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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE TECNOLOGIA E CIÊNCIAS FACULDADE DE OCEANOGRAFIA DAVI HENRIQUE XAVIER BRANCO CARIONI RODRIGUES CARACTERIZAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DE COMUNIDADES PESQUEIRAS NA BAÍA DE GUANABARA COMO SUBSÍDIO À ELABORAÇÃO DE UM NOVO MODELO DE GESTÃO PARA A PESCA DE PEQUENA ESCALA Monografia apresentada à Faculdade de Oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito final para a obtenção do grau de Bacharel em Oceanografia. ORIENTADORA Msc. DEBORAH BRONZ RIO DE JANEIRO, JULHO DE 2009

Monografia_Bacharelado

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A despeito da importância da atividade pesqueira na baía de Guanabara, nota-se a persistência de um ambiente natural e social cada vez mais duro à sua reprodução social. Discussões contemporâneas indicam que um dos maiores empecilhos à sustentabilidade desta atividade encontra-se na ausência de um sistema de gerenciamento adequado à sua peculiar condição socioambiental. Visto isto, esta monografia tem como objetivo contribuir para a compreensão da atividade pesqueira com o intuito de estabelecer novos pressupostos para a elaboração de um novo modelo de gestão. A pesquisa foi realizada em quatro comunidades da baía, a saber: Quinta do Caju e Tubiacanga (município do Rio de Janeiro), Praia de Olaria (Magé) e Gradim (São Gonçalo). A abordagem metodológica baseou-se no emprego do conjunto de técnicas disponibilizadas pelo Diagnóstico Rápido Rural. Os resultados mostraram a presença de um conjunto de modalidades pesqueiras que envolve várias práticas sociais e percepções sobre o ambiente. Notou-se a ocorrência de uma longa cadeia de intermediação da produção, a falta de inserção de políticas públicas e de confiabilidade das comunidades pesqueiras na estrutura governamental existente, além da carência da participação dos pescadores nas instituições locais de pesca.

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE TECNOLOGIA E CIÊNCIAS

FACULDADE DE OCEANOGRAFIA

DAVI HENRIQUE XAVIER BRANCO CARIONI RODRIGUES

CARACTERIZAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DE COMUNIDADES PESQUEIRAS NA BAÍA DE

GUANABARA COMO SUBSÍDIO À ELABORAÇÃO DE UM NOVO MODELO DE GESTÃO PARA A PESCA DE

PEQUENA ESCALA

Monografia apresentada à Faculdade de Oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito final para a obtenção do grau de Bacharel em Oceanografia.

ORIENTADORA Msc. DEBORAH BRONZ

RIO DE JANEIRO, JULHO DE 2009

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ii

Rodrigues, Davi Henrique Xavier Branco Carioni

Caracterização socioambiental de comunidades pesqueiras na baía

de Guanabara como subsídio à elaboração de um novo modelo de

gestão para a pesca de pequena escala / Davi Henrique Xavier Branco

Carioni Rodrigues - 2009

149p.

Orientadora: Msc. Deborah Bronz

Monografia (Bacharelado em Oceanografia) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro -

Faculdade de Oceanografia, Rio de Janeiro, RJ.

1. Atividade pesqueira 2. Diagnóstico Rápido Rural

3. Gestão participativa 4. Baía de Guanabara, RJ

I. Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Faculdade de Oceanografia II. Título

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iii

Davi Henrique Xavier Branco Carioni Rodrigues

CARACTERIZAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DE COMUNIDADES PESQUEIRAS NA BAÍA DE GUANABARA COMO SUBSÍDIO À ELABORAÇÃO DE UM NOVO MODELO DE GESTÃO PARA A PESCA EM PEQUENA ESCALA

Monografia apresentada à Faculdade de Oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito final para a obtenção do grau de Bacharel em Oceanografia.

APROVADO EM 23 DE JULHO DE 2009,

______________________________________ PhD. Gian Mario Giuliani

Universidade Federal do Rio de Janeiro – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais

______________________________________ PhD. Marcus Polette

Universidade do Vale do Itajaí – Centro de Ciências Tecnológicas da Terra e do Mar

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iv

AGRADECIMENTOS

Sem hesitar agradeço a minha família, acolhedora, amorosa, estimulante. A

todos os seus componentes, inclusive àqueles que nem conheci. Agradeço

especialmente a minha mãe e meu pai, que há pouco mais de 27 anos se

encontraram em uma praia em Macaé. Aos meus queridos avós.

Aos meus amigos queridos, a todos, inclusive aqueles amigos cuja amizade

tenha durado apenas um lampejo de segundo. Saibam que estão na minha

essência, que fluem e continuarão fluindo dentro. Aos meus companheiros da

oceanografia, que dividiram momentos brilhantes.

Ao amor, grande fermento da vida.

Aos anarquistas, que correspondem a uma categoria à parte de ser humano,

especialmente aqueles que iluminam minha vida e me fazem seguir

caminhando a cada manhã de domingo. Que este trabalho seja o pontapé

inicial para novas discussões, para novas possibilidades de transformação.

Agradeço aos meus orientadores acadêmicos, a quase todos.

E fundamentalmente aos pescadores da baía de Guanabara, por terem me

acolhido em diversas conversas de beira mar. Espero que possamos avançar

rapidamente na direção de uma vida melhor para todos.

Page 5: Monografia_Bacharelado

v

A oceanografia [...] é uma arte antes que uma ciência, mas como

todas as grandes artes demanda o concurso de todas as ciências.

Por isso prefiro dizer que a oceanografia é arte e ciência ao

mesmo tempo. A ciência tem aspirações infinitas. Na realidade,

porém, ela é cruelmente limitada pela infinita fraqueza da

inteligência humana e pela infinita transcendência dos

fenômenos naturais.

Almirante Raul Tavares,

02 de setembro de 1940

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vi

ABSTRACT

In spite of the importance of the fishery industry at the Guanabara bay, a hard

natural and social environment persists creating difficulties to its social

reproduction. Contemporary debates show that one of the reasons behind this

situation is related to the inadequacy of the tools and policies that have been

applied to fishery management, usually not adapted to fishery peculiar social

and natural features. The aim of this monograph lies on the comprehension of

fishery practices, with the general objective of the establishment of a new set of

variables that could support the design of a new management project to the

Guanabara bay fishery. The research was carried out in four communities:

Quinta do Caju and Tubiacanga (Rio de Janeiro City), Praia de Olaria (Magé

City) and Gradim (São Gonçalo City). The data was collected through the use of

the techniques available at the Rapid Rural Appraisal. The results show the

presence of several types of fishing activity, each one based in a particular set

of fishing practices and environmental perceptions. Furthermore the Guanabara

bay fish commercialization chain is long and the communities have a trustless

perception about the role played by the government structures, by the public

policies and by the public investments. Yet, the local fishermen institutions don´t

count with the support of a great number of fishermen.

Page 7: Monografia_Bacharelado

vii

RESUMO

A despeito da importância da atividade pesqueira na baía de Guanabara, nota-

se a persistência de um ambiente natural e social cada vez mais duro à sua

reprodução social. Discussões contemporâneas indicam que um dos maiores

empecilhos à sustentabilidade desta atividade encontra-se na ausência de um

sistema de gerenciamento adequado à sua peculiar condição socioambiental.

Visto isto, esta monografia tem como objetivo contribuir para a compreensão da

atividade pesqueira com o intuito de estabelecer novos pressupostos para a

elaboração de um novo modelo de gestão. A pesquisa foi realizada em quatro

comunidades da baía, a saber: Quinta do Caju e Tubiacanga (município do Rio

de Janeiro), Praia de Olaria (Magé) e Gradim (São Gonçalo). A abordagem

metodológica baseou-se no emprego do conjunto de técnicas disponibilizadas

pelo Diagnóstico Rápido Rural. Os resultados mostraram a presença de um

conjunto de modalidades pesqueiras que envolve várias práticas sociais e

percepções sobre o ambiente. Notou-se a ocorrência de uma longa cadeia de

intermediação da produção, a falta de inserção de políticas públicas e de

confiabilidade das comunidades pesqueiras na estrutura governamental

existente, além da carência da participação dos pescadores nas instituições

locais de pesca.

Page 8: Monografia_Bacharelado

viii

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ............................................................................... IV

ABSTRACT .............................................................................................. VI

RESUMO ................................................................................................. VII

SUMÁRIO ............................................................................................... VIII

LISTA DE FIGURAS ................................................................................. X

LISTA DE FOTOS .................................................................................... XI

LISTA DE QUADROS ............................................................................ XIII

1 INTRODUÇÃO ................................................................................... 1

2 OBJETIVOS ..................................................................................... 11

2.1 GERAL ................................................................................................. 11

2.2 ESPECÍFICOS ...................................................................................... 11

3 JUSTIFICATIVA ............................................................................... 11

4 ÁREA DE ESTUDO ......................................................................... 13

5 METODOLOGIA .............................................................................. 20

5.1 PLANO AMOSTRAL ............................................................................. 20

5.2 MÉTODO DE APREENSÃO DOS DADOS .......................................... 22

5.2.1 ANÁLISE BIBLIOGRÁFICA E DOCUMENTAL ............................................. 26

5.2.2 OBSERVAÇÕES DE CAMPO ................................................................. 26

5.2.3 ENTREVISTAS ................................................................................... 28

5.3 ESCOLHA DAS VARIÁVEIS ESTUDADAS ......................................... 30

5.4 RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS ........................................... 32

5.5 RESUMO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS ................................ 34

6 DIAGNÓSTICO AMBIENTAL DA BAÍA DE GUANABARA .................................................................................. 36

6.1 POLUIÇÃO ........................................................................................... 36

6.2 PERCEPÇÕES SOBRE MUDANÇAS AMBIENTAIS ........................... 38

6.3 SOCIOECONOMIA ............................................................................... 41

6.3.1 POPULAÇÃO ..................................................................................... 42

6.3.2 EDUCAÇÃO ....................................................................................... 43

6.3.3 SANEAMENTO ................................................................................... 45

6.3.4 SÍNTESE DOS DADOS SOCIOECONÔMICOS ............................................ 46

6.4 MARCOS POLÍTICOS E INSTITUCIONAIS ASSOCIADOS À ATIVIDADE PESQUEIRA ................................................................. 47

Page 9: Monografia_Bacharelado

ix

7 DIAGNÓSTICO DA ATIVIDADE PESQUEIRA ............................... 53

7.1 PRÁTICAS PESQUEIRAS ................................................................... 53

7.1.1 TUBIACANGA .................................................................................... 54

7.1.2 QUINTA DO CAJU .............................................................................. 56

7.1.3 GRADIM ........................................................................................... 61

7.1.4 PRAIA DE OLARIA .............................................................................. 68

7.2 COMPOSIÇÃO, DISTRIBUIÇÃO E IMPORTÂNCIA DAS ESPÉCIES ALVO ................................................................................. 75

7.3 DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO NA PRODUÇÃO PESQUEIRA ........................................................................................ 77

7.4 ECONOMIA PESQUEIRA .................................................................... 79

7.5 ORGANIZAÇÃO LOCAL DA PESCA ................................................... 89

7.5.1 ASSOCIAÇÃO DOS PESCADORES LIVRES DE TUBIACANGA .................... 89

7.5.2 COLÔNIA Z-12 .................................................................................. 92

7.5.3 ASSOCIAÇÃO DOS PESCADORES LIVRES DO GRADIM E ADJACÊNCIAS ... 94

7.5.4 COLÔNIA Z-09 ................................................................................ 101

8 ANÁLISE CRÍTICA ........................................................................ 108

8.1 DA METODOLOGIA ........................................................................... 108

8.2 DOS RESULTADOS .......................................................................... 109

8.2.1 TIPOLOGIA DA PESCA NA BAÍA .......................................................... 109

8.2.2 PRESSÕES SOCIOECONÔMICAS ....................................................... 110

8.2.3 PRESSÕES AMBIENTAIS ................................................................... 113

8.2.4 REGULAÇÃO DO ACESSO AOS RECURSOS PESQUEIROS ..................... 114

8.2.5 TERRITORIALIDADE E CONFLITOS PELO USO DO ESPAÇO MARÍTIMO .... 116

8.2.6 DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO E ECONOMIA PESQUEIRA ................... 118

8.2.7 ORGANIZAÇÃO COMUNITÁRIA DA PESCA ........................................... 120

9 CONCLUSÕES .............................................................................. 124

10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................. 127

Page 10: Monografia_Bacharelado

x

LISTA DE FIGURAS

Figura 2.1: Esquema de diferenciação das pescarias de grande e pequena escalas. Fonte: Adaptado de Berkes et al. (2001). ........................................................................................... 2

Figura 5.1: Localização da baía de Guanabara e de seus municípios confrontantes. ............................................................ 14

Figura 5.2: Bacia de drenagem da baía de Guanabara. ................................ 16

Figura 5.3: Classificação das localidades onde ocorrem desembarque pesqueiro na baía de Guanabara. ........................ 21

Figura 5.4: Localização das comunidades de pescadores da baía de Guanabara que foram estudadas. .................................. 22

Figura 5.5: Possíveis triangulações utilizadas para ratificar uma informação sobre um mesmo tema. Fonte: Adaptado de Wilde (2001). .......................................................................... 24

Figura 5.6: Distribuição das variáveis pelas demais seções desta monografia. ........................................................................ 34

Figura 5.7: Fluxograma de desenvolvimento deste trabalho monográfico. ................................................................................ 34

Figura 6.1: Mancha de óleo estimada a partir do processamento de imagem de satélite para o dia 19 de janeiro de 2000. Fonte: Kampel & Amaral (2001) ........................................ 39

Figura 7.1: Esquema de utilização do candombe. Fonte: Bernardes e Bernardes (1950). ................................................... 55

Figura 7.2: Pesca com rede de balão. Fonte: Bernardes e Bernardes (1950)......................................................................... 57

Figura 7.3: Esquema da rasca de bater, ou cerco. Fonte: Bernardes e Bernardes (1950). ................................................... 64

Figura 7.4: Esquema de pesca de cerco sem parceria com a utilização de estruturas de currais desativados. Fonte: Adaptado de Bernardes e Bernardes (1950). ................... 65

Figura 7.5: Esquema da pesca denominada tribobó. Fonte: Bernardes e Bernardes (1950). ................................................... 69

Figura 7.6: Esquema de cercado fixo, curral, armado no fundo da baía de Guanabara. Fonte: Bernardes e Bernardes (1950)......................................................................... 71

Figura 7.7: Fluxograma da cadeia de comercialização do pescado produzido nas comunidades pesquisadas. ................... 88

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xi

LISTA DE FOTOS

Foto 7.1: Embarcações de arrasto ............................................................. 58

Foto 7.2: Traineiras de cerco ..................................................................... 58

Foto 7.3: Rede de cerco sendo concertada. .............................................. 60

Foto 7.4: Pescadores desembarcando a produção no Gradim. ................. 61

Foto 7.5: Píer da Associação de Pescadores do Gradim. .......................... 61

Foto 7.6: Vista da orla do Gradim. ............................................................. 62

Foto 7.7: Redes de emalhe dispostas sobre as embarcações dos pescadores artesanais do Gradim........................................ 63

Foto 7.8: Lanternas utilizadas para localizar as redes de caceia. ......................................................................................... 65

Foto 7.9: Detalhe do arranjo de garrafas pet utilizadas para manter as redes flutuando. ......................................................... 66

Foto 7.10: Detalhe do botijão utilizado nas pequenas embarcações dos pescadores do Gradim. .................................. 67

Foto 7.11: Embarcações de arrasto do Gradim. .......................................... 68

Foto 7.12: Detalhe da porta utilizada para manter a rede aberta. ................ 68

Foto 7.13: Embarcação utilizada na despesca dos currais. ......................... 72

Foto 7.14: Detalhe do galão e do sarrico. .................................................... 72

Foto 7.15: Currais desativados nas proximidades da Praia de Olaria. ......................................................................................... 73

Foto 7.16: Pescador tralhando uma rede de espera. ................................... 74

Foto 7.17: Tabuleiro com corvinas. .............................................................. 76

Foto 7.18: Pescadores negociam o preço do camarão cinza. ..................... 76

Foto 7.19: Tabuleiro com sardinhas. ............................................................ 76

Foto 7.20: Presidente da APeLGA expõe um bagre. ................................... 76

Foto 7.21: Companheiros de pesca desembarcam o pescado capturado em Olaria.................................................................... 78

Foto 7.22: Grande número de pescadores negociam os preços de venda do pescado que acabaram de desembarcar no Gradim. ............................................................ 80

Foto 7.23: Na falta de tabuleiros, os pescadores colocam o pescado provisoriamente sobre o chão. ..................................... 80

Foto 7.24: Carregador recebe o pescado para ser transportado ao local de venda. ....................................................................... 81

Foto 7.25: Carregador transporta o pescado pelo píer do Gradim. ....................................................................................... 81

Foto 7.26: Pescado sendo pesado por um diretor da Associação de Pescadores. ........................................................ 82

Foto 7.27: Local de desembarque de Olaria ................................................ 83

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xii

Foto 7.28: Compradores se aglomeram no entorno de uma embarcação. ................................................................................ 83

Foto 7.29: Caminhão frigorífico do principal comprador de pescado de Olaria. ...................................................................... 84

Foto 7.30: Pequeno comprador local de pescado limpando um tabuleiro de sardinhas para revendê-las com maior valor agregado. ........................................................................... 85

Foto 7.31: Comprador de peixaria de Duque de Caxias. .............................. 86

Foto 7.32: Sede da Colônia z-12. ................................................................. 92

Foto 7.33: Vista do píer da Quinta do Caju, e no centro ao fundo, a sede da Associação dos Pescadores. ........................... 94

Foto 7.34: Sede da APeLGA. ....................................................................... 96

Foto 7.35: Detalhe da fachada da APeLGA ................................................. 96

Foto 7.36: Sede da Colônia Z-09. ............................................................... 102

Foto 7.37: Reunião de pescadores na Colônia Z-09. ................................. 103

Page 13: Monografia_Bacharelado

xiii

LISTA DE QUADROS

Quadro 5.1: Variáveis utilizadas como referência para a realização do diagnóstico ambientais das comunidades pesqueiras estudadas. .......................................... 31

Quadro 5.2: Número de entrevistas por localidade. ........................................ 29

Quadro 5.3: Distribuição das variáveis pelas técnicas de coleta de dados ..................................................................................... 32

Quadro 6.1: Síntese dos dados socioeconômicos e percepções ambientais dos pescadores entrevistados .................................. 46

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Page 15: Monografia_Bacharelado

1

1 INTRODUÇÃO

A pesca marinha extrativa de pequena escala corresponde a uma das formas

mais antigas de apropriação dos recursos naturais, sendo ainda hoje muito

importante no que diz respeito à produção de pescado para alimentação

humana. A pesca é capaz de aumentar a segurança alimentar e a fonte de

renda de comunidades costeiras aviltadas por elevados índices de pobreza

(Bené et al. 2007; Berkes et al. 2001; Weid, 1997).

A pesca de pequena escala é caracterizada, de uma forma geral: pela

utilização de aparelhos pesqueiros com relativo baixo desenvolvimento

tecnológico; por ocorrer de forma difusa na costa e por empreender o esforço

pesqueiro sobre uma grande assembléia de organismos; por apresentar baixa

capacidade de acumulação mercantil; por depender de um longo sistema de

intermediação do pescado; por apresentar baixa divisão social do trabalho; por

permitir um acesso relativamente fácil à propriedade sobre os meios de

produção e por proporcionar, em muitos casos, um relativo pequeno impacto

ambiental (Rebouças, 2006; Marrul Filho, 2001; Cardoso, 2001; Berkes et al.

2001; Diegues, 1983).

A pesca de grande escala, por sua vez, açambarca modalidades pesqueiras

que empenham um grande volume de capital para a realização das pescarias.

São caracterizadas pela atuação de grandes frotas, compostas por

embarcações de grande porte, equipadas com instrumentos de elevada

sofisticação tecnológica, como sonares, sistemas de posicionamento via

satélite e câmaras de processamento de pescado a bordo. Este tipo de

atividade envolve modalidades pesqueiras desenvolvidas a partir do final do

século XIX, e nele predomina o modo de produção capitalista (Rebouças, 2006;

Marrul Filho, 2001; Berkes et al. 2001; Diegues, 1983).

A Figura 1.1 ilustra os dois pólos do espectro que compõe os modos

pesqueiros de produção.

Page 16: Monografia_Bacharelado

2

Figura 1.1: Esquema de diferenciação das pescarias de grande e pequena escalas. Fonte:

Adaptado de Berkes et al. (2001).

Uma classificação dos tipos pesqueiros mais adaptada à realidade brasileira é

apresentada por Diegues (1983). O autor propôs a divisão dos modos de

produção da pesca em cinco categorias, a saber: (1) de auto-subsistência; (2)

pequena produção dos pescadores-lavradores; (3) pequena produção dos

pescadores artesanais; (4) produção dos armadores; e (5) produção das

empresas de pesca. Estrito senso, em virtude das formas amálgamas entre

estes modos, torna-se complicado a generalização destes tipos para todo o

litoral brasileiro1, sobretudo um enquadramento direto destes tipos sob as

categorias mais gerais de pesca, definidos anteriormente entre pequena e

grande escalas.

A divisão entre pesca artesanal e industrial é comum nos diplomas e

regulamentos legais relacionados à regulamentação da atividade pesqueira no

Brasil. No caso da Instrução Normativa nº 03/04 e da Lei nº 10.779/03 a

1 Dentre os exemplos das variações dos modos de pesca tem-se a produção artesanal de

grande porte da Região Norte Fluminense e as empresas pesqueiras da Baixada Litorânea Fluminense, onde predominam a utilização do mesmo tipo de embarcação, de médio porte. Por sua vez, a atuação dos arrasteiros, da “redinha” na captura do caranguejo (IBAMA, 2002) e do puçá grande na captura do peroá (Vianna et al. 2006) correspondem à modalidade artesanais que apresentam grande impacto ambiental. O fácil acesso aos meios de produção também não deve ser notado como uma característica intrínseca à pesca artesanal, haja vista a presença de importante variação regional deste aspecto socioeconômico da atividade pesqueira (Diegues, 1983).

Page 17: Monografia_Bacharelado

3

separação entre estas duas categorias ocorre através do recorte estabelecido

pelo controle individual dos pescadores sobre seus meios de produção. Já para

o Decreto no 3.668/00 é determinante para a divisão entre pesca artesanal e

industrial o tamanho da embarcação e a tonelagem de arqueação bruta.

A despeito da classificação dos tipos pesqueiros, outra questão importante

encontra-se sob constante debate técnico, a saber: o papel exercido pelas

comunidades de pescadores na degradação e na conservação dos recursos

pesqueiros e ambientes marinhos. Conforme constata Ostrom (1990a), é difícil

que se passe uma semana sem que seja publicado algum estudo ou matéria

de jornal que enfatize a ameaça da pesca predatória à biodiversidade marinha.

Esta é uma discussão que ecoa desde o final do século XIX, quando já se

vislumbravam algumas evidências sobre a esgotabilidade de estoques

pesqueiros explotados por uma crescente atividade de pesca industrial2 (Myers

e Worm, 2003; Pauly et al. 2002; Dias Neto, 2001; Marrul Filho, 2001).

Com o aumento dos impactos ambientais decorrentes do crescimento

econômico intenso e não planejado que se estabeleceu na maior parte das

regiões costeiras, e com o conseqüente aumento da pressão antrópica sobre

os ecossistemas marinhos (Rebouças et al. 2006), em meados do último

século, parte da comunidade científica e de agentes de desenvolvimento

tornaram-se mais incisivos na recomendação de que fossem elaboradas

estratégias de gestão para a pesca (Dias Neto, 2001).

A primeira resposta oferecida à questão da degradação ambiental

proporcionada pela atividade pesqueira, com grande destaque entre os

tomadores de decisão, teve cunho altamente tecnocrático. As estratégias de

gestão estiveram baseadas em modelagens dos estoques pesqueiros e as

decisões eram impostas sob forma de comando-controle (Estado), ou através

do fomento à privatização dos recursos. Os modelos se mostraram demasiado

2 Muito embora que, neste período, fossem hegemônicas as opiniões que expressassem

ceticismo em relação à necessidade de gerir as práticas pesqueiras, conforme pode ser observado no fragmento da palestra de Thomas Huxley, apresentada na abertura da Fisheries Exhibition (1882): “Eu acredito que a pesca do bacalhau, da cavala e do arenque, e provavelmente a de qualquer outra pescaria oceânica é inesgotável; nada que fizermos seriamente afetará o número de peixes. E qualquer tentativa de regular estas atividades significará, conseqüentemente, a natureza de ser uma iniciativa sem propósito” (Huxley, 1883).

Page 18: Monografia_Bacharelado

4

imprecisos e as políticas de gestão incapazes de lidar com a diversidade das

formas pesqueiras e com as limitações institucionais (capitais físico e humano)

dos países pobres (Berkes et al. 2001; Dias Neto, 2001; Marrul Filho, 2001;

Mace, 2001).

No caso brasileiro, por exemplo, a tentativa de reproduzir as propostas de

gestão desenvolvidas pelos países ricos, ainda esbarrou no uso tendencioso

de instrumentos econômicos e normativos, que visaram defender interesses

privados, bem como na orientação das políticas de desenvolvimento da pesca

ao atendimento das demandas do mercado internacional3. Para inúmeros

autores, estas duas práticas se constituem em características marcantes da

política pesqueira nacional (Rebouças et al. 2006; Dias Neto, 2002; Marrul

Filho, 2001; Diegues, 1983). Além disto, o Estado e líderes políticos se

mostraram suscetíveis ao uso ilegal do poder político e financeiro em atos

corruptos4, além de promover o enfraquecimento do desenvolvimento social

através de atitudes clientelistas.

Paralelamente às respostas técnicas ao problema da degradação dos recursos

pesqueiros (banimento de petrechos, estabelecimento de épocas de pesca, de

tamanhos mínimos de captura, etc.), se desenvolvia outra abordagem sobre a

questão, fundamentada em aspectos sociais. H. Scott Gordon5 e Garrett

3 O IBAMA trouxe à gestão da pesca um olhar muito distinto daquele presente na SUDEPE:

marcou que o potencial pesqueiro nacional era muito inferior daquele que havia sido especulado em anos anteriores; e defendeu a relevância que havia no estabelecimento de medidas de conservação de estoques ameaçados. Após alguns anos de sucessivos desgastes institucionais, o IBAMA perdeu força política e passou a dividir a responsabilidade da gestão de pesca com o Departamento de Pesca e Aqüicultura, criado dentro do Ministério de Agricultura e Pecuária. Uma das primeiras medidas do DPA foi retomar a política de incentivos fiscais, que havia sido interrompida pelo IBAMA. Como já ocorria desde o período em que a SUDEPE fomentava os incentivos, os principais beneficiados continuaram sendo um pequeno grupo de empresários, enquanto os pescadores de pequena escala continuaram preteridos. Por este motivo e por outros, Dias Neto (2002) considera a criação do DPA um reflexo da influência política exercida por este grupo de empresários sobre o Governo Federal.

4 Tendo em vista acontecimentos recentes, onde inúmeros funcionários do IBAMA foram

presos pela Polícia Federal, por receberem propina para não autuar pescadores de sardinha que pescavam em período de defeso.

5 Howard Scott Gordon nasceu no Canadá, onde se graduou em economia. Embora o centro

de suas pesquisas tenha se baseado em teoria monetária e política, seu artigo publicado em 1954, sobre a teoria econômica de recursos de propriedade comum (como os recursos pesqueiros), continua sendo constantemente re-editado.

Page 19: Monografia_Bacharelado

5

Hardin6 defendiam que o problema da degradação dos recursos pesqueiros

afina-se à forma como os recursos são apropriados e percebidos pelos grupos

de usuários que os utilizam. Para os estudiosos, quando apropriados sem um

claro regime de propriedade, os recursos pesqueiros tenderiam à degradação

e, por extensão, ao colapso da atividade. Gordon (1957:124), por exemplo,

destaca que:

“Aparentemente há alguma verdade no ditado popular de que o que é de todos é

de ninguém [...] os pescadores não valorizam o peixe no mar porque não há

nenhuma certeza de que eles estarão disponíveis amanhã, caso sejam deixados

para trás hoje”.

O seminal trabalho de Garret Hardin, intitulado The Tragedy of the Commons

publicado em 1968, “tornou-se parte da sabedoria convencional de estudos

ambientais, do planejamento de recursos e das ciências econômica, ecológica

e política”, conforme destacaram Fenny et al. (1990:18).

A tragédia dos comuns tornou-se um trabalho determinante para a definição de

uma das assunções mais amplamente aceitas na comunidade cientifica e entre

os tomadores de decisão governamentais, de que a tendência geral de declínio

dos estoques e a degradação dos ecossistemas marinhos encontram-se

associados à persistência de sistemas de apropriação comunal ou de livre

acesso aos recursos naturais7 (Acheson, 1975).

Se, por um lado, as idéias difundidas através da publicação da tragédia dos

comuns fundamentaram o acirramento da tecnocracia, de políticas de Estado

centralizadoras e direcionadas às estratégias de comando-e-controle em

6 Nascido em 1915, nos Estados Unidos da América, Garrett Hardin graduou-se em zoologia,

especializando-se em microbiologia, anos mais tarde. Entre 1963 e 1978 foi professor de Ecologia Humana na Universidade de Santa Bárbara, na Califórnia. E foi justamente durante este período que o pesquisador, cujo foco de pesquisa era o crescimento populacional, escreveu um dos seus mais célebres trabalhos, “the tragedy of the commons”.

7 Hardin (1968) utiliza a metáfora de um pasto comum que possui uma dada capacidade de

suporte, e que é explotada no limite desta capacidade por um determinado número de usuários. O problema surge quando cada usuário avalia os benéficos e os custos de se adicionar mais um animal ao rebanho. Neste momento, segundo Hardin, a matemática é simples, e a decisão atingida por cada usuário é a mesma, pois na medida em que o benefício de adicionar mais um animal é individualizado a cada pastor, e os custos relacionados a sobre-explotação do pasto são compartilhados por todos, haveria uma grande vantagem na adição de mais um animal. Os seres-humanos estariam dessa forma “aprisionados” a sua própria e inevitável destruição. O estudioso conclui: “Liberdade diante de um recurso de uso comum, gera a ruína de todos”.

Page 20: Monografia_Bacharelado

6

determinadas regiões e da intensificação da privatização dos recursos

pesqueiros, por outro, estimulou uma produção científica que enfatizou

exatamente o contrário do que havia proposto. Ou seja, trouxe à luz do debate

o papel fundamental desempenhando por inúmeras comunidades de

pescadores na promoção da conservação de recursos pesqueiros e dos

ecossistemas marinhos.

Conforme destaca Goldman (1998), contestando o modelo proposto por Garrett

Hardin seguiram inúmeros trabalhos baseados em estudos de caso, que

procuraram enfatizar a complexidade social dos territórios. Sistemas de

apropriação comunal de recursos naturais complexos e sobrepostos a outros

sistemas (privado, estatal) dariam lugar à monocromática tragédia dos comuns,

que promove uma visão confusa e reducionista acerca da influência da gestão

comunal sobre a sustentabilidade dos recursos de uso comum8.

