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doankhuong
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UNIVERSIDADE COMUNITRIA DA REGIO DE CHAPEC - UNOCHAPEC VICE-REITORIA DE PESQUISA, EXTENSO E PS-GRADUAO
REA DE CINCIAS DA SADE CURSO DE PS-GRADUAO ESPECIALIZAO LATO SENSU EM
EDUCAO FSICA
Deizi Domingues da Rocha
CORPOS, TEMPOS E ESPAOS: DESCOBRINDO CAMINHOS
PARA A COMPOSIO COREOGRFICA DO
CORPO COM DEFICINCIA VISUAL
Chapec - SC, Dez. 2010
2
DEIZI DOMINGUES DA ROCHA
CORPOS, TEMPOS E ESPAOS: DESCOBRINDO CAMINHOS
PARA A COMPOSIO COREOGRFICA DO
CORPO COM DEFICINCIA VISUAL
Chapec SC, Dez. 2010
Projeto de Monografia apresentada a UNOCHAPEC como parte dos requisitos para obteno do grau de Especialista em Pedagogia da Educao Fsica.
Orientador (a): Marlini Dorneles de Lima.
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CORPOS, TEMPOS E ESPAOS: DESCOBRINDO CAMINHOS PARA A
COMPOSIO COREOGRFICA DO CORPO COM DEFICINCIA VI SUAL
Esta monografia foi julgada adequada obteno do grau de Especialista em
Pedagogia da Educao Fsica e aprovada em sua forma final pelo Curso de Ps
Graduao em Educao Fsica da Universidade Comunitria da Regio de Chapec -
UNOCHAPEC.
Chapec SC, 21 de Dezembro de 2010.
______________________________________________________
Prof Mestra Marlini Dorneles de Lima - orientadora
Coordenadora do Curso de Licenciatura em Dana UFG/GO
______________________________________________________
Prof Mestra Neusa Kleinubing - avaliadora
UNOCHAPEC
______________________________________________________
Prof Especialista em Educao Especial Elci S. Lucachinski - avaliadora
Coordenadora Pedaggica da ADEVOSC
4
Quem algum dia aprender a voar deve aprender
antes a ficar de p, a caminhar, a correr, a subir, a
danar, (FRIEDRICH NIETZCHE).
5
AGRADECIMENTOS
Primeiramente e sem dvida nenhuma ao Grupo Universitrio de Dana
Essncia, onde aprendi muito e quero continuar a apreender!
A minha mestra e orientadora Marlini que me apresentou esse palco e que me
fez desvendar espetculos que me movem nos dias de hoje. Agradeo pelos vrios
momentos de dilogos e orientaes que perpassaram a relao de orientadora e
orientanda; a disponibilidade de mesmo de longe e com tantas coisas na sua nova fase
de vida ter continuado essa caminhada comigo. Marlini, esses so nossos frutos!
Obrigada.
Agradeo a minha amiga Vanessa pelos longos dilogos, pelas reflexes...
Obrigada.
A famlia Adevosquiana, pelos corpos, tempos e espaos que foram
importantssimos nesta coreografia da minha vida. Os meus sinceros agradecimentos.
Agradeo aos professores do curso que contriburam no meu processo de
formao inicial ainda, quando me apresentaram uma Educao Fsica portadora de
sentidos e significados, em especial a Professora Neusa pela fora, incentivo,
credibilidade e oportunidades...
Ao Fundo de Apoio Manuteno e ao desenvolvimento da Educao Superior
(FUMDES).
Obrigada!
6
RESUMO
CORPOS, TEMPOS E ESPAOS: DESCOBRINDO CAMINHOS PARA A
COMPOSIO COREOGRFICA DO CORPO COM DEFICINCIA VI SUAL
Autora: Deizi Domingues da Rocha Orientadora: Marlini Dorneles de Lima
Essa pesquisa teve como objetivo geral, registrar e analisar o processo de composio coreogrfica vivenciada e desenvolvida junto ao corpo-sujeito com deficincia visual. Esta pesquisa constituiu-se num estudo terico prtico, de cunho qualitativo caracterizando-se como uma pesquisa-ao. Numa perspectiva fenomenolgica. Foram utilizados quatro instrumentos para coleta de dados, sendo: dirio de campo, observao participante, grupo focal, histria de vida e vivncias prticas denominado como ateli de criao. Ao atingirmos os objetivos do trabalho, encontramos algumas etapas significativas no processo de composio coreogrfica, como: escolha da temtica; sensibilizao do corpo; instrumentalizao do corpo em movimento; sistematizao das clulas coreogrficas; coreografia. Conclumos ento que as etapas analisadas no processo de criao e composio coreogrfica esto diretamente ligadas aos pressupostos tericos de Lima (2006): movimento humano, tcnica e expressividade; ao tringulo da composio proposto por Lobo e Navas (2008): imaginrio criativo, corpo cnico e movimento estruturado, bem como os elementos elencados no TCC de Rocha (2008): conscincia corporal, vocabulrio de movimento e expressividade, assim como a importncia das vivencias de clulas coreogrficas para a concretizao da coreografia. Portanto, conclui-se que o processo de composio coreogrfica junto ao corpo-sujeito com deficincia visual um ato intencional, dialgico, reflexivo e educativo, ainda, um fenmeno que permite aos corpos-sujeitos se aventurarem no desvendar do desconhecido, na intencionalidade da execuo do movimento subjetivo, intuitivo, expressivo e significativo. Palavras-chave: Dana; Composio Coreogrfica; Corpo-sujeito; Deficincia Visual.
7
SUMRIO
I APRESENTAO .......................................................................................... ...08
1.1 O comeo................................................................................................08
II MARCO TERICO....................................................................................... ...19
2.1 Simplesmente Corpo...............................................................................19
2.2 Corpo: simplesmente corpo que dana........... ........................................34
2.3 Corpo com Deficincia Visual: Simplesmente corpo que dana........... 38
2.4 Corpos, tempos e espaos: composio coreogrfica.............................43
III DESCRIO E ANLISE DOS DADOS.................................................. ...53
3.1 O Caminho Percorrido.............................................................................53
3.2 Elementos estruturantes do processo de criao e composio
coreogrfica........... .....................................................................................................56
3.2.1 Sensibilizao... onde tudo comea...........................................56
3.2.2 Intrumentalizao... o processo..................................................68
3.2.3 Colcha de Retalhos Ateli de criao......................................75
3.2.4 Entrando em Cena...cinco, seis, sete, oito..................................78
IV CHEGADA A HORA................................................................................. ...80
V REFERENCIAS ............................................................................................. ...87
8
I APRESENTAO
1.1 O comeo...
A histria da dana na minha vida algo indescritvel. Comeando pelas
experincias de duas dcadas de vida pensando que sabia o que realmente a dana
significava na minha vida e at mesmo na vida dos outros. Um entendimento construdo
atravs das vivncias em dana, ou seja, desde os meus primeiros embalos danados,
ainda criana, sem equilbrio, para o orgulho dos meus pais, a marcante passagem da
exploso do ritmo da lambada na dcada de 90 e, sem dvida, os grandiosos bailes
tradicionalistas do Rio Grande do Sul.
Depois, o momento muito importante se refere experincia acadmica no curso
de Educao Fsica na UNOCHAPECO1, atravs das experincias significativas em
dana nas disciplinas do curso, em especfico em Movimento e Ritmo e Metodologia,
teoria e prtica do Ensino da Dana. A partir da meu contato mais efetivo com a dana,
e, o mago desse contato intimista com a dana vm nos seis anos de danarina
integrante do Grupo Universitrio de Dana Essncia e nas atuaes durante quatro
anos junto a alguns Programas e Projetos de extenso da UNOCHAPEC.
Nesses seis anos de Grupo Essncia e nos quatro anos participando nos
Programas e Projetos de extenso da Universidade, a minha histria com a dana tomou
outro rumo, alm das minhas primeiras experincias. O contato com a dana
proporcionou perceber e me sentir enquanto corpo-sujeito2 pela minha corporeidade e
pela (re) construo desta nas relaes com os outros corpos-sujeitos danantes
desmistificou o padro de corpo apto para dana, me lanando vrias vezes aos palcos
1 Universidade Comunitria da Regio de Chapec Chapec/SC. 2 Corpo-sujeito: expresso que compreende os sujeitos no entrelaamento da complexidade do sentir, do pensar, do expressar-se, do agir, construindo assim uma unidade corprea que singulariza a presena do homem no mundo, conforme Schwengber (2005).
9
da vida, e, sem dvida, tendo como apresentao mais marcante o espetculo de realizar
um trabalho de dana junto a Pessoas3 com deficincia.
A primeira oportunidade foi atravs do Programa de Extenso Esporte e
Emancipao na Escola Recanto da Esperana APAE de Chapec/SC nos anos de 2005
a 2007. Depois atravs do Projeto de Extenso Mundo das Percepes: uma proposta
de dana para deficincias visuais, este aprovado via FAPEX (Fundo de Apoio a
Pesquisa e Extenso) e desenvolvido no ano de 2007 e 2008 na ADEVOSC (Associao
de Deficientes Visuais do Oeste de Santa Catarina). E atualmente como professora de
dana nos dois contextos, APAE e ADEVOSC.
Diante disso, tornou-se perceptvel de que o corpo-sujeito desfruta de sua
totalidade atravs de momentos que lhe possibilita perceber enquanto corpo e de
estabelecer diferentes relaes e envolvimentos com a sociedade. Podemos desfrutar
dessas relaes pelo fato de sermos corpos-sujeitos cidados e com pleno direito de
exercermos nossa cidadania, independentemente de quem somos e como estamos.
Frente a isso, o corpo-sujeito com deficincia tambm pode e deve desfrutar dessas
relaes sociais, indiferente da rotulao que lanamos ao fato de ter alguma
deficincia.
No entanto, o corpo-sujeito com deficincia se depara com muitas barreiras
arquitetnicas para alm de sua condio de ser humano, podemos destacar isso desde a
situao pessoal e histrica que a palavra deficiente aborda at as polticas pblicas
mais atuais do processo educacional inclusivo. Primeiramente a ideia de segregao e
incapacidade, depois o zelo e a compaixo pela incapacidade apresentada, e, logo o
desafio apontado, dialogado e refletido pelas discusses tericas frente ao paradigma da
incluso, na busca pelos direitos da Pessoa com deficincia frente situao a ser
vivida, enfrentada e transcendida pelo ser corpo-sujeito em sua essncia.
Por ser corpo-sujeito e fazer parte do processo inclusivo em que vivemos, e que
ainda um desafio, a Pessoa com deficincia, aqui em especfico, a Pessoa com
deficincia visual, precisa, enquanto corpo-sujeito componente desta sociedade, se fazer
presente e atuante na mesma, ou seja, dar sua contrapartida independente de suas
limitaes e/ou medos.
