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nova Economia_Belo Horizonte_16 (1)_139-172_janeiro-abril de 2006 Mudanças no padrão de uso da mão-de-obra no Brasil entre 1949 e 2010 Duilio de Avila Bêrni Professor do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Resumo A evolução do emprego setorial no Brasil entre 1949 e 2010 foi estudada por meio da análise estrutural por decomposições do modelo de insumo-produto. Utilizaram-se cifras convencionais das matrizes decenais de 1959/2000 e valores referentes a 1949 e 2010, estes últimos obtidos com a aplicação do Método Delphi. Identificando como se- tor virtuoso aquele cuja produtividade do trabalho eleva-se simultaneamente ao cresci- mento do emprego, apenas a transformação de bens de produção e os serviços foram as- sim classificados, sob a perspectiva de todo o período estudado. Para os subperíodos, verificou-se a ocorrência dessa virtuosidade setorial em alguns casos, concentrada prin- cipalmente nos anos de 1949 a 1970. No pe- ríodo 1970-1980, nenhum setor exibiu si- multaneamente os atributos do crescimento simultâneo do emprego e da produtividade do trabalho. Abstract This article examines the evolution of sectoral employment in Brazil between 1949 and 2010, using structural decomposition analysis of the input-output model. The data base was selected from the decennial matrices for the 1959/2000 period and from figures referring to 1949 and 2010; these were obtained using the Delphi Method. Those sectors in which labour productivity rose simultaneously with employment increases were defined as virtuous sectors. The only sectors that fit this description for the entire period were the manufacturing of capital goods and services. Virtuosity was observed in a number of cases over the sub-periods, however, mainly concentrated between 1949 and 1970. However, between 1970 and 1980, simultaneous growth in employment and in labour productivity was not observed in any sector. Palavras-chave emprego, matriz de insumo-produto, análise estrutural por decomposição, setores virtuosos. Classificação JEL C67, J21. Key words employment, input-output matrix, structural decomposition analysis, virtuous sectors. JEL Classification C67, J21.

Mudanças no padrão de uso da mão-de-obra no Brasil entre ... · que também essa cifra seja vigorosa, ela dobra a disponibilidade de produto por trabalhador (remunerado ou não)

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Mudanças no padrão de uso damão-de-obra no Brasil entre 1949 e 2010

Duilio de Avila BêrniProfessor do Departamento de Economia da

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

ResumoA evolução do emprego setorial no Brasilentre 1949 e 2010 foi estudada por meioda análise estrutural por decomposições domodelo de insumo-produto. Utilizaram-secifras convencionais das matrizes decenaisde 1959/2000 e valores referentes a 1949 e2010, estes últimos obtidos com a aplicaçãodo Método Delphi. Identificando como se-tor virtuoso aquele cuja produtividade dotrabalho eleva-se simultaneamente ao cresci-mento do emprego, apenas a transformaçãode bens de produção e os serviços foram as-sim classificados, sob a perspectiva de todoo período estudado. Para os subperíodos,verificou-se a ocorrência dessa virtuosidadesetorial em alguns casos, concentrada prin-cipalmente nos anos de 1949 a 1970. No pe-ríodo 1970-1980, nenhum setor exibiu si-multaneamente os atributos do crescimentosimultâneo do emprego e da produtividadedo trabalho.

AbstractThis article examines the evolution of sectoral

employment in Brazil between 1949 and 2010,

using structural decomposition analysis of the

input-output model. The data base was selected

from the decennial matrices for the 1959/2000

period and from figures referring to 1949 and

2010; these were obtained using the Delphi

Method. Those sectors in which labour

productivity rose simultaneously with

employment increases were defined as virtuous

sectors. The only sectors that fit this description

for the entire period were the manufacturing of

capital goods and services. Virtuosity was

observed in a number of cases over the

sub-periods, however, mainly concentrated

between 1949 and 1970. However, between

1970 and 1980, simultaneous growth in

employment and in labour productivity was not

observed in any sector.

Palavras-chaveemprego, matriz deinsumo-produto, análiseestrutural por decomposição,setores virtuosos.

Classificação JEL C67, J21.

Key wordsemployment, input-output

matrix, structural

decomposition analysis,

virtuous sectors.

JEL Classification C67, J21.

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1_ IntroduçãoUm sistema econômico é constituído porum número expressivo de engrenagenscolocadas em movimento pelo binômiomão-cérebro humanos. A partir do cére-bro, é concebida a ferramenta ou máqui-na cujas engrenagens serão desenhadas/concretizadas pela mão humana. Guiadopor um cérebro que lhe dá consciência dailimitabilidade de suas necessidades, oser humano dedica boa parte do tempode sua existência à produção de bens eserviços destinados a satisfazê-las. Cres-centemente apoiadas em maiores con-tingentes de máquinas e equipamentos, adivisão e a especialização do trabalho au-mentam a produtividade, ou seja, redu-zem os requisitos destinados à produçãode um mesmo volume de bens e servi-ços. Nas sociedades cujas economias seexpandiram em escala ampliada, a cria-ção de produtos engendrou e disseminoua troca, deslocando o trabalho individualpara a esfera do trabalho social.

Assim, duas forças antagônicas dãoritmo à utilização do trabalho humano.Por um lado, o aumento da produtivida-de reduz o emprego de mão-de-obra; poroutro, o desejo de ver atendidos crescen-tes montantes de necessidades requer re-novadas formas de transformar a nature-za. A produção e o consumo de bens e

serviços colocam em movimento as en-grenagens societárias vinculadas à troca.Essa apresenta dois requisitos fundamen-tais, quais sejam: a coincidência dos dese-jos entre fornecedor e adquirente e a exis-tência de uma contabilidade que permitavalorar os objetos trocados.

Ainda que o trabalho social apre-sente o valor de uso, o valor de troca e ovalor1 como suas três dimensões, o mer-cado não as avalia diretamente. Cada umadelas recebe correspondência com umcircuito de mensuração específico. Os va-lores de uso são medidos por meio da pró-pria quantidade das mercadorias. Os va-lores de troca são medidos pelos preços,sendo o valor das mercadorias medidopor meio do montante de horas de traba-lho socialmente necessário à produção.

O cultivo das analogias entre astrês dimensões do trabalho social e o mo-delo de insumo-produto permite que seidentifique seu primeiro circuito de men-suração por meio da tradicional formu-lação feita por Leontief. O segundo deri-va-se do sistema de preços, ao passo queo terceiro resulta da consideração de queo vetor de quantidades das diferentesmercadorias produzidas pelo sistema,quando transformado pela matriz inver-sa de Leontief e pela normalização ade-quada, permite o conhecimento de seu

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1 Interessando-se porobter mais detalhes, o leitorpoderá consultar Bêrni (1995,2003b) e, particularmente,Bródy (1970).

