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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Luciana de Campos Cheres RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE: A POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO ADVINDA DAS CHANCES PERDIDAS CURITIBA 2010

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Luciana de Campos Cheres

RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE: A

POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO ADVINDA DAS CHANCES

PERDIDAS

CURITIBA

2010

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RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE: A

POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO ADVINDA DAS CHANCES

PERDIDAS

CURITIBA

2010

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Luciana de Campos Cheres

RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE: A

POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO ADVINDA DAS CHANCES

PERDIDAS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Thaís G. Pascoaloto Venturi.

CURITIBA

2010

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TERMO DE APROVAÇÃO

Luciana de Campos Cheres

RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE: A

POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO ADVINDA DAS CHANCES

PERDIDAS

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, _____ de ________________________ de 2010.

______________________________________________

Curso de Direito Universidade Tuiuti do Paraná

Orientadora: Prof.ª Thaís G. Pascoaloto Venturi Universidade Tuiuti do Paraná – Departamento de Ciências Jurídicas

Prof. ___________________________________________________ Universidade Tuiuti do Paraná – Departamento de Ciências Jurídicas

Prof. ___________________________________________________ Universidade Tuiuti do Paraná – Departamento de Ciências Jurídicas

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Dedico este trabalho aos tesouros do meu

coração: meu filho Gabriel, meu marido

Jader, meus pais, Arion e Lucia, e meu

irmão, Arion Júnior.

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Agradecimentos

A Deus, pelas oportunidades recebidas na vida, bem como pela própria

existência, pontuada de acontecimentos felizes.

A meus amados pais, Lucia e Arion, pelo carinho, pelo exemplo, pela

dedicação, pela cumplicidade e pela confiança; pela infância maravilhosa que me

proporcionaram e pela verdadeira amizade presente até hoje, que sempre me dá a

certeza do porto seguro, e a possibilidade de regresso nos momentos de cansaço.

A meu querido marido, Jader, que sempre esteve ao meu lado, auxiliando,

pesquisando junto, lutando junto e comemorando junto cada etapa vencida; sempre

foi acima de tudo, um amigo, o cúmplice de todas as horas.

A meu mui amado filho Gabriel, tesouro de minha alma, que não só soube

compreender a ausência materna, como também apoiava da forma que a pouca

idade lhe permitia.

A toda minha família que de uma forma ou de outra contribuiu para a

conclusão deste trabalho, como meu irmão e cunhada e também meus sogros,

todos auxiliando nos cuidados e atenção ao Gabriel nos momentos que sua mãe

precisava estudar.

Aos colegas e amigos que de uma forma ou de outra auxiliaram, incitando

ânimo para prosseguir. Em especial à minha amiga Mari, que sempre apoiou e

contribuiu muito na conclusão do curso, ajudando a vencer obstáculos e relevar

aborrecimentos, mostrando que uma amizade nascida nas salas de aula pode ser

verdadeira e perene.

A minha especial orientadora, professora Thaís Venturi, que além de estar

sempre presente, do início ao fim deste trabalho, mostrou-se antes de tudo uma

amiga, dando forças nos momentos de dificuldade e acalentando os ânimos nos

momentos de ansiedade.

Aos demais professores que, com carinho e atenção, deram o suporte

necessário para a conclusão desta pesquisa.

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A norma, com efeito, não poderá estrangular a vida,

antes deverá afeiçoar-se a esta, para que não se

cristalize nos formalismos estéreis. O direito, como

hoje se observa, vai se modelando à luz das

realidades ásperas do mundo contemporâneo. E as

suas matrizes eis que se forjam nos obscuros

desvãos da inquietação popular. Sois, pois, senhores

advogados, intérpretes desses dramas surdos que

germinam em todas as camadas sociais.

(Jorge Lacerda - ex Governador em Santa Catarina)

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RESUMO O presente trabalho analisa a responsabilidade civil pela perda de uma chance, partindo da responsabilidade civil, vislumbrando sua evolução histórica, prosseguindo até o estudo desta nova espécie de dano. Analisa os aspectos relevantes do instituto, a forma de indenização, bem como a natureza jurídica da teoria, tema de grandes controvérsias, pois repercute no quantum debeatur. Destarte, analisa, ainda, a flexibilização do nexo causal, quando configurada a causalidade parcial. Parte para o estudo da responsabilidade civil por perda de chance do médico e do advogado, cuja interrupção do processo aleatório pode configurar a perda de chance de cura ou sobrevivência ou a perda de uma demanda respectivamente. Analisa a aplicabilidade da teoria, partindo de um breve estudo do direto comparado, com enfoque em França e Itália, maiores influenciadores do instituto e precursores em julgados sobre o assunto. Finalmente atenta para julgados pátrios, verificando a forma como nosso pretório encara as chances perdidas, a evolução e a aceitação do instituto. Neste diapasão, verifica a possibilidade de aceitação da indenização por perda de chance em nosso direito pátrio, no qual não há guarida legal para as oportunidades frustradas, mas princípios amplamente defendidos, como o da reparação integral dos danos, justificadora da tutela da vítima - ainda que tais interesses sejam oportunidades acalentadas, mas com possibilidades sérias e reais de êxito. Palavras-chave: perda de chance; indenização; vítima; dano; oportunidade.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 8

2 RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................................................ 13

2.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS .......................................................................... 13

2.2 EVOLUÇÃO HISTÕRICA ............................................................................... 16

2.3 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................ 19

2.3.1 Dano ............................................................................................................ 21

2.3.2 Conduta ....................................................................................................... 22

2.3.3 Nexo causal ................................................................................................. 22

2.3.3.1 Pressuposto da responsabilidade civil ...................................................... 23

2.3.3.2 Teorias aplicáveis ao nexo causal ............................................................ 26

2.3.3.2.1 Teoria da equivalência das condições ................................................... 26

2.3.3.2.2 Teoria da causalidade adequada .......................................................... 28

2.3.3.2.3 Teoria do dano direto e imediato ........................................................... 29

2.3.3.3 Considerações finais sobre o nexo causal ............................................... 31

3 TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE .......................................................... 33

3.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS .......................................................................... 33

3.2 ASPECTOS RELEVANTES DO INSTITUTO ................................................. 40

3.3 DA FORMA DE INDENIZAÇÃO ..................................................................... 46

3.4 DA NATUREZA JURÍDICA DA PERDA DE UMA CHANCE .......................... 50

3.5 DA FLEXIBILIZAÇÃO DO NEXO CAUSAL .................................................... 56

3.6 DO NEXO CAUSAL NA PERDA DE UMA CHANCE...................................... 58

4 CATEGORIAS PROFISSIONAIS E A IMPUTAÇÃO DE RESPO NSABILIDADE

PELA PERDA DE UMA CHANCE ....................................................................... 63

4.1 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO PELA PERDA DE UMA

CHANCE ............................................................................................................... 64

4.2 RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE DE CURA OU

DE SOBREVIVÊNCIA .......................................................................................... 69

4.2.1 Responsabilidade civil médica ..................................................................... 69

4.2.2 Responsabilidade civil médica pela perda de uma chance ......................... 71

4.2.3 Julgados atuais ............................................................................................ 76

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5 A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA

CHANCE ............................................................................................................... 81

5.1 APLICABILIDADE NO DIREITO COMPARADO ............................................ 81

5.1.1 França .......................................................................................................... 82

5.1.1 Itália ............................................................................................................. 85

5.2 ANÁLISE JURISPRUDÊNCIAL PÁTRIA ........................................................ 90

5.3 JUSTIFICATIVAS PARA A APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA

CHANCE ............................................................................................................... 104

6 CONCLUSÃO .................................................................................................... 111

REFERÊNCIAS .................................................................................................... 116

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Se alguma vez, sob o império de forças antijurídicas, declina o sentimento do justo, a humanidade supera a crise e retoma o seu caminho, procurando sempre o ideal da justiça, que se radica indefectivelmente na consciência humana (Caio Mário)

1 INTRODUÇÃO

A ordem jurídica, a fim de manter o equilíbrio social, reprime condutas ilícitas

e protege o lícito. É a incessante busca do justo com a repressão do injusto. Nesta

esteira, impõe-se ao causador de um dano – responsável pela quebra de um

equilíbrio – o dever de responder pela lesão perpetrada a outrem ou a seu

patrimônio.

Desta feita, nosso Código Civil brasileiro, através do comando de seu artigo

186, impõe que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou

imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,

comete ato ilícito”. Continua no artigo 187, enfatizando que “Também comete ato

ilícito o titular de um direito que ao exercê-lo, excede manifestamente os limites

impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

Prosseguindo na esteira da responsabilização, determina, em seu artigo 927, caput,

que “Aquele que por ato ilícito (arts. 186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado

a repará-lo.”

No direito comparado também há a previsão da responsabilização do agente

causador de um dano. Note-se que o Código Civil francês, em seu artigo 1382, já

determina que quem agiu com culpa, causando um dano a outrem, terá o dever de

reparar: “Tout fait quelconque de l’homme qui cause à autrui un dommage, oblige

celui par la faute duqueil il est arrivé, à le réparer.” Já o Código Civil italiano, em seu

artigo 2043, também prevê o dever de se ressarcir o dano injusto: “Qualunque fatto

doloso o colposo, che cagiona ad altri um danno ingiusto, obbliga colui che ha

commesso il fatto a risarcire il danno.”

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De toda sorte, tanto em nosso sistema jurídico quanto no direito comparado,

o intuito é proteger a vítima do dano injusto, imputando ao responsável pelo ilícito o

dever de reparar o prejuízo causado, restabelecendo a harmonia social.

Como bem explica Sílvio de Salvo Venosa, “Em princípio, toda atividade que

acarreta um prejuízo gera responsabilidade ou dever de indenizar.” (VENOSA,

2005). De tal sorte, compete ao causador do ilícito – reprimido pelo nosso

ordenamento jurídico – oferecer uma resposta à vítima do dano, considerando-se,

naturalmente, aspectos relevantes de cada caso na fixação do valor indenizatório.

Todavia, tais aspectos variam de acordo com a época vivenciada pela

sociedade, considerando suas transformações, evoluções e mudanças na maneira

de pensar. Destarte, as constantes modificações sociais impõem reformas na

maneira de se pensar a teoria da responsabilidade civil. A nova realidade social,

especialmente instituída com a Constituição Federal de 1988, que prima pela

dignidade da pessoa humana (art.1°, III) e a solida riedade social (art.3°, I),

premissas contempladas como princípios fundamentais, bem como a inviolabilidade

da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, com consequente direito

de indenização pelo dano material e moral proveniente de sua violação (art.5°, X),

exigem novas abordagens sobre a responsabilização.

Se hoje o foco principal encontra-se na vítima do ilícito, enquanto que novas

formas de dano surgem incessantemente e na mesma velocidade dos avanços

tecnológicos (como, por exemplo, danos advindos de difusão virtual de imagem,

clonagem de cartões ou invasão de dados por hackers), evidente que a dogmática

tradicional não dará conta de oferecer a resposta à vítima do dano; necessário e

inconteste que a responsabilidade civil acompanhe a evolução dos tempos.

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Neste diapasão, hoje se pensa na indenização do dano puramente moral, na

responsabilidade por fato de outrem, na responsabilização diferenciada para

relações consumeristas, e no exercício de atividade perigosa como fundamento da

responsabilidade civil.

Na mesma esteira, surgem novas abordagens da responsabilidade civil, que

pode vir a ter um caráter punitivo-pedagógico enquanto inibidora de novas condutas

delituosas no mesmo sentido, podendo, de tal sorte, ser meio de majoração do

quantum debeatur.

E seguindo a evolução dos tempos, eis que o direito francês nos apresenta a

responsabilitè civil pour la perte d’une chance, que, recebida com cautela por nossa

doutrina, considera a chance perdida como um dano e, como tal, indenizável.

Desta sorte, mesmo em se considerando um evento futuro e incerto, e “não

havendo um dano certo e determinado, existe um prejuízo para a vítima, decorrente

da legítima expectativa que ela possuía em angariar um benefício ou evitar um

prejuízo.” (BIONDI, 2008)

Desta feita, a violação do direito de outrem – fundamento da

responsabilidade civil - se caracteriza pelo próprio embaraço na verificação de uma

possibilidade de ganho ou exclusão de prejuízo. Tal oportunidade – a chance numa

acepção jurídica – incorporar-se-á no patrimônio do indivíduo, sendo que a violação

desta chance ensejará o dever de indenizar.

Todavia, como bem pontua Eduardo Abreu Biondi, “não se trata de

indenização sobre a vantagem não alcançada. Pois como o futuro é incerto, não há

meios idôneos para provar qual seria o resultado final.” (BIONDI, 2008)

Talvez por se firmar no entendimento de que dano hipotético não é

ressarcível, há muita resistência por parte de nossos tribunais na aplicação da teoria

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da responsabilidade civil pela perda de uma chance como fundamento do dever de

indenizar. Da mesma forma ainda gera celeuma a sua classificação: há autores que

entendem essa espécie de dano como integrante do dano moral; outros enxergam

apenas danos patrimoniais resultantes da interrupção da álea; ainda há quem

considere a perda da chance como uma forma de lucros cessantes, enquanto alguns

julgados simplesmente rechaçam tal forma de indenização por acharem impossível

de se vislumbrar um dos elementos da responsabilidade civil – o nexo causal.

Divergências à parte, o presente estudo pretende fazer uma sucinta

abordagem de um tema com pouca doutrina e incipiente na aplicabilidade prática

advinda de jurisprudências pátrias, mas que não pode ser ignorado pelos estudiosos

da responsabilidade civil, posto que é mais uma forma de se oferecer à vítima de um

ato lesivo uma resposta ao dano experimentado – o da interrupção de um processo

aleatório que poderia resultar em benefício ou impedir um prejuízo.

Como bem explica Sérgio Savi,

A chance implica necessariamente em uma incógnita – um determinado evento poderia se produzir (...), mas a sua ocorrência não é passível de demonstração. Um determinado fato interrompeu o curso normal dos eventos que poderiam dar origem a uma fonte de lucro, de tal modo que não é mais possível descobrir se o resultado útil esperado teria ou não se realizado.1

Todavia, a simples chance de se auferir vantagem ou evitar desvantagem

pode ser considerada como integrante do patrimônio da vítima, de forma que a

interrupção do curso normal dos acontecimentos enseja o dever de indenizar do

responsável pela não verificação cabal do evento que se tornou futuro e incerto. Em

torno dessas premissas gravitarão as possibilidades de indenização.

Por fim, como elucida Rosamaria Lopes, pela necessidade de se oferecer às

pessoas uma proteção mais ampla de seus direitos e garantias individuais, 1 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 110.

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paulatinamente doutrina e jurisprudência nacionais passam a aceitar e adotar a

teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico.2

E a aplicação desta nova teoria, do surgimento à aplicabilidade em nossos

tribunais, da classificação à quantificação do dano serão objeto do breve estudo que

segue.

2 LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance

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2. RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Temos que a ordem jurídica prima pela manutenção da ordem e harmonia

social, sendo que para tal desiderato reprime ilícitos e protege o lícito, imputando ao

causador do ato danoso (ou ilícito) o dever de responder.

A responsabilidade civil vem justamente da noção de responder, oriundo do

verbo latino respondere, que por sua vez contém a raiz latina spondeo,

correspondente, no direito romano, à vinculação do devedor à obrigação assumida

nos contratos verbais3. Ou, segundo Álvaro Villaça Azevedo, remonta à antiga

"obrigação contratual do direito quiritário, romano, pela qual o devedor se vinculava

ao credor nos contratos verbais, por intermédio de pergunta e resposta (spondesne

mihi dare Centum? Spondeo, ou seja, prometes me dar um cento? Prometo)".4

Destarte, a responsabilidade civil corresponde a uma vinculação aos atos

praticados, derivada das noções de obrigação e contraprestação. Juridicamente é “o

dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro

dever jurídico. (...)”. (CAVALIERI FILHO, 2002)

Já o termo “responsabilidade civil” empregado para este dever de responder

por danos causados, em que pese suscitar controvérsias, Rui Stoco pondera que

Apesar de grande parte da doutrina afirmar que o vocábulo “responsabilidade” pode ser inadequado por se prestar a ambiguidades, Zanobini afirma que tal termo serve “para indicar uma situação toda especial daquele que, por qualquer título, deva arcar com as consequências de um fato danoso”.5

3 DINIZ, Maria Elena. Curso de direito civil brasileiro. Responsabilidade civil. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. P. 33

4 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações. 1999. P. 276

5 STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua interpretação jurispru dencial. 2 ed. São Paulo: RT, 1995. pág. 45 Zanobini: Corso di diritto administrativo. 6 ed. 1950, v. I, p. 269.

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Tais consequências advindas do evento danoso nem sempre são

suportadas pelo próprio causador do ilícito. Se quem viola direito alheio e causa

dano a terceiros, comete ilícito, segundo se extrai da leitura do art. 186, CC, a

consequência lógica será a reparação (art. 927, CC).

Ressalte-se, entretanto, que como nosso Código Civil prevê a

impossibilidade de alguns indivíduos exercerem pessoalmente os atos da vida civil

(art.3°, CC), estes também não serão responsabiliza dos pelo eventual ilícito - exceto

em casos de emancipação previstos no art. 5°, parág rafo único, Código Civil ou

ainda quando seus responsáveis não tiverem condições de fazê-lo e o menor

dispuser de meios para tanto6.

Desta feita, a fim de não deixar a vítima sem resposta, nosso sistema prevê

a responsabilidade indireta, advinda de fato de outrem que não o próprio causador

do ilícito. São as hipóteses elencadas nos cinco incisos do artigo 932 do Código Civil

– culpa in eligendo, in vigilando e in cutodiando.

Destarte, a responsabilidade funda-se no dever geral de não prejudicar

outrem, expresso pelo Direito Romano através da máxima neminem laedere. Assim,

aquele que causa um dano, pratica um ilícito e quebra a harmonia social, devendo,

portanto, responder pelos atos praticados. Segundo ensinamento de Pontes de

Miranda,

Quando fazemos o que não temos o direito de fazer, certo é que cometemos ato lesivo, pois que diminuímos, contra a vontade de alguém, o ativo dos seus direitos, ou lhe elevamos o passivo das obrigações, o que é genericamente o mesmo. (..) O que se induz da observação dos fatos é que em todas as sociedades o que se tem por ofensa não deve ficar sem satisfação, sem ressarcimento.7

6 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das obrigações. Responsabilidade civil. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. P. 7. 3 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 2 ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1966. Tomo LIII

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No mesmo sentido, Hans Kelsen, proporciona uma melhor compreensão

acerca da responsabilidade civil, ao ensinar que o indivíduo é obrigado a não causar

a outrem qualquer prejuízo com sua conduta, mas, no caso de, com esta, provocar

um dano, terá que indenizar pelo prejuízo. Na sua concepção, há dois deveres:

como um dever principal – não causar prejuízo, e como dever subsidiário – ressarcir

os prejuízos causados. Portanto, o dever de ressarcir prejuízos não é uma sanção,

mas toma o lugar do dever principal violado, o de não causar prejuízo a outrem.8

Já conforme lição de Maria Helena Diniz, atualmente a responsabilidade

civil possui uma dupla função: a de garantir o direito do lesado à segurança e servir

de sanção civil, reparando o dano sofrido ao mesmo tempo em que pune o lesante e

desestimula novas práticas no mesmo sentido.9

O que resta inconteste é que a responsabilidade civil busca oferecer uma

resposta à vítima na proporção do agravo sofrido, sendo que hodiernamente

prevalece o entendimento de que o foco da responsabilidade civil não mais se

encontra na figura do causador do ilícito, mas sim na vítima, na medida em que

busca fundamento em princípios constitucionais para a defesa do lesado e a

reparação integral do prejuízo experimentado.

E assim temos a Responsabilidade Civil como a entendemos hoje, um

fenômeno jurídico de recomposição de danos, cujos paradigmas fundam-se nos

ideais de justiça de um povo, variáveis conforme a época.

Neste diapasão, naturalmente que a atual concepção de responsabilidade

civil passou por modificações ao longo da história até se chegar ao entendimento

8 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6 ed. São Paulo: Martins Fones, 1998. 9 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Responsabilidade civil. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.p. 9

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contemporâneo, sempre se amoldando aos contextos sociais vigentes em

determinado período a fim de se atingir a harmonia e o equilíbrio social.

Destarte, havendo a necessidade da constante “revisita à origem de cada

instituto, isto é, ao seu ponto de partida”10 para se compreender o presente, faz-se

necessário um breve estudo acerca da evolução por que passou a responsabilidade

civil. Desenvolvimento este não marcado por momentos estanques em que apenas

vigorava um entendimento de responsabilização. Afinal, como o próprio ser humano,

a história é dinâmica e mutável, premissa que o Direito tenta acompanhar a fim de

atender aos clamores sociais.

2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Apesar de muitos preceitos legais traduzirem a forma de pensar de um povo,

repleto de uma logicidade que leva a crer que nem haveria necessidade de

disciplinamento de condutas naquele sentido, a verdade é que vivemos em um

gradual e ininterrupto processo de desenvolvimento.

Nada é estanque, nem tampouco pode ser dividido em etapas quando se

fala em evolução histórica, mas didaticamente facilita a compreensão assinalar o

desenvolvimento de qualquer instituto partindo das raízes de sua formação e de

fatos que ocorreram até que se chegasse ao entendimento atual de qualquer

disciplina.11

Apesar de vir arraigado ao senso de justiça e consciência coletiva do ser

humano a imputação de responsabilidade a um causador de dano e consequente

10 VENTURI, Thaís G. Pascoaloto. A responsabilidade civil e sua função punitivo-peda gógica no direito brasileiro . Disponível na internet: http://dspace.c3sl.ufpr.br:8080/dspace/bitstream/1884/3767/2/A%20responsabilidade%20civil%20e%20sua%20fun%c3%a7%c3%a3o%20punitivo-pedag%c3%b3gica%20no%20Direito%20brasileiro.pdf 11

VENTURI, Thaís G. Pascoaloto. A responsabilidade civil e sua função punitivo-peda gógica no direito brasileiro . Disponível na internet: http://dspace.c3sl.ufpr.br:8080/dspace/bitstream/1884/3767/2/A%20responsabilidade%20civil%20e%20sua%20fun%c3%a7%c3%a3o%20punitivo-pedag%c3%b3gica%20no%20Direito%20brasileiro.pdf

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resposta àquele que suportou o ilícito perpetrado por outrem, pode-se dizer que o

instituto da Responsabilidade Civil é relativamente recente.

Se nosso sistema atribui ao Estado o poder-dever de solucionar litígios,

impedindo-se, desta feita, o exercício arbitrário das próprias razões, tal preceito

acabou tendo um relevante papel no surgimento da Responsabilidade Civil como é

entendida hoje. Note-se, entrementes, que mesmo a Justiça Privada já tentava

oferecer à vítima do ilícito uma resposta nas mesmas proporções do dano causado.

A própria lei de talião, ainda que pareça bárbara e desumana para os padrões

atuais, trouxe a ideia de reparação, a noção de que o causador de um dano não

poderia ficar impune, enquanto a vítima suportava sozinha as consequências de um

evento danoso ao qual não deu causa.

Nos primórdios da civilização, que considerava o indivíduo não

isoladamente, mas como parte de um grupo, importando apenas a coletividade,

vigorava a pura vindicta. A ideia de dano estava vinculada à noção de pecado, cuja

ruptura da ordem social causada pelo cometimento de ato danoso só poderia ser

restaurada através de um sacrifício.12

Com a Lei de Talião (1.730 a. C.), a ofensa perpetrada tinha como resposta

uma lesão ao agente na mesma proporção do dano por ele causado – “olho por

olho, dente por dente”. É a reação individual ou vingança privada, com mínima

intervenção do poder público – basicamente para declarar quando e como a vítima

poderia ter o direito de retalição.13

Já a Lei das XII Tábuas (450 a. C.) - inscritas em doze tabletes de madeira

afixadas nos Fórum romano a fim de que todos pudessem lê-las e conhecê-las –

12 VENTURI, Thaís G. Pascoaloto. A responsabilidade civil e sua função punitivo-peda gógica no direito brasileiro . Disponível na internet: http://dspace.c3sl.ufpr.br:8080/dspace/bitstream/1884/3767/2/A%20responsabilidade%20civil%20e%20sua%20fun%c3%a7%c3%a3o%20punitivo-pedag%c3%b3gica%20no%20Direito%20brasileiro.pdf 13

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Responsabilidade civil. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.11

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18

impunha-se “como uma reação do lesado contra a causa contra a causa aparente do

dano.” (DINIZ, 2007)

No século III a. C. surgiu Lex Aquillia de damno, que implementou a noção

de culpa e a reparação pecuniária do dano, impondo que o patrimônio do ofensor

respondesse pela lesão causada. É o divisor de águas, segundo o eminente

doutrinador Sílvio de Salvo Venosa, que ensina que a punição da culpa por danos

injustamente provocados surgiu com a interpretação da Lex Aquilia realizada pelo

sistema romano.14

Em 21 de março de 1.804 entra em vigor o Código Napoleônico, de grande

repercussão, e que distinguiu a culpa contratual da delitual, disseminando nas

legislações mundiais a ideia de que a responsabilidade civil se funda na culpa.15

Segundo Maria Helena Diniz, a teoria da responsabilidade civil só se

estabeleceu por obra da doutrina, que acabou por influenciar o Código Civil francês,

que, por sua vez, serviu de base para as demais legislações que estabeleceram a

culpa por fundamento.16

Todavia, nas palavras da ilustre doutrinadora Maria Helena Diniz, apenas a

noção de culpa se mostrou insuficiente para cobrir todos os prejuízos, obrigando a

responsabilidade civil a uma evolução também com relação ao fundamento,

considerando, desta feita, o risco, ampliando a indenização de danos independente

da imputação de culpa.17

Destarte, a concepção clássica da responsabilidade civil, fundada na culpa,

passou a não dar conta de todas as situações de dano, surgindo uma nova espécie

de responsabilidade – a objetiva, sem culpa, baseada na teoria do risco. Como bem

14 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Responsabilidade civil. Vol. 4. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005. P. 15 BIONDI, Eduardo Abreu. Teoria da perda de uma chance na responsabilidade c ivil . Disponível na internet: www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3988/Teoria-da-perda-de-uma-chance-na-responsabilidade-civil

16 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Responsabilidade civil. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. P. 12 17 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Responsabilidade civil. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. P 12

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19

cita Carlos Roberto Gonçalves, “Quem aufere os cômodos (ou lucros) deve suportar

os incômodos (ou riscos)”. (GONÇALVES, 2007)

Atualmente ambas as responsabilidades – objetiva e subjetiva – são

contempladas pelo nosso ordenamento jurídico, e visam, como o próprio Direito,

manter a harmonia do sistema social. Daí sua presença a justificar o dever de

indenizar tanto no ilícito contratual quanto no “ilícito aquiliano ou absoluto”.