Contudo podemos perceber as dificuldades e impossibilidades que o corpo-
sujeito com deficincia visual ainda encontra para que essas relaes sejam
3 Refere-se ao corpo-sujeito;
10
estabelecidas, como por exemplo, a sua mobilidade e o direito de ir e vir com condies
para que esse movimento acontea. Outro exemplo o processo de vivncias corporais
para construes e significaes de movimentos que precisam ser experinciados
enquanto corpos-sujeitos capazes e produtores de sentidos e significados, onde o
vivenciar e sentir movimentos esto diretamente relacionados elaborao conceitual e
a condio de (re) significar tais experincias.
Nesse sentido, possibilitar atividades e vivncias corporais ao corpo-sujeito com
deficincia visual o ponto de partida para (re) construes, (re) elaboraes e (re)
significaes de experincias e vivncias de vida que possibilitam o seu agir e interagir
na sociedade.
A voz e vez do corpo-sujeito com deficincia visual (principalmente com
cegueira congnita) se do pela condio de ser/sentir corpo portador de sentidos e
significados. Afirmamos isso, partindo das concluses de pesquisa do trabalho de
concluso de curso (TCC4) que desenvolvemos em 2008, no qual apontamos que o
corpo-sujeito com deficincia visual (cegueira congnita) experincia o movimento e
transforma-o [...]. [...] Quanto mais vivncias, maior o repertrio de movimento, e
consequentemente mais possibilidades de criar e executar movimentos, atravs da
experincia vivida (ROCHA, 2008, p. 77).
Frente a isso, a dana enquanto arte, vivncias de movimentos, linguagem
esttica, pesquisa e elemento da cultura de movimento possibilitam ao corpo-sujeito
com deficincia visual significaes e construes para sua formao humana. A
dana enquanto arte possibilita um desenvolvimento integral do corpo-sujeito que ao se
apropriar da experincia de movimentos, constri um valor social significativo
(ROCHA, 2008, p. 76).
Compactuando com Freire (2001), a ideia de trabalhar a dana com pessoas
com deficincia visual vem no seu mago como arte criativa e possibilidades no seu
papel de desenvolvimento e aprendizagem do corpo-sujeito como um ser integral.
Assim, conforme as concluses da pesquisa de TCC (2008, p. 77), cabe ao professor
proporcionar experincias que direcionam de maneira emancipada a capacidade deste
4 Caminhos e Possibilidades: uma proposta de dana na perspectiva educacional para pessoas com deficincia visual (Trabalho de concluso de curso apresentada a UNOCHAPEC como parte dos requisitos para obteno do grau de Licenciado em Educao Fsica, 2008. ROCHA, Deizi Domingues, sob orientao da professora Marlini Dorneles de Lima).
11
corpo-sujeito criar, executar e sentir-se no movimento, movimento esse portador de
sentidos e significados.
Assim, as aes e intervenes deste estudo estiveram pautadas nas premissas da
dana, na perspectiva da fenomenologia5 e nas vivncias e experincias prticas que
envolveram a cultura de movimento.
Como uma das propostas crtica metodolgica da educao fsica, a cultura de
movimento fundamenta-se na fenomenologia. A proposta crtico-emancipatria baseada
no se-movimentar do corpo-sujeito busca o sentido e significado dessas aes de
maneira que viabilize a construo desses corpos-sujeitos crticos e emancipados.
O trabalho com dana, enquanto contedo da Educao Fsica e elemento da
cultura de movimento torna-se aliada na elaborao, entendimento e significaes de
conceitos e vivncias corporais.
Assim, a perspectiva da fenomenologia para Barreto (2005) se baseia em
Heidegger, quando este constri uma fenomenologia que investiga as coisas mesmas
transcendendo realidade, seguindo no sentido da existncia e da possibilidade,
estando esta pautada na intuio; na intencionalidade; na experincia vivida e na
percepo.
No entanto, como coreografar o corpo-sujeito com deficincia visual partindo do
princpio que ele corpo em sua totalidade, e ainda, respeitando esse Corpo,
conceituando com esse Corpo e possibilitando a construo de sua corporeidade atravs
do processo de composio coreogrfica na perspectiva educacional alicerada pela
fenomenologia?
Esse questionamento partiu da nossa pesquisa de TCC em 2008, que, ao
atingirmos nossos objetivos, encontramos alguns elementos significativos para um
trabalho de dana numa perspectiva educacional para o corpo-sujeito com deficincia
visual, sendo eles: conscincia corporal, expressividade, vocabulrio de movimento e
improvisao e repertrio. Elementos estes que responderam aos nossos
anseios/questes iniciais, mas, no entanto suscitou outros questionamentos a respeito de
como sistematiz-los artisticamente, sendo que eles se inter-relacionam, partindo de um
princpio de interdependncia.
5 A escolha pela a fenomenologia vem acompanhada do estudo anterior (TCC) e principalmente, conforme Kunz (1999) a fenomenologia interessa-se pelo mundo das experincias, um mundo desenvolvido pelas percepes e que se apresenta como um horizonte de possibilidades, ela se interessa pelos dados imediatos da conscincia, da constituio de mundo na conscincia.
12
Encontramos um caminho com possibilidades para uma proposta de dana numa
perspectiva educacional para o corpo-sujeito com deficincia visual:
[...] parte da explorao sistematizada dentro do princpio da interdependncia desses elementos, como tambm sugere aes de ordem metodolgica do professor, as quais consistem em: verbalizao contnua, a questo proprioceptiva, a cinestesia e principalmente tranqilidade na espera de respostas conforme as informaes fornecidas e absorvidas (ROCHA, 2008, p. 76).
Diante disso, a pesquisa desenvolvida no TCC nos possibilitou e, ao mesmo
tempo, nos provocou um alerta para a forma com que a dana vem sendo conduzida
junto ao corpo-sujeito com deficincia visual, ou seja, se a maneira que ela vem sendo
desenvolvida respeita o potencial individual dos seus envolvidos, se permite a busca de
sua linguagem corporal prpria e se torna suas experincias fonte de conhecimento
prprio e do mundo em que vive.
Outro fato relevante em estudar e registrar essa aventura vem das inquietaes
construdas na trajetria histrica da dana, principalmente enquanto processo criativo,
educativo e esttico, bem como o dficit de trabalhos cientficos sobre coreografias
nesta perspectiva, principalmente, no que tange ao corpo-sujeito com deficincia visual.
Assim, partiremos do pressuposto que a composio coreogrfica representa um
caminho, ou seja, o processo de formulao de uma manifestao que construda de
formas, smbolos, expresso imbuda de significados e sentidos no traduzveis
verbalmente para quem dana, coreografa e assiste (LIMA, 2006, p. 13).
As consideraes finais de um TCC do curso de Educao Fsica da Unochapec
realizado no ano de 2004 trouxeram tona a necessidade de que haja mais trabalhos
nesse mbito. O trabalho pesquisou acerca do sentido e significado da composio
coreogrfica para os professores de Educao Fsica que desenvolvem trabalhos com
dana nas escolas estaduais, municipais e privadas do municpio de Chapec/SC, e
percebeu-se que a coreografia est pautada na nfase do produto final, sem considerar o
processo como um todo, ou seja, a noo do trabalho coreogrfico fica nas barreiras do
corpo mais hbil, na reproduo proximal, no belo, entre outros, desconsiderando o (re)
conhecimento e a explorao do meio, o dilogo entre a temtica, as formas, a
expressividade entre outras potencialidades vivenciadas pelos alunos.
Outra problemtica pertinente a esse estudo referiu-se ao padro do belo, o
padro potico presente na dana que em certa medida exige um padro hegemnico de
corpo e formas, fato esse que nos instiga a refletir e ampliar as discusses e vivncias
13
acerca da construo de movimentos na dana frente a um corpo-sujeito com deficincia
visual. Como tambm s formas de estmulos vivncia e criao de movimentos
fugindo do padro de cpia e reproduo visual, ou seja, os procedimentos adotados no
processo de criao em composio coreogrfica.
Assim, esta pesquisa se torna relevante, no momento em que se prope a
explorar junto s experincias de mundo vivido e sentido pelos corpos-sujeitos
envolvidos e aos apontamentos tericos, a dana e o corpo-sujeito com deficincia
visual essncia da composio coreogrfica, numa perspectiva educacional, luz da
fenomenologia.
Frente a isso, e partindo da proposta metodolgica elucidada pela pesquisa do
TCC (2008), nossa questo de pesquisa, foi: Como se d o processo de composio
coreogrfica para corpos-sujeitos com deficincia visual, luz da perspectiva
fenomenolgica?
Diante destes fatos e questionamentos justificamos a importncia em explorar
essa temtica no anseio de conhecer esse processo e o papel dos sujeitos envolvidos na
criao. Assim para uma melhor compreenso deste fenmeno, esta investigao teve
como objetivo geral: Registrar e analisar o processo de composio coreogrfica
vivenciada e desenvolvida junto ao corpo-sujeito com deficincia visual. Seus
Objetivos especficos foram: Reconhecer as etapas estruturantes no processo de
composio coreogrfica e desenvolvida junto aos sujeitos investigados; Analisar a
relao entre os elementos da dana encontrados da pesquisa TCC: conscincia
corporal, expressividade, vocabulrio de movimento e improvisao e repertrio com as
etapas no processo de criao em composio coreogrfica; Identificar a perspectiva de
corpo dos corpos-sujeitos envolvidos no processo de criao em composio
coreogrfica;
Essa pesquisa se constituiu num estudo terico prtico, de cunho qualitativo
caracterizando-se como uma pesquisa-ao.
Conforme Dilthey (apud Gnther, 2006), a pesquisa qualitativa consiste na
prioridade da compreenso como princpio do conhecimento, o que prioriza o estudo de
relaes complexas ao invs de explic-las por meio do isolamento de variveis (p.
202). Outra caracterstica desta pesquisa a construo da realidade, que segundo
Gnther (2006) torna a pesquisa percebida como um ato subjetivo de construo.
Segundo Chizzotti (1991, p.80), "a pesquisa no pode ser o produto de um
observador postado fora das significaes que os indivduos atribuem aos seus atos;
14
deve, pelo contrrio, ser o desvelamento do sentido social que os indivduos constrem
em suas interaes cotidianas".
Vista como um modo de conceber e de organizar uma pesquisa social de
finalidade prtica, a pesquisa-ao deve estar de acordo com as exigncias prprias da
ao e participao dos sujeitos envolvidos na situao observada, (THIOLLENT,
2007).
Assim como, reforar que a pesquisa-ao no uma simples transfigurao
metodolgica da sociologia clssica. Ao contrrio, ela expressa uma verdadeira
transformao da maneira de conceber e de fazer pesquisa em Cincias Humanas
(BARBIER, 2007, p. 17).