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correspondente vetor de valores. Dessemodo, exibindo correspondência con-ceitual criada pelo modelo de insumo-produto, o volume de horas de trabalhosocial destinado à produção de mercado-rias é aproximado empiricamente pelavariável emprego.

As questões tangenciadas no pre-sente artigo situam-se dentro desse mar-co de conceitos. Tem-se como objetivousar amplamente as possibilidades ofere-cidas pela moldura teórica do modelo deLeontief, a fim de examinar as mudançasno padrão de uso setorial da mão-de-obra na economia brasileira entre 1949 e2010. Como se sabe, essa economia, nasegunda metade do século XX, experi-mentou a mais extraordinária mudançaestrutural, ainda que se mantendo distantedos países capitalistas avançados. Assim,para estudar tais transformações, apósessa Introdução, discute-se a base de da-dos2 que dá origem ao trabalho empírico,apontando as razões que levam à utiliza-ção do modelo de insumo-produto paraa compreensão de problemas relaciona-dos ao emprego da mão-de-obra.

Em seguida, na seção 3, apresen-ta-se o modelo tradicional de decompo-sição das matrizes de insumo-produto,destacando a inserção de um refinamen-to formal em sua apresentação. A seção 4

estende-se no exame da magnitude dosefeitos produtividade do trabalho, produ-tividade dos insumos e escala da demandafinal apurados para os diferentes subpe-ríodos. Por fim, a Conclusão reúne osprincipais resultados das seções anterio-res, usando o contexto da pesquisa que osoriginou para estabelecer algumas consi-derações que podem contribuir para ori-entar a formulação da política econômica.

2_ Evolução do empregoe do produto

A recente história econômica do Brasilviu a mão-de-obra ocupada, com remu-neração e sem ela, crescer de 15,8 mi-lhões de trabalhadores, em 1949, para64,6 milhões, em 2000. Essa mudançaextraordinária passou a dar mostras deperder ímpeto durante os anos 1980, quan-do a produtividade do trabalho pareceter ingressado num ciclo de movimentoexpansivo.3 Explorando a continuidadeexibida pela Figura 1, pode-se observar otradicional formato de parábola cúbicaque caracteriza a função de produção decurto prazo. Chama a atenção o fato deque, nos anos 1970, o “Milagre Brasilei-ro” fez-se acompanhar de uma inflexãopositiva na taxa de crescimento do em-prego, e os anos 1990 apontam para novaperda de dinamismo.

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2 O Apêndice oferece maisdetalhe sobre essa, que seencontra disponível com oautor, a pedido.3 Feijó e Carvalho (1992)já apontaram para essefenômeno, o qual viria aaprofundar-se durantetoda a década.

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Ainda que, conceitualmente, a Fi-gura 2 não mereça o nome de função deprodução, ela está mostrando a corres-pondência entre os movimentos no em-prego e o nível do valor adicionado noperíodo 1949/2010.4 Contrastando coma evolução observada na série temporaldo emprego, observado em termos con-tínuos, esse diagrama de dispersão mos-tra uma transição do segundo para o ter-ceiro “estágio de produção”, a partir deum índice de emprego ligeiramente infe-rior a 300. A pequena inclinação da curvanesse intervalo ilustra o desempenho nachamada “Década Perdida”, e os anos1990 testemunharam alguma recupera-

ção que promete manter-se durante ohorizonte projetado nesta pesquisa.5

Para todo o período 1949/2010,associando o aumento de quase 350% noemprego com o expressivo aumento dequase 20 vezes no PIB, tem-se cresci-mento médio anual da produtividade dotrabalho da ordem de 2,5% a. a. Aindaque também essa cifra seja vigorosa, eladobra a disponibilidade de produto portrabalhador (remunerado ou não) apenasa cada 29 anos. Ao se iniciar a falar emprodutividade do trabalho, deve-se terpresente que os dados aqui utilizados di-zem respeito à ocupação total da mão-de-obra, conforme se detalha nas ContasNacionais do Brasil, a partir de 1995.

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Figura 1_ Emprego no Brasil, 1949/2010 (106 trabalhadores)

Fonte: Ver Apêndice.

4 O relatório de pesquisa deVasconcellos (2000) descreveos procedimentos deobtenção dos dados de 1949 e2010. Estes últimos tambémpodem ser encontrados emBêrni (2003a).5 Cabe chamar a atenção doleitor para o Apêndice, emque se informa que asmatrizes de 1990 e 2000foram obtidas valendo-se dosdados das Contas Nacionais eda tabela de insumo-produtode 1996. Os dados de 2010resultam do exercício deobtenção de dados por meiodo Método Delphi.

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Portanto, todas as cifras discutidas de-vem ser contextualizadas como exibindoo emprego associado tanto a atividadesremuneradas quanto àquelas não remu-neradas. Claramente, esse vetor de em-prego associa-se aos vetores de quanti-dades e de preços, permitindo que sevisualize a correspondência entre as trêsdimensões do trabalho social e seus trêscircuitos de mensuração.

A Figura 2 coloca os contornos daBig Issue em destaque para o Brasil: comoconciliar contornos de eficiência no usodo fator trabalho, ou seja, crescimento desua produtividade, com maior eqüidade,vale dizer, maiores atividades geradorasde renda primária ou secundária para suapopulação. Em termos de avaliação da

eficiência, o índice de base móvel da Ta-bela 1 mostra ganhos acentuados na maio-ria dos períodos, inclusive o projetadopara 2010. Vê-se, por exemplo, que – en-tre 1949 e 1959 – a produtividade do tra-balho cresceu 25,9% na Agricultura, ouque se espera um crescimento de 51,5%entre 2000 e 2010.

Considerando o sentido simétricoà relação de causalidade da função deprodução, ou seja, atribuindo ao cresci-mento do valor adicionado a capacidadede gerar empregos, a Tabela 1 contribuipara a compreensão dos fenômenos daabsorção de mão-de-obra com distintosníveis de produtividade nos diferentesperíodos em estudo.

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Figura 2_ PIB e emprego no Brasil, 1949/2010

Fonte: Ver Apêndice.

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Sua evolução no período 1949/1959 aponta para um fenômeno interes-sante, no que diz respeito à articulaçãodas partes setoriais no todo: o índice detoda a economia foi maior do que os ín-dices dos três setores que a constituem.6

Esse fenômeno é explicado pela bruscamudança estrutural verificada tanto novalor adicionado quanto no emprego. Mar-cava-se, assim, um ponto crítico de tran-sição do emprego agrícola para o setorurbano, quando as produtividades seto-riais relativas apontaram para acentua-das diferenças.

