Monografia_Onofre Neto-Pop Em Situacao de Rua GYN

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁSINSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOAMBIENTAIS

    CURSO DE GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

    A TRAJETÓRIA DA SEGREGAÇÃO:

    ANÁLISE SOCIOESPACIAL DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO

    DE RISCO NAS RUAS DE GOIÂNIA

    ONOFRE PEREIRA AURÉLIO NETO

    GOIÂNIA2011

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    ONOFRE PEREIRA AURÉLIO NETO

    A TRAJETÓRIA DA SEGREGAÇÃO:

    ANÁLISE SOCIOESPACIAL DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO

    DE RISCO NAS RUAS DE GOIÂNIA

    Trabalho de conclusão de curso apresentado ao

    Instituto de Estudos Socioambientais, daUniversidade Federal de Goiás, como requisito

     parcial para obtenção de título de Licenciadoem Geografia.

    BANCA EXAMINADORA

     _____________________________________________________

    Prof. Dr. Ivanilton José de Oliveira –  IESA –  UFG –  Orientador

     _____________________________________________________

    Prof. Dr. Tadeu Pereira Alencar Arrais –  IESA –  UFG

     _____________________________________________________

    Prof. Dr. Alecsandro José Prudêncio Ratts –  IESA –  UFG

    GOIÂNIA2011

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    AGRADECIMENTOS

    Ao grandioso Deus por Suas bênçãos, por conceder-me essa vitória e por me proporcionar

    condições físicas e mentais necessária para realizar este trabalho.

    Ao meu orientador Professor Dr. Ivanilton José de Oliveira pela orientação precisa e

    dedicada, pela compreensão com as minhas escolhas teóricas, pelos estímulos ofertados, e por

    sua paciência.

    À Instituição SOS Criança que nos recebeu de forma tão prestativa e atenciosa, nos

     permitindo o contato com seu banco de dados e acompanhar seu trabalho. Somos gratos à

    coordenação, aos Educadores de Rua, aos técnicos administrativos, e todos os demais

    funcionários que nos acolheu durante o ano de 2011.

    Aos colegas que participaram diretamente e indiretamente da realização desta pesquisa,

    ressalta-se nesse sentido a valorosa contribuição de Renata Aparecida Lopes Silva que esteve

     presente nas primeiras abordagens realizadas com os meninos e meninas em situação de rua,

    ainda no ano de 2010.

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    EPÍGRAFE

    O direito à cidade se manifesta como forma superior

    dos direitos: direito à liberdade, à individualização

    na socialização, ao habitat e ao habitar. O direito àobra (à atividade participante) e o direito à

    apropriação (bem distinto do direito à propriedade)

    estão implicados no direito à cidade.

    (LEFEBVRE, 2008, p. 134).

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    RESUMO

    Esta monografia tem como objeto de estudo a relação entre o fenômeno de crianças e

    adolescentes em situação de risco nas ruas de Goiânia com a produção do espaço urbano da

    capital. Entendendo-o como uma forma de violência urbana. Nosso estudo resgata a trajetória

    desses meninos e meninas e de suas famílias segregadas no espaço urbano. Partimos da

    investigação dos casos de crianças e adolescentes em situação de risco nas ruas de Goiânia, no

     primeiro semestre de 2011, relacionando a localidade da residência destes com o processo de

    segregação, decorrente da produção do espaço fragmento da cidade, inferindo ambientes

    sociais favoráveis para a saída para a rua. O que nos permitiu estabelecer um padrão deocorrência com base nos locais identificados como principais espaços de origem desses

    meninos, e apontar problemas estruturais envolvidos, elementos que colaboram para a

    desestrutura familiar. Em seguida, fechamos a trajetória da segregação desses meninos e

    meninas com a análise de sua territorialização precária nas ruas da capital, por meio das

    estratégias de sobrevivência identificadas e o vinculo funcional com o espaço.

    Palavras chaves:  Crianças e adolescentes nas ruas, espaço urbano, segregação,territorialização.

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     ABSTRACT

    This monograph has as object of study the relation between the children‟s phenomenon andteenage in situation of risk at the Goiania streets with the production of the space capital

    urban. Stretching like a form of violence urban. Our study rescue trajectory these boys and

    girls and their families segregated in the urban space. Leave of research of the cases of

    children and teens in situation of risk at the Goiania street, in the first semester of 2011,

    relating the process of segregation, result of the production of the space city fragment, and the

    left to the street. What let us establish a standard of incident with base in the spaces these

     boys, and aim trouble structures involved elements that contribute for the unstructuredfamiliar. Next, close the trajectory of the segregation these boys and girls with the analyze of

    your precarious territories at the capital city streets, by strategies of survival identified and the

    link functional with the space.

    Keywords: Children and teens at the streets, urban space, segregation, territoryalization.

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    LISTA DE ILUSTRAÇÕES 

    Figura 1: Mapa da localização de Goiânia com os demais municípios que compõem aRegião Metropolitana de Goiânia.

    30

    Figura 2: Mapa da Região Metropolitana de Goiânia com perímetro urbano 32

    Figura 3: Mapa dos estados brasileiros de origem das crianças e adolescentes emsituação de risco

    40

    Figura 4: Mapa dos municípios goianos de origem das crianças e adolescentes emsituação de risco

    42

    Figura 5 –  Municípios goianos com maior participação na origem das crianças eadolescentes em situação de risco

    43

    Quadro 1 –  Identificação dos bairros de Goiânia com maior participação no número decrianças e adolescente em situação de rua

    48

    Quadro 2 –  Pontos freqüentados pelos meninos e meninas de rua em Goiânia 62

    Figura 6 –  Mapa do território descontínuo dos meninos e meninas de rua em Goiânia 64

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    LISTA DE FOTOS 

    Foto 1: Instituição SOS Criança 36

    Foto 2: Veículo para abordagem e encaminhamento. 36

    Foto 3: Casa popular (“Casinhas de Getúlio”).  52

    Foto 4: Adolescente dormindo embaixo de marquise (loja comercial fechada) 56

    Foto 5: Menino de rua em frente loja comercial na Av. Anhanguera (Terminal Dergo) 56

    Foto 6: Grupo de meninos trabalhando de lavar carros no sinaleiro 57

    Foto 7: Adolescente que trabalha na rua como vendedor 57

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     SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 9

    1 FUNDAMENTOS TEÓRICOS ........................................................................................... 13

    1.1 As crianças e adolescentes nas ruas como forma de violência urbana ............................... 13

    1.2 A cidade, o urbano e a produção do espaço ....................................................................... 17

    1.3 A produção do espaço urbano e a segregação em Goiânia................................................. 31

    2 METODOLOGIA .................................................................................................................. 34

    3 OS LOCAIS DE ONDE SAEM AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES ............................. 39

    4 PRINCIPAIS BAIRROS DE GOIÂNIA DE ORIGEM DAS CRIANÇAS E

    ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RISCO .................................................................... 48

    5 A TERRITORIALIZAÇÃO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES NAS RUAS

    DE GOIÂNIA ........................................................................................................................... 55

    5.1 As atividades de sobrevivência e os espaços ocupados ...................................................... 55

    5.2 O vinculo funcional com o lugar e o território descontínuo ............................................... 62

    CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 67

    REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 69

    APÊNDICE  ............................................................................................................................. 73

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    INTRODUÇÃO

    Este estudo tem como tema a análise da trajetória de crianças e adolescentes em

    situação de risco nas ruas de Goiânia, por meio da espacialização dos locais de origem desses

    meninos e meninas, buscando compreender como a produção do espaço urbano influência

    nesse fenômeno, o qual consideramos como uma forma de violência urbana. Em seguida,

    relacionamos as formas de sobrevivência nas ruas adotadas por eles com os espaços

    ocupados, visando compreender a territorialização dessas crianças e adolescentes que saem

     para as ruas.

    Partindo da hipótese de que esse fenômeno está ligado, em sua gênese, a fatores

    socioeconômicos e espaciais –  além de fatores psicológicos. Nesse sentido o presente trabalho

    se desenvolveu buscando responder as seguintes questões: 1) Até que ponto a produção do

    espaço urbano está relacionada à ocorrência desse fenômeno? 2) Quais são os principais

    locais de origem (bairros) das crianças e adolescentes que estão em situação de risco nas ruas

    de Goiânia? 3) De que maneira a segregação tem contribuído para agravar os problemas

    familiares, contribuindo para a desestrutura familiar? 4) Quais são os locais dentro de Goiânia para onde esses meninos e meninas que saem de casa se destinam? 5) Qual é o vínculo que

    eles tem com os espaços ocupados na rua.

     Nosso objetivo principal foi compreender a trajetória dos meninos e meninas que estão

    nas ruas da capital goiana, relacionando esse processo de saída de casa com a segregação

     provocada pela produção do espaço urbano de Goiânia, apontando os espaços geográficos

    (bairros) com maior participação na ocorrência desse fenômeno, e os locais da cidade onde

    eles se territorializão.Com esse intuito, foram traçados os seguintes objetivos específicos: 1) Sistematizar a

    trajetória do fenômeno abordado com base na espacialização de sua ocorrência, mapeando as

    cidades goianas de onde esses meninos e meninas provêem; 2) Identificar os bairros de

    Goiânia com maior participação na originar de crianças e adolescentes nas ruas da capital,

    como base para a aplicação de políticas públicas voltadas para a mitigação do problema; 3)

    Apontar possíveis razões dessa dinâmica de saída para a rua a partir da segregação provocada

     pelo processo de produção do espaço urbano fragmentado; 4) Analisar a territorialização dos

    meninos e meninas nas ruas da capital goiana a partir do vinculo funcional estabelecido com

    os locais ocupados e das estratégias de sobrevivência adotadas.