Outro aspecto relevante na/da prtica da pesquisa-ao est relacionada ao papel
do pesquisador, em que esse deve assumir uma postura para alm do fato de ser
pesquisador, ou seja, ele perpassa a classificao monodisciplinar, pois no desenrolar
de sua prtica ele assume vrias posies, ora de socilogo, ora de historiador, ora de
inventor, ora de psiclogo, entre outros (Barbier, 2007, p. 18). Ele descobre vrias
reas do conhecimento de forma significante no decorre de sua prtica.
Ainda, segundo o autor, na pesquisa-ao o pesquisador desempenha seu papel
profissional numa dialtica, que articula constantemente a implicao e o
distanciamento, a afetividade e a racionalidade, o simblico e o imaginrio, a mediao
e o desafio, a autoformao e a heteroformao, a cincia e a arte, (Ibidem, p. 18).
O pesquisador em pesquisa-ao no nem um agente de uma instituio, nem um ator de uma organizao, nem um indivduo sem atribuio social; ao contrrio, ele aceita eventualmente esses diferentes papis em certos momentos de sua ao e de sua reflexo. Ele antes de tudo um sujeito autnomo e, mais ainda, um autor de sua prtica e de seu discurso [...], (Ibidem, p. 19).
Esse tipo de pesquisa possibilita ao grupo envolvido interagir de forma
democrtica, pois, a pesquisa-ao eminentemente pedaggica e poltica. Ela serve a
educao do homem cidado [...]. [...] estimulado pelo sentido do desenvolvimento do
potencial humano, (Ibidem, p. 19).
Assim, a pesquisa-ao possibilita ao grupo pesquisado e envolvido atitudes de
mudana de atitudes e/ou comportamentos de forma interativa.
Nesse sentido a populao desta pesquisa foi constituda por alunos com
Deficincia Visual, sendo esses associados da ADEVOSC. A seleo da amostra deu-se
pela participao no grupo de dana da entidade e, logo, pelo o interesse do associado(a)
15
em fazer parte deste estudo. Desta forma a amostra ficou constituda por duas (02)
associadas, uma com 15 anos de idade e a outra com 19 anos de idade, ambas com baixa
viso. Os encontros ocorreram nas sextas-feiras durante o horrio da aula de dana (das
16h00 s 17h15min), na sede da ADEVOSC, situada a Rua Olavo Dias de Castro, n
200 E, Passo dos Fortes, Chapec/SC.
Foram utilizados quatro instrumentos para coletas de dados nesta pesquisa, o
Dirio de Campo - existem alguns pressupostos norteadores do dirio de campo, entre
esses, um dos pressupostos bsicos consiste na vontade e no interesse em participar de
um dilogo efetivo. Para Mello (2005, p 60), este dilogo efetivo que quer tanto a
escuta quanto o exerccio da fala e um interesse pelo interlocutor, acreditando que este
tem algo a dizer e mesmo a ensinar. Esse instrumento foi utilizado em todos os
encontros como forma de registro de todos os acontecimentos.
A Observao Participante Esta etapa consistiu na participao real do
pesquisador na vida da comunidade, do grupo ou de uma situao determinada, onde o
observador assume, pelo menos at certo ponto, o papel de membro do grupo. Nesse
sentido, muitos autores afirmam que atravs da observao participante se pode chegar
ao conhecimento da vida de um grupo a partir do interior dele mesmo (SUASSUNA,
s/d).
A observao participante, inscreve-se como uma proposta metodolgica de envolvimento na comunidade na qual estamos inseridos. Implica a participao do educador-pesquisador nos crculos sociais, polticos e culturais da comunidade, observando, participando e registrando essa experincia, (MELLO, 2005, p. 63).
A utilizao desse instrumento consistiu no envolvimento da pesquisadora como
investigadora e criador- intrprete6.
O Grupo Focal este instrumento desenvolve nos participantes, a capacidade de
lidar com aquilo que lhes diz respeito, encorajando-os atuao nos processos. Para
Ciampone (apud Gonalves & Leite & Ciampone, 2003), o grupo facilita o aprender, a
pensar, transformando situaes problemticas, constrangedoras e alienadas, em
6 Criador-intrprete, conforme Nunes (2002, p. 95), busca uma assinatura a partir de seu prprio corpo num processo investigativo. Articula novas hipteses que estabelecem possibilidades de relaes entre movimentos at ento no previstas num corpo que dana (...), ao invs de somente re-combinar padres de movimentos, busca question-los, recriando uma escrita coreogrfica.
16
ferramentas e instrumentos de mediao e transformao da realidade individual e
coletiva.
Assim, o grupo focal pode ser entendido como uma tcnica,
Tcnica para obteno de informaes qualitativas em que um moderador orienta o grupo de at dez pessoas, numa discusso que tem por objetivo revelar experincias, sentimentos, percepes em torno de um determinado assunto. Com o grupo focal, o debate se d entre os participantes, (MELLO, 2005, p. 58).
Esse instrumento foi utilizado durante o processo de pesquisa para promover um
dilogo sistematizado entre os envolvidos na pesquisa considerando a individualidade,
e, explorando as diferentes etapas experinciadas ao longo do estudo.
Nesse sentido, a Histria de Vida foi utilizada como um quesito do grupo
focal a fim de retratar aspectos da vida da pessoa participante do estudo/pesquisa. A
histria de vida permite ao pesquisador (es), ir alm do objetivo do estudo, ou seja, o
(re) conhecer de fato a pessoa, a histria desta, possibilitando assim um trabalho mais
efetivo no sentido de conhecer o sujeito estudado.
Essa fase do grupo focal foi utilizada no incio do estudo com intuito de
(re)conhecer de forma aprofundada a histria de vida das envolvidas, dando nfase a
algumas fases como: nascimento, infncia, adolescncia e atualmente.
E por ltimo o Ateli de criao caracteriza-se pela ao do planejado, ou seja,
h o acontecimento das oficinas para os processos de criao e composio coreogrfica
durante o perodo de estudo. O ateli de criao dar-se- atravs de oficinas de criao
em dana, ou seja, possibilitando ao corpo-sujeito envolvido a vivncia, experimentao
e criao de movimentos, interpretao, produo, entre outros.
Foi nos atelis de criao que materializamos as clulas coreogrficas e todas as
etapas que constituram a proposta de composio coreogrfica.
De acordo com a proposta metodolgica que direcionou esta investigao, foram
utilizadas as seguintes etapas para investigar o processo de composio coreogrfica
vivenciada e desenvolvida junto ao corpo-sujeito com deficincia visual: apropriao e
categorizao das falas; possibilitar um processo de significao dos movimentos
vivenciados na dana; autenticidade do processo de criao individual e coletiva dos
movimentos vivenciados na dana; valorizao das vivncias e experincias do corpo-
sujeito durante os atlies de criao em composio e nos elementos elencados no
Tringulo da Composio (Lobo e Navas, 2008) sendo este composto por trs vrtices:
o imaginrio criativo, corpo cnico e movimento estruturado, estando esses alicerados
17
pela a concepo terica dos elementos (Lima, 2006): movimento humano, tcnica e
expressividade.
No que se refere aos procedimentos metodolgicos da pesquisa-ao,
destacamos algumas fases para este estudo, de acordo com Gonalves e Leite e
Ciampone (2003): diagnstico situacional, campo de observao e colaboradores do
estudo, plano de ao e interveno planejada e avaliao e interpretao dos dados
coletados durante as aes.
Nessa perspectiva, o Diagnstico Situacional consistiu em conhecer e descobrir
as expectativas dos interessados, evidenciando as principais problemticas e saberes a
respeito de algumas temticas/elementos como foco das aes, ou seja, quem so os
corpos-sujeitos participantes da pesquisa, ainda, qual a sua percepo de corpo? Qual a
sua percepo de corpo deficiente? O que corpo em movimento? Com o meu corpo
eu...? Com o seu corpo eu...? (sendo que as duas ltimas questes deveriam ser
completas com palavras e/ou frase). Cabe salientar essa etapa consistiu em uma
apropriao coletiva dessas problemticas a partir de uma leitura de mundo vivido dos
corpos-sujeitos, ou seja, que j vivenciam essas expresses no seu cotidiano e depois a
estruturao coletiva das intervenes prticas com o grupo. Nesta etapa utilizamos os
seguintes instrumentos de pesquisa: grupo focal, observao participante e dirio de
campo.
O Campo de Observao e Colaboradores do Estudo teve como propsito, nesta
fase, a realizao do grupo focal e dos processos de criaes atravs do ateli de
criao, o qual possibilitou pensar coletivamente s aes que foram constituindo a
proposta do trabalho. Por meio do grupo, afirma Castilho (1998), o indivduo adquire
sua identidade. Atravs do ateli pudemos construir e questionar, dar forma e
reconhecer sua prpria forma, como um espelho que reflete sua prpria imagem, mas
uma imagem crtica e questionadora, uma imagem que est disposta a transformar e ser
transformada. Esta etapa se tornou decisiva para as aes posteriores, as quais j
estavam presentes as aes referentes cultura de movimento e as discusses e
reflexes diante delas. Foram utilizados os instrumentos: dirio de campo, observao
participante, grupo focal e o ateli de criao.
E por ltimo, o Plano de Ao e Interveno Planejada, que se constituiu na
vivncia e experincia dos atelis de criaes, onde as aes tiveram como base a
prtica da cultura de movimento, ou seja, a dana. Para isso foram elencados aes para
o processo de criao que foram dialogados a todo o momento da pesquisa. O processo
18
de composio coreogrfica deu-se de acordo com as vivncias prticas a partir dos
estudos tericos propostos neste estudo e das vivencias praticas durante os encontros.
Foram utilizados os instrumentos: ateli de criao, dirio de campo, observao
participante e grupo focal.
Esta pesquisa foi financiada pelo FUMDES/SC (Fundo de Apoio Manuteno
e ao desenvolvimento da Educao Superior), bem como foi aprovada pelo Comit de
tica em Pesquisa da Universidade Comunitria da Regio de Chapec
UNOCHAPEC sob o protocolo de pesquisa N 140/10.
Diante disso, este estudo percorreu o seguinte caminho:
Captulo I Reflexes preliminares e contextualizao do estudo;
Captulo II - Marco Terico: Simplesmente Corpo; Corpo: Simplesmente Corpo
que Dana; Corpo-sujeito com Deficincia Visual: Simplesmente Corpo que Dana;
Corpos, tempos e espaos: Composio Coreogrfica; Das Propostas de Composio
Coreogrficas: Composio Coreogrfica na Dana: Movimento Humano,
Expressividade e Tcnica, Sob Um Olhar Fenomenolgico e A arte da Composio:
teatro do movimento.