Os anos 1960, representando a con-solidação da implantação da indústria detransformação de bens de consumo du-rável, a estagnação da economia e o des-pertar para o “Milagre Econômico”, apon-taram para um extraordinário crescimen-to na produtividade do setor industrial,que avançou 61,2% entre 1959 e 1970.Nesse período de virtuosidade, a indús-

tria também foi responsável por grandeexpansão no número absoluto de ocupa-ções, como se depreende pelo exame daFigura 3 adiante exibida. O movimentogeral também foi expressivo, por con-trate ao período seguinte, a “Década Per-dida”, que apontou para uma queda de15% na produtividade do trabalho entre1980 e 1990.

Sob o ponto de vista da eficiência,a elasticidade renda do emprego7 mostraenormes diferenciais. O setor agrícolavem redimindo postos de trabalho desde1970, tendo-se juntado a ele, nos anos1990, o setor industrial. A década corren-te mostra prospectos de uma relação po-sitiva, com um coeficiente de elasticida-de de 0,90, repetindo a média de todo operíodo. Por contraste, a dificuldade noequacionamento do problema da eqüida-de é ilustrada pela maciça presença de re-lações inelásticas para a maioria dos pe-ríodos e setores. De fato, do total de 28

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Tabela 1_ Índice de base móvel da produtividade do trabalho no Brasil, 1949/2010

Setores 1949 1959 1970 1980 1990 2000 2010

Agricultura 100,0 125,9 94,0 191,1 90,6 122,0 151,5

Indústria 100,0 136,7 161,2 79,8 89,5 157,0 102,1

Serviços 100,0 131,4 135,1 78,5 70,3 101,4 135,8

Total 100,0 149,8 157,4 140,5 85,4 119,3 129,6

Fonte: Cálculos do autor com base na informação descrita no Apêndice. 6 Este paradoxo (id est, umaverdade com aparência defalsidade) é facilmenteexplicável. A produtividade dototal da mão-de-obra no anofinal é dada por P Ps s s1 1 1� � �(s = Agricultura, Indústria,Serviços), em que � s1 é aparticipação do setor s noemprego total no ano final, ePs1 é sua produtividade dotrabalho. O índice doquantum da produtividade dotrabalho de todos os setores éP P P Ps s s s s1 0 0 1 1 0/ ( / )� � � � , emque, adicionalmente, � s0 é arazão entre a participação decada setor no total do valoradicionado e suacorrespondente participaçãono emprego no ano inicial.Diferentemente de s s� � , aexpressão s s�� pode assumirvalores diferentes da unidade,explicando o paradoxo.7 Uma resenha dasestimativas deste conceitopara os anos recentes e suaatualização para o início dadécada encontra-se emChahad et al. (2002).

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coeficientes reproduzidos na Tabela 2,apenas oito são maiores do que a unida-de. Em outras palavras, o emprego exi-be relação elástica no que diz respeito àrenda no Brasil apenas como exceção,

tanto em termos de períodos do desen-volvimento econômico nacional quantoda distribuição setorial do emprego damão-de-obra.

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Figura 3_ Emprego Setorial no Brasil, 1949/2010

Fonte: Ver Apêndice.

Tabela 2_ Elasticidade média no arco da relação renda/emprego no Brasil,1949/2010 (�%E/�%Y)

Setores1949/1959

1959/1970

1970/1980

1980/1990

1990/2000

2000/2010

1949/2010

Agricultura 0,49 1,76 -0,33 -0,29 -0,14 -1,27 -0,04

Indústria 0,60 0,54 1,37 1,41 -0,51 0,90 0,89

Serviços 0,68 0,57 1,16 3,91 0,94 0,36 1,02

Total 0,43 0,35 0,61 2,00 0,33 0,27 0,73

Fonte: Cálculos do autor com base na informação descrita no Apêndice.

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Na Agricultura dos anos 1960, pa-rece que o maior aliado do emprego foi aprópria gestação do “Milagre Brasileiro”,uma vez que a produtividade do trabalhocaiu com relação ao início do período. Pa-rece que foi nessa década que a grandetransformação começou a ocorrer no setorrural brasileiro, já que os anos 1970 teste-munharam o record secular da Agriculturacomo setor gerador de emprego. Com efe-ito, em 1980 as estatísticas começaram amostrar queda absoluta no nível de ocupa-ção. Ainda que essa tendência tenha sidorevertida com as estatísticas de 1990, já noano 2000 verificou-se nova queda no em-prego rural, prevendo-se que em 2010 ha-verá menos de 12 milhões de pessoas ocu-padas no setor. Seus ganhos de produtivi-dade é que foram e serão modestos, refor-

çando a interpretação de que a informali-zação das atividades econômicas urbanasteve sua origem na expulsão do homem docampo e na incapacidade de sua absorçãoem setores de alta produtividade real.

Com efeito, os dados da Tabela 3mostram o já citado crescimento do PIBem quase 20 vezes, associando-o ao cresci-mento do uso dos fatores de produção.Em termos de insumos intermediários,8 oPIB perdeu a corrida nos anos do “MilagreBrasileiro”, recuperando-a ligeiramente em1990 e no período das estimativas. Contra-pondo-se ao vigor apresentado por essasduas variações, observa-se o desempenhodo emprego do fator trabalho. Marca tam-bém o contraste com as três colunas anteri-ores da tabela o ritmo da acumulação decapital no Brasil durante todo o período.9

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Tabela 3_ Índices do produto real, utilização de insumos intermediários, emprego, estoque decapital e índice de Törnqvist da produtividade conjunta dos fatores do Brasil, 1949/2010

Períodos IB Insumos Emprego Capital PCF(1)

1949 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

1959 199,0 152,8 132,9 351,1 100,5

1970 396,2 260,7 168,1 816,4 112,6

1980 906,4 995,9 273,8 2.750,0 85,6

1990 1.059,7 1.014,0 374,6 4.516,7 81,6

2000 1.376,6 1.166,2 407,8 5.964,4 90,7

2010 1.962,7 1.519,3 448,6 8.691,9 100,7

Fonte: Ver Apêndice; cálculos do autor.(1) Produtividade conjunta dos fatores: agregação dos índices dos produtos da Agricultura,

Indústria e Serviços e dos índices dos insumos, emprego e estoque de capital pelo critério de Törnqvist.

8 Os insumos intermediáriossão absorvidos nas relaçõesinterindustriais, por contrasteaos insumos primários, quesão adquiridos diretamentedos proprietários dos fatoresde produção ou importadosdo Resto do Mundo. Por fim,os insumos totais contemplamo uso do fator capital, o quedá origem ao conceito deprodutividade total dosfatores. O conceito deprodutividade conjunta aquiutilizado serve-lhe comocorrelato, contendo maiorapelo intuitivo, uma vez quegera um índice de base móvelresultante da média das taxasde crescimento da utilizaçãodos fatores produtivos.9 O estoque de capitalutilizado para o cálculo dessesvalores foi retirado deMarquetti (2000).