(CAVALIERI FILHO, 2002)

E assim, outros entendimentos acerca da responsabilidade civil foram

surgindo a fim de se amoldar às novas necessidades sociais e responsabilizar

aquele que acaba por romper um equilíbrio ao causar um dano. Daí a Teoria da

Garantia, surgida na França e fixada no interesse da vítima do dano aquiliano ou

moral, bem como o desenvolvimento do instituto dos punitive damages, nascido nos

Estados Unidos e que buscava majorar o valor da indenização imputada ao

causador do dano com o principal intuito de coibir novas condutas no mesmo

sentido. Nesta esteira, surge a responsabilidade civil pela perda de uma chance,

responsabilitè civil pour perte d’une chance, tema do presente estudo.

2.3 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Por comportar peculiaridades adiante exploradas, para melhor entendimento

da responsabilidade civil pela perda de uma chance é necessário um breve estudo

acerca dos elementos formadores da tradicional concepção da responsabilidade

civil.

Segundo nos ensina o eminente doutrinador Sérgio Cavalieri Filho, “a

responsabilidade é a sombra da obrigação” (CAVALIERI FILHO, 2002), sendo que a

responsabilidade adviria da violação da obrigação, definida pelo autor como um

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20

dever jurídico originário. Desta feita, a responsabilidade civil seria um dever jurídico

sucessivo ou secundário - o de reparar o dano, ou indenizar.18

Temos que o vocábulo indenizar remonta à noção de tornar indene, restituir

o indivíduo ao status quo ante, o que leva à ideia do restituto in integrum.19 Todavia,

nem sempre é possível recolocar o lesado à situação anterior à do dano, sobretudo

em se tratando de danos extrapatrimoniais, o que não poderia isentar o causador do

ilícito do dever de responder – dever sucessivo. Daí a necessidade da compensação

pecuniária enquanto amenizadora do dano experimentado.

Portanto, face tais análises, chegamos à conclusão ainda esposada por

Cavalieri Filho, qual seja, de que só haverá responsabilidade se houver violação do

dever jurídico preexistente – ainda que oriundo da máxima neminem laedere –,

sendo que para se chegar ao responsável, carece de uma identificação do dano

experimentado advindo da violação de dever jurídico e de quem o descumpriu.20

Da análise de tais premissas chegamos ao que a doutrina classifica como

elementos essenciais da responsabilidade civil: conduta do agente, nexo causal e

dano.21 Em linhas gerais, o dano seria o prejuízo experimentado; o nexo causal seria

o liame que ligaria o dano à conduta do agente; a conduta do agente seria a violação

perpetrada por este do dever jurídico primário, ou seja, o cometimento do ilícito.

Com base nesses elementos, Cavalieri conclui que, “a partir do momento em

que alguém, mediante conduta culposa, viola direito de outrem e causa-lhe dano,

está-se diante de um ato ilícito, e deste ato deflui o inexorável dever de indenizar.”

(CAVALIERI FILHO, 2002)

18 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 3 ed. São Paulo: Malheiros,2002. P. 22 19

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Responsabilidade civil. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. P. 7 20 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 3 ed. São Paulo: Malheiros,2002. P. 23 21

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Responsabilidade civil. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. P. 37/38

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21

Todavia, conforme alhures mencionado, a responsabilidade subjetiva

pautada na culpa (que vigorou por muito tempo como fundamento único para o

dever de indenizar) não é suficiente para atender a toda a variedade de prejuízos

indenizáveis. Assim é que não se pode compreender a prática do ilícito vinculada

unicamente à noção de culpa para que deflua o dever de reparação. Como bem

complementado por Cavalieri, “o ato ilícito indica apenas a ilicitude do ato, a conduta

humana antijurídica, contrária ao Direito, sem qualquer referência ao elemento

subjetivo ou psicológico”. (CAVALIERI FILHO, 2002)

Como muito bem sintetizado pelo mestre Sílvio Rodrigues, a conduta

comissiva ou omissiva do agente ensejadora do dever de indenizar deflui não

apenas de ato próprio, como também de terceiro que esteja sob a responsabilidade

do agente, além de danos causados por coisas que estejam sob a guarda deste.22

2.3.1 Dano

A ocorrência do dano - que segundo Cavalieri é “o grande vilão da

responsabilidade civil”, posto poder “haver responsabilidade sem culpa, mas não

pode haver responsabilidade sem dano” (CAVALIERI FILHO, 2002) - é a lesão a

bem ou interesse jurídico, sendo necessária a prova real e concreta dessa lesão.23

Desta sorte, o dano é um prejuízo experimentado pela vítima, “resultante de

ato ou fato antijurídico que viole qualquer valor inerente à pessoa humana, ou atinja

coisa do mundo externo que seja juridicamente tutelada”. (NORONHA, 2003)

Não havendo responsabilidade sem prejuízo, o dano é

elemento essencial e indispensável à responsabilização do agente, seja essa obrigação originada de ato lícito, nas hipóteses expressamente

22 RDRIGUES, Sílvio. Direito civil. Responsabilidade civil. Vol 4. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. P. 14 23 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Responsabilidade civil. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. P.38

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22

previstas, seja de ato ilícito, ou de inadimplemento contratual, independente, ainda, de se tratar de responsabilidade objetiva ou subjetiva.24

Desta sorte, ainda que haja um ilícito perpetrado, se deste ilícito não resultar

um dano à pessoa, não haverá de se falar em responsabilidade civil e dever de

indenizar. É o primeiro pressuposto da responsabilidade civil a ser verificado -

havendo um prejuízo a bem juridicamente tutelado, haverá o dever de reparar.

Destarte, “Sem a prova do dano, ninguém pode ser responsabilizado civilmente”.

(GONÇALVES, 2007)

2.3.2 Conduta

O art. 186 do Código Civil refere-se a qualquer pessoa que, por ação ou

omissão, venha a causar dano a outrem. Temos, portanto, a conduta, caracterizada

pela atitude comissiva ou omissiva do agente – neste último caso quando havia um

dever de praticar algum fato cuja inércia resultou num dano.

Como bem explica Sérgio Cavalieri, a ação consiste num “comportamento

positivo, como a destruição de uma coisa alheia, a morte ou lesão corporal causada

em alguém, e assim por diante”. E prossegue o autor, ao explicar a omissão:

“caracteriza-se pela inatividade, abstenção de alguma conduta devida”. (CAVALIERI

FILHO, 2002)

Conduta é, pois, o fato humano, a ação ou omissão causadora do dano.

2.3.3. Nexo causal

Além do dano e da conduta ilícita do agente, deverá haver entre ambos uma

necessária relação de causa e efeito. E a esta relação de causa e efeito entre

24 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. Doutrina e jurisprudência. 7 ed. São Paulo: RT, 2007. P. 128.

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23

conduta e resultado dá-se o nome de nexo causal,25 cujo conceito “não é jurídico;

decorre das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a

conduta e o resultado.” (CAVALIERI FILHO, 2002)

Destarte, “é preciso que esteja certo que, sem este fato, o dano não teria

acontecido. Assim, não basta que uma pessoa tenha contravindo a certas regras; é

preciso que sem esta contravenção, o dano não ocorr eria. ” (STOCO, 1995)

O estudo do nexo causal merece uma atenção especial por ter uma

relevância maior quando se trata de responsabilidade civil pela perda de uma

chance, conforme será abordado em capítulos subsequentes.

2.3.3.1 Pressuposto da responsabilidade civil

O nexo causal configura um dos pressupostos da responsabilidade civil, ao

lado do dano e da conduta e consiste no “elo que liga o dano ao fato gerador, é o

elemento que indica quais são os danos que podem ser considerados como

conseqüência do fato verificado.” (NORONHA, 2003). Nas palavras de Rui Stoco, “O

nexo causal se torna indispensável, sendo fundamental que o dano tenha sido

causado pela culpa do sujeito.” (STOCO, 1995)

Assim, para que haja o dever de indenizar, não basta o ilícito perpetrado

pelo agente nem tampouco o dano; é “indispensável que se constate a existência

desse liame causal” (CRUZ, 2005), ou seja, “do elemento referencial entre a conduta

do agente e o resultado” (LISBOA, 2009). Portanto, ao lado do dano e da ação ou

omissão do agente, está o nexo causal para que se configure a responsabilidade

civil.

Todavia, ainda que exsurja uma aparente simplicidade na determinação do

elemento que liga a conduta do agente ao resultado danoso, 25CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 3 ed. São Paulo: Malheiros,2002. P. 58

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24

... é o mais delicado dos elementos da responsabilidade civil e o mais difícil de ser determinado. Aliás, sempre que um problema jurídico vai ter na indagação ou na pesquisa da causa, desponta a sua complexidade maior.26

Desta sorte, nossa doutrina tem dedicado significativos estudos ao nexo

causal, posto tratar-se de “noção aparente fácil, mas que, na prática, enseja

algumas perplexidades” (CAVALIERI FILHO, 2009), sendo “talvez o requisito que

mais dificuldades suscita.” (NORONHA, 2003)

O nexo causal reveste-se de singular importância, sobretudo na análise de

casos concretos e consequente julgamento. “Fazer juízo sobre nexo causal é

estabelecer, a partir de fatos concretos, a relação de causa e efeito que entre eles

existe (ou não existe)”. (CAVALIERI FILHO, 2009) A relevância do nexo causal é

bem tratada pelo insigne doutrinador Sérgio Cavalieri Filho, que completa: “A

incorreta visualização do nexo causal pode levar à distorção de rumos, fazendo

alguém responder pelo que não fez.” (CAVALIERI FILHO, 2009)

Assim é que vários efeitos nos levam a questionar sua verdadeira causa -

qual o vínculo que liga de fato a conduta ao evento danoso. Inúmeros são os

exemplos, e para mencionar um, valemo-nos de ilação do mestre Fernando

Noronha:

A situação é a seguinte: um sujeito fica gravemente ferido entre lataria de

veículo, em acidente de trânsito, sendo socorrido por outro no instante em que o

carro se incendeia, causando queimaduras nos dois indivíduos. Ambos são levados

ao hospital e submetidos a tratamento por semanas, sendo que um deles adquire

infecção hospitalar que o obriga a se submeter a novos tratamentos. Ao receber alta,

26 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. P. 76

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25

em consequência de tais eventos, o indivíduo fica com sequelas incapacitantes para

o trabalho. Tempos depois tem uma recaída em decorrência das lesões sofridas.

O autor ainda oferece novas situações que poderiam ter ocorrido a qualquer

um dos dois envolvidos, como a perda de realização de negócio lucrativo em virtude

do internamento, um ataque cardíaco da esposa ao ter a notícia do acidente, ou

ainda, sendo supostamente um deles um artista famoso a caminho de uma

apresentação, a interposição de ação por fãs pelo grande atraso de seu ídolo.27

De fato, várias situações levam à indagação da causa que justificaria a

imputação de responsabilidade, e se seria eficiente para exigir reparação de todos

os desgastes sofridos e danos suportados.

Gisela Sampaio da Cruz complementa que

O nexo causal suscita, ainda, tantas outras controvérsias que estão longe de serem pacificadas. Questiona-se, por exemplo, se o causador do dano pode eximir-se da obrigação de indenizar, provando que o prejuízo teria ocorrido de qualquer forma, em virtude de outra causa – o que equivale a perguntar se tem relevância negativa a causa virtual ou hipotética.28

Assim é que várias teorias são criadas a fim de responder tais indagações,

suscitando observação neste sentido de Gisela Sampaio da Cruz: “... a verificação

do nexo de causalidade depende, antes de qualquer juízo, da teoria que se adote –

que não é senão fruto de uma decisão política.”29

E são as teorias tradicionais sobre nexo de causalidade que tentam

responder às indagações acima suscitadas sobre imputação de responsabilidade e

causa eficiente do dano – próximo tópico do presente estudo, que, ressalte-se,

abordará tão somente as teorias de maior relevância em nossa doutrina.

27 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. Fundamentos do direito das obrigações. Introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 587-588. 28 CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil . Rio de Janeiro: Renovar, 2005. P. 9. 29 Ibidem, p. 9.

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26

2.3.3.2 Teorias aplicáveis ao nexo causal

As teorias da causalidade examinam os fatores determinantes para a

ocorrência do dano, as condições que devem ser consideradas causas do dano.

Para Fernando Noronha, os fatores determinantes são causas, enquanto que os

demais serão meras condições, todavia, em sua essência, causas e condições não

têm natureza diversa.30

Importante destacar que, como bem lembra o aplaudido mestre Sérgio

Cavalieri Filho, as teorias surgidas a fim de solucionar problemas que a análise do

vínculo causal comporta, não oferecem respostas prontas, mas sim um caminho a

ser seguido, um “raciocínio lógico” em busca da melhor solução. Em última análise,

todas as teorias hão de ser consideradas no caso concreto para uma resposta

razoável, deixando espaço para atuação do magistrado, considerando a aplicação

dos inolvidáveis princípios consagrados pelo nosso sistema jurídico e pautados no

bom senso e equidade.31

2.3.3.2.1 Teoria da equivalência das condições

Como o próprio nome sugere, na teoria da equivalência das condições todos

os eventos que se verificaram para a causa do dano são considerados causas

equivalentes. Assim, ao fornecer um grande leque de agentes responsáveis, tal

teoria, preconizada pelo alemão Von Buri, do século XIX, acaba por favorecer a

vítima.32

30

NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. Fundamentos do direito das obrigações. Introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 588-589 31 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 46-47. 32 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2009. P. 22.

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Para a teoria da equivalência das condições, ou teoria da equivalência dos

antecedentes,33 teoria da causalidade naturalística34, ou ainda conditio sine qua

non35, “todas as condutas conduzem ao prejuízo, de vez que, na cadeia causal,

suprimido um dos antecedentes, não se verifica o resultado danoso.” (CAVALIERI

FILHO, 2009)

Assim, a causa é a circunstância, condição necessária ou condição sem a

qual (conditio sine qua non) o resultado danoso não aconteceria. Todas as forças

que participaram para o evento danoso serão consideradas como causas, sem

diferenças entre causa principal, causas secundárias ou condições.36

A teoria da equivalência das condições é objeto de severas críticas “pelo fato

de conduzir a uma exasperação da causalidade e uma regressão infinita do nexo

causal” (CAVALIERI FILHO, 2009), atribuindo “ao dano uma gama enorme de

causas, algumas delas absolutamente remotas” (SILVA, 2009), podendo “levar a

resultados inteiramente equivocados” (NADER, 2009).

Assim é que, com a aplicação da referida teoria, a série causal poderia ser

infinita, com causas irrelevantes, como a responsabilização do fabricante de veículo

pelo atropelamento de pedestre.37 Face todo o exposto, praticamente encontra-se

superada a teoria da equivalência de condições.

33 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Obrigações e responsabilid ade civil. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. P. 261. 34 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. Fundamentos do direito das obrigações. Introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 589 35 CAVALIERI FILHO, p. 109, SILVA, p. 22, NORONHA, p. 589. 36 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Obrigações e responsabilid ade civil. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. P. 261 37 Ibidem, p. 262

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28

2.3.3.2.2 Teoria da causalidade adequada

Para a teoria da causalidade adequada, criada por Von Kries, o antecedente,

além de necessário, deve ser adequado para a produção do resultado.38

Destarte, “A necessariedade da causa para o evento danoso deve ser

apurada mediante o critério da probabilidade.”39 Assim é que a maior probabilidade

de produzir o resultado será considerada a causa determinante do dano40 ao

estabelecer uma “relação necessária” entre o fato gerador e o evento danoso.41

Desta feita, “as causas, além de necessárias, devem estar revestidas de um

critério de adequação”, preponderando “o caráter qualitativo da condição necessária”

(SILVA, 2009). Assim é que “somente se considera como causadora do dano a

condição por si só apta a produzi-lo.” (GONÇALVES, 2007)

Rafael Peteffi da Silva ainda remonta ao aspecto temporal, afirmando que o

agente que deverá responder pelo evento danoso não será o que teve a última

chance de evitá-lo, mas aquele que teve a melhor e mais eficiente oportunidade.

Portanto, o tempo não revela a responsabilidade pelo dano, mas sim a proximidade

lógica.42

A teoria da causalidade adequada, surgida no final do século XIX, goza, até

hoje de prestígio entre doutrinadores nacionais e estrangeiros, além de ampla

utilização pela jurisprudência.43

38 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 48. 39 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Obrigações e responsabilid ade civil. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. P. 262 40 NADER, Paulo. Curso de direito civil. Responsabilidade civil. Vol. 7. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. P. 110. 41 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. Fundamentos do direito das obrigações. Introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 596. 42 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 24-25 43 Ibidem, p. 25.

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2.3.3.2.3 Teoria do dano direto e imediato

A teoria do dano direto e imediato – ou “teoria da causa próxima” (NADER,

2009), “teoria da interrupção do nexo causal” (CRUZ, 2005), ou ainda “teoria da

relação causal imediata” (LISBOA, 2009) – exige que, entre a conduta e o dano, haja

uma relação de causa e efeito direta e imediata.

Desta forma, para a teoria em foco cada agente responde pelos danos que

resultarem direta e proximamente de sua conduta.44 Assim, causa jurídica seria

apenas o evento que se vincula diretamente ao dano, sem interferência de outra

condição sucessiva.45

Nosso aclamado civilista Carlos Roberto Gonçalves entende que a teoria

acolhida pelo Código Civil atual é a do dano direto e imediato:

Das várias teorias sobre o nexo causal, nosso Código adotou, indiscutivelmente, a do dano direto e imediato, como está expresso no art. 403. Dispõe, com efeito, o mencionado dispositivo legal: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”. Não é, portanto, indenizável o chamado “dano remoto”, que seria consequência indireta do inadimplemento...46

Pela teoria do dano direto e imediato, “uma causa somente pode ser

considerada direta e imediata se, sem ela, o dano não ocorrer.” (SILVA, 2009) Nas

palavras de Gisela Sampaio da Cruz, “A causa direta e imediata nem sempre é a

mais próxima do dano, mas, sim, aquela que necessariamente o ensejou”, sendo

que “o aparecimento de outra causa é que rompe o nexo causal” (CRUZ, 2005).

A mencionada doutrinadora comunga da mesma opinião de Carlos Roberto

Gonçalves – de que a teoria do dano direto e imediato seria a acolhida por nosso

44 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das obrigações. Parte especial. Responsabil idade civil. 4 ed. São Paulo: Saraiva 2007. P. 84. 45

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P.50. 46 Ibidem, p. 84-85.

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ordenamento jurídico, tendo em vista o disposto no art. 403, CC. Ambos os autores

entendem que tal teoria seria o desejável meio termo, um amálgama das teorias

anteriores, e por isso mais razoável. (CRUZ, 2005; GONÇALVES, 2007)

Há de se destacar ainda o consagrado civilista Agostinho Alvim, um dos

grandes mentores da teoria do dano direto e imediato e defensor da ideia de que

nosso Código adotou a teoria do dano direto e imediato. Entende que o nexo causal

é rompido não só quando o credor ou o terceiro é autor da causa próxima do novo

dano, mas também quando a causa próxima é o fato natural. Desta forma, uma

causa só poderá ser considerada direta e imediata se, sem ela, o dano não

ocorrer.47

Todavia, em que pese ter respeitável adesão e inclusive jurisprudência

acolhendo a teoria do dano direto e imediato como a vigorante em nosso

ordenamento, tal posição ainda não é majoritária. José de Aguiar Dias, Caio Mário

da Silva Pereira, Fernando Noronha, Sérgio Cavalieri Filho, Roberto Senise Lisboa,

Paulo Nader e Rafael Peteffi da Silva, apenas para citar alguns, aliam-se à corrente

que entende que nosso Código Civil adotou a teoria da causalidade adequada.

Alegam não ser a teoria do dano direto e imediato a acolhida pelo nosso sistema, e

que a forte adesão a esta corrente doutrinária se deve a uma interpretação literal do

dispositivo legal:

Se houver situações em que se possa afirmar com segurança que o pensamento do legislador às vezes vai além da letra da lei (...) esta será seguramente uma delas. O defeito de linguagem, que o dispositivo evidencia, falando em “efeito direto e imediato” (art. 403), atraiçoa o espírito da lei.48

47 ALVIM, Agostinho, Da inexecução das obrigações e suas consequências. 5 ed. São Paulo:Saraiva, 1980. P. 367. 48 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. Fundamentos do direito das obrigações. Introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 594

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Os doutrinadores que rechaçam a interpretação literal do dispositivo legal

que suscita divergências quanto à teoria legitimamente agasalhada pelo nosso

ordenamento apresentam situações hipotéticas possíveis e que justificariam a

aplicação da teoria da causalidade adequada:

Se um profissional tem um veículo que é absolutamente necessário para o seu trabalho e se ele é danificado num acidente, o aluguel de outro veículo, que ele tiver de fazer para continuar trabalhando, não é efeito direto e imediato do acidente, mas ninguém duvidará da necessidade de ser incluído entre os danos (no caso, emergentes) suscetíveis de ressarcimento.49

Em que pese na acepção original, a expressão causalidade direta e imediata

excluísse a reparação “do chamado dano indireto ou remoto, resultando em potente

filtro de ressarcibilidade, tal abordagem gerava, em certos casos, enorme injustiça”.

(SCHREIBER, 2007)

Daí a brilhante conclusão de Rafael Peteffi da Silva, de que uma

interpretação literal do disposto no art. 403, CC ao mencionar expressamente “direto

e imediato” seria a negação de reparação de danos indiretos ou remotos, dentre os

quais os amplamente reconhecidos pela jurisprudência pátria, “danos por ricochete”,

cuja aplicação se extrai do disposto no art. 948, II, do Código Civil 2002.50

2.3.3.3 Considerações finais sobre o nexo causal

Os elementos estudados no presente capítulo – dano, conduta e nexo

causal – são tidos como essenciais à configuração da responsabilidade civil.

Entrementes, considerando-se a gama de possíveis prejuízos existentes atualmente

– como, por exemplo, filmagens realizadas com webcam e difundidas na internet em

tempo real e o modismo britânico happy slapping51 -, faz-se necessário, em alguns

49 Ibidem, p. 594-595. 50

SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 31 51 “happy slapping” – agressão filmada por câmeras instaladas em celulares e transmitidas a inúmeros usuários. SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil . São Paulo: Atlas, 2007.

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casos, uma flexibilização na aplicação dos pressupostos da responsabilidade civil a

fim de se proteger a vítima do dano injusto.

Nesta esteira, temos que a responsabilidade civil pela perda de uma chance

comporta uma forma especial responsabilidade que, em certos casos, necessitará

relativizar o nexo causal, mas que ainda assim carecerá da apreciação de certas

especificidades e requisitos, adiante explorados, a fim de que seja caracterizada.

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3. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

3.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Cediço que o dano – prejuízo, ofensa, diminuição de patrimônio ou,

simplesmente, “lesão a bem jurídico” (CAVALIERI FILHO, 2002) – deve ser

ressarcido pelo seu causador a fim de se restabelecer a harmonia e equilíbrio social,

indenizando-se a vítima do ilícito perpetrado. Nesta esteira, surge uma nova espécie

de dano ressarcível, explicado por Sérgio Savi:

A perda de uma chance séria e real é hoje considerada uma lesão a uma legítima expectativa suscetível de ser indenizada d a mesma forma que a lesão a outras espécies de bens ou qualquer outro direito subjetivo tutelado pelo ordenamento .52 (grifo nosso)

Todavia, a indenização à legítima expectativa frustrada foi por muito tempo

rechaçada por nossa doutrina e jurisprudência; isso com base no fato de que o que

não aconteceu, não pode ser objeto de certeza. Assim, ao se exigir da vítima a

prova cabal de que auferiria o benefício esperado ou não experimentaria certo

malefício se não fosse a interferência externa do “causador do prejuízo”, nossos

tribunais afastavam o cabimento de uma indenização.