Captulo III Descrio e Anlise dos Dados:
Captulo IV chegada hora...
19
II MARCO TERICO
2.1 Simplesmente Corpo
Resgatando o trato com o corpo pelo estudo de Jnior e Lima, (2002), no
difcil perceber o quanto esse corpo se torna objeto manipulvel frente s aes culturais
dominantes de cada poca. Torna-se claro o porqu que o corpo na sociedade
contempornea ainda vem sendo tratado e (re)conhecido atravs de uma viso que o
fragmenta e o uniformiza.
Tomamos como ponto inicial o perodo da antiguidade e no perodo medieval,
no qual o corpo era considerado apenas um abrigo provisrio da alma, sendo apenas um
suporte para o eu pensante (SANTIN, 2000).
Na Modernidade esse corpo se tornou cada vez mais corpo e alma cada vez
mais alma (JNIOR e LIMA, 2002, p. 32). E esse rtulo nada mais do que a herana
trazida pela Idade Mdia, perodo que nos retrata momentos marcado pelo controle
social imposto pela Igreja, atravs de sua doutrina dogmtica. No obstante, o
Feudalismo que nas suas belssimas figuras posturais tratava o corpo como algo funesto
e proibido, ver o corpo ver o feio e por isso a vergonha de mostr-lo (Ibid, p. 33).
Apesar de o Feudalismo ser tambm conhecido pelos belos bailes da corte, a
dana, apresentada por um corpo, perde sua essncia de manifestao cultural e passa a
ser rotulada pela Igreja como extrema fonte do pecado evocada pelo corpo ou pela
carne.
No perodo do Renascimento que tentava derrotar os valores da igreja e buscava
subsdio em outros espaos, chegado o momento da grande ecloso de manifestaes
artsticas, filosficas e cientficas do novo mundo (Vicentino apud Junior e Lima,
2002), mas seria tambm a era da razo como cerne das discusses vigentes. A
20
racionalidade toma a frente e proclamada como a via nica das dimenses humanas
(p. 04).
Diante disso, o surgimento da sociedade Moderna se deu pela racionalidade, da
a luta do homem consigo mesmo e com a natureza. O corpo objeto adquiriu
racionalmente tamanho e forma e as aulas de anatomia se tornam um verdadeiro
espetculo em que o corpo dividido em partes e estudado a fundo (Ibid, p. 34).
A transformao do corpo em algo que pode ser mensurvel , tambm, sua transformao em algo que pode ser dominado. Essa dessacralizao do corpo aponta para sua ambigidade no interior da cultura ocidental: importante enquanto fonte de experincia, mas , tambm, o corpo que se desvaloriza na medida em que se pode mexer nele e alter-lo. talvez, aqui que se pode localizar o incio do corpo como construo humana, gnese que chega ao seu auge, atualmente com a gentica e a medicina esttica (SILVA apud JUNIOR e LIMA, 2002, p. 34).
O corpo se torna obra de dominao da biologia e posteriormente do mbito
social, onde se controlava at mesmo o divertimento do povo, principalmente, aquele
provocado pela cultura circense nas ruas. O corpo no nada mais que uma mquina a
disposio dos interesses dominantes.
A manipulao do corpo foi, progressivamente, assumindo propores cada vez mais graves, com a expanso do sistema capitalista e com o desenvolvimento da tecnologia: os movimentos corporais tornaram-se instrumentalizados, como se pode observar, por exemplo, na indstria ao dissociar os movimentos corporais em partes isoladas para aumentar a produo (GONALVES, 1994, p. 17).
Com o passar dos tempos vrios atributos foram oferecidos e nomeados ao
corpo. Podemos nos utilizar das palavras de Nbrega (2001), que com propriedade
aborda alguns valores que lhe foram atribudos dentro de um processo histrico pela
religio, pela filosofia, pela cincia, pela educao e pela arte, como: corpo-objeto,
corpo-mercadoria, corpo-pecado, corpo-sujeito, corpo-prtese, enfim, cada poca
constri seu prprio modelo de corpo, tratando-o de acordo com seus interesses e
direcionamentos provocados por diferentes credos. Ainda, o corpo mquina, o corpo
purificador da alma, o invlucro da psique, o suporte da razo, uma equao
matemtica, uma frmula qumica, uma organizao mecnica, uma obra de arte, entre
outros.
Podemos perceber que muitos so os atributos lanados ao corpo, cada um no
seu momento e com sua justificativa, porm, o momento atual no prioriza a histria
que o discurso da racionalidade aborda sobre o corpo, mas sim a busca no prprio corpo
21
da condio de ser corpo e de se constituir corpo ao longo dos tempos. No entanto,
como abordarmos a histria do corpo, seja atravs da filosofia, da religio, da mitologia,
da prpria cincia ou at mesmo da arte se eu no me entender enquanto corpo em
movimento, corpo sensvel, na corporeidade, corpo atuante e um ser simplesmente
corpo.
Frente a alguns apontamentos de Gaiarsa (2003) sobre corpo, nos diz: [...] o
corpo um infante termo que significa precisamente que no fala (p. 87), mas, ainda
o autor: ser que o corpo no fala, ou ser que ningum permitido falar sobre o que o
corpo est dizendo? (p.87). O corpo se exprime em sua forma de fala, e isso o
possibilita manifestar intenes, emoes, atitude, gestos, por meio da mais primitiva
forma de comunicao: a linguagem corporal, ou seja, o movimento humano intencional
(Ibid).
Ento podemos dizer que o corpo em movimento um estado pleno de variao
de conhecimento em funo do tempo, ainda, uma atitude singular de extrema
necessidade e sensibilidade frente aos estmulos aguados de e para comunicao,
trocas, possibilidades e linguagens que o ser humano realiza e potencializa a cada
momento.
Diante disso, o corpo-sujeito no seu se-movimentar7, alcanar espaos e
mecanismos viveis para o seu entendimento e at mesmo (re)conhecimento de
simplesmente ser corpo quando, conforme Verden-Zller e Maturana (apud Santin,
2007), admitirmos que tudo o que construmos precisa partir do corpo, numa forma de
desenvolvermos suas potencialidades, e que esse corpo sujeito fruto do momento em
que h aceitao do corpo prprio e, esse corpo prprio, que leva ao amor de si
mesmo.
Nesse sentido, o corpo-sujeito ao se-movimentar, est em constante relao com
o mundo, onde todo movimento tem seu significado prprio a cada instante em que
surge, estabelecendo um novo dilogo pessoal e prprio do homem com o mundo
(Gonalves, 1994).
Porm toda essa relao com o mundo se torna de difcil quando no temos
entendimento de corpo, a partir do momento em que nos consideramos donos de um
corpo e no um ser corpo. Santin (2007) refora essa afirmao quando nos lembra da
to usada afirmao: sou dono de meu corpo, fao, com ele, o que eu bem entender.
7 O se, do Se-movimentar, como Kunz traduziu em seus estudos a expresso alem Sich-bewegen, refere-se a prprio, ou seja, o sujeito do movimento.
22
O sujeito toma o corpo como um objeto, no entanto no h espaos entre a pessoa e o
corpo, pois a pessoa no possui um corpo, ela seu corpo (p. 37).
Isso tudo porque o corpo nos conduz a uma fala, uma forma de comunicao,
independente da linguagem utilizada, porm a linguagem corporal se faz presente a
partir do momento que nos fazemos seres no ventre materno. A linguagem corporal
sem dvida a mais primitiva forma de comunicao entre os animais [...] como no
seres humanos (GAIARSA, 2003, p. 86).
Essa forma de comunicao possibilita ao corpo estabelecer relaes com o
mundo que segundo Santos (s/d, p. 02), o corpo constri uma relao consigo mesmo
pela sua imagem corporal elaborada em sua apreenso de mundo. Ainda, [...] a
conscincia de si mesmo ou experincia de si mesmo evidentemente o conjunto de
retroaes originadas das interaes indivduo-mundo (VAYER apud SANTOS, s/d, p.
02).
Nesse sentido, o corpo aquilo de mais imediato, prximo, caracterstico de
nossa existncia, pois, por ele que nos desvelamos (Vigarello apud Carvalho e
Fernandes, 2000, p. 02). Diante disso, refletir sobre o corpo refletir sobre o ser
humano e como ponto de partida devemos considerar o respeito diferena e
diversidade humana atravs da sua individualidade, pois, conforme os autores, na
diferena que nos encontramos, pois ser corpo ser eu, e isso possibilita a traduo da
subjetividade do ser humano tornando-o nico em suas diferena e lhe permite viver sua
presentidade na sua existncia.
Segundo Santos (s/d), o corpo um espao ao qual devemos valorizar a ao
individual, pois assim estaremos respeitando um espao corporal, pois a construo
espacial simblica e no corpo que sua noo registrada (p. 01). Ainda de acordo
com Merleau-Ponty (apud Santos, s/d, p. 01), o espao no o ambiente (real ou
lgico) em que as coisas se dispem, mas o meio pelo qual a posio das coisas se torna
possvel. E tudo isso apreendido pelo corpo.
Nas palavras de Merleau-Ponty (1999, p. 193): no se deve dizer que nosso
corpo est no espao nem tampouco que ele est no tempo. Ele habita o espao e o
tempo.
Ainda, segundo o filosofo,
[...] enquanto tenho um corpo e atravs dele ajo no mundo, para mim o espao e o tempo no so uma soma de pontos justapostos, nem tampouco uma infinidade de relaes das quais minha conscincia operaria a sntese e em que ela implicaria meu corpo; no estou no espao e no tempo, no penso
23
o espao e o tempo; eu sou no espao e no tempo, meu corpo aplica-se a eles e os abarca. A amplitude dessa apreenso mede a amplitude de minha existncia [...], (Ibid. p. 194-195).
Para Schilder (apud Kleinubing, 2008, p. 90) a estruturao de uma imagem de
corpo s possvel quando se relacionam intimamente com as experincias a respeito
do mundo, e esse processo esto atrelados s relaes com as coisas do mundo e com
os sujeitos que constituem esse mundo, pois h uma dependncia do outro para essa
estruturao, pois, ao construirmos a imagem do nosso corpo, ns o espalhamos
novamente pelo mundo e o fundimos com os outros (p. 90).
Diante disso, pelo corpo que estabelecemos relaes, que dialogamos com os
outros, que nos fazemos seres humanos com necessidades singulares e subjetivas, pelo
ser corpo que elaboramos um viver com sentido e significado de ser e estar no mundo,
de sermos atuantes diante a formao e transformao de vida atravs da nossa
existncia. pelo corpo que nos compreendemos e nos constitumos corpo, movimento
e vida. Ser corpo experincia nica da essncia da vida pela nossa existncia. Pelo
corpo somos, estamos e interagimos com a situao de mundo.
Frente a esse universo corporal e das remotas e personalizadas formas de definir
o corpo, nunca se falou tanto de corpo como hoje. Surgem novas ideologias de corpo,
o momento em que a sociedade investe nesse corpo, a televiso, a mdia, uma
infinidade de investidores buscando lucro atravs do corpo. A corporeidade entrou na
moda, porm, a maioria das pessoas no tem compreenso do prprio corpo e, menos
ainda, do que a sociedade est fazendo com ele.
Um exemplo claro disso a educao brasileira que durante muito tempo tem
negado o corpo, atravs de adestramento e disciplinamento, fundamentando-se numa
viso cartesiana mecanicista do conhecimento na qual o corpo e a mente so vistos
como duas partes distintas. Um disciplinamento que atua no corpo com a inteno de
transform-lo num corpo dcil, reprodutor, obediente e acima de tudo num corpo
preparado para atingir melhores resultados (ROCHA, 2008).
Nesse sentido, o corpo vira alvo de especulao das mais variadas formas. Nessa
perspectiva ele deixa de ser corpo-sujeito e passa (volta) a ser objeto de manipulaes
deixando de ser reconhecido como parte fundamental do ser humano na construo de
sua corporeidade e da prpria condio de corpo-sujeito-mundo.
Outro exemplo a considerarmos, parte da cultura e do contexto social como
alguns dos aspectos determinantes na formao da concepo de corpo que o homem
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vem desenvolvendo ao longo da histria, onde os hbitos, costumes, gestos, entre outros
so alguns elementos da corporeidade que configuram a maneira da presena e
expresso dos indivduos (LIMA, 2002).
Entendermos a complexidade de sermos e sentirmos corpo acarreta inmeras
significaes, signos, e, acima de tudo, medos, pois at pouco tempo o corpo era uma
construo histrica, um local de estadia, uma fonte de aes caracterizadas pela
biologia e o seu processo vital, e que contemporaneamente, apesar do sistema capitalista
vigente, comea a ser desvendado como um ir alm de ter um corpo como se
comeasse uma revelao individual, singular, subjetiva e ao mesmo tempo coletiva de
revelar-se um corpo em movimento enquanto um corpo-sujeito na sua existncia.
Enquanto histria, resgate e entendimento do corpo, adentramos nas palavras de
Santin (2000, p. 69):
[...] Era uma vez um corpo que era simplesmente corpo. Tudo era corpo ou corporeidade. No havia outra maneira de ser. Um desses corpos foi reconhecido como sendo o homem. Havia outros corpos, como o dos primatas, dos smios, dos chipanzs, do gorila, do leo, do elefante, do gato, dos passarinhos, das pedras, das plantas etc, cada ser destes era corpo, isto , seu corpo. Ento, o homem, da mesma forma, era corpo, s corpo, mas corpo vivente. Mas vivente de uma vida prpria. Cada corpo vivente tinha sua vida prpria. [...] O homem, corpo vivente, era mundo. Todos os seres eram corpo. Todos os seres eram mundo. Todos eram, ao mesmo tempo, corpo e mundo [...].
Nesse sentido, ser um corpo com tantas possibilidades sem dvida, uma
caracterstica que nos diferencia dos demais seres vivos. A complexidade de pensarmos,
agirmos, dialogarmos, sentirmos e relacionarmos atravs da nossa existencialidade nos
permite sermos seres singulares a partir da nossa presena no mundo (GAIO E PORTO,
s/d).
Diante disso, ser corpo no apenas privilgio do sujeito, mas sim uma condio
existencial desse sujeito viver sua corporeidade atravs da totalidade humana de ser,
estar e sentir-se corpo (ROCHA, 2008).
Se ser corpo no privilgio e, sim, condio humana, nos questionamos: por
que nos deixamos ser manipulados por um sistema? Porque a sociedade ainda classifica
e aponta estratgias errneas e aniquiladoras de corpos? Por que enquanto corpo que
somos compactuamos (de certa forma) com uma determinada classificao de corpo que
reserva excelentismo e padro de/para uma minoria de corpos-sujeitos?
Talvez a resposta para essas questes estejam to presente em nossas vidas que
parecem no t-la, ou melhor, no sabemos que a seja, pois no conseguimos ainda nos
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considerarmos corpo na particularidade, nas possibilidades, nas potencialidades e na
singularidade de sermos diversidade humana. Assume-se, ento, uma padronizao
corporal ditada por uma rede de interesses e anula-se o corpo enquanto corpo-sujeito
integrante de uma sociedade que se apresenta de forma plural, singular, hbrida,
democrtica, excludente e inclusiva.
Ao assumirmos a postura de ser corpo numa perspectiva de diversidade e
pluralidade humana frente aos padres elitizados e determinados pelo interesse de uma
minoria da sociedade, o corpo-sujeito foge dos padres que o classifica e o rotula.
Assim, esse corpo ser diferenciado no pelos ttulos que recebe e o evidencia como um
ser diferente, mas pela a situao nica de ser corpo atuante no mundo.
[...] o corpo na sociedade atual visto na forma que se apresenta aos nossos olhos, e no em sua funo dinmica no ato de caminhar, de sentar, de apanhar um objeto, que so os modos como cada pessoa se expressa corporalmente. Nesse sentido, o ser/estar no mundo muitas vezes entendido como resultado de uma forma padro, incapaz de abarcar as inmeras possibilidades individuais de se perceber e relacionar com/no mundo [...], (SIMES E LOPES apud CARVALHO E FERNANDES, s/d, p. 02).
Exemplo claro dessa situao, a condio de ser (estar) corpo-sujeito com
deficincia, que com sua caracterstica singular corpo sobre todas as formas. No
momento em que o corpo-sujeito deficiente-diferente estigmatizado, social, cultural e
afetivamente seu corpo deixa de ser considerado como um ser que se movimenta e que
participa como qualquer outro que no apresenta sinais corporais que o evidencie como
diferente. Ao olharmos para um corpo e enxergar apenas as suas marcas, estar
limitando-o e reduzindo-o a nada, sendo que o mais importante no saber se este corpo
esta respondendo a regras impostas pela sociedade e, sim, se este esta se sentindo corpo
em todos os momentos do seu viver (ROCHA, 2008).
Ainda segundo Rocha (2008) em se tratando de regras sociais difcil de
enfrentar e mais difcil ainda de transform-las, mas como seres humanos devemos nos
conscientizar de que todos os corpos tm o seu espao no mundo para viver sua
presentidade e devem prestigiar e fazer uso desse espao mesmo sendo necessrio lutar
contra inmeras barreiras existentes que conduzem os corpos a serem meros
reprodutores/executores destas regras impostas.
Porm, a busca de entendimento e conscientizao perpassa as regras sociais.
Alm da batalha a ser travada com a sociedade que complexa e pode chegar a ser
desapontante, h o outro lado sensvel e fragilizado que est na grande parte da
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populao deficiente que no se aceita como corpo, o que acaba contribuindo para
que seja colocada de lado a vida como um todo.
Para isso, torna-se fundamental que o corpo-sujeito com deficincia tenha
oportunidades de se conhecer e de se perceber enquanto e como corpo sob todos os
aspectos que no somente o aspecto fsico, que ela possa se perceber e, principalmente,
se gostar e se apreciar enquanto corpo-sujeito em sua existncia.
Segundo Merleau-Ponty (1999, p. 114), s posso compreender a funo do
corpo vivo realizando-a eu mesmo na medida em que sou um corpo que se levanta em
direo ao mundo. Explicando essa relao, o filsofo argumenta que,
[...] O corpo o veiculo do ser no mundo, e ter um corpo , para um ser vivo, juntar-se a um meio definido, confundir-se com certos projetos e empenhar-se continuamente neles. [...] Mas, no momento em que o mundo lhe mascara sua deficincia, ele no pode deixar de revela - l: pois verdade que tenho conscincia de meu corpo atravs do mundo, que ele , no centro do mundo, o termo no percebido para o qual todos os objetos voltam a sua face, verdade pela mesma razo que meu corpo piv do mundo [...], e neste sentido tenho conscincia do mundo por meio de meu corpo, (MERLAU-PONTY, 1999, p. 122).
Partindo disso, o corpo com deficincia transcender os padres e achismos
ditados pela sociedade rotuladora e excludente que julga quem pode o qu. O corpo-
sujeito com deficincia visual, por exemplo, que no vive o mundo a partir dos seus
olhos, vive o mundo a partir da sua corporeidade em todas as outras aes possveis de
ser realizada. Nesse sentido, ela nunca deixar de estar presente no mundo por ser corpo
em movimento, pensamento e sentimento. Assim, podemos pensar e falar de todos os
outros corpos (PORTO e ALMEIDA, 1999).
Na perspectiva de Masini (apud Carvalho e Fernandes, s/d, p. 03), o ponto de
partida para compreender as diferentes possibilidades da existncia humana, estar
atento s formas prprias de cada pessoa, o que inclui a pessoa deficiente, explorar e
perceber o mundo que a cerca.
Para Porto (2002, p. 40), o deficiente da viso, embora no veja com os olhos,
um ser humano vidente e visvel, cujo corpo, na sua relao com o mundo, na sua
totalidade, o faz ver e sentir sua essncia e existncia nesse mundo. Ainda, segundo a
autora, o mundo mundo prprio, nico, uma extenso da existncia do ser humano a
partir de sua percepo, das suas aes frente a ele, daquilo que sei pelo mundo vivido.
Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por cincia, eu o sei a partir de uma viso minha ou de uma experincia do mundo sem a qual os smbolos da
27
cincia no poderiam dizer nada [...]. O mundo no aquilo que penso, mas aquilo que eu vivo, eu estou aberto ao mundo, comunico-me indubitavelmente com ele, mas no o possuo, ele inesgotvel. H um mundo, ou antes, h o mundo, (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 243).
Assim, lanar um olhar sobre o corpo com deficincia visual tem um sentido
paradoxal, (Carvalho e Fernandes, s/d). Necessitamos ver com outros olhos, lanarmos
um olhar aguado para que possamos construir outra percepo de mundo, baseada no
apenas no nosso resduo visual, mas no ser corpo desse sujeito. Provocar um sentido
aguado de olhar a olhar na potencialidade e nas possibilidades desse corpo-sujeito.
Compactuando com Carvalho e Fernandes (s/d, p. 04) a ideia de lanar um olhar
diferenciado ao que vemos ou ainda aquilo que normalmente no visto, apreender a
ver com outros olhos. Assim, buscar transformar olhares e possibilitar atravs desse
olhar a construo de uma percepo, ou melhor, outra percepo de mundo, que no se
baste mais no sentido nico da viso, mas puramente no corpo. Esse um apreender
descobrir outras formas de olhar, ampliar sentidos, ampliar a viso de corpo.
Nesse sentido, a partir do momento em que o corpo-sujeito com deficincia
visual se sente corpo, no pensamento Merleau-Ponty (1999) pelo corpo como unidade
de pensamento, corpo de sensaes, corpo sujeito da percepo, faz-se uma
compreenso da capacidade de o homem conhecer o mundo e a si prprio.
Para Porto (2005, p. 35), falar sobre a percepo que o cego tem do mundo, s
ele pode falar, pois somente ele pode perceb-lo pelo seu corpo. Pois quando nos
deparamos, ou imaginamos um objeto, ou quando construmos a imagem de um
objeto, no agimos como uma simples mquina perceptora, mas como uma
personalidade que experimenta essa percepo, (DIEHL, s/d).
Para a pessoa com deficincia visual a percepo de si e do mundo a sua volta alterada devido s informaes que recebem serem reduzidas e suas representatividades, pobres. Assim, tais informaes, feitas atravs da explorao do ambiente pelas mos e outros sentidos, tm sua representatividade, s vezes, distorcida, gerando ansiedade e insegurana. Seus conceitos se formam ao longo do tempo e a partir de seus relacionamentos sociais, com informaes produzidas a partir da descrio de objetos e espao, por pessoas no cegas, (DIEHL, s/d, p. 02).
A esse entendimento fundamental discutirmos o que esse corpo, ou melhor,
esse corpo-sujeito quer para sua experincia de vida. Pois, o corpo como um todo
socialmente concebido e sofre uma anlise de sua representao social. Para Dalio
(1995, p. 39), no corpo esto inscritos todas as regras, todas as normas e todos os
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valores de uma sociedade especfica, por ser ele o meio de contato primrio do
indivduo com o ambiente que o cerca.
Frente a isso, a nossa corporeidade no se constri sozinha, ela sofre
influncias, de uma forma ou de outra. Assim, o que nos diferencia enquanto
corporeidade so as diferentes percepes, a forma e o tempo que nos entregamos s
experincias e vivncias de mundo corporal.
O homem, por meio do seu corpo, vai assimilando e se apropriando dos valores, normas e costumes sociais, num processo de inCORPOrao (a palavra significativa). Diz-se corretamente que um indivduo incorpora algum novo comportamento ao conjunto de seus atos, ou uma nova palavra ao seu vocabulrio ou, ainda, um novo conhecimento ao seu repertrio cognitivo. Mais do que um aprendizado intelectual, o indivduo adquire um contedo cultural que se instala no seu corpo, no conjunto de suas expresses. Em outros termos, o homem aprende a cultura por meio do seu corpo (Ibid, p. 40).
O que implica para o corpo-sujeito com deficincia visual a necessidade de
tempo maior para explorao de movimento de forma individual ou na prpria relao
com o outro, ou seja, quanto mais contato com experimentaes e vivncias de
movimento maior ser a compreenso e assimilao desses movimentos, possibilitando
ainda, conforme Caz e Oliveira (2008), um aprimoramento nas relaes e inter-
relaes com o prprio corpo e com os outros corpos.
Desta forma, Rocha (2008) evidencia a necessidade do conhecimento corporal e
da conscientizao do movimento para o corpo-sujeito com deficincia e visual (e at
mesmo sem deficincia - videntes), uma vez que estes no tm auxlio da viso e do
mundo das imagens, que um dos sentidos mais utilizados.
Atravs das vivncias e da conscientizao do movimento, h uma busca de
atenuar-se na insistncia de quem sabe que tem e sente um corpo. Apesar de cada
sensao, percepo ser subjetiva ao ser, torna-se objetiva no momento de sentir (Ibid,
p. 66).
Ter um corpo de uma singularidade impressionante. O corpo pode lembrar ou ser muito parecido com o de algum ou de outros, mas nunca igual, at porque sua instncia bsica na dimenso espacial e temporal, da presena do aqui e agora, moldada e atualizada a todo o momento. Ter conscincia (capacidade de saber) e emoo (capacidade de sentir) tambm singular, pelas mesmas razes j citadas. Especificamente na prtica da conscientizao do movimento tratamos de um corpo que sabe que sente, sabe que existe e sabe que sabe que existe e sente (TEIXEIRA, 2003, p. 73).
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As experincias corporais nos possibilitam um saber-sentir pelo/no movimento,
atuando-se ao poder de um ir alm de simplesmente faz-lo, ou seja, senti-lo atravs da
conscientizao do mesmo. Desta forma, Merleau-Ponty (1999, p. 192) nos diz,
[...] a conscincia no um eu penso que, mas um eu posso. [...] A viso e o movimento so maneiras especificas de nos relacionarmos a objetos, e, se atravs de todas essas experincias exprime a diversidade radical dos contedos porque ele os liga, no os colocando todos sob a dominao de um penso, mas orientando-os para a unidade inter-sensorial de um mundo. O movimento no o pensamento de um movimento, e o espao corporal no um espao pensado ou representado. Cada movimento determinado ocorre em um meio, sobre um fundo que determinado pelo prprio movimento [...]. [...] A conscincia o ser para a coisa por intermdio do corpo. Um movimento aprendido quando o corpo o compreendeu, quer dizer, quando ele o incorporou ao seu mundo, e mover seu corpo visar s coisas atravs dele, deix-lo corresponder a sua solicitao [...].
Nesse sentido, podemos relacionar a percepo de mundo do corpo-sujeito com
deficincia visual, principalmente, a partir dos sentidos remanescentes, afinal, como
afirma Porto (2002, p. 72) para um cego, todo o corpo que de algum modo se torna
rgo da vista, qualquer parte do corpo pode olhar um objeto que lhe seja exterior.
Segundo Sacks (apud Carvalho e Fernandes, s/d), ns somos seres construtores
do mundo a partir de nossas experincias, ou seja, o mundo no nos dado e sim
construdo por ns pelo qu somos e o que temos a oferecer a partir do que vivemos.
Assim, o que distinguimos no est associado unicidade do ver, do tocar ou do
perceber, e sim a explorao e conscincia de mundo. Nesse sentido, para o autor, no
se v, no se toca, no se percebe, isoladamente, a percepo est sempre ligada ao
comportamento e experincia, busca e explorao de seu prprio mundo (p.07).
[...] ver no suficiente; preciso olhar tambm. O ato de olhar no est restrito apenas aos olhos, e, sim, inclui o corpo inteiro, sua interioridade e intencionalidade. Olhar envolve apropriao do mundo. Olhar envolve um comportamento visual (Sacks apud Carvalho e Fernandes, s/d, p. 07).
Nesse entendimento, Caz e Oliveira (2008, p. 293) se referem a Santos quando
esse afirma que,
Alm desse ver eu preciso enxergar, mas para enxergar eu preciso do olhar dos meus olhos? [...] Se elaboro bem as minhas sensaes e emoes corporais, no preciso s dos meus olhos, mas do meu corpo para olhar, ver e enxergar.
Nas palavras das autoras, o corpo-sujeito com deficincia visual encontra sua
limitao relacionada sua percepo visual, no entanto, outras fontes de percepo
podem ser essenciais na sua aprendizagem, o qu a torna vlida so as possibilidades
30
que esse corpo na sua individualidade tem para explorar o ambiente, oportunizando
conhecimento, trocas, vivncias. Em suma, novas formas de interao, ampliando suas
capacidades multisensoriais para uma aprendizagem significativa, reorganizando os
conhecimentos pela interao dos sentidos no comprometidos, (Ibid, p. 294).
Segundo Figueira (1996) a percepo visual uma funo bastante complexa,
podemos de forma resumida apresent-la em trs fases: primria, secundria e terciria.
Na primria h a apreenso da imagem pelos receptores fotossensveis localizados na
retina, a imagem projetada no lobo occipital, onde se d a recepo do estmulo visual.
Na secundria ocorre o reconhecimento da imagem projetada, ela passa a ter um
significado. Na terciria ocorre uma integrao cortical desta imagem reconhecida
com todos os outros sentidos (olfato, tato, audio etc.). Portanto, a viso est
estreitamente correlacionada com as outras atividades sensoriais, particularmente, com
o tato e a cinestesia.
Ainda afirma a autora que ver no uma funo independente, um
estabelecimento de relaes da pessoa que esto ligadas a alguns aspectos pessoais
como, por exemplo, a personalidade.
Nesse sentido, o no ver no significa que o corpo-sujeito com deficincia
visual no possa estabelecer relaes, ou seja, essa situao de no ver ou esse estar
sem ver acarreta a falta de acesso a, mas no a impossibilidade de ser corpo-sujeito
atuante e produtor de sentidos e significados. Porto (2002) exemplifica isso quando
considera que no ver as cores de um objeto, por exemplo, no ter acesso a uma
propriedade do objeto em si, o que atravs desse estabelecimento de relaes, esse
corpo-sujeito possa perceber e sentir qualidades atravs da associao a determinadas
coisas, seja ela por meio da comunicao dos sentidos, ou at mesmo pela experincia
vivida.
Esse entrelaar de experincias, vivncias, ser, estar, sentir atravs do ser corpo
provoca percepes, sensaes e emoes frente a uma reflexo de mundo pelo modo
de ser e viver,
, pois, da reflexo sobre o vivido e da ateno experincia perceptiva que emergem os significados da pessoa no mundo. Assim, por exemplo, a reflexo da criana com deficincia visual surge da sua experincia de habitar o mundo por meio de sua apalpao ttil, em que interroga o objeto de forma mais prxima do que se o fizesse com o olhar. A velocidade e a direo de suas mos que a faro sentir as texturas do liso e do rugoso, a temperatura fria ou quente, o ar mais abafado quando se aproxima de uma parede, acompanhado pela alterao de sua voz ouvida e sua voz articulada, que se altera frente a um obstculo ou em ambiente aberto. Essas percepes de tatear, que ocorrem com seus movimentos de mos e dedos, de articular a
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voz, de ouvir, de sua comunicao e de sua locomoo no espao esto unidas no seu corpo, no mundo, e compreendidas pela reflexo sobre cada uma dessas experincias (MASINI, 2003, p. 08).
O corpo-sujeito com deficincia visual encontra nos sentidos remanescentes
possibilidades perceptivas significativas a partir do momento que as explora, ou seja,
torna-se necessrio utilizar-se do seu corpo-prprio e das suas experincias perceptivas
atravs dos sentidos como um todo e no de forma fragmentada.
Essa condio explicitada por Masini (2003, p. 08), quando afirma que a
experincia perceptiva o solo do conhecimento,
O corpo prprio de cada um est no mundo - o surdo olha todas as coisas e tambm pode olhar a si mesmo, toca as coisas e toca-se tateante; da mesma forma, o cego ouve o que o cerca e se ouve tambm, sensvel temperatura e vibraes do que o cerca e de si mesmo - tem suas experincias [...], (Ibid, p. 08).
Nessa direo, lanamos um olhar s indagaes de Carvalho e Fernandes (s/d,
p. 03):
Ser deste modo que o cego v? Ser o seu corpo instrumento, ferramenta de percepo do mundo? Ser esta forma de percepo deficiente? Ou o corpo deficiente apenas uma das condies possveis de ser/estar no mundo, mesmo quando representa formas diferentes de viver e de sobreviver das adotadas como convencionais?
Nas palavras de Porto (2002, p. 30), sou corpo, sou instrumento e pelas minhas
aes me expresso como ser-no-mundo [...]. Ser corpo deficiente ser corpo como
outro ser qualquer.
O corpo cego v. O corpo cego visto. Ver uma experincia que vai alm do sentido da viso. perceber/sentir/conhecer/tocar/relacionar/experimen-tar. Experincia que est inscrita no corpo, presena do ser humano no mundo, e, est originalmente familiarizado com o contexto em que se compreende/insere. Partindo do princpio de que, pelo corpo nos colocamos no mundo, este corpo que possibilita ver, tocar, perceber, (CARVALHO E FERNANDES, s/d, p. 04).
Pontes (2006, p. 39) ao escrever sobre as habilidades e competncias possveis
para que o cego possa enxergar atravs do corpo cita Santos que afirma: O cego no
tem percepo visual, mas possui o olhar, pois o olhar no est isolado, mas enraizado
na corporeidade atravs da sensibilidade e da motricidade.
Sendo assim, o corpo-sujeito com deficincia visual, tambm v, mas v de
uma maneira particular, diferente, nica, como a percepo de mundo se d a partir de
cada indivduo, seja ele cego ou vidente, (CARVALHO E FERNANDES, s/d, p. 04).
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Diante disso, a forma como se conduz a construo da corporeidade desse corpo-
sujeito de suma importncia, pois:
Quando ressaltamos que a construo do conhecimento se d no corpo todo e no apenas no sentido da viso, tomamos como ponto de partida para a experincia visual, o corpo. Forma singular de ser-no-mundo, aquele que permite a construo do conhecimento e a percepo de mundo a partir de si mesmo, de suas experincias, e, desse modo, elabora a percepo que o cego tem de si, do outro, do mundo [...], (Ibid, p. 07).
Frente a isso a necessidade do corpo-sujeito com deficincia visual perpassar
especificidades deficitrias lanadas pela prpria deficincia, no intuito de eliminar,
seno de minimizar, perdas em diversos segmentos da sua trajetria de vida. A ideia
parte de que esse corpo necessita de estmulos a partir de experincias de vida para
enfrentar o que est a sua volta e superar desafios como, por exemplo, o qu para os
ditos videntes costumeiro e de fcil entendimento, ao conversar com uma pessoa e
tomar como respostas a sua conversa as suas reaes atravs das expresses faciais. No
entanto, como isso para o corpo-sujeito com deficincia visual no s de perceber o
rosto da outra pessoa, mas como ele estabelece essa linguagem corporal?
Vivemos num processo de dependncia e de trocas constantes, no podemos
mais fechar os olhos para o que se necessrio apreender e sentir pelas nossas
percepes de sermos corpo. Dessa forma, ressaltamos Almeida (apud Kleinubing,
2008, p. 94), quando afirma que a cada nova experincia o corpo se remodela,
possibilitando novas percepes de mundo [...] todo novo corpo um novo sujeito no
mundo.
O corpo-sujeito com deficincia visual ter oportunidade maior de percorrer
caminhos antes tidos como impossveis, atravs das experincias e vivncias
diferenciadas de/pelo movimento, pela sua sensibilidade, propriocepo, cinestesia, do
respeito com seu corpo e o seu (re) conhecimento enquanto corpo-sujeito no mundo.
Pois o entendimento mnimo que essas fontes (e outras), podero estabelecer a esse
corpo relaes significativas consigo e com os outros, esse corpo-sujeito ter
entendimentos que contribuiro definitivamente para suas aes dirias, como o uso da
bengala longa, por exemplo, que poder deixar de ser um objeto de identidade, bem
como afirma Merleau Ponty (1999, p.198),
[...] a bengala para o cego no um simples objeto, sua extremidade uma zona sensvel que aumenta a amplitude e o raio de ao de tocar, semelhante a um olhar. Ela um instrumento de orientao e promove a autonomia do indivduo cego, funcionando como uma extenso do prprio corpo.
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Ressaltamos a importncia das experincias e vivncias significativas de
movimento para o corpo-sujeito com deficincia visual, para estabelecer relaes com
que e quem esta a sua volta, para explorar sua percepo e aprimorar sua corporeidade.
No entanto, para que isso acontea torna-se necessrio considerarmos algumas
especificidades causadas pela deficincia visual ao corpo-sujeito, como a insegurana, o
medo, falta de motivao, falta de expressividade, compreenso e entendimento em
situaes no claras, timidez, entre outras.
Assmann (1994), ao relacionar o corpo deficiente com a corporeidade coloca
que no h porque dizer ou acreditar que estes corpos so reprodues de ineficincia
ou de improdutividade. So corpos vivos que possuem os seus sistemas ativados em
funcionamento, podendo assim apresentar alguns sistemas desativados. No entanto, isso
no significa que deixam de seres auto-organizativos, so aes permeadas pelo
pensamento cognitivo e pela percepo do mundo que o cerca, so respostas ao mundo
que lhes se apresentam, fazendo leitura, sonhando, inventando, transformando e
percebendo com o prprio eu que cada um no seu tempo e espao.
Nesse sentido, falar de corporeidade assumir essencialmente como ponto de
partida, a contradio de externar um pensamento expresso pela fala sobre algo concreto
chamado corpo vivo. falar do existente, do ser que interage no e com o mundo,
consigo mesmo e com os outros. optar por conscientizar o pensamento, ou mais
precisamente, corporificar o ser pensante (ROCHA, 2008).
A corporeidade no corpo-sujeito amplia o universo humano, o mundo humano
no mundo pr ordenado da causalidade instintual, em que um estmulo exterior
produz em resposta o mesmo padro de comportamento. Ao contrrio, pois de acordo
com o mundo fenomenolgico, no qual a relao dialtica do ser e do mundo (do ser no
mundo) implica riqueza de vivncias significativas, as vivncias so corporais, porque o
corpo maneira de uma obra de arte, no pode ser distinto da sua corporeidade, ou seja,
daquilo que ele expressa no mundo.
Isso nos permite dizer que as alternativas de interao que o homem utiliza
possuem uma relao com a corporeidade. No caso especfico do corpo-sujeito com
deficincia, no momento em que esse tiver suas interaes limitadas pelo preconceito e
desconhecimento da sociedade e, ainda, quando esse corpo-sujeito perceber tais
diferenas, a vivncia de sua corporeidade estaro limitada a sua incapacidade
(ROCHA, 2008).
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Reforamos que o corpo sofre e vem sofrendo ao longo dos tempos inmeras
contradies frente ao ser, estar e sentir-se corpo atuante. No entanto, isso no exclui a
culpabilidade desta pluralidade e diversidade humana em estar compactuando com esse
sistema que visa rotular perfeio e imperfeio a desejo de uma maioria (sociedade).
Porm, cabe tambm a essa minoria (aqui tratando dos deficientes) mostrar-se enquanto
corpo-sujeito possuidor de uma identidade prpria e nica, no seu fazer presente atravs
da construo da sua corporeidade e na conscincia de viver a sua essncia em ser
corpo.
Conforme Baggio e Vieira (2004), a existncia do homem s possvel pela
corporeidade: ele dana, caminha, movimenta-se, expressa suas ideias, sentimentos,
valores e emoes. Para melhor compreender a corporeidade, faz-se necessrio a
compreenso da abstrao, dos sentimentos, das relaes humanas e sociais. A
corporeidade faz parte do corpo que sente, que expressa e extravasa suas ideias e
sentimentos.
Retomamos ao trecho citado acima quando Merleau-Ponty (1999, p. 122) diz:
[...] Mas, no momento em que o mundo lhe mascara sua deficincia, ele no pode
deixar de revela-l: pois verdade que tenho conscincia de meu corpo atravs do
mundo.
Pontualmente para Porto (2000, p. 59):
Ser cego, ser vidente, ser humano, ser sujeito, ser-no-mundo transcendendo a espacialidade e a temporalidade pela existncia e pela experincia de viver e perceber, a si e ao outro, nas relaes intramundanas e circundantes, intensificadas e prolongadas pela intencionalidade.
Assim, pela corporeidade estabelecemos relaes diante de um se-movimentar
com sentido e significado, de um se-movimentar intencional, expressivo e singular, pelo
fato de sermos corpo.
2.2 Corpo: Simplesmente Corpo que Dana
Movimentos inerentes ao corpo... Sim! Falamos de gestos, entre outras cosias
falamos de: formas, expresses, possibilidades, educao, comunicao, arte:
simplesmente corpo que dana!
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Falar em dana significa falar do movimento, mas tambm de educar o
movimento. Para Mansur (2003, p. 212), educar significa conduzir para fora, extrair de
si algo que se mostre significante, algo que ecoe em si mesmo e produza sentido,
produza vida.
Nesse sentido, a necessidade do ser humano em se-movimentar, em ser e estar
no mundo, como sentir, ser e permanecer na sua forma prpria ao se expressar torna-se
atenuante nas relaes estabelecidas pelo corpo que dana.
Segundo Rosa (2008, p. 62), a dana vai alm da mera reproduo de
movimentos padronizados,
[...] a dana um aprendizado do corpo e uma especializao desse corpo que construdo na ao, a prtica e a produo de um conhecimento. Do corpo que dana exige-se, constantemente, uma ampliao de suas possibilidades, sejam elas de motricidade ou comunicao. sabido tambm que inerente ao corpo a experincia do fazer, do agir no mundo, mas essa ao e esse fazer do corpo que dana procuram dilatar a experincia.
Nesse sentido, a dana possibilita ao ser humano uma compreenso de mundo de
maneira diferenciada, ou seja, um aprendizado que se alcana atravs do saber-sentir,
pelo se-movimentar. Enquanto arte vivida, conforme Rocha (2008), a dana provoca ao
corpo-sujeito formao de um ser mais crtico, sensvel, criativo e atuante na
sociedade que o envolve, j que podemos entender que vivenciar a dana um meio de
buscar em si mesmo, atravs dos movimentos corporais, a plenitude da vida.