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Se capitalismo significa crescenteintensidade de capital por trabalhador, aobservação do crescimento da produtivi-dade conjunta10 dos fatores aponta para anecessidade de se proceder à qualificaçãodos contornos institucionais do Brasil.Mesmo com os altos e baixos no dina-mismo verificado no PIB, no períodoposterior ao “Milagre Brasileiro”, os ín-dices da produtividade conjunta dos fa-tores não alcançaram o patamar galgadoem 1970. Apenas no período das estima-tivas é que essa voltará a alcançar os ní-veis de 1959, com crescimento apenasno ano 2000.

O quadro que se está delineando éo da mais profunda mudança estrutural naeconomia brasileira, com a troca de posi-ções entre a Agricultura e os Serviços emtermos de geração de emprego. A Figura3 ilustra essa tendência geral, visto que aAgricultura respondia por 77% do em-prego em 1949, tendo sua participação ca-ído, monotonamente, até o patamar deapenas 17% previstos para 2010.

Com o emprego agrícola respon-dendo por menos de um quinto do total,ficará vencida a marca dos 20%, atribuí-da por Hunt (1989, p. 8) aos primeiroseconomistas do desenvolvimento comoa pièce de resistence do subdesenvolvimen-to. Por contraste à Agricultura, os Ser-

viços – que representaram 12% do em-prego em 1949 – chegarão a 2010 ofe-recendo mais de 60% das ocupações noBrasil. Todavia, por mais ilustrativas quesejam as cifras aqui comentadas, man-tém-se uma indagação relevante com re-lação a elas: o que fez com que o des-empenho do emprego apresentasse oscontornos aqui descritos? Na próximaseção, busca-se articular uma respostaque transcenda os limites contábeis as-sociados à decomposição da variação deuma função de produção ou do Sistemade Contas Nacionais.

O instrumental aqui selecionadopara dar conta dessa explicação é o mo-delo de insumo-produto. A identidadefundamental das Contas Nacionais sus-tenta que, ex post, a oferta global é igual àdemanda intermediária mais a demandafinal. Em notação matricial, tem-se:

x f� ��

em que x é o vetor do valor bruto da pro-dução setorial, �é o consumo intermediá-rio e f é o vetor da demanda final. Essaexpressão tem seu equivalente nas tabelasde insumo-produto, as quais, ao receberemo suposto comportamental-tecnológico daconstância da proporcionalidade entre in-sumos e produto, permitem que se cons-trua a matriz A dos coeficientes técnicos.

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10 Num processo produtivocontando com capital etrabalho, o crescimento daprodutividade conjunta dosfatores é dada porgY/(agK + bgL ), em que gY é ocrescimento do PIB, gK e gL

são as taxas de crescimentodos montantes de capital etrabalho utilizados, e a e b sãoas participações do excedentee dos salários no PIB.

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Com ela, a identidade acima transforma-se na igualdade capturada pelo modelo ex

ante dado por:

x Ax f� �

em que a matriz A é constituída pelos co-eficientes técnicos de produção. A pri-meira decomposição, por tratar de agre-gação linear, é muito simples:

x x f f� � � �� � �( � � �

de onde se chega imediatamente a

� � �x f� � �

Por contraste, uma vez que aequação reduzida do modelo de insu-mo-produto é

x I A f� � �( ) 1

a decomposição do vetor x exige proce-dimentos operacionais mais sofisticados,como se verá na próxima seção.11 Por ora,basta ressaltar, seguindo a articulação deChenery (1970), a diferença entre fontesdo crescimento e mudança estrutural.

A Tabela 4 mostra a diferença en-tre as molduras conceituais do Sistemade Contas Nacionais e da Matriz de Insu-mo-Produto, quando se procede à varia-ção da produção em dois períodos. Nela,pode-se observar a variação nessas variá-veis para o valor bruto da produção noperíodo 2000/2010.12

Exemplificando com os dados dototal da economia, para uma variação naprodução de R$ 783,0 bilhões, 35% dessevalor são devidos diretamente à contribui-ção dos insumos intermediários. Quandoconsiderados os encadeamentos produti-vos do sistema, essa contribuição reduz-se significativamente, torna-se negativa e,como tal, aponta para um pequeno au-mento na produtividade do uso dos insu-mos intermediários. Ou seja, para atenderaos mesmos requisitos produtivos, foramnecessários relativamente menos insumos.

Na Agricultura, observa-se a ocor-rência de uma variação de R$33,6 bilhões,durante o período, em razão do aumentoda demanda final do setor. A venda de in-sumos aos demais setores produtivos ex-perimentou redução de R$ 9,3 bilhões,que remonta a apenas R$ 2,9 bilhões, ca-so os requisitos diretos e indiretos sejamconsiderados. Essas cifras suscitam doiscomentários. Observa-se, primeiramen-te, que a produção agrícola aumentoumesmo com a utilização de menos insu-mos. Em segundo lugar, considerandoque as vendas de insumos feitas direta-mente pela Agricultura são menores doque o efeito produtividade dos insumos,isso aponta para o fato de que os requisi-tos diretos e indiretos desta sobre os de-mais setores encarregaram-se de supriressa diferença de R$ 6,4 bilhões.

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Mudanças no padrão de uso da mão-de-obra no Brasil entre 1949 e 2010148

11 Uma exposição doproblema das decomposiçõespara situações que comportama álgebra convencionalencontra-se em Bêrni (2000).12 Apenas os conceitos dasContas Nacionais valempara as estimativas de 2010,cujos “dados” aquiapresentados são, obviamente,de natureza ex ante.

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Em outras palavras, ainda que vir-tuosa, a produtividade de seus insumos éinferior à média da economia. No casodos Bens de Consumo Durável, por exem-plo, a contribuição dos insumos é maiordo que a da demanda final, indicando aimportância dos encadeamentos na pro-dução. O desempenho desse setor con-trasta com o dos Serviços, em que prati-camente toda a variação na produção éexplicada por pressões exercidas pela de-manda final, dados os baixos encadea-mentos produtivos setoriais.