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    A escolha do tema deve-se ao fato de que os centros urbanos de grandes cidades, o que

    inclui Goiânia, têm presenciado um aumento no número de meninos e meninas que deixam

    suas casas e passam a abrigar-se na rua, por razões sociais, econômicas ou psicológicas1. O

    fenômeno de crianças em situação “de rua” é um problema que se tornou típico nos grandes

    centros urbanos. Por se tratar de crianças e adolescentes em situação de risco, esse problema

    não pode ser negligenciado, nem tampouco ignorado pela sociedade, o que inclui a

    comunidade acadêmico-científica. Reconhecemos a necessidade de investigar esse fenômeno,

    mais a finco pela Geografia que tem relegado essa temática aos antropólogos, sociólogos e

    assistentes sociais.

    A Geografia pode dar uma contribuição importante para compreendermos esse

     problema social a partir da análise da sua dimensão espacial, sendo subsídio relevante para o

    levantamento das causas socioeconômicas, identificando locais de maior ocorrência e os

    elementos relacionados, apontando os bairros com maior incidência e com potencial para

    ocasionar novos casos. O que permite ao poder público estabelecer medidas preventivas ou

    mesmo paliativas para esse problema, entendido por nós como uma forma de violência

    urbana. Acreditamos, assim, que esta pesquisa tenha tanto uma relevância teórica quanto

    social.Vale frisar que o trabalho realizado pela Instituição SOS Criança com moradores de

    rua, a  posteriori, apresenta resultados significativos, sendo de fundamental importância para

    atender a população de rua que precisa de ajuda imediata. Do outro lado da ponta,

    acreditamos que é preciso desenvolver novos projetos que visam atinjam a raiz do problema,

     buscando solucioná-lo antes que venha a ocorrer, inibindo a origem desse problema social por

    meio de ações preventivas que atinjam os fatores socioeconômicos envolvidos, amenizando

    os problemas sociais e econômicos que influenciam no processo de saída para a rua. Nesse trabalho, nos limitamos a apontar os locais de origem das crianças e

    adolescentes que estiveram em situação de risco nas ruas de Goiânia no primeiro semestre de

    2011, buscando explicações para sua espacialização e para a (re)territorialização dos mesmos.

    Sendo que para identificarmos os bairros da capital, utilizamos os dados da Instituição SOS

    Criança que recobre o período de 2000 a 2010. A estrutura do trabalho é apresentada nos

     parágrafos seguintes.

    1  Conforme IBGE, censo demográfico 2010, a população do município de Goiânia é de 1,3 milhões, o querepresenta 21,7% de toda a população do estado de Goiás, sendo sua taxa de urbanização de 99,6% (IBGE,2011).

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    O primeiro capítulo são apresentados os  Fundamentos Teóricos, fazendo-se uma

    leitura e reflexão sobre a temática abordada, discutindo conceitos essenciais para o

    desenvolvimento do trabalho. Esse capítulo esta subdividido em três eixos temáticos. O

     primeiro subitem nos concede a base de sustentação da pesquisa por trazer a produção do

    espaço urbano como elemento a ser discutido no fenômeno de crianças e adolescentes em

    situação de risco nas ruas, estabelecendo conceitos de “violência urbana”, “exclusão social” e

    definições do que compreendemos como meninos e meninas de rua. No segundo subitem,

    adentramos na análise do conceito de cidade, urbano, segregação e produção do espaço,

    compreendendo a segregação como uma estratégia de classes promovida pelos atores

    hegemônicos. Já no terceiro subitem, focamos a segregação provocada pela produção do

    espaço urbano da capital goiana.

    O segundo capítulo apresenta a  Metodologia utilizada na pesquisa. Traz os aspectos

    epistemológicos em que o trabalho se estruturou (pesquisa bibliográfica, documental e de

    campo, apoiando no método estruturalista), assim como as categorias e conceitos de análise

    da Geografia empregados (espaço geográfico, lugar e território), e os procedimentos

    metodológicos e as técnicas de análise utilizadas. Destacamos ainda a contribuição da

    Instituição SOS Criança, como fonte de dados e informações relevantes para a realização da pesquisa.

     No terceiro capítulo, Os locais de onde saem as crianças e adolescentes, apresentamos

    a composição das crianças e adolescentes segundo a faixa etária e o gênero destes,

    identificamos localidades que mais contribuem para ocasionar o fenômeno de meninos e

    meninas de rua utilizando de mapas na escala nacional e regional. Enfatizamos nossa análise

    nos municípios goianos com maior propensão a originar esse fenômeno, e averiguamos

    elementos envolvidos na saída de casa por meio da apresentação dos casos de alguns meninose meninas.

     No quarto capítulo,  Principais bairros de Goiânia de origem das crianças e

    adolescentes em situação de risco, adentramos nossa pesquisa nos bairros de Goiânia com

    maior propensão a originar essa forma de violência urbana, demonstramos como ocorreu o

     processo de segregação nesses locais, identificado sua localização e seu processo de

    origem/criação. Além de apontar bairros tradicionais na contribuição do fenômeno analisado,

    inferimos um bairro novo  –  “Residencial Senador Albino  Boa Ventura”  – , de onde tende a

    intensificar o fluxo de meninos que saem para a rua nos próximos anos.

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    O quinto capítulo,  A territorialização das crianças e adolescentes nas ruas de

    Goiânia, encerra nossa análise da trajetória da segregação das crianças e adolescentes, por

    hora.  Nesse capítulo, nosso foco foi verificar como esses meninos e meninas sobrevivem nas

    ruas, tentando entender como eles se relacionam com os espaços e com a sociedade, por meio

    da identificação das atividades de sobrevivência adotadas e o estabelecimento de um território

    descontínuo baseado em vínculos funcionais.

    Por fim, as Considerações Finais  trazem algumas reflexões que julgamos

    imprescindíveis, como os apontamentos que a pesquisa traz sobre locais de origem das

    crianças e adolescentes, sendo que esses espaços requerem políticas públicas voltadas para a

    inserção de sua população; constatamos a necessidade de um trabalho mais aprofundado dos

    fatores socioeconômicos a fim de que possamos inferir com maior êxito os bairros que nos

     próximos anos serão locais com maior potencial a originar meninos e meninas de rua; e

    reafirmamos a importância da Instituição SOS Crianças para atender a população de rua,

    apontando a necessidade de maiores recursos provenientes do Estado para ampliar o trabalho

    realizado por essa Instituição e a necessidade de se investir na digitalização do acervo da

    Instituição, criando um banco de dados que há de se tornar material de pesquisas relevante e

    de fácil acesso sobre população de rua.

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    1 FUNDAMENTOS TEÓRICOS 

    1.1 As crianças e adolescentes nas ruas como resultado da violência urbana

    Partindo do pressuposto de que meninos e meninas de rua é uma forma de violência

    urbana que se manifesta nas centralidades de diversas cidades, iniciamos nosso levantamento

    teórico a partir do conceito de violência urbana, adotando a concepções de Souza (2005) e

    Viana (2001), para posteriormente adentramos na abordagem teórica de crianças e

    adolescentes em situação de rua.

    O geógrafo Marcelo Lopes de Souza, em seu livro O desafio metropolitano: um estudo

     sobre a problemática,  nos traz a concepção de violência urbana, como sendo problemas

    urbanos que têm causas sociais e espaciais para sua ocorrência (SOUZA, 2005). Para esse

    autor, a especificidade da violência urbana não reside no simples fato de que a cidade serve de

     palco ao ato violento. Em sua concepção o conceito de violência urbana emerge das "reações

    'não- políticas' dos desprivilegiados”, desde que remetam a problemas como o “estresse e a

    deterioração geral da „urbanidade‟ ou „civilidade‟ no ambiente de uma grande cidadecontemporânea” (SOUZA, 2005, p. 52). Portanto, considera a violência urbana como sendo o

    retrato da sociedade fragilizada, embriagada na desigualdade de classes e na esquizofrenia da

    fragmentação do espaço.

    Compartilhando desta mesma percepção de Souza, o autor Nildo Viana, em seu livro

    Violência urbana: a cidade como espaço gerador de violência, considera que “[...] a violência

    urbana não é a violência que ocorre no espaço urbano e sim a violência derivada da

    organização do espaço urbano. A violência urbana é o resultado dos conflitos e problemasurbanos” (VIANA, 2001, p.29). Neste sentido, o autor considera a violência urbana como

    uma forma específica de violência que se manifesta em decorrência das relações

    socioespaciais, ou seja, é a forma de violência gerada pela maneira em que o espaço é

    organizado pela sociedade:

    A violência se instala na cidade devido à luta pela moradia e por aspectos derivadosde condições precárias de vida e habitação, tais como moradias muito próximas, quegeram animosidade, principalmente tendo em vista a falta de infra-estrutura básica

    (água, esgoto, rede elétrica etc.) (VIANA, 2001, p. 38).

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    Segundo Viana (2001), antes de compreendermos a violência urbana é preciso

    compreender a constituição do espaço urbano e dos problemas e conflitos sociais, sendo

    necessária a abordagem de problemas urbanos geradores de conflitos e violência. Estes

     problemas urbanos, por sua vez, são provocados pela “divisão capitalista do espaço urbano”,

    tendo como causa a “divisão social do trabalho” que gera uma “divisão social do espaço” 

    (VIANA, 2001, p. 29-30).

    Os problemas urbanos identificados por este autor correspondem ao distanciamento

    entre os espaços sociais, problema da locomoção (transporte), problema do solo urbano (o

    espaço mercadoria), problema da moradia, controle do espaço pelo Estado (que estabelece a

    localização e a organização de determinados espaços) e, o problema da degradação da

    qualidade de vida (VIANA, 2001, p. 30-41).

    Reconhecendo que a população em situação de rua é procedente, em sua maioria, de

    famílias de baixo poder aquisitivo, segregadas nas periferias do espaço urbano, e que dessa

    forma a desigualdade social e a organização espacial estão entre os germes deste fenômeno

    urbano, pode-se dizer que indivíduos em situação de rua constituem em uma forma de

    violência urbana. Assim, as crianças e adolescentes que estão nas ruas são exemplos

    resultantes da violência urbana. Não porque ocorre no espaço urbano, mas sim porque é um problema social que tem entre seus elementos a forma com o espaço é organização.

