Música em musicoterapia na abordagem músico-centrada: · PDF fileAnais do SIMCAM4 – IV Simpósio de Cognição e Artes Musicais — maio 2008 e Teoria da Música para o campo da

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  • Anais do SIMCAM4 IV Simpsio de Cognio e Artes Musicais maio 2008

    Msica em musicoterapia na abordagem msico-centrada:

    uma viso cognitivista

    Clara Mrcia de Freitas Piazzetta

    NEPAM-CNPq

    Vivemos porque conhecemos e conhecemos porque

    vivemos e todo ato de conhecer faz surgir um mundo.

    (Maturana & Varela)

    Resumo: Este ensaio aborda o tema msica em Musicoterapia na viso da Teoria da

    Complexidade. Fundamenta-se na Teoria Msico-Centrada e, a partir do princpio

    musicoteraputico viver na msica reflete a utilizao plena do poder da msica nas

    experincias musicais compartilhadas. Deste modo apresenta as contribuies da aproximao

    entre Teoria da Metfora e Teoria da Msica para o campo da Musicoterapia Msico-centrada.

    Palavras-chave: musicoterapia, teoria da Metfora, musicing, msica em musicoterapia.

    1. Introduo

    Msica uma construo

    exclusiva da mente humana, descrita na

    Teoria da Msica, primeiramente a partir

    de regras e conceitos construdos por

    estudos analticos de obras musicais.

    Estudos filosficos, antropolgicos e

    neurocientficos mais recentes buscam

    responder: para que serve a msica? De

    onde ela surge? Por que o homem precisa

    dela? (Blacking, 1973; Zuckerkandl,

    1973; Zatorre & Peretz, 2001). Assim, h

    uma aproximao entre a Cincia

    Cognitiva e a Teoria da Msica (Saslaw,

    1996; Zbikowiski, 1997, 2002; Brower,

    2000) e esta pode ser entendida tambm,

    ao considerar-se a cultura em que est

    inserida.

    Com isso, a busca por entendimentos

    e compreenses no campo da Msica

    acolhe a relao homem-msica e seu

    campo perceptivo. A mudana de

    paradigma cientfico em andamento

    vem ao encontro dessa demanda, e os

    estudos parecem se aproximar mais do

    campo das relaes homem-msica e

    dos mistrios da msica. Percebe-se que

    as explicaes baseadas na lgica e na

    razo do espao para as descries do

    fenmeno e seu processamento inserido

    em um sistema. As Cincias Cognitivas,

    mais especificamente as denominadas

    embodied mind embasam a crena de

    que o corpo tem um papel importante na

    cognio (Maturana & Varela, 2001;

    Lakoff & Johnson, 1980). Portanto, o

    que se experimenta com a escuta e o fazer

    musical so objetos de estudos da

    Neurocincia (Baeck, 2002; Correa,1999;

    Sacks, 2007). Segundo Sekeff (2002) na

    experincia musical ouve-se um discurso

    do que faz sentido s pessoas, que a

    escuta revela e oculta do inconsciente de

    cada um.

    Na abrangente rea da Musicoterapia,

    definies e conceitos, tambm envolvem

    o campo relacional humano e esto

    diretamente ligados forma que cada

    autor os produz. Contudo, o tema msica

    estudado com mais profundidade nos

    escritos da chamada Musicoterapia

    Msico-Centrada. A teoria dessa

    abordagem, descrita por Aigen (2005),

    coloca a Msica, considerando-se a

    relao do cliente com ela, como

    elemento principal no tratamento e, desta

    forma, aproximando-se dos conceitos e

    teorias da Cincia Cognitiva, aplicados

    Teoria da Msica.

    Esse texto tem por objetivos:

    apresentar e refletir o tema msica em

    Musicoterapia luz da teoria da

    Complexidade; apresentar as contribuies

    da aproximao entre Teoria da Metfora

  • Anais do SIMCAM4 IV Simpsio de Cognio e Artes Musicais maio 2008

    e Teoria da Msica para o campo da

    Musicoterapia Msico-Centrada.

    Com isso traz alguns aspectos

    dessa abordagem que so pouco

    difundidos no Brasil. No busca a

    verdade sobre msica em Musicoterapia,

    mas sim, possibilita estar em um

    caminho que se revela ao caminhante no

    momento da caminhada por, afastar-se

    do campo de significados representados e

    aprofundar-se do ambiente de interaes e

    relaes consensuais. Os sentidos e

    significados da experincia musical so

    nicos para cada pessoa e emergem junto

    com a experincia. O ambiente nesse

    trabalho de musicalidades em ao

    onde, mente e corpo, personalidade e

    musicalidade, esto integrados. Fazer

    msica faz bem s pessoas pelo simples

    fato de ser msica e pelo que podem

    aprender, delas mesmas, nessa experincia

    (Elliott, 1995).