Não há de se olvidar, entrementes, que conforme legado da tradição

romano-germânica, ferir a máxima neminem laedere acarreta no dever de se

oferecer uma resposta a quem sofreu um dano. Tal prerrogativa aliada ao fato de

que “não há como negar a existência de uma possibilidade de vitória, antes da

ocorrência do fato danoso” (SAVI, 2009), justifica e ampara a aplicabilidade da teoria

da responsabilidade civil por perda de chance.

52

SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 111

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Assim é que vem crescendo, especialmente em doutrina e jurisprudência

pátrias, a indenização pelo prejuízo advindo do simples fato de se interromper um

processo aleatório que poderia resultar em benefício ou ausência de prejuízo a

quem se socorre nesta forma de responsabilização para justificar o cabimento de

uma indenização.

Rafael Peteffi da Silva nos traz o século XIX como o marco do surgimento da

responsabilidade civil pela perda de uma chance, em 17 de julho de 1889, quando a

Corte de Cassação francesa imputou a um oficial ministerial o dever de indenizar

advindo de sua atuação culposa, extinguindo as possibilidades de êxito na

demanda.53

Todavia, foi a partir de julgados da década de 1960 que a teoria passou a

estar presente em julgados e ganhar maior destaque, havendo quem afirme ser

nesta época o nascedouro do instituto:

A teoria da perda de uma chance (perte d’une chance) guarda certa relação com o lucro cessante uma vez que a doutrina francesa, onde a teoria teve origem na década de 60 do século passado, dela se utiliza nos casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor.54

Eduardo Abreu Biondi, na mesma linha de Cavalieri, afirma que a

responsabilidade civil pela perda de uma chance surgiu na França em meados de

1965, a fim de se imputar responsabilidade a médico pela perda de chance de cura

de seu paciente. Foi quando a Corte de Cassação Francesa responsabilizou um

médico que teria proferido diagnóstico equivocado, retirando da vítima suas chances

de cura da doença que lhe acometia.55

53 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2009. P. 10. 54 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 74. 55 BIONDI, Eduardo Abreu. Teoria da perda de uma chance na responsabilidade c ivil . Disponível na internet: www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3988/Teoria-da-perda-de-uma-chance-na-responsabilidade-civil.

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Assim é que a teoria da perda de uma chance tomou impulso através da

perte d’une chance de survie ou guérison56, respaldando-se a indenização por erro

médico na “perda de uma chance de cura ou de sobrevivência”. E assim a França

tornou-se a responsável pela difusão desta nova espécie de dano reconhecido e

passível de indenização apesar da incerteza do resultado final.

E como o Direito acompanha as mudanças e avanços sociais, não havia

mais como ignorar e deixar sem resposta acontecimentos até então considerados

como fatalidades, acaso do destino ou Act of God57 (SAVI, 2009), deixando à vítima

o encargo de suportar os prejuízos resultantes de eventos que fugiam às suas

forças.

Ora, se a legislação nacional estabelece que aquele que provoca dano a

outrem fica obrigado de ressarci-lo (art. 186, c/c art. 927, CC), estando implícito nos

dispositivos atinentes à responsabilidade o princípio da reparação integral dos

danos, não há como ignorar que há um prejuízo quando se perde uma oportunidade

bastante razoável de se obter uma vantagem ou evitar um prejuízo.

E é justamente com base no princípio da reparação integral dos danos que,

ao dispor sobre o tema, alguns estudiosos sobre o tema58 respaldam a aplicabilidade

da teoria da perda de uma chance. Tais autores fundamentam sua tese nos artigos

186, 402, 927, 948 e 949 do Código Civil - que acolhem a possibilidade de

reparação de qualquer dano injusto causado à vítima -, bem como na cláusula geral

de responsabilidade estampada no art. 5°, V da Cons tituição Federal.

Sérgio Savi e Maria Helena Bodin de Moraes ainda baseiam-se no princípio

da dignidade da pessoa humana como escopo da reparação de todos os prejuízos

56 ROSÁRIO, Grácia Cristina Moreira do. A perda da chance de cura na responsabilidade civil médica. Rio de Janeiro: Lumen Juris 2009. P. 8 57 Sérgio Savi explica, citando Josserand, que os acidentes de causa desconhecida eram atribuídos a uma divindade, configurando um damnum fatale, coisas de Deus - Act of God, do destino ou dos inimigos do rei, devendo-se deixar as coisas em paz. 58 Neste sentido: Sérgio Savi, Rosamaria Lopes, Eduardo Biondi e Raimundo Melo.

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injustamente causados ao indivíduo, que, via de consequência, acaba por servir de

respaldo à imputação de responsabilidade ao agente que impede que o indivíduo

realize uma expectativa legítima ou não experimente certo prejuízo. E termina Sérgio

Savi, ao comentar o Princípio da reparação integral dos danos: “o mais importante

princípio da responsabilidade civil ressurge mais forte, mais eficaz, principalmente

pelo fato de encontrar sua nova sede na Constituição Federal.” (SAVI, 2009)

E é nesta esteira que se fundam alguns julgados pátrios que admitem a

aplicabilidade da responsabilização pela chance pedida com base na reparação de

qualquer dano injusto causado à vítima, com respaldo nos artigos 186, 402, 927, 948

e 949 do Código Civil.

Convém destacar que, numa acepção jurídica, chance significa

“probabilidade de obter um lucro ou de evitar uma perda” (SAVI, 2009); “é a

probabilidade real de alguém obter um lucro ou evitar um prejuízo.” (BIONDI, 2008).

Nesta seara é que se admite que a chance passa a integrar o patrimônio do

indivíduo, cuja perda acarreta num dano passível de indenização. Daí que o que se

busca indenizar com a aplicação desta teoria não é a vantagem não auferida, mas

sim a chance perdida de obtê-la .

Tal premissa resta muito clara aos defensores da responsabilidade civil pela

perda de uma chance: “não se concede a indenização pela vantagem perdida, mas

sim pela perda da possibilidade de conseguir esta vantagem”. (SAVI, 2009)

A título de ilustração sobre as chances perdidas,

Imaginons un étudiant victime d’un accident de la circulation qui l’empêche de présenter ses examens. Pourra t’il encore poursuivre l’indemnisation d’une année d’étude perdue, dès lors qu’il ne pourra jamais prouver avec certitude qu’il aurait réussi ses examens? Vu cette incertitude, il faut bien

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reconnaître que son dommage relève davantage de la perte d’une chance de réussir plus que de la perte d’une année d’étude.59

Rafael Peteffi da Silva, ao discorrer sobre a responsabilidade civil pela perda

de uma chance, também menciona alguns exemplos de prejuízos experimentados

pela oportunidade perdida: o do cavalo de corrida que é impedido de correr, o da

gestante que, acometida de embolia, morre no parto por negligência do médico, e da

atitude culposa do advogado que perde o prazo de apresentar um recurso,

impedindo que seu cliente tenha a matéria reexaminada pelas instâncias superiores.

E prossegue em suas análises:

... será sempre possível observar, em casos de responsabilidade pela chance perdida, uma ‘aposta’ perdida por parte da vítima. Tal aposta é uma possibilidade de ganho; é a vantagem que a vítima esperava auferir, como a procedência da demanda judicial, a obtenção do primeiro prêmio da corrida de cavalos, ou a sobrevivência no caso do parto.60

Destarte, o que se perde é a própria “aposta”, a possibilidade de ganho, e

sobre ela gravitarão as possibilidades de indenização.

Neste diapasão, há de se ter em mente que

A chance representa uma expectativa necessariamente hipotética, materializada naquilo que se pode chamar de ganho final ou dano final, conforme o sucesso do processo aleatório. Entretanto, quando esse processo aleatório é paralisado por um ato imputável, a vítima experimentará a perda de uma probabilidade de um evento favorável. Esta probabilidade pode ser estatisticamente calculada, a ponto de lhe ser conferido um caráter de certeza.61

59

Imagine um aluno vítima de um acidente de trânsito que o impede de apresentar os seus exames. Pode ainda pedir compensação por um ano perdido de estudo, uma vez que nunca poderá provar com certeza que ele passaria nos exames? Dada esta incerteza, temos de reconhecer que sua lesão é mais uma oportunidade perdida para conseguir do que a perda de um ano de estudo. (tradução livre) CARNOY, Gille. La perte d’une chance est-elle encore indemnisable? Disponível na internet: http://www.businessandlaw.be/article693.html

60 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 12

61 Ibidem, p. 13

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Todavia, a chance indenizável há de preencher certos requisitos. Nossa

doutrina e jurisprudência rechaçam a indenização de danos hipotéticos, incertos:

Com isso se estabelece que o dano hipotético não justifica a reparação. Por isso que não há que distinguir, para efeito de responsabilidade, entre dano atual e dano futuro. Todos os autores concordam em que a distinção a fazer, nesse sentido, é tão-somente se o dano é ou não certo.62

Nesta esteira, conforme ensinamento de Sílvio de Salvo Venosa,

como anota a doutrina com insistência, o dano deve ser real, atual e certo. Não se indeniza, como regra, por dano hipotético ou incerto. A afirmação deve ser vista hoje cum granum salis, pois, ao se deferir uma indenização por perda de chance, o que se analisa, basicamente, é a potencialidade de uma perda, o prognóstico do dano certo...63

Assim, não é a interrupção de qualquer processo aleatório que justificará a

imposição de indenização. A chance há de ser séria e real, como bem pontua Sérgio

Savi, seguido pelos demais estudiosos do tema. E prossegue afirmando que “Na

maioria dos casos, a chance somente será considerada séria e real quando a

probabilidade de obtenção da vantagem esperada for superior a 50% (cinquenta por

cento).” (SAVI, 2009) Ou ainda, conforme ensinamento de Rafael Peteffi da Silva,

“para que a demanda do réu seja digna de procedência, a chance por este perdida

deve representar muito mais do que uma simples esperança subjetiva.” (SILVA,

2009)

Outro ponto salientado pelos doutrinadores Savi e Silva é que o que se

indeniza, conforme apontado acima, é a chance perdida, e não a vantagem

frustrada. Assim, “a reparação da chance perdida sempre deverá ser inferior ao valor

da vantagem esperada e definitivamente perdida pela vítima.” (SILVA, 2009)

62 STOCO, Rui. . Responsabilidade Civil – Interpretação jurisprudenc ial . 2 ed. revista e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. P. 439. 63 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Responsabilidade civil. Vol. 4. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005. P. 271

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Desta feita, além de ter de haver uma chance perdida, uma interrupção de

um processo aleatório que poderia resultar em benefício ou impedir um prejuízo, as

chances em questão hão de ser sérias e reais, mas o resultado da indenização não

poderá coincidir com a vantagem esperada caso o curso normal dos acontecimentos

se processasse.

Há ainda alguns estudiosos que trazem os tradicionais elementos da

responsabilidade civil, adaptados a esta nova forma de imputação de

responsabilidade, afirmando que

para subsistir o dever de indenizar devem estar presentes os seguintes requisitos: uma conduta (ação ou omissão); um dano, caracterizado pela perda da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo (e não pela vantagem perdida, em si, porque é hipotética); e um nexo de causalidade entre os primeiros.64

Todavia, prevalece a noção de que, por se tratar de uma teoria nova, a

responsabilidade civil pela perda de uma chance possui requisitos sui generis

presentes apenas no vislumbre das chances perdidas:

evidente perda da chance de obter a vantagem ou de evitar o prejuízo; a existência da expectativa séria e real da obtenção de um resultado útil; e a observação do critério de probabilidade no sentido de que uma vez inexistente a conduta do agente, a vítima conseguiria conquistar a vantagem esperada.65

O que resta inconteste é que a vítima da perda de uma chance não poderá

requerer em juízo uma indenização equivalente ao benefício esperado se a

oportunidade não fosse perdida por interferência do agente causador do dano. Isso

porque tal benefício encontra-se no campo da incerteza, restando à vítima

64 BIONDI, Eduardo Abreu. Teoria da perda de uma chance na responsabilidade c ivil . Disponível na internet: www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3988/Teoria-da-perda-de-uma-chance-na-responsabilidade-civil 65 LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance

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requerer indenização pela expectativa séria e real que fora frustrada – e sobre

tais premissas é que gravitarão as possibilidades de indenização.

Finalmente, após tecer breves comentários sobre a responsabilidade civil pela

perda de uma chance, convém destacar que “mesmo não havendo um dano certo e

determinado, existe um prejuízo para a vítima, decorrente da legítima expectativa

que ela possuía em angariar um benefício ou evitar um prejuízo.” (BIONDI, 2008)

E essa legítima expectativa frustrada, ou chance, ou ainda oportunidade é

que gera grandes debates doutrinários e jurisprudenciais, posto que ainda há muitos

pontos controvertidos e não pacificados sobre o instituto.

3.2 ASPECTOS RELEVANTES DO INSTITUTO

Analisando as chances perdidas como um prejuízo advindo da oportunidade

malograda, Sérgio Savi preleciona que se a indenização do dano pela frustração de

possível vitória é inadmissível ante a incerteza de tal fato, inconteste é que há uma

possibilidade de vitória antes da ocorrência do evento danoso.66

Tal evento danoso, que independe do resultado final, consiste na perda da

oportunidade de se obter uma vantagem ou evitar um prejuízo67, sendo que a

privação da chance será passível de indenização quando considerada um dano

injusto.68

E é nesta seara de prejuízo indenizável que grande parte da doutrina trata a

perda de uma chance - uma forma de lesão específica: “La perte d'une chance de

66SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 67

SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 4 68

Ibidem, p. 109

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bénéficier d'un élément favorable ou d'éviter un événement défavorable constitue un

préjudice spécifique appelé perte de chance.”69

A contemplação da perda de uma chance através da modalidade de prejuízo

específico ou dano autônomo é a mais mencionada pelos doutrinadores que se

aventuram neste tema ainda incipiente no direito pátrio70. Talvez porque as

considerações existentes sobre o tema em nossa doutrina sejam breves

comentários sobre o instituto, mormente em forma de artigos ou mais um capítulo de

um livro com breves comentários.

Os dois estudiosos nacionais que desenvolveram obras específicas acerca

da responsabilidade civil pela perda de uma chance, Rafael Peteffi da Silva e Sérgio

Savi vislumbram que há duas modalidades de responsabilidade civil pela perda de

uma chance: “A primeira utilizando um tipo de dano autônomo, representado pelas

chances perdidas, e a segunda embasada na causalidade parcial que a conduta do

réu representa em relação ao dano final” (SAVI, 2009) Todavia, Savi esclarece em

sua obra que se dedicará ao estudo tão somente da primeira modalidade – a da

perda de uma chance como dano autônomo.

Rafael Peteffi da Silva acompanha o entendimento de que há hipóteses de

aplicação da teoria da perda de uma chance alicerçadas numa noção de dano

autônomo e outras de causalidade parcial do dano final. Nesta esteira,

(...) para se reconhecer a autonomia pretendida pela perda das chances é necessário que o ato danoso do ofensor retire de vez todas as chances que possuía a vítima, ou seja, interrompa o processo aleatório antes de chegar ao seu fim. De fato, se o processo aleatório seguir seu curso normal até o final, a conduta do réu somente poderá ser vislumbrada como uma possível causa concorrente para a causação do dano final.71

69 “A perda de uma oportunidade de desfrutar de um elemento favorável ou evitar um evento adverso é uma lesão específica denominada perda de chance.” Le cas particulier de la perte de chance . Disponível no site: http://www.contrexpert.com/pertedechancepe.htm 70 Neste sentido: Sérgio Savi, Regina Tavares da Silva e Raimundo Simão de Melo, dentre outros. 71 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 105

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Tal concepção de causalidade parcial, segundo o autor, tem sido

amplamente utilizada, posto, a seu ver, ser um “equívoco (...) se considerar todas as

espécies de responsabilidade pela perda de uma chance como hipóteses de dano

autônomo.” (SILVA, 2009)

Seguindo tais preceitos, vislumbra-se que em certos casos haverá de se

verificar a eficácia de cada causa para o evento final – o dano. A chance perdida,

neste diapasão, seria apenas uma das causas para a ocorrência do dano final. E é

assim que

(...) nos casos de perda de uma chance, a falha do agente, ou a falha médica ou do advogado, não constitui uma conditio sine qua non para o aparecimento do dano. A vantagem esperada pela vítima pode ser totalmente perdida, exclusivamente devido a outras causas, como o desenvolvimento da doença ou a jurisprudência vacilante em determinada matéria.72

Considerando elementos possíveis e fatores prováveis, e não uma única

causa que efetive o dano, é que esta corrente doutrinária propõe o que Rafael

Peteffi da Silva chama de flexibilização do ônus da prova da conditio sine qua non.73

Isso porque a teoria da perda de chance respaldada na causalidade parcial

tem estreita relação com a causalidade alternativa (presunções causais), sendo que

a ação do agente responsável pela interrupção da álea não configura uma condição

essencial, indispensável, sem a qual o dano não se verificará.74

A título de ilustração, pode ser citado o exemplo do advogado que não

interpõe um recurso tempestivamente, impedindo que a causa seja reavaliada em

instâncias superiores. Ora, a não interposição do recurso pelo causídico não é

condição elementar para a sucumbência de seu cliente; não há nesta hipótese uma

72 Ibidem, p. 56 73 Ibidem, p. 56 e 79 74 Ibidem, p. 48.

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causa única (conditio sine qua non) para o insucesso da demanda. Todavia, não há

como negar que uma possibilidade de reforma na sentença foi perdida pela desídia

do advogado, configurando a perda de uma chance respaldada numa causalidade

parcial.

Fernando Noronha, por uma vez, não trabalha os conceitos de causalidade

parcial e dano autônomo. Simplesmente considera a perda de uma chance dividida

em duas categorias assim definidas: como um dano presente, que consiste na

frustração da chance de evitar um dano efetivamente acontecido, e o dano pela

frustração da chance de obter uma vantagem futura.75

Em ambos os casos havia uma hipótese de auferir benefício ou evitar

prejuízo que foi frustrada pela intervenção de um agente externo. A ação deste

agente ora contribui para a ocorrência do dano efetivamente experimentado – que

nos remete à causalidade parcial de Rafael Peteffi da Silva, ora frustra uma legítima

expectativa de angariar um benefício – a modalidade clássica de dano autônomo

para Silva e Savi.

Sérgio Savi entende que a causalidade parcial normalmente se vislumbra na

responsabilidade civil por perda de uma chance de cura ou de sobrevivência76,

sendo mais comum as hipóteses de perda de uma chance na modalidade de “um

dano independente do resultado final, consistente na perda da oportunidade de obter

uma vantagem ou de evitar um prejuízo.” (SAVI, 2009)

Nesta seara, considerando a chance perdida como um dano específico, o

autor prossegue que “desde os clássicos até os contemporâneos, a grande maioria

admite que, se se tratar de chance (oportunidade) séria e real, a mesma passa a ter

valor econômico e, portanto, a ser passível de indenização.” (SAVI, 2009).

75 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. Fundamentos do direito das obrigações. Introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 664. 76 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 5

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Neste diapasão, não caberá à vítima requerer uma compensação

equivalente ao benefício esperado, mas sim uma indenização pela própria

oportunidade perdida:

Na Perda de uma Chance o autor do dano é responsabilizado não por ter causado um prejuízo direto e imediato à vítima; a sua responsabilidade decorre do fato de ter privado alguém da obtenção da oportunidade de chance de um resultado útil ou somente de ter privado esta pessoa de evitar um prejuízo. Assim, vislumbramos que o fato em si não ocorreu, por ter sido interrompido pela ação ou omissão do agente. Então, o que se quer indenizar aqui não é a perda da vantagem esperada, mas sim a perda da chance de obter a vantagem ou de evitar o prejuízo.77 (...) os argumentos contrários a responsabilidade civil pela perda de uma chance, surgem a partir de uma noção equivocada do instituto, pois ele não objetiva a integral restituição dos danos, mas sim, a reparação pela real oportunidade perdida78

E de fato, este tem sido o entendimento dos defensores da aplicação da

teoria da perda de uma chance: “que não se busca o ressarcimento pela vantagem

perdida, mas sim pela perda da oportunidade de conquistar aquela vantagem ou

evitar um prejuízo, totalmente desvinculada do resultado final.” (BIONDI, 2008)

Outro não é o posicionamento da doutrina francesa:

Mais, si la chance perdue apparaissant sérieuse, cette perte constitue un préjudice, qui doit être réparé. Mais la réparation ne peut être que partielle, la victime ne peut obtenir la totalité de l’avantage espéré, car la chance perdue n’était pas certaine de se réaliser. La réparation sera proportionnelle selon la probabilité de l’avantage espéré.79

77 LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance

78 PIGNATA, Carlos Alberto. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. Disponível na internet: - http://www.arcos.org.br/artigos/responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance/

79 “Mas, se a possibilidade perdida aparece séria, es ta perda constitui um prejuízo, que deve ser repara do. Mas a reparação pode ser apenas parcial, a vítima não pod e obter a totalidade da vantagem esperada, porque a possibilidade perdida não era certa realizar-se. A reparação será proporcional de acordo com a probabilidade da vant agem esperada.” Perte de chance (fr) Un article de Jurispedia, le droit partagé. Disponível na internet : http://fr.jurispedia.org/index.php/Perte_de_chance_(fr)

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Nesta esteira, “Perda de uma chance é, portanto, uma expectativa quase

certa do que se poderia ganhar, não devendo o juiz analisar o mérito da causa, mas

sim, a perda da oportunidade que a pessoa sofreu”80, posto que “uma coisa é a

perda da vantagem esperada; outra é a perda da chance de obter a vantagem ou de

evitar um prejuízo. É esta última hipótese que pode justificar o pedido de

indenização.”81

Todavia, em que pese a força das argumentações favoráveis acerca da

responsabilidade pela perda de uma chance, há de se mencionar a posição de Rui

Stoco, que, diferente da tendência atual de se considerar a expectativa frustrada

como um dano, mostra-se contrário ao instituto: “A teoria que se convencionou

chamar de “perda de uma chance” teve origem na França, em 1965, mas não tem

encontrado muitos adeptos”. (STOCO, 2007)

Para o doutrinador, a teoria da perda de uma chance apresenta muitas

dificuldades, como a de se avaliar o dano advindo da chance perdida, bem como se

respalda numa avaliação estatística de probabilidade a fim de se estimar o dano – o

que, segundo sua ótica, seria inaceitável.

Prossegue analisando a perda de uma chance de vencer a demanda por

negligência do advogado. Neste aspecto, diz que não há como se perscrutar o

íntimo do magistrado para saber qual seria sua decisão, caso a ação fosse a termo,

bem como se mostra desarrazoado pleitear uma indenização - seria presumir que a

ação, caso fosse julgada, levaria à vitória. Enfim, considera que as chances perdidas

tratam-se de danos hipotéticos não demonstrados e sem concreção. E finaliza:

80 Revista Âmbito Jurídico. Disponível no site: http://www.ambito-juridico.com.br/pdfsGerados/artigos/6086.pdf

81 MELO, Raimundo Simão. Indenização pela perda de uma chance. Disponível no site: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.as p?id=1785

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Por fim, a maior heresia será admitir que o profissional, em uma obrigação contratual de meios, seja responsabilizado pelo resultado. Seria, data venia, a suma contraditio.82

Pelas altercações do mencionado jurista, percebe-se que a compreensão da

teoria da perda de uma chance está fundada no entendimento de que o instituto tem

natureza jurídica de lucros cessantes. Todavia, como insistentemente apregoado por

Savi e Peteffi da Silva, o que busca se indenizar não é a vantagem não

experimentada, mas sim a frustração da expectativa, que deverá estar fundada em

chances sérias e reais de êxito, das quais se fará um cálculo de probabilidades até

se chegar ao valor indenizatório.

Entrementes, há de se registrar que a aplicação da teoria da

responsabilidade civil pela perda de uma chance enquanto ensejadora do dever de

indenizar ainda é de pouca aplicabilidade na jurisprudência pátria, posto encontrar

óbices alhures mencionados e bem destacados por Rui Stoco, como a dificuldade de

ser caracterizada, o equívoco em se pleitear judicialmente a própria vantagem não

auferida, e ainda a existência de um ponto bastante controvertido – a forma de

indenização.

3.3 DA FORMA DE INDENIZAÇÃO

Conforme visto ao longo do presente estudo, a chance de se alcançar um

resultado útil há de ser séria e real, não cabendo indenização a danos meramente

hipotéticos.83 Assim, “Não se admitem as expectativas incertas ou pouco prováveis,

que são repudiadas pelo nosso direito.” (BIONDI, 2008)

82 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. Doutrina e jurisprudência. 7 ed. São Paulo: RT, 2007. P. 512. 83 LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance . Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance

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Todavia, ainda que se vislumbrem os requisitos necessários à configuração

da perda de uma chance, há de se ter em mente que “a chance de vitória terá

sempre valor menor que a vitória futura, o que refletirá no montante da indenização.”

(SAVI, 2009)

Tal premissa encontra-se relativamente pacificada, posto os estudiosos do

assunto mencionarem que um erro comumente perpetrado em demandas desta

natureza é o pleito de ressarcimento da própria vitória almejada.84

Superadas tais questões, ainda há divergências acerca das probabilidades.

Enquanto Sérgio Savi afirma que “a chance perdida somente será indenizável nos

casos em que se produza a prova de que a possibilidade de conseguir a vantagem

esperada era superior a 50%”, Rafael Peteffi da Silva afirma que “um dos perigos de

se admitir esse tipo de aplicação seria a admissão de uma causalidade parcial.”