    Conforme Botellho et al. (2008) esses jovens buscam na rua um refúgio para fugir dos

     problemas vivenciados em casa,

    O adolescente que vai para as ruas está, muitas vezes, fugindo de dados reais de suasvidas, como: condições de moradia precárias, insalubridade, „casa cheia‟, violênciadoméstica, fome; ou seja, ele procura escapar dos fatores ambientais e psíquicos queestão lhe causando danos físicos e psicológicos, mesmo que isso não lhe sejaconsciente (BOTELHO et al., 2008, p. 362).

    As crianças e adolescentes que estão nas ruas fogem da desestrutura familiar, dos

     problemas enfrentados em casa, tendo a rua como o lugar de suas realizações, mesmo que isso

    se dê em condições de vida precária e de mendicância. Nesse sentido, devemos atentar par o

    fato de que a desestrutura familiar apresenta elementos externos que ultrapassam os limites da

    casa. Conforme Libório (2010, p. 165) nos afirma,

    Ela deve ser pensada como resultante [...] de elementos externos à dinâmica

    familiar, ou seja, que não lhe diz respeito diretamente, tais como o aumento dodesemprego estrutural, a migração e o desenraizamento decorrentes da necessidadede sobreviver e da busca por novas alternativas de trabalho, o aumento da situação

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    de pobreza e, como correlato de tudo isso, a exclusão social material e política(ausência de poder e representatividade).

    A desestrutura familiar, diretamente relacionada ao fenômeno de meninos de rua, porsua vez apresenta fatores externos ao ambiente familiar, nos remetendo-nos aos problemas

    decorrentes da estrutura da sociedade e da segregação social e espacial. Reforça, pois, a idéia

    de que o caso de meninos de rua constitui em uma das formas de violência urbana, estando

    essas crianças e adolescentes socialmente excluídos.

    Segundo Costa (1998) o fenômeno da exclusão social é caracterizado pela privação

    material e pelas sucessivas rupturas do indivíduo com a sociedade. Para esse autor, a

     permanência do indivíduo na situação de exclusão social agr ava o conjunto de “perda daidentidade social, da autoestima, da autoconfiança, de perspectiva de futuro, de capacidade de

    iniciativa, de motivações, do sentido de pertença à sociedade etc.” (COSTA, 1998, p. 17).

    As crianças e adolescentes que estão nas ruas encontram-se nas duas situações

    características da exclusão social indicadas por esse autor: “privação material” e “rupturas

    com a sociedade”. Estando eles privados de bens de consumo básico como roupa, alimentação

    e moradia. Além, de terem rompido os laços familiares e de afetividade que poderia haver

    com professores, amigos, vizinhos, entre outros.

    De acordo com Vieira et al. (1994), existem situações diferentes das pessoas excluídas

    em relação à rua, variando conforme o grau de permanência do individuo com a rua. De

    maneira que existe o “ficar na rua” que é momentâneo, circunstancial, e o “ser da rua” que é

     permanente, constante (VIERIA et al., 1994, p. 93).

    Entre as crianças e adolescentes, nota-se a ocorrência dois casos. Havendo aqueles que

    frequentam a rua em momentos específicos de crise e violência familiar ou quando eles

    querem fazer algo que em suas casas é motivo de repreensão, sendo que para esses a rua é um

    refúgio, uma saída temporária dos problemas encontrados em casa. Enquanto que outros

    rompem definitivamente seus laços familiares passando a ter a rua como seu “único lugar de

    sobrevivência”, a rua como “morada”. 

    A partir dessa concepção de Vieira et al. (1994) é possível fazer uma distinção desses

     jovens conforme o grau de relação que estes têm com a rua. Assim, percebemos os meninos e

    meninas em situação de risco, como sendo aqueles que mantêm um vínculo esporádico com a

    rua, frequentando os espaços públicos do centro da cidade e suas subcentralidade em

    momentos específicos. E os meninos e meninas em situação de rua como sendo um estado de

    maior permanente nesta.

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    Ambas as situações conduzem a degradação do ser e a sujeição do menor aos

     problemas que estar na rua ocasionam, sendo o primeiro mais facilmente reversível, e o

    segundo o mais perverso. O que a sociedade precisa com urgência evitar é que se chegue ao

    segundo estágio de relação com a rua, para que esses menores não se tornem “seres da rua”.2 

    Para a socióloga Rita de Cássia Marchi, em sua obra  A infância não reconhecida: as

    crianças ‘de rua’ como atores sociais , a criança “de rua” é um produto da sociedade, logo, faz

     parte da sociedade, que por mais que negue essas crianças não pode fingir que não existem

    (MARCHI, 2007). Em sua percepção, o fenômeno de crianças “de rua” é o resultado da

    estrutura social desigual, que promove a miséria e a submissão.

    Os problemas sociais, relacionados à desigualdade social, também são apontados por

    Libório (2010, p. 164) como tendo influencia no fenômeno crianças e adolescentes em

    situação de risco nas ruas,

    Em nosso país, observamos a presença de reformas econômicas neoliberais por meiodo baixo investimento social e das políticas salariais mínimas, com o subseqüentecorte e subsídios, o que dificulta o acesso à habitação, ao transporte. à saúde e àeducação de grande parcela da população. Dessa forma, constata-se a intensificaçãodos problemas sociais, o que interfere nas relações interpessoais que pressiona,grandes contingentes de crianças e adolescentes a trabalhar ou viver nas ruas.

     Na rua essas crianças e adolescentes convivem com o perigo constantemente, tendo de

    enfrentar problemas diversos. Segundo Libório, a exposição deles às diversas situações de

    risco causam-lhe o processo de vulnerabilização, reduzindo seus mecanismos físicos e

     psicológicos de defesa, os tornando facilmente suscetíveis a incorpora “a influência negativa

    do meio”, por dificultar a tomada de “atitudes autoprotetoras” (LIBÓRIO, 2000, p. 167). De

    maneira que, quanto mais tempo esses jovens passam na rua mais o problema se agrava.

    Muitas crianças e adolescentes que estão nas ruas não se encontram em estado capazde solver seu problema, devido ao seu grau de dependência dos males da rua, destacando-se o

    vício em relação às drogas. Lembrando que não se trata de um problema individual, mas

    social.

    Analisando as meninas de rua em Goiânia no ano de 1986, Fenelon, et al. (1992, p.

    45), identifica alguns dos problemas recorrentes no ambiente familiar,

    2 Optamos nesse trabalho por adotar o termo crianças e adolescentes em situação de risco, englobando tanto osmeninos com menor vinculo, como os com maior vínculo com a rua.

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    Quanto ao local de residência de suas famílias, tem-se a informação de que a grandemaioria das meninas provém de famílias de baixo poder aquisitivo, residentes eminvasões, favelas e bairros localizados na periferia de Goiânia. São pouco

    expressivas as freqüências de meninas residentes em bairros não periféricos ou emoutras cidades próximas a Goiânia.

    As crianças e adolescentes, em sua maioria, continuam sendo oriundos de famílias de

     baixo poder aquisitivo, indivíduos que sofreram em diferentes momentos processos de

    segregação decorrentes da produção do espaço urbano, por pertencerem as classes mais

     pobres.3 

    Considerando as crianças e adolescentes de rua como uma forma de violência urbana

    relacionada à produção do espaço, compreendemos que esses menores são indivíduos que se

    encontram excluídos socialmente, e que a segregação social e espacial tem contribuído para

    que isso aconteça. Dessa maneira, para entendermos melhor esse fenômeno precisamos

    analisar seu espaço de ocorrência, o seu lugar de origem.

    1.2 A cidade, o urbano e a produção do espaço

    Com base na concepção de que a cidade constitui-se em um espaço fragmentado e

    articulado, repleto de desigualdades, onde a população se dispersa conforme seu potencial

    econômico  –  o que caracteriza na segregação –  percebemos que a segregação urbana em seu

    duplo sentido (social e espacial) remete ao seu espaço de ocorrência. Ou seja, a cidade em seu

     processo de urbanização.

    Assim, identificamos a necessidade de, primeiramente, abordar os conceitos de cidade

    e urbano, antes de adentrarmos propriamente no conceito de produção do espaço e de

    segregação. Para distinguir cidade e urbano optamos por utilizar como base teórica as

    concepções de Lefebvre (2008), Santos (1994) e Gomes (2002), uma vez que esses autores

    estão em conformidade com nossa concepção de cidade.

     Na análise de Lefebvre sobre a cidade e a sociedade, em seu clássico O Direito à

    Cidade, esse filósofo e sociólogo considera a cidade como sendo um reflexo da sociedade,

    3  O sentido de pobreza adotado neste trabalho recorre à concepção de Haesbaert, entendendo-a como uma“exclusão socioespacial”, por ser uma privação e/ou precarização que atinge determinados indivíduos, osimpedindo de uma participação efetiva na sociedade (HAESBAERT, 2009, p. 315).

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    acompanhado as modificações do próprio homem e a interação das pessoas presentes em seu

    meio,

    Apenas hoje é que começamos a apreender a especificidade da cidade (dosfenômenos urbanos). A cidade sempre teve relações com a sociedade no seuconjunto, com sua composição e seu funcionamento, com seus elementosconstituintes (campo e agricultura, poder ofensivo e defensivo, poderes políticos,Estados etc.), com sua história. Entretanto, as transformações da cidade não são osresultados passivos da globalidade social, de suas modificações. A cidade dependetambém e no menos essencialmente das relações de imediatice, das relações diretasentre as pessoas e grupos que compõem a sociedade [...] (LEFEBVRE, 2008, p. 51). 

    Conforme percebemos na concepção de Lefebvre (2008, p. 52), a cidade é mais que a

    mera produção de objetos, sendo “uma produção e reprodução de seres humanos  por sereshumanos”. Para esse autor a cidade se transforma em função de modificações no modo de

     produção, nas relações cidade-campo, e nas relações de classe e propriedade e alterações nos

     processo globais. Portanto, a cidade é obra de agentes sociais e históricos.

    A partir da análise da relação entre o espaço e sociedade e entre as diferentes classes,

    Lefebvre conceitua a cidade como sendo a

     projeção da sociedade sobre um local , isto é não apenas sobre o lugar sensível como

    também sobre o plano específico, percebido e concebido pelo pensamento, quedetermina a cidade e o urbano. Longas controvérsias a respeito dessa definiçãomostraram bem as suas lacunas [...]. Aquilo que se inscreve e se projeta não éapenas uma ordem distante, uma globalidade social, um modo de produção, umcódigo geral, é também um tempo, ou vários tempos, ritmos. (LEFEBVRE, 2008, p.62). [Grifos do autor]

    De maneira, que a cidade é o lugar concebido pelo pensamento e materializado pela

    sociedade. Enquanto que o urbano, intrinsecamente ligado a cidade, conforme Lefebvre

    (2008, p. 87) deve ser compreendido como,

    [...] campo de relações que compreendem notadamente a relação do tempo (ou dostempos: ritmos cíclicos e durações lineares) com o espaço (ou espaços: isotopias-heterotopias). Enquanto lugar do desejo e ligação dos tempos, o urbano poderia seapresentar como significante cujos significados procuramos neste instante (isto é, as“realidades” prático-sensíveis que permitem realizar esse significante no espaço,como uma base morfológica e material adequada). [Grifos do autor]

    Percebemos que Lefebvre considera a cidade como uma base “prática-sensível”, em

    outras palavras “morfologia material”, e o urbano como a realidade social a ser concebida, a

    morfologia social (LEFEBVRE, 2008, p. 54). E, nos alerta que essa separação entre cidade e

    urbano só ocorre com maior tranquilidade no campo conceitual, pois na realidade a cidade e ourbano são complementares.

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     Na concepção de Milton Santos em seu livro Técnica, Espaço, Tempo, a cidade e o

    urbano devem ser compreendidos em suas particularidades, considerando a cidade como

    sendo o “concreto”, o “interno”, enquanto que urbano refere-se ao “abstrato”, o “externo”, e

    somente com a abordagem conjunta da cidade e do urbano passamos a ter a teoria da

    urbanização (SANTOS, 1994, p. 69). Nas palavras desse autor a cidade pode ser definida

    como sendo,

    “[...] o lugar onde se podem associar diversos capitais, e por conseqüência diversostrabalhos. Isto se deve exatamente ao fato de que a paisagem urbana reúne e associa

     pedaços de tempo materializados de forma diversa e, desse modo, autorizacomportamentos econômicos e sociais diversos” (SANTOS, 1994, p. 95-96).

    Essa definição nos remete a ver a cidade como o lugar da divergência, da contradição

    gerada pelos diversos capitais, um espaço permeado por pessoas de classes diferentes que

     passam a ocupar regiões diferentes. Logo, a cidade é um espaço onde a segregação se faz

     presente de maneira intensa.

    Para Gomes, no livro  A Condição Urbana, a cidade é a imagem da sociedade, e sua

    natureza, ou seja, seus sentidos e formas mudam conforme muda o projeto civilizatório; e o

    espaço urbano refere-se ao comportamento social (GOMES, 2002). Em síntese, esse autor

    considera que a cidade em seu arranjo físico é o resultado da forma de se construir a vida,

    Ela é hoje concebida como fragmentada, como soma de parcelas mais ou menosindependentes, havendo uma multiplicação de espaços que são comuns, mas não

     públicos; há um confinamento dos terrenos de sociabilidade e diversas formas denos extrairmos do espaço público (telefones celulares, fones de ouvido etc.), osmodelos de lugares se redefiniram, shopping centers, ruas fechadas, paredes „cegas‟etc. (GOMES, 2002, p. 174).

    A partir da leitura desses três autores (LEFEBVRE, 2008; SANTOS, 1994; e GOMES,

    2002), percebemos que a cidade é a sociedade esculpida no espaço, enquanto que o urbano é a

    dinâmica desta sociedade, de forma pulsante e em constante transformação. Uma não vive

    sem a outra, sendo em sua essência complementares, pois o urbano sem a cidade é a vida

    social sem lugar, enquanto que a cidade sem o urbano é a forma sem vida, o que pode ser

    constatado nas cidades fantasma, onde a cidade existe de maneira estática, “morta”, sem o

     pulsar que antes era dado pelo urbano.

    Como a sociedade é repleta de contrastes, desigualdades sociais, logo, esses aspectos

    manifestam-se no espaço, por meio da segregação em que a cidade é fragmentada. Conforme

    Haesbaert, a apropriação do território ocorre de maneira desigual, obedecendo à lógica do

    capital, de um lado a elite globalizada desfruta da multiterritorialidade, podendo escolher os

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    territórios a usufruir, enquanto que do outro lado a camada social com menor poder aquisitivo

    não tem o mesmo privilegio, e os desprovidos de recurso financeiro não tem sequer o

    “território como abrigo” (HAESBAERT, 2009, p. 360).

    A distinção proposta entre cidade e urbano, nos permite retirar a culpa da cidade de ser

    um espaço segregador e relegar essa responsabilidade aos seus agentes sociais e históricos.

    Conforme Lefebvre (2008, p. 98-99) salienta, “as segregações que destroem

    morfologicamente a cidade e que ameaçam a vida urbana não podem ser tomadas por efeito

    nem de acasos, nem de conjunturas locais”. Tratando-se a segregação de estratégias de

    classes, sejam estas intencionais ou inconscientes.

    De acordo com Corrêa (1989), os principais agentes responsáveis pela produção do

    espaço urbano são: o Estado, destacando-se o papel da prefeitura municipal; os grandes

    empresários, indústrias, e comerciantes; os agentes imobiliários; os proprietários de terra; e os

    grupos sociais excluídos. Entre esses agentes destaca-se o Estado e o agente imobiliário como

     principais responsáveis pela produção do espaço urbano, os atores hegemônicos na produção

    do espaço urbano.

    A produção do espaço urbano pode ser definida, na percepção de Silveira (2003, p.

    25), como sendo

    [...] o resultado da dinâmica social de determinada sociedade que ao reproduzir-seatravés de um determinado modo de produção, imprime, na paisagem urbana, asmarcas correspondentes. O espaço urbano, nesse aspecto, caracteriza-se,simultaneamente, como condição, meio e produto do processo de reprodução dasociedade.

    Esse autor compreendendo que na sociedade capitalista, o modo como o capital se

    reproduz determina o acesso aos meios de consumo e à habitação de maneira desigual, logo as

    diferentes camada social se localizaram e residiram de modo diferenciado na cidade o queconfigura no processo de segregação espacial (SILVEIRA, 2003).

    Seguindo essa linha de pensamento Robaina (2010), considera a cidade como o lugar

    de concentração dos fluxos, que representa ao mesmo tempo espaço de geração de riqueza e

    de miséria, onde o acumulo dos lucros da produção por uns significa a pauperização de

    outros, em uma dinâmica excludente refletida na vulnerabilidade física e psicológica de

    indivíduos desprovidos de capital suficiente para adquirir sua própria residência. Estando o

     processo de segregação presente na produção do espaço urbano.

    Segundo Antunes (2006, p. 16), a segregação é o fenômeno decorrente do

    “crescimento dos centros e a consolidação de uma classe dominante, com acesso mais amplo

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    a bens e serviços, em que os pobres são expulsos do centro”. Incapazes de financeiramente se

    manterem nesses locais, a população pobre é segregada para áreas onde podem pagar os

    aluguéis, ou construir suas moradias (ANTUNES, 2006).

    A segregação concentra a população de acordo com o poder aquisitivo do individuo

    criando espaço de desejos e espaços de vulnerabilidade. Acreditamos que esses espaços de

    vulnerabilidade constituem-se no lócus de origem de menores em situação de rua. O que nos

    faz adentrar nosso estudo na produção do espaço urbano de Goiânia. 4  Frisamos que a

    segregação é apenas um dos diversos elementos com potencial a influenciar no processo de

    saída para a rua, existindo diversos outros fatores sociais, econômicos e psicológicos.

    1.3 A produção do espaço urbano e a segregação em Goiânia

    Ressalta-se, primeiramente, que a criação de Goiânia, assim como seus motivos reais e

    simbólicos e seus projetos urbanísticos  –   muito bem discutidos pela literatura cientifica

    goiana –  terão uma atenção secundaria nesse trabalho, uma vez que nosso foco é o processo

    de urbanização que gera um espaço segregado e uma cidade fragmentada. Por tanto, essestemas aparecem apenas de maneira a complementar nossa temática principal.5 

     No entanto, cabe lembrar que a criação da nova capital do estado, Goiânia, foi uma

    verdadeira estratégia de transferência e consolidação do poder das mãos das velhas

    oligarquias para a nova elite que surgiu no Sul goiano, tendo como representante Pedro

    Ludovico Teixeira  –   interventor nomeado por Getúlio Vargas  – , que retirou do controle do

    estado às velhas oligarquias e relegou os Caiados, os antigos “mandantes”  do estado, ao

    ostracismo político. Conforme podemos verificar nas palavras de Arrais (2007, p. 100) emque:

    A nova capital projeta-se como um território livre dos conflitos, um espaço “neutro” para a afirmação do projeto político mais ligado ao Sul do Estado e, portanto,

    4 Conforme o Artigo 74 do seu Plano Diretor (2007, p. 28), o território do município de Goiânia é de 726,885km2, sendo que 444,174 Km2  é área urbana e 282,711 Km2  é área rural, portanto, 61,1% de seu território éconstituído de área urbana. Estando localizado na Messoregião Centro Goiano, o município de Goiânia faz divisaatualmente com nove municípios: Goianira, Santo Antônio de Goiás, Nerópolis e Goianápolis, ao norte;Aparecida de Goiânia, Aragoiânia e Abadia de Goiás, ao sul; Senador Canedo, a leste; e Trindade, a oeste.

    5 Para uma maior análise da estratégia geopolítica de criação de Goiânia consultar Arrais (2007), Chaul (1988), eSilva (2000). Sobre o plano urbanístico da capital, consultar Gonçalves (2002), Graeff (1985) e Moysés (2005). 

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    opositor às “velhas oligarquias”. Edificar uma cidade como marco da modernizaçãoem um Estado de raízes rurais foi uma das estratégias desses atores para consolidarseu poder.

    A Cidade de Goiás, até então capital do Estado e arena política das oligarquias,

    representava um entrave para o novo projeto político, figurado na pessoa de Pedro Ludovico

    que contou com o apoio do governo federal por meio do projeto da Marcha para o Oeste de

    Getulio Vargas. Goiânia antes mesmo de ser concebida simbolizava a política destes dois

    governos, com o discurso da modernidade e integração do litoral com o sertão, conforme nos

    atesta Bernardes (1998) e Borges (2004).

    O processo de escolha do sítio urbano ocorreu por força do Decreto 2.737 de 20 de

    dezembro de 1932, constituindo uma comissão técnica para selecionar um local que atendesse

    os critérios de topografia favorável, com presença de recursos hídricos, clima ameno, próximo

    da região sudeste do estado  –  a qual se despontava com a mais próspera economicamente  – ,

    devendo favorecer uma comunicação com os extremos do estado e estivesse mais próxima do

    centro de comando do país do que a antiga capital. A comissão escolheu o município de

    Campinas (Campininha das Flores), sendo essa decisão oficializada no dia 4 de março de

    1933, quando se lavra no Cartório de Campinas, no dia 27 de outubro de 1933, a escritura de

    doação de terras para a construção da nova capital do Estado de Goiás (SOUZA, 1989).

    De acordo com Natal e Silva (1993, p. 19-21), a demarcação do sítio da nova capital

    ocorreu às margens do córrego Botafogo, compreendendo as antigas fazendas “Criméia”,

    “Vaca Brava” e “Botafogo”, no município de Campinas, cabendo ao Governo desapropriar

    terrenos necessários à edificação da cidade e formação do município, relegando ao Governo

    Estadual a responsabilidade sobre a zona urbana e a prefeitura o controle da zona suburbana e

    rural, conforme consta no Decreto n.º 3.359, de 18 de maio de 1933.

    Segundo Gonçalves (2002), a fundação de Goiânia iniciou em 1933 com o plano deurbanização da cidade proposto pelo urbanista Atílio Correia Lima, estipulando o zoneamento

    da capital, com maior detalhamento para o núcleo central da cidade. A partir de 1935, o

    engenheiro Armando de Godoy e sua comissão técnica, assumem o projeto de urbanização da

    cidade alterando o plano de urbanização nas áreas limítrofes ao núcleo central

    (GONÇALVES, 2002, p. 33).

     Na síntese das propostas de Atílio Correia Lima e Armando de Godoy para a

    construção de Goiânia prevaleceu o zoneamento da cidade entre o Setor Central com funçãoadministrativa e comercial; o Setor Sul, residencial; e o norte, com bairros populares e

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    industriais; prevendo o crescimento da cidade para o Setor Oeste e Campinas. O que

    significou a primeira forma de segregação em Goiânia, instituída pelo Estado para administrar

    a cidade. Conforme Bernardes nos afirma, sobre o plano de construção de Goiânia, “[...] já na

    concepção do planejamento da cidade, no desenho, e na formulação de seu traçado está a

    gênese do processo de segregação urbana” (BERNARDES, 1998, p. 131-132).

    Com a planta de construção em andamento, o governo deu início à política de

    divulgação da “capital moderna”, como sendo a cidade planejada em pleno Planalto Goiano, o

    que atraiu pessoas do interior de Goiás e de outros estados, a fim de conseguir trabalho e

    moradia na nova capital que surgia, ou mesmo, investir no terreno urbano.

    Entre as políticas de povoamento promovidas pelo governo do estado, destaca-se o

    Decreto n.º 326, de 2 de agosto de 1935, que regulamentou a venda de lotes em regime

     prestacional na nova capital. Segundo Costa (1985, p. 37), é a partir deste decreto que

    “aparecem os primeiros capitalistas, empregando somas consideráveis em lotes e edifícios

     para aluguel”. Na prática, essa lei além de beneficiar as pessoas que desejavam uma moradia

     própria e acessível –  população de médio poder aquisitivo  – , facilitou a aquisição de imóveis

     por investidores/especuladores.

    Deve ser destacado o fato de que a planta de urbanização da cidade não determinavaáreas para a construção de casas populares a fim de abrigar a população que vinha trabalhar

    na construção da capital. De acordo com Paula (2003, p. 24), “os homens que pensaram a

    cidade „esqueceram-se‟ de destinar um lugar para os outros homens que viriam construí-lá

    com o trabalho de suas mãos, a nova ca pital”. Sutilmente a autora abordou a  segregação

    intencional do Estado como se os responsáveis a tivessem promovido por descuido, tocando

    em um ponto central da segregação: a menor atenção dada pelo poder público à população

    trabalhadora de baixa renda.Se o plano de urbanização de Goiânia previa a ocupação da população pobre e

    trabalhadora fora dos limites da cidade, residindo estes nas antigas cidades satélites

    (Hidrolândia e Trindade), podemos dizer que nesse ponto o plano fracassou. A partir dos

    relatos de Souza (1989) sobre a saga dos pioneiros na construção de Goiânia percebemos que

    a área residencial do núcleo urbano de Goiânia, já se encontrava dividida desde 1936. Nesse

     período a segregação espacial fora demarcada pelos limites naturais do córrego Botafogo

    onde em suas margens situava-se a população de Goiânia,

    Margeando o córrego do Botafogo, do lado direito, (no sentido norte-sul), algumas boas casas de madeira, agasalhando funcionários, e uma pensão, conhecida como

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    Pensão de Dona Maruca, que alimentava desde altos funcionários do Governo,engenheiro, construtores, responsáveis pelas obras, até viajantes ocasionais e jáalguns turistas. Outras casas de madeira, menores e em maior número, na margem

    esquerda do córrego pertenciam aos operários, os abnegados obreiros dessa grandeempreitada (SOUZA, 1989, p. 15).

    A segregação espacial esteve presente desde o inicio da formação da cidade. Com a

     população afortunada, constituída pelos servidores públicos do estado, fazendeiros,

    comerciantes e ocupantes de cargos públicos residentes em uma margem do córrego, e a

     população de baixo poder aquisitivo, constituída pelos operários pioneiros que trabalharam na

    construção da cidade e demais cidadãos pobres atraídos pela perspectiva de melhores

    oportunidades em Goiânia, do outro lado.

    Conforme Gonçalves (2002), a aprovação do Plano de Urbanização de Goiânia no dia

    30 de julho de 1938, através do Decreto-Lei municipal 90-A, determinou áreas urbanas e

    suburbanas da cidade. As áreas urbanas constituíram a “cidade planeja” compreendendo “os

    setores Central, Norte, Sul, Oeste e satélite Campinas, além das áreas para o Aeroporto,

    Zoológico, Hipódromo e os parque Buritis, Capim Puba e Bandeirantes” (GONÇALVES,

    2002, p. 47-48).

    Enquanto que os locais que foram ocupados até a década de 1960, não abrangidos pelo

    Plano de Urbanização, constituír am a “cidade marginal”, sendo esses os loteamentos que

    surgiram a partir de invasões em áreas desocupadas “no Botafogo, na Vila Operária e na

    Macambira”, áreas que antes pertenciam ao Estado e foram doadas devido à pressão social

    dos invasores, formando o espaço suburbano da capital (GONÇALVES, 2002, p. 69-70).

    Estando entre as primeiras áreas de ocupação de população de baixa renda na capital. Essas

    áreas localizavam-se nas regiões que correspondem atualmente parte da Vila Nova, Nova Vila

    e Setor Leste Universitário; parte do Setor dos Funcionários e parte do Setor Centro-Oeste; e

     parte do Setor Pedro Ludovico, respectivamente.

    Essa ocupação desregular do terreno goianiense se deve, em parte, ao fato de que a

    região central de Goiânia rapidamente se valorizou, sobretudo nas décadas de 1940 e 1950,

    assim como a região de Campinas e demais áreas que receberam alguma infraestrutura e os

     prédios administrativos. Como grande parte da população não tinha condições de adquirir um

    lote na região central, deslocaram-se para os limites do espaço urbano, ocupando áreas ainda

    não interessadas para o Estado e para o capital privado.

    Até o ano de 1945, a urbanização de Goiânia promovida pelo estado seguiu aconcepção original de seu plano urbanístico, a partir de então observa-se uma maior

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     penetração dos empreendedores imobiliários. Os altos custos na abertura de novos bairros e a

     pressão do mercado mobiliário fizeram com que o estado “aceita-se” uma maior participação

    da iniciativa privada no processo de produção do espaço urbano. Deve ser ressaltado que a

    alteração no cenário político contribui para essa maior abertura do capital privado na

     produção do espaço urbano. No ano de 1945, com o fim do governo de Pedro Ludovico

    Teixeira, assume o controle do estado o engenheiro Jerônimo Coimbra Bueno, dos irmãos

    Coimbra Bueno, encarregados da edificação da capital. 

    De acordo com Gonçalves (2002), na década de 1950 a 1960 a cidade sofreu um surto

    de urbanização, possibilitada pelo Decreto-Lei 574 que aprovou o Código de Edificações de

    Goiânia em 1947, ampliando a área de expansão urbana para o raio de 15 quilômetros a contar

    da Praça Cívica, e pela Lei 176 de 1950, que “[...] revogou a obrigatoriedade de pavimentação

    dos novos loteamentos por parte de quem estivesse parcelando a área [...]” (GONÇALVES,

    2002, p. 113). Essas medidas promovidas pelo Estado favoreceram a expansão de loteamentos

     pela iniciativa privada, com a compra de terra no espaço urbano e sua reserva para

    valorização futura.

    Visconde (2002, p. 37) nos chama a atenção para o fato de que a supressão da

    obrigatoriedade de infraestrutura básica pelo proprietário do terreno para o parcelamento daárea urbana provou “a destruição do espaço urbano e permitiram que os proprietários

    fundiários se beneficiassem por meio da venda de lotes e de toda valorização agregada pelos

    investimentos do Estado na construção da cidade”. O que significou uma expansão urba na

    acelerada, à medida que a população aumentava.

    Tabela 1 –  População de Goiânia, Goiás e Centro-Oeste (1940 -1960)

    Recorte 1940 1950 1960

    Goiânia 48.166 53.389 153.505

    Goiás 662.018 996.279 1.615.162

    Centro-Oeste 900.658 1.518.323 2.667.166

    Fonte: IBGE - Centro Demográfico 1940, 1950 e 1960

    Conforme observamos na tabela 1, entre 1940 a 1960 a população no município de

    Goiânia triplicou. Esse incremento populacional é percebido em todo o Centro-Oeste, sendo

    os reflexos diretos da “marcha para o oeste”. Segundo Chaveiro (2001), além do aumento de

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    moradores, esse período foi marcado por uma transformação da estrutura populacional da

    cidade que passou de 51,4% urbana em 1950, para 70,6% urbana em 1960, destacando como

    efeito dessa transformação a atração de migrantes devida:

    A primeira etapa da Marcha para Oeste, consolidando a ocupação agrícola eaproveitando os recursos oferecidos pela nova capital com os meios de escoamentoda produção, as terras férteis de sua adjacência e juntando-se a construção deBrasília e, posteriormente com a construção da BR 153 que atravessa o Estado desdeo Sul, na fronteira com Minas Gerais até o Norte [...] (CHAVEIRO, 2001, 149).

    Para Chaveiro (2001), a modernização do campo teve grande impacto demográfico na

    capital goiana, à medida que o camponês desapropriado migrou para a cidade em busca de

    novas oportunidades. Compartilhando da concepção de Santos (1993, p. 10) a respeito da

    relação entre a urbanização e modernização do campo em que,

    [...] o processo brasileiro de urbanização revela uma crescente associação com o da pobreza, cujo locus passa a ser, cada vez mais, a cidade sobretudo a grande cidade.O campo brasileiro moderno repele os pobres, e os trabalhadores da agriculturacapitalizada vivem cada vez mais nos espaços urbanos.

    Em Goiânia, esse aumento populacional intensificou a procura de lotes, contribuindo

     para a elevação do preço do solo urbano. Nesse período, de acordo com Gomes & Teixeira

     Neto (1993), a ocupação do espoco urbano goiano obedecia á mesma lógica de segregação

    espacial presente nas cidades atuais. Por meio de uma análise superficial do espaço urbano da

    capital, esses autores constatam que em Goiânia,

    [...] ao redor Praça do Bandeirante fica o centro comercial e financeiro; mais longe,estão os bairros burgueses e ricos: mais distante, ainda, brotam e multiplicam-se os

     bairros e conjuntos populares, formando a periferia urbana (GOMES & TEIXEIRA NETO, 1993, p. 69).

     Na década de 1960 observamos outro tipo de segregação, ocasionado peloencarecimento do terreno já ocupados, acompanhado da cobrança de taxas pela prefeitura.

    Resultando na segregação espacial de moradores que não conseguiram acompanha a elevação

    dos preços das taxas cobradas, para regiões mais distantes. Conforme ocorreu no Setor Sul,

    A partir da segunda metade da década [1960], iniciou-se um processo de segregaçãoespacial e de valorização dos terrenos, que começaram a ser ocupados por pessoasde melhor poder aquisitivo, principalmente por profissionais liberais, médicos eadvogados, ou ainda por funcionários públicos e fazendeiros. Muitos dos primeirosmoradores acabaram se mudando para outros setores compatíveis com a sua

    condição econômica, quando a prefeitura municipal institui uma taxa para asfaltar o bairro (GONÇALVES, 2002, p. 84).

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    Essa valorização dos terrenos deve-se ao estabelecimento de fatores relacionados ao

    aumento da qualidade de vida da população residente, decorrente do investimento em

    infraestrutura, criação de áreas de lazer, acessibilidade, oferta de serviços públicos e pontos

    comerciais, entre outros. A população que não consegue acompanhar o aumento das taxas por

    ocupar um espaço urbano com melhor infraestrutura é forçada a se desvincularem do lugar no

    qual mantinham como moradia e a procurar áreas compatíveis com seu poder aquisitivo.

    Com o início do regime militar em 1964, observa-se uma aparente união entre o poder

     público federal e o estadual, como agentes de produção do espaço urbano de Goiânia.

    Segundo Gomes (2005), o que tínhamos era uma exigência do governo federal de elaboração

    de planos de desenvolvimento pelos municípios para a concessão de recursos, devido à

     preocupação do Estado em controlar seu espaço interno por meio da disciplina.

    Conforme Gomes (2005, p. 46) aponta, é nesse período de ditadura militar que a

    capital do estado cria em 1965 a Companhia de Habitação Popular do Município de Goiânia,

    com o intuito de captar recursos do Banco Nacional de Habitação (BNH). Essas medidas

    visavam prover moradias, em áreas afastadas do núcleo urbano, para a população com menor

     poder aquisitivo. Conforme verificamos a partir da leitura de Gonçalves (2002, p. 84),

    A Vila Redenção foi o primeiro deles, junto às terras de Lourival Louza, na regiãoLeste. O jornal Cinco de Março de 24 de outubro de 1966 estampava imagens da

     primeira etapa de 500 casas a ser entregue „às margens da BR -14‟, destinadas a „500famílias faveladas‟. 

     Na prática, as políticas habitacionais da década de 1960 a 1970 resultaram em uma

    maior segregação espacial implantada pelo Estado, decorrente da implantação de conjuntos

    habitacionais nos limites da cidade por meio do Banco Nacional de Habitação (BNH). Locais

    que desfrutavam de pouca infraestrutra e improvisadas áreas de lazer.

    Lefebvre nos chama a atenção para o fato de que as políticas habitacionais promovidas

     pelo Estado à população pobre não tem o mesmo cuidado urbanístico que as zonas

    determinadas às famílias de classe média e alta,

    [...] não é um pensamento urbanístico que dirige as iniciativas dos organismos públicos e semipúblicos, é simplesmente o projeto de fornecer moradias o maisrápido possível pelo menor custo possível. Os novos conjuntos serão marcados poruma característica funcional e abstrata: o conceito do habitat levado à sua forma

     pura pela burocracia estatal (LEFEBVRE, 2008, p. 26) 

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    O Estado atendeu a população de baixa renda, sobre pressão social, na garantia básica

    da moradia, ou seja, a casa. Os mesmo cuidados com infraestrutura promovidos para a

     população de classe alta não foram observados.

    O Plano de Desenvolvimento Integrado (PDIG), no inicio da década de 1970, alterou a

    forma de ocupação do solo. Destaca-se nesse sentido a aprovação da Lei n.º 4.526, de 31 de

    dezembro de 1971 que impedia o parcelamento do solo urbano para fins de loteamento sem

    infraestrutura básica (pavimentação, água e iluminação pública). Segundo Visconde (2002),

    essa lei municipal, reduziu o número de novos loteamentos em Goiânia e intensificou a

    abertura de lotes nos municípios limítrofes,

    A partir de 1975, a expansão da cidade de Goiânia ultrapassou seus limitesmunicipais, intensificando o processo de parcelamento e ocupação do solo,

     principalmente nos municípios de Aparecida de Goiânia e Trindade (VISCONDE,2002, p. 41)

    Os municípios vizinhos à capital goiana tornaram-se uma opção de parcelamento

    menos onerosa para os agentes imobiliários, em virtude da menor exigência da prefeitura

    desses municípios e da própria população a ser atendida, que visavam lotes de menor valor do

    que os encontrados em Goiânia, no que viria constituir o espaço Metropolitano de Goiânia.

    De acordo com Pádua (2007, p. 640),

    A formação do espaço Metropolitano de Goiânia é fruto de um processo deocupação da região centro-oeste [...]. Esse povoamento aconteceu de formacrescente, em 1935 com a construção de Goiânia, e em 1956 com a Nova Capital doBrasil e principalmente em 1970, com a forte presença da agroindústria e comgrandes criadores de gado e de soja. Também em função da ótica do setorimobiliário, que obrigou os empresários do ramo, a promoverem parcelamento deterras dos municípios vizinhos com preços e prazos acessíveis, assim o fluxoimigratório para o entorno de Goiânia cresceu de forma assustadora, proporcionandouma taxa de crescimento acima do esperado a qual deveria ser minimizada pelogoverno em uma gestão.

     No final da década de 1970, e, sobretudo, na década de 1980, a cidade passa a exerce

    forte polarização sobre seus municípios vizinhos e adjacentes. Havendo uma mobilidade da

     população residente nos municípios vizinhos para a cidade de Goiânia em busca de trabalho e

    serviços, o que se intensificaria na década de 1990, conforme Moysés (2005) nos apresenta.

    Ao mesmo tempo em que sua expansão urbana, principalmente na direção sul, e o

     parcelamento nos municípios limítrofes de áreas adjacentes à capital, destacando-se os

    loteamentos em Aparecida de Goiânia, levaram ao aparecimento do fenômeno de conurbação

    urbana –  inicialmente entre Aparecida e Goiânia.

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    Esses acontecimentos induziram em 27 de novembro de 1980 a criação da Lei n.º

    8.956, de regulamentação do Aglomerado Urbano de Goiânia (AGLUG), com base no critério

    de contiguidade territorial. Nessa época o Aglomerado Urbano era formado pelos municípios

    de Aparecida de Goiânia, Aragoiânia, Bela Vista de Goiás, Goianápolis, Goiânia, Goianira,

    Guapó, Leopoldo de Bulhões, Nerópolis e Trindade (PIDIG, 2002). 

    Conforme dados censitários do IBGE, nos anos de 1980, o crescimento populacional

    da cidade saltou de 363 mil, em 1970, para 703 mil, em 1980, impulsionada a expansão

    urbana que volta a ser intensificada e o solo urbano adquirem maior valor de troca. De acordo

    com Moysés, essa década vai ser marcada pelos processos de parcelamento do solo em zona

    rural para atender a pressão de famílias de baixa renda, principalmente na região Noroeste

    (MOYSÉS, 2005). Ao mesmo tempo, ocorre a verticalização das centralidades da cidade em

    aproveitamento do espaço urbano. Segundo Gomes (2005), contribui para isso o fluxo

    migratório proveniente do Norte e Nordeste brasileiro, principalmente do Maranhão e do

    recém formado estado do Tocantins (1988).

     Nesse período o processo de segunda migração foi intensificado. Muitas pessoas que

    haviam sido atraídas pelas perspectivas de morar na capital ao se deparar com as dificuldades

     –  sobretudo financeiras de adquirir uma residência em Goiânia  – , acabaram sendo forçadas a procurar por um lar nos municípios vizinhos, sobretudo, na cidade de Aparecida de Goiânia

    que cresceu às margens da capital. Segundo dados censitários do IBGE, esse município saltou

    de um contingente populacional de 20,7 mil, em 1980, para 175 mil habitantes, em 1990,

    significando um crescimento de 88,2 % em uma década (IBGE, 2011).

    Conforme Santos (1987, p. 113),

    A localização das pessoas no território é, na maioria das vezes, produto de uma

    combinação entre força de mercado e decisões de governo. Como o resultado éindependente da vontade dos indivíduos atingidos, freqüentemente se fala demigrações forçadas [...]. Muitas destas contribuem para aumentar a pobreza e não

     par a suprimir ou atenuar.

     No caso de Goiânia, observamos que o processo de segunda migração significou para

    a capital compartilhar o problema da moradia da população de baixa renda, incluindo

    trabalhadores com menor qualificação, com seus municípios vizinhos. A partir da década de

    1990, a capital goiana se consolida como metrópole regional, com a Lei n.º 27 de 30 de

    dezembro de 1999 que regulamenta a Região Metropolitana de Goiânia (RMG).

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    Figura 1: Localização de Goiânia com os demais municípios que compõem a RegiãoMetropolitana de Goiânia.

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    A RMG incorporou quase todos os municípios que constituíam o Aglomerado Urbano

    de 1980 –  com exceção dos municípios de Bela Vista de Goiás e Guapó – , mais os municípios

    de Abadia de Goiás, Hidrolândia, Santo Antônio de Goiás e Senador Canedo (criado em

    1988).6 

    Conforme Pádua (2007, p. 639-640), essa Lei de 1999, aprovada pela Assembléia

    Legislativa estadual que autorizou o governo do estado a

    [...] criar o Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Goiânia, aSecretaria Executiva e o Fundo de Desenvolvimento Metropolitano de Goiânia.Tendo um papel não só econômico como também abrigam a problemática da

     população integrada e não integrada ao processo de crescimento.

    De fato, essa medida legislativa significou o reconhecimento pelo poder público da

    integração de Goiânia com seus municípios vizinhos. Uma vez que, a forma como ocorreu o

     processo de urbanização de Goiânia e de suas cidades vizinhas favorecem a conurbação

    destes. Conforme pode ser verificado na Figura 2.

    Mais recentemente, observamos um processo de autosegregação de pessoas com

    elevado poder aquisitivo nos condomínios fechados localizados na periferia do espaço urbano.

    Conforme Silveira (2003, p. 37),

    A produção da periferia urbana, enquanto áreas localizadas junto aos limites do perímetro urbano, caracterizadas como áreas de expansão da cidade e que englobamtanto uma população de alta quanto uma de baixa renda, é um exemplo sintomáticoe recorrente desse processo de reprodução da sociedade nos marcos e segundo alógica capitalista do processo de (re)produção do espaço urbano.

    A periferia deixar de ser essencialmente o lugar do pobre, abrigando diferentes classes,

    mas em condições e ambientes distintos. Nesse processo a segregação se reafirma,

    evidenciando mais do que nunca o contraste da sociedade capitalista.

    A análise do processo de segregação urbana em Goiânia demonstra a participação dos

    três agentes encarregados da produção do espaço: o Estado (com maior participação na

    organização do espaço urbano), o capital imobiliário (por meio da especulação e parcelamento

    descontinuo) e os grupos sociais urbanos (com a ocupação e pressão sobre o poder público),

    Essa situação está em conformidade com as análises de Gomes (2005) e Paula (2003).

    6 Atualmente a RMG engloba vinte municípios, contando com a capital, sendo eles: Abadia de Goiás, Aparecidade Goiânia, Aragoiânia, Bela Vista de Goiás, Bonfinópolis, Brazabrantes, Caldazinha, Caturaí, Goianápolis,Goiânia, Goianira, Guapó, Hidrolândia, Inhumas, Nerópolis, Nova Veneza, Santo Antônio de Goiás, SenadorCanedo, Terezópolis de Goiás, Trindade.

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    Figura 2: Perímetro urbano da Região Metropolitana de Goiânia. 

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    A partir da observação da atuação do Estado, Gomes (2005, p. 29) destaca que:

    O espaço urbano produzido por este agente em distintas áreas da cidade não é omesmo, e realmente, não deveria ser. Seu envolvimento com determinada classesocial faz com que um produto de toda a sociedade, o espaço, seja „dividido‟ demaneira injusta no sentido de não privilegiar aqueles que mais necessitariam e simem atender pressões dos que têm mais força (muitas vezes a econômica é a

     preponderante).

    O que nos leva a dizer que o Estado é um dos responsáveis pela segregação ao dividir

    o espaço conforme diferentes classes, atendendo demandas de uma minoria por meio da

    legislação, zoneamento e investimento desigual em infraestrutura pelos bairros da cidade.

    Os outros dois agentes responsáveis, o capital imobiliário e os grupos sociais urbanos

    (incluídos e excluídos), atuam em conformidade com os interesses próprios. Segundo Paula, o

    mercado imobiliário contribui para a fragmentação do terreno urbano à medida que intensifica

    o parcelamento descontínuo deste em loteamentos para serem comercializados, enquanto que

    os grupos sociais agem demandando solo urbano para residirem, ou mesmo, por meio da

    apoderação do espaço urbano pela ocupação irregular (PAULA, 2003).

    Há que se considerar, ainda, o fato de que o capital imobiliário, em muitas situações,

    age em estreita associação com o Estado, numa relação que por vezes mescla interesses

    escusos, sob a máscara de investimentos em melhorias urbanas, como os parques que têm

     proliferado pela capital na última década, cuja principal finalidade têm sido a própria

    valorização de terrenos sob domínio dos próprios agentes imobiliários.

    De fato, esses agentes agem em conjunto, mas conforme observamos até a década de

    1940 o Estado foi o principal agente de produção do espaço urbano em Goiânia, o que alterou

    a partir da década de 1950, quanto o agente imobiliário passou a ter uma maior atuação.

    Enquanto que os grupos sociais atuam em momentos diversos, intensificando a pressão sobre

    o poder público na década de 1980, reivindicando seu direito básico à moradia.

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    2 METODOLOGIA

     Nossa metodologia fundamenta em uma pesquisa bibliográfica, documental, e pesquisa de campo, com aplicação de entrevistas. Adotando como método de abordagem o

    estruturalista7. Uma vez que partimos da análise das crianças e adolescente em situação de

    risco nas ruas da capital e sua relação com a estrutura social em classes, em que os agentes

     produtores do espaço urbano adotam estratégias de segregação, promovendo locais de

    exclusão. Espaços favoráveis a desestrutura familiar, e ao processo de saída para a rua.

    A pesquisa teve como categorias de análise o espaço geográfico e os conceitos de

    lugar e território. Entendendo o espaço geográfico, na percepção de Santos (1991) como oresultado da relação da sociedade com o meio, tratando-se de um produto social.

    Em relação ao conceito de lugar Carlos (1996, p. 20) nos ensina que

    O lugar é a base da reprodução da vida e pode ser analisado pela tríade habitante-identidade-lugar. A cidade, por exemplo, produz-se e revela-se no plano da vida e doindivíduo. Este plano é aquele do local. As relações que os indivíduos mantêm comos espaços habitados se exprimem todos os dias nos modos do uso, nas condiçõesmais banais, no secundário, no acidental.

    O que nos leva a identificar a relação desses meninos com o lugar ocupado por eles, o

    vinculo com o lugar e qual o sentido que esse espaço adquire. Caso se trata de um vinculo

    simbólico, afetivo ou meramente funcional.

    Para tratar do conceito de território, optamos pela abordagem complementar de dois

    autores (Haesbaert, 2009; Souza, 1995), nos pontos em que suas concepções se aproximam da

    compreensão que temos do território dos meninos de rua como um espaço de possessão frágil,

    descontínuo e variável. Para Souza, os “territórios descontínuos” não possuem contigüidade

    espacial, são “constituídos de redes”, diferindo dos territórios em sentido usual que remete a

    contiguidade espacial (SOUZA, 1995). De acordo com Haesbaert (2009), os territórios-rede

    são descontínuos, dinâmicos e suscetíveis facilmente a sobreposição.

    A pesquisa bibliográfica –  baseada em literatura da Geografia Urbana, Antropologia e

    Sociologia –  nos permitiu levantar conceitos empregados no trabalho e averiguação estudos

    7 Segundo Marconi e Lakatos, o método estruturalista  –  desenvolvido por Lévi-Strauss – , parte da investigaçãode um fenômeno concreto, passando em um segundo momento para o nível abstrato em que se constr ói “um

    modelo representativo do objeto de estudo”, propiciando sua inteligibilidade, e retorna ao concreto com “umarealidade estruturada e relacionada com a experiência do sujeito social”, para explicar a totalidade do fenômeno,em que se analisa a relação entre os elementos que compõe o objeto de estudo (MARCONI & LAKATOS, 2010,

     p. 95-96).

