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22 / PLACAR / NOVEMBRO 2011 NOVEMBRO 2011 / PLACAR / 23 aquecimento CONVIVENDO COM PROBLEMA DE SAÚDE DO FILHO HÁ MAIS DE UM ANO, MONTILLO NÃO FOGE DA RAIA EM CAMPO E VIRA EXCEÇÃO À REGRA DO FAMOSO “MIGUÉ” POR BREILLER PIRES Montillo não chega a ser um gê- nio da bola, tal qual era Jobs à fren- te de um computador. Ainda assim, ele é o craque que pode salvar o Cru- zeiro do rebaixamento no Brasilei- rão. O meia tem a velocidade, o dri- ble e o bom passe de um legítimo ca- misa 10 argentino. Contratado na metade da temporada passada, ele fez a equipe celeste galopar no Bra- sileiro, garantindo vaga na Liberta- dores. Mas o que o faz ser admirado por torcedores do Cruzeiro e inclusi- ve do rival Atlético-MG não é exata- mente seu bom futebol. O filho mais novo de Montillo, Santino, de 1 ano, nasceu com sín- drome de Down e sofreu graves com- plicações de saúde em seus primei- ros dias de vida. O jogador ainda atuava pela Universidad de Chile quando o bebê foi submetido a uma delicada cirurgia no intestino. No mesmo período, La U eliminava o Flamengo da Libertadores, com di- reito a golaço de Montillo, que home- nageou o filho com a mensagem “Fuerza Santino” sob a camisa. Em abril deste ano, o caçula do meia precisou ser operado nova- mente, dessa vez no coração. Já em outubro, passou por mais uma cirur- gia no intestino, que complicou seu estado de saúde e obrigou uma nova internação às pressas. Depois de acompanhar o filho na UTI do hospi- tal, Montillo se juntou aos jogadores na concentração para enfrentar o Corinthians no dia seguinte. Jogou 90 minutos, bateu um pênalti, errou e decretou o agravamento da crise cruzeirense com a derrota por 1 x 0. Por trás da desculpa da situação de Santino, o meia poderia se privar da obrigação de bater o pênalti e até, justificadamente, pedir para não atuar. Há um ano, em entrevista à PLACAR, ele explicou por que segue em campo: “Falei com minha esposa que eu não poderia deixar de jogar, pois o futebol é o sustento dos nos- sos filhos”. O profissionalismo e a firmeza de Montillo soam estranhos, ao passo que, hoje em dia, há muito boleiro que prefere aderir ao corpo mole na primeira oportunidade. No Manchester City, Tévez, senta- do no banco de reservas, balançou a cabeça ao chamado do técnico Ro- berto Mancini e negou-se a jogar. O palmeirense Kléber, contrariando a fama de “Gladiador”, desfalcou o ti- me de Felipão por medo dos torcedo- res e foi afastado. Já no Ceará, o ata- cante Marcelo Nicácio pediu para não viajar com a delegação para po- der treinar mais. No fim, acabou acu- sado pela diretoria do clube de só querer jogar em Fortaleza. De fato, Montillo é uma espécie de jogador em extinção. Não se esconde atrás de um drama familiar, a luta do filho para sobreviver, e prova seu ca- ráter. Não se trata de amor à camisa. É amor ao futebol, honra à sua pro- fissão. Embora não seja tão genial quanto Steve Jobs, o perseverante argentino também deixa seu legado nessa sociedade da bola um tanto corroída, com síndrome de boleiros madraços, mimados e oportunistas. o começo de outubro, o mundo moderno, da tecnologia e da inovação, perdeu seu gran- de mentor. Steve Jobs foi vencido por um câncer, mas lutou como pôde. Mesmo aco- metido pela doença, não deixou de criar, trabalhou até um dia antes de morrer. Além de seus inúme- ros aparatos eletrônicos, ele deixou um exemplo de entre- ga à profissão. No futebol brasileiro, a história que remete à obstinação do fundador da Apple é a de um argentino. O último dos moicanos N PERSONAGEM DO MÊS NOTÍCIAS E CURIOSIDADES DO FUTEBOL © FOTO FUTURAPRESS Montillo lamenta pênalti perdido contra o Corinthians EDIÇÃO FELIPE ZYLBERSZTAJN / DESIGN ROGÉRIO ANDRADE