(SILVA, 2009)

Partindo-se da premissa de que se está diante de fato cuja prova de que

lograria êxito em suas perspectivas não fosse a atuação do agente é de difícil

configuração,

(...) a aplicação da indenização deve-se utilizar de um critério de probabilidade ao estabelecer o valor devido à vítima, fazendo uma avaliação do grau da álea da chance de alcançar o r esultado no momento em que ocorreu o fato , pois esta chance possui um valor pecuniário, e isso não pode ser negado, mesmo sendo de difícil quantificação, portanto é o valor econômico desta chance que deverá ser indenizado.85 (grifo nosso)

E é sobre a álea que o mestre Sílvio de Salvo Venosa preleciona que

É preciso prever, nesse campo, o curso normal dos acontecimentos. Por esse prisma, a hipóteses devem ficar sempre nos limites do razoável e no

84 Neste sentido: SAVI, SILVA, VENOSA, PIGNATA, BIONDI e LOPES. 85 LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance . Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance

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que pode ser materialmente demonstrado. Os danos futuros devem ser razoavelmente avaliados quando conseqüência de um dano presente.86

Entrementes, ainda que se considere, como ensina Savi, que a expectativa

legítima integra o patrimônio do indivíduo, configurando um bem patrimonial e

economicamente valorável87, outro “problema ligado à responsabilidade civil pela

perda de uma chance se refere ao quantum debeatur, por ser de difícil aferição a

condenação do valor a ser pago a título de indenização.” (LOPES, 2007)

Para solucionar tal impasse, Rafael Peteffi da Silva sugere que, quando o

processo aleatório chegou ao final, com a perda definitiva da vantagem esperada,

caberia uma fórmula geral de quantificação assim representada:

X – Y 1 – Y

X= chance de se evitar o dano final;

Y= chance diminuída após a conduta do réu

Destarte, “a verdadeira chance perdida é igual a “X” menos “Y”, dividido por

1 menos “Y” (SILVA, 2009).

Já Sílvio Savi propõe outra fórmula para se chegar ao quantum debeatur: “o

juiz, para encontrar o valor da indenização, deverá partir do dano final e fazer incidir

sobre este o percentual de probabilidade de obtenção da vantagem esperada.”

(SAVI, 2009) Assim,

VI = VRF x Y

VI = valor da indenização da chance perdida;

VRF = valor do resultado final;

Y = percentual de probabilidade de obtenção do resultado final.

86 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Responsabilidade civil. Vol. 4. 5 ed. São Paulo: Atlas, 205. P. 271/272. 87 SAVI, Sílvio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo:Atlas, 2009. P. 31

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Tais fórmulas servem de subsídio ao jurista na fixação do quantum devido a

título de indenização, haja vista nosso ordenamento não contemplar as chances

perdidas especificamente como forma de responsabilidade civil. Contudo,

o jurista, se valendo do critério da analogia pode adaptar a legislação vigente ao caso concreto desde que respeitadas a proporcionalidade e a adequação. Isso porque, a vítima tem direito a ver o seu prejuízo reparado por aquele que lhe deu causa.88

Assim é que, havendo a previsão de reparação integral de danos pelo nosso

ordenamento jurídico, os defensores desta nova forma de imputação de

responsabilidade ao sujeito que interrompe um processo aleatório que poderia ser

benéfico à vítima ou lhe tira as chances de um provável benefício defendem que o

dano advindo dessa oportunidade perdida não pode ficar sem resposta.

Portanto, o juiz, ao analisar as chances perdidas e sua possível indenização,

deverá lançar mão das probabilidades, eficaz até mesmo na eliminação dos

elementos aleatórios do prejuízo, posto partir de dados científicos:89

A jurisprudência que aceita a perda de uma chance apenas apresenta o problema da certeza de forma mais clara, pois tenta resolvê-lo com base em dados científicos, negado-se a indenizar os elementos aleatórios do prejuízo, os quais são eliminados por meio de um cálculo de probabilidades. 90

Lançando mão das probabilidades o juiz chegará ao arbitramento do valor

devido a título de indenização. “Para isso, levará em conta, com base nos fatos

provados nos autos e na sua convicção, as possibilidades reais de atingimento, pelo

autor da ação, do resultado esperado.”91

88 LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance . Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance 89 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 60. 90 Ibidem, p 60 91 MELO, Raimundo Simão. Indenização pela perda de uma chance. Disponível no site: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.as p?id=1785

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Destarte, "A quantificação do dano deverá ser feita por arbitramento, de

forma equitativa pelo juiz, que deverá partir do dano final e fazer incidir sobre este o

percentual de probabilidade de obtenção da vantagem esperada."92

Assim é que as meras expectativas ficam fora da contemplação de

indenização por chance perdidas. Estas, desde que sérias e reais, conforme

amplamente demonstrado pela doutrina, serão quantificadas ao livre arbítrio do

julgador, que analisando as efetivas chances de sucesso, chegará ao quantum

debeatur.

Todavia, como bem lembra o mestre Venosa, “O bom-senso deve reger as

decisões, sob pena de gerar enriquecimento ilícito, o que é vedado pelo

ordenamento jurídico pátrio.” (VENOSA, 2005)

3.4. DA NATUREZA JURÍDICA DA PERDA DE UMA CHANCE

Segundo José Carlos Moreira Alves, definir a natureza jurídica de um

instituto consiste em estabelecer seu enquadramento dentro de uma das categorias

dogmáticas admitidas no sistema jurídico.93 Tratando especificamente da natureza

jurídica da perda de uma chance, Rafael Peteffi da Silva a define como “a correta

inserção das chances perdidas dentro de uma das categorias dogmáticas do

ordenamento jurídico”.94

Grandes debates ainda persistem com relação à natureza jurídica da perda

de uma chance. As categorias mais pontuadas pelos doutrinadores residem na

classificação das chances perdidas como espécie de dano moral, de lucros

cessantes ou danos emergentes, havendo ainda quem defenda uma natureza

jurídica atípica própria do instituto.

92 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance . 2 ed. São Paulo:Atlas, 2009. P. 113 93 ALVES, José Carlos Moreira. Da alienação fiduciária em garantia. São Paulo: Saraiva, 1973. 94 SILVA, Rafael Peteffi. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 155

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Os pioneiros no Brasil a tratar da natureza jurídica da perda de uma chance

a vislumbravam como espécie de lucro cessante. Relembrando o conceito de lucros

cessantes, nas palavras do aclamado mestre Caio Mário da Silva Pereira,

“corresponde a tudo aquilo que a vítima deixou “razoavelmente” de ganhar em

virtude da inexecução da obrigação, consoante a própria locução do art. 402 do

texto codificado.” (PEREIRA, 2009)

Trazendo tal conceito à responsabilidade civil, os lucros cessantes

corresponderiam ao valor que a vítima deixou de auferir com a interferência externa

do causador do dano. Assim é que Paulo Nader entende que “A perda de chance,

quando concreta, real, enquadra-se na categoria de lucros cessantes, ou seja,

danos sofridos pelo que se deixou de ganhar ou pelo que não se evitou perder.”

(NADER, 2009)

Segundo Sérgio Savi, Sérgio Novais Dias também não reconhece o valor

das chances perdidas em si só consideradas, tratando-as como espécie de lucros

cessantes. Para aquele autor, o erro em se considerar as chances perdidas como

forma de lucro cessante é a exigência – ainda que relativa – de que, não fosse a

interferência do agente, a vítima experimentaria um resultado favorável.95

Sendo os lucros cessantes, segundo o douto Procurador Regional do

Trabalho, Raimundo Simão de Melo, a perda do lucro esperável, estaria inserido na

quase certeza, bastando ser quantificado, o que não ocorre com a expectativa

frustrada: “A dificuldade na quantificação do lucro cessante existe, mas é bem menor

do que na situação de perda de uma chance, diante da incerteza de obtenção do

resultado esperado.”96

95 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 44 96MELO, Raimundo Simão. Indenização pela perda de uma chance. Disponível no site: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.as p?id=1785

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Na concepção de Melo, a responsabilidade civil pela perda de uma chance

"se trata de uma terceira espécie intermediária de dano, entre o dano emergente e o

lucro cessante."97 Seria, desta feita, uma “terceira e sui generis espécie”. (MELO,

2007)

Sílvio de Salvo Venosa segue o mesmo raciocínio, entendendo ser a perda

de chance uma terceira modalidade de dano, a meio caminho entre o dano

emergente e o lucro cessante. (VENOSA, 2005)

Rafael Peteffi da Silva, por sua vez, diferencia a aplicação clássica da perda

de uma chance, que significa o reconhecimento de um dano específico, da perda de

uma chance no instituto da causalidade parcial – e aí não revestido de caráter

danoso próprio, mas como mais uma causa que concorreu para o dano final.98

Ao discorrer sobre a perda de uma chance na modalidade de dano

específico, o autor corrobora o entendimento de que a chance pode ser considerada

uma propriedade incluída no patrimônio da vítima, que por fato do ofensor que retira

a álea da vantagem, caracterizaria as chances como um dano específico distinto do

dano final.99

Sérgio Savi, que conforme esclarecimento na introdução de sua obra optou

discorrer apenas sobre a “teoria clássica” do instituto - modalidade de dano

autônomo das chances perdidas -, entende que a legítima expectativa integra o

patrimônio da vítima. Destarte, a frustração causada pelo agente caracterizaria um

dano emergente: “o dano decorrente da perda da chance deve ser considerado, em

nosso ordenamento, um dano emergente e não lucro cessante.” (SAVI, 2009)

Neste mesmo sentido, Rosamaria Lopes:

97 Ibidem 98 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 88 99 Ibidem, p. 88

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Na perda de uma chance o dano é tido como dano emer gente e não como lucros cessantes , isso quer dizer que no momento do ato ilícito essa chance já se fazia presente no patrimônio do sujeito passivo desta relação jurídica, sendo algo que ela efetivamente perdeu no momento do ilícito e não algo que ela deixou de lucrar.100 (grifo nosso)

De fato, ao se considerar a chance perdida como uma espécie de lucro

cessante, fica difícil a configuração do dever de indenizar, haja vista a necessidade

da certeza, o que não se vislumbra nas expectativas frustradas. Entrementes, este

ainda é o posicionamento de alguns tribunais, que rechaçam a possibilidade de

indenizar o que poderia ser considerado um “dano hipotético”.

Por outro lado,

Ao se inserir a perda da chance no conceito de dano emergente, elimina-se o problema da certeza do dano, tendo em vista que, ao contrário de se pretender indenizar o prejuízo decorrente da perda do resultado útil esperado (a vitória na ação judicial, por exemplo), indeniza-se a perda de obter o resultado útil esperado (a possibilidade de ver o recurso examinado por outro órgão de jurisdição capaz de reformar a decisão prejudicial).101 (grifo nosso)

E é nesse mesmo sentido que os demais estudiosos do tema se

manifestam, enfatizando o fato de que a chance perdida – e não a vantagem

esperada e por isso hipotética – é que será indenizada, posto ser um dano

autônomo aquele que se refere à oportunidade perdida.

Neste sentido, não poderá ser confundido com lucros cessantes, pois

no lucro cessante, se perde a vantagem e os benefícios materiais, enquanto que na perda de uma chance o que ocorre é a perda de uma oportunidade, uma frustração em se obter alguma vantagem ou benefício, que pode ser tanto material ou não.102

100 LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance . Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance 101 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P.112 102

Revista Âmbito Jurídico. Disponível no site: http://www.ambito-juridico.com.br/pdfsGerados/artigos/6086.pdf

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Por fim, há de se ressaltar a existência de outra posição referente à natureza

jurídica da perda de uma chance: daqueles que defenderiam ser esta uma

subespécie de dano moral.

Roberto Senise Lisboa nos traz uma sucinta e clara definição de dano moral:

“Dano moral, em sentido lato ou amplo, também conhecido por dano

extrapatrimonial, é o prejuízo causado a algum direito personalíssimo da vítima.”

(LISBOA, 2008)

Destarte, para que as chances perdidas possam configurar um dano moral,

há de existir uma “lesão a um bem integrante da personalidade” (CAVALIERI, 2002),

porém, como bem explica Rafael Peteffi da Silva, nossa jurisprudência, por diversas

vezes impõe uma reparação a título de danos morais como “um subterfúgio para

escapar das grandes dificuldades técnicas que a quantificação do dano patrimonial

poderia acarretar.” (SILVA, 2009)

A título de ilustração, o autor menciona uma demanda julgada pelo Tribunal

de Justiça do Rio de Janeiro, que consistia num pedido de indenização por pessoa

jurídica contra seu antigo procurador, que perdera prazo para recorrer de sentença

em reclamatória trabalhista103. O relator afirmou estar caracterizado o dano moral

advindo do próprio fato, todavia, como bem lembra Rafael Peteffi da Silva, à pessoa

jurídica só ocorre lesão na honra objetiva. Destarte, a perda do prazo para

interposição de recurso, “não causa máculas na reputação que uma pessoa jurídica

goza em relação a terceiros”, além de que, por se tratar de relação contratual,

dificilmente de seu inadimplemento emerge um dano moral. (SILVA, 2009)

Sérgio Savi vai mais longe, trazendo algumas decisões que, julgando

procedente o pleito de responsabilidade civil pela perda de uma chance, condenam

103 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação cível n° 2003.001.19138. Apelante: Se bastião Carneiro da Silva. Apelado: Rápido Monteiro Ltda. Relator: Des. Ferdinaldo Nascimento, julgado em 07 de outubro de 2003.

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a outra parte em indenização por danos morais . Como se as expectativas

frustradas nada mais fossem que um agregador ao dano extrapatrimonial,

inverificáveis danos patrimoniais advindos da legítima chance perdida. (SAVI, 2009)

O que nossos doutrinadores não afastam é a possibilidade de que a legítima

expectativa, séria e real de se obter uma vantagem ou evitar um prejuízo, pode

acarretar em danos de ambas as naturezas – patrimonial e extrapatrimonial. O que

não se admite é configuração das chances perdidas inserida na natureza jurídica de

dano moral, como se fosse uma subespécie de lesão a direitos personalíssimos.

Grandes debates ainda persistem com relação à natureza jurídica da perda

de uma chance. Por outro lado, o que parece pacificado dentre os estudiosos do

tema é que a oportunidade perdida, desde que séria e real, merece ser indenizada,

até porque nosso sistema busca a reparação integral dos prejuízos.

Neste sentido é que

seja como dano emergente, lucro cessante ou até mesmo dano moral –, torna-se possibilitada a interpretação de que, havendo uma oportunidade perdida, desde que séria e real, ela integrará o patrimônio da vítima, possuindo valor econômico, e, assim, podendo ser indenizada.104

Portanto, ao se considerar as efetivas modificações da responsabilidade

civil, que, fundando-se num paradigma socialista alicerçado no princípio da

dignidade humana, passou a não mais considerar como seu principal desiderato a

condenação de um agente culpado, mas a reparação da vítima prejudicada, é que

se prevê que o que se busca é uma abrangente forma de reparação às vítimas de

ilícitos. 105

104 BIONDI, Eduardo Abreu. Teoria da perda de uma chance na responsabilidade c ivil . Disponível na internet: www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3988/Teoria-da-perda-de-uma-chance-na-responsabilidade-civil 105

LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance . Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance

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3.5 DA FLEXIBILIZAÇÃO DO NEXO CAUSAL

Conforme visto alhures, o dever de reparar depende “da relação de causa e

efeito entre a conduta e o resultado”. (CAVALIERI FILHO, 2009) Contudo, ainda que

a definição de nexo causal pareça simples, na sua aferição inúmeras dificuldades

práticas são constatadas106 - daí as teorias que vêm explicar o nexo causal e quais

as causas competentes a fazer surgir o dever de indenizar.

Há de se ressaltar ainda que, além de se considerar uma necessária relação

de causa e efeito para que haja o dever de reparar, nosso ordenamento jurídico tem

dado maior importância e destaque à figura do ofendido, que quando se fala em

responsabilidade civil, é seu foco principal. Daí princípios hodiernamente

consagrados na responsabilidade civil, como o da reparação integral dos danos.

Nesta esteira, mais importante que a culpa, que o dano, que o nexo causal,

está a vítima – fato que passou a relativizar muitos conceitos antes consagrados e

que também contribuiu para o surgimento da responsabilidade objetiva. Nesse

contexto é que o nexo causal foi flexibilizado, efetivando-se princípios constitucionais

e não se exigindo mais da vítima, diante de certas circunstâncias, a prova cabal e

absoluta da relação de causalidade.107

Sobre o nexo causal, Gisela Sampaio da Cruz preleciona:

O conceito de relação causal, além de se revestir de um aspecto filosófico, apresenta dificuldades de ordem prática, porque na maioria das vezes o evento danoso está cercado de condições que se multiplicam, dificultando a identificação da causa do dano.108

Diante de tal premissa é que nossos tribunais não adotam mais um

tratamento rigoroso e dogmático, posto o foco atual se concentrar na vítima do

106 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. Da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. São Paulo: Atlas, 2007. P. 51 107

CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil . Rio de Janeiro: Renovar, 2005. P.17. 108 Ibidem, p. 18.

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dano109. Assim é que nas decisões judiciais “Interferem (...) fatores os mais variados,

de cunho mais político, moral e ideológico do que técnico, e que tornam

verdadeiramente imprevisível o resultado de certas demandas”. (SCHREIBER, 2007)

Ademais, conforme ensinamento do ilustre mestre Fernando Noronha, a

prova do nexo causal pode ser indireta – através de presunções simples naturais ou

de fato. Prossegue o autor ensinando que as presunções simples baseiam-se em

ensinamentos da vida, o que ocorre na vida real. Tais presunções ainda possuem

respaldo no permissivo legal estampado no art. 335, CPC, que determina ao juiz a

aplicação de regras de experiência pautadas no que comumente acontece.110

De toda a sorte, privilegia-se o sujeito do infortúnio, a vítima do dano. E a

relativização do nexo causal surge com o intuito de oferecer uma resposta a quem

sofreu um evento danoso, atribuindo-se extremada importância à vítima.

Tal postura tem dividido nossa doutrina e jurisprudência. De um lado, há

quem entenda que em certos casos é impossível exigir-se da vítima uma prova

absoluta do nexo causal, devendo-se relativizar a necessidade deste elemento da

responsabilidade civil em prol de quem experimentou o prejuízo. De outro lado, há

quem entenda que com tal postura, haverá um descomunal alargamento do dano

reparável pela erosão de mais um filtro de reparação 111:

Não resta dúvida de que o nexo causal não logrou substituir a culpa como barreira de contenção ao ressarcimento dos danos. E mais: à semelhança do que ocorreu com a prova da culpa, a prova do nexo causal parece tendente a sofrer, no seu papel da filtragem da reparação, uma erosão cada vez mais visível. O resultado desta tendência é a realização do pior temor dos juristas da Modernidade: a extraordinária expansão do dano ressarcível.112

109 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. Da eros ão dos filtros da reparação à diluição dos danos. São Paulo: Atlas, 2009. P. 61. 110

NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. Fundamentos do direito das obrigações. Introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. P.612-613. 111 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. Da eros ão dos filtros da reparação à diluição dos danos. São Paulo: Atlas, 2009. P.75. 112 Ibidem, p. 75.

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Assim é que, seja em prol do “imperativo social da reparação” (SCHREIBER,

2007), seja “com vistas a permitir a efetivação do princípio da reparação integral”

(CRUZ, 2005), incontestável é que tem havido uma flexibilização de conceitos antes

rígidos em benefício daquele que sofreu um dano injusto.

Tais ponderações levam a mais um impasse: no que tange à

responsabilidade civil pela perda de uma chance, haveria uma relativização do

pressuposto do nexo causal, ou este seria indispensável à aferição desta nova

espécie de dano?

3.6 DO NEXO CAUSAL NA PERDA DE UMA CHANCE

Na esteira dos danos indenizáveis, surge a perda de uma chance,

respaldada em princípios consagrados como o da reparação integral dos danos. Sua

aplicabilidade e aceitabilidade ainda não são pacíficas, visto que nem mesmo a

natureza jurídica do instituto resta cristalina. De fato, o tema em foco gera grande

polêmica, com fortes respaldos tanto para a caracterização de um dano ressarcível,

como também de mera possibilidade - esta não contemplada pelo Direito.

Mesmo quem vislumbra a perda de uma chance como um prejuízo que

merece reparação, divergem quanto à justificativa para o nascimento do dever de

indenizar. Como bem explica Rafael Peteffi da Silva,

Alguns autores associam o aparecimento da responsabilidade pela perda de uma chance à utilização menos ortodoxa do nexo de causalidade, ora se manifestando em forma de causalidade parcial, ora em forma de presunção de causalidade (...). Outra corrente ainda mais numerosa acredita que a teoria da perda de uma chance constitui perfeito exemplo de ampliação do conceito de dano reparável, mantendo a aplicação ortodoxa do nexo causal.113

113

SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P.7.

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Destarte, seja em se considerando a ampliação do conceito de dano, seja

através de uma concepção menos ortodoxa do nexo causal, flexibilizando-se a sua

demonstração, impende atentar a esta teoria que, focada na vítima do ilícito, procura

compensá-la pela perda de uma legítima expectativa – quer seja de benefício, quer

seja de se evitar malefício.

A compreensão acerca da necessidade da prova do nexo causal ainda não é

unânime, havendo quem entenda ser exigível mesmo em se tratando de interrupção

da álea, enquanto outros entendem que o instituto só pode ser aplicável quando da

relativização no vislumbre de tal pressuposto: “Une incertitude sur l’existence d’un

lien causal ne peut être masquée par le recours à la notion de perte d’une

chance”.114

Assim é que a doutrina se divide entre aqueles que entendem que a teoria

da responsabilidade civil pela perda de uma chance não necessita de noção de nexo

causal alternativo para ser validado115 dos que partem de uma relativização do

pressuposto de responsabilidade civil em questão:

a teoria da perda de uma chance, admite a relativização deste conceito, permitindo a existência da responsabilidade civil mesmo quando não existente o nexo causal da forma prevista na legislação extravagante, ou melhor, no Código Civil Brasileiro. Isto é, esta nova teoria RELATIVIZA o ideal do nexo de causalidade adotado pelo diploma supracitado.116

Carlos Eduardo Vinaud Pignata, em seu artigo “Responsabilidade civil pela

perda de uma chance”, assim se manifesta:

114 “A incerteza sobre a existência de um nexo de causalidade não pode ser mascarada pela utilização do conceito de perda de uma chance”. CARNOY, Gilles. La perte d’une chance est-elle encore indemnisable ? Cass. 1er avril 2004. Disponível na internet: http://www.businessandlaw.be/article693.html

115 Ibidem, p. 76.

116 LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance . Disponível na internet:

http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance

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A perda de uma chance surge em função de um redirecionamento dos requisitos formadores da responsabilidade civil e da chamada Erosão dos Filtros da Reparação. Esse deslocamento tira a culpa e o nexo de causalidade do centro das atenções e passa a conceber mecanismos reparatórios mais fluidos e voltados a tutela dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana.117

Para Rafael Peteffi da Silva, a maneira de se encarar o nexo causal na teoria

da perda de chance depende da espécie de chance perdida. Quando a perda de

uma chance configurar um dano autônomo, importante a verificação do nexo causal

da forma como tradicionalmente se aplica. Por outro lado, quando configurar um

conceito de causalidade parcial, estar-se-á diante de uma flexibilização do nexo

causal, cuja prova não será indispensável.

Rosamaria Novaes Freire Lopes entende que na teoria da responsabilidade

civil pela perda de uma chance há uma relativização dos elementos que circundam a

responsabilidade civil. Todavia, tal entendimento não goza de grande prestígio.

Mesmo em nossos tribunais, a tendência é se buscar o liame causal para o

surgimento do dever de indenizar as chances perdidas. Grande parte da doutrina

também entende ser o nexo causal um dos elementos para a configuração da

responsabilidade civil pela perda de chance:

para subsistir o dever de indenizar devem estar presentes os seguintes requisitos: uma conduta (ação ou omissão); um dano, caracterizado pela perda da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo (e não pela vantagem perdida, em si, porque é hipotética); e um nexo de causalidade entre os primeiros.118

Paulo Nader, ainda que não desenvolva elucubrações acerca do assunto,

deixa transparecer a necessidade de que, no dano representado pelas chances

117 PIGNATA, Carlos Eduardo Vinaud. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. Disponível na internet: Carlos Eduardo Vinaud Pignata - http://www.arcos.org.br/artigos/responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance/

118 BIONDI, Eduardo Abreu. Teoria da perda de uma chance na responsabilidade c ivil . Disponível na internet:

www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3988/Teoria-da-perda-de-uma-chance-na-responsabilidade-civil

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frustradas, verifique-se o nexo causal enquanto elemento da responsabilidade civil:

“Este (o dano) se materializa devido à ação ou omissão culposa do agente, isto é,

entre o dano que não se estancou e a conduta houve um nexo de causa e

efeito .” (grifo nosso) (NADER, 2009)

Todavia, nossa doutrina, em sua maioria, adota entendimento diverso

quando se trata da perda da chance de cura ou sobrevivência, ou seja, a

responsabilidade civil na atividade médica.119 De fato, tal tema, por exigir uma

abordagem distinta - já que o médico normalmente não causa o dano verificado,

mas faz com que o paciente perca uma possibilidade - merece um tratamento

diferenciado.