    2. Musicoterapia msico-centrada

    A prtica cientfica da

    Musicoterapia iniciou-se em meados do

    sculo XX e o IX Congresso Mundial de

    Musicoterapia (Washington, 1999)

    reconheceu cinco modelos tericos:

    Modelo Nordoff Robbins ou de

    Musicoterapia Criativa e Improvisacional;

    Modelo GIM (Guided Imaginery and

    Music); Modelo de Musicoterapia

    Analtica; Modelo Benenzon; Modelo de

    Musicoterapia Behaviorista (Shapira,

    2002, p. 11).

    Desses cinco, o Modelo Nordoff

    Robbins e Modelo GIM tm por base o

    questionamento1: O que nico sobre

    a experincia com msica que a torna

    importante para a terapia? (Brandalise,

    2001, p. 28). O termo musicoterapia

    msico-centrada associado aos conceitos

    1 Estas inquietaes levaram organizao do

    Second World Symposium on Music Therapy,

    com o tema: Music in the life of Man realizado

    na New York University em 1982. Esse evento

    um marco no desenvolvimento da Musicoterapia

    Mundial.

    apresentados nas abordagens Nordoff

    Robbins e GIM uma sugesto da Mt.

    Brbara Hesser. Sua inteno era

    apresentar elementos que ampliassem a

    viso de Msica em Musicoterapia

    presente nas demais abordagens, ou

    seja, uma ferramenta no auxlio

    contemplao de objetivos da terapia.

    A manuteno do termo propunha-se a

    focar a ateno no porqu e no como

    poderia se pensar e utilizar o poder da

    msica, em sua capacidade plena, no

    trabalho. [...] chamar nossa ateno para

    a funo central da msica no

    tratamento musicoterpico (Hesser,

    apud Brandalise, 2003, p. 12).

    O livro Musicoterapia Msico-

    Centrada (Brandalise, 2001) apresenta

    uma proposta de sistematizao desse

    modelo e Music-centedered Music

    Therapy (Aigen, 2005) traz as bases

    filosficas e tericas da Msica como

    fundamentaes para uma teoria da

    Musicoterapia.

    Nessa abordagem o processo

    musicoteraputico ocorre com o

    equilbrio dos trs elementos: o cliente,

    o terapeuta e a msica. O princpio que

    move esse sistema a experincia de

    estar na msica, (living in the music)

    terapeuta e paciente vivendo/sendo da

    forma mais intensa possvel suas

    Experincias Criativas na Msica

    (Brandalise, 2003, p. 20).

    O ponto de partida dessa

    abordagem so os trabalhos de Nordoff

    & Robbins. Aigen (2005) agrega os

    conceitos de musicing e teoria da

    Metfora aos j existentes: music child2

    que denota uma organizao da

    capacidade receptiva, expressiva e

    cognitiva da criana que pode tornar-se

    2 Esta abordagem desenvolveu-se como o

    trabalho musicoteraputico voltado clientela

    de crianas autistas em meados de 1970. Este

    conceito music child entendido, hoje,

    relacionado musicalidade do ser humano como

    um todo, independente de idade cronolgica. So

    aspectos cognitivos e emocionais saudveis de

    cada pessoa diretamente relacionada relao

    homem-msica.

  • Anais do SIMCAM4 IV Simpsio de Cognio e Artes Musicais maio 2008

    fundamental na organizao da

    personalidade; conditional child que diz

    respeito s condies de ao e integrao

    do cliente; clinical musicianship sendo o

    processo de formao musical/musicoteraputica

    do profissional (Nordoff Robbins, 1977;

    Turry, 2001). Os aportes filosficos:

    notas musicais so condutores de fora.

    Escutar msica significa escutar uma

    ao de foras (Zuckerkandl, 1973, p.

    22), tambm delimitam Msica em

    Musicoterapia.

    Aigen (2005) traz, a partir da

    nova Musicologia, o conceito de

    Musicing: msica integra a vida

    cotidiana das pessoas e seus afazeres.

    Desta forma, a palavra msica passa a

    ser classificada como um verbo, uma

    ao, ao invs de um substantivo, um

    objeto. Com isso busca elementos que

    fundamentam este princpio living in the

    music. Musicing na dimenso da

    performance musical uma forma

    particular de ao humana intencional

    que favorece o auto-conhecimento

    (Elliott, apud Aigen, 2005, p. 65) e o

    trabalho de Lakoff e Johnson (1980),

    aplicado Teoria da Msica por

    Zbikowski (1998, 2002) e Saslaw (1996)

    complementam a fundamentao terica

    da viso de Msica em Musicoterapia

    defendida neste princpio de viver na

    msica.

    2.1. Msica em Musicoterapia neste

    tempo da Complexidade

    O objetivo primrio da

    Musicoterapia acontece no campo da

    Msica e Sade, numa construo

    transdisciplinar entre Arte, Cincia e

    Sade. Portanto, trabalha-se no apenas

    a msica, mas a experincia musical

    compartilhada (Bruscia, 2000) e por

    esta especificidade, a viso da funo da

    msica para o ser humano pode ser

    ampliada.

    As reflexes quanto aos

    entendimentos do tema, msica em

    Musicoterapia e suas semelhanas e

    diferenas com o entendimento de

    msica na Msica, acontecem neste

    tempo