Com isso, coloca-se em destaque agrande virtude oferecida pelo modelo deinsumo-produto. Ele permite a avaliaçãodos efeitos diretos e indiretos de varia-ções na demanda final sobre o valor daprodução, o emprego e outras variáveis.Assim, o estudo da mudança estruturalde uma economia, baseando-se nos re-sultados obtidos com esse modelo, pode-rá apresentar acentuado contraste relati-vamente àqueles obtidos com base nascifras exclusivas das Contas Nacionais. A

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Tabela 4_ Decomposição da variação na produção setorial, de acordo com os dados do Sistema de Contas Nacionais(e suas estimativas para 2010) e das Matrizes de Insumo-Produto do Brasil, 2000/2010 (R$ bilhões)

Contas Nacionais Modelo de Insumo-ProdutoValor totalVendas

de InsumosDemanda

FinalProdutividadedos Insumos

Escala deDemanda Final

Agricultura -9,3 43,0 -2,9 36,5 33,6

Indústria 141,0 -276,2 -14,0 -121,2 -135,2

Indústria extrativa mineral -22,9 -2,3 -24,6 -0,6 -25,2

Transformação 2,6 -246,2 -95,2 -148,4 -243,6

Transformação de bens de produção -173,6 -17,4 -229,3 38,3 -191,0

Transformação de bens de consumo durável 89,9 -63,1 71,1 -44,3 26,8

Transformação de bens de consumo não durável 86,3 -165,6 63,1 -142,4 -79,3

Serviços industriais de utilidade pública 7,7 17,2 -11,6 36,6 25,0

Indústria da construção 153,5 -45,0 117,4 -8,9 108,6

Serviços 139,1 745,5 2,4 882,2 884,6

Total 270,7 512,3 -14,6 797,6 783,0

Fonte: Ver Apêndice; cálculos do autor.

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diferença consiste precisamente no fatode que, no contexto do modelo de insu-mo-produto, poder-se avaliar as fontesgeradoras do crescimento dos setores cujademanda cresce mais rapidamente. Porum lado, alguns movimentos são direta-mente ocasionados pela demanda final esuas componentes (consumo das famíli-as, investimento, etc.), ao passo que osmovimentos relacionados ao consumointermediário são destacados. Estes sãoindiretamente induzidos pela expansãona demanda intermediária ou final de ou-tros setores. Em outras palavras, a expli-cação da mudança estrutural é feita comdestaque ao papel dos efeitos diretos eindiretos da variação na demanda setorial.

A importância desse ponto diz res-peito ao fato de que uma elevada fraçãoda mudança estrutural poderia dever-se adiferentes padrões de integração. Caso opapel da demanda intermediária seja ne-gligenciado, restringindo-se a análise ape-nas do comportamento das vendas finais,perde-se precisamente a riqueza das rela-ções intersetoriais, ou seja, da divisão se-torial do trabalho. Deseja-se saber queindústrias tiveram o emprego crescendolentamente e como seus efeitos diretos eindiretos respondem precisamente pelasdimensões desiguais do sistema.

3_ Análise estruturalpor decomposição

A seção anterior, além de apresentar umadescrição da mudança estrutural do em-prego no Brasil, ilustrou as potencialida-des analíticas oferecidas pelo modelo deinsumo-produto. Sua principal contribu-ição consiste em contabilizar, ao lado dosefeitos diretos que emanam do uso ex-clusivo das estatísticas procedentes doSistema de Contas Nacionais, os efeitosindiretos mensuráveis por meio dos mul-tiplicadores do modelo de Leontief. Échegado o momento de apresentar oscontornos que deve assumir a decompo-sição dessas matrizes em partes compo-nentes. A formulação do problema dadecomposição da variação da produçãosetorial considera a expressão mais sim-ples do modelo de insumo-produto. Re-escrevendo sua equação reduzida acima,essa é apresentada como:

x B f0 0 0� (1)

em que x 0 é a o vetor coluna da produ-ção setorial para o ano 0, B0 é a matriz in-versa de Leontief, e f 0 é o vetor de de-manda final setorial; o modelo permiteque se identifique a variação total da pro-dução entre os períodos 0 e 1. Usando aregra de Leibnitz, tem-se:

dxx

BdB

x

fdf� �

��

��

(2)

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Mudanças no padrão de uso da mão-de-obra no Brasil entre 1949 e 2010150

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No caso discreto, um pequenoacréscimo no vetor x é expresso por

x x B B f f0 0 0� � � �� � �( )( )

ou

x x B f B f Bf B f� � � � �� � � � �0 0 0 0

levando à expressão

� � � � �x Bf B f B f� � �0 0

da qual se costuma abandonar o termode segunda ordem. Assim,

� � �x Bf B f �0 0

informa que a variação na produção totalé decomposta em dois efeitos: o efeitovariação da produtividade no uso dos in-sumos (a matriz inversa B) e o efeito vari-ação na escala da demanda final. Caso sedeseje obter uma medida exata de �x ,pode-se construir

�x B B f B f f� � � �( ) ( )1 0 1 0

mas não se torna claro quais são os subscri-tos dos termos localizados fora dos parên-teses. A seguinte igualdade determina ossubscritos e é rigorosamente verdadeira:

� � �x Bf B f� �0 1

também o sendo a expressão que segue:

� � �x Bf B f� �1 0

Essas últimas expressões estão de-compondo a variação no vetor das quan-tidades produzidas setoriais em duas par-

tes.13 A primeira diz respeito às variaçõesna matriz B, utilizando como ponderaçãoo valor absoluto da demanda final, aopasso que a segunda captura a variaçãono vetor da demanda final, ponderadapela matriz inversa de Leontief.

Considerando que a matriz B re-flete a estrutura intersetorial da produ-ção, e o vetor f representa a estrutura dademanda final, costuma-se designar asexpressões �Bf e B f� como constituin-do dois efeitos. O primeiro, chamado deefeito produtividade dos insumos, diz res-peito às modificações ocorridas na estru-tura setorial da produção entre os anos0 e 1. O segundo, intitulado efeito escalada demanda final, é concernente às mu-danças que ocorrem na estrutura da de-manda exógena, a qual determina a mag-nitude da escala de operação de todoo sistema. Num mundo de rendimentosconstantes à escala, isso resulta do fato deque existem infinitos tamanhos de econo-mia encapsulados no vetor f que se com-patibilizam com a estrutura tecnológicaexpressa na matriz B.

Pode-se mensurar esses dois efei-tos pela adição e pela subtração de ter-mos convenientes à equação acima e, re-arranjando termos, gerar:

�x B f B f B f B f� � � �( ) ( )1 1 0 1 0 1 0 0 (3)

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13 Bonelli e Cunha (1981,1982 e 1983) apresentam trêscriativas aplicações dessesmodelos inseridos na linha depesquisa iniciada por KenichiMiyazawa. Também seinserem nesta investigação ostrabalhos de Locatelli (1981,1983, 1985a e 1985b). Por fim,uma aplicação recenteencontra-se em Maia (2003).

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Ora, o procedimento que levou àobtenção dessa equação foi somar e di-minuir o termo B f0 1 à equação (2), o qualpoderia ser substituído pelo termo B f1 0,levando à obtenção de uma expressão di-versa para a decomposição da variaçãona produção �x . Por exemplo, o efeitoprodutividade dos insumos poderia serobtido, alternativamente à expressão aci-ma, por ( )B f B f1 0 0 0� . Da mesma for-ma, também se poderia medir o efeito es-cala da demanda final com a expressão( )B f B f1 1 1 0� . Com isso, alternativamen-te à equação (3), pode-se representar avariação na produção por

�x B f B f B f B f� � � �( ) ( )1 0 0 0 1 1 1 0 (4)

Cabe ainda observar que o efeitoprodutividade dos insumos da equação(3) pode ser visto como um análogo deum índice de Paasche, ao passo que o efe-ito escala da demanda final associa-se aum índice de Laspeyres e que essas ana-logias são válidas, de forma simétrica, pa-ra a equação (4).