A pressão exercida pelas interpretações do ensaio de Garrett Hardin à luz de

evidências empíricas de sua plena aplicabilidade pode ter sido uma influência

poderosa na definição de políticas de desenvolvimento nacional e

supranacional. Conforme pontua Goldman (1998:47), a Conferência das

Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a ECO-92,

corresponde ao “Maior Show dos Comuns da Terra”, que, de acordo com

Rebouças et al. (2006:83), expandiu a discussão sobre “as condições de

viabilidade de uma modalidade de gestão simultaneamente integrada e

descentralizada dos recursos naturais”.

Na “Declaração do Rio9” constam alguns princípios que visam “estabelecer

uma nova e equilibrada parceria global através da criação de novos níveis de

cooperação entre Estados, setores chaves das sociedades e as pessoas”. Os

Princípios 10 e 22 enfatizam o papel das comunidades de usuários na gestão

dos recursos que utilizam, conforme se apresentam a seguir:

8 Destacam-se na literatura dos comuns os trabalhos realizados por Acheson (1975), Berkes

(1985; 1986; 1987 e 1991); Ostrom (1986; 1988 e 1990), Agrawal (1989), Bromley e Cernea (1989), Binder (1991) e Bromley (1992).

9 Este documento foi aprovado em assembléia ordinária das Nações Unidas durante a

Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, organizada no Rio de Janeiro em 1992.

Page 21: Monografia_Bacharelado

7

“As questões ambientais são melhores manejadas quando há a participação de

cidadãos conscientes (...). Em nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso

apropriado sobre informações relacionadas ao meio ambiente (...) e ter a

oportunidade de participar do processo de tomada de decisão (Princípio 10 –

UNCED10

, 1992)”.

“As comunidades tradicionais e outras comunidades locais possuem um papel vital

ao processo de gerenciamento do meio ambiente e ao desenvolvimento, tendo em

vista seus conhecimentos e práticas tradicionais. Os Estados devem prontamente

reconhecer e estimular as suas identidades, culturas e interesses bem como

garantir que participem efetivamente na conquista do desenvolvimento sustentável

(Princípio 22 – UNCED, 1992)”.

Um dos precursores da investigação sobre sistemas comunais, Fikret Berkes11,

enfatiza que, as descobertas de práticas de gestão comunal redefiniram o

papel dos gestores, que deveriam perceber, a partir de então, os usuários

como parte da solução, ao invés de parte dos problemas relacionados ao uso

sustentável dos recursos pesqueiros (Berkes et al. 2001). Desta perspectiva

emerge a co-gestão como um sistema que envolve as capacidades e

interesses dos pescadores, complementados pela habilidade do governo em

prover o aparato legal adequado, a implementação das leis e a resolução de

conflitos12 (Pomeroy & Berkes, 1997).

Conforme sugere Pinkerton (1989 apud Pomeroy & Berkes, 1997), os

pescadores e demais usuários dos recursos pesqueiros podem assumir

inúmeras funções no processo de gestão participativa da atividade pesqueira,

dentre elas: coleta de dados; decisões logísticas relacionadas aos tipos de

pesca permitidos e aos períodos de defeso; definição de áreas de proteção

ambiental e implementação/fiscalização das leis. No entanto, o nível de

10

UNCED corresponde à sigla para: United Nations Conference on Environment and Development.

11 Fikret Berkes é um ecologista com atuação destacada em temas relacionados à co-gestão adaptativa e comunitária dos recursos naturais de uso comum, conhecimento tradicional e local, complexidade e resiliência de ecossistemas naturais. Além de liderar inúmeros grupos de pesquisa, o estudioso ocupa uma cadeira de docente na Universidade de Manitoba, Canadá.

12 Alguns exemplos de sistemas de co-gestão da atividade pesqueira podem ser encontrados em: Berkes et al. (1991); Binder & Hanbidge (1991); Bland & Donda (1995); Mahfuzuddin et al. (1995); Costa et al. (2000); Reis & Rodrigues (2003); Alcorn et al. (2004); e Cerdeira & Camargo (2007).

Page 22: Monografia_Bacharelado

8

participação da comunidade no processo decisório pode variar, de um âmbito

estritamente informativo ao âmbito efetivamente gerencial13.

A co-gestão, mas do que uma evidência empírica de sistemas tradicionais

funcionando conjuntamente em parceria com instituições governamentais,

tornou-se um novo marco institucional para o qual miram agencias

internacionais de desenvolvimento e organizações não governamentais

interessadas na promoção do uso sustentável dos recursos naturais (Goldman,

1998).

Dentre os principais empecilhos ao estabelecimento de um sistema de co-

gestão encontram-se: a indisponibilidade do Estado em abrir aos pescadores a

possibilidade de participação no processo de tomada de decisão, bem como a

criação de meios legais que sejam adaptáveis às formas de organização

política destes atores; e na ausência de acúmulo de experiências comunitárias

relacionadas à formação e manutenção de organizações, regras e normas

locais, orientadas à gestão da atividade pesqueira (Pomeroy & Berkes, 1997).

Sobre este último aspecto, destaca-se que ainda não há uma teoria disponível

que descreva de modo consistente o surgimento de organizações locais

dedicadas à gestão da atividade pesqueira (Ostrom, 1990b). Porém já é

possível identificar um conjunto de aspectos socioeconômicos, culturais e

ambientais que, embora não sejam definitivos, tem se mostrado como

facilitadores a ocorrência de iniciativas comunitárias (Berkes et al. 2001).

Por este motivo, considera-se que, no caso de ausência de organizações

comunitárias, recomenda-se que a implementação da co-gestão da atividade

pesqueira seja precedida por uma etapa de estímulo ao aparecimento de

instituições locais (Pomeroy & Berkes, 1997). Conforme sugere Ostrom

(1990b), são fundamentais a este propósito: (1) que sejam levantadas

informações de qualidade sobre o tempo e o espaço em que ocorrem os

13

Arnstein (1971), por exemplo, apresenta uma descrição de diferentes modos de participação e não-participação da comunidade no processo de tomada de decisão sobre a gestão dos bens comuns, públicos, da vida social em geral. Conforme caracteriza o próprio autor, a escada para a participação possui oito degraus onde, no primeiro se encontra a não-participação (manipulação) e no último a participação plena (controle comunitário).

Page 23: Monografia_Bacharelado

9

sistemas socioambientais de interesse; e (2) que se defina de um amplo

repertório de regras, que sejam culturalmente aceitas.

Deve-se salientar que o trabalho de construção de sistemas locais de

organização social e todo o processo subseqüente de consolidação de

instituições comunitárias precisam ser suficientemente adaptáveis para

acomodar as diferenças locais, “uma vez que nenhum padrão global é aplicável

a todos os comuns do mundo” (Goldman, 1988:50).

No Brasil, a discussão sobre o papel positivo exercido pelas comunidades

pesqueiras na gestão da atividade e dos recursos pesqueiros vem crescendo

significativamente nos últimos anos. Seguindo as inúmeras evidências

descritas em outros países, monografias de bacharelado, dissertações, teses,

artigos e muitas outras produções científicas contribuem com informações

sobre sistemas comunitários e de co-gestão que funcionaram, ou ainda se

encontram em funcionamento. Outro conjunto de trabalhos acadêmicos e

documentos técnicos indicam a necessidade de se repensar o controle

absoluto que os agentes governamentais possuem sobre a organização da

pesca e a utilização sustentável dos recursos pesqueiros14.

No Estado do Rio de Janeiro se destacam práticas de gestão comunitária da

pesca na baía de Sepetiba (Begossi, 1995; Costa, 1992) e a co-gestão da

Reserva Extrativista de Arraial do Cabo (Silva, 2002; Cardoso, 2001).

Na baía de Guanabara, por sua vez, não são notórias quaisquer evidências de

gestão comunitária ou co-gestão da atividade e dos recursos pesqueiros. Nela

atuam, pelo menos, 3.000 pescadores, que, em geral, pescam utilizando

pequenas e médias embarcações motorizadas, ou à remo, e aparelhos de

pesca com pequena e moderada sofisticação tecnológica, tais como redes de

arrasto, cerco e espera, caniço e linha-de-mão. Os desembarques de uma

14

Para citar apenas algumas das dezenas de publicações existentes sobre gestão comunitária e co-gestão, encontram-se: Costa (1992); Begossi (1995); Reis e D‟Incão (2000); Marrul Filho (2001); Cardoso (2001); Medeiros (2002); Silva (2002); Reis e Rodrigues (2003); Seixas e Berkes (2005); Vieira (2005); MMA (2006a; 2006b); Rebouças et al. (2006); Cerdeira e Camargo (2007).

Page 24: Monografia_Bacharelado

10

importante produção15 pesqueira ocorrem ao longo de toda a orla da baía, em

pelo menos 32 comunidades pesqueiras (IBAMA, 2002).

Pesam sobre o desenvolvimento da atividade pesqueira na Guanabara fatores

relacionados à própria pesca, como a permanência na utilização de petrechos

que apresentam elevado impacto ambiental (arrastos), e fatores externos,

relacionados à degradação ambiental dos ecossistemas periféricos (estuários,

mangues, praias, costões rochosos, etc.), que suportam a atividade biológica e

a capacidade de auto-depuração da baía (Silva et al. 2007; IBAMA, 2002;

Kjerfve et al., 1997; Amador, 1996).

Neste cenário, as condições de reprodução social da atividade pesqueira

agonizam frente às demais vocações da baía (portuária, industrial, etc.),

implicando na pauperização e redução da qualidade de vida das comunidades

que dependem da pesca.

Com base nos pressupostos apresentados acima, entende-se que uma

abordagem alternativa à questão socioambiental em que se encontra a

atividade pesqueira da Guanabara pode ser realizada através da sua re-

regulação (Marrul Filho, 2001), ou seja, pelo desenvolvimento de um aparato

legal administrativo que seja capaz de expressar as demandas dos usuários

dos recursos pesqueiros16 e autorizá-los na implementação e monitoramento

de outras atividades pertinentes ao manejo da atividade que fazem parte

(Berkes et al. 2001; Agrawal, 2001; Agrawal & Gibson, 1999; Marrul Fillho,

2001; Rebouças et al. 2006).

15

De acordo com IBAMA (2002), foram capturados, entre 2001e 2002, 19.000 toneladas de pescado, sendo 12.000 toneladas de sardinha boca-torta. Este número correspondeu a aproximadamente 30 % de todo o volume de pescado capturado para o Estado do Rio de Janeiros, tanto para o ano de 2000, quanto para o ano de 2001 (IBAMA, 2003; IBAMA, 2004).

16 Cabe ressaltar que os pescadores da Guanabara vêm reagindo à situação em que se

encontram através da realização de inúmeros protestos, como os de: (1) 20 de março de 2003, contra a suspensão do pagamento das indenizações pelo derramamento de óleo ocasionado pela Petrobras; (2) 25 de setembro de 2003, pela construção de um terminal pesqueiro e pela redução do preço do óleo combustível; (3) 04 de junho de 2007, contra a Petrobras e os prejuízos causados pelo desastre ambiental de 2000; (4) 27 de agosto de 2007, contra as obras da empresa Suzano Petroquímica; (5) 01 de setembro de 2007, pela despoluição da baía de Guanabara e pela revisão dos projetos de instalação das refinarias e petroquímicas na bacia de drenagem; (6) 01 de outubro de 2007, contra a poluição da baía de Guanabara e contra a criminalização dos pescadores da Guanabara; (7) 5 de junho de 2008, em protesto às pretensas práticas abusivas realizadas pelos empreendedores da área do petróleo e gás (PESCA, 2008).

Page 25: Monografia_Bacharelado

11

Conforme mencionado, um projeto de co-gestão não deve ser imposto, mas

sim negociado com o grupo de usuários do recurso que se pretende regular.

Deve ser, deste modo, suficientemente adaptável e capaz de absorver as

demandas comunitárias. Para isso, propõe-se que, em um primeiro momento,

seja realizado um diagnóstico que torne possível vislumbrar as variáveis que

afetem as relações socioambientais inerentes a esta atividade (Berkes et al.

2001).

2 OBJETIVOS

2.1 GERAL

Contribuir para o entendimento atual das práticas pesqueiras de pequena

escala, a partir da percepção dos pescadores sobre variáveis ambientais e

sociais que permeiam o seu desenvolvimento na baía de Guanabara.

2.2 ESPECÍFICOS

Levantar informações pretéritas e atuais sobre as condições ambientais

(aspectos naturais, políticos, sociais, culturais e econômicas) que

prevalecem nas comunidades de pescadores investigadas;

Caracterizar as práticas pesqueiras das comunidades selecionadas de

acordo com a análise da percepção ambiental dos pescadores;

Identificar e descrever instituições locais comunitárias que sejam

organizadas pelos pescadores de pequena escala;

Diagnosticar aspectos que possam favorecer ou dificultar a

implementação de uma gestão participativa da pesca de pequena escala

desenvolvida na baía de Guanabara.

3 JUSTIFICATIVA

No intento de buscar uma justificativa para a realização deste projeto, surgiu

uma pergunta fundamental: ainda há espaço para a pesca artesanal da baía de

Guanabara?

Page 26: Monografia_Bacharelado

12

Sim, existe. Talvez seja difícil acreditar, mas é um fato. Embora o senso

comum estranhe, ou até mesmo desconheça, a baía de Guanabara mantém

uma produção importante, tanto no que tange ao volume de pescado

desembarcado (19.000 toneladas entre 2001 e 2002), quanto ao número de

pescadores envolvidos com a atividade (entre 3.000 e 18.00017).

As diversas formas de pesca em prática na Guanabara têm sido classificadas

como artesanal, pois, dentre inúmeras características, os pescadores possuem

uma elevada autonomia de trabalho – quase todos são proprietários de seus

meios de produção (embarcação e petrechos); no geral, provocam um baixo

impacto ambiental – usualmente utilizam petrechos altamente seletivos e

possuem uma pequena capacidade produtiva por unidade de esforço;

apresentam um comércio dominado por atravassadores – que reduzem a renda

per capita dos pescadores; e encontram-se organizadas em diversas

comunidades situadas em inúmeras localidades da orla da baía de Guanabara.

O estranhamento, por sua vez, deriva do fato de que a baía de Guanabara

apresenta sintomas sistemáticos de que sua qualidade ambiental encontra-se

debilitada. Desde o descobrimento do Brasil foram inúmeras as agressões

cometidas diretamente sobre este ecossistema ou sobre a bacia de drenagem

que faz parte. Introdução de espécies exóticas, desmatamentos, aterros,

despejos de esgoto e, mais recentemente, contaminação crônica e aguda de

petróleo e seus derivados são alguns dos vetores de poluição que ajudam a

incutir no imaginário social a visão de uma “Guanabara industrial” cuja vocação

econômica seria incompatível com a existência de práticas pesqueiras.

De fato este é um cenário intimidador para qualquer consumidor de pescado

um pouco consciente e que esteja interessado em obter um pescado de

qualidade inquestionável. Por outro lado, pode parecer inesperado como,

apesar de tantas agressões, a Guanabara ainda seja capaz de manter alguma

produtividade pesqueira capaz de sustentar pescadores e suas famílias.

17

Há uma grande dissonância com relação ao número de pescadores em atividade na baía de Guanabara. Geralmente os números mais conservadores, como os apresentados em IBAMA (2002) e nas estatísticas da SEAP, estão baseados em estimativas e no cadastro voluntário destes atores. Números mais expressivos, por sua vez, costumam associar-se aos dados disponibilizados pelas organizações locais (Colônias e associações) e regionais (federação e confederação) de pesca.

Page 27: Monografia_Bacharelado

13

Todavia, adaptada as novas condições ambientais da Guanabara a pesca

sobrevive ao tempo. Não existe a mesma diversidade ou a mesma quantidade

de determinados peixes e o preço do pescado é menor. Ainda assim, a pesca

de pequena escala, na qual se inclui a pesca artesanal, é capaz de garantir a

mínima segurança alimentar para famílias que hoje convivem com uma severa

situação de pobreza.

Adicionalmente ao aspecto social anteriormente mencionado, a pesca possui

relevância pela singularidade cultural da forma como se reproduzem as formas

sociais destes grupos. Notadamente os pescadores, sobretudo o artesanal,

produzem e armazenam um conjunto de hábitos, regras e normas sociais que

refletem, não apenas, mas, sobretudo o convívio que têm com o mar e com a

dependência de um recurso de uso comum.

Finalmente ressalta-se a relevância que os pescadores possuem em relação à

manutenção ou recuperação do equilíbrio natural dos sistemas

socioambientais. Nota-se entre os pescadores da Guanabara o interesse claro

de recuperação da qualidade ambiental deste ecossistema, fato corroborado

pelo posicionamento favorável dos pescadores em relação às principais

reivindicações dos movimentos ambientalistas de defesa da baía. Ainda, nota-

se a rejeição por parte dos pescadores artesanais da utilização do sistema de

arrasto dentro da baía, por considerarem ser este responsável pela destruição

dos ecossistemas bentônicos e sobrepesca.

Deste modo, a compreensão acerca dos hábitos e das principais

características dos pescadores da baía de Guanabara pode auxiliar os próprios

pescadores na sua luta pela melhoria das suas condições de vida, viabilizar o

registro e fortalecer a defesa pela garantia de reprodução da cultura dos

pescadores artesanais e descobrir novos vieses de intervenção em relação a

recuperação da qualidade ambiental da Baía de Guanabara.

4 ÁREA DE ESTUDO

A baía de Guanabara corresponde a uma das mais importantes baías

brasileiras, principalmente pelas suas dimensões e pela condição de se

Page 28: Monografia_Bacharelado

14

encontrar associada ao mais importante núcleo urbano-industrial da costa

brasileira (Kjerfve et al. 1997; Amador, 1996).

Centrada nas coordenadas 22º 50‟ sul de latitude e 043º 10‟ oeste de longitude

(Figura 4.1), a Guanabara apresenta uma superfície total de 384 km2 18, sendo

que de espelho d‟água, ou seja, descontada a área ocupada pelas ilhas e

ilhotas, a baía possui 328 km2 (Kjerfve et al. 1997; Amador, 1996).

Figura 4.1: Localização da baía de Guanabara e de seus municípios confrontantes.

A baía pode ser dividida em uma parte oceânica e outra continental, em virtude

da predominância de fenômenos oceânicos sobre continentais, e vice-versa.

Entre estas duas seções encontra-se uma passagem estreita, com apenas

1,6 km de extensão, compreendida entre o Forte de São João (município do

18

Estes valores consideram como limite externo da baía de Guanabara, o arco imaginário formado pela conexão de Copacabana (município do Rio de Janeiro) e Itaipu (município de Niterói) passando pelas ilhas Pai, Mãe e Menina.

Page 29: Monografia_Bacharelado

15

Rio de Janeiro) e a Fortaleza de Santa Cruz (município de Niterói) (Amador,

1996).

A Guanabara também é considerada uma feição recente na história geológica,

cuja formação está associada ao afogamento de um vale fluvial (Amador,

1996). Por este motivo, a batimetria da baía é bastante complexa. Pode-se

encontrar a presença de uma série de talvegues19 secundários e um principal,

que correspondem, respectivamente, aos antigos canais afogados e o “Paleo

Rio Guanabara” (Amador, 1996).

A profundidade média da baía é de 7,6 metros, sendo cerca de 3 metros na

região do fundo da baía; 8,3 metros entre a Ilha do Governador e as pontas do

Grogoatá e do Calabouço; e de 16,9 metros na porção externa da baía. A

profundidade máxima da baía é, no entanto, superior a 50 metros, localizada

em uma depressão do canal central (Kjerfve et al.,1997; Amador, 1996).

A sedimentação na Guanabara possui um balanço positivo estabelecido entre

os processos de assoreamento-erosão, em outras palavras a baía de

Guanabara atua como um “filtro natural”, retendo os sedimentos que são

lançados no seu interior através de inúmeros rios e canais. Há também um

relativo pequeno aporte sedimentar derivado da plataforma interna, cuja

entrada ocorre, sobretudo, durante a passagem de frentes (Camargo et al.

2004; Docas, 2002; Kjerfve et al. 1997; Godoy; 1997; Amador, 1996).

A região hidrográfica20 (Figura 4.2), da qual faz parte a Guanabara, possui uma

área de 4066 km2. É alongada no sentido leste-oeste, e possui a extensão

máxima de 115 km (PDRHBG, 2005).

19

De acordo com o dicionário livre de geociências, talvegue corresponde “a linha formada pela interseção das duas superfícies formadoras da vertente de um vale. É o local mais profundo do vale” (DLGeo, 2008).

20 Considerando apenas a região interna da baía de Guanabara.

Page 30: Monografia_Bacharelado

16

Figura 4.2: Bacia de drenagem da baía de Guanabara.

A bacia encontra-se limitada ao norte pela proeminente Serra do Mar, que

apresenta as maiores altitudes desta região, com registro de até 2.263 metros

(Pedra do Sino). Mais ao sul encontram-se outras duas importantes províncias

fisiográficas, a saber: os maciços litorâneos e a Baixada Fluminense (Amador,

1996; Kjerfve et al. 1997; PDRHBG, 2005).

A drenagem é realizada por 45 rios e canais, distribuídos por 39 sub-bacias

independentes. No entanto, apenas seis rios são responsáveis por 85 % dos

100 m3.s-1 de água doce que aportam na baía, em média, por ano (PDRHBG,

2005; Kjerfve et al. 1997).

Outra variável ambiental importante para a dinâmica natural e socioeconômica

da baía de Guanabara diz respeito ao clima quente e úmido que caracteriza a

região. Situada numa área intertropical, e entre o mar e a montanha, a região

em que se encontra a baía de Guanabara se caracteriza por uma sazonalidade

muito bem definida, entre uma estação seca e outra chuvosa.

Durante o verão, podem ser registradas precipitações totais médias de 300 a

350 mm.mês-1, com períodos de 15 dias de chuva. No inverno, as precipitações

Page 31: Monografia_Bacharelado

17

totais médias raramente superam os 100 mm.mês-1, sendo muito comum o

registro de valores inferiores a 50 mm. O período chuvoso raramente

ultrapassa seis dias de chuva (Amador, 1996; PDRHBG, 2005).

A condição climatológica da baía é dependente principalmente pela passagem

de três sistemas perturbados, dos quais dois são influenciados pelo

comportamento do sistema das altas polares, que se caracteriza pela

instabilidade das condições de equilíbrio, pela geração de aguaceiros e por

ventos turbulentos com rajadas (Amador,1996; Varejão-Silva, 2006; PDRHBG,

2005).

O aporte de água doce faz com que a baía seja classificada como um estuário,

que segundo Pritchard (1967 apud Amador, 1996:68) corresponde a “um corpo

d‟água costeiro, semi-fechado, com livre comunicação com o mar, no qual a

água salgada é mensuravelmente diluída com a água doce oriunda da

drenagem continental”.

Considerando a influência do aporte fluvial e da região oceânica adjacente a

ela, bem como seus padrões de circulação de água, altamente influenciados

pelas correntes de maré, a baía de Guanabara possui, ao longo de sua seção

norte-sul, dois perfis distintos de estratificação. Kjerfve et al. (1997), através do

número de Richardson21, definem para a região do canal central da Guanabara

a classificação de águas misturadas, e para as regiões próximas a Ponte Rio-

Niterói, a de águas parcialmente misturadas.

Amador (1996) considera que em algumas regiões podem ocorrer

estratificações máximas, ou seja, com nenhuma penetração da água salgada,

mas densa e profunda, na água doce, menos densa e superficial, sendo esta

situação predominante durante os meses do verão.

Na baía podem ser identificados inúmeros ecossistemas periféricos, tais como,

mangues, praias arenosas, costões rochosos, além de diferentes perfis de

salinidade na coluna d‟água, de diferentes padrões de circulação, de

sedimentos de fundo com diferentes texturas (Amador, 1996).

21

O número de Richardson expressa a razão entre a energia hidrostática de uma camada de água doce e a energia cinética necessária para quebrar a estratificação da coluna d‟água.

Page 32: Monografia_Bacharelado

18

Nestas condições se estabelecem distintas cadeias tróficas, compostas por

diferentes nichos diversos e espécies variadas de fauna e flora. De acordo com

Bonecker (1997), a baía de Guanabara se constitui no “sistema costeiro

semifechado com maior ocorrência de espécies de larvas de peixes

identificadas”, e Jablonski (2008, comunicação pessoal)22 sugere, a partir de

levantamentos bibliográficos comparativos, que a baía de Guanabara se

constitui em uma das baías brasileiras mais importantes em termos de

diversidade numérica de espécies ícticas.

Algumas diferenças marcantes podem ser notadas entre as localidades

pesquisadas. Tubiacanga é um sub-bairro da Ilha do Governador, localizado

bem próximo do Aeroporto Internacional Galeão/Tom Jobim. Esta área

encontra-se sob a influência das descargas fluviais do Canal do Fundão, do

qual são tributários os rios Faria e Timbó. Este canal encontra-se muito poluído

por esgoto doméstico e extremamente assoreado. A qualidade de água é

marcada por valores relativamente maiores de coliformes fecais (Cruz et al.

1998).

Existe em Tubiacanga um pequeno bosque de manguezal que se encontra em

preocupante estado de conservação. Também fazem parte dos ecossistemas

costeiro do bairro carioca duas praias, separadas por uma edificação militar.

Estas são arenosas, na região de pós-praia, e lamosas, na região de ante-

praia. Aparentemente, em virtude da baixa incidência de ondas nesta região, a

dinâmica sedimentar nestas praias é governada pelo regime de marés. O

balanço sedimentar é positivo, ou seja, em Tubiacanga ocorre assoreamento.

A Quinta do Caju se localiza na zona portuária do município do Rio de Janeiro,

compondo o complexo do Caju com outras três comunidades. É uma localidade

de acesso restrito, que ocorre apenas através de uma rua ou pelo mar.

O Canal do Fundão corresponde ao acesso do bairro carioca com a baía de

Guanabara. Este corpo hídrico se encontra extremamente assoreado, em

virtude de aterros e retificações de rios e canais que deságuam sobre ele. Com

isso, a circulação das águas nesta região encontra-se muito limitada, fato que

agrava as condições ambientais da localidade. No estudo realizado por Cruz et 22

Sílvio Jablonski. Faculdade de Oceanografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Page 33: Monografia_Bacharelado

19

al. (1996), o espelho d‟água da baía de Guanabara adjacente à Quinta do Caju

é classificado como de vulnerabilidade crítica, haja vista a pressão antrópica

exercida sobre esta área.

O Gradim é um bairro do 4º Distrito do município de São Gonçalo. É uma

comunidade localizada no litoral sul do município, com pequena extensão

territorial e que se encontra cortada pela BR-101. Este bairro do município de

São Gonçalo se localiza na margem oriental da baía de Guanabara que se

caracteriza pela presença de rios menos poluídos, quando comparados

àqueles presentes na margem ocidental (Pellens & Ribeiro, 2002). Ainda assim

apresenta condições impróprias para todos os usos humanos.

Um aspecto extremamente relevante com relação à manutenção de uma

qualidade de água relativamente melhor nesta região da baía, para além da

presença de rios menos degradados, corresponde à proximidade com a região

central da baía, onde a circulação das águas é significativamente maior que

nas regiões noroeste e norte da Guanabara (Kjerfve et al. 1997).

Cabe ressaltar que a orla do Gradim foi muito modificada pelo aterro que

originou a BR-101. Nesta área havia uma grande floresta de manguezal. Hoje,

nas marés mais baixas, nota-se apenas uma larga planície lamosa que se

estende de fronte a algumas casas e a própria Rodovia.

Praia de Olaria é uma pequena localidade do bairro Mauá, 5º Distrito do

município de Magé. Esta localidade possui uma pequena faixa de areia,

espremida entre dois costões rochosos. Na região de pós-praia predomina um

sedimento arenoso, enquanto que na região de ante-praia sedimentos com

textura lamosa. A qualidade da água neste balneário encontra-se diretamente

influenciada pelos ciclos de maré, sendo os momentos de maré alta o mais

favorável para a melhoria das condições de balneabilidade. Mesmo assim, a

utilização desta área para recreação não é recomendada, e parece realmente

não ocorrer qualquer uso desde tipo.

Page 34: Monografia_Bacharelado

20

5 METODOLOGIA

5.1 PLANO AMOSTRAL

A grande dimensão da baía de Guanabara e o elevado número de localidades

que concentram atividades de desembarque pesqueiro fizeram com que fosse

O comprimento perimetral da Guanabara é de 131 km, sua extensão máxima,

no sentido leste/oeste, de 28 km, e no sentido norte/sul, 30 km. Ao longo desta

extensa costa existem 32 pontos de desembarque de pescado (IBAMA, 2002).

A impossibilidade de cobrir todos estes locais tornou-se uma premissa

relevante para que fosse estabelecido um critério para a definição de uma

amostra.

A principal intenção desta amostra corresponde a uma tentativa de se obter um

cenário que vislumbre, minimamente, as diversas realidades ambientais

encontradas na baía de Guanabara. Para isto, era necessário que houvesse

disponíveis informações integradas sobre toda a baía. Entre toda a bibliografia

consultada destacaram-se os estudos realizados por IBAMA (2002) e Cruz et

al. (1998), que analisaram, respectivamente, o volume de pescado produzido

nos 32 pontos de desembarque assinalados anteriormente, e o nível de

pressão antrópica23 presente nas micro-bacias de drenagem em que se

localizam estes mesmos pontos.

Com relação aos dados disponibilizados por IBAMA (2002), foram tomados os

valores de produção total de pescado obtido para o período estudado (2001-

2002) para cada local de desembarque. Estas foram classificadas em quartis

entre: pequena produção (0-33 toneladas), média baixa produção (33-72

toneladas), média alta produção (72-175 toneladas) e alta produção (175-990

toneladas).

23

O índice de pressão antrópica, por sua vez, foi definido por Cruz et al. (1998) baseado no Índice de Transformação Antrópica, que consiste em uma avaliação areal de diferentes tipos de uso da terra. Cada tipo fora previamente ponderado de acordo com o método de expertos (definição de pesos para cada tipo de uso, considerando o nível de modificação antrópica). Como resultado obtém-se uma escala que varia de 0 a 10, onde quanto mais próximo do valor máximo encontra-se a unidade geográfica analisada (no caso as sub-bacias de drenagem da baía de Guanabara) maior será a pressão antrópica exercida sobre ela.

Page 35: Monografia_Bacharelado

21

Cruz et al. (1998), por sua vez, classificaram as sub-bacias de acordo com

quatro índices de pressão antrópica, a saber: pouco degradadas (índice entre 0

e 2,5), regulares (2,5 a 5), degradadas (5 a 7,5) e muito degradadas (7,5 a 10).

O cruzamento destas duas categorias qualitativas gerou 16 classes das quais

apenas 11 se encontram presentes na realidade da baía24. Por sua vez, as

classes mais presentes entre as localidades investigadas correspondem

àquelas definidas por pequena produção e muito degrada e por alta produção e

degradada. A Figura 5.1 trás a distribuição das localidades pesqueiras entre as

16 classes definidas de acordo com os critérios explicitados acima.

Figura 5.1: Classificação das localidades onde ocorrem desembarque pesqueiro na baía

de Guanabara.