Nestes casos, como assevera Rafael Peteffi da Silva, há a necessidade de

uma flexibilização do nexo causal, posto que não há como se caracterizar a atuação

negligente do médico como condição (conditio sine qua non) para a ocorrência do

dano:

(...) seria uma injustiça que a vítima restasse sem qualquer reparação devido a essa dificuldade de prova de nexo de causalidade, mesmo estando comprovada uma falha médica que guarda relação com o dano final. Além disso, ao seria interessante, em relação ao escopo pedagógico da responsabilidade civil, que os médicos deixassem de indenizar todas as falhas que contribuíram para o dano, que não se constituem em condições “but for”. Seria uma licença irrestrita para a ocorrência de falhas de menor porte.120

Comunga da mesma posição o mestre Sérgio Cavalieri Filho:

Em última instância, o problema gira em torno do nexo causal entre a atividade médica (ação ou omissão) e o resultado danoso consistente na perda da chance de sobrevivência ou cura. A atividade médica, normalmente omissiva, não causa a doença ou a morte do paciente, mas faz com que o doente perca a possibilidade de que a doença possa vir a ser

119 Neste sentido: Peteffi da Silva, Cavalieri Filho, Grácia Rosário e Savi, embora este último não se estenda na abordagem do tema. 120

SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 65.

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curada. (...) A omissão médica, embora culposa, não é, a rigor, a causa do dano; apenas faz com que o paciente perca uma possibilidade.121

Para Fernando Noronha, a prova do nexo de causalidade entre o fato

jurídico e o suposto dano deverá ser feita , mas dependerá da concepção (conditio

sine qua non, causalidade necessária, causalidade adequada) que se adota quanto

ao nexo causal. O jurista prossegue afirmando ser suficiente demonstrar-se que um

fato antijurídico interrompeu o processo que estava em curso e que poderia levar ao

resultado pretendido.122

Assim é que grandes debates doutrinários são travados, não havendo

unanimidade quando o assunto é a possibilidade de se conceder indenização pela

interrupção de um processo aleatório que poderia resultar em benefício ou evitar

prejuízo – a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance.

121

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 379-380. 122

NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. Fundamentos do direito das obrigações. Introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. P.674.

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4 CATEGORIAS PROFISSIONAIS E A IMPUTAÇÃO DE RESPONS ABILIDADE

PELA PERDA DE UMA CHANCE

Normalmente a responsabilização pela interrupção de um processo aleatório

que poderia resultar em vantagem o evitar prejuízo independem da categoria

profissional do agente. Se lhe é imputada a paralisação da álea que havia

despertado na vítima expectativas legítimas de não sofrer evento desfavorável ou de

experimentar um benefício, o agente poderá ser responsabilizado.

Fernando Noronha trabalha ainda a noção da perda de chance advinda da

quebra do dever de informar, afirmando que aquele que tinha o dever de prestar

certa informação e se omite, gerando um prejuízo, deverá ser responsabilizado pela

perda de uma chance.

Sérgio Cavalieri Filho menciona ainda a responsabilidade dos dentistas, cuja

regra é obrigação de resultado, o que facilita a comprovação da culpa e

consequente dever de indenizar.

Todavia, merece destaque no estudo da perda de chance a profissão do

médico, repleta de controvérsias e julgados bastante interessantes, e a profissão do

advogado, enquanto ligada ao Direito e sua boa aplicação. Tanto médico quanto

advogado têm uma obrigação de meio, e não de resultado, mas ainda assim

poderão ser responsabilizados por causarem a perda de chance a seus

contratantes.

Daí a afirmação de José Guilherme Xavier Milanezi em seu artigo Da

responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance123, de que “a teoria da

123MILANEZI, José Guilherme Xavier. Da responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance. Disponível na internet:: http://www.parana-online.com.br/canal/direito-e justica/news/270942/?noticia=DA+RESPONSABILIDADE+CIVIL+DO+ADVOGADO+PELA+PERDA+DE+UMA+CHANCE

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perda de uma chance é uma tentativa recente de formular parâmetros à

responsabilidade civil dos profissionais colimados à obrigação de meio”.

4.1 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO PELA PERDA DE UMA CHANCE

O advogado, essencial à justiça, tem obrigação contratual e de meio – não

de resultado, posto que o sucesso na demanda muitas vezes independe da boa

condução do caso.

É de mister importância a profissão do advogado, tanto que a Constituição

Federal inclui a Advocacia como uma das funções essenciais da Justiça, ao lado do

Ministério Público e da Defensoria Pública, sendo ao advogado assegurada a

inviolabilidade por seus atos e manifestações, nos limites da lei (art. 2°, § 3°,

Estatuto da Advocacia e a OAB). Assim, a invocação de imunidade estará adstrita às

restrições legais, e “pressupõe o exercício regular e legítimo da advocacia”.

(STOCO, 2007)

Todavia, como contratado na prestação de serviços, ao advogado incumbem

diligências que garantam o bom desempenho de seu mister. Daí a regra expressa

no art. 12 do Código de Ética e Disciplina da OAB:

Art. 12. O advogado não deve deixar ao abandono ou ao desamparo os feitos, sem motivo justo e comprovada ciência do constituinte.

Quando contratado, o cliente assinará um mandato para que o causídico

represente seus interesses, sendo que do mandato advirão responsabilidades:

As principais obrigações do mandatário, proveniente do próprio contrato, são as de atuar em nome do mandante com cuidado, cautela e atenção,

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repassando-lhe as vantagens que auferidas em seu nome e, ao final de sua representação legal, prestar contas dos atos praticados.124

Como prestador de serviços que é, segundo Sérgio Cavalieri Filho, o

advogado se submete aos princípios elencados no Código de Defesa do

Consumidor, especialmente os princípios da boa-fé, do sigilo profissional, da

transparência e da informação.125

E foi justamente pela falta de informação ao constituinte que causídico foi

condenado pela perda de chance em acórdão pioneiro reconhecendo a aplicação do

instituto ao caso concreto no Brasil.126

Tratava-se de um caso em que advogado havia intentado demanda

pleiteando pensão previdenciária à sua cliente em função da morte do cônjuge, e

deixou de impulsionar o processo e de informar à cliente sobre o extravio dos autos

do processo. A decisão do relator Desembargador Ruy Rosado de Aguiar Júnior,

reconheceu que se tratava de perda de chance, não como perda da aposta, mas

como perda da chance de alcançá-la.

O acórdão restou assim ementado:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. PERDA DE UMA CHANCE. Age com negligência o mandatário que sabe do extravio dos autos do processo judicial e não comunica o fato à sua cliente nem trata de restaurá-los, devendo indenizar à mandante pela perda da chance.

As decisões judiciais imputando ao advogado a responsabilidade pela perda

de chance são mais comuns em casos de perda do prazo de recorrer. Nestes casos,

é inconteste que não haveria certeza de sucesso se o caso fosse submetido à

124 XAVIER, Rafael Alencar. Breves comentários sobre a responsabilidade civil do profissional advogado. Disponível na internet: http://www.escritorioonline.com/webnews/noticia.php?id_noticia=7124&

125 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 389. 126 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n° 591064837. Relator Des. Ruy Rosado de Agu iar Júnior, julgado em 29/08/1991.

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análise do juízo ad quem, todavia, também é inegável que uma chance de sucesso

foi subtraída do cliente pela desídia do casuístico.

Todavia, na análise da teoria clássica da responsabilidade civil pela perda de

uma chance, as chances perdidas configuram um dano independente, consistente

na frustração de benefício acalentado pela vítima: “Um determinado fato interrompeu

o curso normal dos eventos que poderiam dar origem a uma fonte de lucro, de tal

modo que não é mais possível descobrir se o resultado útil esperado teria ou não se

realizado”. (SAVI, 2009)

Portanto, “a simples interrupção do processo aleatório no qual se encontrava

a vítima é suficiente para caracterizar um dano reparável: a perda de uma chance”.

(SILVA, 2009)

E foi nesse sentido recente decisão do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE DE ADVOGADO PELA PERDA DO PRAZO DE APELAÇÃO. TEORIA DA PERDA DA CHANCE. APLICAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. ADMISSIBILIDADE. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. NECESSIDADE DE REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7, STJ. APLICAÇÃO. - A responsabilidade do advogado na condução da defesa processual de seu cliente é de ordem contratual. Embora não responda pelo resultado, o advogado é obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual no exercício do mandato. - Ao perder, de forma negligente, o prazo para a inte rposição de apelação, recurso cabível na hipótese e desejado pe lo mandante, o advogado frusta (sic) as chances de êxito de seu cliente. Responde, portanto, pela perda da probabilidade de sucesso no recurso, desde que tal chance seja séria e real. Não se trata, por tanto, de reparar a perda de “uma simples esperança subjetiva”, nem tam pouco de conferir ao lesado a integralidade do que esperava ter caso obtivesse êxito ao usufruir plenamente de sua chance. - A perda da chance se aplica tanto aos danos materiais quanto aos danos morais. - A hipótese revela, no entanto, que os danos materiais ora pleiteados já tinham sido objeto de ações autônomas e que o dano moral não pode ser majorado por deficiência na fundamentação do recurso especial. - A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. Aplicação da Súmula 7, STJ.

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- Não se conhece do Especial quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles. Súmula 283, STF. Recurso Especial não conhecido.127

Destarte, a presente decisão aplicou o entendimento esposado pelos

defensores da aplicabilidade da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma

chance128, qual seja, de que as chances precisam ser sérias e reais, e de que a

indenização deve ser “da oportunidade de obter uma vantagem e não pela perda da

própria vantagem”. (CAVALIERI FILHO, 2009)

Neste diapasão, para que haja a responsabilização do advogado, “o erro do

advogado deve ser grosseiro, inescusável, e a alegada chance não pode ser mera

possibilidade em abstrato, exigindo-se que o grau de probabilidade seja alto,

factível”.129

De fato, quando as chances de que um recurso seja provido sejam por

demais remotas, não se está diante do requisito “chances sérias e reais”, de tal sorte

que a indenização, segundo entendimento esposado por Sérgio Savi, há de ser

afastada. É o que se extrai de sua análise de julgado emanado pelo Tribunal de

Justiça de São Paulo:130

Ora, se a Câmara julgadora fez uma reanálise do processo em que o advogado negligente perdeu o prazo recursal e chegou à conclusão de que, ainda que o recurso tivesse sido regularmente processado, as chances de o mesmo ser provido eram muito remotas. Em função desta conclusão, o relator entendeu ser impossível indenizar o dano material decorrente da perda da chance.131

Assim é que se procede a uma análise probabilística de êxito da demanda

acaso o recurso fosse interposto - nos mesmos moldes da concepção tradicional de

127 Superior Tribunal de Justiça. REsp 1079185. Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 11/11/2008. 128 Neste sentido: Savi, Silva, Cavalieri Filho, Noronha, Lopes, Pignata e Biondi. 129 Tribunal de Justiça do Paraná. Acórdão 25696. Processo 0461774-5. Relator Rogério Ribas, julgado em 23/11/2009. 130 Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível n° 179.675-4/6. Relator Des. Sebastião Carlos Garcia , julgado em 16/09/2004. 131 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 59.

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perda de chance. Desta sorte, havendo boas chances de que, acaso interposto, o

recurso seria julgado procedente pelo tribunal, é possível a responsabilização do

advogado pela perde de seu cliente lograr êxito na demanda, quando reanalisada

por instâncias superiores.

Por outro lado, há quem entenda inaceitável a indenização por perda de

chance devida ao cliente pelo advogado em razão na não interposição de recurso.

Neste sentido, Rui Stoco é peremptório:

Não há como admitir que outrem substitua o juiz natural da causa para perscrutar o íntimo de sua convicção e fazer um juízo de valor a destempo sobre a “possibilidade” de qual seria sua decisão, caso a aça fosse julgada e chegasse ao seu termo.

E prossegue:

Ora, admitir a possibilidade de o cliente obter reparação por perda de uma chance é o mesmo que aceitar ou presumir que essa chance de ver a ação julgada conduzirá, obrigatoriamente, a uma decisão a ele favorável.132

Entrementes é mais numerosa a corrente adepta da possibilidade de

responsabilização do advogado pela perda de uma chance, como Sérgio Savi,

Rafael Peteffi da Silva, Sérgio Cavalieri Filho, dentre outros. Há apenas de se

ressalvar que “Para que o procurador seja responsabilizado, deve haver prova de

sua desídia do trato com o cliente e seus interesses”.133

Destarte, o mínimo que se espera do advogado no exercício de seu mandato

é “La diligence du ‘bom père de famille” (AVRIL, 1981), diligência esperada, aliás,

em quaisquer atividades, sejam elas de meio ou de resultado. E quando o advogado

132 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. Doutrina e jurisprudência. 7 ed. São Paulo: RT, 2007. P. 512.

133 BORTOLUZZI, Bibiana Carollo. A perda da chance e a responsabilização do advogado . Disponível a internet: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8250

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emprega na sua atuação o zelo e o comprometimento que a atividade – essencial à

administração da Justiça – exige, menores serão o número de demandas intentadas

contra o “defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade

pública, da Justiça e da paz social”. (art. 2° do C ódigo de Ética e Disciplina da OAB).

4.2 RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE DE CURA OU

DE SOBREVIVÊNCIA

A seguir será realizada uma breve abordagem sobre a responsabilidade civil

do médico pela perda de uma chance, dada sua relevância e singularidades.

Todavia, será uma sucinta análise sobre aspectos gerais do tema, desconsideradas

peculiaridades de alguns casos, como a responsabilidade médica empresarial ou a

obrigação de resultado de algumas atividades médicas.

4.2.1 Responsabilidade civil médica

Ao se falar em obrigação médica, está-se diante de uma responsabilidade

contratual, cujo contrato, segundo Cavalieri, tem natureza jurídica sui generis, posto

o médico não ser tão somente um prestador de serviços, como ainda assumir uma

posição de conselheiro e protetor do enfermo e seus familiares.134

Via de regra, a responsabilidade médica é de meio, e não de resultado:

... a obrigação assumida pelo médico é de meio, e não de resultado, de sorte que, se o tratamento realizado não produziu o efeito esperado, não se pode falar, só por isso, em inadimplemento contratual. Esta conclusão,além de lógica, tem o apoio de todos os autores, nacionais e estrangeiros (Aguiar Dias, Caio Mário, Sílvio Rodrigues, Antônio Montenegro), e é também consagrada pela jurisprudência.135

134

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. P. 317. 135 Ibidem, p. 317.

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Destarte, não havendo a assunção de um resultado incontestavelmente

favorável ao paciente, caberá à vítima demonstrar a culpa do médico –

responsabilidade subjetiva: “A imperícia, a imprudência ou a negligência, estando

presentes em um ato médico que cause dano a um paciente, caracterizam a

presença de culpa. Mas essa culpa tem que ser provada pelo paciente, é seu o ônus

da prova”. (SOUZA, 2001)

A prova da desídia médica é necessária porque nunca há certeza de cura ou

sobrevivência:

O erro é inerente à atividade do médico no seu exercício profissional, visto a medicina ser regida por fenômenos biológicos, todos eles revestidos de um certo grau de aleatoriedade, sendo necessário que a medicina com suas limitações conviva com estes.136

Assim, o médico deverá empregar no exercício de sua função toda

diligência, zelo, prudência, esforçando-se e usando de todos os meios possíveis

para a cura. Todavia, ainda que seu objetivo seja a cura, esta não é o objeto do

contrato, o que seria admitir uma onipotência do médico.137

Tais premissas são as aplicáveis quando se trata de responsabilidade civil

médica. Entrementes, ao se enfocar a atividade sob o prisma da perda de uma

chance, certos conceitos merecerão uma abordagem diferencial, pois as chances

perdidas estão ligadas a um conceito de álea; a única certeza é a frustração das

expectativas legitimamente acalentadas.

136 SOUZA, Neri Tadeu Camara. ASPECTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO . Disponível na internet: http://www.afm.org.br/artigo84.htm 137 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. Doutrina e jurisprudência. 7 ed. São Paulo RT, 2007. P. 556.

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4.2.2 Responsabilidade civil médica pela perda de uma chance

Conforme visto ao longo do presente estudo, foram justamente as decisões

francesas em matéria médica que impulsionaram o desenvolvimento do instituto em

foco.

O marco inaugural da responsabilidade médica por perda de chance se deu

em 1965, quando, por diagnóstico equivocado, o médico retirou as chances de cura

da vítima138 – daí a denominação la perte d’une chance de survie ou guérison:

Este novo enfoque da clássica teoria da responsabilidade civil foi uma criação jurisprudencial francesa, que significa a perda de uma chance de cura. Alguns doutrinadores traduzem somente a perda de uma chance de cura, limitando sua aplicação somente para os casos de responsabilidade médica. 139

E quando o assunto é a perda de cura ou sobrevivência, poderá haver uma

presunção de culpa :

A presença da teoria da “perte d’une chance”, em um atendimento médico-hospitalar, na sua avaliação em juízo, pode se dizer que fica bem caracterizada quando, mesmo que não se possa dizer com toda certeza que um paciente venha a se recuperar de uma determinada doença, seja possível se admitir que o paciente teve a perda de uma chance de se curar integralmente, ou até mesmo parcialmente, da sua doença, ou mesmo evoluiu para óbito, por não ter o médico empregado todos os meios de investigação e terapêutica, inclusive com o concurso de outros especialistas, à sua disposição para o tratamento da mesma. A culpa, no caso, se caracterizaria pelo fato de não terem sido dadas ao paciente todas as “chances” (investigação e tratamento, incl usive especializados) de se recuperar de sua moléstia. Po de, neste caso, pois, presumir, o julgador, estar a culpa presente no agir - conduta - do profissional médico , podendo, assim, haver decisão judicial de conceder uma indenização ao paciente, embora até possa vir a ser, na sentença, de menor monta o seu valor pecuniário.140 (grifo nosso)

138

BIONDI, Eduardo Abreu. Teoria da perda de uma chance na responsabilidade c ivil . Disponível na internet: www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3988/Teoria-da-perda-de-uma-chance-na-responsabilidade-civi

139 Ibidem

140 SOUZA, Neri Tadeu Camara. Erro médico e perda de uma chance. Disponível na internet: http://www.ambito-juridico.com.br/pdfsGerados/artigos/4155.pdf e http://jusvi.com/artigos/26825

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Mais uma vez fica evidente que a responsabilidade neste caso está adstrita

à chance perdida, e não à cura ou sobrevivência – dano que se pretendia evitado.

Destarte, o médico será responsável se não empregar todos os meios a seu alcance

para que o paciente fosse curado ou sobrevivesse.

Convém destacar que, conforme lição de Peteffi da Silva e Fernando

Noronha, as chances perdidas na seara médica têm conotação diferenciada, posto

que aqui o processo aleatório chegou a final, restando um dano inesperado – como

a morte ou a invalidez:

No caso médico, o processo que poderia ter sido aleatório já não é mais, pois se sabe com certeza qual o resultado: a morte ou a invalidez do paciente, isto é, a única dúvida que resta nesse caso é a relação de causalidade entre a falha do profissional e o dano final...141

Portanto, aqui não se trata de uma perspectiva de ganho que foi frustrada

por ação externa, mas um resultado efetivamente desfavorável experimentado pela

vítima:

A perda de chances de cura ou de sobrevida coloca-se numa perspectiva bem diversa. Aqui o doente está inválido ou mesmo é falecido; o processo desenrolou-se até seu último estágio e conhece-se o prejuízo final e sua importância. A única incógnita é, na realidade, a relação de causalidade entre este prejuízo e o ato ilícito do médico; não se sabe com certeza suficiente qual é a verdadeira causa do prejuízo: (se) este ato ilícito ou a evolução (a complicação) natural da doença.142

Neste diapasão, variantes hão de ser consideradas: “uma determinada

terapêutica é normalmente eficaz, mas não é possível afirmar que o tratamento

implicaria, inexoravelmente, a cura do paciente”. (SILVA, 2009)

141 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Altas, 2009. P. 87. 142 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. Fundamentos do direito das obrigações. Introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 678.

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Assim é que a conduta do médico pode não ser a única razão do dano

sofrido pela vítima, que poderá sofrer a concorrência de outros fatores. Daí a

afirmação de Sérgio Savi de que a responsabilidade médica pela perda de uma

chance de cura ou sobrevivência normalmente se enquadra na modalidade de

causalidade parcial.143

Dentro dessa concepção de causalidade parcial,

ao invés de considerar as chances perdidas como um dano autônomo, estar-se-iam utilizando as chances perdidas apenas como um meio de quantificar o liame causal entre a ação do agente e o dano final (perda da vantagem esperada).144

Corroborando a relativização do nexo causal, Neri Tadeu Camara Souza

preleciona que

Por não ter o médico dado todas as chances ao paciente para se recuperar de uma doença, nossos julgadores aceitam que há nexo causal entre a lesão ao paciente e o agir culposo do médico, sendo pois este responsabilizado pelos danos patrimoniais e extrapatrimoniais sofridos por outrem e advindos deste seu agir.145

Na esteira de fatos submetidos a uma causalidade parcial, não há uma

relação causal cabalmente comprovada entre a atitude do ofensor e o prejuízo final

experimentado. Ou seja, a atitude médica em muitos casos não é a conditio sine qua

non para a ocorrência do dano.146

Daí as palavras de Grácia Cristina Moreira do Rosário em sua obra A perda

da chance de cura na responsabilidade civil médica: “É cediço que comprovar,

cabalmente, o nexo de causalidade, no que se refere à teoria da perda da chance de

143 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 5. 144 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Altas, 2009. P. 50. 145

SOUZA, Neri Tadeu Camara. Aspectos da responsabilidade civil do médico. Disponível na internet: http://www.afm.org.br/artigo84.htm 146 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Altas, 2009. P. 51.

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cura é árduo, por isso a necessidade de mitigar a comprovação da causa da lesão”.

(ROSÁRIO, 2009)

E mesmo nos casos de perda de chance na modalidade de causalidade

parcial, segundo Peteffi da Silva, far-se-á um cálculo de probabilidades147,

mantendo-se os requisitos para a configuração de perda de chance: oportunidades

sérias e reais, e não meras expectativas vãs de cura. Destarte, verificar-se-á a

probabilidade de cura da vítima - caso o médico diagnosticasse corretamente a

doença a tempo, por exemplo – e a partir de então será calculado o valor devido a

título de indenização pela perda de uma chance.

Daí as afirmações de Neri Camara: “A chance tolhida com a culpa do

profissional, entretanto, deve ser séria, viável, plausível e não meramente eventual”.

(SOUZA, 2007)

Diversamente da retórica de Sérgio Savi - que considera que as chances

somente serão consideradas sérias e reais quando superiores a 50% (cinquenta por

cento) de se realizarem - Rafael Peteffi da Silva entende que a indenização deverá

gravitar sobre a percentagem de êxito perdida, ainda que inferior a 50%: “o autor de

indenização que prova que o réu retirou menos da metade das chances de obtenção

da vantagem esperada não pode ser condenado pelo dano final”. (SILVA, 2009)

E prossegue:

... não seria interessante, em relação ao escopo pedagógico da responsabilidade civil, que os médicos deixassem de indenizar todas as falhas que contribuíram para o dano, que não se constituem em condições “but for”, Seria uma licença irrestrita para a ocorrência de falhas de menor porte.148

147 Ibidem, p. 51. 148 Ibidem, p. 65

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Por outro lado, ao mencionar hipóteses em que as chances de cura são

superiores a 50%, Peteffi da Silva afirma que nesses casos o problema relacionado

ao nexo causal desaparece, havendo a possibilidade de condenação pela

integralidade do dano, considerando-se o caráter pedagógico da responsabilidade

civil.149

Sempre haverá nesses casos a dificuldade para se medir a extensão do

dano e consequentemente o quantum debeatur, contudo, conforme lição de Sergio

Savi, tal dificuldade “jamais poderá ser utilizada como fundamento para os que

eventualmente sejam contra a indenização das chances perdidas em nosso

ordenamento”. (SAVI, 2009)

Finalmente, o que se percebe é que há muitas divergências na

responsabilidade civil pela perda de uma chance de cura ou de sobrevivência,

sobretudo com relação à comprovação do nexo causal:

No que concerne à perda da chance de cura, para deflagrar a responsabilidade civil do médico faz-se necessário um liame objetivo que oferte a chance desejada ao aguardado pelo enfermo. A chance há de ser séria e realizável, sendo indispensável a determinação da identidade do nexo causal ligado à conduta ilícita do agente, com o causa obrigatória à realização do evento danoso . A perda da chance só será possível quando der lugar à reparação da lesão procedente de uma oportunidade perdida devida a um erro médico.150 (grifo nosso)

Para Rafael Peteffi da Silva, entretanto, exigir a comprovação do nexo

causal representa um equívoco que pode gerar resultados nefastos:

... a confusão das chances perdidas com a vantagem esperada (dano final) pela vítima pode fazer com que aquelas não sejam reparadas porque não existe nexo de causalidade certo e direto entre esta e a ação ou omissão do agente, isto é, somente se indenizariam as chances perdidas caso fosse praticamente certo que a vítima alcançaria a vantagem esperada. Ora, esse

149 Ibidem, p, 65. 150 ROSÁRIO, Grácia Cristina Moreira do. A perda da chance de cura na responsabilidade civil médica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. P. 165.

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tipo de entendimento inutiliza a categoria dogmática das chances perdidas, que desempenhariam a mesma função dos lucros cessantes.151

Tais divergências se mostram evidentes, e se a doutrina ainda não tem um

posicionamento unânime com relação ao tema, nossos julgados acerca da

responsabilidade médica por perda de chances também se mostra vacilante.