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    que tenha como temática a população de rua, assim como referenciais sobre a produção do

    espaço urbano de Goiânia e a criação de alguns de seus bairros.

    A pesquisa documental teve como principal instrumento de análise os registros de

    crianças e adolescentes existentes na Instituição SOS Criança, na qual tivemos acesso ao

    Livro de Registro de Crianças e Adolescentes de Goiânia, Caderno de Entrada e Saída das

    Crianças e Adolescentes e aos Prontuários com o histórico e quadro de evolução daqueles que

     já passaram pela Instituição8. Esses dados de grande valia nos permitiram produzir mapas,

    quadros, tabelas e gráficos estatísticos a respeito da origem dos meninos e meninas e seus

     principais locais de destino.

    A partir do Caderno de Entrada e Saída das Crianças e Adolescentes, conseguimos

    apontar os locais de origem destes para o primeiro semestre de 2011. Para a análise dos

     bairros de Goiânia, com maior participação histórica no caso de crianças e adolescentes em

    situação de risco, utilizamos o Livro de Registro de Crianças e Adolescentes de Goiânia que

    contem os bairros dos meninos e meninas, mantido pela Instituição para entrar em contato

    com a família/responsável na tentativa de reinseri-los no ambiente familiar.

    A análise dos Prontuários  –   composto de relatórios, fichas técnicas e entrevistas

    arquivadas –  nos permitiram conhecer as histórias de vida desses jovens, tanto no ambientefamiliar quanto na rua. O que enriqueceu nosso conhecimento sobre esses meninos e meninas,

    servindo para apontarmos alguns problemas presentes em suas casas que contribuem no

     processo de saída para a rua. Nos casos citados foram preservados os nomes verdadeiros.

    Outra fonte de dados para o nosso trabalho foi o Instituto Brasileiro de Geografia e

    Estatística  –   IBGE. Com a utilização de dados censitários do período de 1940 a 2010 para

    compor nossa análise sobre a expansão urbana e o crescimento demográfico. Uma vez que

    entendemos que o inchaço das cidades, relacionado à migração de indivíduos de baixa renda,sem políticas direcionadas para atendê-los, contribui para a formação da população de rua.

    8  A instituição criada em 1993 atende crianças e adolescentes em situação de risco nas ruas da capital,oferecendo ajuda para que eles consigam “sair” das ruas. O trabalho, que é mantido pela prefeitura de Goiânia, éfeito por psicólogas, assistentes sociais, pedagogos, e técnicos ocupacionais, entre outros. Estando vinculada aSecretaria Municipal de Assistência Social  –   SEMAS. O trabalho desenvolvido envolve desde orientaçãofamiliar, encaminhamento a tratamento de saúde (clínico, odontológico, psicológico, e de desintoxicação),obtenção de documentos, direcionamento a abrigos e serviços de recuperação/habilitação, profissionalização, àreinserção familiar, conforme cada caso acompanhado.

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    Foto 1: Instituição SOS Criança. Localizada na Rua 238, Quadra 43, Lote 12, Setor Leste

    Universitário, Goiânia (GO). Acervo do autor. Data: 08/12/2011.

    Foto 2: Veículo para abordagem e encaminhamento. Estacionado em frente à Instituição SOS Criança,

    Setor Leste Universitário, Goiânia (GO). Acervo do autor. Data: 08/12/2011.

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    A pesquisa de campo baseou-se na abordagem dos meninos e meninas em situação de

    risco nas ruas de Goiânia. Além de observação dessas crianças e adolescentes. Ressalta-se que

    a primeira abordagem ocorreu no mês de maio de 2010, mediada por Educadores de Rua 9.

     Nesse momento, percebemos a dificuldade de entrevistar as crianças e adolescentes nas ruas,

     pois eles tendem a não responder o questionário de forma adequada.

    Esse problema já havia sido identificado por Fanelon et al., (1992), em uma pesquisa

    sobre meninas de rua em 1986. Conforme a autora nos relata,

    [...] informação muito raramente é obtida por meio do depoimento das própriasmeninas, que omitem ou falseiam dados  –  além da residência, o nome próprio e o

    nome dos pais são, via de regra, trocados  –  com o objetivo, certamente, de preservarsua real identidade e de não envolver famílias e vizinhança nessas situaçõesmarcadamente constrangedoras (FANELON et al., 1992, p. ).

    A maneira que encontramos para remediar essa dificuldade foi à utilização das

    informações registradas na Instituição SOS Criança, conforme especificado anteriormente. E,

    aplicação de entrevistas semi-estruturadas com os próprios Educadores de Rua e demais

     profissionais da assistência social que tem convívio diário com essas crianças e adolescentes.

    De forma que, sem esse apoio da Instituição e de seus funcionários a pesquisa não teria

    acontecido da maneira que foi. O que nos proporcionou uma visão mais holística dofenômeno abordado.

    Ressalta-se que não foram analisadas questões psicológicas. Apesar de reconhecermos

    a sua importância e influência para a ocorrência do fenômeno abordado. Mas, pela dificuldade

    de analisar as causas psicológicas e de mensurá-las, as questões psicológicas tornam-se

    inviáveis para os objetivos propostos e pelos métodos a serem utilizados por este trabalho que

    tem como ciência norteadora a Geografia. Compreendendo este fenômeno como decorrente

    da segregação socioespacial. A abordagem dos fatores psicológicos fica relegada aosespecialistas da área, que terão condições mais adequadas de analisar o fenômeno por esta

    vertente.

    Percebemos que a Geografia tem muito a contribuir para a compreensão do problema

    de crianças em situação de rua nos seguintes aspectos: 1) mapeando o fenômeno

    9 Os Educadores Sociais de Rua são profissionais da assistência social que desenvolvem um trabalho educativo junto às crianças, adolescentes e adultos em situação de rua, sendo uma equipe de abordagem que circulam pelasruas de Goiânia. O trabalho inicia com a aproximação e primeiro contato, seja por “visitas” de rotina a locais

    frequentados por moradores de rua, ou por meio de denúncia por parte da sociedade. Posteriormente, já dentro daInstituição SOS Criança, procede ao levantamento de dados pessoais do individuo e a obtenção de informaçõessobre o histórico deste nas ruas (entrevista), para a realização de estudos sobre a melhor forma reinserção dacriança e do adolescente no convívio familiar/social.

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    (determinando os bairros de maior incidência); 2) apontado fatores socioeconômicos

    envolvidos; e 3) indicando áreas com maior propensão a originar crianças em situação de rua.

    Utilizamos como técnicas de análise a tabulação de dados estatísticos, elaboração de

    quadros, tabelas e gráficos, e a confecção e interpretação de mapas. Com base na utilização de

    Sistema de Informação Geográfica (SIG), tendo como recurso a aplicação do programa de

    elaboração de mapas e análise espacial  –  ArcGis  – , espacializamos os locais de origem dos

    meninos e meninas, em escala nacional e estadual. Para a cidade de Goiânia, produzimos o

    mapa de território descontínuo das crianças e adolescentes que ficam nas ruas.

    Em virtude de aprofundarmos nosso estudo somente na questão da segregação social e

    espacial, reconhecemos que esses mapas servem apenas como apontamento de locais em

     potencial para originar meninos e meninas de rua. Conforme dissemos anteriormente, a

    segregação pode influenciar negativamente na desestrutura familiar –  que possui tanto fatores

    externos como fatores internos  – , agravando os problemas familiares, favorecendo o

    surgimento de ambientes sociais desfavoráveis ao desenvolvimento da criança e do

    adolescente.

    Entre os fatores internos da desestrutura familiar observa-se a violência domestica,

    abandono, carência de alimentos (fome), abuso físico e psicológico, distúrbios mentais, problemas de moradia, e a degradação da qualidade de vida. Enquanto que nos fatores

    externos temos o desemprego (subemprego), problemas com transporte e acesso a serviços de

    saúde e educação, falta de infraestrutura, narcotráfico, migração, estrutura social desigual

    (pobreza), e propriamente a segregação, entre outros fatores.

    Portanto, entendemos que a análise aprofundada desse fator  –   segregação  –   vem a

    contribuir para a compreensão da trajetória dos meninos e meninas que saem para as ruas.

     Não se trata de uma sobreposição e nem de uma situação determinista de causa e efeito, maisum complemento aos estudos já existentes, a partir de um viés geográfico.

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    3 OS LOCAIS DE ONDE SAEM AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES

    Do total de 330 crianças e adolescentes em situação de risco que deram entrada na

    Instituição SOS Criança entre janeiro e junho de 2011, a participação de crianças com idade

    até 13 anos foi de 33%, predominando as crianças com idade entre doze e treze anos (Tabela:

    2). Entre os adolescentes, que representam 64,9% dos menores, predomina os jovens com

    idade entre dezesseis e dezessete anos, sendo que essa faixa etária apresentou 122 casos, ou

    seja, 37% do total de crianças e adolescentes. Em todas as faixas etárias considerada, a

     participação do sexo masculino foi maior que a participação do sexo feminino, com

    ocorrência de 79,1% de meninos e 20,9% de meninas.

    Tabela 2 –  Composição dos menores segundo a faixa etária e o gênero(1º Semestre de 2011)

    Idade Valor Absoluto % Masculino % Feminino %

    Até 10 anos 35 10,6 28 80,0 7 20,0

    De 12 a 13 anos 74 22,4 58 78,4 16 21,6

    De 14 a 15 anos 92 27,9 70 76,1 22 23,9

    De 16 a 17 anos 122 37,0 100 82,0 22 18,0

     Não identificado 7 2,1 5 71,4 2 28,6

    TOTAL 330 100 261 79,1 69 20,9

    Fonte: Instituição SOS Criança. Levantamento realizado em setembro de 2011.