A seleção buscou contemplar quatro classes distintas, sendo escolhida uma

localidade por classe. Também foram priorizados aspectos relevantes a

logística necessária para a realização dos trabalhos de campo (fácil acesso 24

Nenhuma micro-bacia obteve a classificação pouco degradada, e nenhuma das localidades classificadas como de alta produção se encontravam entre as micro-bacias definidas como muito degradadas.

Page 36: Monografia_Bacharelado

22

rodoviário, presença de hotéis). Ao final foram selecionadas as seguintes

comunidades:

Quinta do Caju (Classe IV; produção muito pequena e muito degradada);

Tubiacanga (Classe VIII; produção pequena e muito degradada);

Praia de Olaria (Classe XIV; produção alta e regular);

Gradim (Classe XV; produção muito alta e degradada).

A Figura 5.2 mostra a localização das comunidades estudadas na baía de

Guanabara.

Figura 5.2: Localização das comunidades de pescadores da baía de Guanabara que foram

estudadas.

5.2 MÉTODO DE APREENSÃO DOS DADOS

Até a década de 1970, a fundamentação de projetos de desenvolvimento

comunitário ou de áreas carentes, elaborados por diversas agências

Page 37: Monografia_Bacharelado

23

governamentais, era baseada exclusivamente em estudos controlados por

agentes externos às comunidades. Além disto, enfocavam o ambiente físico ao

social, desconsideravam grupos marginalizados e negligenciavam o

conhecimento local (Seixas, 2005).

Não por acaso muitos destes projetos fracassaram naquilo em que se

propunham, e muitos comportamentos inesperados – pelos pesquisadores –

emergiram entre os comunitários que haviam sido submetidos aos

investimentos externos (Wilde, 2001).

Em virtude disto, nos anos 80 operou-se uma mudança radical nos meios pelos

quais eram realizados os estudos e projetos de desenvolvimento. Desde então

o conhecimento local/tradicional sobre a ambiente físico e social, gerado no

interior das comunidades, passou a ser reconhecido como fundamental ao

processo de pesquisa, planejamento, implementação e monitoramento destes

projetos (Seixas, 2005).

O Diagnóstico Rápido Rural – DRR, corresponde a uma das abordagens para a

pesquisa participativa. Orienta-se pelos seguintes princípios (Chambers, 1994,

apud Seixas, 2005; Grandstaff & Grandstaff, 1985 apud Kestenbaum, 2008):

A) Aprendizagem inversa, ou seja, diretamente com as pessoas do local;

B) Aprendizagem rápida e progressiva, baseada na exploração consciente,

oportuna, e com grande flexibilidade na adaptação de várias técnicas de

pesquisa;

C) Aprendizagem ótima, na qual são ponderados os custos e a importância

das informações, considerando a quantidade, a relevância, a acuidade e

o tempo de coleta de dados;

D) Coleção não tendenciosa de dados, evitando privilegiar algum grupo em

particular;

E) Realização de triangulação das informações a partir da comparação de

pelo menos três fontes técnicas de pesquisa;

F) Promoção da diversidade, buscando aprender pelas exceções e

discrepâncias.

Page 38: Monografia_Bacharelado

24

Por estes princípios, o DRR se constitui em uma abordagem qualitativa, que

preza por dados descritivos e se preocupa com a qualidade das informações,

bem como envoltos por uma assembléia de idéias e expressões ao invés de

números (Dunn, 1994).

Wilde (2001:20) destaca que instrumentos como o DRR “facilitam a

aprendizagem de indivíduos da comunidade local e pessoas exteriores a ela”.

Os métodos empregados “são simples de utilizar, apoiando-se principalmente

em técnicas orais e visuais”.

Apesar de fácil, para obter informações de qualidade é importante que o

pesquisador atenha-se a alguns aspectos na forma como a pesquisa é

conduzida. Conforme assinala Wilde (2001) o pesquisador deve: (1) ter uma

atitude humilde e paciente, bem como vontade de aprender com os membros

do grupo pesquisado; (2) observar que o objetivo não é aprender tudo, mas

aprender o que é necessário para decidir sobre ações futuras; e (3) aprender a

partir de muitos pontos de vista, ratificando as informações, por exemplo,

através de triangulações (Figura 5.3).

Figura 5.3: Possíveis triangulações utilizadas para ratificar uma informação sobre um

mesmo tema. Fonte: Adaptado de Wilde (2001).

Page 39: Monografia_Bacharelado

25

As triangulações correspondem a uma técnica do DRR onde uma mesma

informação/dado/variável é verificada sobre diferentes perspectivas. Nesta

monografia os dados referentes à caracterização da área de estudo foram, por

exemplo, trianguladas através da comparação dos dados obtidos através de

fontes secundárias (levantamento bibliográfico e análise documental), por

fontes primárias (entrevistas com os pescadores) e por informações coletadas

durante o II Seminário sobre Gestão Socioambiental para o Desenvolvimento

da Aqüicultura e Pesca no Brasil.

A descrição de algumas práticas pesqueiras desenvolvidas em pelo menos três

comunidades pesqueiras também foi triangulada, sendo que, desta vez,

verificando e qualificando determinada prática com as informações obtidas nas

demais comunidades. Neste caso, os dados obtidos com os pescadores de

determinada comunidade eram confrontados com os dados coletados com os

pescadores de outra comunidade.

Para algumas práticas típicas de apenas uma comunidade, as informações

foram trianguladas através da comparação dos dados obtidos com pelo menos

três informantes, ou então, por diferentes métodos de aquisição de dados

(entrevistas, observação e consulta a dados secundários).

Dunn (1994) considera que o DRR coloca inúmeras questões sobre quem

possui o conhecimento relevante para lidar com uma determinada questão,

bem como possui a capacidade de envolver todas as pessoas interessadas em

processos de desenvolvimento socioambiental.

Cabe considerar o DRR, apesar de proporcionar uma maior interação com a

população local, ainda corresponde a uma forma de pesquisa “extrativista”, que

se encontra controlada pelo pesquisador em inúmeros aspectos, sobretudo no

que tange à análise das informações obtidas (Seixas, 2005:76).

O DRR também trás alguns riscos, que podem ser evitados ou mitigados. O

envolvimento da população pode representar um aumento de expectativas, que

se não forem bem trabalhadas podem gerar frustrações e falta de apoio

durante a continuidade da pesquisa/projeto. Outros aspectos que dificultam a

utilização do DRR associam-se a: identificação de atividades ilegais e a

emergência de conflitos na comunidade (Wilde, 2001).

Page 40: Monografia_Bacharelado

26

Muitos pescadores já se encontram desmotivados a participar de pesquisas, e

muitos se esquivaram das perguntas ou solicitaram para não se envolver,

justamente por terem criado expectativas que não foram alcançadas por

estudos anteriores. Não houve contato com qualquer conflito explicito entre os

membros de qualquer uma das comunidades de pescadores investigadas, e a

identificação de práticas ilegais ocorreu apenas quando foram denunciadas

pelos próprios pescadores.

A seguir serão apresentadas as principais técnicas de pesquisa associadas à

metodologia do DRR que foram empregadas no processo de obtenção dos

dados que substanciaram esta monografia.

5.2.1 Análise bibliográfica e documental

Foi empreendido um extensivo levantamento bibliográfico que envolveu a

busca por monografias, dissertações, teses e artigos científicos. Também foi

realizado um levantamento documental, tais como: atas de eventos

relacionados à atividade pesqueira, de seminários, assembléias, e panfletos;

publicações na internet; e de quaisquer outras fontes onde se encontrem

expressas as opiniões do público alvo deste projeto.

A análise bibliográfica e documental foi utilizada amplamente na

fundamentação teórica desta monografia de bacharelado, fornecendo os

conceitos pelos quais foram delineadas a introdução, a metodologia a análise

dos dados e a conclusão. Ademais, foi empregada como principal fonte de

dados na descrição da área de estudo e como fonte complementar de

informação para algumas das variáveis abordadas no diagnóstico da atividade

pesqueira.

5.2.2 Observações de campo

De acordo com Whyte (1977), a observação do comportamento humano diante

dos fenômenos naturais e sociais se constitui em um método básico para

subsidiar uma pesquisa orientada à avaliação da percepção ambiental. É uma

abordagem flexível em termos de tempo, custo, conceitos e técnicas.

Page 41: Monografia_Bacharelado

27

Durante os trabalhos de campo foram realizadas observações diretas,

participativas e não estruturadas, sobre a dinâmica de sociabilização, as

condições socioeconômicas dos pescadores, as condições ambientais de suas

localidades e as suas práticas pesqueiras. As observações também foram

importantes no processo de identificação dos atores que se tornaram

informantes-chave25, em algumas das localidades pesquisadas. Neste caso,

foram observados comportamentos de liderança espontânea de alguns

pescadores frente aos demais, ou então, o reconhecimento da comunidade

sobre a experiência e conhecimento de um determinado pescador. Também

foram observados pescadores com experiência prévia na participação de

programas de coleta de dados para o IBAMA,

O tempo de observação em cada localidade não foi igual, porém, com exceção

de Tubiacanga, transcorreu ao longo de todo o dia. Nesta localidade as

observações ocorreram durante uma manhã, e na qual foi possível notar

apenas alguns pescadores em atividade. Na maior parte do tempo, as

observações fundamentaram a caracterização ambiental e um pouco da frota

sediada neste local.

Na Quinta do Caju, visitada durante dois dias, foi observado o ambiente natural

e social que circunda os pescadores desta localidade. As práticas pesqueiras

observadas ficaram restritas ao momento de armação das embarcações, de

concerto dos petrechos e de sociabilização dos tripulantes, que estavam

prestes a embarcar, em um bar localizado próximo ao píer. A observação

também ocorreu nos espaços de organização política dos pescadores.

No Gradim as observações começaram em 2006 e tiveram continuidade em

2007 e em 2008. Ao todo foram realizadas seis visitas, sendo que o maior

esforço se concentrou no último ano, quando foram realizadas três visitas em

dias seguidos. Além das características observadas nas localidades descritas

acima, outras se tornaram passíveis de serem avaliadas, como: desembarque

25

Os informantes-chave correspondem a indivíduos que não são necessariamente da comunidade, mas que por estabelecer um grande convívio com ela, têm as suas percepções ambientadas àquela realidade. Os informantes podem ajudar decisivamente no processo de investigação de campo, servindo muitas vezes de interlocutor entre o entrevistador e o público alvo (Whyte, 1977:36). Nesta pesquisa, todos os informantes eram das comunidades que faziam parte.

Page 42: Monografia_Bacharelado

28

do pescado; confecção/reparo de petrechos; comercialização do pescado;

organização local da pesca; relação entre organizações de pesca; relação

entre pescadores e intermediários.

Na Praia de Olaria as observações foram realizadas ao longo de três dias

seguidos. Durante estes campos puderam ser avaliadas tantas características

quanto àquelas realizadas no Gradim.

5.2.3 Entrevistas

As entrevistas se constituíram na principal fonte de dados desta pesquisa. Foi

empregado o procedimento de entrevistas guiadas por um roteiro pré-fixado,

por vezes adaptadas à realidade encontrada em cada comunidade de

pescadores.

O roteiro das entrevistas foi baseado no conjunto de variáveis que nortearam

esta pesquisa. Cada entrevistado era abordado de forma a garantir que o

diálogo ocorresse naturalmente.

Um fato interessante, presente nas localidades da Quinta do Caju, Gradim e

Praia de Olaria, correspondeu ao aumento da suscetibilidade dos pescadores

às entrevistas, na medida em que a presença do pesquisador se tornava mais

recorrente em cada localidade.

No caso das entrevistas realizadas com os líderes comunitários (presidentes ou

diretores de associações e Colônias de pescadores), os roteiros estiveram

focados em questões relativas à organização comunitária. Somente na Quinta

do Caju não foi possível dialogar com nenhum líder local. No Gradim, por sua

vez, foi possível conversar com representantes de duas gestões consecutivas

da associação local de pescadores.

Além dos líderes comunitários outros informantes-chaves foram descobertos

nas localidades visitadas. Os pescadores nascidos nas localidades e que

possuíam vasta experiência na pesca local trouxeram informações históricas

sobre o desenvolvimento da atividade pesqueira em suas localidades,

prestando atenção às mudanças ambientais e das práticas pesqueiras que

Page 43: Monografia_Bacharelado

29

incidiram sobre suas localidades e comunidades de pescadores. Nas quatro

localidades visitadas foi possível dialogar com antigos pescadores.

Atravessadores e peixeiros foram importantes na obtenção de informações

sobre a dinâmica de comercialização do pescado em nível local e

principalmente em nível regional, ou seja, fora de cada localidade. Este grupo

de informantes-chaves só foi abordado no Gradim e na Praia de Olaria.

Ao todo foram realizadas 50 entrevistas (Quadro 5.1). Em alguns casos a

entrevista ocorreu com pequenos grupos, de dois ou três pescadores. A

maioria das entrevistas foi registrada imediatamente em uma caderneta de

campo, contudo, em alguns casos, informações obtidas através de pequenos

contatos, realizados ao longo do dia, foram transcritos no final de cada dia de

campo.

Quadro 5.1: Número de entrevistas por localidade.

Tubiacanga Quinta do Caju Praia de Olaria Gradim TOTAL

Número de Entrevistas

2 10 16 22 50

O tempo de cada entrevista variou de poucos minutos até pouco mais de uma

hora. As entrevistas mais longas foram realizadas com os líderes comunitários,

posto que, de acordo com os próprios, a disponibilidade para a realização de

entrevistas e de fornecer informações sobre a comunidade de pescadores que

representa faz parte de uma das incumbências do cargo de presidente da

associação/Colônia.

Uma das premissas fundamentais desta abordagem se constitui no fato de não

considerar os indivíduos entrevistados iguais (Whyte, 1977). De fato, esta é

uma constatação fundamental aos objetivos deste trabalho, que visa

caracterizar a percepção dos pescadores sobre o ambiente em que vivem.

Whyte (1977) destaca que “qualquer programa que espera aumentar a

habilidade humana de manejar eficientemente os recursos naturais da

biosfera”, deve “levar em consideração a percepção das pessoas diretamente

Page 44: Monografia_Bacharelado

30

envolvidas“, posto que as suas decisões concernentes ao meio ambiente estão

baseadas, tanto em valores objetivos, quanto subjetivos.

5.3 ESCOLHA DAS VARIÁVEIS ESTUDADAS

De acordo com Berkes et al. (2001), a escolha das variáveis de uma pesquisa

orientada ao diagnóstico dos contextos socioeconômicos, políticos e naturais,

em que se encontram as atividades pesqueiras possui um papel muito

importante para a fundamentação de propostas de implementação de um

processo de gestão participativa da atividade pesqueira.

Cabe ressaltar que, nesta monografia, a definição do conjunto de variáveis não

presumiu enquadrar a realidade das comunidades a uma estrutura pré-definida,

porém, apenas à indicação de um caminho possível de investigação. Por isto

optou-se por um número suficientemente amplo de variáveis que permitisse

maior flexibilidade na hora de caracterizar cada comunidade. A pesquisa

também esteve atenta ao surgimento de variáveis não projetadas de antemão.

Ademais, o conjunto de variáveis foi fundamental para a definição do roteiro

das entrevistas, uma vez que possibilitaram temas iniciais de investigação e

diálogo com os atores alvo da pesquisa. A sua escolha ocorreu através da

realização de consultas a inúmeras publicações científicas, tendo sido

adotadas as variáveis descritas por Berkes et al. (2001).

A escolha por este sistema foi baseada no entendimento de que os autores

apóiam os resultados de suas pesquisas em uma extensa revisão bibliográfica,

percorrendo os resultados de muitos trabalhos que descrevem as condições

que favoreceram ou dificultam o surgimento de processos participativos de

gerenciamento. O conjunto de variáveis investigadas encontra-se apresentado

no Quadro 5.2.

Page 45: Monografia_Bacharelado

31

Quadro 5.2: Variáveis utilizadas como referência para a realização do diagnóstico ambientais das comunidades pesqueiras estudadas.

Regionais

(1) oportunidades presentes na legislação e nas estruturas administrativas governamentais que estimulem o estabelecimento da gestão participativa

(2) surgimento de novas tecnologias pesqueiras, desenvolvidas fora da comunidade

(3) dinâmicas de comercialização do pescado, em níveis regional, nacional e internacional.

(4) presença e atuação de instituições/organizações supra-regionais, tais como cooperativas de produção cuja abrangência inclui mais de uma comunidade

Locais

(5) percepção, pelas lideranças comunitárias, de crises relacionadas às condições dos recursos pesqueiros

(6) composição, distribuição e importância das espécies alvo

(7) presença de feições ambientais que possibilitem a definição de fronteiras geográficas

(8) tecnologias utilizadas

(10) nível de desenvolvimento social e homogeneidade cultural da comunidade

(11) tradição de relações cooperativas e de mútuo socorro pelos membros da comunidade

(12) grau de interação com os sistemas político e econômico

(13) medida de dependência dos recursos pesqueiros

(14) organizações políticas e o suporte de lideranças

(15) conhecimento local sobe os recursos

(16) direitos de uso e o sistema de gerenciamento dos recursos e da atividade pesqueira

Comunitárias

(17) educação.

(18) experiência.

(19) tamanho e tipo de pesca.

(20) tecnologia utilizada.

(21) valores culturais.

(22) satisfação com o trabalho na pesca.

(23) conhecimento ecológico.

(24) multiplicidade ocupacional.

Como em Berkes et al. (2001), as variáveis foram agrupadas de modo a

facilitar o entendimento sobre o nível de influência dos pescadores sobre cada

uma delas, ou sobre as suas abrangências geográficas.

No nível comunitário se encontram as variáveis que são determinadas por cada

indivíduo. Dizem respeito à percepção e modo de vida de cada pescador de

cada comunidade.

No nível local se encontram fatores que não dependem unicamente de um

pescador, mas de uma construção coletiva (regras locais de uso dos recursos),

e de atores externos às comunidades (atravessadores regionais, bancos de

empréstimos).

Regionais são as variáveis que apresentam pouca ou nenhuma influência dos

pescadores (individualmente), mas que implicam em mudanças nas práticas

Page 46: Monografia_Bacharelado

32

destes atores localizados em diversas comunidades (leis e mercados

internacionais).

O Quadro 5.3 trás a correlação entre as variáveis pesquisadas e os métodos

de apreensão dos dados. Nesta matriz também é possível identificar as

triangulações realizadas pelo uso de diferentes fontes de dados.

Quadro 5.3: Distribuição das variáveis pelas técnicas de coleta de dados

Variáveis

An

álise

bib

lio

grá

fica

Ob

serv

açõ

es

En

trev

ista

s

Su

pra

-

reg

ion

ais

1 Oportunidades presentes na legislação e nas estruturas administrativas governamentais que estimulem o estabelecimento da gestão participativa

x x

2 Dinâmicas de comercialização do pescado, a níveis, regional, nacional e internacional

x x x

Reg

ion

ais

3 Percepção, pelas lideranças comunitárias, de crises relacionadas às condições dos recursos pesqueiros

x x

4 Composição, distribuição e importância das espécies alvo x x x

5 Tecnologias utilizadas x x x

6 Nível de desenvolvimento social e homogeneidade cultural da comunidade x x x

7 Organizações políticas e o suporte de lideranças locais x x

8 Direitos de uso e o sistema de gerenciamento dos recursos e da atividade pesqueira x x

9 Conhecimento local sobe os recursos x x

Lo

cais

10 Educação x x x

11 Experiência x x

12 Tamanho e tipo de pesca x x x

13 Tecnologia utilizada x x x

14 Satisfação com o trabalho na pesca x x

15 Multiplicidade ocupacional x x

Número de variáveis observadas por técnica >>> 8 14 15

Legenda: As variáveis coloridas representam aquelas que foram trianguladas por três instrumentos de pesquisa diferentes.

5.4 RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS

Na seção de resultados apresenta-se a coleção de informações obtidas através

da metodologia exposta acima, organizadas de modo a contemplar aspectos

relevantes sobre práticas pesqueiras e as variáveis que possuem potencial de

Page 47: Monografia_Bacharelado

33

interferir na proposição de um sistema de co-gestão para a organização do

setor pesqueiro da Guanabara.

Destaca-se que as variáveis descritas foram selecionadas baseadas em uma

combinação entre as fontes secundárias e as informações colhidas em campo.

Considerando a amplitude do levantamento bibliográfico empreendido e o

menor tempo dedicado aos trabalhos de campo, assume-se que as variáveis

descritas não devem ser consideradas como definitivas, como únicos fatores

de relevância para o desenvolvimento da atividade pesqueira na baía de

Guanabara. Elas representam apenas uma amostra do que pode ser

desenvolvido com maior aprofundamento.

As variáveis identificadas e descritas foram agrupadas em duas seções

denominadas por Diagnóstico Ambiental da baía de Guanabara e Diagnóstico

das Práticas Pesqueiras. Esta separação teve como objetivo facilitar o acesso

às informações obtidas ao longo do texto sendo esta, artificial e para fins

estritamente analítico. Em outras palavras, nota-se que embora para fins

didáticos possa-se distinguir entre natureza e sociedade, ou destacar as

práticas pesqueiras do diagnóstico ambiental, esta separação não se verifica

na realidade.

Após a apresentação dos diagnósticos é empreendida uma análise critica entre

os dados obtidos nas comunidades pesquisadas com outras realidades

descritas e publicadas em literatura científica específica. Nesta seção somente

foram analisadas as variáveis que mais se destacaram durante a realização

dos diagnósticos, e que puderam ser trianguladas durante os trabalhos de

campos. Ao final de cada item da análise crítica é apresentada um diagnóstico

da potencial relação de cada variável analisada com a proposição de um

processo de gestão participativa.

A correspondência de cada variável identificada e descrita com as seções de

diagnóstico e análise crítica encontra-se apresentada na Figura 5.4.

Page 48: Monografia_Bacharelado

34

Figura 5.4: Distribuição das variáveis pelas demais seções da monografia.

5.5 RESUMO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS

A Figura mostra o fluxograma de atividades que orientou a realização desta

monografia. Ele busca evidenciar as etapas de execução da pesquisa.

Figura 5.5: Fluxograma de desenvolvimento deste trabalho monográfico.

Page 49: Monografia_Bacharelado

35

Page 50: Monografia_Bacharelado

36

6 DIAGNÓSTICO AMBIENTAL DA BAÍA DE GUANABARA

Neste diagnóstico ambiental da baía de Guanabara serão apresentadas

caracterizações de algumas variáveis ambientais indicadas pelos pescadores

como indutoras de transformações nas práticas pesqueiras.

Neste diagnóstico estão presentes algumas das variáveis propostas por Berkes

et al. (2001), a saber: (1) oportunidades presentes na legislação e nas

estruturas administrativas governamentais que estimulem o estabelecimento da

gestão participativa; (2) presença e atuação de instituições/organizações supra-

regionais, tais como cooperativas de produção cuja abrangência inclui mais de

uma comunidade; (5) percepção, pelas lideranças comunitárias, de crises

relacionadas às condições dos recursos pesqueiros; e (10) nível de

desenvolvimento social.

Também foi identificado como pertinente à apresentação de alguns dos

aspectos relevantes às transformações da qualidade ambiental da baía de

Guanabara, sobretudo as suas principais fontes de poluição.

6.1 POLUIÇÃO

A mistura de água doce e marinha, a geografia da baía, as condições

climáticas que atuam sobre ela, a rica fauna e flora, tornam a Guanabara um

ambiente de rara beleza e de elevado interesse social. Estes fatores

possivelmente influenciaram a fixação das primeiras populações de seres-

humanos ao seu redor. Hoje, conforme aponta Bessa (2004) encontram-se

domiciliados na região hidrográfica da baía 8,5 milhões de habitantes, o que

representa uma das mais expressivas concentrações demográficas do território

brasileiro.

Além deste grande contingente populacional, a baía de Guanabara é

circundada por um dos mais importantes pólos industriais do país. São mais de

10 mil indústrias, duas grandes refinarias (com capacidade de processar 17 %

do petróleo consumido pelo Brasil), dois portos comerciais, sendo o Porto do

Rio de Janeiro, o segundo mais importante do país, 16 terminais marítimos de

Page 51: Monografia_Bacharelado

37

óleo combustível e 12 estaleiros. E, além dos 2.000 navios que freqüentam a

Guanabara anualmente, existem as centenas de pequenas e médias

embarcações pesqueiras e de lazer, além das barcas para o transporte de

passageiros (Kjerfve et al., 1997; Amador, 1996; Silva et al. 2007).

Em virtude da falta de planejamento adequado para esta intensa atividade

antrópica, hoje, a baía apresenta um cenário ambiental completamente

modificado quando comparado às suas condições originais. Neste sentido,

conforme assinala Batista Neto (2005) destaca-se um intenso processo de

degradação ambiental, que, sob determinadas perspectivas, posiciona a baía

de Guanabara enquanto um dos ambientes costeiros mais poluídos do Brasil.

Borges (2007) destaca, por exemplo, o aporte de efluentes domésticos e

rejeitos industriais; o desmatamento da vegetação de manguezal para extração

de madeira; aterros; ocupação desordenada de terras públicas e

derramamentos de óleo, como agentes importantes na evolução do declínio

ambiental da Guanabara.

Alguns outros impactos ambientais que provocam a degradação ambiental da

baía encontram-se discriminados abaixo:

Aterros: Amador (1996) estima que a baía de Guanabara já tenha

perdido 80 km2, com destaque para os aterros realizados para a construção da

Avenida Brasil, da Linha Vermelha e do Parque do Flamengo;

Esgoto: a falta de uma rede coletora e de tratamento, capaz de suprir a

demanda existente, faz com que a baía de Guanabara receba uma quantidade

extraordinária de matéria orgânica, na ordem de 453 t de DBO por dia

(PDRHBG, 2005);

Resíduos sólidos: a produção de resíduos sólidos alcança a ordem de

13.000 t por dia. Parte deste volume não é coletado e atinge a baía de

Guanabara sem qualquer tipo de tratamento (PDRHBG, 2005);

Escoamento superficial: as chuvas acarretam no transporte de

inúmeros poluentes através do escoamento superficial urbano, dentre eles os

hidrocarbonetos derivados de petróleo, que são solúveis em água e possuem

grande potencial carcinogênico (Mello, 2001; Hoffman, 1984; e Netto, 2004);

Page 52: Monografia_Bacharelado

38

Assoreamento: as taxas de sedimentação da baía de Guanabara são

10 vezes superiores às taxas apresentadas há 35 anos atrás (Kjerfve et al.,

1997; Godoy et al. 1997; Amador, 1996).

Poluição industrial: entre as empresas mais poluidoras encontram-se a

REDUC (Refinaria Duque de Caxias), que despeja uma carga orgânica por dia

de 1.274 kg, a Cibrapel (indústria de papel de Guapimirim), com 900 kg por dia,

a Petroflex (localizada em Duque de Caxias), com 676 kg/dia, Sul Atlântico

(processamento de pescado - localizada em São Gonçalo), com 480 kg por dia,

e a Conservas Rubi (processamento de pescado também de São Gonçalo),

com 382 kg por dia (CIBG, 2008).

6.2 PERCEPÇÕES SOBRE MUDANÇAS AMBIENTAIS

Dentre todas as agressões ambientais sofridas pela baía de Guanabara o

vazamento de óleo ocorrido em 18 de janeiro de 2000 é considerado pelos

pescadores artesanais como um divisor de águas. Todos ponderam que a

degradação ambiental da baía, que já era elevada antes do vazamento, se

agravou muito com o incidente.

Foram 1,3 milhões de litros de óleo combustível (tipo MF-380) lançados na baía

de Guanabara após o rompimento do duto PE-II, que liga a REDUC ao terminal

da Ilha D‟Água. O vazamento começou uma da manhã e só foi percebido às 5

horas, pois os mecanismos de controle de fluxo do combustível bombeado

também falharam (Acselrad & Mello, 2002).

De acordo com Kampel & Amaral (2001), a mancha de óleo atingiu diversos

ecossistemas, incluindo praias, costões rochosos e manguezais localizados na

parte norte/nordeste da baía, como as praias do litoral de Magé, de Paquetá,

da Ilha do Governador e de São Gonçalo. A Área de Proteção Ambiental de

Guapimirim, um dos mais importantes nichos ecológicos da região, também foi

severamente afetada.

A Figura 6.1 mostra que a extensão da mancha de óleo estimada para o dia 19

de janeiro de 2000, ou seja, um dia após o vazamento, já se espalhava por

uma área de 133,45 km2, 34 % do espelho d‟água.

Page 53: Monografia_Bacharelado

39

Figura 6.1: Mancha de óleo estimada a partir do processamento de imagem de satélite

para o dia 19 de janeiro de 2000. Fonte: Kampel & Amaral (2001)

Nos dias que se seguiram, Kampel & Amaral (2001) pontuam que a extensão

da mancha foi aumentando, chegando a atingir outras regiões nas partes

nordeste (Magé) e leste (São Gonçalo) da baía.

É importante frisar que, até aquele momento, a Petrobras não oferecia

qualquer garantia com relação à realização de auditorias de padrão

internacional nos dutos, fato que levou o Governo do Estado a adiar a

assinatura de um Termo de Compromisso com a PETROBRAS, cinco dias

antes do incidente (Acselrad e Mello, 2002).

Este vazamento, embora tenha sido um dos mais trágicos ocorridos no Brasil,

não se constitui no maior vazamento acidental nem mesmo na baía de

Guanabara. Em 1975 foram derramados acidentalmente 5,8 milhões de

toneladas de óleo do navio grego Tarik, fretado pela Petrobras (Monteiro,

2003).

Mas o que levou o incidente ocorrido em 2000 a ser considerado pelos

pescadores como o “pior de todos” que já se sucederam na Guanabara?

Provavelmente, o grande apelo ambiental dos dias atuais, divulgado

maciçamente pela grande mídia, e pelo fato de que, desta vez, os pescadores

Page 54: Monografia_Bacharelado

40

conseguiram uma histórica vitória na justiça, que lhes garantiu o recebimento

de indenização por danos morais pelo incidente (além de indenização por

perdas materiais). Estima-se a multa indenizatória em um bilhão de reais.

Talvez, este último aspecto seja o mais relevante, posto que até o momento a

indenização não foi paga, apenas alguns pescadores que aceitaram realizar

acordos com a Petrobras receberam algum tipo de ressarcimento. De fato, os

prejuízos econômicos e o empobrecimento das comunidades pesqueiras

aumentaram a expectativa pelo recebimento da indenização, fato presente na

fala cotidiana dos pescadores.

Outras mudanças ambientais também são citadas pelos pescadores, algumas

delas, por serem crônicas, como o despejo de esgoto não tratado através dos

rios que afluem para a baía, ganham certo destaque nas suas falas.

A poluição proporcionada pelo lançamento de resíduos sólidos também é

bastante comentada, posto que esta influi diretamente sobre as pescarias,

danificando os aparelhos de pesca ou atrasando a pescaria. Os sacos

plásticos, neste caso, são o tipo de resíduo mais criticado. Segundo os

pescadores, estes se concentram sob o solo marinho, sendo constantemente

recolhidos junto com a rede. Em 2001, a estimativa era de que 4.000 toneladas

por dia de lixo sólido poderiam alcançar as águas da Guanabara

(CIBG, 200826).