4.2.3 Julgados atuais

A título de ilustração, convém uma demonstração do posicionamento atual

de nossos tribunais quando se deparam com pleitos fundados em perda de chance

advinda de responsabilidade médica:

O primeiro julgado a ser analisado foi emanado pelo Superior Tribunal de

Justiça em dezembro de 2009. Tratava-se de ação intentada por filho de vítima fatal

de erro médico, que havia passado em concurso público – o que lhe renderia e ao

filho uma condição financeira melhor -, mas não chegou a tomar posse porque o erro

médico não só retirou da mãe as chances de sobrevivência, como também

impediram que o filho tivesse um futuro melhor:

ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - ERRO MÉDICO - DEVER DE INDENIZAR - REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO – SUMULA 7 DO STJ - PENSIONAMENTO - RAZOABILIDADE DA PRETENSÃO - TERMO FINAL - ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM OS PRECEDENTES DESTA CORTE – AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A obrigação de indenizar, na espécie, está assentada em fatos e provas, aspectos estes que não podem ser revistos na via estreita do especial, consoante Súmula 07 desta Corte. 2. A Corte de origem, a partir dos elementos de convicção existentes nos autos, conclui que a vítima só não tomou posse no concurso para qual foi nomeada, justamente porque veio a falecer, por culpa do ora agravante. 3. Há de ser referendada a compreensão no sentido de que: "A probabilidade de que determinado evento aconteceria ou não aconteceria, não fosse o ato de outrem, deve ser sé ria, plausível, verossímil, razoável. E, no caso concreto, a chance de que a vítima destinaria ao filho menor parcela de seus ganhos é bastante razoável, e isso é suficiente para gerar a obrigação de repar ar a perda".

151 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Altas, 2009. P. 225.

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4. Nesse contexto, não merce (sic) acolhida a tese de que o filho possuía apenas expectativa de direito a receber percentual dos rendimentos líquidos da mãe. 5. É firme o entendimento de que o termo final da pensão devida ao filho menor em decorrência da morte do pai, seja a idade em que os beneficiários completem vinte e cinco anos de idade, quando se presume terem concluído sua formação, incluindo-se a universidade. 6. agravo regimental não provido.152 (grifo nosso)

Neste caso, o nexo causal se fazia evidente, não havendo necessidade de

uma flexibilização por parte do tribunal superior, que concluiu que “a vítima só não

tomou posse no concurso para qual foi nomeada, justamente porque veio a falecer,

por culpa do ora agravante”.

Já o acórdão de junho de 2009 não foi favorável à indenização pela perda de

uma chance, restando assim ementado:

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - ERRO MÉDICO - MORTE DE PACIENTE DECORRENTE DE COMPLICAÇÃO CIRÚRGICA – OBRIGAÇÃO DE MEIO - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO MÉDICO - ACÓRDÃO RECORRIDO CONCLUSIVO NO SENTIDO DA AUSÊNCIA DE CULPA E DE NEXO DE CAUSALIDADE - FUNDAMENTO SUFICIENTE PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO DO PROFISSIONAL DA SAÚDE - TEORIA DA PERDA DA CHANCE - APLICAÇÃO NOS CASOS DE PROBABILIDADE DE DANO REAL, ATUAL E CERTO, INOCORRENTE NO CASO DOS AUTOS, PAUTADO EM MERO JUÍZO DE POSSIBILIDADE - RECURSO ESPECIAL PROVIDO. I - A relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral (salvo cirurgias plásticas embelezadoras), obrigação de meio, sendo imprescindível para a responsabilização do referido profissional a demonstração de culpa e de nexo de causalidade entr e a sua conduta e o dano causado, tratando-se de responsabilidade s ubjetiva; II - O Tribunal de origem reconheceu a inexistência de culpa e de nexo de causalidade entre a conduta do médico e a morte da paciente, o que constitui fundamento suficiente para o afastamento da condenação do profissional da saúde; III - A chamada "teoria da perda da chance", de inspiração francesa e citada em matéria de responsabilidade civil, aplica-se aos casos em que o dano seja real, atual e certo, dentro de um juízo de probabilidade, e não de mera possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no âmbito da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável ; IV - In casu, o v. acórdão recorrido concluiu haver mera possibilidade de o resultado morte ter sido evitado caso a paciente tivesse acompanhamento prévio e contínuo do médico no período pós-operatório, sendo

152 Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.222.132 - RS (2009/0165707-5). RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON, julgado em 03 de dezembro de 2009

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inadmissível, pois, a responsabilização do médico c om base na aplicação da "teoria da perda da chance "; V - Recurso especial provido.153

Neste caso o que se vislumbra é a aplicação da forma clássica de

responsabilidade civil médica: considera que é uma relação contratual de meio, de

responsabilidade subjetiva, sendo ainda indispensável a demonstração do nexo

causal.

Passando-se à análise de decisão proferida pelo tribunal paranaense, temos

que recente julgado proferido em dezembro de 2009, entendeu que havia perda de

chance, mas que esta configurava um dano moral :

DECISÃO: ACORDAM os Magistrados integrantes da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao apelo do Município, desprover o recurso adesivo da autora, e manter a sentença em reexame necessário, na forma do voto relatado. EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATENDIMENTO MÉDICO PRESTADO EM PRONTO SOCORRO MUNICIPAL. VÍTIMA DE POLITRAUMATISMO E TRAUMATISMO CRANIANO QUE É DEIXADA EM OBSERVAÇÃO POR QUASE 6 (SEIS) HORAS. EXAME CLÍNICO IMPRECISO. OMISSÃO NA REALIZAÇÃO DE EXAME RADIOLÓGICO. DEMORA NO ENCAMINHAMENTO DA VÍTIMA A HOSPITAL COM INFRAESTRUTURA PARA ATENDIMENTO. FALECIMENTO. PERDA DE UMA CHANCE. INDENIZAÇÃO DEVIDA À MÃE DA VÍTIMA. DANO MORAL. ARBITRAMENTO À LUZ DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. REDUÇÃO. CABIMENTO. PENSÃO MENSAL EQUIVALENTE A 1/3 DO SALÁRIO DA VÍTIMA ATÉ QUE ESTA COMPLETASSE 65 ANOS. PRECEDENTES. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO ADESIVO DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO.154

Em outra decisão recente emanada pelo TJPR, também houve o

reconhecimento da perda de uma chance, contudo, cabível a indenização a título de

danos morais:

153 Superior Tribunal de Justiça. REsp 1104665/ RS. RELATOR: Ministro MASSAMI UYEDA, julgado em 09/06/2009. 154 Tribunal de Justiça do Paraná. Acórdão n° 33192. P rocesso 0593737-1. Relatora Dulce Maria Cecconi, julgado em 15/12/2009.

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DECISÃO: Acordam os dois Desembargadores e o Juiz Relator Convocado da Décima Câmara Cível, por unanimidade de votos, em não prover a apelação, nos termos deste julgamento. EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. PERDA DE UMA CHANCE . CULPA DO MÉDICO AO ESCOLHER TERAPÊUTICA CONTRÁRIA AO CONSENSO DA COMUNIDADE CIENTÍFICA. DEVER DE DISPENSAR AO PACIENTE A MELHOR TÉCNICA E TRATAMENTO POSSÍVEL. CHANCES OBJETIVAS E SÉRIAS PERDIDAS. ERRO TAMBÉM NO ACOMPANHAMENTO PÓS-OPERATÓRIO. DANO MORAL . INDENIZAÇÃO. VALOR DA INDENIZAÇÃO ADEQUADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.155

Aqui também a indenização devida pela chance perdida de sobrevivência

limitou-se ao dano extrapatrimonial, o que vai de encontro à defesa de Sérgio Savi

de que a perda de uma chance configura um dano autônomo e subespécie de dano

emergente.

Todavia, em que pese a defesa de Peteffi da Silva acerca da indenização

advinda da responsabilidade civil do médico pela perda de chance de cura ou

sobrevivência, o autor entende que há de prevalecer o entendimento de que as

chances devem ser mais que meras hipóteses. Neste sentido, julgado do TJPR:

DECISÃO: Acordam os dois Desembargadores e o Juiz Relator Convocado da Décima Câmara Cível, por unanimidade de votos, em não prover a apelação, nos termos deste julgamento. EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO NA AVALIAÇÃO DO RESULTADO DE TOMOGRAFIA IMEDIATAMENTE CORRIGIDO ANTES DO INÍCIO DO PROCEDIMENTO CIRURGICO. MORTE DA PACIENTE CAUSADA POR TRAUMATISMO QUE NÃO EXIGIA IMEDIATO TRATAMENTO CIRURGICO. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA Para a responsabilização da clínica de radiologia e do médico que avaliou o resultado de tomografia, dando-lhe inicialmente uma interpretação errônea mas prontamente retificada e de modo a evitar a intervenção cirúrgica em local inadequado do crânio da vítima, seria necessário que desse erro resultasse a perda de uma chance , impedindo o neurocirurgião de realizar o procedimento médico não ponto exato da região do trauma. Faltando esse requisito, ou seja, falecendo a vítima de um trauma que não exigia imediata intervenção cirúrgica, não se poderá falar em perda de uma chance e de responsabilidade médica. Apelação não provida.

Note-se que neste caso, lançando-se mão do cálculo de probabilidades

defendido por Savi e Peteffi da Silva, não haveria uma chance considerável de a

155 Tribunal de Justiça do Paraná. Acórdão n° 16600. P rocesso 0415873-4. Relator Albino Jacomel Guerios, julgado em 04/06/2009.

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vítima sair curada, posto o trauma ocorrido não exigir cirurgia. Destarte, não se

verifica no caso um erro médico, nem tampouco uma chance séria e real de cura,

pautada em probabilidades de sucesso que fossem frustradas pela desídia médica.

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5 A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA D E UMA CHANCE

Muito se discute acerca da imputação de responsabilidade ao agente que

frustra uma expectativa legítima da vítima, posto não haver em nosso ordenamento

jurídico previsão alguma de responsabilidade por chances perdidas. Naturalmente

que um discurso mais positivista será categórico ao repudiar tal forma de

indenização, bem como aqueles que entendem que se trata de mais uma “erosão

dos filtros de reparação”, constituindo em mais uma forma de se recorrer à “loteria

de indenizações”.156

Por outro lado, vem crescendo o entendimento de que, se seguirmos

princípios consagrados, como o da reparação integral dos danos, aquele que perde

uma chance séria e real de auferir um benefício ou evitar um prejuízo, merece uma

reparação.

Tendo em vista tais premissas, no presente capítulo será abordada a

aplicabilidade prática do instituto “responsabilidade civil pela perda de uma chance”.

Inicialmente verificar-se-á sua aplicação no direito comparado, para em seguida

fazer-se uma breve abordagem sobre nossas jurisprudências pátrias e alguns

julgados que fazem alusão à perda de chance para, finalmente, apontar os

argumentos que justificam o cabimento de responsabilização pela simples

interrupção da álea.

5.1 APLICABILIDADE NO DIREITO COMPARADO

No presente item, à luz de ensinamentos de Rafael Peteffi da Silva e Sérgio

Savi, será abordada a evolução da responsabilidade civil pela perda de uma chance

156 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. Da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. São Paulo: Atlas, 2007. P. 3.

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em França e Itália, países precursores na admissão da teoria e que muito

contribuíram para a forma que nossa doutrina e jurisprudência pátria encaram o

novel instituto.

5.1.1 França

Conforme já visto, a responsabilidade civil pela perda de uma chance

nasceu na França – Responsabilitè civil pour la perte d’une chance, onde o tema

ganhou destaque, tanto por parte da doutrina, quanto da jurisprudência. Na França é

que se passou a defender a existência de um dano desvinculado do resultado final

almejado157, consistente nas oportunidades perdidas.

Os debates surgidos na França no século XIX possibilitaram uma atenção

maior para o tema, influenciando a Corte de Cassação a conceder indenização pela

perda de uma chance, sobretudo a partir do século XX:

Na França, houve dedicação maior ao tema por parte da doutrina e da jurisprudência. Em razão dos estudos desenvolvidos naquele país, ao invés de se admitir a indenização pela perda da vantagem esperada, passou-se a defender a existência de um dano diverso do resultado final, qual seja, o da perda da chance. Teve início, então, o desenvolvimento de uma teoria específica para estes casos, que defendia a concessão de indenização pela perda da possibilidade de conseguir uma vantagem e não pela perda da própria vantagem que não pôde se realizar. Isto é, fez-se uma distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo. Foi assim que teve início a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance.158

A partir de julgados de perte d’une chance de survie ou guérison que a teoria

passou a ter maior destaque. Destarte, com o grande número de demandas

embasadas na perda de uma chance de cura ou de sobrevivência por erros médicos

é que o instituto começou a receber maior atenção dos aplicadores do Direito.

Daí a constatação de Eduardo Abreu Biondi:

157 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. 158 Ibidem, p. 3.

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Este novo enfoque da clássica teoria da responsabilidade civil foi uma criação jurisprudencial francesa, que significa a perda de uma chance de cura. Alguns doutrinadores traduzem somente a perda de uma chance de cura, limitando sua aplicação somente para os casos de responsabilidade médica.159

E foi o grande número de casos de chances perdidas por erro médico que

deu origem à corrente mais aceita pela doutrina francesa - a de que há duas

modalidades de chances perdidas: a aplicação clássica da teoria, que vislumbra as

chances perdidas como um dano específico, e a perda de uma chance em matéria

médica, baseada numa causalidade parcial.160

Neste sentido, explicação de Rafael Peteffi da Silva:

... a análise das chances perdidas não será mais uma suposição em direção ao futuro e a um evento aleatório cujo resultado nunca se saberá, mas uma análise de fatos já ocorridos, pois é absolutamente certo que o paciente restou inválido ou morto.161

Inegável a contribuição francesa, que, além de precursora da aplicação da

responsabilidade civil pela perda de uma chance, ainda auxiliou na compreensão da

diferença entre as chances perdidas de se obter uma vantagem, das chances

perdidas de se evitar um prejuízo efetivamente experimentado.162

Assim é que, quer seja se exigindo a prova do nexo causal entre conduta e

dano, quer seja se admitindo uma relativização da demonstração do liame de

causalidade163, fato é que a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma

chance vem ganhando cada vez mais espaço.

159 BIONDI, Eduardo Abreu. Teoria da perda de uma chance na responsabilidade c ivil . Disponível na internet: www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3988/Teoria-da-perda-de-uma-chance-na-responsabilidade-civil 160 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 84. 161 Ibidem, p. 84. 162 Ibidem 163

Ibidem.

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Rafael Peteffi da Silva ainda expõe que a jurisprudência francesa é bastante

criativa, apresentando um leque variado de hipóteses de condenação por perda de

chance: oportunidade perdida de sair vencedor em jogo de azar ou competição

esportiva, perda de chance por quebra do dever de informar, perda de chance de

ganhar demanda judicial por falha de advogado, perda de chance em matéria

empresarial, dentre outros casos.164

O autor segue citando inúmeros casos da aplicação da teoria na sua forma

clássica, qual seja, a interrupção do curso normal dos acontecimentos, que poderia

resultar num benefício à vítima. Como, por exemplo, a condenação de empresa de

perfume que produziu perfume de cheiro desagradável, impedindo a revendedora de

obter lucros substanciais (11/01/2002). Ou ainda a condenação do contador a pagar

os fiadores da dívida da empresa por ter “maquiado” o seu balanço, impedindo-os de

“limitar o seu risco financeiro” (24/09/2003). Como também a condenação da

Confederação Francesa de Vela, que, contrariando seu próprio regulamento,

impediu uma dupla de velejadores franceses de participar das competições

classificatórias para jogos das Olimpíadas de Los Angeles, em 1984, tolhendo-lhes a

chance de vitória.165

Todavia, apesar de surgido na França, o instituto em questão ainda gera

discussões mesmo no país de origem, tanto em doutrina quanto em jurisprudência.

A título de ilustração, o comentário sobre o julgado de agressão de companheiro

contra a mulher, cujo pleito se fundou na premissa de que a falta de segurança do

Estado fez a companheira perder uma chance de ser protegida das investidas do

agressor, uma vez que já o havia denunciado inúmeras vezes, requerendo proteção

estatal:

164 Ibidem, p. 155. 165 Ibidem, p. 159-160.

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Cette horrible agression est survenue en 1980. La victime s’est vue indemniser par un arrêt de 1996, cassé en 1998. Elle obtint à nouveau gain de cause en 2001, mais tout a été anéanti en 2004. Après ces 24 années de procédure, elle reste avec ses seules séquelles et, probablement, l’auteur des faits a retrouvé la liberté grâce à la loi Lejeune …166

Destarte, nem mesmo no país precursor na aplicação da responsabilidade

civil por perda de chance, não resta pacífica a forma de se encarar as oportunidades

perdidas ou de se responsabilizar o agente que frustrou as chances da vítima de

angariar proveito ou de evitar prejuízo.

De qualquer forma, fica a contribuição francesa para o Direito, que acabou

por influenciar vários outros sistemas jurídicos enquanto pioneira na imputação de

responsabilidade a quem foi responsável pela frustração de oportunidades por parte

da vítima.

5.1.2 Itália

O direito italiano, por sua vez, via com cautela os julgados franceses

baseados na teoria da perda de uma chance, afirmando que as oportunidades

perdidas não poderiam ser indenizáveis, posto se tratarem de “mero interesse de

fato” (SAVI, 2009).

Segundo o procurador regional do trabalho, Raimundo Simão de Melo, o

primeiro caso aceito pela Corte de Cassação italiana ocorreu em 1983, quando

determinada empresa convocou trabalhadores para participarem de teste seletivo na

contratação de motoristas. Todavia, após se submeterem aos exames médicos,

alguns candidatos foram impedidos de participar das demais provas de direção e de

166“Esta horrível agressão ocorreu em 1980. A vítima viu-se compensar por um acórdão de 1996, quebrado em 1998. Obteve de novo ganho de causa em 2001, mas foi destruído em 2004. Após estes 24 anos de procedimento, permanece unicamente com as suas sequelas e, provavelmente, o autor dos fatos reencontrou a liberdade graças à lei Lejeune…(lei sobre liberdade condicional)”. CARNOY, Gilles. La perte d’une chance est-elle encore indemnisable? Cass. 1er avril 2004. Disponível na internet: http://www.businessandlaw.be/article693.html

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cultura elementar, indispensáveis à admissão, perdendo, portanto, a chance de

serem admitidos.167

Antes de se chegar a tal julgado, contudo, comporta passar pelas análises

de Sérgio Savi e os doutrinadores italianos precursores no vislumbre diferenciado

das chances perdidas. Menciona o autor que o primeiro estudioso italiano que

analisou de forma correta as chances perdidas, considerando-as um dano

emergente e independente do resultado final, foi Adriano De Cupis, com sua obra Il

Danno: Teoria Generale Della Responsabilità Civile, em 1966.168

Na mencionada obra, o autor cita alguns exemplos, como do cavalo que

deixou de correr por culpa do jóquei, do quadro de grande pintor, que não chegou a

tempo para a exposição e do advogado que deixou de apresentar recurso no prazo

correto. Em tais casos “La vittoria è assolutamente incerta”, contudo, não há como

negar uma possibilidade de vitória antes da ocorrência do evento danoso.169

Sérgio Savi cita trecho da obra de Adriano De Cupis, o qual considera “um

divisor de águas para a admissibilidade da teoria da responsabilidade civil por perda

de uma chance no Direito Italiano” (SAVI, 2009):

A vitória é absolutamente incerta, mas a possibilidade de vitória, que o credor pretendeu garantir, já existe, talvez em reduzidas proporções, no momento em que se verifica o fato em função do qual ela é excluída: de modo que se está em presença não de um lucro cessante em razão da atual possibilidade de vitória que restou frustrada.170

De Cupis trouxe grandes contribuições para o correto entendimento da

responsabilidade civil pela perda de uma chance, na visão de Sérgio Savi, autor que

167 MELO, Raimundo Simão de. Inden ização pela perda de uma chance. 22/04/2007. Disponível na internet: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.as p?id=1785

168 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 10. 169 Ibidem, p.10. 170 Ibidem, p. 11.

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se aprofundou na leitura italiana da responsabilidade civil por perda de uma chance.

Dentre tais premissas, o autor cita o entendimento italiano de que a perda de chance

se trata de dano emergente, e não lucro cessante, como a doutrina italiana vinha

defendendo; que o dano se refere à perda da vitória, e não da própria vitória

pretendida; que a chance terá sempre valor menor que a própria vitória futura, fato

que refletirá no montante da indenização; que simples esperanças aleatórias não

são passíveis de indenização, mas tão somente as chances sérias e reais.171

Contudo, apesar da grande contribuição de De Cupis, a doutrina italiana, na

visão de Savi, só passou a ter uma adequada compreensão da teoria da

responsabilidade civil pela perda de uma chance com a publicação do artigo do

professor da Università di Milano, Maurizio Bocchiola - Perdita di uma chance e

certezza del danno, em 1976.172

Bocchiola manteve as considerações de De Cupis, afirmando que o que não

aconteceu não pode ser objeto de certeza absoluta; a certeza consiste no fato de

que uma possibilidade foi perdida, sendo que desta forma sempre será uma

hipótese, privada de completa verificação.173

Daí as palavras de Bocchiola, citadas na obra de Sérgio Savi:

É inútil esperar para saber se haverá ou não um prejuízo, porque o seu concretizar-se não depende absolutamente de qualquer acontecimento futuro e incerto. A situação é definitiva e não poderá ser modificada. Um determinado fato interrompeu o curso normal dos eventos, que poderia dar origem a uma fonte de lucro, de tal modo que não é mais possível descobrir se a chance teria ou não se realizado.174

Assim é que, influenciada por decisões francesas e sobretudo pelos

ensinamentos de Adriano De Cupis e Maurizio Bocchiola é que a Corte di

171 Ibidem, p. 11-12. 172 Ibidem, p. 12. 173 Ibidem, p. 14. 174 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009.p. 13.

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cassazione julgou o leading case (primeiro caso) favorável à indenização pela perda

de uma chance – a perda da chance dos trabalhadores de participar das provas de

cultura elementar e direção após realizarem os exames exigidos pelo processo

seletivo para a contratação de motoristas (pág. 66).175

De tal sorte que, paulatinamente a Corte italiana passou a aceitar o

cabimento da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance:

Cass. Sez. Lav. 12 giugno 2003, n.9472 , secondo cui “ i l lavoratore avente d ir i t to a l l ’assunzione obbl igator ia, a i sensi del la legge 2 apr i le 1968, n.482, che s ia s tato er roneamente avv iato a l lavoro dai competent i uf f ic i min ister ia l i e non s ia stato immediatamente ed automaticamente re iscr i t to nel le re lat ive l is te a seguito del precedente erroneo avv iamento, ha d ir i t to a l r isarc imento del danno a lu i der ivato dal la mancata re iscr izione e dal la conseguente perd i ta d i chances, posto che i l concet to d i perd ita d i guadagno, d i cu i a l l ’ar t . 1223 c .c. , s i r i fer isce a quals iasi ut i l i tà economicamente valutabi le e anche ad una s i tuazione cui è col legato un reddi to probabi le” .176

Ou ainda:

Cass. 21 lug l io 2003, n.11322 e Cass. 11 dicembre 2 003, n.18945 , che hanno affermato che la chance d i conseguire un determinato bene non è una mera aspettat iva d i fa t to, ma un ’ent i tà patr imonia le suscet t ib i le d i autonoma valutazione g iur id ica ed economica .177

Nesta esteira, aos poucos a Corte italiana passou a admitir que as chances

perdidas configurariam uma entidade patrimonial passível de valoração, constituindo

175 Ibidem, p. 25. 176 Cass. Sez. Lav. 12 junho 2003, n.9472, segundo o qual ‘o trabalhador tem direito à contratação exigida pela lei 2 abril 1968, n. 482, que foi erroneamente suprimido do trabalho pelo competente ministério e não foi imediata e automaticamente reintegrado nas relativas listas seguindo a precedente errônea de supressão, tem direito ao ressarcimento dos danos causados a ele da falha e consequente perda de chances de reintegração, posto que o conceito de perda de salário, do art. 1223 c.c., se refere a qualquer utilidade econômica valorável e também a uma situação que é ligada a um ganho provável’ TREMANTE, Luigi. Danno da attivitá amministrativa illegittima e perd ita di chance. Disponível na internet: http://www.iussit.it/aArtcOq/perditachance.Mag5.htm 177 Cass. 21 julho 2003, n.11322 e Cass. 11 dezembro 20 03, n. 18945, que foi afirmado que a chance de conseguir um determinado bem não é uma mera expectativa de fato, mas uma entidade patrimonial suscetível de autonomia valorativa jurídica e econômica. TREMANTE, Luigi. Danno da attivitá amministrativa illegittima e perd ita di chance . Disponível na internet: http://www.iussit.it/aArtcOq/perditachance.Mag5.htm

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um dano autônomo, ideal defendido pelos adeptos da teoria clássica da

responsabilidade civil pela perda de uma chance.

Daí a decisão de 12/12/2001, na qual a Corte di Cassazione pacificou o

entendimento de que o dano da perda de chance é um dano autônomo e indenizável

de forma direta. Destarte, da afirmação de que a chance seria mera expectativa de

fato, e, portanto, um dano hipotético não indenizável, a corte italiana passou a

admitir a possibilidade de se indenizar a chance perdida.178

E tal entendimento ainda vem sendo utilizado na jurisprudência italiana. A

título de ilustração e para finalizar, trecho de recente decisão, do último dia 04 de

março, na qual a Corte di Cassazione condenou empresa por utilizar equivocados

critérios de seleção de candidatos, desconsiderando currículo e profissionalismo de

candidato, fato que fez o trabalhador perder as chances de ser contratado:

Ha diritto al risarcimento del danno da perdita di chance il lavoratore che ha perso il concorso interno e non ha quindi ottenuto la promozione perché i criteri di valutazione dei candidati, usati dall’impresa, sono stati scorretti, nel senso che non hanno tenuto conto del curriculum e della professionalità dei partecipanti.179

Assim é que a doutrina italiana passou a admitir a chance perdida como um

dano indenizável, e mais, que o reconhecimento das chances perdidas

corresponderia a uma proteção à própria personalidade humana, baseada em

valores constitucionalmente expressos:

Infine a conclusione del lavoro svolto non resta che evidenziare come la chance rappresenti oggi una forma di tutela della personalità umana. Questo valore è espresso nella carta fondamentale all’articolo. 2 e segna il

178 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009.p.33 179 “Há direito a uma indenização por perda de chance de um trabalhador que perdeu a concorrência interna e, portanto, não obteve promoção, porque os critérios de avaliação dos candidatos, utilizado pela empresa, estavam incorretos, pois não levaram em conta a currículo e profissionalismo dos participantes.” Cassazione.net. Disponível na internet: http://www.cassazione.net/risarcita-la-perdita-di-chance-se-il-concorso-interno-non-tiene-conto-del-curriculum-p1349.html

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passaggio da una concezione settoriale dell’ordinamento ad una concezione unitaria dello stesso sulla base dei valori espressi dalla costituzione. 180

Finalmente, o que se observa é que doutrina e jurisprudência francesas e

italianas influenciaram muitos sistemas jurídicos no que tange à observação da

teoria da perda de uma chance. Inclusive o Brasil, que passou a atentar a esse novo

instituto.

5.2 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL PÁTRIA

O primeiro acórdão brasileiro a mencionar a responsabilidade civil pela

perda de uma chance foi proferido pelo então ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior,

do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em 1990, todavia para não reconhecer

a aplicabilidade do instituto.181

Tratava-se de ação de indenização em função de erro médico que, ao

operar paciente com miopia em grau quatro resultou numa hipermetropia em grau

dois, além de cicatrizes na córnea que resultaram em névoa no olho operado. O

entendimento prolatado foi de que, sendo possível estabelecer um nexo causal entre

a atitude culposa do médico e o dano final, não havia que se falar em indenização

da chance perdida.182

Cirurgia seletiva para correção de miopia, resultando névoa no olho operado e hipermetropia. Responsabilidade reconhecida, apesar de não se tratar, no caso, de obrigação de resultado e de indenização por perda de uma chance.183

180 “Finalmente, na conclusão da obra que permanece é o de destacar como a chance de hoje representa uma forma de proteção da personalidade humana.

Esse valor é expresso no artigo 2 da Carta Fundamental e marca a transição de uma visão setorial para uma concepção unitária da própria ordem, com base em valores expressos na Constituição.” ROSA, Antonio de. Il Danno da Perdita di chance. Disponível na internet: http://studiogiuridico.it/tesi/chancebreve.htm

181 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 48. 182 Ibidem, p. 48. 183 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 5° Câmar a Cível, Apelação Cível n° 598069996. Relator Des. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, julgado em 12/06/1990.

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Posteriormente, em 29/08/1991, Ruy Rosado de Aguiar Júnior deparou-se

com mais um caso em que se pleiteava indenização pela perda de uma chance,

desta vez por desídia de advogado, que, mesmo sabendo que os autos do processo

iniciado em 1975 haviam se extraviado, não informou o fato à sua constituinte, nem

tampouco providenciou a restauração dos autos. Nesse caso foi concedida a

indenização pela perda de uma chance, mas não foram fixados parâmetros para a

quantificação da indenização, remetida a liquidação184:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. PERDA DE UMA CHANCE. Age com negligência o mandatário que sabe do extravio dos autos do processo judicial e não comunica o fato à sua cliente nem trata de restaurá-los, devendo indenizar à mandante pela perda de uma chance.185

E assim, pouco a pouco foram surgindo novas demandas se pleiteando a

indenização pelas chances perdidas em nosso direito pátrio, merecendo destaque

um julgamento que ficou famoso entre os estudiosos do tema, e que aplica a

imputação de responsabilidade civil pela perda de uma chance considerando as

análises probabilísticas de sucesso: o caso do Show do Milhão.

A ementa restou assim consignada:

RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido.186

184

SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 49. 185 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 5° Câmar a Cível, Apelação Cível n° 591064837. Relator Des. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, julgado em 29/08/1991. 186 Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial n° 788.459. Recorrente: BF Utilidades Domésticas Lda. Recorrido: Na Lúcia Serbeto de Freitas Matos. Relator: Min. Fernando Gonçalves, julgado em 08 de novembro de 2005.

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Da análise do relatório do caso, verifica-se que a autora da ação havia

participado do programa “Show do Milhão”, do SBT, comandado por Sílvio Santos, o

qual consistia num concurso de perguntas e respostas em que o prêmio máximo

consistia em R$1.000.000,00 (um milhão de reais) em barras de ouro.

A autora lograra êxito até a penúltima questão, para a qual lhe havia sido

concedido o prêmio no valor de R$500.000,00 (quinhentos mil reais). A última

pergunta – “pergunta do milhão” – valia o prêmio máximo, mas se a resposta

estivesse errada, a participante não teria direito ao valor até então acumulado.

A última questão era a seguinte: “A Constituição reconhece direitos dos

índios de quanto do território Brasileiro?” As opções eram: (1) 22% (2) 2% (3) 4% (4)

10%.

Todavia, nossa Constituição não delimita um percentual do território nacional

destinado aos índios, não havendo, desta feita, uma resposta exata.

A ré embasou-se no art. 231, CF, que reconhece aos índios os direitos sobre

as terras que ocupam cabendo à União demarcá-las. Assim, se a autora soubesse a

área do território nacional e a quantidade de terras ocupadas tradicionalmente pelos

indígenas, teria como responder a questão.

Todavia, como destacou o Juízo da 1° Vara Especiali zada de Defesa do

Consumidor de Salvador, a Constituição Federal não faz menção a um percentual

de terras destinado aos índios, “nem poderia fazê-lo, eis que, até hoje a União na

concluiu o processo de levantamento e demarcação do território indígena, havendo,

inclusive, até os dias atuais, tribos ainda desconhecidas vivendo nos grotões das

selvas brasileiras”.

Assim é que, por não haver resposta correta à pergunta formulada, a

participante do programa optou por não responder à pergunta do milhão,

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salvaguardando o prêmio de R$500.000,00 (quinhentos mil reais). Desta feita, foi

ajuizada demanda pleiteando-se indenização por danos materiais advindos da perda

do prêmio máximo e por danos morais pela frustração de um sonho acalentado por

tanto tempo.

Em primeira instância - Juízo da 1° Vara Especializ ada de Defesa do

Consumidor de Salvador - a ré foi condenada, por danos materiais, ao pagamento

dos R$500.000,00 (quinhentos mil reais), valor que ganharia se tivesse respondido a

assertiva entendida pelo programa como correta.

A ré apelou, mas teve provimento negado pela Primeira Câmara Cível do

Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, mantendo-se a condenação no montante de

R$500.000,00 (quinhentos mil reais).

Ao recorrer ao STJ, a ré sustentou que a condenação no importe relativo ao

prêmio máximo era descabida já que a participante fez opção por não responder à

última pergunta, não ocorrendo, portanto, qualquer dano capaz de justificar o

ressarcimento a título de lucros cessantes. Alegou ainda que, mesmo na hipótese de

Ana Lúcia ter respondido à pergunta, haveria apenas simples possibilidade de êxito,

devendo a ação ser julgada improcedente ou, sucessivamente, ser reduzido o valor

da indenização para R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais), quantia que

melhor traduziria a oportunidade perdida.

Daí é que, lançando mão de um cálculo de probabilidades, o STJ entendeu

que, como haviam quatro alternativas, a chance de lograr êxito correspondia a 25%

dos 500 mil que a resposta correta valia, ou seja, 125.000,00 (cento e vinte e cinco

mil reais).

Conforme ressaltado pelos defensores da aplicação da responsabilidade civil

pela perda de uma chance, o valor da indenização devida pelo agente que

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ocasionou o dano da frustração de oportunidade deverá ser menor que a vantagem

efetivamente esperada caso o evento se processasse até o final: “... a indenização

pela chance perdida será sempre inferior ao montante que a parte receberia se a

oportunidade de um ganho não tivesse sido perdida e o ganho tivesse se verificado”.

(SAVI, 2009)

Neste mesmo sentido, crítica de Rafael Peteffi da Silva, às decisões de

primeiro e segundo graus, que condenaram a ré ao pagamento de indenização no

valor de R$500.000,00 (quinhentos mil reais):

Com efeito, a sentença concedeu reparação correspondente à integralidade a vantagem perdida pela vítima, ou seja, R$500.000,00, como se a vítima não estivesse em um processo aleatório e como se fosse absolutamente certo que esta acertaria a questão. O mesmo caminho foi trilhado pelo Tribunal de Justiça da Bahia, que confirmou a sentença aludida.187

Destarte, Sérgio Savi e Rafael Peteffi da Silva, estudiosos brasileiros que

mais se aprofundaram no estudo da responsabilidade civil pela perda de uma

chance, aplaudem a decisão do Superior Tribunal de Justiça, mas cada qual,

respectivamente, com suas ressalvas:

O acórdão é, em nosso sentir, quase impecável e, sem dúvida, merecedor de nossos aplausos pela forma técnica em que elaborado. Os critérios, limites e a forma de aplicação da teoria defendidos neste livro foram acolhidos quase integralmente. O único reparo que entendemos cabível e que implicaria a modificação do julgado, diz com os limites para a aplicação da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance.188

O presente acórdão tem importância cabal, pois ratifica o entendimento do Tribunal com a responsabilidade de dar a última palavra em matéria civil infraconstitucional de aceitação da teoria da perda da chance. Apesar de a decisão ser digna de aplausos, acreditamos que a quantificação do dano poderia sofrer majoração. (...) mesmo levando e conta o elevado grau de complexidade da “pergunta do milhão”, a indenização poderia ter ficado um pouco acima dos 25% concedidos pelo julgamento final.189

187 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 202 188 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2009. P. 80. 189 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 202-203.

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Entrementes, apesar de cada autor fazer sua ressalva – Savi por entender

que as chances sérias e reais precisam estar acima de 50% de possibilidade de se

concretizarem, e Silva por entender que a autora da ação mostrou conhecimento

acima da média, o que justificaria uma indenização um pouco maior que a

equivalente a 25% -, fato é que ambos consideram a decisão proferida pelo STJ

como um marco na jurisprudência nacional quando se fala em análise da teoria da

responsabilidade civil pela perda de uma chance.

Cumpre observar, todavia, que nossos tribunais ainda estão num processo

incipiente de análise da teoria em foco, muitos enxergando a perda de uma chance

como apenas um agregador ao dano moral, fato severamente criticado por Sérgio

Savi e Rafael Peteffi da Silva. Como pondera Peteffi da Silva,

Com efeito, alguns julgados brasileiros parecem estar confundindo as hipóteses em que a perda de uma chance deve ser considerada como integrante da categoria de danos extrapatrimoniais com as hipóteses em que a chance perdida é um dano com evidente valor de mercado e, portanto, de natureza patrimonial.190

Ambos os doutrinadores admitem que da chance perdida poderá decorrer

danos patrimoniais e morais, todavia o que não admitem é que as chances perdidas

sejam consideradas como sendo uma espécie de dano unicamente moral: “O que

não se pode admitir é considerar o dano causado pela perda de chance como sendo

um dano exclusivamente moral.” (SAVI, 2009)

Daí as severas críticas de Rafael Peteffi da Silva a alguns julgados que

consideram que as chances perdidas configuram tão somente um dano moral, como

entendimento emanado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que restou

assim ementado:

190 Ibidem, p. 209

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RESPONSABILIDADE CIVIL. INFORMAÇÕES DESABONATÓRIAS SOBRE A CONDUTA DO AUTOR. PERDA DA CHANCE. DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO. MANUTENÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. DANO MATERIAL. NÃO COMPROVAÇÃO. I – Indubitável que a ré é responsável pelos atos de seu preposto que, por ordem ou não de seus superiores, forneceu informações inverídicas sobre a conduta do autor, informações estas, determinantes para a não contratação deste por outras empresas. II – Dano material afastado. Ausência de comprovação. III – Danos morais. Manutenção do quantum. Apelos improvidos.191

Tratava-se de ação proposta por ex-empregado da empresa ré, baseado em

informações desabonatórias e inverídicas que a ré fornecia a outros possíveis

empregadores, tendo sido decidido pelo TJRS que a perda de chance de obter

vagas em outras empresas encontrava-se na esfera de danos unicamente morais,

não havendo que se falar em dano material:

Quanto aos danos materiais, tenho que estes incorreram. Embora seja evidente o prejuízo sofrido pelo autor em razão das informações prestadas quanto a sua pessoa, tenho que não se pode presumir que este conseguiria o emprego nas empresas mencionadas, e, muito menos, lá permaneceria trabalhando por muito tempo. Tenho que o maior prejuízo sofrido pelo autor foi a perda da chance de obter o emprego, ou seja, a possibilidade de concorrer com os demais candidatos em patamar de igualdade, com a mesma possibilidade de obter a vag a. No meu entender, tal prejuízo encontra-se na esfera dos da nos morais, devendo ser levado em conta quando do arbitramento destes. Não vislumbro possibilidade de condenar a ré ao pagamento dos salários que o autor perceberia caso conseguisse o emprego, pois, tal fato não passa de uma presunção, não acompanhada da prova necessária para a condenação da empresa ré por danos materiais. Desta forma, diante da não comprovação dos danos materiais, afasto a sua incidência. (grifo nosso)

Nota-se que a perda da chance foi acolhida, mas tal prejuízo restou

compreendido como um dano que se encontrava na esfera dos danos morais.

Contudo, como bem observa Peteffi da Silva, “é evidente que a pessoa que perde

191 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n° 70003568888. Apelante: Assis Oliveira Lem os. Apelado: Planiduto Ar-condicionado Ltda. Relator: Des. Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura, julgado em 27 de novembro de 2002.

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uma possibilidade de conseguir trabalho remunerado sofre uma inexorável

diminuição do seu patrimônio”. (SILVA, 2009)

Tal julgado, que entendeu, assim como muitas decisões atuais sobre perda

de chance, que esta se encaixa num dano de natureza tão somente moral, acarretou

em algumas elucubrações de Rafael Peteffi da Silva que merecem ser transcritas:

Observa-se que o referido julgado está em desacordo com a melhor aplicação da teoria da perda de uma chance. O magistrado bem destacou que não havia nexo de causalidade seguro entre a conduta da ré (informações inverídicas) e a perda da vantagem esperada (emprego). Sua posição resta clara quando ressalta a impossibilidade de reparar os salários que o autor perceberia, caso conseguisse o emprego, visto que esta indenização corresponderia à reparação do dano final.192

O que ambos os estudiosos nacionais que mais se dedicaram ao estudo da

responsabilidade civil pela perda de uma chance, Savi e Silva destacam, é que as

chances perdidas podem resultar em danos de natureza patrimonial e moral, mas

não podem ser encarados como uma subespécie de dano extrapatrimonial.

Outra análise jurisprudencial interessante consignada na obra de Rafael

Peteffi da Silva, foi uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que, ao

julgar demanda proposta por pessoa jurídica em face de seu advogado, que perdeu

oportunidade de recorrer de sentença em reclamatória trabalhista, entendeu que as

chances perdidas pela não interposição do recurso tempestivamente, configuravam

dano de natureza moral.193

Como bem pondera o autor, quando se trata de dano moral, à pessoa

jurídica só é possível sofrer lesão à honra objetiva, sendo que a perda de prazo para

192 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 210. 193 Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação cível n° 2003.001.19138. Apelante: Sebastião Carneiro da Silva. Apelado: Rápido Monteiro Ltda. Relator: Des. Ferdinaldo Nascimento, julgado em 07 de outubro de 2003.

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interposição de recurso por advogado não representa uma mácula na reputação que

a pessoa jurídica goza em relação a terceiros.194

Nesse diapasão, reputa-se oportuno transcrever algumas ementas de

decisões emanadas pelo nosso Tribunal de Justiça do Paraná:

DECISÃO: ACORDAM os Desembargadores que integram a Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em não conhecer o agravo retido, e conhecer e negar provimento as apelações interpostas pelas partes, nos termos do voto do Relator. EMENTA: APELANTE (1): DOMINGOS ALCIDES VANZAN. APELANTE (2): DEMÉTRIO BEREHULKA. APELADOS: OS MESMOS. RELATOR: DES. DOMINGOS JOSÉ PERFETTO AGRAVO RETIDO AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO QUANTO À SUA APRECIAÇÃO EXEGESE DO ARTIGO 523, § 1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL RECURSO NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO CÍVEL (1) AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO PELO CANCELAMENTO DE DEMANDA CULPA CARACTERIZADA DANOS MATERIAIS NÃO CONFIGURADOS AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO ÔNUS QUE INCUMBIA AO AUTOR DANO MORAL MAJORAÇÃO INVIABILIDADE CRITÉRIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE MANUTENÇÃO DO QUANTUM ARBITRADO APELO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. APELAÇÃO CÍVEL (2) AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL PREJUDICIAL DE MÉRITO - PRESCRIÇÃO NÃO OCORRÊNCIA AJUIZAMENTO DA AÇÃO DENTRO DO LAPSO TEMPORAL DE TRÊS ANOS INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 206, § 3º, INCISO V EXTIRPAÇÃO DOS DANOS MORAIS IMPOSSIBILIDADE RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO CULPA CARACTERIZADA - DANOS MORAIS DEVIDOS PELA PERDA DE UMA CHANCE SENTENÇA ESCORREITA RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.195 (grifamos) DECISÃO: ACORDAM, os Senhores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso de apelação e negar provimento ao recurso adesivo, nos termos do voto do Desembargador Relator. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS, LUCROS CESSANTES CUMULADA COM DANO MORAL - ADVOGADO - RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA NO EXERCÍCIO DE SUA ATIVIDADE - NEGLIGÊNCIA E DESÍDIDA CONSTATADAS NO EXERCÍCIO DO OFÍCIO - AÇÃO QUE FOI INTERPOSTA EM FACE DO SUJEITO PASSIVO ERRADO E ACABOU EXTINTA SEM JULGAMENTO DE MÉRITO POR FALTA DE EMENDA Á PETIÇÃO INICIAL - ATO ILÍCITO QUE OCASIONOU A PRESCRIÇÃO DO DIREITO DO AUTOR - DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO - DANOS MATERIAIS NÃO DEVIDOS - IMPOSSIBILIDADE DE AVALIAÇÃO E COMPROVAÇÃO - DANOS MORAIS DEMONSTRADOS PELA PERDA DA CHANCE DE VER SEU PEDIDO APRECIADO PELO PODER JUDICIÁRIO - QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ AFASTADA - SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA - SENTENÇA REFORMADA

194 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 213. 195 Tribunal de Justiça do Paraná. Acórdão 20023. Processo 0626389-8. Relator: Domingos José Perfecto, julgado em 21/01/2010.

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RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO E RECURSO ADESIVO DESPROVIDO.196 (grifo nosso) DECISÃO: ACORDAM os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer de ambos os recursos, dar parcial provimento ao Recurso de Apelação e negar provimento ao Recurso Adesivo, nos termos do voto acima relatado. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO TRABALHISTA - CULPA CARACTERIZADA - OBRIGAÇÃO DE MEIO E NÃO DE RESULTADO - LUCROS CESSANTES NÃO CABÍVEIS - DANOS EMERGENTES NÃO COMPROVADOS - DANOS MORAIS DEVIDOS - PERDA DE UMA CHANCE - MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO - ATENÇÃO ÀS FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - MANUTENÇÃO. 1. A obrigação assumida no exercício da advocacia é de meio e não de resultado, razão pela qual o causídico não tem o dever de indenizar a mera expectativa de direito do cliente. Porém, exsurge o dever de indenizar quando evidenciada a desídia do profissional, sendo cabível a indenização por danos morais, em decorrência da perda de uma chance . 2. O valor do dano moral deve corresponder à finalidade de compensar a vítima pelos momentos de angústia e aborrecimentos sofridos. Ao ofensor, serve a repressão e prevenção, desestimulando novos ilícitos. 3. Os honorários advocatícios são fixados para remunerar o advogado em face do trabalho desenvolvido, razão pela qual o percentual estipulado em sentença revela-se ajustado ao caso concreto. Conformidade ao art. 20, § 3º, CPC. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. APELAÇÃO ADESIVA - PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO TRABALHISTA - CULPA CARACTERIZADA - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DA APELADA NÃO CONFIGURADA. 1. A advocacia é função constitucionalmente reconhecida como essencial à justiça, exigindo-se daquele que a exerce atenção, diligência e técnica para com seus clientes - inclusive em hipótese de mera consulta jurídica. 2. No presente caso, os depoimentos testemunhais, não elididos por qualquer prova em contrário, demonstraram que o advogado agiu com culpa grave, ocasionando o perecimento dos direitos da cliente. Dever de indenizar pela perda de uma chance está plenamente configurado. 3. O exercício regular do direito de ação não caracteriza litigância de má fé, pois, para tanto, devem restar configurados os requisitos previstos no artigo 17 do Código de Processo Civil - o que não ocorre no presente caso. RECURSO ADESIVO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.197 (grifo nosso)

O que estes acórdãos emanados de nosso TJPR têm em comum é a

configuração das chances perdidas como espécie de dano de natureza

extrapatrimonial. De fato, ainda é de difícil caracterização a teoria da perda de uma

196

Tribunal de Justiça do Paraná. Acórdão 18762. Processo 0527372-5. Relator: José Augusto Gomes Aniceto, julgado em 23/07/2009. 197

Tribunal de Justiça do Paraná. Acórdão 16500. Processo 0580250-4. Relator: Rosana Amara Girardi Fachin, julgado em 18/06/2009.

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chance, criando algumas dificuldades quanto aos critérios utilizáveis quando o tema

em julgamento refere-se às oportunidades frustradas.

Para Rafael Peteffi da Silva, muitas vezes nossos tribunais impõem

indenização pelas chances perdidas a título de dano moral a fim de se valer de “um

subterfúgio para escapar das grandes dificuldades técnicas que a quantificação do

dano patrimonial poderia acarretar”. (SILVA, 2009)

Outra questão que gera algumas dificuldades em nossos tribunais é a

visualização da problemática do nexo causal, anteriormente tratada no presente

estudo. Savi e Silva entendem que há duas modalidades de perda de chance: a) a

modalidade clássica, referente à noção de dano autônomo, sendo necessária a

comprovação do nexo causal entre conduta e resultado; e b) a noção de causalidade

parcial, mormente utilizada em casos de perda de chance de cura ou sobrevivência,

sendo que a atitude culposa do médico não configura conditio sine qua non para a

configuração do resultado.

Neste sentido, nota-se que nossa jurisprudência transita ora num

entendimento de que é obrigatória a configuração do nexo causal, ora de que o nexo

causal não pode estar claro.

Na decisão trabalhada nas folhas 71-72, que foi a pioneira na análise das

chances perdidas na jurisprudência brasileira (Apelação Cível 598069996, Des. Ruy

Rosado de Aguiar Júnior), o julgado afastou a condenação pelas chances perdidas

porque estava nítido o nexo causal entre a conduta culposa do médico e o resultado

danoso que foi a hipermetropia de grau 2 e névoa no olho operado:

É preciso esclarecer, para efeito de cálculo de indenização, que não se trata de perda de uma chance, a que em certa passagem se referiu o apelante. Na perda da chance, não há laço de causalidade entre o resultado e a culpa do agente (François Chabas, “La perte d’une Chance em Droit Français” – palestra na faculdade de Direito, 23.5.90): “On remarque, dans ces affaires,

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les traits communs qui sont les caractéristiques du problème: 1. Une faute de l’agent. 2. Um enjeu total perdu et qui pourrait être lè préjudice. 3. Une absence de preuve du lien de causalité entre la perte de cet enjeu et faute, parce que, par définition, cet enjeu est aleatoire. C’est une caractéristique essentielle de la question.”198

Note-se que neste caso a indenização pelas chances perdidas não foi

concedida porque restava clara a atitude culposa do médico resultando num dano à

paciente, ou seja, estava comprovado o nexo causal, o que não seria possível

quando se vislumbra as chances perdidas.