Montillo

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Artigo sobre o meia Montillo, do Cruzeiro

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22 / placar / novembro 2011 novembro 2011 / placar / 23

aquecimento

ConvIvenDo Com ProbLemA De SAúDe Do FILHo HÁ

mAIS De um Ano, montillo não Foge DA rAIA em

CAmPo e vIrA eXCeÇão à regrA Do FAmoSo “mIguÉ”

por BrEILLEr pIrES

Montillo não chega a ser um gê-nio da bola, tal qual era Jobs à fren-te de um computador. Ainda assim, ele é o craque que pode salvar o Cru-zeiro do rebaixamento no Brasilei-rão. O meia tem a velocidade, o dri-ble e o bom passe de um legítimo ca-misa 10 argentino. Contratado na metade da temporada passada, ele fez a equipe celeste galopar no Bra-sileiro, garantindo vaga na Liberta-dores. Mas o que o faz ser admirado por torcedores do Cruzeiro e inclusi-ve do rival Atlético-MG não é exata-mente seu bom futebol.

O filho mais novo de Montillo, Santino, de 1 ano, nasceu com sín-drome de Down e sofreu graves com-plicações de saúde em seus primei-ros dias de vida. O jogador ainda

atuava pela Universidad de Chile quando o bebê foi submetido a uma delicada cirurgia no intestino. No mesmo período, La U eliminava o Flamengo da Libertadores, com di-reito a golaço de Montillo, que home-nageou o filho com a mensagem “Fuerza Santino” sob a camisa.

Em abril deste ano, o caçula do meia precisou ser operado nova-mente, dessa vez no coração. Já em outubro, passou por mais uma cirur-gia no intestino, que complicou seu estado de saúde e obrigou uma nova internação às pressas. Depois de acompanhar o filho na UTI do hospi-tal, Montillo se juntou aos jogadores na concentração para enfrentar o Corinthians no dia seguinte. Jogou 90 minutos, bateu um pênalti, errou

e decretou o agravamento da crise cruzeirense com a derrota por 1 x 0.

Por trás da desculpa da situação de Santino, o meia poderia se privar da obrigação de bater o pênalti e até, justificadamente, pedir para não atuar. Há um ano, em entrevista à PLACAR, ele explicou por que segue em campo: “Falei com minha esposa que eu não poderia deixar de jogar, pois o futebol é o sustento dos nos-sos filhos”. O profissionalismo e a firmeza de Montillo soam estranhos, ao passo que, hoje em dia, há muito boleiro que prefere aderir ao corpo mole na primeira oportunidade.

No Manchester City, Tévez, senta-do no banco de reservas, balançou a cabeça ao chamado do técnico Ro-berto Mancini e negou-se a jogar. O palmeirense Kléber, contrariando a fama de “Gladiador”, desfalcou o ti-me de Felipão por medo dos torcedo-res e foi afastado. Já no Ceará, o ata-cante Marcelo Nicácio pediu para não viajar com a delegação para po-der treinar mais. No fim, acabou acu-sado pela diretoria do clube de só querer jogar em Fortaleza.

De fato, Montillo é uma espécie de jogador em extinção. Não se esconde atrás de um drama familiar, a luta do filho para sobreviver, e prova seu ca-ráter. Não se trata de amor à camisa. É amor ao futebol, honra à sua pro-fissão. Embora não seja tão genial quanto Steve Jobs, o perseverante argentino também deixa seu legado nessa sociedade da bola um tanto corroída, com síndrome de boleiros madraços, mimados e oportunistas.

o começo de outubro, o mundo moderno, da

tecnologia e da inovação, perdeu seu gran-

de mentor. Steve Jobs foi vencido por um

câncer, mas lutou como pôde. Mesmo aco-

metido pela doença, não deixou de criar,

trabalhou até um dia antes de morrer. Além de seus inúme-

ros aparatos eletrônicos, ele deixou um exemplo de entre-

ga à profissão. No futebol brasileiro, a história que remete

à obstinação do fundador da Apple é a de um argentino.

O último dos moicanos

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personagem do mês

n o t í c i a s e c u r i o s i d a d e s d o f u t e b o l

© foto futurapress

Montillo lamenta

pênalti perdido

contra o Corinthians

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