Os pescadores também identificaram como mudança ambiental importante a

redução da área que pode ser utilizada pela pesca, em virtude do aumento de

áreas de uso restrito. Estas áreas são regulamentadas pela Constituição

Federal e por regras de navegação internacionais. A Capitania dos Portos é

responsável pela delimitação em Carta Náutica e, quando necessário, pela

sinalização no mar. Alguns exemplos são: rotas das barcas; próximo áreas à

áreas militares; no entorno de plataformas, ou estruturas fixas; próximo aos

pilares da Ponte Rio-Niterói; e sobre áreas por onde passem dutovias.

O conflito pela utilização de uma área definida como de uso restrito se amplia

quando esta área é um pesqueiro tradicional. Um caso emblemático desta

26

http://www.cibg.rj.gov.br/detalhenoticias.asp?codnot=95&codman=28

Page 55: Monografia_Bacharelado

41

situação corresponde ao boqueirão, área onde se encontra uma base da

marinha (que delimita uma área de exclusão com raio de 500 metros a partir da

linha de costa), e uma plataforma de concreto que atenderá ao funcionamento

de uma planta de regaseificação de gás natural liquefeito (GNL) da

PETROBRAS (esta instalação também delimita uma área de exclusão de 500

metros no seu entorno), mas que era tradicionalmente ocupada pelos

pescadores.

Em Olaria, muitos pescadores relataram que já haviam se envolvido em

incidentes, ou que conheciam alguém que tivesse passado por algum tipo de

conflito por utilizarem áreas de uso restrito. Muitos entrevistados relataram que

o caso é dramático, porque os militares, depois de emitirem avisos sonoros,

atiram contra quem persistir na área. É utilizado armamento de elevado calibre.

Alguns pescadores já se feriram gravemente e, em um caso específico, um

entrevistado relatou que perdeu parte de sua capacidade motora. Um outro

pescador mencionou ter sido ameaçado com armas por seguranças

particulares da PETROBRAS, também por pescarem próximo à plataforma de

GNL, recém inaugurada.

6.3 SOCIOECONOMIA

Um aspecto muito importante relacionado à descrição dos aspectos

socioeconômicos corresponde à delimitação da unidade territorial utilizada na

caracterização das localidades visitadas. Cabe ressaltar que todas se

encontram circunscritas a unidade bairro, mas esta não foi, necessariamente a

unidade utilizada. No caso de Tubiacanga e da Quinta do Caju, foi possível

utilizar este recorte, uma vez que há disponibilidade de dados socioeconômicos

nesta escala. Em Tubiacanga, por exemplo, o Comitê de Entidades no

Combate à Fome e Pela Vida – COEP – realizou um amplo levantamento

sociocultural, que mapeou, além da história da comunidade, suas principais

demandas atuais. Também se encontra disponível um documentário sobre esta

comunidade, produzido pela Associação de Moradores. A Quinta do Caju, por

sua vez, foi incluída em um estudo socioeconômico sobre o complexo do Caju,

realizado pela FIRJAN em 2002. As informações socioeconômicas da Quinta

Page 56: Monografia_Bacharelado

42

do Caju, quando não estiverem referenciadas a este (FIRJAN, 2002), ou a

qualquer outro estudo, tratar-se-ão de dados coletados em campo.

Com relação ao Gradim e à Praia de Olaria não ocorre o mesmo. A

indisponibilidade de dados específicos sobre cada localidade foi definitiva para

a realização do recorte geográfico. Em ambos os casos, os dados mais

consistentes encontram-se disponíveis apenas em escala municipal, tendo sido

publicados em 2003 (São Gonçalo) e 2005 (Magé) pelo Tribunal de Contas do

Estado - TCE. Não há qualquer descrição distrital ou bairrística. Com isso, as

descrições das localidades do Gradim e da Praia de Olaria, na verdade,

corresponderão às informações dos municípios que fazem parte.

6.3.1 População

Tubiacanga é originariamente uma comunidade pesqueira, mas que

gradualmente foi incorporando moradores de outras áreas da Ilha do

Governador, deslocados em virtude da construção do aeroporto internacional e

suas posteriores expansões, e que não tinham na pesca seu principal meio de

subsistência.

A Quinta do Caju, por sua vez, foi fundada no século XIX por Dom João VI. O

Rei acreditava que nas praias da região encontraria areias medicinais que

poriam fim às sarnas que tanto o incomodavam. Um pouco mais tarde,

pescadores portugueses oriundos da região de Póvoa da Várzea também se

estabeleceram na área.

Em Tubiacanga existem 750 casas onde habitam 1.000 famílias, ou 4.200

habitantes. Esta comunidade da Ilha do Governador possui uma densidade

domiciliar muito superior a que se encontra na Quinta do Caju (810 domicílios,

para uma população de 2.542 moradores).

Nota-se em Tubiacanga uma tendência de crescimento, haja visto a intensa

atividade de construção civil observada durante o campo, sufocada, porém,

pelo rígido controle estabelecido pela INFRAERO. Na Quinta do Caju, de

acordo com a ex-presidenta da Associação de Moradores, não se nota

qualquer tipo de crescimento. Inclusive, destaca a liderança comunitária, é

Page 57: Monografia_Bacharelado

43

provável que, em alguns anos, haja um decréscimo no número de moradores,

posto que lá reside uma grande população de idosos.

No que diz respeito ao Gradim, nota-se que se localiza em um município, São

Gonçalo, que tem registrado um intenso crescimento populacional registrado

nos últimos anos. Este se tornou o município mais populoso da costa oriental

da baía e um dos mais densos de toda a Região Metropolitana. O município

tem uma área total de 248,7 quilômetros quadrados, que representa 5,3 % da

área da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Pelo que pode ser observado durante os trabalhos de campo, o Gradim

concentra um grande contingente populacional, sobretudo as margens da BR-

101. Esta via expressa é uma via de comunicação com outros importantes

centros na região, como o Rio de Janeiro e Niterói. A grande população no

bairro parece ter modificado a dinâmica local da pesca, segundo o atual

presidente da Associação de Pescadores do bairro, aumentando o número de

indivíduos engajados na pesca.

A Praia de Olaria se localiza em um bairro historio do município de Magé,

Mauá. Era a partir do antigo porto localizado neste bairro que partia a linha de

ferro imperial com direção a Petrópolis. Em Magé a densidade demográfica é

muito inferior a encontrada em São Gonçalo ou no Rio de Janeiro, sendo ainda

possível notar muitas áreas desocupadas, verdes, e preservadas. O município

registrou em 2000 uma população 205.830 habitantes e uma densidade

demográfica de 558 habitantes por km2.

6.3.2 Educação

Em Tubiacanga só há uma escola municipal que oferece vagas da pré-escola

ao ensino fundamental. Os estudantes que buscam o ensino médio devem

procurar as escolas localizadas nos bairros vizinhos. Os pescadores possuem

uma escolaridade baixa, seguindo a tendência nacional (SEAP, 2006).

Na Quinta do Caju a oferta de vagas limitada para educação de jovens e

adultos em horário compatível com o desejado pelos pescadores. No ensino

fundamental e médio, parece atender as expectativas dos moradores, embora

Page 58: Monografia_Bacharelado

44

haja queixas sobre sua qualidade. O índice de analfabetismo é de 6,5º% e a

escolaridade média das pessoas com 25 anos ou mais é de 6,4 anos. Os

pescadores também possuem um baixo nível de escolaridade, sendo este um

pouco superior entre os mestres e armadores.

São Gonçalo apresenta uma grande tendência de queda da sua taxa de

analfabetismo, oscilando entre aproximadamente 16 % em 1970 e em torno de

6 % em 2000. O número total de matrículas nos ensinos infantil, fundamental e

médio apresentando evolução de 3% no número de estudantes, entre 1998 e

2002. Para o mesmo período nota-se: crescimento do corpo docente e redução

nos índices do rateio aluno/professor no município.

No Gradim encontra-se uma escola da pesca, que oferece cursos

profissionalizantes direcionados a cadeia produtiva da pesca. De acordo com

um entrevistado, esta escola não funciona de modo a adequar sua estrutura de

funcionamento a realidade dos pescadores e de seus familiares sendo,

inclusive, sub-utilizada.

O nível de escolaridade dos habitantes de Magé é muito baixo, uma vez que

mais de 50 % da população não possui mais de 7 anos de estudo. Os índices

de analfabetismo também são elevados. Na população com mais de 15 anos,

10 % são analfabetos (ano 2000). Este percentual é, no entanto, muito mais

satisfatório do que o apresentado na década de 70 do século passado, quando

quase 30 % da população era analfabeta. Nota-se a ocorrência de uma grave

distorção série-idade, proporcionada pelo atraso escolar, pela entrada tardia na

escola e, principalmente, pela repetência.

Para uma moradora de Praia de Olaria, o grande problema da localidade

corresponde à falta de ensinos profissionalizantes ou universitários, que atenda

as demandas da cadeia produtiva da pesca.

É importante ressaltar que as lideranças comunitárias em todas as localidades

visitadas apresentam um nível superior de escolaridade com relação a maioria

dos demais pescadores.

Page 59: Monografia_Bacharelado

45

6.3.3 Saneamento

Dentre os diversos aspectos do saneamento básico, chama a atenção dos

pescadores o descaso do poder público com o tratamento do esgoto. De fato, a

ausência de uma rede coletora e de um sistema de tratamento adequados para

lidar com a pressão populacional presente na bacia de drenagem da baía de

Guanabara é notória.

Além disto, os pescadores se queixam da falta de tratamento adequado dos

resíduos sólidos. Os lixões, com as chuvas, extravasam lixo e chorume.

Ademais há um grande volume de resíduos sólidos que nem é coletado, sendo

despejados diretamente na baía, ou nos rios e canais que nela deságuam.

Em Tubiacanga, parte do esgoto doméstico produzido é despejado in natura na

baía de Guanabara. A coleta de lixo é ineficiente, pois falta um trabalho

rotineiro de limpeza da orla e dos manguezais. Em Tubiacanga, além do lixo

gerado na comunidade, há o aporte significativo de resíduos sólidos trazidos

pela maré. Há uma queixa na comunidade de que quando chove, muitos

resíduos transbordam do lixão de Gramacho e atingem a comunidade.

A Quinta do Caju, embora seja uma comunidade bem servida por um serviço

de coleta do esgoto sanitário, sofre com a falta de mesma oportunidade nas

comunidades vizinhas. O Canal do Fundão encontra-se assoreado e

extremamente poluído.

Em São Gonçalo, o saneamento básico é caracterizado pela presença de uma

baixa oferta de coleta e tratamento de esgoto domiciliar e a coleta regular de

lixo alcança 91,2 % dos domicílios.

No Gradim é perceptível o impacto gerado pela contaminação dos rios. As

casas que ocupam a orla da comunidade também não possuem coleta de

esgoto, sendo este lançado diretamente na baía.

O saneamento básico disponível em Magé também não atende

satisfatoriamente a sua população. Apenas 30 % dos munícipes são

beneficiados pelo serviço de coleta de esgoto. Ao longo da praia de Olaria, foi

possível identificar o aporte de um rio, canalizado, muito contaminado. A falta

Page 60: Monografia_Bacharelado

46

de um sistema adequado de tratamento foi pautada por um dos pescadores

entrevistados como sendo um dos maiores problemas da comunidade.

6.3.4 Síntese dos dados socioeconômicos

O Quadro 6.1 sintetiza as informações socioeconômicas levantadas para cada

localidade ou unidade territorial onde se insere, bem como algumas

informações obtidas através de observações e entrevistas.

Quadro 6.1: Síntese dos dados socioeconômicos e percepções ambientais dos pescadores entrevistados

Tubiacanga Quinta do Caju Praia de Olaria Gradim

Escala geográfica dos dados

Local Local Municipal Municipal

População

Bairro com 4 mil habitantes.

Influenciado pela pesca no passado e atualmente tem seu

desenvolvimento controlado pela

aeronáutica.

Bairro originariamente colonizado por

pescadores portugueses e

espanhóis. Hoje possui 2,5 mil

habitantes e pouco espaço para expansão

domiciliar.

Localidade se situa em bairro com baixo

adensamento urbano. O município, por sua vez, possui uma das menores populações

da Região Metropolitana do Rio

de Janeiro.

Localizado em um dos municípios mais

populosos da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Toda a

sua extensão é urbana. O bairro se conecta com outros

centros urbanos importantes como o

Rio de Janeiro, através da BR-101.

Educação

Só há na localidade vagas para uma creche e para o

ensino fundamental.

Muitos pescadores possuem baixo nível de escolaridade, e

esta situação tende a se agravar com a

restrição no número de vagas e horários

das aulas

Há vagas para todos os níveis de ensino.

Porém os pescadores queixam-se da

qualidade das aulas e dos horários

disponíveis. Há uma diferença de

escolaridade entre os armadores e mestres

com os demais pescadores. Os

primeiros apresentam um nível superior, porém ainda assim mais baixo que o

restante da comunidade.

Há vagas disponíveis para todos os níveis,

contudo faltam horários adequados.

Há um notório desinteresse dos pescadores pela educação formal,

quando consideram sobre o modelo vigente. Há uma

queixa com relação a falte de ensino

profissionalizante adequado para a

cadeia produtiva da pesca.

Embora seja a única localidade que conta com uma escola de

pesca (ensino técnico orientado à cadeia

produtiva da pesca), há ainda muitas

queixas com relação a oferta de

oportunidades para o estudo. A principal

queixa corresponde a inadequação dos

horários e da dinâmica das aulas a realidade

dos pescadores.

Saneamento

A coleta de esgoto no bairro é parcial,

ocorrendo muitos despejos in natura

diretamente na Guanabara. Também não há regularidade

na coleta de lixo seco (resíduos sólidos) que constantemente são

carreados pelo escoamento

superficial provocado pelas chuvas para a

baía.

Há coleta completa do esgoto doméstico e regular de resíduos

sólidos.

A comunidade é afetada indiretamente

por problemas relacionados a falta de

saneamento em outras regiões do Rio

de Janeiro e que poluem

significativamente o Canal do Cunha.

Como em todo o município, nota-se na

Praia de Olaria precariedade na coleta de esgoto

doméstico. Alguns rios que deságuam na

praia de encontram-se visualmente

contaminados.

A coleta de esgoto é parcial, e como em

Tubiacanga, há muito despejo in natura na baía de Guanabara.

Os dois rios que cortam o bairro

também se encontram muito contaminados

Por esgoto doméstico.

Page 61: Monografia_Bacharelado

47

6.4 MARCOS POLÍTICOS E INSTITUCIONAIS ASSOCIADOS À

ATIVIDADE PESQUEIRA

As intervenções do Estado na regulação da atividade pesqueira no Brasil

tiveram início no século XVII, quando o Governo português resolve regular a

pesca da baleia na baía de Guanabara, após perceber os grandes lucros

obtidos com esta atividade.

Consta em Coaracy (apud Silva, 1945:548), que:

“Percebendo a fonte de lucros que essa indústria [pesca da baleia] proporcionava,

a Coroa se apressou a transformá-la em monopólio da Fazenda Real, passando

desde então o privilégio da pesca em determinadas zonas a ser ajudicado, por

meio de concorrência pública, aos arrematantes que mais oferecessem por ele. É

a isto que se chama o contrato das baleias”.

Posteriormente, a história da regulação da atividade pesqueira pode ser

dividida em algumas fases, distinguidas pelos interesses predominantes nas

políticas estatais em cada período.

Do final do século XIX ao início do XX, por exemplo, a principal ação realizada

pelo Estado em direção à pesca esteve relacionada à organização das

comunidades pesqueiras em Colônias, que por sua vez estariam subordinadas

à Marinha Brasileira (Lei 447, em 19 de maio de 1846). O mote desta política

esteve relacionado com a salvaguarda da soberania brasileira sobre toda a sua

faixa costeira, posto que transformou todos os pescadores afiliados às Colônias

em exército de reserva (OLIVEIRA et al. 2007, 2008).

No século XX despontam as políticas de fomento ao desenvolvimento da

pesca, apoiadas em uma visão de mundo marcada pela percepção dos

recursos pesqueiros como um recurso inesgotável. No início do século, os

investimentos foram modestos, e destacam-se a criação da Caixa de Crédito

dos Pescadores e Armadores de Pesca e a Comissão Executiva da Pesca.

Esta última possuía o objetivo específico de organizar as comunidades de

pescadores em cooperativas de produtores (OLIVEIRA et al. 2007, 2008).

A atenção dedicada pelo poder público à expansão da atividade pesqueira e a

sua regulação ganhou fôlego em 1962, quando foi criada a SUDEPE,

Superintendência do Desenvolvimento da Pesca, autarquia vinculada ao

Page 62: Monografia_Bacharelado

48

Ministério da Agricultura. A SUDEPE atuou com foco na expansão da produção

pesqueira sob os moldes capitalistas, através do fortalecimento do, então

incipiente, setor industrial. A linha de ação desta autarquia se pautou na

abertura de inúmeras linhas de crédito e incentivos fiscais, que visaram

consolidar a pesca enquanto uma grandiosa indústria de base27 (Dias Neto,

2002).

Claramente, as políticas definidas para a atividade pesqueira artesanal também

tinham como foco facilitar o surgimento de uma grande indústria pesqueira,

pois, conforme enfatiza Diegues (1983:147), buscou “atribuir à pequena pesca

a função de um bolsão de força de trabalho barato para a frota empresarial-

capitalista”.

Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, mudanças significativas

ocorreram sobre o foco da atuação pública no que diz respeito à gestão da

atividade pesqueira. Em primeiro lugar, conforme destacam Marrul Filho (2001)

e Dias Neto (2002), a Constituição Federal consagrou a tutela do Estado sobre

os recursos pesqueiros, uma vez que os determinou como bens da União.

A SUDEPE foi extinta em 1989 e a gestão da pesca passou a ser de

responsabilidade do IBAMA, que imprimiu, pela primeira vez, uma perspectiva

sustentabilista a operacionalização das políticas de incentivo fiscal concebida

até então. O IBAMA apoiou-se em uma perspectiva mais realista das

potencialidades do mar brasileiro com relação à disponibilidade de recursos

pesqueiros (Dias Neto, 2002).

Atendendo a expressivas reivindicações do movimento organizado dos

pescadores artesanais, a Constituição de 1988 também apresenta um

importante marco regulatório no que vale ao reconhecimento do direito ao livre

associativismo por parte dos pescadores (Cardoso, 2001).

27

Conforme destaca Diegues (1983), o Governo brasileiro fracassou ao tentar estimular a consolidação de uma grande indústria pesqueira, uma vez que não contou com pontos de referência adequados no que diz respeito à capacidade produtiva do mar brasileiro, à experiência do empresariado e ao desprezo pelas potencialidades e infra-estruturas incipientes que já existiam. Das 131 empresas que receberam suporte governamental através de diversos incentivos, pelo menos 40 % foram a falência.

Page 63: Monografia_Bacharelado

49

De acordo com Dias Neto (2002), os bons resultados alcançados pelo IBAMA

na regulação do uso dos recursos pesqueiros não agradaram a todos atores

ligados à cadeia produtiva da pesca. Àqueles que, no passado, estavam mais

comprometidos com a política de incentivos fiscais (sejam eles políticos ou

empresários) se tornaram um dos grupos mais reativos a atuação do IBAMA.

Cardoso (2001) ressalta que a aproximação das políticas pesqueiras com as

questões ambientais ocorreu na mesma medida em que se afastou de outras

esferas importantes que constitui a pesca, como a economia pesqueira. Este

fato se constitui em um ponto de inflexão desta fase do gerenciamento da

atividade pesqueira para a próxima.

Desta forma, em virtude de sucessivos desgastes institucionais, o IBAMA

perdeu espaço político, processo que culminou na publicação da Lei nº 9.649,

de 27 de maio de 1998, que reduziu as competências do IBAMA com relação a

gestão da atividade pesqueira. A responsabilidade pelo fomento da atividade

pesqueira e pela gestão dos recursos não explorados economicamente ficou

sob responsabilidade do Departamento de Pesca e Aqüicultura – DPA, criado

em 1998, dentro do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento –

MAPA. Ao IBAMA restou a gestão dos recursos ameaçados, sobrexplotados, e

completamente explotados, incluindo o poder de polícia sobre a fiscalização da

atividade (Dias Neto, 2002).

A separação da gestão de pesca entre produção e conservação promoveu uma

falsa visão de que os recursos pesqueiros poderiam ser compartimentados

entre: espécies inexplotadas ou subexplotadas, de interesse da produção, e

espécies sobrexplotadas, de interesse da conservação; sem que fosse

empreendido um esforço para entender a dinâmica natural dos ecossistemas

marinhos e da atividade pesqueira (Dias Neto, op. cit.).

A criação da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca – SEAP, em 2003,

manteve a divisão das competências institucionais com relação à gestão da

atividade pesqueira, ficando para Secretaria as responsabilidades que antes

foram atribuídas ao DPA. Valência e Mendonça (2008) destacam que a criação

da SEAP veio de encontro à retomada das políticas pesqueiras voltadas para a

produção em um mercado internacional.

Page 64: Monografia_Bacharelado

50

As dificuldades emergidas no processo de gerenciamento da atividade

pesqueira, decorrentes da divisão de responsabilidades e da falta de

entendimento entre os dois atores governamentais, ficam notoriamente

expressa no artigo escrito por Alexandre Espogeiro, presidente do Sindicato

dos Armadores de Pesca do Estado do Rio de Janeiro:

“Nenhum barco de pesca pode trabalhar com dois mestres [pois] os pescadores

não vão produzir nada. Vão passar o tempo todo discutindo as ordens dos dois, e

tudo vai acabar em prejuízo e desordem. Quem manda na pesca: a SEAP ou o

IBAMA?” (Espogeiro, 2004)

No que diz respeito à incorporação dos pescadores no processo político da

pesca, algumas iniciativas devem ser destacadas, como a Instrução

Normativa/IBAMA nº 29, promulgada em 2002, que legitima os “Acordos de

Pesca” como estratégias de administração pesqueira.

A SEAP também procura estabelecer uma relação dialógica com os diversos

segmentos da sociedade civil organizada ligada à pesca, desta forma

regulamentou em 2004 o Conselho Nacional de Aqüicultura e Pesca -

CONAPE, que tem como finalidade:

“propor a formulação de políticas públicas com vistas a promover a articulação e o

debate nos diferentes níveis de governo com a sociedade civil organizada, para o

desenvolvimento e o fomento das atividades da aqüicultura e da pesca no território

nacional” (Decreto 5.069/2004).

O CONAPE é composto paritariamente por integrantes de órgãos do Poder

Executivo, e, como já informado, por representantes da sociedade civil como: o

Movimento Nacional dos Pescadores, o Conselho Pastoral dos Pescadores e a

Organização das Cooperativas Brasileiras.

A Política Territorial da Pesca e Aqüicultura compõe o Plano de

Desenvolvimento Sustentável mais Pesca e Aqüicultura e busca cristalizar, nas

ações da SEAP, uma abordagem participativa de manejo. Esta política baseia-

se na definição de territórios de pesca bem como de regras e normas de uso

destes espaços através de um processo participativo de tomada de decisão.

No momento, alguns projetos de delineamento de territórios pesqueiros na

região nordeste já se encontram em fase de implementação.

Page 65: Monografia_Bacharelado

51

A proposta metodológica contida na Política Territorial da Pesca e Aqüicultura,

de ampliação do diálogo com as comunidades pesqueiras, parece contradizer a

critica realizada por Mendonça & Valencio (2008) sobre o caráter que

predomina nas relações que a SEAP mantém com a pesca artesanal. Segundo

os estudiosos:

“No caso da interação da categoria do pescador profissional artesanal e a

Secretaria de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República, veremos que

prepondera um tipo de interação não-recíproca, isto é, não dialógica, na qual o

segundo tenta submeter o primeiro, rumando para um processo social básico do

tipo dissociativo, isto é, o conflito” (Mendonça & Valencio, 2008:109).

No âmbito estadual, embora o Rio de Janeiro sempre tenha sido um estado

protagonista na atividade pesqueira desenvolvida no Brasil, não há um grande

aparato institucional do governo estadual que respalde o desenvolvimento

deste setor.

Ainda na esfera estadual encontra-se a FIPERJ, ou Fundação Instituto de

Pesca do Rio de Janeiro. Fundada no final da década de 80, com a finalidade

de promover a atividade pesqueira sob bases sustentáveis de utilização dos

recursos naturais. Suas linhas de ação se concentram na pesquisa, na

assistência técnica e na capacitação de pescadores, aqüicultores,

comerciantes e técnicos.

No que diz respeito ao arcabouço legal que regula a atividade pesqueira

atuante na baía de Guanabara, nota-se que a maioria das leis reflete o

panorama nacional. Há uma presença majoritária de matérias dedicadas ao

fomento da atividade (e.g. concessão de incentivos fiscais) e ao seu

ordenamento (e.g. proibição de petrechos, determinação de períodos de

defeso).

Destaca-se, contudo, a Lei Estadual nº 3192/1999, que reconhece o direito real

de uso sobre a propriedade (da terra tradicionalmente ocupada) aos

pescadores. Esta Lei também garante que, quando a propriedade se localizar

em unidade de conservação, fica assegurado “aos pescadores artesanais o

acesso exclusivo aos recursos naturais, e à participação direta nos planos e

decisões que afetem de alguma forma o seu modo de vida”.

Page 66: Monografia_Bacharelado

52

Na esfera municipal pouca ênfase é dada à atividade pesqueira. Nenhuma

prefeitura possui uma secretaria dedicada exclusivamente aos assuntos da

pesca. Apenas São Gonçalo possui uma subsecretaria, que se encontra

subordinada à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Ciência e

Tecnologia.

Na cidade do Rio de Janeiro, embora não haja qualquer representação

institucional que cuide dos assuntos pertinentes à pesca, algumas leis foram

promulgadas. Em 1984 a Lei nº 630, de 01 de outubro de 1984, autorizou a

transferência provisória do entreposto pesqueiro que funcionava na Praça XV

para a Central de Abastecimento de Hortigranjeiros do Estado – CEASA,

localizado no bairro carioca de Irajá. Em 1990 foi proibida a comercialização

das redes de pesca com aberturas de malha inferiores a 27 mm. Em 2003 foi

autorizada a construção do Núcleo de Pesca Artesanal no Parque Royal, na

Ilha do Governador. Das três, a mais relevante e polêmica entre os pescadores

da Guanabara corresponde à primeira.

A retirada do entreposto pesqueiro da Praça XV representou uma grande

transformação na dinâmica pesqueira artesanal na Guanabara. Embora cada

localidade ainda mantivesse seus pontos de desembarque, seus pequenos

portos, conforme destacam muitos dos pescadores entrevistados, o

desembarque na Praça XV era encorajado pelos melhores preços e maior

agilidade na venda do pescado. A Praça XV reduzia a cadeia da intermediação

da produção, uma vez que não se fazia necessário à utilização de caminhões

frigoríficos entre o ponto de desembarque e o entreposto pesqueiro.

A Lei nº 630/1984 autorizou a transferência, que passaria a funcionar de forma

provisória na CEASA, em Irajá. Alguns projetos foram cogitados, como o da

construção de um novo entreposto na Quinta do Caju e mais recentemente na

Ilha do Governador (projeto da SEAP). No caso deste último, o terreno já foi

concedido a SEAP e a previsão de término da obra é 2010. Enquanto a obra

não é concluída muitos pescadores reclamam que o aumento da cadeia de

intermediação do pescado reduziu ainda mais suas rendas.

Page 67: Monografia_Bacharelado

53

7 DIAGNÓSTICO DA ATIVIDADE PESQUEIRA

7.1 PRÁTICAS PESQUEIRAS

Foi diagnosticada, nas quatro comunidades estudadas, a presença marcante

da pequena produção mercantil de pescadores artesanais. Este fato corrobora

o estudo realizado por IBAMA (2002), que já havia sinalizado para o

predomínio da pesca artesanal na baía de Guanabara.

Mas há também, considerando as definições cunhadas por Diegues (1983), a

presença de um grupo de armadores de pesca que se dedicam ao arrasto do

camarão e ao cerco da sardinha. Este tipo, no entanto, não foi notado em

nenhuma das comunidades visitadas, a não ser pelos comentários realizados

pelos pescadores a respeito da diversidade da pesca da Guanabara. Os

mesmos pescadores sugerem que os armadores, donos das traineiras de cerco

e arrasto, são na maioria oriundas de Niterói.

Outro tipo importante de usuários dos recursos pesqueiros corresponde aos

pescadores de temporada. Estes só atuam durante a alta temporada da pesca

do camarão e não costumam trabalhar embarcados. Assemelham-se mais com

os armadores, contratando a mão-de-obra local disponível para utilizarem suas

embarcações e aparelhos de pesca. Os pescadores de temporada exercem

outras atividades profissionais28, que lhes garantem a principal fonte de renda

ao longo do ano.

Há ainda a atuação dos pescadores amadores, cuja incidência aumenta

significativamente durante o verão. Estes pescadores utilizam a linha e a vara

como principais petrechos de pesca. A produção não tem fim comercial e os

barcos são alugados dos próprios pescadores ou ex-pescadores.

Com exceção destes últimos grupos, para a maioria dos pescadores das

comunidades estudadas a atividade pesqueira é tida como principal fonte de

28

Os pescadores de Olaria destacam a participação de um policial local nas pescas de temporada. Segundo o relato dos entrevistados, o funcionário público já coagiu alguns pescadores, buscando obter maiores vantagens na pescaria, como a utilização de alguns pesqueiros.

Page 68: Monografia_Bacharelado

54

renda. As bases das unidades produção29 são essencialmente provenientes da

própria localidade, o que inclui a mão-de-obra, no caso das pescas com mais

de um tripulante. A finalidade do pescado produzido é essencialmente

comercial, sendo negociado especialmente com atravessadores. Também se

nota a utilização de parte da produção (geralmente espécies de baixo valor

comercial) para o consumo próprio.

Há, no entanto, uma grande variação entre as comunidades no que diz respeito

às técnicas pesqueiras predominantes em cada uma delas. As razões para

estas diferenças podem ser encontradas na história de cada localidade e nas

condições ambientais que predominam em cada uma delas (que influi, por

exemplo, na distribuição dos organismos dentro da baía).

7.1.1 Tubiacanga

Em Tubiacanga destaca-se a peculiaridade da presença de uma pesca local

mais significativa do que nas demais localidades visitadas. Embora a qualidade

da água não seja aparentemente melhor do que a do Gradim, a da Quinta do

Caju e a da Praia de Olaria, é notória a presença de pescadores de arrastão,

uma prática conhecida como candombe.

O candombe, ou condoblo, corresponde a uma modalidade de pesca de

arrasto realizada com dois pescadores desembarcados. Cada um puxa um

calão, ou galão, que correspondem a duas madeiras resistentes localizadas

nas extremidades laterais da rede. O arrasto é realizado em águas bem rasas,

ao longo da extensão da praia. Após alguns minutos de arrasto, os pescadores

movimentam-se em direção a região emersa da praia, onde é realizada a cata

manual do camarão. A pesca é realizada sobretudo à noite, estendendo-se

pela madrugada e em alguns casos terminando apenas no início da manhã

(Figura 7.1).

29

Consideram-se as bases das unidades produtivas da pesca o conjunto de atividades que servem como suporte à realização da pesca, de modo que, sem ela, o desenvolvimento da atividade não seria possível. Como exemplo, destacam-se: fábricas/fornecedores de gelo, comerciantes e artesãos de embarcações e aparelhos de pesca e fornecedores de insumos que integram o rancho (alimentação levada a bordo durante as viagens).

Page 69: Monografia_Bacharelado

55

Figura 7.1: Esquema de utilização do candombe. Fonte: Bernardes e Bernardes (1950).

Em Tubiacanga também ocorre a pesca com tarrafa, para a captura de

camarões, paratis e outros pequenos peixes. A tarrafa consiste em um

aparelho de pesca da categoria das redes, assim como o candombe. É

operada por apenas um pescador, geralmente desembarcado. Este petrecho é

composto por uma rede em formato circular, tralhada com lastros nas suas

extremidades, e um cabo principal, pelo qual o pescador puxa a rede após seu

lançamento. A pesca ocorre nas proximidades de um pequeno remanescente

de manguezal.

A maioria dos pescadores que vivem em Tubiacanga atua, no entanto, longe

das imediações de seu local de moradia. Neste caso a pesca ocorre

embarcada, seja em pequenos botes ou em traineiras, através de modalidades

como a rede de espera, o espinhel e o arrasto com portas.

Há nesta localidade uma frota aproximada de 30 embarcações de pequeno

porte, com no máximo 6 metros de comprimento. Muitas que operavam a

motor, hoje são movidas a remo, pois os motores foram vendidos de modo a

levantar fundos para reparar a estrutura das embarcações. Há algumas

traineiras, cinco no total, que pertencem a dois pescadores que vieram de

Ramos. As traineiras possuem, em média, 12 metros de comprimento e

capacidade de armazenar até 10 toneladas de pescado.

As pequenas embarcações são empregadas para a pesca com rede de espera,

espinhel, linha e para o desembarque de currais, localizados em Duque de

Caxias. As traineiras são utilizadas para o arrasto do camarão. A frota de

Page 70: Monografia_Bacharelado

56

traineiras também costuma atravessar a barra da baía, para realizar cercos de

sardinha e tainha.

7.1.2 Quinta do Caju

Na Quinta do Caju encontra-se o predomínio da pesca de arrasto com portas e

do cerco com traineira. Estas duas modalidades se caracterizam por

apresentar um poder de captura semelhante às traineiras de Tubiacanga e aos

arrasteiros do Gradim, porém, muito superior às demais modalidades que

predominam nestas localidades e na Praia de Olaria.

A história da Quinta do Caju revela que este foi um dos maiores núcleos

pesqueiros do Brasil, fato destacado por alguns estudos realizados na década

de 50 e 6030. Este fato também se encontra marcado na memória dos

pescadores que ainda hoje vivem por lá.

De acordo com Bernardes (1958), a Quinta do Caju se tornou o bairro carioca

para onde afluíram grande parte dos pescadores portugueses e espanhóis que

imigraram para o Brasil. Os imigrantes contribuíram decisivamente com o

desenvolvimento do setor, ao introduzirem técnicas mais modernas, que

permitiram pescarias muito mais rentáveis. Em um segundo momento, por se

tornar um ponto de referência da pesca, a Quinta do Caju também passou a

atrair migrantes de outros estados, como do Espírito Santo e de Santa

Catarina, estes últimos denominados por “andorinhas” (Diegues, 1983).

Bernardes (1958) destaca, antes da chegada dos imigrantes, a pesca do

camarão representava a atividade de maior importância praticada no Caju,

sendo que, até o final do século XIX. Era comum o emprego de tarrafas e do

candombe.

Os portugueses e espanhóis incorporaram gradativamente novas tecnologias à

pesca do camarão, trazendo-as consigo de suas tradições. Foi desta forma

30

Algum dos estudos que ressaltam a importância que já teve a pesca praticada pelos pescadores da Quinta do Caju são: Bernardes e Bernardes (1950); Bernardes (1958) e Brito Soeiro (1960).

Page 71: Monografia_Bacharelado

57

que, por volta de 1900, introduziram a rede balão embarcada31 (Figura 7.2). Na

década de 50, inovaram através do arrasto com portas32, já com a utilização de

embarcações motorizadas. Alguns anos depois trouxeram o beam-trawl33

(Bernardes, 1958).

Figura 7.2: Pesca com rede de balão. Fonte: Bernardes e Bernardes (1950).

Atualmente, a pesca do camarão não é mais realizada nas redondezas do

Caju, em virtude das péssimas condições ambientais do canal do fundão. O

fundo da baía passou a ser a área mais procurada, principalmente nas coroas

e próximo ao boqueirão e à ilha de Paquetá.

A frota de arrasto da Quinta do Caju é caracterizada por embarcações de

médio porte (entre 5 e 6 metros), com propulsão mecânica movida a óleo

diesel. As embarcações possuem um pequeno casario, onde o pescador pode

31

Nesta modalidade de arrasto o movimento da embarcação era obtido quando os pescadores puxavam uma corda, que se encontrava amarrada em algum ponto de referência localizado em terra. A abertura longitudinal da rede era garantida pela presença de hastes, localizadas a proa e popa das canoas e por um arranjo de amarrações de cabos. Já a abertura vertical era garantida pela utilização de calões.

32 Nesta modalidade o arrasto é realizado por apenas uma embarcação motorizada. A rede, tracionada junto ao fundo, é mantida aberta pela utilização das portas. Estas consistem em duas pranchas confeccionadas de madeira, ou metal, mais ou menos planas, e que são posicionadas a bombordo e estibordo da embarcação. As portas são lançadas ao mar antes da rede, geralmente com o apoio de um alador. Ao se movimentarem as portas geram uma força ortogonal ao sentido em que estão sendo puxadas, e por este motivo mantém a abertura longitudinal da rede. A abertura vertical é obtida pela utilização de lastros e bóias.

33 Este é o método mais simples de arrasto, empregado apenas por uma embarcação. A rede fica aberta em virtude da utilização de uma estrutura rígida, geralmente confeccionada em metal, como em uma draga.

Page 72: Monografia_Bacharelado

58

guardar pertences pessoais, rancho, ferramentas e outros objetos (Foto 7.1 e

Foto 7.2).

Foto 7.1: Embarcações de arrasto Foto 7.2: Traineiras de cerco

O arrasto é simples, ou seja, a embarcação puxa apenas uma rede. Esta, por

sua vez, tem forma de funil, com comprimento 15 metros na tralha inferior. A

abertura da malha do corpo da rede varia de 18 a 30 mm, sendo muito comum

a utilização da malha „20‟. Também se costuma utilizar as portas, cada uma

com aproximadamente 23 m (Keunecke, 2006; Viana et al., 2006). Uma

adaptação muito comum realizada pelos arrasteiros da Quinta do Caju consiste

na utilização de uma corrente, conhecida localmente como “draga”, que é

anexada a tralha inferior da rede, e que serve para “abrir caminho” no fundo da

baía34.

O arrasto parelha, onde duas embarcações puxam simultaneamente a rede, é

uma prática menos comum entre os pescadores do Caju. O poder de captura

aumenta, tanto quanto os gastos, por isso esta técnica costuma ser empregada

apenas quando há uma grande expectativa em relação à produção.

A pesca ocorre a noite, e em cada saída são realizados, em média, cinco

lances. O número mínimo de lances é determinado pela quantidade de

camarão necessário para cobrir os custos da pescaria. A produção por “lance”

(assim chamado uma volta com a rede no mar) não tem ultrapassado 5 kg.

Quando se encontra um pesqueiro com muito camarão, pode-se realizar até 10

“lances” em uma única noite, com produção superior a 5 kg por lance.

34

As correntes procuram proteger a rede, principalmente, dos remanescentes dos currais, que se encontram completamente imersos em vários pontos da baía de Guanabara.

Page 73: Monografia_Bacharelado

59

O óleo diesel, que custa R$ 2,00 o litro, representa o insumo que mais onera a

produção. O consumo de óleo diesel em uma viagem é de, em média, 50 litros.

O gelo e o rancho também são insumos fundamentais a pescaria do camarão,

mas não representa um custo no processo produtivo dos arrastos.

Além do arrasto, se destaca uma frota dedicada ao cerco da sardinha. Cabe

ressaltar que o desenvolvimento desta modalidade no Brasil, marcada pela

introdução das redes traineiras, tem raízes fincadas na Quinta do Caju, se

constituindo em outra influência marcante dos pescadores imigrantes. Até a

chegada maciça dos portugueses e espanhóis, pescava-se com tarrafas e

“alvitranas”35. O sucesso das traineiras repercutiu rapidamente e, logo, outros

pescadores importaram as redes da Espanha, uma vez que não eram

fabricadas aqui (Bernardes, 1958).

A pesca com traineira se tornou ainda mais importante quando foram

instalados: (1) o entreposto pesqueiro da Praça XV; (2) as primeiras fábricas de

enlatamento de sardinha em São Gonçalo, na década de 30. Estes dois

acontecimentos fortaleceram a comercialização do pescado a um volume de

produção que ainda não havia sido praticado no Rio de Janeiro

(Bernardes, 1958).

Hoje a pesca do cerco da sardinha é realizada por traineiras36 com capacidade

de armazenamento variando entre 8 e 10 toneladas. As embarcações são

motorizadas e movidas a óleo diesel. Possuem comprimento que varia entre 12

e 15 metros. As pescarias acontecem diariamente, durante toda a madrugada

até o início da manhã. Os pescadores costumam dizer que “os peixes se

escondem para dormir quando começa a clarear”.

Nos cercos, as traineiras são auxiliadas por uma embarcação menor, que

geralmente não é motorizada. A função desta embarcação e segurar uma das

extremidades da rede, enquanto a traineira contorna o cardume. As redes

35

As “alvitranas” correspondem a uma espécie de cerco de emalhar, ou seja, que capturam o peixe na medida em que este se embola na rede.

36 As embarcações que utilizavam as redes traineiras, em virtude de sua diferença das demais embarcações, na ocasião do início dos cercos com este petrecho, acabaram por serem reconhecidas, pelos pescadores, através do nome do aparelho, fato que persiste até hoje.

Page 74: Monografia_Bacharelado

60

utilizadas possuem abertura de 13 milímetros, 35 metros de altura e 500

metros de comprimento (Foto 7.3).

Foto 7.3: Rede de cerco sendo concertada.

Em seguida puxa-se uma corda que percorre anilhas localizadas na parte

inferior da rede, fechando o fundo de forma a evitar a fuga dos peixes. A rede é

puxada para a traineira manualmente e os peixes retirados da água com puçás.

Como as embarcações não contam com equipamentos mecânicos para puxar

a rede a bordo, como o „moitão37‟, ainda é necessário o emprego de um grande

número de pescadores para a realização do estafante trabalho manual,

aproximadamente oito companheiros. Um dos pescadores entrevistados

considerou que o trabalho tem aumentado nos últimos anos, pois alguns

mestres têm diminuído o número de tripulantes com vistas a reduzir o custo da

pescaria.

Um mestre-proprietário entrevistado, afirmou que, embora haja na baía “muitas

embarcações passando sobre os cardumes”, dificilmente não consegue encher

o depósito de sua embarcação, que possui capacidade de 8 toneladas.

Também é muito comum capturar mais do que se pode armazenar em apenas

um lance; e quando isto acontece, o excedente é oferecido gratuitamente às

embarcações que estejam pescando nas proximidades.

Os principais insumos utilizados pelas embarcações de cerco do Caju são:

combustível, que tem aumentado significativamente o custo da pescaria, uma

37

Moitão é uma denominação local do alador de rede tipo power block.

Page 75: Monografia_Bacharelado

61

vez que nenhum mestre-proprietário possui subvenção ao preço do óleo; o

gelo, geralmente conseguido de graça nas fábricas de enlatamento de

sardinha; e o rancho (assim chamada a alimentação dos tripulantes).

Nas demais comunidades visitadas predominam petrechos mais artesanais. As

redes de emalhe (caceia e espera) são as mais empregadas, seguidas pelos

espinheis, linha, puçás e outros. Também deve ser destacada a contribuição

dos currais.

7.1.3 Gradim

No Gradim a pesca também é coisa antiga. Bernardes & Bernardes (1950) e

Bernardes (1958) destacam São Gonçalo como um dos núcleos pesqueiros

mais importantes da baía de Guanabara.

De acordo com as informações obtidas em campo, a atividade pesqueira

sempre esteve presente nesta localidade, e até meados da década de 70, a

cultura da pesca era transmitida de pai para filho. Para ser reconhecido como

pescador pelos demais, se tinha que conhecer todos os petrechos de pesca

que existiam, saber fazer alguns deles e ainda construir sua própria

embarcação.

Com o agravamento das condições ambientais da Guanabara, as áreas

adjacentes ao Gradim deixaram de ser freqüentadas pelos pescadores, mas se

mantiveram como importante local de moradia de muitos pescadores e também

como local de desembarque pesqueiro (Foto 7.4, Foto 7.5 e Foto 7.6).

Foto 7.4: Pescadores desembarcando a Foto 7.5: Píer da Associação de

Page 76: Monografia_Bacharelado

62

produção no Gradim. Pescadores do Gradim.

Foto 7.6: Vista da orla do Gradim.

No passado, quando a pesca em áreas próximas ao Gradim ainda era

praticável, destacava-se a utilização de petrechos como a tarrafa, o candombe,

a rede tresmalho e o puçá. Os currais38 também eram comuns, porém com uso

um pouco mais restrito, pois necessitava o emprego de grandes investimentos

para a sua construção e posterior manutenção. Hoje, a pesca mais típica

corresponde à rede de malha, ou emalhe (como é mais conhecida

localmente)39.

Das redes de emalhe, a mais comum é à rede de tresmalho, ou rasca. Este

petrecho é composto por três panagens (conjunto de panos), sendo que a

interna possui a menor abertura de malha. Com esta rede se pesca espécies

como tainha, pirauna, enchada, bagre e canhanha, por exemplo. As redes com

apenas uma panagem também são empregadas, sendo preferenciais para a

captura da pescadinha, corvina, anchova e espada.

38

Esta modalidade de pesca será apresentada mais a seguir, ao longo da descrição das práticas pesqueiras utilizadas pelos pescadores da Praia de Mauá.

39 Uma rede é basicamente composta pela combinação de três peças: o pano, a bóia e o lastro. O primeiro corresponde a uma malha (com diferentes aberturas) em formato retangular (em diferentes combinações de altura e comprimento) e que responde, efetivamente, à captura do pescado. Por sua vez, a bóia (cortiça) e o lastro (chumbada ou poita), são um conjunto de pequenos flutuadores e pesos fixados ao longo da rede em suas arestas superior e inferior, responsáveis pela manutenção da abertura vertical da rede (também existem diferentes combinações de bóias e lastros, bem como de materiais utilizados).

Page 77: Monografia_Bacharelado

63

O seu comprimento e altura variam bastante, e a escolha das dimensões do

petrecho encontra-se relacionados diretamente com o custo de sua produção e

manutenção, espécie-alvo e método de pescaria. Com relação ao custo, é

importante ressaltar a importância do entralhamento40. Esta atividade

representa um custo adicional às pescarias, algo em torno de R$ 30,00 no

Gradim. Em muitos casos, os próprios pescadores realizam o entralhamento,

procurando, desta forma, reduzir os seus custos de produção.

As aberturas mais comuns entre as redes de tresmalho variam entre 35 e

40 mm, e, em média, possuem altura de 70 a 100 malhas (aproximadamente

2,5 m a 3,7 m) e comprimento de 200 a 400 braças41. Para a pesca do

camarão-cinza e da sardinha a abertura de malha é inferior, 2 e 3 dedos

respectivamente (entre 5 e 15 mm) (Foto 7.7).

Foto 7.7: Redes de emalhe dispostas sobre as embarcações dos pescadores artesanais

do Gradim.

Dentre as formas de utilização das redes encontram-se o cerco (rasca de

bater) e a caceia. O primeiro pode ser realizado em parceria, quando duas

canoas participam da pescaria, ou com apenas uma canoa.

Na rasca de bater em parceria, participam, como já dito, 2 canoas com dois

pescadores em cada uma. As redes das duas canoas são emendadas e

lançadas no mar após ser avistado um cardume. As duas canoas, geralmente

40

O entralhamento corresponde à montagem da rede, ou seja, da costura das bóias e dos lastros ao pano.

41 Uma braça possui aproximadamente 1 metro.

Page 78: Monografia_Bacharelado

64

motorizadas, circundam os peixes, e assim que se fecha o cerco, começam a

bater na água de modo a induzir o pescado a nadar contra as redes, e a

ficarem emalhados (Figura 7.3).

Figura 7.3: Esquema da rasca de bater, ou cerco. Fonte: Bernardes e Bernardes (1950).

No cerco sem parceria, é muito comum que os pescadores procurem currais

desativados, pois estes se tornaram viveiros de muitas espécies com

importância econômica. O cerco é realizado na espia42, na face oposta ao

sentido da corrente de maré (desta forma a rede não se danifica nas madeiras

submersas do curral). Após amarrar uma das pontas da rede na espia, os

pescadores circundam o cardume até fechar o cerco (que fica em forma de

meia lua). Em seguida os pescadores batem na água, também para induzir o

emalhe do pescado na rede (Figura 7.4).

42

A espia corresponde a uma das partes do curral, que será caracterizado mais adiante, ao longo da descrição das práticas pesqueiras da Praia de Olaria.

Page 79: Monografia_Bacharelado

65

Figura 7.4: Esquema de pesca de cerco sem parceria com a utilização de estruturas de

currais desativados. Fonte: Adaptado de Bernardes e Bernardes (1950).

Na caceia a rede é deixada à deriva, de forma a „caceiar‟, ou caçar o pescado.

Os pescadores acompanham o movimento da rede de perto através de duas

lanternas, feitas de modo muito artesanal, iluminadas à vela ou à energia

elétrica e posicionadas nas extremidades das redes (Foto 7.8).

Foto 7.8: Lanternas utilizadas para localizar as redes de caceia.

As redes são posicionadas na coluna d‟água de acordo com as espécies que

se intentam capturar. As redes veladas são aquelas que ficam faceando o

espelho d‟água, e cujas espécies-alvo são as anchovas, espadas e sardinhas.

As redes de meia água não ficam próximas à superfície, e suas alturas são

definidas pela profundidade local de onde se está pescando. Para manter as

Page 80: Monografia_Bacharelado

66

redes na profundidade desejada, os pescadores substituem a cortiça (material

que oferece flutuabilidade a rede) por garrafas PET. Estas não são amarradas

diretamente na rede, e sim às cordas que se conectam a elas. Desta forma, o

comprimento da corda regula a profundidade que a rede ficará com relação ao

espelho d‟água (Foto 7.9). Estas redes têm se popularizado em virtude da

poluição, pois elas acabam por escapar do lixo flutuante.

Foto 7.9: Detalhe do arranjo de garrafas pet utilizadas para manter as redes flutuando.

As redes de fundo têm como principais espécies-alvo os camarões graúdos,

mas não são muito empregadas, pois ficam muito danificadas com a poluição

existente sobre o sedimento do assoalho submarino da baía de Guanabara.

As pescarias ocorrem predominantemente no período noturno, com o

desembarque ocorrendo entre cinco e sete da manhã. Não é utilizado gelo. O

rancho, muitas vezes, se restringe à água. E os motores de muitas canoas têm

sido adaptados a uma alimentação realizada por gás de cozinha em

substituição ao óleo diesel.

Com o aumento excessivo do preço do óleo diesel e da gasolina, e a falta de

apoio com relação ao subsídio no preço, a utilização do gás de cozinha tem se

tornado uma alternativa muito comum entre os pescadores do Gradim. O

tempo médio de duração de um botijão varia de 4 dias a uma semana, com um

Page 81: Monografia_Bacharelado

67

custo de no máximo R$ 40,00 a botija. O botijão é o próprio tanque de

combustível e é levado a bordo das pequenas embarcações. A instalação é

improvisada e geralmente realizada pelos próprios pescadores. Embora os

pescadores não tenham se recordado de nenhum incidente, a percepção entre

alguns deles, de que a instalação do gás ocorre de forma improvisada, tem

repercutido como mais um aspecto que aumenta o risco de vida durante as

pescarias (Foto 7.10).

Foto 7.10: Detalhe do botijão utilizado nas pequenas embarcações dos pescadores do

Gradim.

Menos da metade dos pescadores do Gradim não tem barco, pescando em

parceria com os proprietários. Alguns deles levam seus próprios petrechos, de

forma a aumentar a produção e o rendimento de sua pescaria.

O arrasto também é diferente daquele realizado pelos pescadores do Caju,

sobretudo pelas características das embarcações, que são menores (até 4

metros) e com um pequeno casario. As malhas possuem até 20 mm de

abertura. No arrasto são utilizadas embarcações motorizadas e movidas a óleo

diesel ou gasolina (Foto 7.11 e Foto 7.12).

Page 82: Monografia_Bacharelado

68

Foto 7.11: Embarcações de arrasto do

Gradim. Foto 7.12: Detalhe da porta utilizada para

manter a rede aberta.

Também desembarcam alguns pescadores que pescam com espinhel

equipados com aproximadamente 300 anzóis43. As embarcações são

pequenas e em geral, motorizadas. Estes pescadores são, no entanto, de uma

localidade vizinha denominada Itaoca. De lá também são os últimos

proprietários de curral de São Gonçalo e que também desembarcam no

Gradim.

De fato os pescadores do Gradim não são adeptos de uma única modalidade,

as próprias redes possuem varias aberturas de malha e podem se fixadas em

diferentes posições na coluna d‟água. Muitos migram de uma modalidade para

outra de acordo com a disponibilidade biológica dos recursos pesqueiros, ou

então com os períodos de defeso.

7.1.4 Praia de Olaria

Olaria, por sua vez, também representa outra área tradicionalmente ligada à

atividade pesqueira, como indica o mapa de pesca elaborado por Lísia

Bernardes e Nilo Bernardes em 1950. Neste documento a localidade aparece

43

Espinhel corresponde a uma modalidade de pesca de linha, onde um conjunto de anzóis (número de anzóis é variável) é fixado a um cabo principal, amarrado à embarcação em uma de suas extremidades e a uma bóia de sinalização na outra. O espinhel pode ser posicionado junto ao espelho d‟água e a meia água, quando o objetivo é a captura de espécies pelágicas é próximo ao fundo, quando são alvo as espécies demersais. A posição do espinhel na coluna d‟água é definida, sobretudo, pelos arranjos de bóias que intercalam os anzóis. Esta é uma modalidade de pesca passiva, uma vez que fica parada, ou com um reduzido movimento, a espera do organismo.

Page 83: Monografia_Bacharelado

69

representada como importante núcleo pesqueiro do estado (Bernardes e

Bernardes, 1950).

As duas modalidades de pesca mais proeminentes nesta comunidade

correspondem à pesca com curral e com rede de espera. Vale à pena

mencionar que também se encontram presentes a prática de outras

modalidades, porém estas são menos expressivas em termos de contribuição

para a produção pesqueira de Olaria. Muitas outras caíram em desuso após o

declínio acentuado das condições ambientais da baía de Guanabara e por

extensão do seu potencial pesqueiro.

Um pescador experiente de Olaria, nascido na região, conta que quando mais

jovem costumava pescar com o tribobó, ou trimbombó. No caso o petrecho

corresponde a uma armadilha para peixes em saltos, e consistia em uma rede

esticada sob a embarcação, um pouco inclinada na direção da água. A pesca

ocorria nos manguezais, a embarcação era navegada a remo até as

proximidades de uma copa de manguezal debruçada sobre a água. Com o

remo levantavam-se alguns galhos, e imediatamente as tainhas saltavam,

literalmente, para dentro da embarcação, ficando presas na rede44 (Figura 7.5).

Figura 7.5: Esquema da pesca denominada tribobó. Fonte: Bernardes e Bernardes (1950).

44

Nota-se de um tempo que não existe mais e que o adiantado da vida não lhe permitirá rever uma situação como esta. As histórias contadas por este pescador eram acompanhadas por olhos alegres, como quem enxergasse uma realidade, que frente aos fatos cotidianos, só poderiam ser fantasiosos. Peixes que saltam para dentro do barco, redes fora d‟água, parecem para este personagem da praia de Olaria algumas das fantasiosas histórias que está habituado a ouvir de seus companheiros pescadores.

Page 84: Monografia_Bacharelado

70

O curral também é uma técnica antiga, apreendida pelos brasileiros dos índios

nativos da Guanabara (Bernardes & Bernardes, 1950; Amador, 1996). Mesmo

com o extermínio dos tupis, a técnica continuou sendo largamente empregada,

pois além de ser altamente rentável45, permite uma produção razoavelmente

estável, diferentemente das outras técnicas (Bernardes, 1958).

De acordo com IBAMA (2002:10) “os currais são artes de pesca fixas,

confeccionados com esteiras de bambu e tendo como fundação, troncos de

árvores dos manguezais ou de eucalipto. A madeira do mangue, cuja utilização

constituía prática comum, vem sendo substituída pelo eucalipto. Não há, no

entanto, números precisos quanto ao consumo de cada tipo de madeira. Para a

construção de um curral são necessários 150 a 180 troncos, com diâmetro

variando de 3 a 8 cm e altura entre 5 e 7 metros”. De acordo com Esteve (1995

apud IBAMA, 2002) a vida útil de um curral é de aproximadamente um ano,

após este período é necessário que seja realizado uma grande manutenção de

suas estruturas.

Um curral é instalado de acordo com os movimentos dos cardumes de peixes,

os construtores levam em consideração, correntes e as descargas dos rios. O

objetivo é induzir o peixe a nadar na direção da armadilha, onde ficará preso.

Os pescadores que construíam os currais detinham um grande conhecimento

empírico sobre as condições hidrobiológicas da área pescada.

Este aparelho fixo de pesca possui basicamente 4 seções: a primeira e a espia,

que corresponde a uma grande parede de madeira. A espia atravessa

perpendicularmente o trajeto percorrido pelos cardumes, e é o responsável por

induzir o pesca a nadar em direção a armadilha. As outras três seções são

muito semelhantes, constituindo-se de três cercos de formato circular. A

entrada principal fica ao final da espia e tem formato cônico afunilando em

direção ao centro da primeira gaiola. As demais passagens vão reduzindo de

45

No passado à pesca com curral era muito próspera. Conta um pescador: “Com a renda gerada era possível ter uma boa vida, casa própria, dar boa educação para os filhos, e até realizar algumas estribeiras, como comprar carros e outros bens com dinheiro vivo, à vista”. Muitos dos curraleiros de Olaria, a despeito dos grandes lucros obtidos com os currais, não conseguiram acumular capital, justamente por acreditarem que tamanha fartura não poderia jamais acabar.

Page 85: Monografia_Bacharelado

71

largura de modo a realizar uma seleção de tamanho entre cada cerco. Desta

forma facilita-se à despesca e reduz-se a predação.

O último compartimento, que recebe as espécies de menor tamanho é

chamado de viveiro. Os currais possuem ainda uma ponte que circunda o seu

interior, que serve aos pescadores no momento da despesca. Outro aspecto

interessante relacionado com os currais corresponde à forma como os

curraleiros monitoram a despesca não autorizada de seus currais (Figura 7.6).

Figura 7.6: Esquema de cercado fixo, curral, armado no fundo da baía de Guanabara.

Fonte: Bernardes e Bernardes (1950).

Cada pescador possui uma forma diferente de amarrar a porta dos currais. O

“nó de espia” é uma espécie de identidade do curral46. Este procedimento já foi

mais utilizado, quando os currais rendiam mais. Hoje, ainda há “roubo” dos

pescados, mas em uma escala muito inferior.

A despesca dos currais é realizada por três pescadores, que utilizam

embarcação motorizada com aproximadamente 8 metros de comprimento. Os

petrechos de despesca se assemelham aos utilizados pelo cerco, com exceção

da forma como são manuseados. Os pescadores contornam a parede dos

currais com uma rede adaptada, em cada extremidade, com calões, ou galões,

que correspondem a duas madeiras que facilitam o seu manuseio. Após fechar

o funda da rede, como no cerco, os peixes são retirados pelo terceiro pescador,

46

Cada pescador possui um nó próprio que utiliza para amarrar a porta do curral. Como é o único que sabe dar o nó que lhe pertence, o proprietário do curral saberá quando outro pescador estiver retirando peixes sem o seu consentimento, já que deixará a porta amarrada de um modo distinto. Esta técnica foi muito empregada, caindo em desuso nos dias de hoje.

Page 86: Monografia_Bacharelado

72

com auxílio de um puçá, também denominado por chavavá, sarrico ou

passava. No passado os currais eram despescados diariamente, haja visto a

fartura, hoje em dia, em média a despesca ocorre a cada 3 dias (Foto 7.13 e

Foto 7.14).

Foto 7.13: Embarcação utilizada na

despesca dos currais. Foto 7.14: Detalhe do galão e do sarrico.

Até meados do último século, os currais eram encontrados ao longo de

praticamente toda a orla da Guanabara, na costa ocidental, até as imediações

do Caju e na costa ocidental, até São Gonçalo (Bernardes, 1958).

A instalação dos currais, naquele período, era proibida. Alegavam militares,

políticos e pescadores que estes aparelhos constituíam em um crime contra o

meio ambiente e um instrumento de exploração dos capitalistas estrangeiros. A

proibição não era suficiente para impedir a instalação de novos aparelhos.

Villar (1945:110) destaca que havia tantos currais na baía de Guanabara que

“chegaram ao ponto de entupir todos os rios”.

Mas tarde, com a transformação dos manguezais em áreas de proteção

permanente47, cujo uso é permitido apenas em casos de utilidade pública, e

47

O Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, através da Resolução nº 302 e no uso das competências que lhe são conferidas pela Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, regulamentada pelo Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, e tendo em vista o disposto nas Leis nos 4.771, de 15 de setembro e 1965, 9.433, de 8 de janeiro de 1997, resolve, no Art. 2º, que o manguezal constitui às áreas de preservação permanente.

Page 87: Monografia_Bacharelado

73

com o aumento da pressão social para a preservação desta vegetação, a

utilização dos currais ganhou mais um empecilho: o custo.

Com a necessidade de substituir os troncos de “siriba” (Rhizophora mangle),

um recurso que quase não tinha custo, por troncos de eucalipto, que possuem

custo elevado, a manutenção dos currais só poderia ter sido garantida caso a

pesca não tivesse perdas de rendimento. Mas como a produtividade dos

currais declinou, e muitos curraleiros não tiveram como mantê-los em

funcionamento adequado, optaram por abandoná-los ou vendê-los para outros

curraleiros (Foto 7.15).

Foto 7.15: Currais desativados nas proximidades da Praia de Olaria.

Cabe ressaltar que a utilização dos currais no Estado do Rio de Janeiro foi

regulamentada em 2005, pela Instrução Normativa nº 14, do Ministério do Meio

Ambiente. Nesta norma, encontram-se especificações técnicas para a

construção dos currais, sua identificação e legalização perante os órgãos

fiscalizadores competentes. Esta Norma indica que no caso específico da APA

de Guapimirim, as regras de utilização de currais seguem regulamentação

específica.