Todavia, no julgado recentemente proferido pelo TJPR, a perda de uma

chance fora afastada exatamente pela falta de comprovação do nexo de

causalidade:

DECISÃO: ACORDAM os integrantes da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator. EMENTA: Responsabilidade civil - Ação de indenização por dano material e moral - Afirmada omissão do Estado (Polícia Militar) e de hospital particular, consistente em realizar o transporte e o atendimento de criança ferida por ataque de cães no interior do local onde residia - Inexistência dos requisitos da responsabilidade civil - Ausência de nexo de causalidade - Vítima que veio a óbito em decorrência da gravidade das lesões. Teoria da responsabilização por perda de uma chance ("perte d'une chance"), ou frustração de expectativa - Inaplicabilidade ao caso, diante da irreversibilidade do quadro clínico da criança - Falta de prova de que existia probabilidade real de que a chance perdida seria bem-sucedida. Indenização indevida . Sentença mantida. Recurso desprovido. A indenização, por aplicação da teoria da responsabil ização pela perda de uma chance, somente é devida quando ficar demons trado que a conduta do agente causador da lesão foi exclusiva o u preponderante na produção do dano .199 (grifo nosso)

Observa-se que tais julgados encontram-se diametralmente opostos, posto

que um afasta a possibilidade de indenização pela perda de chance porque restava

claro o nexo de causalidade entre conduta e dano, enquanto que no segundo

acórdão as chances perdidas são descaracterizadas pela ausência de liame causal. 198 “Podemos perceber, nestes casos, os traços comuns que são as características do problema: 1. Uma falta do agente. 2. Uma chance perdida que poderia ser o dano. 3. Uma ausência de prova do nexo de causalidade entre a perda desta chance e a falta, porque por definição, esta chance é aleatória. É uma característica essencial da questão.” Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível 598069996. Relator: Des. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, julgado em 12/06/1990. 199

Tribunal de Justiça do Paraná. Acórdão 33870. Processo 0581160-9. Relator: Rabello Filho, julgado em 04/08/2009

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Rafael Peteffi da Silva constata que a não imputação de responsabilidade

pela perda de uma chance pela ausência de nexo causal certo e direto entre a ação

ou omissão do agente e a vantagem esperada trata-se de uma nefasta confusão200:

“Ora, esse tipo de entendimento inutiliza a categoria dogmática das chances

perdidas, que desempenhariam a mesma função dos lucros cessantes”. (SILVA,

2009)

Para o autor, o ideal é recorrer-se a um cálculo de probabilidades a fim de

verificar se a chance de se auferir vantagem ou evitar um prejuízo era de fato séria e

real. De tal sorte, deverá o magistrado negar-se a indenizar “elementos aleatórios do

prejuízo” recorrendo às probabilidades, pois, se não se valer das estatísticas, terá de

fazer presunções, mais arbitrárias e fracas que o próprio livre convencimento do

julgador.

Fernando Noronha comunga do ideal de se recorrer às probabilidades, ao

afirmar que “o valor da chance perdida é aferido através de um cálculo das

probabilidades, que houvesse, de se concretizar o resultado em expectativa”.

(NORONHA, 2003)

Neste sentido, julgado do TJPR:

DECISÃO: ACORDAM os Senhores Magistrados integrantes da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO E AO RECURSO DA RÉ, E DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO DO AUTOR, nos termos do voto do relator. EMENTA: Ementa: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. EXTRAVIO DE OBRA DE ARTE NO TRANSPORTE PARA UM EVENTO CULTURAL. 1)- AGRAVO RETIDO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. ACOLHIMENTO APENAS EM CASO DE GARANTIA PRÓPRIA. INOCORRÊNCIA NA ESPÉCIE. RECURSO DESPROVIDO. 2)- APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRO GRAU EM PARTE DO PEDIDO. CONTRATO DE TRANSPORTE. OBRAS DE ARTE QUE DEIXARAM DE CHEGAR A TEMPO DE CONCORRER A PRÊMIOS EM MOSTRA CULTURAL. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA ENTIDADE

200 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas,2009. P. 225.

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REALIZADORA DO EVENTO. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL SOMENTE DA EMPRESA TRANSPORTADORA. INDENIZAÇÃO DEVIDA NÃO SÓ PELO VALOR DO CONTRATO (REMESSA E EMBALAGEM), MAS TAMBÉM QUANTO AOS INSUMOS GASTOS PARA CONFECÇÃO DA OBRA DE ARTE. CONCURSO QUE EXIGIA OBRA INÉDITA. IMPRESTABILIDADE DESTA APÓS A OCORRÊNCIA DA MOSTRA. INDENIZAÇÃO AINDA PELA "PERDA DE UMA CHANCE". DOUTRINA DA "PERTE D`UNE CHANCE". ACOLHIMENTO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AUTOR COM PROBABILIDADE EFETIVA DE FINDAR O CONCURSO ENTRE OS TRÊS MELHORES TRABALHOS. INDENIZAÇÃO CALCULADA DE ACORDO COM A CHANCE MATEMÁTICA DE ÊXITO. MAJORAÇÃO DOS DANOS MATERIAIS E MANUTENÇÃO DOS DANOS MORAIS. FIXAÇÃO RAZOÁVEL. JUROS E CORREÇÃO TRATADOS DE FORMA CORRETA. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA, APELAÇÃO DA RÉ DESPROVIDA E APELAÇÃO DO AUTOR PROVIDA EM PARTE. 1- A denunciação da lide se condiciona à existência de garantia própria entre litisdenunciante e litisdenunciado, ou seja, é preciso que o direito de regresso existente entre um e outro seja decorrente de transmissão de direito por disposição legal ou contratual expressa; 2- Ainda que recuperado o bem transportado, comprovada sua imprestabilidade por não ter chegado ao destino a tempo, é devida indenização pelo valor gasto com sua confecção e não só com o que foi gasto com o transporte; 3- Comprovado que o requerente contava com condições reais de lograr êxito em evento futuro a que fora alijado por ato ilícito ou quebra de contrato, a ele é devida i ndenização pela "perda da chance", calculada com base na probabilid ade matemática que dispunha da ocorrência do evento lucrativo. 201 (grifo nosso)

Nota-se que a decisão supramencionada está de acordo com o que Sérgio

Savi, Rafael Peteffi da Silva e Fernando Noronha entendem como a melhor

aplicação da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance. Resta

consignado na ementa que, para ser devida a indenização, as chances de lograr

êxito devem ser reais, e que o valor devido a tal título será calculado com base em

probabilidades matemáticas de se auferir o benefício esperado antes da interrupção

da álea.

Destarte, o que exsurge inconteste da análise de casos concretos julgados

pelos nossos tribunais pátrios com relação às chances perdidas é que não há

unanimidade. Quer seja com relação à caracterização das chances perdidas, ou

quanto à natureza jurídica do instituto, ou ainda com relação ao quantum debeatur

devido a título de indenização, quer seja com relação à verificação do nexo de

201 Tribunal de Justiça do Paraná. Acórdão 22822. Processo 0471982-0. Relator: Rogério Ribas, julgado em 18/11/2008.

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causalidade entre conduta comissiva ou omissiva e resultado, a verdade é que a

questão não resta pacificada, nem tampouco cristalina.

Como pontua Sérgio Cavalieri Filho,

A jurisprudência, repita-se, ainda não firmou entendimento sobre essa questão; ora a indenização pela perda de uma chance é concedida a título de dano moral, ora a título de lucros cessantes e, o que é pior, ora pela perda da própria vantagem e não pela perda da oportunidade de obter a vantagem, com o que se acaba por transformar a chance em realidade.202

Assim é que, pouco a pouco, a teoria da responsabilidade civil pela perda de

uma chance, ainda que titubeante, vai ganhando espaço em nossos julgados

pátrios, sendo gradativamente ponderada e analisada nos casos concretos.

5.3 JUSTIFICATIVAS PARA A APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA

CHANCE

Conforme visto, França e Itália muito têm contribuído para a difusão da

teoria em estudo, aplicando em muitos julgados a imputação de responsabilidade

civil pela perda de uma chance.

Embora não haja nas legislações mencionadas um dispositivo específico

que trate da reparação de danos causados pelas oportunidades perdidas, ambos os

países se fundam em regras gerais de responsabilidade advindas de ato culposo.203

Nosso ordenamento jurídico também não prevê a responsabilidade civil pela

perda de uma chance, todavia, os defensores da aplicação do instituto fundam-se no

dever geral de não causar dano a outrem, somado ao princípio da dignidade da

pessoa humana, que foca mais a vítima que o causador do dano, aliado ao princípio

da reparação integral dos danos.

202 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 78. 203 Neste sentido, artigo 1.382 do Código Civil Francês, e 2.043 do Código Civil Italiano, que, em linhas gerais sugerem que danos ocasionados com culpa dão ensejo à reparação.

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Neste sentido, Savi menciona que a dignidade da pessoa humana

estampada no art. 1°, III, da Constituição Federal, aliada à concepção da sociedade

justa e solidária defendida pelo art. 3°, I, de nos sa Lei Maior, levam ao implícito

princípio constitucional da reparação integral dos danos, “verdadeiro princípio de

justiça que deverá sempre nortear a atividade do intérprete quando da necessidade

de se aferir o que deve ser objeto de reparação na responsabilidade civil”. (SAVI,

2009)

Assim é que, com respaldo em dispositivos constitucionais, nossa doutrina e

jurisprudência vêm admitindo a responsabilização daquele que, pela interrupção da

álea, impede que uma possibilidade de ganho se efetive, ou que contribui para que

um prejuízo se consume, diminuindo do sujeito as chances de evitá-lo.

Nas palavras de Paulo Nader:

Ao elevar a dignidade da pessoa humana a um dos fundamentos do Estado brasileiro, a Constituição Federal aguçou a sensibilidade dos juristas quanto à necessidade de se tutelar os direitos da personalidade, ampliando-se a tipologia dos danos indutores da indenização.204

Sérgio Savi, também amparado em preceitos constitucionais, defende a

responsabilização pela perda de chance:

Se a Constituição Federal estabelece que a reparação deve ser justa, eficaz e, portanto, plena, não há como se negar a necessidade de indenização dos casos em que alguém perde uma chance ou oportunidade em razão de ato de outrem. Negar a indenização nestes casos equivaleria à infringência dos postulados do póspositivismo (sic), como a hermenêutica principiológica, a força normativa da Constituição Federal e a necessidade de releitura dos institutos tradicionais de Direito Civil à luz da tábua axiológica constitucional.205

204 NADER. Paulo. Curso de direito civil. Responsabilidade civil. Vol. 7. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. P. 71. 205 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P 99.

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Desta feita, estando nosso sistema social mais inclinado a proteger a vítima

do dano injusto do que a castigar comportamentos negligentes206, o reconhecimento

das chances perdidas como espécie de dano a ser reparado, seria o corolário lógico

da reparação integral de danos. Assim,

mesmo não havendo um dano certo e determinado, existe um prejuízo para a vítima, decorrente da legítima expectativa que ela possuía em angariar um benefício ou evitar um prejuízo. Logo, para que exista a possibilidade de reparação civil das chances perdidas, deve-se enquadrá-las, como se danos fossem.207

E para Carlos Eduardo Vinaud Pignata, a flexibilização de alguns elementos

da responsabilidade civil se dá justamente com o intuito de salvaguardar a vítima,

garantindo-lhe a tutela de seus direitos:

A perda de uma chance surge em função de um redirecionamento dos requisitos formadores da responsabilidade civil e da chamada Erosão dos Filtros da Reparação. Esse deslocamento tira a culpa e o nexo de causalidade do centro das atenções e passa a conceber mecanismos reparatórios mais fluidos e voltados a tutela dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana.208

Nesta esteira, fundamenta Rosamaria Novaes Freire Lopes,

Na Perda de uma Chance o autor do dano é responsabilizado não por ter causado um prejuízo direto e imediato à vítima; a sua responsabilidade decorre do fato de ter privado alguém da obtenção da oportunidade de chance de um resultado útil ou somente de ter privado esta pessoa de evitar um prejuízo. Assim, vislumbramos que o fato em si não ocorreu, por ter sido interrompido pela ação ou omissão do agente. Então, o que se quer indenizar aqui não é a perda da vantagem esperada, mas sim a perda da chance de obter a vantagem ou de evitar o prejuízo.209

206 CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil . Rio de Janeiro: Renovar, 2005. P. 17. 207 BIONDI, Eduardo Abreu. Teoria da perda de uma chance na responsabilidade c ivil , de 04/01/2008. Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3988/Teoria-da-perda-de-uma-chance-na-responsabilidade-civil

208PIGNATA, Carlos Eduardo Vinaud. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. Disponível na internet: Carlos Eduardo Vinaud Pignata - http://www.arcos.org.br/artigos/responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance/

209 LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance

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Destarte, “a reparação da pert d’une chance fundamenta-se numa

probabilidade e numa certeza: a probabilidade de que haveria o ganho e a certeza

de que da vantagem perdida resultou um prejuízo” (SILVA, 2004)

Todavia, em que pese a atual doutrina manifestando-se favorável à

indenização pelas chances perdidas, fato é que o instituto ainda é incipiente no

Brasil, gerando dúvidas e controvérsias.

Savi e Silva, maiores estudiosos nacionais do presente tema, afirmam que o

fato de o Brasil apresentar maior resistência à aplicação da teoria da

responsabilidade civil pela perda de uma chance, se comparado a países como

França e Itália, deve-se ao fato de nosso antigo Código Civil trazer uma enumeração

casuística de bens protegidos dentre os artigos 1.537 a 1.553.210

Desta feita, a atuação do magistrado, quando da análise da

responsabilidade civil, ao avaliar o grau de responsabilidade e verificar a culpa,

estaria adstrito aos bens protegidos elencados entre os artigos 1.537 e 1.553:

Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553. (Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 15.1.1919)

Desta sorte, tal enumeração limitaria o poder dos juízes, o que ao se verifica,

por exemplo, no Código Civil francês, precursor na aplicação da teoria em foco.

Todavia, ao defender a aplicação da teoria da responsabilidade civil pela

perda de uma chance, Sérgio Savi funda-se da cláusula geral de responsabilidade,

que prevê a indenização de qualquer prejuízo experimentado pela vítima. Para o

210 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas,2009. P. 16.

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autor, tal premissa justificaria o dever de indenizar ao responsável pelas chances

perdidas pela vítima. Cita, a fim de corroborar sua tese, decisão emanada pelo

Superior Tribunal de Justiça, no REsp 57.529-DF211:

No caso dos autos, estão reconhecidos os pressupostos de fato ara o reconhecimento da responsabilidade da transportadora: houve o extravio da bagagem mencionada pela autora, que por isso deixou de participar da concorrência que se realizava naquele dia. Apenas que a eg. Câmara julgou inexistir o direito à reparação quando há somente a perda de uma chance, situação não prevista em lei. Penso eu que tal decisão causa ofensa ao disposto no artigo 159 do Ccivil, cláusula geral que contempla inclusive a hi pótese da perda de uma real oportunidade de obtenção de uma certa vant agem. Não se indeniza a vantagem de quem venceria a concorrência, mas a perda da oportunidade de concorrer, que é um fato provado, causador de prejuízo de não concorrer, e por isso, incluído no âmbito do ar tigo 159 do CC , pois foi causado por culpa da transportadora.212 (grifo nosso)

O voto em comento entendeu que, em que pese não haver em nosso

ordenamento um dispositivo específico que contemple a perda de uma chance, a

reparação se encontra compreendida no amplo universo do art. 159, CC.

Savi prossegue na enumeração de outros artigos, além do referido 159, que

confirmariam o princípio da reparação integral dos danos, como o art. 402, 948, 949,

todos do Código Civil, além dos já mencionados dispositivos constitucionais que

contemplariam a reparação integral do dano com base na dignidade da pessoa

humana e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (arts. 1°, III c/c 3°, I,

CF).

Nesta esteira, conforme demonstrado ao longo do presente estudo, a

evolução da responsabilidade civil mudou o foco das atenções do julgador, do ato

ilícito para a proteção da vítima de danos injustos. Destarte, sendo as chances

211 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P 98. 212 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 57.529-DF, Quarta Turma. Relator Ministro Fontes de Alencar, julgado em 07/11/1995.

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perdidas contempladas como um dano injusto, daí exsurge o indubitável dever de

indenizar.213

Portanto, parte daí a defesa de muitos estudiosos do tema sobre o dever de

reparar advindo da frustração da oportunidade almejada: “Acentua-se que a

oportunidade de ganho ou de se evitar um prejuízo, por si só, já é incorporada no

patrimônio jurídico do indivíduo, sendo assim, a sua violação ensejará indenização”.

(BIONDI, 2008)

Nota-se até mesmo pela conceituação que muitos doutrinadores - como os a

seguir citados, Sérgio Cavalieri e Fernando Noronha - trazem acerca da perda de

uma chance, que há uma noção de ilícito perpetrado pelo agente que acaba por

causar um dano à vítima – o dano da oportunidade frustrada:

Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda.214 Quando se fala em perda de chances, para efeitos de responsabilidade civil, é porque esse processo foi interrompido por um determinado fato antijurídico e, por isso, a oportunidade ficou irremediavelmente destruída. Nestes casos, a chance que foi perdida pode ter-se traduzido tanto na frustração da oportunidade de obter uma vantagem, que por isso nunca mais poderá acontecer, como na frustração da oportunidade de evitar um dano, que por isso depois se verificou.215

Percebe-se, pelos conceitos supramencionados, que nossa doutrina vem

entendendo a oportunidade perdida como um dano a ser reparado, na medida em

que existia no patrimônio da vítima uma legítima expectativa (séria e real), frustrada

por ato de outrem. E tal expectativa – e não a vantagem esperada – é que será

indenizada, considerando-se as reais chances de efetivação do resultado almejado.

213 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 101. 214 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P.75. 215215 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. Fundamentos do direito das obrigações. Introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 665.

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Crescente a admissibilidade de indenização advinda das chances perdidas,

os defensores desta teoria ponderam a reparação na certeza do dano: “a

possibilidade perdida, em si considerada, era efetivamente existente: perdida a

chance, o dano é, portanto, certo.” (SAVI, 2009)

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6 CONCLUSÃO

A ninguém é permitido lesar outrem, comportamento inadequado e em

desacordo com a máxima neminem laedere. Daí a responsabilidade civil, que visa

reprimir condutas ilícitas e sobretudo oferecer uma resposta à vítima do dano, posto

ser ela o foco central da responsabilidade civil.

Nesta esteira, verifica-se a evolução da responsabilidade civil, com novas

perspectivas e formas de responsabilização a fim de oferecer uma resposta ao

lesado. Neste eixo, novos danos passam a ser considerados pelo nosso

ordenamento jurídico, como o dano extrapatrimonial, cuja dificuldade de parâmetros

na fixação do quantum devido já não serve de justificativa para a falta de reparação.

Os avanços não estagnaram; assim é que surge a responsabilidade objetiva

- independente de culpa. Se antes cabia à vítima do evento danoso a comprovação

da culpa em sentido amplo (culpa em sentido estrito e dolo) do causador da lesão,

passou-se, em alguns casos, considerar que independente da intenção ou

negligência, imprudência ou imperícia, imperioso oferecer uma resposta àquele que

sofreu as consequências dos atos de outrem que lhe causaram um dano -

patrimonial ou extrapatrimonial.

Com tantas evoluções, natural a possibilidade de responsabilização do

próprio Estado – que reinara soberano sem oferecer respostas aos lesados por suas

ações ou omissões, sendo as consequências de seus atos danosos suportadas

pelas vítimas, posto se encontrarem ao lado do caso fortuito ou de força maior.

Dadas as novas facetas da Responsabilidade Civil, foi-lhe conferido um

status pedagógico na medida em que procurava não somente oferecer uma resposta

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à vítima, como também mostrar a toda a sociedade que tal conduta foi reprovada e

sancionada, ao mesmo tempo que punia o contraventor e lhe inibia a reincidência.

Daí o surgimento dos Punitive Damages e de La Perte D’une Chance, institutos

ainda incipientes no Brasil mas que dão à Responsabilidade Civil um certo caráter

pedagógico.

Tendo em vista tais premissas, o direito francês, que, como nosso sistema

jurídico, determina o dever de reparar àquele que causa dano a outrem, passou a

analisar que a frustração de uma chance séria e real de experimentar uma vantagem

ou evitar um prejuízo também careceria de uma resposta.

Daí o surgimento da responsabilitè civil pour la perte d'une chance,

passando-se a encarar as chances perdidas como uma espécie de dano, ora visto

numa categoria de dano autônomo, ora considerado dentro de uma causalidade

parcial – sempre tendo em vista o oferecimento de uma resposta à vítima.

Tal ressarcimento – das oportunidades frustradas – apenas há pouco tempo

passou a ser considerada por nossa doutrina e jurisprudência pátrias, mas ainda

gera celeumas e muitas dúvidas. Há quem rechace a condenação pela frustração da

oportunidade porque esta sempre ficará no campo da incerteza, todavia, os

defensores da teoria entendem que, se a chance for séria e real – jamais meramente

hipotética – a reparação é devida. Contudo, mesmo em se tratando de chances

sérias e reais, não há unanimidade, posto haver quem considere que tal requisito

somente estará preenchido se estas ultrapassarem a marca de 50% (cinquenta por

cento).

Também gera controvérsias a natureza jurídica do instituto, ora vista como

dano emergente, ora como lucro cessante, uma subespécie de dano moral, ou ainda

detentor de uma natureza sui generis. A configuração da natureza jurídica do

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instituto se reveste de singular importância ao refletir no montante devido a título de

indenização. Daí a análise realizada de nossos pretórios e a forma como encaram

as chances perdidas, bem como o arbitramento do valor indenizatório, quando

acolhida a tese de chance perdida.

Destarte, no presente estudo partiu-se da abordagem da responsabilidade

civil, sua evolução, pressupostos e uma análise das teorias aplicáveis ao nexo

causal, posto se revestir de singular importância no estudo das chances perdidas.

Em seguida foi analisada a teoria da perda de uma chance, instituto de

aplicação ainda incipiente e contraditória, mas que vem ganhando cada vez mais

espaço. Aqui se destacou o que nossa melhor doutrina defende: o que se indeniza

não é a vantagem esperada, que sempre ficará no campo da incerteza, mas a

chance perdida. Daí é que, através de um cálculo de probabilidades e da análise dos

requisitos ensejadores da indenização, procura-se oferecer uma resposta à vítima

que viu frustrada uma legítima oportunidade de auferir benefício ou evitar prejuízo.

E foi com relação ao prejuízo efetivamente experimentado, mas que poderia

ser evitado com uma atitude mais diligente, que se estudou a responsabilidade do

médico e do advogado pela perda de uma chance. Assim, se o advogado tivesse

agido com a diligência que o mandato exige, seu cliente poderia não sair

sucumbente numa demanda. Já o médico, se tivesse empregado os meios

necessários, poderia ter dado à vítima uma chance de cura ou sobrevivência.

Destarte, através de doutrina e jurisprudência, foi analisada a responsabilidade

desses profissionais que normalmente exercem uma função de meio, e não de

resultado, mas que ainda assim, poderão ser responsabilizados pela perda de uma

chance – quer seja de vitória numa demanda, quer seja de cura ou sobrevivência.

A partir de então se analisou o direito comparado - ordenamentos franceses

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e italianos, maiores influenciadores da teoria em foco e que oferecem maior número

de julgados e doutrinas sobre as chances perdidas. A partir de então se estudou a

aplicabilidade do instituto em nossos tribunais, donde se concluiu que há muitas

controvérsias na verificação das chances sérias e reais, mormente quando se

verifica uma causalidade parcial na conduta do agente, e não uma conditio sine qua

non para a verificação do dano.

Ainda do estudo de decisões de nossos pretórios, observou-se que a

natureza jurídica das chances perdidas ainda restam muito controvertidas, fato que

invariavelmente influenciará na decisão e na valoração do dano. Esta, por sua vez,

também é avaliada com cautela pelos julgadores, posto algumas decisões serem

remetidas para a liquidação do dano.

Finalmente foram abordadas as justificativas para a aplicação da

responsabilidade civil pela perda de uma chance, donde se concluiu que os

doutrinadores que defendem a indenização pela interrupção de um processo

aleatório que poderia resultar em benefício ou ausência de um prejuízo, fundam-se

na premissa de que a expectativa séria e real passa a integrar o patrimônio da

vítima, sendo que sua perda acarretará num dano carecedor de reparação.

Apesar da ausência de uma legislação específica neste sentido, seus

defensores fundam-se no princípio da reparação integral dos danos, bem como o

princípio da dignidade humana, buscando ainda respaldo na redação do Código

Civil, que garante à vítima do dano injusto uma reparação.

Face todo o exposto, conclui-se que, ressalvados os requisitos ensejadores

da reparação civil pela perda de uma chance, a expectativa séria e real está inserida

no patrimônio da vítima, merecendo uma resposta dentro de um cálculo de

probabilidades quando injustamente frustrada.

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Todavia, há de se destacar que o que se indeniza é a chance, e não a

vantagem não auferida – pela paralisação do processo aleatório, esta restará

inverificável, no campo do hipotético. Esta premissa deve nortear a atividade do

julgador a fim de evitar injustiças.

Assim é que, o que os defensores da teoria da perda de chance pretendem

é justamente a responsabilização de um dano ocorrido pela simples interrupção de

um processo aleatório que poderia resultar em benefício à vítima. Esta vantagem

está revestida de álea, incerteza.

Pela pesquisa realizada, percebe-se que a tendência atual, tanto de doutrina

quanto de jurisprudência, é o reconhecimento de que, com base em princípios

consagrados e na tutela dos direitos da vítima do dano, não há a necessidade de um

dispositivo legal que mencione expressamente o dano advindo da perda de chance

e o dever de repará-lo. A oportunidade séria e real de obtenção de vantagem ou a

expectativa de não sofrer dano constituem um bem que integra o patrimônio da

vítima e que deverá ser protegido, ainda que sob auspícios de princípios e ausentes

regras expressas nesse sentido.

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