A exemplo da literatura sobre nú-meros índices, a decomposição de matri-zes requer que se escolha com base emalgum critério ad hoc o melhor períodopara as ponderações de �B e �f . Essaquestão recebe uma complicação adicio-nal quando se insere nova matriz na

equação original. Com efeito, com trêsmatrizes e vetores interagindo multipli-cativamente, aumentam as possibilidadesde se reconstruir a variação entre doisanos. Considere-se o circuito do empre-go da mão-de-obra do modelo de insu-mo-produto, inicialmente expresso por

T t xD0 0 0� (5)

em que T é o vetor do emprego setorial, et D é a matriz diagonal cujo elemento ca-racterístico é a razão entre o emprego dosetor i e seu respectivo valor da produ-ção. Substituindo x por seu valor dadona equação (1), tem-se

�T t B f t B fD D� �1 1 1 0 0 0 (6)

As matrizes t D e B e o vetor f po-dem ser combinadas de diversas formas,como ilustra o Quadro 1. Por exemplo,a combinação t B fD

1 1 1 significa que se estábuscando o produto das matrizes do co-eficiente de emprego e da inversa de Le-ontief pelo vetor da demanda final, todosdizendo respeito ao ano final da compara-ção entre dois períodos. Subtraindo-a det B fD

0 1 1, tem-se (A-E), que mostra o efeitoprodutividade do trabalho, já que a únicacomponente variável é a matriz t D per-manecendo constantes a natureza tecno-lógica do sistema e a magnitude de suademanda final.

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Mudanças no padrão de uso da mão-de-obra no Brasil entre 1949 e 2010152

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Existem quatro possibilidades dese montar o efeito produtividade do tra-balho, o mesmo ocorrendo com os demaisefeitos. Todavia, quando os três foremadicionados, apenas uma fração dos 64 re-sultados possíveis vai reproduzir a varia-ção total no emprego. A combinação

(A-E ) + (A-C ) + (A-B ) (7)

claramente não a reproduz. Por contras-te, a combinação

(A-E ) + (E-G ) + (G-H ) (8)

é a primeira a ser obtida pela ordem deexposição que o faz.

Em resumo, há um grande núme-ro de possibilidades de criação de de-composições significativas das equações

do modelo de insumo-produto. A fim dese chegar a um único resultado para ca-da decomposição, busca-se uma expres-são da variação do emprego que obedeçaa duas propriedades. A primeira diz res-peito à definição do sinal das variaçõesdestinadas a obedecer ao conceito de si-metria, permitindo a determinação de gru-pos de matrizes que conduzam certas si-tuações a outras equivalentes. Uma de-composição adequada deve seguir essapropriedade,14 que significa que a varia-ção do emprego entre os anos 0 e 1 deveser simétrica à variação no emprego en-tre os anos 1 e 0, ou

T T T T1 0 0 1� � � �( )

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Quadro 1_ Notação mnemônica para a decomposição das variações no emprego

Combinaçõesdo emprego

Efeito Produtividadedo Trabalho

Efeito Produtividadedos Insumos

Efeito Escalada Demanda Final

A. t B fD1 1 1 Ano 1 Ano 1 Ano 1

B. t B fD1 1 0 Ano 1 Ano 1 Ano 0

C. t B fD1 0 1 Ano 1 Ano 0 Ano 1

D. t B fD1 0 0 Ano 1 Ano 0 Ano 0

E. t B fD0 1 1 Ano 0 Ano 1 Ano 1

F. t B fD0 1 0 Ano 0 Ano 1 Ano 0

G. t B fD0 0 1 Ano 0 Ano 0 Ano 1

H. t B fD0 0 0 Ano 0 Ano 0 Ano 0

Fonte: Elaboração do autor.

14 Os insumos intermediáriossão absorvidos nas relaçõesinterindustriais, por contrasteaos insumos primários, quesão adquiridos diretamentedos proprietários dos fatoresde produção ou importadosdo Resto do Mundo.

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Em outras palavras, cultiva-se apropriedade de invariância do subscritodo período de referência das matrizes, in-corporando-lhes a questão do correspon-dente sinal “+” ou “–”.

A segunda propriedade que umadecomposição deve apresentar é que, quan-do todas as matrizes e os vetores compa-tíveis que a constituem forem iguais, en-tão o efeito total será igual à matriz nula.Nesse caso, todos os termos das decom-posições devem comutar indistintamen-te, e as contribuições individuais de cadatermo serão iguais às contribuições dosdemais. Em outras palavras, as expres-sões encontradas com essa técnica de-vem ser equivalentes no que diz respeitoaos diferentes tipos de fatoração.

A fim de criar expressões que obe-deçam a esses princípios, no caso de sebuscar a decomposição dos efeitos dasvariações de três matrizes sobre um vetorou uma matriz resultante, passa-se a tra-balhar com a matriz genérica S = PQR,em que P e R podem ser matrizes ou ve-tores conformes a Q. Inicia-se fazendo

PP P P P P P P

11 0 0 1 0 1 02

2 2 2�

� ��

��

ou

P PP

m12

� ��

Analogamente,

P PP

m02

� ��

podendo-se expressar as matrizes Q e R

da mesma forma.15 Assim,

e

Subtraindo S 0 de S 1, chega-se a

cabendo observar que os termos comum número ímpar de �s trocam de sinalquando o período do subscrito é muda-do entre 0 e 1.

Dividindo o termo � � �P Q R/4em três partes iguais e associando cadauma delas aos demais termos que con-

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S PP

QQ

RR

m m m12 2 2

� ��

��

�� ��

��

�� ��

��

�� �

� � �

� � � � �P Q RPQ R P QR P Q R

m m mm m m m m m� � �

2 2 2

� � � �� � � � � � � �P QR P QR PQ R P Q Rm m m

4 4 4 8

S P Q RPQ R P QR P Q R

m m mm m m m m m

02 2 2

� � � � �� � �

� � � �� � � � � � � � �P QR P Q R PQ R P Q Rm m m

4 4 4 8

� � � �� � �

S PQ R P QR P Q RP Q R

m m m m m m� � � �4

15 Observe-se que a intuição decalcular a média das variaçõesentre dois períodos constitui opadrão da literatura sobre otema, como o ilustram ostrabalhos de Bonelli e Cunha(1981, 1982 e 1983) e o recenteartigo de Maia (2003, p. 336).

