexvel, isto , no se baseia em ajuste pixel-a-pixel, mas sim em ajuste por mltiplas resolues, os valores do ndice tendem a ser consideravelmente superiores, se comparados aos ndices de concordncia rgida. Essa concordncia tanto maior quanto maior for o tamanho da janela de amostragem, porm, a partir de certa resoluo, acima de 11 ou 13 pixels normalmente, ocorre uma saturao no ISF (Figura 10), o que demonstra que para janelas com resoluo muito degradada, o ISF torna-se ineficiente para avaliar o ajuste entre a cena real e a simulada. Convm lembrar que o uso de ndices de concordncia por mltiplas resolues para avaliar a qualidade de simulaes de modelos dinmicos espaciais se justifica em vista do fato de que impraticvel prever o futuro com exatido espacial fina, dada a aleatoriedade inerente a processos de converso de cobertura da terra.

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Figura 10 Variao do ndice de similaridade fuzzy (ISF), com tamanho mdio de mancha de 300 ha e varincia de 500 ha, em funo de diferentes tamanhos de

janela de amostragem.

7. CONCLUSES

Este artigo apresentou um experimento de modelagem de dinmica espacial baseado em autmatos celulares, destinado a simular o desmatamento na regio de So Flix do Xingu, sudeste do Par, no perodo de 1997 a 2000. As evidncias (ou variveis) utilizadas no representam exaustivamente o conjunto de forantes do processo de desmatamento na rea, mas correspondem, contudo, aos fatores indutores estratgicos desse processo.

A varivel distncias s reas desmatadas foi fundamental para a simulao dos processos de desmatamento que se observam nas fronteiras limtrofes de reas em que j ocorreu a supresso da floresta. Em vista do histrico de concentrao fundiria nessa regio, o padro de desmatamento, no perodo de estudo, apresenta predominantemente grandes extenses e segue uma tendncia de ocorrncia no entorno de reas pioneiras. A varivel distncias a rios, por outro lado, expressou a reduzida importncia do transporte fluvial para o desmatamento e ocupao da regio. Porm, considerando que ainda ocorrem focos de desmatamento nas imediaes dos principais rios na rea considerada, essa varivel atuou no modelo como um ajuste fino da varivel precedente distncias s reas desmatadas. O resultado obtido demonstra a capacidade do mtodo e plataforma empregados em modelar o processo de converso da cobertura florestal para reas desmatadas na regio de estudo, no perodo de 1997 a 2000, o que foi ratificado pelos elevados valores do ndice de similaridade fuzzy.

A plataforma utilizada para a modelagem mostrou-se satisfatria para os propsitos deste trabalho, por comportar, entre outras coisas, a funo de transio expander. Essa funo reproduz com fidelidade o padro de alastramento de manchas de desmatamento de forma contnua nas suas adjacncias, padro este

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peculiar dos processos de remoo da floresta em reas pioneiras, como o caso de So Flix do Xingu. Outras vantagens da plataforma DINAMICA referem-se ao fato de que a mesma apresenta uma estrutura aberta e flexvel para a utilizao de diferentes mtodos de parametrizao e conjuntos de variveis, os quais, associados de modo criterioso, atendem s especificidades de modelagem das mais diversas reas de estudo, com padres particulares de converso de cobertura (e uso) da terra. Isto permite a replicabilidade de modelos desenvolvidos nesta plataforma para outras reas da Amaznia, com contextos diferenciados de ocupao, em diferentes estgios de consolidao, e envolvendo distintos atores locais e suas dinmicas caractersticas.

Em trabalhos futuros, os autores pretendem explorar um rol mais diversificado de variveis intervenientes, como indicadores do status jurdico da propriedade/posse da terra, estradas locais e novos vetores das frentes de ocupao, alm de operar com outros mtodos estocsticos de parametrizao das variveis explicativas do modelo. tambm inteno dos autores trabalhar com simulaes em sries temporais longas, de modo a utilizar um conhecimento mais aprofundado sobre o histrico de ocupao da rea e, assim, subsidiar a confeco de simulaes futuras de desmatamento em So Flix do Xingu no curto e mdio prazo. Esses prognsticos seriam baseados em cenrios plausveis de circunstncias polticas, socioeconmicas e de infra-estrutura em nvel local e regional.

Embora modelos computacionais de simulao tenham sido alvo de crticas, principalmente em vista do seu reducionismo e limitaes para capturar integralmente a complexidade inerente da realidade (BRIASSOULIS, 2000), pode-se argumentar em prol de sua existncia e continuidade, pois eles oferecem uma maneira incomparvel de abstrair padres e tendncias de processos do mundo real. Na verdade, modelos de simulao devem ser concebidos, manipulados, aplicados e interpretados de forma sbia e crtica, de modo que pesquisadores, planejadores e tomadores de deciso da esfera pblica e privada possam extrair o melhor de seus resultados e sensatamente reconhecer os seus limites (ALMEIDA et al., 2005). Esses modelos dinmicos espaciais, dos quais as plataformas baseadas em CA constituem um dos melhores representantes, consistem em um meio promissor para tornar resultados de simulaes de mudanas de cobertura da terra comunicveis e transparentes a polticos, planejadores e tomadores de deciso, bem como aos atores locais e ao pblico leigo de forma geral.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho integra o conjunto de atividades da Rede GEOMA Rede Temtica de Pesquisa em Modelagem Ambiental da Amaznia (http://www.geoma.lncc.br/), firmada atravs de um acordo de cooperao tcnico-cientfica entre as instituies do Ministrio de Cincia e Tecnologia (MCT).

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http://www.geoma.lncc.br/

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Os autores gostariam de manifestar o seu agradecimento aos revisores, cujas crticas contriburam para a melhora da qualidade final do artigo. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS AGUIAR, A. P. D.; CMARA, G.; ESCADA, M. I. S. Spatial statistical analysis of

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1. INTRODUO 3. MODELO DE SIMULAO DE DESMATAMENTO 3.1 - Dados de Desmatamento 4. O PROCESSO DE MODELAGEM 4. 1 - Anlise Exploratria dos Dados 6. RESULTADOS E DISCUSSO 7. CONCLUSES REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS