MODERNIDADE E PÓS (1)

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    MODERNIDADE E PS-MODERNIDADE. Nildo Viana*

    O mundo moderno palco de um confronto de ideologias, opes polticas e concepes queso derivadas das lutas de classes. Tal confronto se encontra tambm no que se refere aosignificado dos conceitos e palavras. A palavra modernidade no escapa a esta condio e sepresta a muitos equvocos e definies. O presente texto tem como objetivo, partindo da

    concepo marxista, analisar os significados dos termos modernidade e ps-modernidade.

    Ao moderno se contrape o arcaico, o tradicional, o atrasado. Na verdade, em termosmarxistas, todas as concepes do que arcaico remete este s sociedades pr-capitalistasou no-capitalistas, identificando, portanto, modernidade e capitalismo. A concepo marxistade modernidade tambm aponta para esta concluso, sem, contudo, contrapor tal termo aoutros (arcaico, tradicional, atrasado) na busca ideolgica de provar a superioridade do modo

    de produo capitalista em relao aos demais modos de produo, tal como o faz asideologias burguesas.

    O que caracteriza a modernidade? Podemos dizer que a mercadoria, tal como produzida

    em nossa sociedade. A produo capitalista de mercadorias revela uma relao de exploraoe dominao de uma classe social por outra. O processo capitalista de produo demercadorias um processo de produo de mais-valor, tal como Marx o demonstrou (Marx,1988). O capitalista compra a fora de trabalho e a utiliza no processo de produo. A fora detrabalho acrescenta valor s mercadorias e apenas uma parte desse valor acrescido retorna assuas mos, sob a forma de salrio, que o preo da fora de trabalho pago pelo capitalista.Como o trabalhador produziu mais do que recebeu e o capitalista ficou com este mais-valoracrescido a mercadoria e no recebido pelo trabalhador, a reside a explorao capitalista. Talexplorao proporcionada pela dominao que a classe capitalista exerce sobre a classeoperria no processo de produo.

    H, na relao entre capitalistas e trabalhadores, uma incessante produo de mais-valor. Este

    mais-valor se realiza no mercado atravs do consumo das mercadorias pela populao. Este o fundamento da modernidade. deste fundamento que deriva todas as outras caractersticasda modernidade. Basta observar que o processo de produo capitalista exige a grandeindstria que instalada na cidade, o desenvolvimento tecnolgico (devido competio doscapitais individuais, a necessidade de ampliao constante do mercado consumidor e atendncia a queda da taxa de lucro mdio), a necessidade de controlar e administrarminuciosamente o processo de trabalho. Aqui se revelam vrias caractersticas secundrias damodernidade e que podem ser expressas por termos bastante utilizados pelas cinciashumanas: industrializao, urbanizao, desenvolvimento tecnolgico acelerado,racionalizao, burocratizao.

    Mas a modernidade possui outras caractersticas, que tambm so derivadas das relaes deproduo capitalistas. A dominao e explorao da classe trabalhadora provocam aresistncia desta e a luta de classes. A classe capitalista busca manter sua dominao atravsda represso, da ideologia, do imaginrio, da criao de instituies que buscam integrar oproletariado na sociedade burguesa. A partir disto observamos novas caractersticas damodernidade: ideologizao, institucionalizao, estatizao, violncia, luta de classes entreburguesia e proletariado em todas as esferas da vida social. Novamente se v a outras razesdo fenmeno da burocratizao que se expande para a sociedade civil.

    A mercadoria vendida no mercado, onde se realiza o mais-valor e isto cria a necessidade doconsumo e a transformao de tudo em mercadoria. Torna-se necessrio, devido tendnciada queda da taxa de lucro mdio e a competio entre empresas capitalistas, a incessante

    reproduo ampliada do mercado consumidor. Isto faz com que do meio-ambiente sejaextrado cada vez mais matria-prima, criando uma devastao ambiental sem limites. Estes

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    fatos nos apresentam mais algumas caractersticas da modernidade: mercantilizao,consumismo, modas sucessivas, destruio ambiental em escala nunca vista antes na histriada humanidade.

    Muitas outras caractersticas da modernidade, tal como o cientificismo, a especializao, etc.,que so derivadas das relaes de produo capitalistas poderiam ser acrescentadas, mas nos

    limitaremos a estas. Alm disso, e como elemento fundamental da modernidade, est a luta declasses, que o seu fundamento a produo de mais-valor expresso da luta de classes egera a luta de classes na produo, que se d em torno do mais-valor e se generaliza eespalha por toda a sociedade, envolvendo as classes fundamentais (burguesia e proletariado)e demais classes (burocracia, intelectualidade, campesinato, etc.) e fraes de classes. Enfim,a modernidade pode ser compreendida como o perodo histrico marcado pelo predomnio domodo de produo capitalista e a modernizao como o processo de desenvolvimento damodernidade.

    Neste sentido, o processo de modernizao significaria to-somente a implantao do modo deproduo capitalista e das demais relaes sociais que lhe acompanham e seu

    desenvolvimento, o que significa o aprofundamento, intensificao, de elementos j presentesna essncia do capitalismo. A modernizao este processo de aprofundamento eintensificao da modernidade, com suas contradies e crises.

    O que significa falar de modernidade nos dias atuais? Significa observar a atual configuraodo capitalismo mundial e suas contradies. A modernidade atual a atual fase dedesenvolvimento do capitalismo, ou seja, a contemporaneidade. O desenvolvimento capitalista marcado por lutas de classes que geram formas determinadas em cada uma de suas fases, oque repercute em todas as instncias sociais. Porm, h um elemento fundamental noprocesso de desenvolvimento capitalista, que a luta em torno do mais-valor e a acumulaocapitalista. A luta em torno do mais-valor cotidiana, constante, e se d no espao concretodas relaes de produo, da unidade de produo, na fbrica, na construo civil, ou seja, em

    todos os lugares onde ocorre extrao de mais-valor. Ela acaba se solidificando emdeterminada correlao de foras, instaurando determinadas formas de extrao de mais-valor,concretizadas em formas de organizao do trabalho, tal como se v no taylorismo, fordismo,toyotismo. Alm da produo de mais-valor necessrio sua realizao, sua repartio, etc., oque produz a necessidade de controle e regularizao e, desta forma, determinada correlaode foras no processo de produo, aliada com determinada correlao de foras em geral nasociedade civil, temos uma formao estatal e relaes internacionais estabelecida, queconstituem um determinado regime de acumulao (Viana, 2008; Viana, 2003). A histria damodernidade, ou seja, do capitalismo, a histria da sucesso de regimes de acumulao, ouseja, formas consolidadas e relativamente estabilizadas das lutas de classes.

    At aqui nos limitamos a discutir o conceito de modernidade. Nosso objetivo, no entanto, discutir o outro termo, o de ps-modernidade. Cabe, ento, esclarecer o significado daexpresso ps-modernidade e o que este fenmeno representa. A partir do reconhecimentoda identidade entre capitalismo e modernidade e da constatao bvia de que o capitalismoainda no foi superado, observamos que as sociedades contemporneas no so ps-modernas e sim modernas. No difcil reconhecer que a produo de mais -valor continua,bem como a sociedade continua comandada pela produo industrial, continua urbana,mercantil, burocrtica, racionalizada, consumista, etc.

    Mas resta explicar, ento, o que significa a ideologia ps-moderna. Existe um rompimento realentre a ideologia moderna (burguesa) e a ideologia ps-moderna? Para responder a estaquesto teramos que tratar de outros aspectos da modernidade e aps isto voltar ao nebulosomundo das ideologias.

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    Algumas caractersticas da modernidade, tais como o desenvolvimento tecnolgico acelerado,a constante criao e recriao do mercado consumidor, entre outras, deixam entrever umadas mais importantes facetas deste perodo histrico e que pode ser resumida da seguinteforma: a burguesia no pode existir sem revolucionar constantemente os meios de produo

    e, por conseguinte, as relaes de produo e, com elas, todas as relaes sociais. (...). Arevoluo contnua da produo, o abalo constante de todas as condies sociais, a eternaagitao e incerteza distinguem a poca burguesa de todas precedentes. Suprimem-se todasas relaes fixas, cristalizadas, com seu cortejo de preconceitos e ideias antiquadas eveneradas; antes mesmo de se consolidar. Tudo o que era slido se evapora no ar, tudo queera sagrado profanado, e por fim o homem obrigado a encarar com serenidade suasverdadeiras condies de vida e suas relaes com a espcie (Marx e Engels, 1978, p. 96-97).

    A ideia de tempo e de mudana se une com a ideia de velocidade. O desenvolvimento histricosob o capitalismo to veloz que d a impresso de que as sociedades pr-capitalistas soestticas, sem histria, tal como na iluso da maioria dos antroplogos sobre as sociedades

    indgenas. Nesse torvelinho se v, ao mesmo tempo, continuidade e descontinuidade,mudanas e permanncias.

    O que significa isto? Significa que as mudanas que ocorrem no capitalismo so mudanas emsua forma e expressam os seus perodos de desenvolvimento histrico. O seu contedo, aocontrrio, permanece o mesmo. Qual este contedo? A produo de mais-valor peloproletariado e sua apropriao pela burguesia, ou seja, a luta entre estas duas classes sociais.As mudanas que ocorrem no mundo moderno so mudanas no interior do modo de produocapitalista e apontam, devido suas contradies, para uma transformao radical de seuprprio contedo, isto , para a abolio do capitalismo.

    Tal tendncia histrica brota de suas prprias contradies, ou seja, da luta da classecapitalista e da classe trabalhadora e de todos os conflitos sociais derivados desta luta. Distotudo se conclui que as mudanas no capitalismo representam perodos histricos deste, o que

    significa uma manifestao simultnea da continuidade (do modo de produo capitalista) e dadescontinuidade (no modo de produo capitalista), que se manifesta nos regimes deacumulao[1]. Alm disso, percebe-se, consequentemente, que as principais mudanasocorrem nas relaes de produo e distribuio e da se espalham para as demais esferas davida social.

    O que vem ocorrendo no que diz respeito ao modo de produo capitalista? Nos meiosacadmicos, polticos e at mesmo nos meios oligopolistas de comunicao se usa termoscomo globalizao, reestruturao produtiva, terceirizao, neoliberalismo, fim do

    socialismo, fim do estado-nao, sociedade ps-industrial, ps-modernidade, ps-fordismo, etc. Comecemos pela chamada reestruturao produtiva. O termo re -estruturao

    um tanto quanto exagerado, pois a estrutura produtiva no foi alterada em sua estrutura. Noque se refere s relaes de trabalho, existe uma tendncia em se falar d e crise do fordismoe em ps-taylorismo e ps-fordismo e assim postular uma mudana radical no processo detrabalho. Tal tese se sustenta numa anlise superficial das formas de organizao do trabalho.

    O taylorismo se caracteriza por ser a forma de organizao do trabalho criada pela burguesia apartir de um estgio superior de seu desenvolvimento capitalista. Que estgio este? oestgio onde a luta operria imps a estabilizao da jornada de trabalho e desta formaimpediu o aumento de extrao de mais-valor absoluto. A partir desse momento, a classecapitalista forjou a organizao cientfica do trabalho (taylorismo), com o objetivo de aumentar

    a produo no interior de um mesmo perodo de tempo (a jornada de trabalho estabelecida), ouseja, de aumentar a produtividade, o que equivalente ao aumento de extrao de mais-valorrelativo. Isto significou a passagem do regime de acumulao extensivo para o regime deacumulao intensivo.

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    Um conjunto de processos organizativos foi criado para realizar tal faanha. A gernciacientfica significa a criao de uma camada de especialistas (os gerentes) voltados para ocontrole, a vigilncia e a organizao do processo de trabalho buscando evitar desperdcio detempo, maior rendimento, etc. Cria-se, assim, uma racionalizao do processo de trabalho. Emsntese, o taylorismo, tal como o concebemos, se caracteriza por ser um processo de controleda fora de trabalho atravs da racionalizao e dos gerentes especializados em planejarminuciosamente a execuo das tarefas e aplicar tal racionalizao (que se caracteriza pormedir, calcular, normatizar, o processo de trabalho) objetivando o aumento de produtividade.

    As formas de organizao do trabalho posteriores so apenas aplicaes do taylorismo snovas necessidades do modo de produo capitalista, ou seja, no existe nenhum ps -taylorismo. O fordismo, por exemplo, apenas uma adaptao do taylorismo produo em

    massa, o que provoca algumas alteraes formais, mas no muda a essncia do taylorismo.Ele instaurado em outro contexto histrico, marcado por nova correlao de foras entre asclasses sociais, ou seja, em um novo regime de acumulao, o intensivo-extensivo, e que acompanhado por uma nova organizao estatal, o estado integracionista e novas relaesinternacionais, o imperialismo oligopolista transnacional.

    O toyotismo, por sua vez, realiza uma adaptao do taylorismo nova situao histrica. Quesituao essa? Trata-se de uma situao onde a luta de classes ganha contornos novos,onde h uma ofensiva da classe capitalista provocada pela queda da taxa de lucro mdio epela competio oligopolista internacional. O Japo ps-segunda guerra mundial precisou fazerum esforo gigantesco, caracterizado pela superexplorao da fora de trabalho, para reerguera produo nacional. Foi desta forma que o Japo se tornou uma superpotncia no interior da

    competio internacional. O modelo japons implementado a partir do ps -guerra passa a seraplicado nos demais pases devido situao atual marcada pela taxa declinante de lucro epela competio oligopolista internacional, onde o Japo assume uma posio privilegiada egraas ao seu xito comea a ser copiado por diversos outros pases.

    A tendncia a queda da taxa de lucro mdio provoca, juntamente com outros fatores, umacorrida pelo desenvolvimento tecnolgico, uma aumento da taxa de explorao do trabalhador,um busca incessante de reproduo ampliada do mercado consumidor, uma ofensiva da classecapitalista em vrias frentes ao mesmo tempo. Tais caractersticas surgem, inicialmente, nospases capitalistas superdesenvolvidos (EUA, Japo, Europa Ocidental) e se espalha pelo restodo mundo, atingindo, assim, os pases capitalistas subordinados.

    Este fenmeno de difuso mundial ocorre a partir da ascenso do modo de produocapitalista, onde o centro impe as relaes de produo capitalistas e seus derivados e, uma

    vez isto estando concretizado, irradia para o resto do mundo tambm as suas alteraesformais. Desta forma, podemos dizer que aps este perodo de consolidao mundial do

    capitalismo surge um processo de irradiao das transformaes do capital e de suas formasde regularizao para o resto do mundo, o que significa que o capitalismo muda de formainicialmente nos pases superdesenvolvidos e depois exporta estas mudanas para os pasessubordinados. Isto gera uma maior uniformizao do capitalismo mundial.

    H muitas dcadas o modo de produo capitalista se tornou o modo de produo dominanteem todos os pases do mundo e da se observa que o que se chama hoje de globalizao nopassa de uma continuidade da expanso do capitalismo dos seus centros mais desenvolvidospara as regies menos desenvolvidas. Entretanto, ao contrrio do que pretendem os idelogosda burguesia, trata-se de uma expanso marcada pelo signo da subordinao e explorao, talcomo sempre foi. Neste sentido, a afirmao de Marx segundo a qual o pas mais avanadomostra o caminho que ser seguido pelos pases mais atrasados perfeitamente correta (Marxe Engels, 1978). O que podemos observar que o termo globalizao ofusca o cartercapitalista da atual expanso mundial e, consequentemente, as suas contradies e

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    consequncias (Viana, 2008). Tal expanso expressa uma nova fase da luta de classes,marcada pela ofensiva capitalista e pela ameaa proletria de radicalizao, ou seja,caracterizada por uma situao de pr-crise[2]. Trata-se de um deslocamento de determinadosaspectos da luta de classes que at ento eram especficas do capitalismo superdesenvolvidopara o capitalismo subordinado e vice-versa, j que h um aumento da explorao, o que noocorre sem contradies, tendo em vista o significado disto para os ltimos[3].

    O neoliberalismo e a ideologia do fim do estado-nao so expresses ideolgicas de umarealidade pouco compreendida. O neoliberalismo uma ideologia que faz parte da ofensiva docapital e que no se concretiza totalmente na realidade, mas apenas parcialmente. A polticaneoliberal expresso do predomnio dos interesses do capital oligopolista (transnacional enacional) no estado capitalista e mantm uma unidade com outras estratgias ofensivas docapital, tal como o toyotismo, e facilita a sua ao destruidora. O fim do estado-nao, por suavez, no passa de uma fico. O capital precisa do estado-nao, por diversos motivos, entreos quais a sua necessidade de represso dos movimentos de contestao, de produo deideologia, de assegurar os interesses do capital nacional, entre outros (Viana, 2003). O queocorre , na verdade, um peso maior nas decises a nvel nacional e mundial por parte do

    capital transnacional de acordo com a lgica complementar da necessidade de aumento geralda explorao (aumento de extrao de mais-valor, absoluto e relativo), inclusive a nvelinternacional, no qual os pases de origem do capital transnacional buscam aumentar aexplorao interna e externa, gerando o neo-imperialismo hegemonizado pelos EstadosUnidos. Assim, a modernidade atual, a contemporaneidade, marcada pela instaurao de umnovo regime de acumulao, que marca uma renovao do processo de valorizao com abusca de aumento da extrao de mais-valor absoluto e relativo, pela nova forma estatal que o estado neoliberal e por novas relaes internacionais, caracterizada pelo neo-imperialismo(Viana, 2008).

    Inmeras outras ideologias polticas se espalham pelo mundo e como no possvel, neste

    espao, tratar de todas, nos limitaremos a tratar de apenas mais uma, que a tese do fim dosocialismo. A derrocada dos pases do Leste Europeu e da URSS fornece o fundamento para atese do fim do socialismo. Em primeiro lugar, dificilmente se poderia sustentar, da perspectivado proletariado, que estes pases eram socialistas. Podemos dizer que, tal como muitos crticosda sociedade sovitica veem colocando desde a dcada de 1920, o regime existente na Rssia(e, posteriormente, Leste Europeu, China, Cuba, etc.) , na verdade, capitalista. Portanto, sealgo chegou ao fim no foi o socialismo e sim o capitalismo de estado.

    Em segundo lugar, as razes da crise do capitalismo estatal se encontram na sua incapacidadede acompanhar o desenvolvimento tecnolgico acelerado dos pases capitalistassuperdesenvolvidos e sua impossibilidade de conseguir incentivar os trabalhadores aaumentarem o seu rendimento no processo de trabalho e isto tudo provoca uma

    impossibilidade de aumentar a produtividade (extrao de mais-valor relativo) no mesmo ritmoque os pases capitalistas superdesenvolvidos. Da a crise do capitalismo estatal e destemodelo burocrtico e ditatorial de pseudo-socialismo.

    Estas so algumas das principais caractersticas da modernidade em sua atual fase. Outrosaspectos, tais como a revoluo tecnolgica, a expanso do processo de mercantilizao eburocratizao das relaes sociais, o consumismo, as modas sucessivas, complementam estequadro. O aumento gigantesco da produo de bens de consumo e a expanso de empresas einstituies que mercantilizam servios sociais so possibilitados tanto pela revoluotecnolgica quanto pela necessidade do capitalismo de desviar os investimentos aplicados emmeios de produo para meios de consumo, como forma de evitar um crescimento da

    composio orgnica do capital e de conseguir manter a reproduo ampliada do capitalatravs da reproduo ampliada do mercado consumidor.

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    A produo de necessidades fabricadas uma estratgia do capital para ampliar o mercadoconsumidor e assim garantir sua reproduo ampliada. Entre estas necessidades fabricadas seencontra a obsolescncia planejada das mercadorias (lmpadas, eletrodomsticos, etc., quetm o seu tempo de vida til diminudo), os produtos descartveis, os produtos tecnolgicos deconsumo tanto pessoal quanto industrial, que so em pouco tempo superados por outros maissofisticados (computadores, programas de computadores, aparelhagem eletrnica em geral) eas modas sucessivas (roupas, msicas, etc.). O que diferencia o regime de acumulaoanterior intensivo-extensivo para o atual integral que isto intensificado, ampliado. Acultura mercantil se torna ainda mais mercantilizada, a sucesso das modas culturais se tornamais veloz, criando um mundo de cultura descartvel, cada vez mais superficial, consumvel,etc. E isto no apenas no que os elitistas chamam de cultura de massas, mais em todas as

    esferas culturais, incluindo a a cultura acadmica, cientfica, filosfica. As modas acadmicas,mesmo sendo apenas submodas, j que o pensamento cientfico, filosfico, etc., no possuium repertrio e nem os idelogos e reprodutores de ideologias possuem criatividade osuficiente para realizar mudanas mais drsticas, mas apenas remendos, mudanas formais (amais comum mudar as palavras e manter quase que intacto o contedo), misturas eclticas,etc.

    Isto a modernidade nos dias de hoje. Como se pode notar, continuamos submetidos ao reinoda mercadoria. A modernidade marcada por um perodo difcil e isto provoca a ofensiva docapital que, por sua vez, tende a radicalizar as lutas de classes. Assim, caminhamos para umacrise da modernidade, ou seja, para uma crise do modo de produo capitalista. Isto abreamplas perspectivas para a revoluo e a instaurao da autogesto social.

    Podemos, agora, retornar questo da ps-modernidade. As sociedades atuais so modernase no ps-modernas. A prpria ideologia ps-moderna um produto da produo mercantil.Ela faz parte das ondas sucessivas de consumo cultural produzidas pelo capitalismo, ou seja, mais uma moda cultural que sustenta o mercado editorial e artstico e, desta forma, enriquece

    ainda mais certas fraes da classe capitalista, do que qualquer outra coisa. Desta forma se vo quo moderno so os nossos ps-modernos!

    A razo de ser desta ideologia, que na verdade somente em sua auto-imagem ilusria poderiaser chamada ps-moderna (Viana, 2008) pois moderna e uma conceituao maisadequada seria, na esfera artstica, ps-vanguardismo, e, na esfera cientfica, ps-estruturalismo no apenas mercantil. Os meios oligopolistas de comunicao incentivam ereproduzem estas ideologias e seus subprodutos, mas alm de cultura descartvel e mercantil,as ideologias ps-estruturalistas e a arte ps-vanguardista tambm possuem um carterpoltico. Em muitos casos ela abertamente uma apologia da sociedade capitalista[4], do qualos ps-estruturalistas retiram o seu sustento e o seu conforto em troca de migalhas. Troca-seideologias e seus subprodutos por dinheiro. Individualismo, hedonismo, consumismo, so

    algumas palavras que caem como uma luva no ps-moderno. Porm, alm de ser umaexpresso da cultura mercantil, as ideologias ps-estruturalistas so produtos das lutas declasses mais diretamente, consistindo numa contra-revoluo cultural preventiva (Viana, 2008).

    O ps-estruturalismo retoma, isolando e despolitizando, os temas das lutas operrias eestudantis do final da dcada de 60, quando houve uma ascenso das lutas sociais e dasconcepes revolucionrias que se opuseram ao conservadorismo, reformismo e crticaresignada existente. Assim, a crtica do cotidiano de Debord, Lefebvre e outros se transformouem apologia ou descrio dele; a sua insero no interior da sociedade capitalista e seu papelpoltico ocultado e esquecido, produzindo seu isolamento e despolitizao (Viana, 2008). Acrtica da razo instrumental realizada pela Escola de Frankfurt se transforma no irracionalismo

    e abandono da razo em geral; a contestao estudantil e operria de partidos, sindicatos,estruturas burocrticas se transforma em recusa da organizao em geral; o questionamento

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    das vanguardas e da representao se transforma em individualismo desmobilizador, emisolamento das lutas e da auto-representao de grupos isolados.

    Mas, no final das contas, onde a ideologia ps-estruturalista rompe com a ideologia moderna?Podemos dizer que no descaramento e cinismo aberto dos ps-estruturalistas em relao aorecato da maioria dos modernos. Mas isto apenas uma questo superficial e que no retrata

    mais que aspectos formais, embora revele por detrs de si uma ofensiva ideolgica daburguesia e no seja comum a todos os ps-estruturalistas, que podem ser divididos emtendncias diferentes (Viana, 2008).

    O rompimento com a modernidade por parte dos idelogos ps-estruturalistas consiste em criarum modernismo que seria homogneo e um substituto tambm homogneo, no qual o primeiroseria a idade das trevas e o segundo uma idade das luzes, mas sem iluminismo. Algunsidelogos sustentam que a grande ruptura com a modernidade ocorre na epistemologia. Asurge a oposio entre holismo e individualismo metodolgico, racionalismo e irracionalismo,iluminismo e romantismo. Isto, entretanto, no se sustenta diante de uma anlise histrica, poisbasta conhecer a obra de vrios autores modernos, tal como Max Weber, Georg Simmel, F.

    Nietzsche, Wilfredo Pareto, entre outros, para se observar que a metodologia ps-estruturalista j existe h alguns sculos e to moderna quanto o positivismo naturalista

    clssico, com sua busca de neutralidade axiolgica, que sob nova forma reaparece no ps-estruturalismo: o relativismo (Viana, 2000).

    Na verdade, o ps-modernismo significa apenas uma outra ideologia moderna, isto ,burguesa. Ela resgata posies modernas, embora marginais, antigas, e inventa novasideologias. O ps-estruturalismo possui uma diversidade de ideologias no seu interior, tal comoos supermercados possuem suas prateleiras cheias do mesmo produto, mas com marcasdiferentes. A marca o diferencial que ocorre na competio no mercado capitalista deideologias. Uma grande diversidade de teses e linguagens, para diversos nichos deconsumidores. Existem os ps-estruturalistas crticos (Foucault, Deleuze, Guatari); os eclticos

    (Antonio Negri, Lazzaratto) e os conservadores (Rorty, Baudrillard, Maffesolli). O que h decomum em todos eles o seu discurso (falso) de superao das idias modernas (que, comoj dissemos, se torna um todo homogneo, o que serve para incluir o marxismo, seu principalalvo no final das contas) e, em alguns casos, da sociedade moderna. A idia de sociedade ps-industrial, ps-moderna, de modo de produo ps-fordista (o que no quer dizer nada, poisresta saber o que veio depois do fordismo...) identificado com ps-capitalismo, tal como nocaso de Negri (Viana, 2008). A superao do estruturalismo, do marxismo, do freudismo e doexistencialismo[5] a chave para se compreender o processo da ideologia ps-estruturalistaque parte para uma concepo que recusa as concepes fundadas na totalidade ou noracionalismo. O ecletismo assume papel importante e tudo passa a ser vlido, tal como na lutaintercapitalista e nos ringues de luta livre: vale tudo. Em uma de suas tendncias, o ecletismo

    se torna o elemento principal. Assim, o que unifica todas as diversas tendncias ps-estruturalistas sua negao do modernismo, ou seja, do marxismo (fundamentalmente), do freudismo, do estruturalismo e do existencialismo, ou seja, das concepes que tinham forano regime de acumulao anterior, e todas as outras. Esta negao, no entanto, relativa, poisqualquer um pode recuperar qualquer coisa destas concepes, o que no pode aceit-lasna totalidade. E embora existam os que fazem isto, eles no so ps-estruturalistas e nem sobem vistos por estes.

    Logo, modernidade e ps-modernidade so construtos da ideologia ps-estruturalista ou deoutras ideologias e por isso no so vistas como o que realmente so: expresses dasociedade burguesa. Na perspectiva marxista, a modernidade o capitalismo e a ps-

    modernidade no existe. O modernismo, em cincias humanas, algo inexistente, e o ps-modernismo tambm. Restam ideologias que surgem na modernidade atual, ou modernidaderecente (Young, 2002), que se autonomeiam como querem e iludem os desavisados. Estas

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    ideologias, entre elas o ps-estruturalismo (pois no se pode esquecer que apesar do discursops-estruturalista, o marxismo, o positivismo naturalista, entre outras concepes que elesrotulam de modernas continuam a existir e renovar).

    E o marxismo? Ora, no difcil perceber que o marxismo uma crtica da sociedadeburguesa e, por conseguinte, da modernidade. Ele uma crtica do capitalismo e de suas

    ideologias, sejam elas iluministas, romnticas, racionalistas, irracionalistas, individualistas,holistas, etc. Disto se conclui que, se existe hoje uma concepo ps-moderna, esta s podeser o marxismo. Neste sentido, o marxismo uma crtica da modernidade e por isso ele podereconhecer suas contradies e apontar para um mundo realmente ps-moderno, que asociedade autogerida.

    A real oposio no se encontra entre modernidade e ps-modernidade (no sentido correntedestes termos) e sim entre classe capitalista e classe operria, que no plano das idias semanifesta como oposio entre ideologias burguesas (modernas e ps-modernas) e omarxismo, entre diversas outras formas de manifestao da cultura burguesa e da culturaproletria.

    A teoria marxista pode reconhecer a tendncia histrica da superao do capitalismo eobservar a aproximao de uma crise da modernidade. A modernidade, ou seja, a sociedadeburguesa se encontra num perodo de pr-crise, o que significa que h uma forte tendncia aodesencadeamento de uma nova grande crise do capital, e alguns sintomas comeam a semanifestar. Usar o termo crise do capital hoje seria banalizar o conceito e lhe retirar o

    significado. Preferimos caracterizar o atual perodo de pr-crise da modernidade (capitalismo),o que significa que se caminha para uma crise e esta se caracteriza no s pelas dificuldadesde reproduo do capital mas, principalmente, que ela se tornar cada vez maior[6] e istoexpressa a possibilidade de revoluo atravs da ao revolucionria do proletariado emconjunto com as demais foras revolucionrias existentes no interior desta sociedade nosentido de instaurar a autogesto social.

    Referncias

    Baudrillard, Jean. Amrica. RJ, Rocco, 1986.

    Marx, K. O Capital. 3a edio, Vol. 1, SP, Nova Cultural, 1988.

    Marx, Karl e Engels, F. Manifesto do Partido Comunista. In: Laski, H. J. O Manifesto Comunistade Marx e Engels. 2a edio, RJ, Zahar, 1978

    Viana, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. A Dinmica da Poltica Institucional noCapitalismo. Rio de Janeiro, Achiam, 2003.

    Viana, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulao Integral. So Paulo, Idias e Letras, 2008.

    Viana, Nildo. O Fim do Marxismo e outros ensaios. So Paulo, Giz, 2007.

    Young, Jock. A Sociedade Excludente. Excluso Social, Criminalidade e Diferena naModernidade Recente. Rio de Janeiro, Revan, 2002.

    * Professor da UEG; Doutor em Sociologia pela UnB; ps-doutorando em Psicologia daEducao pela PUC-SP; Autor dos livros: Manifesto Autogestionrio (Rio de Janeiro, Achiam,2008); O Que Marxismo (Rio de Janeiro, Elo, 2008); Senso Comum, Representaes Sociaise Representaes Cotidianas (So Paulo, Edusc, 2008); Introduo Sociologia (Belo

    Horizonte, Autntica, 2006), entre outros.

  • 7/30/2019 MODERNIDADE E PS (1)

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    [1] Sobre a periodizao do capitalismo e os sucessivos regimes de acumulao, cf. Viana,2008.

    [2] Pr-crise significa uma situao onde a luta de classes ainda no assumiu a radicalidadesuficiente para marcar o surgimento de um novo perodo revolucionrio, mas que apresentacomo tendncia mais forte uma radicalizao neste sentido. Nestes momentos histricos, a

    burguesia e suas expresses ideolgicas e polticas avanam e se organizam (basta vermos osexemplos da ascenso do neo-fascismo, neo-nazismo, etc., que representam a extrema-direita,

    juntamente com suas correntes mais moderadas, embora contendo certas semelhanas, tal

    como o neoliberalismo) antes que a classe operria e suas expresses se organizem(podemos j vislumbrar um crescimento das foras de extrema-esquerda, representada hojepelo anarquismo revolucionrio, pelo marxismo autogestionrio, etc., e tambm um processopoltico interior a classe operria que aponta para a sua autonomizao e, por conseguinte, suaruptura com as instituies burguesas e burocrticas). Claro que aqui se trata de uma pr-crisedo capital, e no de outras formas de crise, que um conceito universal (sobre isso veja:Viana, 2007). Obviamente que uma crise do atual regime de acumulao pode se tornar umacrise do capitalismo, desde que as lutas sociais assumam a radicalidade de questionar as

    relaes de produo capitalistas.

    [3] Aqui ocorre, por exemplo, uma viso aparente do fenmeno do fim da classe operria ou

    sua integrao, ou seja, ideologias europias e norte-americanas que so exportadas para ocapitalismo subordinado e, nestes, novos agentes sociais de mudana, ilusoriamente,substituem o proletariado e da se pode perceber a razo da nova influncia em certos setoresde militncia poltica da Escola de Frankfurt, Antonio Negri, Foucault, etc. Porm, devido aofato destas ideologias terem sido produzidas em pases imperialistas, com relativa estabilidadepoltica, com maior integrao da classe operria e outros grupos oprimidos, etc., acabamganhando maior radicalidade no capitalismo subordinado, pois os altos ndices de pobreza,etc., alm da prpria caracterstica geral do novo regime de acumulao que busca aumentar o

    processo de explorao, no permite uma mera reproduo de ideologias em contradio coma realidade, alm das lutas ideolgicas e culturais que as atingem.

    [4]Veja, por exemplo: Baudrillard (1986).

    [5] Estas concepes so superadas parcialmente, pois o ps-estruturalismo recuperaaspectos das tendncias anteriores, embora o marxismo e o freudismo s sejam recuperados(e deformados) pelas tendncias crticas ou eclticas do ps-estruturalismo.

    [6] A reproduo do capitalismo enquanto modo de produo tende a ficar cada vez mais difcilcomo seu desenvolvimento histrico, pois a cada regime de acumulao suas estratgias deadaptao vo se esgotando. Podemos dizer que o regime de acumulao integral o ltimo

    suspiro do capitalismo e que, uma vez entrando em crise, somente uma derrota do proletariadoatravs da retomada do fascismo e da guerra poder impedir a transformao social, ou entoa implantao de um capitalismo estatal mundial, hiptese remota principalmente depois dacrise do capitalismo estatal e do enfraquecimento das ideologias e foras polticas que so suaexpresso ou de um modo de produo burocrtico, o que significaria, neste ltimo caso, aderrota do proletariado e sua abolio, instituindo uma nova forma de explorao e novasclasses exploradoras e exploradas.