Enquanto educao, a dana deve preservar a espontaneidade do movimento,
mantendo a expresso criativa do corpo-sujeito, bem como cultivar a capacidade de
trabalho no coletivo, ou seja, o agir com os outros. Acreditando, assim, num ensino
mais criativo dos contedos tcnicos da dana, incentivando a comunicao no-verbal
pela explorao da carga expressiva e espontnea de cada movimento e prprio de cada
corpo-sujeito, ou seja, expressar-se criativamente pelo seu movimento, contribuindo
assim a:
[...] tomar conscincia de suas possibilidades, aumentando sua capacidade de resposta e sua habilidade para se comunicarem. [...] a sensibilizao e a conscientizao tanto nas posturas, nas atitudes, nos gestos e nas aes cotidianas, quanto em suas necessidades de se expressar, de comunicar, criar, compartilhar e interagir na sociedade na qual vivemos (STRAZZACAPPA E MORANDI, 2006, p. 73).
Nessa perspectiva, a dana se configura enquanto manifestao humana possvel
de modificaes e insero de novos conhecimentos baseando-se nas experincias e
possibilidades de cada ser.
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O corpo que dana tem o privilgio de agir e interagir em constantes mudanas e
estados de movimento, que sofrem de forma objetiva e subjetiva influncias de um
corpo atuante inaugurando um processo dialgico tambm com o outro.
Rosa (2008, p. 68) fala que o corpo que dana est inserida num jogo potico e
estabelece relaes entre corpo e espao,
Compreender as habilidades do corpo atravs da dana pensar que o corpo que dana fala sobre si, que o corpo por suas qualidades constri um fazer que especializa seu potencial, entender que o corpo que dana habita o mundo e o espao, que ele mesmo capaz de construir o seu repertrio para a realizar habilidades especficas que o tornem mais apto ao (Ibid, p. 69).
E para que essa compreenso acontea necessrio que esse corpo danante
estabelea relaes no ato do se-movimentar e consiga sentir-se atravs das aes desse
se-movimentar ator do movimento, e ainda, autoral desse, pois somos corpo arte quando
danamos.
Atravs das experincias e vivncias de ritmos e estilos de dana construmos
nosso vocabulrio de movimento, porm, no basta apenas o conhecimento no mbito
de classificarmos o que se dana, mas sim, sabermos o que danamos, porque
danamos, e como esse danar reflete em minha vida.
Merleau-Ponty (1999), nos dizia que toda a experincia fonte de conhecimento
e possibilita novo olhar para o fenmeno, sendo esse novo olhar atravs do meu corpo
singular e do que eu construo com ele.
As experincias de nosso corpo construiro a nossa existncia, daro significados a nossos projetos e ao conjunto de processos vividos. Experincias de um corpo pensamento, de um corpo arte, de um corpo que dana. De um corpo singular e universal, por conseqncia de suas experincias e de seus projetos, (ROSA, 2008, p. 67).
A dana possibilita ao corpo-sujeito no ato de danar uma sensao de plenitude,
de princpio de vida, de liberdade de ser como somos e estarmos como estamos naquele
momento, pois como nos traz Rosa (2008, p. 71) na dana o prprio corpo obra de
arte, movimenta-se num espao que potico e tem conscincia disso, que joga com as
possibilidades de ser corpo, e , portanto, um corpo que se sabe arte.
Segundo Lima (2002, p. 55):
A dana compreende a unio do movimento com o prazer, a alegria, a criatividade, a criticidade, espontaneidade, tristeza, expresso e a arte [...]. Vivenciar a dana proporciona um dilogo com o mundo, com o cotidiano, com a corporeidade, auxiliando a revelar a prpria existncia, pois a arte se confunde com a vida e a dana est contida nela. Falar de dana como
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sinnimo de vida significa perceber e reconhecer os conflitos da existncia, das angustias do corpo, as opresses sociais e as transformaes individuais e coletivas [...].
Todo corpo pode danar, quando acreditamos conforme Gaio e Gis (2006, p.
19) que a dana existe como uma expresso prpria do ser humano e que esse ser
humano de forma individual ou em grupo por meio de movimentos no-verbal expressa
suas idias com objetivos de denuncia ou libertao de algo. A dana pode ser
linguagem, para construo de uma nova cultura, de uma nova sociedade, de um novo
mundo.
Para Saraiva-Kunz (2003) a dana um fenmeno que corporalmente
manifestado incumbe ao corpo a mediao entre o ser e o mundo numa totalidade
vivida, ou seja, o movimento vivido em dana. [...] a dana um fenmeno criado cuja
presena vivida uma experincia que faz emergir a reelaborao capaz de nos
estimular muitas outras questes vitais para uma nova experincia (p.92).
Para Dantas (apud Gaio e Gis, 2006, p. 18),
Um corpo, ao danar, entrega-se ao mpeto do movimento, deixando-se deslocar e transformar. Ele atravessa o espao, joga com o tempo, brinca com as foras e leis fsicas, diverte-se com seu peso, provoca dinmicas inusitadas. Mas para que haja o movimento preciso tambm haver o no-movimento, a quietude, o silncio do corpo danante. o imvel que sustenta o movimento, assim como o vazio o no-movimento solicita e impulsiona o movimento para ser ele mesmo.
A dana possibilita uma outra forma de sermos e de estarmos no mundo,
provocando uma ampliao na/da vivncia do corpo em movimento, perpassando a
ideia de ser mais do que movimento corporal sendo nada mais do que o movimento
corporal, em suas variadas formas e significaes, contudo alicerado pela capacidade
expressiva e intencional de movimento (SARAIVA-KUNZ, 2003, p. 101).
A relao de cada pessoa com a dana algo diferenciada conforme sua vivencia subjectiva e a realidade social. Ambas se reflectem na atribuio de significados que a pessoa faz, de forma que ela tem sempre uma compreenso biogrfica da dana: cada pessoa tem formulado o significado que a dana tem para si (Ibid, p. 107).
No entendimento da dana como arte e comunicao podemos traar tempos e
movimentos pela ao intencional de nos descobrirmos enquanto corpo danante e
atuante no meio, no sentido de explorar seu efeito denunciador, crtico e sensvel a
quem assiste, a quem a produz e, principalmente, a quem a sente indiferente da maneira
de senti-la.
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Para Gaio e Gis (2006, p. 21), a dana arte, quando:
[...] transmite o sensvel e o inteligvel pela esttica do movimento; quando leva corpos a viajar nas idias que emanam dos movimentos, ao mesmo tempo em que induz outros corpos a apreciar, refletir e sentir essas idias para alm de simples movimentos como fatos e realidade que devem e podem ser transformados.
A dana uma linguagem corporal de um texto cultural que permite ao corpo-
sujeito expressar sentimentos e sensaes atravs do se-movimentar humano
intencional, expressivo e singular. A dana uno para o corpo-sujeito que se percebe e
que a vive na sua essncia. A dana configura um dilogo da pessoa com seu mundo,
um dilogo onde se investe a expresso do mundo vivido (SARAIVA-KUNZ, 2003, p.
126).
Como nos fala Nbrega (apud Gaio e Gis, 2006, p. 18),
A dana deriva da corporeidade do danarino. A lgica da dana, sua configurao, encontra-se na interpretao/criao de movimentos. Para compreend-la preciso danar, pois trata-se de um conhecimento vivencial, envolvendo o corpo, os movimentos e a percepo. A dana est diretamente vinculada ao corpo, sua linguagem configurada pelo movimento, criando um vocabulrio prprio de gestos significativos.
Para Saraiva-Kunz (apud Saraiva et. al, 2007, p. 107) a dana uma
experincia esttica que desenvolve uma capacidade de percepo do mundo,
tornando-o capaz de vivenci-lo, refleti-lo e recri-lo.
Nesse entendimento, o corpo-sujeito que dana experincia outra maneira de ser
estar no mundo, de forma singular, subjetiva e intencional, por esse ser corpo no seu se-
movimentar.
2.3 Corpo com Deficincia Visual: Simplesmente Corpo que Dana...
O trabalho de concluso de curso (TCC) provocou e nos desafiou de maneira
significativa a pensar no corpo-sujeito com deficincia visual que dana, o qu tambm
nos trouxe, conforme relatamos no trabalho, novas perspectivas e muitas possibilidades,
instigando nosso olhar a olhar, j que olhar para o corpo que dana ver alm do que
os olhos podem enxergar, viver e criar com a dana (VENNCIO e TAVARES e
FIGUEIREDO, 1999, p. 218).
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Isso nos levou a refletir que, ser corpo-sujeito com deficincia visual diz respeito
a ter menos visibilidade, a ter menos informao sobre certa situao em comparao
com uma outra pessoa que pode ver essa situao [...]. O ver e o no ver fazem parte da
sua vida (TIM GEBBELS apud FREIRE, 2001, p. 03).
A dana uma possibilidade para todos os corpos e que ela se basta na sua
materializao singular e sensvel. No entanto, para quem dana buscando uma
identidade de corpo perfeito, o ato de danar ainda se sustenta na padronizao elitizada
de movimento e de corpo, isso, nega a possibilidade de ser corpo danante na sua
singularidade e na maneira de ser e estar no mundo tornando esta experincia mais
sensvel e significativa.
Conforme Rocha (2008), quando o corpo-sujeito com deficincia dana a
diferena ainda pode parecer inquietante aos olhos de quem o assiste, infelizmente, pois,
vivemos num mundo de aparncias, dominante e que comete grandes erros, como o no
reconhecimento a esse corpo danante, atravs da rejeio ou comoo.
Nesse sentido, Freire (2001, p. 40) levanta alguns questionamentos,
Considerando que a deficincia significa a anttese cultural do corpo saudvel e apto, o que acontece quando uma pessoa com deficincia apresenta-se no papel de danarino? [...] pode a integrao de corpos deficientes na dana resultar rupturas com as pr-concepes das habilidades sobre o profissional da dana? Ou ser, ainda, que o corpo deficiente transcende sua deficincia para tornar-se um danarino?
Como argumenta Arendt (apud Freire 2001, p. 03), aos olhos do espectador:
[...] nada e ningum existe neste mundo cujo prprio ser no pressuponha um espectador, por conseguinte: o fato de que as aparncias sempre exigem espectadores e, por isso, sempre implicam um reconhecimento e uma admisso pelo menos potenciais, tem conseqncias de longo alcance para o que ns seres que aparecem em um mundo de aparncias - entendemos por realidade tanto nossa quanto a do mundo.
A dana para o corpo-sujeito com deficincia visual deve propor uma nova
experincia esttica que permita conforme Tolocka e Verlengia (2006, p. 12) que a
diferena seja vista como riqueza e no problema.
Nesse sentido, a proposta de trabalho com a dana para Pessoas com deficincia
visual se fundamenta na perspectiva de incluso e emancipao dos sujeitos que por