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têm um único �, constrói-se uma propri-edade satisfatória para �S. No caso, quan-do P Q R� � , a expressão �PQ Rm m �� � �P Q R/12 e suas correlatas em �Q e�R também serão iguais. Adicionalmente,pode-se pensar que essa expressão mostraa contribuição feita por �P para a obten-ção de �S, sendo ponderada por determi-nada matriz. O mesmo vale para �R e,ainda que não sendo formulável de modotão elegante, também para �Q.

Nessas circunstâncias, a expressão(6) pode ser reescrita como

As três expressões entre colchetesestão mostrando como, respectivamente, oefeito produtividade do trabalho (identifi-cado com �t D ), o efeito tecnologia (e �B)e o efeito escala da demanda final (e a com-ponente �f ) contribuem para a variaçãoobservada no vetor do emprego setorial T

entre dois períodos. Dispondo das matri-zes de insumo-produto para 1949/2010,pode-se determinar as “causas” da varia-ção no emprego da mão-de-obra no Brasilnesse período e em seus subperíodos.

4_ As causas da variaçãono emprego setorial

Uma descrição completa da mudança es-trutural ocorrida no emprego do Brasilexige o tratamento de inúmeras dimen-sões, setoriais, regionais, etárias, etc. quevêm sendo investigadas por um progra-ma de pesquisa, extensivo a um longoperíodo e diversos autores. Uma das só-lidas contribuições para o tema resideem usar o modelo de insumo-produto esua análise estrutural por decomposição,o que foi feito recentemente em Maia(2003) e Kupfer e Freitas (2004). No pri-meiro, por exemplo, procedeu-se à de-composição do emprego com destaquepara as características dos postos de tra-balho, isolando o nível de qualificaçãodos trabalhadores. Dada a base de dadosselecionada para o presente estudo, não épossível proceder a tal corte, destacan-do-se apenas os efeitos convencionaisabaixo assinalados.

O primeiro passo para se chegaraos resultados aqui propostos consisteem isolar as variações nos coeficientestécnicos em razão de variações nos preçosrelativos intersetoriais entre dois anos da-quelas devidas exclusivamente a varia-ções nas relações tecnológicas. Na seçãoanterior, todas as cifras foram corrigidaspelo deflator implícito do PIB, de sorte

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� �� � �

T t B ft B fD

m m

D

� ��

���

��� �

12(9)

� ��

���

��� � �

���� �

� � �� �

� � �t Bf

t B ft B f

t B fmD

m

D

mD

m

D

12 12

���

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que os movimentos observados não mos-tram as variações no nível geral de pre-ços, mas preservam as diferenças interse-toriais nos preços relativos. Nesse con-texto, a decomposição das “causas” davariação do emprego entre 1949 e 2010deve eliminar das variações monetáriasaquelas devidas exclusivamente a movi-mentos nos preços relativos intersetoria-is. Em outras palavras, considerando queas componentes estabelecidas para o ve-tor do emprego contêm elementos mo-netários, faz-se necessária sua conversãopara valores reais, de sorte a distinguir namatriz B as variações na composição tec-nológica propriamente das variações nospreços relativos intersetoriais.

Tal procedimento é realizado emduas etapas. Primeiramente, como já foirealçado, elimina-se a variação do nívelgeral de preços, usando um único defla-tor para todos os valores pertinentes. Emsegundo lugar, corrigem-se as distorçõesocasionadas por variações nos preços re-lativos utilizando os índices de preços deLeontief dados por

p A p v0 0 0 0� �’ ,

em que p 0 é o vetor de preços de Leontief,A0 ’ é a transposta da matriz de coefici-entes técnicos setoriais, e v 0 é o vetor de

coeficientes de insumos primários porunidade de produção. Substituindo ovetor v 0 por v 1, chega-se à expressãoque oferece a variação nos preços seto-riais entre os períodos 0 e 1. Esses sãoutilizados para deflacionar os preçossetoriais das transações intermediáriase da produção total, o que permite a ob-tenção dos valores reais também dosinsumos primários.

Nessas circunstâncias postula-seque a mudança no emprego pode seratribuída a três fatores:

a. mudanças nos coeficientes setori-ais de produtividade do trabalhodados por x ti i/ , indicando quevariações negativos apontam pa-ra elevações na produtividade;

b. mudanças nos coeficientes técni-cos setoriais de produção, de acor-do com os quais valores negati-vos também apontam para eleva-ções de produtividade;

c. mudanças na demanda final seto-rial, em que valores positivos mos-tram aumentos na escala de ope-rações do sistema.

A Tabela 5 mostra os resultadosda decomposição do emprego setorialnesses três fatores.

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Na seção anterior, foi comentadaa extraordinária mudança estrutural ex-perimentada pelo emprego setorial daeconomia brasileira. Na verdade, tanto aestrutura quanto a magnitude do empre-go estão sendo transformadas nesses 62anos. Buscando as causas dessa transfor-mação, destaca-se, tanto em termos glo-bais quanto no que diz respeito aos seto-res, a escala da demanda final. Em outraspalavras, não tivessem ocorrido ganhosde produtividade, o emprego deveria ex-

pandir-se de 103,7 milhões de trabalhado-res, a fim de atender à demanda final, valedizer, ao crescimento econômico per se.Também aqui se observa a ação do duetoAgricultura-Serviços, de longe os setoresque mais empregariam trabalhadores pa-ra atender aos requisitos de produção dosistema, considerando-se o nível de pro-dutividade média do trabalho e da utiliza-ção de insumos de todo o período. A ma-turidade industrial do Brasil é apontadapor esses dados, quando se observa que a

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Tabela 5_ Emprego setorial no Brasil e sua decomposição nos efeitos produtividade do trabalho,produtividade dos insumos e escala da demanda final, 1949-2010

(milhões de trabalhadores)

Setores 1949Produtividadedo Trabalho

Produtividadedos Insumos

Escala daDemanda Final

2010

Agricultura 12.248,6 -27.558,9 -5.462,4 32.571,9 11.799,1

Indústria 1.758,8 -5.449,9 3.072,5 15.758,3 15.139,8

Extrativa mineral 47,5 -334,9 56,8 514,9 284,3

Transformação 1.188,4 -2.076,3 700,1 10.281,0 10.093,2

Bens de produção 491,2 -1.885,8 -1.325,2 6.558,2 3.838,3

Bens de cons. durável 253,5 -366,8 681,8 1.706,0 2.274,5

Bens de cons. não durável 443,7 176,3 1.343,6 2.016,8 3.980,4

SIUP 63,4 -295,6 114,1 900,0 781,9

Construção 459,5 -2.743,0 2.201,5 4.062,4 3.980,4

Serviços 1.838,1 -11.104,0 -1.991,8 55.397,9 44.140,1

Total 15.845,5 -44.112,8 -4.381,7 103.728,1 71.079,0

Fonte: Cálculos do autor com base na informação descrita no Apêndice.