Em Olaria, só foi possível conversar com dois curraleiros, cada um deles era

proprietário de aproximadamente 30 currais cada um. Mas, de acordo com

relatos dos pescadores da área, existem mais, em torno de 20 a 30

pescadores, cada um proprietário de 2 a 3 currais.

Page 88: Monografia_Bacharelado

74

Outra modalidade muito difundida em Magé corresponde à rede de espera. A

abertura de malha mais comum é a de 25 mm, mas outras são empregadas de

acordo com a espécie alvo. O tralhamento da rede é realizado por um pescador

que se especializou nesta atividade. Para realizar esta atividade de cada pano

de rede (aproximadamente 30 metros) é cobrado R$ 30,00, descontados os

custos com materiais (bóias e chumbos) (Foto 7.16).

Foto 7.16: Pescador tralhando uma rede de espera.

O local de lançamento da rede e a forma como é lançada varia de acordo com

o comportamento das espécies alvo, com o local e com as condições do

tempo. Na maior parte dos casos, como a pesca se realiza em áreas rasas, a

rede ocupa toda a lâmina d‟água, da superfície ao fundo, e por este motivo não

se nota grande distinções quanto ao tralhamento.

Um grande desafio encontrado pelos pescadores de rede corresponde à

escolha do local de lançamento do petrecho, pois além de procurar áreas mais

piscosas, os pescadores devem estar atentos para a localização de estruturas

de currais que foram destruídos e que se encontram completamente imersas.

O desafio está no fato de que estas estruturas têm funcionado como recifes

atratores tornando muito piscosas. Desta forma, os pescadores tentam lançar

as redes nas proximidades dos restos de curral, observando o comportamento

Page 89: Monografia_Bacharelado

75

da maré e de tempo para evitar que a rede embole nos restos de curral e se

danifique. A rede também é muito danificada por siris.

Um pescador artesanal de rede de espera de Olaria, que também pode pescar

em dupla, costuma utilizar 30 panos de rede (aproximadamente 900 metros)

em cada pescaria, que ocorre predominantemente à noite. Muitas

embarcações são motorizadas, mas nota-se um predomínio de embarcações a

remo. Não são utilizados quaisquer meio de conservação do pescado a bordo.

Em alguns casos, os pescadores fixam várias redes, colhendo-as aos poucos.

O desembarque proveniente de apenas um pescador ocorre gradualmente ao

longo da manhã.

7.2 COMPOSIÇÃO, DISTRIBUIÇÃO E IMPORTÂNCIA DAS ESPÉCIES

ALVO

Apesar da grande pressão antrópica proporcionada pela pesca e pela poluição,

a baía de Guanabara ainda reserva uma considerável diversidade biológica, na

qual ainda se destacam organismos com razoável potencial pesqueiro em

termos de produção e valor (Jablonski, 2008, comunicação pessoal48).

Outro indicador desta biodiversidade remanescente da Guanabara pode ser

encontrado em Bonecker (1997), quando definiu, a época da publicação de sua

tese, que a baía de Guanabara “é o sistema costeiro semifechado da costa

brasileira com maior ocorrência de espécies de larvas de peixes identificadas”.

Em todas as comunidades visitadas este foi o cenário caracterizado pelos

pescadores: “apesar da quantidade, variedade e da qualidade49 dos pescados

terem diminuído ainda é possível obter da baía o „ganha pão‟ de centenas de

pessoas”.

Nas comunidades visitadas, foi observado o desembarque de um grande

número de espécies, contudo algumas poucas se destacavam em quantidade e

em interesse comercial, dentre as quais: a sardinha boca-torta (Cetengraulis

48

Silvio Jablonski, Faculdade de Oceanografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 49

Muitos pescadores entrevistados comentarem sobre a mudança de odor na carne da tainha. Em alguns casos, o cheiro era tão desagradável que tornava o peixe impróprio para o consumo.

Page 90: Monografia_Bacharelado

76

edentulus), a tainha (Mugil liza), a corvina (Micropogonias furnieri), a espada

(Trichiurus lepturus), o bagre (Genidens genidens e Netuma barba) e os

camarões rosa e cinza (Farfantepenaeus paulensis e Litopenaeus schmitti,

respectivamente) (Foto 7.17, Foto 7.18, Foto 7.19, Foto 7.20).

Foto 7.17: Tabuleiro com corvinas. Foto 7.18: Pescadores negociam o preço

do camarão cinza.

Foto 7.19: Tabuleiro com sardinhas. Foto 7.20: Presidente da APeLGA mostra

um bagre para a fotografia.

A ocorrência da maioria destas espécies é sazonal, posto que utilizam a baía

apenas durante um estágio dos seus ciclos vitais. A tainha, por exemplo,

permanece nos estuários – ambientes calmos, abrigados e ricos em alimentos

– quando jovens, até que suas gônadas iniciem a maturação. A desova ocorre

em alto mar, havendo, no entanto uma fase estuarina para os juvenis, à qual se

segue o período de migração reprodutiva para o mar (Bizerril e Costa, 2001).

Page 91: Monografia_Bacharelado

77

Dentre as demais espécies que freqüentam a baía apenas durante um estágio

do seu ciclo de vida, constam: o parati, a sardinha, e algumas manjubas (que

entram na baía para crescer) e a enchova, algumas espécies de linguados, a

corvina e a pescadinha (que entram na baía para a reprodução) (Bizerril e

Costa, 2001).

Dentre as espécies que têm todo o seu ciclo de vida na baía de Guanabara

destaca-se a sardinha boca-torta (Jablonski, 2008, comunicação pessoal50).

A sazonalidade com que ocorrem as principais espécies explotadas é

nitidamente notada pelos pescadores artesanais da Guanabara, que adotam

um calendário da pesca, gerado ao longo de anos de convivência com o

ambiente natural da Guanabara.

Estas mudanças na oferta natural de pescado provocam nos pescadores a

necessidade de dominarem diferentes petrechos de captura, para que desta

forma, possam atuar sobre os recursos menos escassos – uma pescaria mais

segura.

A distribuição espacial dos peixes também é notada, embora, o mais relevante

seja o local na coluna d‟água onde o peixe se encontra. Alguns pesqueiros

marcam locais de espécies-alvo como pescadas e badejos, no “boqueirão”,

camarões, nas “coroas”, e enxadas e bagres, na “roça”.

Apesar disto, é mais comum ouvir do pescador da Guanabara que ele “pesca

na baía toda” e que ele vai “onde o peixe está”. Estas constatações, talvez dois

dos maiores consensos que existiram entre os pescadores entrevistados, pode

indicar que a maioria das espécies explotadas distribui-se amplamente pela

baía.

7.3 DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO NA PRODUÇÃO PESQUEIRA

Predomina na baía de Guanabara a pesca em parceria, com uma diferença

importante na forma de participação nos lucros da renda gerada entre as

embarcações de menor porte, predominantes no Gradim, Olaria e Tubiacanga,

50

Silvio Jablonski, Faculdade de Oceanografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Page 92: Monografia_Bacharelado

78

as traineiras, presentes na Quinta do Caju e os pescadores de curral de Olaria

(Foto 7.21).

Foto 7.21: Companheiros de pesca desembarcam o pescado capturado em Olaria.

Há uma grande semelhança da realidade encontrada com a descrição

realizada por Diegues (1983) em relação à remuneração da força de trabalho

na pesca artesanal baseada na divisão por partes. No caso das pescarias mais

artesanais destaca-se um sistema mais simples, onde invariavelmente os

custos são divididos por todos e os lucros em três partes e distribuídos da

seguinte forma:

(1) o proprietário da embarcação e do petrecho sempre leva uma parte,

pescando ou não. Caso ele participe da pescaria, leva mais uma parte.

(2) Os pescadores que não são proprietários de embarcação ou petrecho

levam apenas uma parte.

(3) Quando um pescador participa com o barco e o outro com o petrecho,

cada um fica com metade dos lucros obtidos com a venda do peixe.

Embora muitos pescadores não tenham embarcação – no Gradim apenas 40 %

dos pescadores possuem seus próprios barcos – quase todos possuem

petrechos de pesca, e a realização das parcerias encontra-se bem amparada

em relações de vizinhança e compadrio que existem em cada comunidade.

No Caju, onde predominam as pescas com traineiras, a divisão por partes é um

pouco mais complexa, pois nesta modalidade ocorre uma divisão de trabalho a

Page 93: Monografia_Bacharelado

79

bordo mais complexa que nas demais pescarias praticadas na baía de

Guanabara.

Nessa localidade não há a figura do armador de pesca, pois os proprietários

das embarcações são os próprios mestres, e em geral, não possuem mais de

uma embarcação. A tripulação de uma traineira típica do Caju conta ainda com

um contra-mestre, um proeiro, e de seis a oito pescadores de convés.

A divisão por partes realizada pelo mestre-proprietário de uma das

embarcações da Quinta do Caju é realizada da seguinte forma: Toda a renda é

dividida em 74 partes; das quais 35 são do barco, oito do proeiro, três de cada

marinheiro de convés (companheiro), cinco do motorista e cinco do contra-

mestre.

Fica evidente que o mestre-proprietário de uma embarcação traineira ganha

muito mais que os demais trabalhadores a bordo. Considerando, por exemplo,

a comercialização de uma produção de 8 toneladas de sardinha boca-torta,

vendida a R$ 0,19/Kg, a receita total gerada seria de aproximadamente

R$ 1.500,00. A embarcação ficaria com R$ 718,00, (47 %), enquanto cada

marinheiro de convés com aproximadamente R$ 60,00 (4 %). Na alta

temporada, os barcos saem para a pesca a cada dois dias.

7.4 ECONOMIA PESQUEIRA

Nas comunidades que apresentam grande volume de desembarque de

pescado, Gradim e Olaria, a presença de intermediários é marcante. Em

ambas as comunidades a produção arrematada é levada para o CEASA, no

Rio de Janeiro.

O mercado de peixe no Gradim abre às cinco da manhã e as oito não é mais

possível encontrar um pescador sequer para contar história. A venda é muito

rápida, o que consiste em um grande atrativo para os pescadores, pois assim

logo podem descansar e se preparar para a próxima pescaria (Foto 7.22).

Page 94: Monografia_Bacharelado

80

Foto 7.22: Grande número de pescadores negociam os preços de venda do pescado que

acabaram de desembarcar no Gradim.

O Gradim é o segundo local de desembarque mais importante da costa oriental

da baía de Guanabara, perdendo em volume de pescado desembarcado

apenas para o entreposto de Ponta da Areia em Niterói. No entanto, continua

sendo o mais importante para os desembarques das modalidades mais

artesanais que atuam somente na baía, pois em Ponta da Areia desembarcam

as produções industriais e dos armadores de pesca.

A infra-estrutura de desembarque é bastante precária. O pescado é muito

manuseado, trocando de tabuleiros constantemente. É comum colocá-los no

chão temporariamente, enquanto descarregam os barcos. Esta situação

provoca uma perda da qualidade do pescado (Foto 7.23).

Foto 7.23: Na falta de tabuleiros, os pescadores colocam o pescado provisoriamente

sobre o chão.

Page 95: Monografia_Bacharelado

81

Para o desembarque também é muito comum que seja utilizado o serviço de

carregador, que são pescadores, ou moradores locais que transportam o

pescado do barco até o local onde ficam todos os compradores. Não é

obrigatório, mas geralmente se encontra condicionado ao fato de que os

pescadores não possuem tabuleiros para transportar o peixe. O serviço custa

R$ 2,00 (Foto 7.24 e Foto 7.25).

Foto 7.24: Carregador recebe o pescado

para ser transportado ao local de venda. Foto 7.25: Carregador transporta o

pescado pelo píer do Gradim.

Assim que chegam no pátio da associação, o pescado é pesado. A Associação

dos Pescadores Livres do Gradim e Adjacências – APeLGA – possui três

balanças, uma digital e duas mecânicas. A pesagem também é cobrada, pelo

que é chamado de „pinga‟, ou seja, é retirado um peixe do tabuleiro do

pescador, que depois é revendido pela associação51 (Foto 7.26).

51

A atuação desta associação será descrita no próximo item.

Page 96: Monografia_Bacharelado

82

Foto 7.26: Pescado sendo pesado por um diretor da Associação de Pescadores.

O principal comprador do Gradim cota o preço do pescado nas bases do que

foi praticado no mercado de Ponta da Areia (que abre e fecha mais cedo que o

do Gradim) e, portanto, a margem de negociação do preço é muito pequena.

Os demais compradores (donos de peixarias de Niterói, São Gonçalo,

intermediários que revendem diretamente a restaurantes) não elevam muito o

preço do pescado, pois a produção costuma ser superior a demanda52. No

CEASA, estes intermediários revendem o pescado para o Box 50.

Apesar de se sentirem prejudicados na negociação com os intermediários, os

pescadores reclamam do preço oferecido sob tom amistoso, embora irônico.

Deve-se ressaltar, no entanto, que entre os pescadores e os intermediários do

Gradim há uma moderada relação de compadrio (laços afetivos)53.

Em Olaria não há um píer e o desembarque ocorre na praia. Não há a figura do

transportador do pescado, trabalho que é realizado pelo próprio pescador (Foto

7.27).

52

É uma queixa recorrente entre os pescadores o fato dos intermediários praticarem um preço combinado.

53 Embora nenhum dos grandes atravessadores que atuam no Gradim seja desta localidade, o fato de freqüentarem-na há muito tempo, fez com que se estabelecessem laços afetivos entre estes e os pescadores. Recentemente, utilizando-se desta relação, o presidente da APeLGA solicitou aos atravessadores a doação de sacos de cimento para a construção de um piso na área onde o pescado é comercializado. Os intermediários atenderam ao pedido, ajudando, ainda, no mutirão da obra.

Page 97: Monografia_Bacharelado

83

Foto 7.27: Local de desembarque de Olaria

A única balança utilizada é mecânica e fica sobre o calçadão. O instrumento

pertence a Colônia Z-09, que não cobre nada pela sua utilização. Seu estado

de conservação já está muito precário, o que dificulta a leitura do peso. Todos

presumem que o tabuleiro pese 2 Kg e esta quantia é abatida do peso total

obtido (Foto 7.28).

Foto 7.28: Compradores se aglomeram no entorno de uma embarcação.

Bem como no Gradim, há em Olaria um atravessador principal, responsável

pelo arremate de praticamente toda a produção. Este, por sua vez, transporta o

Page 98: Monografia_Bacharelado

84

pescado em um caminhão frigorífico até o CEASA onde o comercializa na

“rampa”54 (Foto 7.29).

Foto 7.29: Caminhão frigorífico do principal comprador de pescado de Olaria.

Outro comprador que se encontra freqüentemente nos desembarques que

ocorrem na Praia de Olaria é o peixeiro do bairro. Seu estabelecimento

funciona a menos de 50 metros do ponto de desembarque e conforme dizem

os pescadores locais, “basta atravessar a rua para o pescado ficar 50 % mais

caro”. Esta percepção parece que não influencia na negociação do preço de

primeira venda do pescado, ou seja, aquele oferecido pelo comerciante local

aos pescadores, sendo este controlado pelo peixeiro.

Em 2002, o diagnóstico realizado pelo IBAMA identificou na praia outras 11

bancas de pescado. Estas foram fechadas pela prefeitura em 2007, o que

garantiu para a única que sobrou quase que o monopólio da venda do pescado

em Olaria. Segundo informação dos pescadores, a abertura de novas peixarias

é dificultada pela pressão exercida pelo dono da única que ainda funciona na

praia de Olaria. É importante ressaltar que este atravessador local possui um

papel relevante na dinamização da pesca local ao financiar algumas pescarias,

emprestando dinheiro aos pescadores, com a condição de que os peixes sejam

oferecidos a ele primeiro.

54

Denominação particular dada pelos intermediários de Magé a uma área externa ao CEASA onde o pescado é comercializado sem a intermediação do leiloeiro.

Page 99: Monografia_Bacharelado

85

Dois outros intermediários se destacam na praia, não pelo volume de pescado

que adquirem, mas pela persistência diária na negociação destas pequenas

quantidades: “é o que o dinheiro da para casar”, afirmam. Um deles costuma

limpar o peixe antes de revendê-lo. Deste modo garante uma margem maior de

lucro (Foto 7.30).

Foto 7.30: Pequeno comprador local de pescado limpando um tabuleiro de sardinhas para

revendê-las com maior valor agregado.

Eventualmente aparecem outros intermediários, donos de peixarias localizadas

em outras cidades, como Itaboraí, Duque de Caxias e Petrópolis. A presença

destes “aventureiros”55, corresponde a uma das únicas oportunidades de

modificação da dinâmica de comercialização do pescado (Foto 7.31). Antes de

prosseguir com a descrição desta modificação, é necessário descrever a

dinâmica habitual.

55

Esta é a forma como alguns atravessadores locais denominam os intermediários que ocasionalmente participam da comercialização do pescado.

Page 100: Monografia_Bacharelado

86

Foto 7.31: Comprador de peixaria de Duque de Caxias.

Geralmente há pouca variação no valor oferecido pelos atravessadores que

freqüentam a praia de Olaria pelo pescado desembarcado nesta localidade.

Um dos fatores que favorecem esta situação diz respeito à presença de uma

oferta superior demanda, sobretudo, no que tange as principais espécies

explotadas, tais como: a tainha, o bagre, a corvina e a espada. Além disto,

como os pescadores querem evitar o custo com o gelo, nota-se uma

necessidade de venda rápida do peixe, de modo que não perca ainda mais sua

qualidade. Com isto em mente, há um entendimento tácito entre os

intermediários de que podem evitar a negociação do preço do pescado.

Este cenário se modifica quando aparecem na Praia de Olaria outros

atravessadores. Neste momento se estabelece uma dinâmica peculiar de

comercialização do pescado nesta localidade.

Os atravessadores que habitualmente freqüentam a Praia de Olaria, notando a

presença de outros comerciantes, oferecem pela produção valores mais altos

do que aqueles que comumente praticam. Os “aventureiros56” são então

induzidos a pagar ainda mais pelo peixe. Os comerciantes locais entendem que

desta forma podem diminuir a presença dos comerciantes não habituais.

Outra variável que altera a dinâmica de venda diz respeito à comercialização

de espécies mais “nobres”, como a pescada amarela, o robalo e o camarão

56

Esta é a forma como alguns atravessadores locais denominam os comerciantes que não freqüentam a Praia de Olaria diariamente.

Page 101: Monografia_Bacharelado

87

VG. Neste caso há uma negociação explicita do preço entre os atravessadores

habituais e que repercute em uma maior margem de lucro para os pescadores.

Antes de prosseguir, é importante ressalvar que o CEASA também é

responsável pela dinâmica de comercialização do pescado na praia de Olaria.

Como o principal atravessador comercializa o seu pescado neste importante

mercado regional, o preço que pratica na praia de Olaria encontra-se balizado

pelos valores praticados no CEASA.

Como forma de tentar amenizar as perdas dos pescadores no preço de

primeira venda do pescado, a Colônia Z-09 (com jurisdição sobre Magé) já

procurou organizar a venda em uma cooperativa. A entidade comunitária

possui um espaço adequado para a instalação de uma peixaria, e a intenção

era pagar um valor médio do pescado, porém constante ao longo do ano, ao

pescador. A iniciativa não foi a frente, pois, conforme destacou o presidente da

Colônia de Pescadores, os pescadores não se interessaram em abrir mão dos

melhores rendimentos que são obtidos na entressafra de algumas espécies.

Nas outras duas comunidades a comercialização do pescado é incipiente. Em

Tubiacanga existem algumas peixarias improvisadas nas casas de alguns

pescadores e ex-pescadores. A maior parte do pescado produzido pelos

pescadores desta comunidade é revendida em outras localidades, inclusive no

Gradim, mas, predominantemente, em outras praias da Ilha do Governador.

No Caju, conforme ressalvaram funcionários da Colônia Z-12, existe apenas

um comprador principal que adianta aos pescadores dinheiro para o rancho e

combustível, além de fornecer o gelo a um preço mais barato (vendido a

R$ 2,50 a pedra)57. Estes comerciantes revendem a produção no mercado do

CEASA em Irajá, no Rio de Janeiro.

Os desembarques da pesca de cerco da sardinha boca-torta são realizados

diretamente nos píeres das indústrias de enlatamento. As indústrias pagam

R$ 0,19 por quilo, com o compromisso de fornecerem o gelo gratuitamente58. O

57

Este ator não pode ser identificado. 58

Em IBAMA (2002), tem-se uma cotação da boca-torta, também vendida diretamente para as indústrias de processamento, em R$ 0,25. Ou seja, o preço praticado em 2008 é 24 % inferior. Deve-se ponderar, no entanto, que naquele ano os pescadores tinham que arcar com o gelo.

Page 102: Monografia_Bacharelado

88

pescado é monitorado ao desembarcar (temperatura), e são adquiridos apenas

os peixes considerados frescos.

No caso do camarão, os arrasteiros procuram o mercado do Gradim ou o

entreposto de Ponta de Areia, em Niterói.

A Figura 7.7 apresenta um fluxograma da comercialização do pescado

produzido a partir dos dados levantados nas quatro comunidades pesquisadas.

Nota-se um papel muito relevante da CEASA como mais um intermediário da

produção pesqueira obtida na Baía de Guanabara. É interessante notar que

este fato já havia sido constatado por Jablonski et al. (1997).

Figura 7.7: Fluxograma da cadeia de comercialização do pescado produzido nas

comunidades pesquisadas.

Como já mencionado, a CEASA passou a comercializar pescado a partir do

fechamento do mercado de peixes da Praça XV. A utilização da CEASA tinha

um caráter provisório, enquanto fosse viabilizada a construção de um

entreposto pesqueiro definitivo para os pescadores fluminenses. Como

principal reflexo desta mudança teve-se o aumento da cadeia de

comercialização do pescado no Rio de Janeiro, na medida em que ficou

inviável para os pescadores transportar o pescado para o novo mercado.

Page 103: Monografia_Bacharelado

89

A importância do CEASA e a sua distância dos produtores fazem jus às

reclamações ouvidas durante as pesquisas de campo sobre o fechamento do

entreposto pesqueiro da Praça XV.

Cabe ressalvar que, no diagnóstico realizado por Jablonski et al. (1997) o

Mercado de São Pedro e o Cais Dom Diniz59, também são destacados como

importantes locais de concentração da produção de pescado. Contudo, pouco

foi observado e ouvido durante os trabalhos de campo a respeito destes dois

locais de comercialização do pescado. A única menção aos leilões realizados

no Cais Dom Diniz foi obtida no Gradim, por apenas um pescador que

ponderava sobre o fato da cotação do preço do camarão praticado no Gradim

estar associada ao mercado de Niterói.

7.5 ORGANIZAÇÃO LOCAL DA PESCA

7.5.1 Associação dos Pescadores Livres de Tubiacanga

No final de 1991, influenciados pelo ambientalista Sergio Ricardo e pela

estudante de jornalismo Simony Marry, um grupo de pescadores se reuniu com

o objetivo de organizar uma cooperativa que facilitaria uma maior integração

comunitária e melhorias ambientais em Tubiacanga.

A idéia amadureceu durante alguns meses e ganhou o apoio do pescador

Sergio Souza dos Santos – idealizador e fundador da Cooperativa de

Pescadores de Marcílio Dias. Após as primeiras tentativas de organização de

uma diretoria e dos princípios da cooperativa, a iniciativa foi interrompida em

virtude do grande dissenso entre os participantes.

Apesar do projeto de uma cooperativa ter sido interrompido, ações

comunitárias voltadas à melhoria das condições de trabalho dos pescadores

continuaram sendo realizadas. A mais importante delas talvez tenha sido a

construção de um novo píer de madeira para a atracação das embarcações

pesqueiras e para o desembarque do pescado. A obra foi realizada em 1995,

59

Pontos de comercialização do pescado localizados no município de Niterói e onde também se praticam leilões do pescado.

Page 104: Monografia_Bacharelado

90

através do esforço dos próprios pescadores que promoveram um mutirão

comunitário.

Mais de 10 anos se passaram até a que as discussões para a formação da

cooperativa, iniciadas em 1991, fossem retomadas. Em 2004, um grupo de

pescadores e ambientalistas elegeu uma comissão para encaminhar o

processo de fundação da Cooperativa de Pescadores de Tubiacanga –

COOPESTUB – de forma mais ágil.

Imediatamente após a formação da comissão foram encaminhados inúmeros

ofícios ao escritório regional do Rio de Janeiro da Secretaria Especial de

Aqüicultura e Pesca – SEAP e a Petrobras. Estes tinham como objetivo buscar

parcerias para a revitalização das condições socioeconômicas e ambientais de

Tubiacanga e seu entorno e informações sobre o andamento do processo

movido contra a Petrobras em virtude do vazamento de óleo de 2000.

Representantes da SEAP realizaram uma visita a Tubiacanga e prometeram a

construção de um novo píer de atracação e desembarque pesqueiro. A

promessa, no entanto, não foi cumprida, e os ofícios enviados pela Comissão

Provisória da COOPESTUB deixaram, inclusive, de serem devidamente

respondidos.

A comissão não conseguiu encaminhar, com agilidade, a legalização da

cooperativa em virtude da falta de recursos financeiros e aos demorados

trâmites burocráticos exigidos em um processo de regularização de uma

cooperativa. Foi proposta então a fundação de uma associação, com a insígnia

de Associação dos Pescadores Livres de Tubiacanga – APeLT, fundada em

2006.

A APeLT fortaleceu as reivindicações dos pescadores de Tubiacanga, dando a

elas um caráter institucional formal. A APeLT, buscou dar continuidade às

propostas que já haviam sido encaminhadas pela COOPESTUB, propondo,

gradativamente, novos projetos a novos parceiros, como a Transpetro, a

Petrobras e a Infraero. A seguir encontram-se algumas das propostas

realizadas pela APeLT60:

60

Nenhuma delas foi efetivamente realizada.

Page 105: Monografia_Bacharelado

91

Escola da Pesca Artesanal;

Observatório Pesqueiro da baía de Guanabara;

Coleta de lixo flutuante por pescadores artesanais;

Reconstrução da ponte dos pescadores artesanais;

Dragagem de trecho de 3 km no fundo da baía de Guanabara, e;

Treinamento de pescadores para atendimento em emergência de

acidentes.

A APeLT esteve presente em inúmeros eventos nos quais objetivou acumular

conhecimento para ser aplicado na própria organização interna da associação,

bem como estabelecer parcerias e fortalecer trabalhos articulados em rede com

outras entidades de pesca, como a União das Entidades de Pesca e

Aqüicultura do Estado do Rio de Janeiro – UEPA – e com outras lideranças da

baía de Guanabara.

Um movimento importante organizado pela APeLT consistiu na barqueata

realizada em 1º de outubro de 2007, que contou com a participação de 150

embarcações e mais de 300 pescadores. A manifestação tinha como objetivo

principal chamar a atenção do IBAMA para o fato de não serem mais emitidas

licenças para as embarcações pesqueiras que atuam na baía de Guanabara há

pelo menos 10 anos. Os pescadores também questionaram a situação das

licenças das empresas de óleo e gás que atuam na Guanabara.

A mobilização organizada dos pescadores de Tubiacanga sofreu um novo

retrocesso no começo de 2008, quando, o então presidente, Alex dos Santos,

forçado pelas dificuldades enfrentadas pela atividade pesqueira na baía de

Guanabara, decidiu afastar-se da pesca extrativista, deixando de ser pescador.

Esta atitude enfraqueceu a APeLT que se desmobilizou quase que

integralmente, uma vez que muitos outros pescadores, que compunham a

diretoria da associação, seguiram a atitude do ex-presidente da Associação em

se afastar das obrigações que possuíam enquanto diretores.

Page 106: Monografia_Bacharelado

92

7.5.2 Colônia Z-12

A maioria dos pescadores é associada à Colônia Z-12, cujo atual presidente

chama-se Jorge dos Reis Sodré, ou Jorge Dragão (como é mais conhecido).

Esta instituição comunitária é herdeira da tradição da antiga Colônia Z-5,

fundada em 1885, e que chegou a ter 5.000 associados, quando era uma das

mais importantes do país. Hoje, a Z-12 (que possui jurisprudência sobre toda a

orla do bairro do Caju) não tem mais o mesmo prestígio que antigamente, mas

ainda conta com mais de 1.000 associados, entre ativos e inativos (Foto 7.32).

Foto 7.32: Sede da Colônia z-12.

Alguns pescadores creditam parte da responsabilidade pelo enfraquecimento

da Colônia nos últimos anos a atuação de um de seus ex-presidentes. Durante

um longo período o antigo líder comunitário não conseguiu mobilizar os

pescadores, tendo pesado sobre ele o fato de não ter sido um pescador.

Por outro lado contesta um pescador:

“Ele só estava lá porque não tinha mais ninguém interessado. Se não fez nada,

pode-se dizer que os pescadores também são responsáveis, pois não cobraram

nem assumiram qualquer postura que pudesse modificar aquela situação”.

Os pescadores do Caju apontam de forma unânime que a desunião entre eles

corresponde ao maior empecilho ao fortalecimento de um movimento de base

Page 107: Monografia_Bacharelado

93

comunitário combativo. Como principais vetores de desunião encontram-se: a

intensificação da competição por trabalho e o deslocamento de todas as

práticas que possuíam um caráter comunitário, para práticas individualistas.

Outros aspectos relevantes, sugeridos pelos pescadores entrevistados como

indutores da ruína do diálogo entre os pescadores, correspondem ao excesso

de trabalho, que provoca elevados níveis de fadiga física e mental e o baixo

nível de acesso à educação formal e de outras fontes de conhecimento.

O maior, e talvez único, incentivo para se manter associado à Colônia

corresponde ao fato de que esta é a única instituição comunitária no Caju que

emite a carteira do pescador.

A Colônia também foi à instituição responsável pela realização do

levantamento dos pescadores que foram afetados pelo vazamento de óleo da

Petrobras, ocorrido em 2000. A Colônia adotou como um dos critérios de

seleção os pescadores que estivessem associados a ela e com a contribuição

em dia.

Em 1965, a Colônia Z-12 fundou a Cooperativa dos Pescadores do Caju que

tinha como missão fortalecer a cooperação entre os pescadores no momento

da venda do pescado. Na medida em que outros pontos de venda de pescado

foram se estabelecendo na baía de Guanabara, e com a possibilidade de

venda direta às fábricas de sardinha, a cooperativa perdeu força e hoje não é

capaz de mediar o comércio de pescado produzido pelos pescadores locais.

A Colônia e a cooperativa funcionam no mesmo espaço, localizado no Caju, e

de fato, acabaram se tornando a mesma instituição. A Colônia, além de se

responsabilizar pela manutenção de todas as instalações que possui

(escritório, armários para guardar aparelhos de pesca, galpão, cais, etc.),

mantém em funcionamento uma estação de rádio amador, operada por um ex-

pescador contratado pela Z-12.

A estação de rádio funciona durante todo o dia, e fornece aos pescadores

informações sobre as condições de navegabilidade da baía de Guanabara, o

que inclui dados sobre a navegação dos navios na baía e as condições do

Page 108: Monografia_Bacharelado

94

tempo, além de ser um canal próprio para o recebimento de pedidos de

socorro.

Cabe ressaltar que na Quinta do Caju também há uma associação, a

Associação dos Pescadores Livres da Quinta do Caju. Sua sede encontra-se

sobre o píer da localidade, construída durante a implementação do Projeto

Favela-Bairro. Não foi possível contatar a liderança local e a sede estava

fechada nos dois dias de campo realizados na comunidade. Tampouco foi

possível obter qualquer contato telefônico do atual presidente, posto que

nenhum dos entrevistados reconhecia sua liderança.

Ao serem questionados sobre a situação da associação, denominada por

Associação dos Pescadores Livres da Quinta do Caju, os pescadores

retrucavam: “que associação é esta, que só tem uma pessoa?”. Também é

questionado pelos pescadores o motivo que leva alguém a propor a

organização de uma associação quando já existe, na mesma área, outra

instituição comunitária que compartilha os mesmos objetivos. Para um ex-

pescador, que hoje trabalham na Colônia, a associação só serviu para

pulverizar a força dos pescadores do Caju (Foto 7.33).

Foto 7.33: Vista do píer da Quinta do Caju, e no centro ao fundo, a sede da Associação

dos Pescadores.

7.5.3 Associação dos Pescadores Livres do Gradim e Adjacências

A associação de moradores do Gradim foi a primeira organização comunitária a

lidar com os problemas socioeconômicos dos pescadores desta comunidade.

Page 109: Monografia_Bacharelado

95

Naquela oportunidade, um dos principais fatores que motivaram o

fortalecimento da associação foi à construção da rodovia BR-101, que

ameaçava a permanência dos pescadores na Praça do Peixe.

Após inúmeros diálogos com políticos e engenheiros, foi concedida a

permanência da comunidade e, em decorrência desta mobilização, ainda foi

possível realizar a regularização fundiária de todos os moradores.

Cícero, pescador e presidente da associação, trabalhou no cadastramento de

todos os moradores e articulou a negociação entre diversos moradores que

habitavam nas proximidades da praça do peixe a permutarem de residência

com os pescadores que moravam um pouco mais afastados dali.

A associação de moradores do Gradim, embora também representasse alguns

interesses dos pescadores dessa localidade, não poderia fazê-lo em todas as

dimensões que envolvem as demandas destes atores. Naquela época somente

as Colônias de pescadores eram reconhecidas legalmente como entidade de

classe dos pescadores61.

A Colônia com jurisdição em São Gonçalo era a Z-08, que tem sua sede

localizada no município de Niterói. Na opinião de Cícero, a Colônia Z-08 nunca

foi comprometida com os pescadores do Gradim. Segundo este ex-pescador e

líder comunitário, a Colônia estava mais interessada em atender os interesses

dos armadores de Niterói.

Cícero costumava enfatizar que também não concordava com o estatuto da

Colônia, que conferia muitos direitos aos diretores e quase nenhum aos

pescadores artesanais associados. Conforme destacou Cícero:

“As Colônias não foram criadas pelos pescadores. Foram criadas pela Marinha, e

até hoje ainda é possível encontrar a influencia do Estado sobre os interesses e

decisões estabelecidos pela diretoria de algumas Colônias. Os presidentes das

Colônias eram indicados pelo Governo Federal. Alguns presidentes destas

organizações só queriam defender o interesse dos armadores, ou dos

empresários da pesca, que em muitos casos eram presidentes da Colônia,

vereadores, prefeitos, deputados...”.

61

Como visto anteriormente, até a Constituição de 1988 a pesca era organizada pelo Estado, e não era permitido o livre associativismo.

Page 110: Monografia_Bacharelado

96

O descontentamento com a Colônia fez com que as lideranças dos pescadores

de São Gonçalo se mobilizassem para participar do Seminário da Pastoral da

Pesca, em Brasília, 1985. Cícero foi o representante escolhido, e ao retornar,

iniciou uma mobilização que culminou, em 1991, na fundação da Associação

dos Pescadores Livres do Gradim e Adjacências, APeLGA.

A APeLGA funciona em um prédio de dois andares, que possui uma sala de

reuniões, um consultório dentário e uma sala de informática. Próximo ao prédio

há um píer de concreto, com aproximadamente 100 metros de extensão, sendo

que algumas de suas seções desabaram. Também próximo à sede da APeLGA

existe uma câmara frigorífica, mas que não funciona, mas serve para

armazenar gelo provisoriamente. Recentemente foi construído um pátio

coberto, onde as caixas de pescado ficam dispostas esperando para serem

transportadas pelos intermediários (Foto 7.34 e Foto 7.35).

Foto 7.34: Sede da APeLGA. Foto 7.35: Detalhe da fachada da

APeLGA

A Colônia Z-08 rejeitou a idéia e desde então nunca houve uma tentativa de se

estabelecer algum tipo de parceria entre as duas organizações de pescadores.

Pelo contrário, além de discordar politicamente da fundação da APeLGA, a Z-

08 tentou processar a associação e seus representantes em algumas

oportunidades. Seu Cícero entendia estas atitudes da Colônia como uma forma

de inviabilizar o trabalho da APeLGA ou de desacreditá-la frente aos

pescadores.

Zé Mesquita, atual presidente da APeLGA, ressalta que o incomodo da Colônia

com a associação tornou-se ainda maior a partir de 2000, quando a atuação

Page 111: Monografia_Bacharelado

97

das lideranças comunitárias do Gradim teve grande evidência pública. Foram

inúmeras aparições em diversos meios de comunicação, como televisão e

jornais. A APeLGA foi reconhecida como de utilidade pública e, favorecida pela

conjuntura política na época, também ganhou o direito de emitir a carteira de

pescador, até então uma responsabilidade exclusiva da Z-08.

Aos poucos a associação foi conquistando seu espaço político no cenário da

pesca artesanal da baía de Guanabara. Cícero possuía contato com muitos

políticos locais, e conseguiu promover na APeLGA alguns avanços de infra-

estrutura. A associação ganhou um píer de concreto, construído pelo senador

Francisco Dorneles, e uma balança digital de piso com capacidade de 300

quilos. Em troca, Cícero, através da APeLGA, apoiou a candidatura dos

políticos que proporcionaram melhorias para os pescadores da comunidade do

Gradim.

Cícero se tornou referência, praticamente absoluta, entre os pescadores

quando o assunto era a organização da APeLGA. Cícero foi o presidente da

associação durante 16 anos, entre 1991 e até 2007, ano em que faleceu.

O trabalho desenvolvido por Cícero, na sua própria percepção, não agradava a

todos, porém o pescador ressaltava que aqueles que discordavam possuíam

certa influencia de atores externos ao Gradim, como da Colônia Z-08 e de

alguns atravessadores.

Os pescadores do Gradim observam a importância da associação como uma

instância que pode trazer soluções a demandas muito específicas, tais como,

serviços burocráticos (organização da documentação), melhorias nas

condições de produção e venda do pescado (fornecimento de infra-estrutura), e

da sua defesa perante instituições extra-locais do poder público, como a SEAP

e o IBAMA (licenciamento, garantia do recebimento do seguro-defeso e

aposentadoria).

Não há um interesse marcante entre a maioria dos pescadores em participar da

diretoria da associação, dizia Cícero. E, desta forma, os pescadores, que

acham importante a existência de uma associação no Gradim vêem como

oportunidade a presença de interessados em desempenhar este papel.

Page 112: Monografia_Bacharelado

98

A associação também não promoveu qualquer iniciativa para aumentar a

participação dos pescadores nos assuntos relacionados à gestão da APeLGA.

O próprio Cícero afirmava que a “a associação não é dos pescadores, é para

os pescadores”.

Cícero tentava proteger a associação de eventuais ataques de pessoas

interessadas em desconstruir as conquistas políticas alcançadas pela APeLGA.

No entanto, também pode ter ajudado a promover o desinteresse da maioria

dos pescadores na participação da organização da associação.

O atual presidente da APeLGA, Zé Mesquita, questiona este cenário de

distanciamento dos pescadores da organização da associação:

“Na APeLGA a situação era semelhante à Colônia (Z-08), onde ninguém sabe o

que fala no estatuto. Quando assumimos a diretoria da associação no final de

2007, primeiro provisoriamente e depois eleitos, tiramos que nossa primeira ação

seria convidar os pescadores para uma reunião para apresentarmos à eles o

estatuto da APeLGA, bem como seus direitos e deveres enquanto associados”.

De todo o modo Zé Mesquita concorda com Cícero quanto à percepção de que

existem atores, externos a associação, interessados na desmobilização dos

pescadores do Gradim, porém amplia o cenário caracterizado por ele.

Zé Mesquita oferece um exemplo que abona grandes prejuízos no que diz

respeito à organização comunitária: trata-se da não renovação das licenças

provisórias de pesca emitidas pela SEAP.

Esta medida enfraquece o movimento social da pesca artesanal, na medida em

que afeta negativamente a auto-estima dos pescadores e os desestabilizam

economicamente. Para Zé, “nada estimula mais ao homem do que sua

valorização”, e a atitude da SEAP, em sua opinião, representa mais uma ação

de preterimento pela qual é submetida à pesca artesanal da baía de

Guanabara.

Outro aspecto pungente, proporcionado pelo Poder Público, corresponde às

oportunidades que oferece aos pescadores para discutir e solucionar alguns

dos problemas que afetam a atividade pesqueira na baía de Guanabara. As

instâncias de diálogo exigem dos pescadores a educação formal que lhes é

Page 113: Monografia_Bacharelado

99

negada, em oportunidade e qualidade, pelo próprio Estado, informa Zé

Mesquita.

Zé se recorda com facilidade de inúmeras audiências públicas onde o Estado

não se preocupou em garantir que as discussões ocorressem de forma a

proporcionar uma compreensão generalizada entre os pescadores.

Em uma oportunidade específica, foi exigido aos pescadores que estivessem

interessados em participar do debate, que se inscrevessem pela internet,

preenchendo um longo formulário. A falta de acesso a este meio de

comunicação pelos pescadores fez com que o encontro não contasse com a

participação efetiva do público mais interessado na atividade.

Em outra participação em uma audiência pública, na qual estavam presentes o

poder público e a Petrobras, Zé Mesquita, denunciou a falta de esforço dos

atores governamentais para entender e se fazer entender perante os

pescadores artesanais da Guanabara:

“O Estado não é só para o Estado! Nós pescadores só o encontramos

eventualmente, quando nos submetem à burocracia ou à coerção”.

Desta forma, para Zé, existe entre os pescadores artesanais do Gradim uma

profunda falta de informação e uma extensa lacuna de conhecimento

proporcionado pela educação formal. Esta condição é explorada por outros

atores sociais que compartilham o uso da Guanabara com os pescadores,

como forma de desestabilizar o movimento social representado pelas

associações e Colônias de pesca.

A carência de educação entre os pescadores também é avaliada como

desestabilizadora da organização social dos pescadores. O impacto da falta de

educação é sentido em diversas outras esferas da vida pública e particular

destes atores, influenciando diretamente sob sua qualidade de vida. Para Zé

Mesquita, vínculos familiares e comunitários são abalados pela falta de

educação, e por isso confere tanto destaque a educação quando discute sobre

os problemas que atingem os pescadores: “A minha tese na pesca não é a

pesca, é a educação na pesca”.

Page 114: Monografia_Bacharelado

100

No entanto, Zé Mesquita destaca que não se trata desta atual educação formal

que necessitam os pescadores. Zé acredita que os pescadores possuem um

conhecimento prático que deve ser considerado pela educação formal, que

deve se mesclar com o conhecimento científico. A discussão em pauta neste

processo educacional não deve se abster em analisar as condições específicas

de vida dos pescadores e moradores do Gradim.

Como resultado, Zé Mesquita assinala que o processo educacional que

interessa aos pescadores deve permiti-lhes autonomia e senso critico aguçado,

pois desta forma poderão comparar com clareza as experiências pelas quais

passam. Assim, estarão mais aptos a planejar e a atuar socialmente sem

responder a demandas imediatas e individualistas.

A falta de educação influi ainda sobre outros aspectos relacionados à

organização do setor pesqueiro, como a articulação de redes entre as

associações e com as Colônias, bem como o conhecimento sobre aspectos

legais incidentes sobre a pesca e oportunidades de acesso a fontes de

fomento.

Zé Mesquita destacou a importância das federações e confederações de

pescadores, que ampliam o poder político dos pescadores e de negociação

com outros atores envolvidos com a pesca. Para ele o “isolamento condena”, e

por isso tenta manter relações estáveis com a FAPESCA e com a UEPA.

Sobre as regulamentações que pesam sobre a pesca na Guanabara, Zé diz

que procura se manter bem informado, ao mesmo tempo em que procura

noticiar mudanças nas leis aos demais pescadores. O seu grande interesse

relacionado à melhoria da atividade pesqueira o tem levado ao acesso à novas

informações, como a que recentemente lhe permitiu conhecer as linhas de

fomento à pesca artesanal disponíveis na FIPERJ.

Sobre a participação do Estado no processo de gestão da pesca e dos

recursos ambientais da Guanabara, Zé Mesquita pondera mais uma vez sobre

o problema da educação no país. Para o presidente da Associação o poder

público corresponde a um fragmento da sociedade que, por sua vez, encontra-

se submetida a um baixo nível de educação e a uma grande influência de

valores como: vaidade, prepotência, individualismo e competição. Em síntese,

Page 115: Monografia_Bacharelado

101

Zé Mesquita aponta que o Estado tem atuado na direção do fortalecimento dos

valores que hoje hegemonizam as relações sociais, ao invés de combatê-los e

por este motivo, em muitos casos, a gestão tem privilegiado interesses

privados a interesses públicos, ou comunitários.

Para Zé, o sistema político brasileiro é ultrapassado, pois não leva em

consideração a opinião de quem realmente produz bens para a sociedade.

Estes atores são excluídos duas vezes: a primeira, negligenciando o acesso ao

verdadeiro processo educacional; e uma segunda, onde novas instâncias de

governança, que reivindicam ser fruto da ampliação do processo democrático,

exigem dos seus participantes certas condições cujas possibilidades de

concretização se esgotam com a falta de educação.

Para Zé “a sociedade não muda por decretos, muda por visões”. Em outras

palavras, o líder comunitário quis caracterizar o aspecto prático da lei que

muitas vezes só é realizável quando a comunidade a compreende e a defende,

ou quando se estabelece uma significativa estrutura coercitiva.

Alguns aspectos da regulamentação da atividade pesqueira devem ser

conduzidos pelo poder público juntamente com os pescadores. Apesar da

visível desunião no movimento social dos pescadores, Zé Mesquita reivindica

uma história marcada pela participação dos pescadores em importantes

eventos de mudança da estrutura social, como o caso dos pescadores do

Ceará na luta abolicionista. Zé também se identifica com outros movimentos

sociais como dos pescadores ribeirinhos da bacia do Rio Amazonas.

7.5.4 Colônia Z-09

A Colônia Z-09 é a principal instituição comunitária dos pescadores de Magé. É

uma organização antiga, fundada em 1932. A sede atual foi construída em1994

e recebeu uma grande obra de reforma, deixando a estrutura física do prédio

desta instituição comunitária com bom aspecto, no início de 2008. Na Colônia

existem salas de reunião, um consultório dentário e uma secretaria. Também

há uma câmara frigorífica desativada e um espaço onde funcionava a peixaria

da Colônia (Foto 7.36).

Page 116: Monografia_Bacharelado

102

Foto 7.36: Sede da Colônia Z-09.

Em breve a Colônia irá passar por uma mudança estatutária, cuja principal

modificação está na transformação da Colônia em sindicato. Esta iniciativa tem

como objetivo principal aumentar a renda da Colônia, uma vez que perderá a

obrigatoriedade de repassar a Federação das Colônias 12 % do que arrecada

com as mensalidades de R$ 8,00 pagas pelos seus sócios.

A estrutura administrativa da Colônia será mantida e é composta por 1

presidente e 1 vice, secretários e tesoureiro, além de um conselho fiscal. No

total a diretoria é composta por 12 membros. A Colônia também contrata uma

secretária que atende os pescadores diariamente das oito da manhã as três da

tarde.

A atuação da Colônia está centrada na prestação de serviços assistenciais aos

pescadores e seus familiares. A Colônia organiza um consultório odontológico

que atende gratuitamente os associados e seus familiares. Também há o

atendimento gratuito de um clínico geral durante alguns dias da semana. A

Colônia também estabeleceu uma parceria com um advogado da região, que

durante um dia por semana presta assistência jurídica.

A Colônia também é a única instituição de Magé que emite a carteira do

pescador e por este motivo, também atua na organização dos documentos

necessários para sua emissão. A Colônia busca auxiliar os pescadores com o

encaminhamento dos processos relativos ao seguro-defeso e a aposentadoria,

Page 117: Monografia_Bacharelado

103

e foi a responsável pelo levantamento dos pescadores afetados pelo

vazamento de óleo de 2000.

A Z-09 já cedeu salas de sua sede para projetos comunitários de interesse

público não restrito aos pescadores, tais como o controle da dengue e a

educação de jovens e adultos (Foto 7.37).

Foto 7.37: Reunião de pescadores na Colônia Z-09.

A Colônia procura informar constantemente os pescadores sobre temas

importantes, como, por exemplo: o andamento do processo movido contra a

Petrobras; a demarcação da estação ecológica na APA de Guapi-mirim; a

construção da plataforma de GNL e outros empreendimentos industriais na

baía de Guanabara, e; mudanças no período de defeso. Conforme destaca o

presidente da Colônia, Aderbal: “Começamos a trazer o pescador para a

Colônia oferecendo a ele informação”.

A longa história de trabalho junto aos pescadores artesanais de Magé teve

altos e baixos. Aderbal destaca que a Colônia Z-09 já foi uma grande referência

de organização e infra-estrutura, em um período que contava com grande

suporte financeiro do Governo Federal. Neste período acumulou grande parte

da infra-estrutura que possui hoje.

No entanto, foram eleitas algumas diretorias que não fizeram outra coisa senão

usurpar o patrimônio dos pescadores, nas palavras de Aderbal, “os sucessivos

equívocos escolhidos para cuidar do patrimônio dos pescadores quebraram a

Page 118: Monografia_Bacharelado

104

Colônia”. A sede estava abandonada e não eram realizados projetos de

assistência aos pescadores.

Com isso, segundo o presidente, quando a atual gestão assumiu a Colônia,

dos 1.300 pescadores cadastrados, apenas 30 estavam em dia com o

pagamento da mensalidade. Destaca Aderbal que:

“trabalhando junto aos pescadores, utilizando a comunicação direta com seus

associados como principal ferramenta desta gestão, a credibilidade da Colônia

vem sendo reconquistada”.

Um indicador utilizado pelo atual presidente desta instituição comunitária, que

marca o aumento do interesse dos pescadores pela Colônia, corresponde ao

crescimento do número de associados ativos, ou seja, que contribuem com a

mensalidade. Hoje este número alcança 90 pescadores, um acréscimo de

200% com relação ao panorama encontrado no início da sua gestão. O

presidente da Colônia Z-09 também ressalta que a participação dos

pescadores em reuniões organizadas pela instituição tem aumentado62.

O resgate da credibilidade da Colônia fez com que esta entidade se tornasse a

maior referência da organização comunitária do setor pesqueiro em Magé, e

por este motivo passou a ser intensamente procurada por empresas e

organizações não-governamentais interessadas em realizar projetos junto aos

pescadores.

Um exemplo é o projeto Manguezal63, que busca reflorestar o mangue da foz

do rio Suruí e do rio Estrela, bem como de algumas áreas na APA de

Guapimirim. A Colônia contribuiu com o apoio logístico, realizando a divulgação

do projeto em todas as comunidades pesqueiras de Magé, e de infra-estrutura,

oferecendo uma das salas de sua sede para a realização do cadastramento

dos pescadores.

62

É importante complementar que a participação dos pescadores em eventos organizados pela Colônia é mais expressiva quando estes estão relacionadas à divulgação de empreendimentos realizados na região, que possam alterar as condições de vida dos pescadores, em oposição aos eventos que dizem respeito aos assuntos da própria Colônia, como prestação de contas e discussões sobre mudanças do estatuto.

63 O Projeto Manguezal faz parte de uma medida de compensação executada pela Suzano Petroquímica, uma empresa que desflorestou áreas de mangue para passar dutovias. Sua implementação irá empregar 100 pessoas durante um ano e na negociação com a empresa que causou o impacto ficou acordado que os empregados seriam pescadores.

Page 119: Monografia_Bacharelado

105

Embora Aderbal avalie que os resultados alcançados até o momento pela sua

gestão sejam bastante satisfatórios, parece que ainda não conseguiu atingir

unanimidade. Muitos pescadores entrevistados foram da opinião que nada

mudou na atual diretoria com relação às demais diretorias que já geriram a Z-

09. Ainda faltaria transparência com relação ao uso do dinheiro arrecadado

com as mensalidades e da administração dos gastos da instituição, assim

como haveria falta de combatividade.

Da mesma forma vê-se um desconhecimento dos pescadores sobre os

serviços assistenciais prestados pela Colônia (dentista, clínico geral, advogado)

e, por isso, é comum ouvir que o pagamento da mensalidade não representa

qualquer vantagem para o pescador. Esta percepção e o desinteresse pela

Colônia são ainda mais marcantes entre os pescadores mais jovens.

Outro exemplo marcante da dificuldade de se estabelecer um trabalho de

organização local da pesca com grande adesão dos pescadores corresponde

as duas tentativas realizadas pela Colônia em desenvolver uma cooperativa de

venda de pescado.

A Z-09 mantém uma boa relação com as demais Colônias de pesca da baía de

Guanabara, com exceção da Z-10, que abrange as praias da Ilha do

Governador.

Pode ser observado que as Colônias da baía de Guanabara vêm se reunindo

para planejar projetos que possam ser desenvolvidos em comum acordo e que

atinjam a todos os pescadores da baía. Uma das linhas de ação tem como

objetivo gerar fontes de renda complementar para os pescadores64.

José Maria Pulgas, presidente da Federação das Colônias de Pescadores do

Rio de Janeiro – FEPERJ – acredita a tendência do pescador atuar em uma

profissão que lhe gerará renda complementar é uma tendência geral na baía de

Guanabara. Pulgas, como é mais conhecido, acredita que pode haver uma

redução expressiva da pressão da pesca sobre os recursos repercutindo em

64

No Projeto Baía Limpa, pescadores são capacitados para recolherem parte do lixo flutuante da baía de Guanabara. Espalhadas por pontos de desembarque de pescado, encontram-se núcleos de pesagem e compra do lixo coletado pelos pescadores.

Page 120: Monografia_Bacharelado

106

aumento da produtividade pesqueira e da renda gerada pela atividade

pesqueira.

A articulação entre as Colônias também é facilitada pela FEPERJ, apesar de

todas as críticas de que é alvo, relacionadas às formas como conduz alguns

processos importantes para os pescadores e como divulga suas ações. Um

exemplo marcante diz respeito à forma como vem conduzindo o processo

indenizatório movido contra a Petrobras, por ocasião do vazamento de óleo de

2000. A Federação monopoliza toda a gestão jurídica do processo e oferece as

Colônias poucas informações sobre o seu andamento. Credita-se à esta

situação o extenso número de boatos que circulam entre os pescadores e que,

em muitos casos, são responsáveis pelo aumento da desconfiança destes

atores em relação à atuação das Colônias e da própria Federação.

O tipo de relacionamento mantido pela Colônia com as associações de

pescadores também não é generalizável. Segundo o presidente da Z-09

existem associações afins, como a APeLGA, com as quais compartilha

propostas políticas semelhantes, e outras cuja relação só acontece de modo

circunstancial.

Um diretor da Z-09 comentou que muitas associações só surgiram após o

vazamento de óleo de 2000, quando perceberam uma oportunidade de “lucrar”

com o vazamento de óleo da Petrobras. Este mesmo diretor destaca que uma

associação, denominada Homens do Mar, foi formada por pescadores que

haviam perdido a disputa em uma das eleições à diretoria da Colônia.

Pelo que foi possível ouvir dos pescadores, a associação Homens do Mar

possui uma postura diferente da Colônia no que diz respeito às estratégias de

negociação com as empresas causadoras de impacto e com o poder público.

Enquanto a Colônia busca dialogar em audiências ou em reuniões específicas,

a Homens do Mar tem um perfil mais combativo, caracterizado pela realização

de barquetas e outros protestos em vias públicas.

Um exemplo marcante da atuação de pescadores sócios à Associação

Homens do Mar está no recente protesto realizado contra as empresas GDK e

Oceânica, ambas de engenharia, e que estão prestando serviços a Petrobras.

Os pescadores alegam que as obras têm proporcionado grandes impactos

Page 121: Monografia_Bacharelado

107

sobre a pesca, e as medidas mitigadoras e compensatórias não têm sido

executadas. Em virtude desta situação, 40 pescadores realizaram um cerco ao

canteiro de obras, utilizando suas embarcações, durante aproximadamente 40

dias (entre abril e maio).

No dia 14 de maio, o ato foi arbitrariamente reprimido pelo Grupamento Aero

Marítimo da Polícia Militar, uma vez que não possui Ordem Judicial para a

realização da Ação. Finalmente, no dia 22 a obra foi embargada, e,

coincidentemente, umas das lideranças do movimento dos pescadores de

Magé foi assassinado a tiros.

Antes deste trágico desfecho, outras lideranças já haviam sido ameaçadas

verbalmente ou teriam sido vítimas de atentados, como no caso do presidente

da associação Alexandre Anderson.

Page 122: Monografia_Bacharelado

108

8 ANÁLISE CRÍTICA

8.1 DA METODOLOGIA

A metodologia utilizada para a escolha das localidades pesquisadas se

mostrou relevante. Foi possível notar que algumas diferenças no

comportamento da atividade pesqueira desenvolvida em cada uma das

localidades eram influenciadas pelas variáveis selecionadas (produção e

pressão antrópica).

As variáveis apresentadas em Berkes et al. (2001) se mostraram um bom

conjunto de referências para nortear as observações de campo, posto que não

foram identificados outros possíveis fatores que interfeririam na proposição de

um novo projeto de gestão para a baía de Guanabara.

A opção pela utilização do Diagnóstico Rápido Rural como abordagem

metodológica para a apreensão das informações apresentou aspectos positivos

e negativos, sendo que os negativos estiveram basicamente relacionados com

o tempo disponível para a realização dos trabalhos de campo.

A quantidade de informações geradas, como é esperado pelos guias que

auxiliam a sua aplicação, foi muito grande. Mas, considerando as variações

sazonais que ocorrem na pesca da baía, seria necessário que os trabalhos de

campo percorressem, pelo menos, um ano inteiro.

Foi notório que o prolongamento da estadia do pesquisador em campo

repercutiu em mudanças no comportamento dos atores alvo desta pesquisa.

Os pescadores tornaram-se mais suscetíveis as entrevistas, consentindo com a

participação na atividade e ampliando a profundidade das informações

concedidas.

Deve-se destacar a capacidade que o método utilizado possui em se adequar à

disponibilidade dos entrevistados. Foi possível e necessário mesclar entre

entrevistas semi-estruturadas (quando o tempo da entrevista era restrito) e

conversas informais (esta utilizada com pescadores mais impacientes com

relação à realização de entrevistas).

Page 123: Monografia_Bacharelado

109

8.2 DOS RESULTADOS

8.2.1 Tipologia da pesca na baía

A pesca desenvolvida nas comunidades visitadas na baía de Guanabara é

essencialmente de pequena escala analisando os resultados obtidos à luz da

definição apresentada por Berkes et al. (2001). Porém, nota-se que embora

possam ser reunidas sob esta categoria, às modalidades de pesca descritas

precisariam ainda de uma classificação menos geral, e que pudesse vislumbrar

algumas diferenças marcantes encontradas em cada tipo. Para isto foi adotada

a tipologia definida por Diegues (1983).

O tipo mais marcante em termos de número de trabalhadores envolvidos

corresponde à pequena produção mercantil dos pescadores artesanais. A

pesca artesanal esteve representada nas quatro comunidades visitadas, sendo

que em cada uma delas pode-se notar certa singularidade. Na Quinta do Caju,

por exemplo, a capacidade produtiva das embarcações era bem maior do que

aquela característica das embarcações predominantes nas demais localidades

pesquisadas.

Os armadores de pesca apareceram de duas formas: a primeira, mais

constante ao longo do ano, estava relacionada com a pesca de cerco da

sardinha verdadeira e de arrasto do camarão pela frota da Quinta do Caju; com

a pesca de arrasto desempenhada pela frota do Gradim; e com a pesca de

curral realizada por pescadores de Itaoca (com desembarque no Gradim) e da

Praia de Olaria. Nos casos abordados, os armadores eram proprietários de

poucas embarcações ou de currais, e, confirmando a descrição empreendida

por Diegues (1983), nenhum deles desempenhava qualquer tipo de atividade

embarcada.

Durante o verão, com a alta temporada do camarão, empresários de outros

ramos econômicos, pequenos comerciantes locais e funcionários públicos

tornam-se passam a investir na atividade pesqueira. Neste momento, são

responsáveis pelo emprego de um bom contingente de pescadores que atuam

com as embarcações e aparelhos de pesca destes armadores ocasionais.

Page 124: Monografia_Bacharelado

110

Foi observada a presença de um grande número de pescadores amadores,

cuja relevância para este estudo associa-se ao surgimento de conflitos

relacionados com a disputa pela utilização dos pesqueiros com os demais

pescadores artesanais. A atuação da pesca amadora na baía ocorre sobretudo

no verão, sendo os principais aparelhos de pesca utilizados: a linha e a vara.

Cada um dos tipos descritos anteriormente apresenta modos particulares de

produção, alocação de recursos e exploração dos recursos naturais, diferenças

estas que refletem no interesse que cada grupo possui com relação aos

objetivos da gestão da atividade pesqueira na baía.

Considerando que um dos primeiros passos para a realização de uma gestão

eficiente da atividade pesqueira corresponde à identificação dos múltiplos

atores que se relacionam com a pesca (Berkes et al. 2001), propõe-se que as

diferenças locais citadas mais acima não sejam desprezadas pelos gestores

públicos ou investidores privados e estejam presentes na classificação

oferecida a atividade pesqueira que se desenvolve na baía.

Com vistas a contribuir para este detalhamento apresenta-se, com base nos

trabalhos de Diegues (1983) e de Berkes et al. (2001), a pesca desenvolvida

nas comunidades pesquisadas como de pequena escala, onde:

Predomina a atuação maciça, durante todo o ano, de pescadores

artesanais, que apresentam pequena ou média capacidade de

acumulação de capital financeiro e de ascensão social;

Ocorre a incidência moderada de armadores de pesca, mas que

se amplia no verão (em virtude da alta temporada do camarão)

com a entrada de “investidores ocasionais”, e;

Também atua, sobretudo no verão, um número considerável de

pescadores amadores, que competem com os artesanais e

armadores pelos mesmos espaços de pesca.

8.2.2 Pressões Socioeconômicas

Vários fatores socioeconômicos são apontados como fundamentais ao

estabelecimento de um uso sustentável dos recursos pesqueiros. Durante os

Page 125: Monografia_Bacharelado

111

trabalhos de campo alguns puderam ser notados, considerando as críticas

realizadas pelos pescadores.

Agrawal (2003) destaca o papel exercido pelo crescimento populacional sobre

a degradação ambiental. O pesquisador segue uma linha acadêmica que

possui raízes fincadas em trabalhos como o de Thomas Malthus65 (1766-1834)

e Paul Ehrlich66 (1932 - ), onde os escassos recursos naturais são submetidos

a uma pressão que cresce indefinidamente em virtude do aumento da

população mundial.

Por meio de um olhar panorâmico sobre a densidade demográfica presente na

bacia de drenagem da baía de Guanabara, uma das maiores do país, bem

como sobre o comportamento da evolução do crescimento populacional e da

degradação ambiental da Guanabara, tende-se a concordar com Agrawal

(2003) imediatamente. E de fato esta correlação encontra-se bastante difundida

na opinião dos pescadores entrevistados.

Os pescadores acreditam que a pesca serve como uma profissão alternativa

para muitos trabalhadores desempregados, população que aumenta com o

aumento populacional. Foram comuns expressões como: “tem muito barco

passando sobre a sardinha”, ou então: “que tem muito pescador que não é

pescador na baía”, que simbolizam exatamente este aumento de pressão

socioeconômica sobre a pesca provocado pelo crescimento populacional.

Outra linha de pensamento conclui que os impactos proporcionados pelo

crescimento populacional devem ser qualificados pelo sistema político-

econômico, que hegemoniza as relações sociais no planeta. Os acadêmicos

que a defendem se apóiam em fatos que mostram distribuições assimétricas de

acesso e consumo de bens produzidos pela humanidade em nível global,

regional e local. É nos países ricos, onde a taxa de crescimento populacional é

menor, que o consumo se mostra mais intenso (Rebouças et al., 2006;

Robbins, 2004; Marrul Filho, 2001; Ward, 1997).

65

Cf. First essay on population, 1798 e Second essay on population, 1803. 66

Cf.The population bomb, 1968.

Page 126: Monografia_Bacharelado

112

Este contraste também é evidente na baía de Guanabara. Os pescadores,

embora se localizem em uma região extremamente rica67, não se sentem tão

afortunados quanto os empresários, que investem em empreendimentos

industriais e portuários na Guanabara, no que diz respeito às possibilidades de

desenvolvimento de suas respectivas atividades. Este contraste também

transparece no discurso dos pescadores em falas como: “os pescadores estão

sendo expulsos da baía pelos empresários, pelas indústrias [..] são eles é que

ganham dinheiro na baía de Guanabara”.

Outro aspecto socioeconômico de grande relevância na geração de constrições

à pesca corresponde ao baixo nível de escolaridade que predomina na

comunidade de pescadores. Muitos pescadores entrevistados apontaram a

falta de educação formal como indutora da grande dificuldade existente em unir

a classe em torno de propostas comuns.

Lima & Pereira (1997 apud Mendonça & Valencio, 2008) identificaram que a

falta de educação formal e principalmente o analfabetismo podem comprometer

a capacidade de engajamento dos pescadores em ações coletivas, dificultando

o estabelecimento de um grupo com autonomia política e econômica.

Embora na área de estudo possa se encontrar uma boa oferta de vagas para o

ensino fundamental e médio, os pescadores destacam que a estrutura das

escolas não é compatível com as suas realidades de trabalho e, por este

motivo, mesmo com as oportunidades, não há motivação para se

comprometerem com a atividade educacional ou acadêmica.

Considerando o acúmulo de registros sobre sistemas de co-gestão e auto-

gestão dos recursos pesqueiros, onde protagonizam as ações dos próprios

pescadores, nota-se que embora relevante (Berkes et al., 2001) a educação

formal não se mostra determinante na consolidação de um manejo sustentável

dos recursos pesqueiros baseado no protagonismo comunitário. Por exemplo,

muitas comunidades de pescadores paraenses constituem desde a década de

70 (Cerdeira e Camargo, 2007), e possivelmente muito antes disto, acordos

locais de pesca, que regula a utilização dos recursos sob bases comunitárias.

67

Só a cidade do Rio de Janeiro possui o 2º maior Produto Interno Bruto do Brasil e 30º do mundo.

Page 127: Monografia_Bacharelado

113

Os pescadores que participam deste acordo encontram-se submetidos às

mesmas carências dos pescadores da Guanabara com relação ao acesso ao

ensino formal (PDA, 2006a; PDA, 2006b).

O contraste existente entre as demandas apresentadas pelos pescadores da

baía de Guanabara (de oferta de ensino formal adaptado as suas realidades

socioeconômicas) e as atitudes dos pescadores do norte do Brasil (valorizando

o conhecimento ecológico tradicional/não formal) coloca a questão da

supervalorização do conhecimento científico em detrimento do conhecimento

tradicional.

Os pescadores ao assumirem o discurso dominante, que supervaloriza o

conhecimento científico, podem reduzir ou até mesmo ignorar as capacidades

“técnicas” que adquiriram no exercício diário de sua atividade. Com isso

marginalizam ainda mais um conteúdo que se mostra cada vez mais relevante

à gestão sustentável da pesca. Ao contrário, deveriam estimular o

florescimento deste conhecimento local e se abrir para um processo de

construção conjunta, em parceria com o conhecimento científico, de um novo

paradigma de manejo pesqueiro.

8.2.3 Pressões Ambientais

Conforme destacam Rebouças et al. (2006) a tendência atual de ocupação das

zonas costeiras68 (atividades portuárias, cidades e indústrias, atrativos de lazer

para grandes massas urbanas) agrava substancialmente os impactos das

atividades pesqueiras sobre a disponibilidade dos recursos marinhos. A baía de

Guanabara talvez seja um caso marcante desta tendência.

Uma opinião consensuada entre todos os entrevistados corresponde

justamente às péssimas condições do ambiente natural proporcionadas pela

expansão industrial e portuária na baía e sua bacia de drenagem. A maioria

dos pescadores é capaz de lembrar de uma baía limpa e com uma melhor

produção de pescado, tanto pela quantidade quanto pela qualidade do produto.

68

Aproximadamente 50% da população mundial vive numa faixa de até 150 km da costa.

Page 128: Monografia_Bacharelado

114

Conforme destaca Berkes et al. (2001), esta percepção pode ser importante no

que tange a proposição, construção e manutenção de um sistema de co-

gestão. Diegues (2001) aponta que muitas comunidades de pescadores

passaram a propor sistemas de manejo comunitário, a partir da percepção e

rejeição coletiva das condições de degradação ambiental dos ecossistemas

explotados por eles.

Cabe ressaltar também que em ambientes degradados, como no caso da baía

de Guanabara, torna-se pertinente considerar que o uso sustentável dos

recursos pesqueiros será aquele que proporcionará a sua recuperação (Pauly

et al. 2002). Neste sentido, a presença de uma percepção que é capaz de

recordar das condições pretéritas da baía pode auxiliar na definição dos

marcos de referência a que se proporá alcançar.

8.2.4 Regulação do Acesso aos Recursos Pesqueiros

Anteriormente foi dito que a Constituição Federal de 1988 consagrou a tutela

dos recursos pesqueiros ao Estado que deve zelar pela utilização sustentável

destes recursos, regulando, monitorando e coagindo infrações.

A pesca na baía, assim como no restante do território nacional, é permitida

apenas aqueles pescadores que possuem licença de pesca. Alem disto,

existem inúmeras leis que propõem o controle do uso dos recursos pesqueiros

através de banimentos de petrechos, de embarcações, de áreas de captura e

de períodos de pesca, por exemplo. As leis, juntas, conforme destaca IBAMA

(2002) promovem uma espécie de zoneamento da atividade.

No entanto, o sistema proposto ainda é herdeiro de uma prática de

regulamentação extremamente centralizada e hierarquizada pelo Poder

Público. Além disto, dependem da disponibilidade de considerável aporte de

recursos físicos e humanos, sobretudo para a realização de um monitoramento

ostensivo das práticas pesqueiras e sua adequação ao sistema legal incidente,

o que de fato não ocorre. Essa demanda é dificilmente suprida por países

periféricos, como o Brasil (Berkes, 1996; Berkes et al. 2001; Cardoso, 2001;

Marrul Filho, 2001; Dias Neto, 2002).

Page 129: Monografia_Bacharelado

115

Neste sentido, justifica-se a sensação compartilhada por muitos pescadores

com relação ao abandono da pesca na baía pelos atores governamentais, e

suas respectivas referências às atitudes clientelistas/eleitoreiras mantidas por

políticos locais na promoção de melhorias para o setor. Outro fator de

indignação corresponde a falta de clareza no tocante ao processo de

regulamentação da licença de pesca. Problemas desta natureza têm deixado

muitos pescadores em situação de ilegalidade com relação ao desenvolvimento

de sua profissão.

Por extensão é possível identificar a utilização de petrechos proibidos, como os

currais, em áreas de preservação, e de outros aparelhos dimensionados fora

das especificações previstas em lei (como as redes de emalhar com abertura

inferior a 2,5 mm). Os arrastos ocorrem sem qualquer restrição, mesmo em

áreas onde sua atuação é proibida (a partir de 5 metros de profundidade). E o

desrespeito ao período de defeso também não é incomum.

Soma-se a situação acima descrita o fato de que a imagem do IBAMA frente

aos pescadores também tem sido arranhada em virtude de sua falta de

transparência e comunicação, além de ter se envolvido recentemente em um

escândalo de corrupção.

Conforme destaca Vieira (2005), o entendimento e aceitação das regras pela

comunidade de usuários de um recurso natural são premissas fundamentais ao

estabelecimento de um novo paradigma de gestão ambiental. A incorporação

pela comunidade das regras trará a ela benefícios diretos e indiretos

relacionados, por exemplo, a uma melhor alocação da renda gerada através da

transformação do recurso em valor de troca. Deste modo, à ausência de um

comprometimento generalizado entre os pescadores, com relação ao

cumprimento das regras definidas pelo Poder Público, sugere que a regulação

estatal da atividade pesqueira na baía de Guanabara encontra-se altamente

restringida.

Considerando sobre a regulação do acesso aos recursos pesqueiros em bases

comunitárias, cabe ressaltar que, em muitas regiões do planeta e no Brasil,

encontram-se em andamento sistemas comunitários de gestão baseados em

práticas tradicionais ou no conhecimento local que apresentam resultados

Page 130: Monografia_Bacharelado

116

marcantes em termos de promoção do uso sustentável dos recursos

pesqueiros (Berkes, 1986; Acheson, 1998; Bender, 2000; Basurto, 2005; MMA,

2006a; MMA, 2006b).

Nas comunidades investigadas não foi possível encontrar qualquer evidência

de práticas comunitárias voltadas à gestão dos recursos pesqueiros em

andamento. O uso dos recursos é consentido a todos que possuam os meios

de explotá-los.

Não é incomum, no entanto a queixa realizada por pescadores incomodados

com a participação de pescadores ocasionais e amadores durante a alta

temporada de algumas espécies, inviabilizando a pescaria dos demais.

Este cenário de gestão estatal ineficiente e falta de acordos comunitários para

regular o acesso aos recursos pesqueiros assemelha-se ao regime de livre

acesso, que por sua vez é considerado por muitos estudiosos como uma das

condições fundamentais ao estabelecimento da “tragédia dos comuns” (Berkes

et al., 2001; Ostrom, 1990; Berkes, 1986). De acordo com Hardin (1968), a

liberdade no uso de um recurso comum conduz o recurso e a atividade

econômica associada a ele a ruína.

Deste modo, presume-se que a pesca na baía possa estar submetida a uma

pressão pesqueira inadequada, influenciada pela dificuldade de regulação do

acesso aos recursos pesqueiros, pela desarticulação comunitária e pelo baixo

nível de organização social do setor. Além de provocar uma redução na renda

per capita dos pescadores, pode ser indutora de conflitos entre estes atores

pela disputa da utilização de pesqueiros.

8.2.5 Territorialidade e Conflitos pelo Uso do Espaço Marítimo

De acordo com Cordell (2000), algumas comunidades pesqueiras desenvolvem

ao longo do tempo uma relação de territorialidade no mar, caracterizada,

muitas vezes, pela definição de regras de acesso a determinados espaços no

mar, reconhecidos localmente como de propriedade de um grupo ou de toda a

comunidade. Este aspecto territorial da atividade pesqueira pode influenciar a

Page 131: Monografia_Bacharelado

117

criação e a manutenção de instituições de propriedade que encorajam o uso

sustentável dos recursos.

Cardoso (2001), por exemplo, descreve a presença de um sistema de rodízio

realizado pelos pescadores da baía de ilha Grande em torno de três pesqueiros

(identificados a partir de pontões/esporões da ilha). Lima (1997) apud Cardoso

(2001:82) descreve processos de “direito a vez” que regulam a pesca em

Itaipu-Niterói.

Cabe ressaltar ainda que a criação de áreas exclusivas para a pesca artesanal

corresponde a uma reivindicação antiga dos pescadores, expressa, por

exemplo, como uma das propostas encaminhadas pelo Movimento Nacional

dos Pescadores (MONAPE) em 1991 (Cardoso, 2001).

A apropriação social do mar na Baía de Guanabara se expressa pela

identificação de locais de pesca, pesqueiros denominados de acordo com

feições naturais (ilha Seca, saco do Rosa, coroa), com relação a aspectos da

geografia urbana presente nas margens da Guanabara (hotel, relógio, vão

central) e referenciados pela designação de uma localidade próxima (Paquetá,

Tubiacanga, Jardim Guanabara). De acordo com Jablonski (2008, com.

pessoal69), encontram-se na baía mais de 30 pesqueiros identificados pelos

pescadores.

Os pescadores entrevistados em todas as comunidades visitadas, sobretudo

naquelas em que predominavam as modalidades mais artesanais (Gradim,

Tubiacanga e Olaria), reconhecem inúmeros pesqueiros e afirmam utilizá-los

freqüentemente. Um caso específico corresponde à utilização dos restos de

currais desativados como pesqueiros. Algumas destas estruturas encontram-se

completamente imersas e as suas localizações são geralmente conhecidas por

pescadores mais experientes.

Não foi possível obter informações precisas sobre a forma como são utilizados

os pesqueiros, a não ser o vago comentário reproduzido em todas as

comunidades: “todos pescam na baía toda”. Esta informação indica que

embora não há um acordo explicito entre os pescadores com relação a

69

Silvio Jablonski, Faculdade de Oceanografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Page 132: Monografia_Bacharelado

118

definição de qualquer tipo de regra de uso dos recursos pesqueiros, existiria

uma organização intrínseca e subentendida por todos. Talvez, uma única

exceção corresponderia a ordem de chegada no pesqueiro, ou seja, aquele

que chega primeiro a um pesqueiro têm o direito de ser o primeiro a pescar.

No entanto, mesmo uma norma simples como o critério de chegada não é

assimilado por todos os pescadores, e casos de desrespeito são comumente

citados em todas as localidades estudadas70.

Se uma regra local de caráter tão simples não é respeitada, o que se pode

esperar de uma regra estabelecida, imposta e não fiscalizada pelos agentes

governamentais? De acordo com a legislação pesqueira nacional,

embarcações de arrasto não podem operar em águas costeiras a partir da cota

batimétrica de 5 metros. No entanto não é o que se observa.

A atuação da frota arrasteira na é altamente questionada, tornando-se, após a

discussão sobre a indenização da Petrobras, o segundo tema de maior debate

entre os pescadores artesanais. Muitos indicam que há possibilidade de

convivência entre as diversas modalidades artesanais e o arrasto, porém,

desde que os arrrasteiros passem a atuar em águas mais profundas e com

respeito as demais modalidades.

Embora a questão não se reduza a uma definição de áreas de pesca na

Guanabara, nota-se que é um tema proeminente e que deve ser incorporada

aos projetos de manejo dos recursos pesqueiros da baía de Guanabara.

Cordell (2000) destaca exatamente que “apelos vagos para uma gestão

„participativa‟ não terão êxito se não levarem em consideração as questões de

apropriação social do mar”.

8.2.6 Divisão Social do Trabalho e Economia Pesqueira

Em geral, a pesca é a principal fonte de renda dos pescadores da Guanabara,

apesar de ter sido muito comentado que um número crescente de pescadores

70

Duas práticas foram descritas pelos pescadores da Guanabara como desrespeitosas ao critério de chegada. A primeira é chamada de “afogamento”, ou seja, o pescador que chegou depois ancora sua rede sobre a do pescador que chegou antes. A segunda é conhecida por “sombreamento” e ocorre quando o pescador que chegou depois posiciona sua rede à frente da rede do pescador que havia chegado primeiro.

Page 133: Monografia_Bacharelado

119

vem desempenhando outras atividades econômicas com vistas a ampliação da

receita familiar.

Há uma disseminação moderada dos meios de produção entre os pescadores

e uma nítida diferença entre os proprietários dos meios de produção e os

demais pescadores, os camaradas, conforme observou Diegues (1983) em

outras regiões. Esta diferença se acentua entre os pescadores de cerco da

Quinta do Caju, que também se destoam por apresentar práticas pesqueiras

caracterizadas pela presença de funções especializadas a bordo.

Por um lado, o monopólio sobre os meios de produção entre poucos armadores

levou à consolidação da produção capitalista na pesca, pois o grande

contingente de desempregados favoreceu aos armadores no sentido de

poderem extrair a mais-valia de seus contratados (Diegues, 1983).

Por outro, conforme destacam Berkes et al. (2001), monopólios também

cristalizam desigualdades econômicas cada vez mais agudas na comunidade

de pescadores, entre os proprietários e não-proprietários dos barcos e dos

aparelhos de pesca e entre os pescadores empregados e desempregados. Por

extensão aumenta-se a possibilidade de instabilidade social na comunidade,

deflagrada através da intensificação da competição.

A comercialização do pescado da baía de Guanabara e a distribuição dos

benefícios gerados, por sua vez, corroboram a tese de Cardoso (2001:118),

que identifica na pesca artesanal o predomínio de uma longa cadeia de

intermediação, que promove “uma brutal transferência de renda do pescador

para os setores de distribuição e comercialização do pescado”.

A situação descrita por Cardoso (2001) encontra-se mais evidente na rede de

compra que tem como destino o CEASA. No entanto, deve ser ressalvado que

em alguns casos, como o da venda do camarão VG no Gradim, a cadeia é

menor, o que oferece aos produtores um rendimento melhor.

Muitos intermediários, inclusive alguns que atuam nas pequenas firmas, são

ex-pescadores e moradores dos locais onde desembarcam o peixe. Por este

motivo acabam por estabelecer com os demais pescadores uma relação de

compadrio.

Page 134: Monografia_Bacharelado

120

A boa convivialidade entre os pescadores e comerciantes não é um fenômeno

singular a baía de Guanabara, haja visto os comentários realizados por Marrul

Filho (2001). De acordo com o estudioso esta situação foi um dos fatores

responsável pelo fraco desempenho das medidas governamentais – décadas e

70 e 80 – que visaram cooperativar os pescadores e reduzir os impactos dos

intermediários.

Esta situação também corrobora o trabalho de Berkes et al. (2001), que

caracterizam os intermediários enquanto parte do conjunto de atores chaves

para a elaboração de um plano de gestão compartilhada da pesca de pequena

escala.

Deste modo, encontra-se na Guanabara duas situações complexas no que

tange a divisão social do trabalho, mais evidentes em uma localidade do que

em outra, bem como da participação dos intermediários na comercialização do

pescado. Estes atores devem ser considerados quando da proposição de

políticas públicas e de novos projetos de gestão para a pesca.

8.2.7 Organização Comunitária da Pesca

Para Berkes et al. (2001), a co-gestão se tornará uma ferramenta eficiente na

medida em que consiga lidar com as diversas organizações comunitárias dos

pescadores, como associações, Colônias e cooperativas.

Estas instituições, conforme destacam Ostrom (1990) e Pomeroy & Berkes

(1997:468), possuem um papel fundamental na gestão dos recursos naturais,

uma vez que nelas pode residir um acúmulo de experiências de gestão (regras

e costumes locais), baseadas em um conhecimento tradicional ou local (Berkes

e Folke, 2002), que complementariam e aperfeiçoariam as ações

governamentais.

Nas comunidades visitadas encontravam-se presentes organizações locais de

pescadores, cada uma delas com históricos de formação e de lutas

diferenciados. De uma forma geral, as Colônias possuem autonomia garantida

sobre apenas um município, não podendo co-existir mais de duas Colônias em

Page 135: Monografia_Bacharelado

121

uma mesma cidade71. As associações – por não possuírem este entrave legal –

compreendem núcleos bem mais localizados de pescadores.

Há uma disputa pela hegemonia de representação dos pescadores com

acusações de abuso de poder por um lado e de autopromoção e realização de

interesses próprios do outro. Os pescadores, por sua vez, acabam por muitas

vezes associar-se em ambas, mesmo que isso lhes onere um pouco mais a

pescaria (em virtude do pagamento da contribuição mensal de sócio ou da

“pinga”). Em um caso específico, o próprio presidente da associação e sócio da

Colônia.

Os pescadores também compartilham uma desconfiança generalizada sobre a

sinceridade de seus líderes comunitários e sobre sua capacidade de

transformação da realidade e obtenção de melhorias para as comunidades.

Com tudo isto, embora haja um modesto interesse, há pouca coesão entre as

entidades e seus afiliados.

Em alguns casos, como citado por Cardoso (2001), a falta de legitimidade das

organizações comunitárias é derivada da manutenção de pequenas oligarquias

no poder das Colônias e associações. Estas, compostas por armadores ou

líderes apoiados por empresários do ramo pesqueiro local, conservam políticas

antiquadas de representação, dando poucas oportunidades de manifestação

dos interesses da base composta pelos pescadores artesanais. Por outro lado,

antigas lideranças, uma vez retiradas democraticamente da administração das

Colônias, utilizando o seu maior poder econômico constroem associações com

o intuito de dificultar o trabalho das Colônias e de se manter na política

pesqueira.

Esta relação não foi identificada na baía, a não ser em Olaria, quando um

grupo derrotado na eleição (que não era a situação), se organizou para fundar

71

As Colônias vêm se adequando lentamente a regulamentação que garante à apenas uma à jurisprudência sobre todo o município (Lei Federal nº 11.699/2008). No município do Rio de Janeiro, por exemplo, existem, pelo menos, cinco Colônias: Ilha do Governador, Ramos, Caju, Copacabana e Guaratiba.

Page 136: Monografia_Bacharelado

122

uma associação de pescadores72. Hoje, entre ambas existe uma grande

rivalidade e dissonância com relação aos meios de reivindicação.

Em contrapartida, foi possível identificar que os conflitos não se restringem a

rivalidade entre Colônias e Associações, há também dificuldades de

relacionamento entre Colônias, como no caso da Z-09 (Magé) e Z-10 (Ilha do

Governador).

Cabe mencionar uma outra diferença marcante entre as Colônias e

Associações. Enquanto as primeiras possuem jurisprudência sobre grandes

áreas, às vezes superiores aos limites de um município73. As associações, por

sua vez, tem uma atuação mais restrita, as vezes contida a apenas uma

praia74.

Também cabe ressalvar que o papel exercido pelas Colônias no passado,

sofreu inúmeras modificações com a Constituição de 1988. A possibilidade de

livre associativismo possibilitou alterações estatutárias nestas instituições

locais de pesca e que beneficiaram de forma mais efetiva a classe que

representam. As associações, ao mesmo tempo, ao garantirem o direito de

emitir a Carteira de Pescador, passaram a ter um papel muito importante em

comunidades que não eram cobertas pelas Colônias, ampliando as

possibilidades de organização social do setor.

Em uma esfera de representação mais ampla, nota-se pouca articulação, com

exceção para uma tentativa de realização de trabalhos em conjunto entre as

Colônias da Guanabara, mediado pela Federação das Entidades de Pesca do

Rio de Janeiro - FEPERJ. Porém, a própria Federação foi questionada com

relação a sua transparência no trabalho que desenvolve sem o

estabelecimento de um canal aberto de comunicação.

Com tudo isso, considera-se que a alta fragmentação das organizações

comunitárias, em virtude dos seus múltiplos interesses e uma diversificada

72

Informação obtida através das entrevistas realizadas com alguns componentes da diretoria da gestão 2008 da Colônia Z-09.

73 A Z-08, sediada em Niterói, por exemplo, tem jurisprudência desde este município até Guapimirim. A Z-09, por sua vez, em toda Magé e a Z-10 em toda a Ilha do Governador.

74 Na baía de Guanabara a APeLGA possui uma atuação mais abrangente que as demais, incorporando localidades vizinhas ao Gradim. Porém a APeLT atua apenas conjuntamente com os pescadores de Tubiacanga, sub-bairro da Ilha do Governador.

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123

base de representados, deve ser levada em consideração no desenho de um

programa de gestão participativa na baía. O problema de comunicação entre

estas instituições não é pequeno e há uma acirrada rivalidade em muitas delas.

Deve-se atentar também para a questão da legitimidade das lideranças locais

frente as suas próprias bases e a dificuldades que existentes para incorporação

de mais pescadores ao processo administrativo destas organizações.

Conforme destacam Berkes et al. (2001) e Ostrom (1994) um projeto de gestão

participativa não deve ser imposto, mas elaborado conjuntamente com os

grupos de usuários envolvidos, e por este motivo deve ser flexível o suficiente

para incorporar as demandas comunitárias. Considerando a aparente

fragilidade das instituições existentes, talvez seja pertinente propor que seja

realizado um trabalho anterior de fortalecimento e consolidação das instituições

locais de pesca, conforme destacam Pomeroy & Berkes (1997).

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124

9 CONCLUSÕES

Nota-se na baía de Guanabara a presença de uma importante atividade

pesqueira, no que tange ao número de pescadores e produção. Também são

inúmeras as relações sociais pelas quais se dá a reprodução ambiental, social

e cultural da pesca.

A atividade pesqueira na baía de Guanabara deve ser classificada enquanto de

pequena escala, composta por sub-tipos como artesanal, de armadores e

amadora.

Em cada uma das comunidades visitadas foi notada a ocorrência de pelo

menos dois tipos diferentes de modalidades de pesca, sendo na Quinta do

Caju o local com menor expressividade e o Gradim de maior.

Em todas as localidades onde operam as traineiras dedicadas ao cerco (Quinta

do Caju e Tubiacanga) a divisão social do trabalho na atividade produtiva é

mais evidente. Nesta modalidade existem algumas funções especializadas,

como o motorista e o mestre. A remuneração, neste caso, é compatibilizada à

função desempenhada por cada um na embarcação. As demais modalidades

pesqueiras não apresentam esta característica de forma tão clara.

O comércio do pescado segue uma tendência que acompanha a pesca de

pequena escala em outras regiões do país. Há a presença de uma longa

cadeia de intermediação e de uma considerável diversidade de compradores.

Atuam na comercialização do pescado desde representantes de firmas até

pequenos comerciantes locais. A relação entre atravessadores e pescadores

também se mostra mais complexa do que simplesmente uma relação

comercial.

Há ainda a presença de outros atores importantes da cadeia produtiva da

pesca, onde pequenos comerciantes locais de insumos para a atividade,

artesãos/costureiros de redes e carpinteiros são alguns exemplos.

Destacam diversos problemas que, segundo os pescadores, atrapalham o

desenvolvimento da pesca na baía. O mais mencionado diz respeito à poluição

urbana e industrial. A degradação dos ecossistemas periféricos da baía

Page 139: Monografia_Bacharelado

125

(mangues, rios, costões, praias...) significaria a redução da capacidade

produtiva da Guanabara.

Outra mudança relevante no meio em que se reproduz socialmente a atividade

pesqueira diz respeito ao aumento de áreas de exclusão ao exercício da pesca.

A criação de áreas de segurança civil e militar e de parques diminuem os

espaços de apropriação social da baía de Guanabara pelos pescadores.

As práticas predatórias de captura, como o arrasto, também chamam a atenção

de muitos pescadores. Muitos contestam esta forma de atuação e alguns deles

já mencionaram utilizar violência física como forma de reprimir este tipo de

pesca em determinadas áreas.

Nota-se na baía de Guanabara uma quantidade significativa de organizações

comunitárias voltadas à organização da atividade pesqueira. São Sindicatos,

Colônias e Associações que em poucos casos conseguem estabelecer coesão

entre os pescadores em torno de reivindicações comuns a todos. Há uma

constante disputa entre todas estas instituições com relação a hegemonia

sobre a representação dos pescadores da Guanabara.

A atuação do poder público, é avaliada pelos pescadores como sendo

insuficiente e equivocada em aspectos como: burocracia exagerada no

processo de regularização do pescador; fiscalização não direcionada as

modalidades de maior impacto ambiental; definição errada do período de

defeso; e falta de linhas de financiamento da produção.

Soma-se a todos os fatores mencionados até aqui a marcante situação de

pobreza em que se encontra a maioria das localidades visitadas. Os baixos

rendimentos das famílias que dependem da pesca não permitem o

estabelecimento de uma vida com a qualidade desejada por eles e a frustração

frente à realidade em que se encontram é notória.

No que tange a proposição de um processo de gestão participativa, fica claro

que não bastaria que o Estado, atual responsável pela gestão da pesca,

subitamente definisse instâncias para a participação dos pescadores e demais

atores relacionados à atividade produtiva da pesca na baía. Uma medida como

esta representaria, nela mesma, uma reprodução do sistema que hoje

Page 140: Monografia_Bacharelado

126

predomina na gestão pública deste setor, ou seja, um processo verticalizado de

tomada de decisão baseado no comando e controle.

A inauguração deste novo processo dependeria essencialmente do

engajamento da comunidade de pescadores e demais atores do setor

pesqueiro na organização de suas instituições locais. O Estado, por sua vez,

deveria participar como um facilitador neste processo, oferecendo o capital

físico necessário ao suprimento das demandas imediatas destas populações,

bem como das estruturas que pudessem auxiliá-las em seu processo de

fortalecimento institucional comunitário. Neste mesmo contexto poderiam atuar

instituições de ensino, pesquisa e extensão, assim como da sociedade civil

organizada.

Ressalta-se que esta pesquisa representa apenas uma pequena contribuição

para a identificação de aspectos relevantes da dinâmica socioambiental que

permeia a relação da atividade pesqueira com a baía de Guanabara. Há muito

a ser feito nesta direção, considerando o pouco tempo de permanência em

campo e o número limitado de comunidades visitadas.

Considera-se que uma pesquisa baseada em uma metodologia que participe

as comunidades pesqueiras da baía de Guanabara na elaboração dos seus

objetivos e nas análises dos seus resultados pode servir como um instrumento

de capacitação e mobilização comunitária. Por isso pondera-se que a utilização

de metodologias participativas é recomendável e será ampliada em etapas

posteriores de desenvolvimento da presente pesquisa.

Ampliar o conhecimento oceanográfico sobre as espécies explotadas na baía

de Guanabara e das dinâmicas naturais de seus ecossistemas de suporte, bem

como da forma como estes aspectos são apropriados socialmente se constitui

em tema relevante para futuras investigações. Neste contexto avalia-se que o

diálogo com as ciências sociais deve ser ampliado, bem como o

aprofundamento de uma abordagem interdisciplinar na análise das informações

obtidas. Deste modo, entende-se como caminho possível para o

aprofundamento e continuação desta pesquisa a realização de um mestrado

em áreas como gerenciamento costeiro, ecologia social, ecologia, sociologia do

meio ambiente, etnobiologia, para mencionar algumas.

Page 141: Monografia_Bacharelado

127

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