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transformação de Bens de Produçãocontribui com 6,6 milhões de trabalha-dores, superando a Construção, com se-us 4,1 milhões. Em termos relativos, oefeito escala da demanda final dos Ser-viços Industriais de Utilidade Públicaiguala o dos Bens de Produção, emborasua contribuição absoluta para o empre-go total dessa rubrica seja de apenas 900mil trabalhadores.

Considerando que o emprego to-tal variará em 55,3 milhões de postos detrabalho, e apenas o efeito escala da de-manda final contribuiu com 103,7 mi-lhões, o resultado líquido das demaiscontribuições deve ser negativo. De fato,tanto o efeito produtividade do trabalhoquanto o efeito produtividade dos insu-mos mostram cifras negativas. O primei-ro redimiria 44,1 milhões de vagas, comcontribuições negativas de todos os seto-res, exceto a transformação de Bens deConsumo Não Durável. A produtivida-de do trabalho desse setor experimentaum crescimento de apenas 36,7% duran-te os 61 períodos investigados, superan-do apenas os 34,8% do setor Serviços, oqual – por contraste – redimiria 11,1 mi-lhões de trabalhadores.

A Tabela 6 decompõe a variaçãototal do efeito produtividade do traba-lho em seis subperíodos, em que se po-de observar tanto contribuições positivasquanto negativas. Os valores de destaquena tabela associam-se aos movimentosde produtividade na Agricultura, no pe-ríodo 1970-80, e nos Serviços, no perío-do resultante das estimativas de 2010.No que diz respeito à variação observadana Agricultura, a Tabela 1 salientou quesua produtividade do trabalho quase du-plicou nos anos 1970. Contrasta com es-se desempenho o verificado no períodoimediatamente anterior, com queda naprodutividade do trabalho e, assim, a res-ponsabilidade pela criação de 1,4 mi-lhões de empregos. No setor Serviços, operíodo 1970/1990 contribuiria com 6,7milhões de empregos, eis que sua produ-tividade também se reduziu. A mudançaestrutural do período caracterizado pelovigoroso crescimento populacional ur-bano e o expressivo êxodo rural foramtão potentes que esse desempenho dosServiços influenciou fortemente a quedaobservada na produtividade conjunta dosfatores, tal como expressa na Tabela 3.16

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Mudanças no padrão de uso da mão-de-obra no Brasil entre 1949 e 2010158

16 Uma visão em boa medidacompatível com a que aqui seapresenta encontra-se emMattoso e Baltar (1997).

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Claramente, os Serviços não fo-ram o único responsável por esse desem-penho da produtividade conjunta dos fa-tores, já que também o conjunto do setorindustrial mostrou queda na produtivida-de do trabalho, contribuindo para a cria-ção dos 13,3 milhões de emprego do pe-ríodo 1949/2010 com quase 2 milhõesde postos de trabalho. Mas, tão logo operíodo da “Década Perdida” foi venci-do, a Indústria experimentou profundareestruturação, com crescimento modes-to no valor adicionado. Com efeito, a eli-minação desses 2 milhões de ocupações

originou-se no efeito produtividade dotrabalho, com a remissão de 6,7 milhões.Essas cifras vigorosas tiveram na classeda Indústria de Transformação e, dentrodessa, na transformação de Bens de Pro-dução, as contribuições mais expressivas.A Indústria da Construção, que foi o tra-dicional baluarte da criação de empregosentre os anos 1950 e 1990, o fez de formavirtuosa, visto que compatibilizou o re-quisito da eqüidade com o da eficiência,uma vez que seu efeito produtividade dotrabalho foi negativo. Em resumo, no pe-ríodo 1949/2010, a construção expandiu

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Tabela 6_ Efeito Produtividade do Trabalho, 1949/2010

(milhões de trabalhadores)

Setores1949-1959

1959-1970

1970-1980

1980-1990

1990-2000

2000-2010

Agricultura -3.445,2 1.393,8 -12.416,3 -2.306,7 -4.417,4 -6.367,2

Indústria -735,5 -1.518,1 1.594,9 262,3 -6.678,3 1.624,9

Extrativa mineral -39,0 -52,6 61,3 -123,8 -458,0 277,0

Transformação -513,4 -479,0 779,4 1.346,5 -5.907,3 2.697,6

Bens de produção -81,7 -208,1 -87,2 595,0 -3.462,1 1.358,2

Bens de cons. durável -194,3 -164,5 257,9 -277,2 -606,2 617,6

Bens de cons. não durável -237,4 -106,4 608,6 1.028,7 -1.839,0 721,8

SIUP -26,7 -276,9 81,6 -278,1 -280,5 485,0

Construção -156,3 -709,7 672,7 -682,4 -32,5 -1.834,8

Serviços -648,7 -229,1 3.484,3 3.207,6 -995,3 -15.922,9

Total -4.829,4 -353,4 -7.337,0 1.163,2 -12.091,0 -20.665,2

Fonte: Cálculos do autor com base na informação descrita no Apêndice.

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seu emprego em 3,5 milhões de trabalha-dores, mas o simples aumento da produti-vidade teria reduzido essa cifra em 52%.

Ainda que mais modesto do que oanterior, a Tabela 7 mostra que o efeitoprodutividade dos insumos intermediári-os também contribui para a redução doemprego com 4,4 milhões de trabalha-dores entre 1949 e 2010. A Agricultura éo setor no qual a incorporação de insu-mos modernos mais irá contribuir para aremissão de postos de trabalho, desta-cando-se – ligeiramente a mais do que operíodo estimado – a década de 1990. Se-

guiu-lhe o período 1949/1959, ao passoque o período do “Milagre Brasileiro”,como foi assinalado acima, viu uma ex-pansão quantitativa na utilização de insu-mos, requerendo mais trabalhadores porunidade de valor gerado. Trata-se de umperíodo que não pode ser chamado devirtuoso, sob o ponto de vista da ocupa-ção de mão-de-obra, por ter apresentadoemprego decrescente. Ou seja, o cresci-mento da produtividade setorial do pe-ríodo deveu-se ao início da escalada nouso de insumos modernos.

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Mudanças no padrão de uso da mão-de-obra no Brasil entre 1949 e 2010160

Tabela 7_ Efeito Produtividade dos Insumos Intermediários, 1949/2010(milhões de trabalhadores)

Setores1949-1959

1959-1970

1970-1980

1980-1990

1990-2000

2000-2010

Agricultura -2.365,7 -695,9 2.667,0 -1.818,5 -3.267,7 18,5

Indústria -174,6 -153,4 1.435,2 -168,9 -1.381,7 3.515,9

Extrativa mineral 15,8 10,9 51,1 117,1 95,1 -233,2

Transformação -208,0 -84,2 1.063,7 -276,2 -1.215,5 1.420,4

Bens de produção -68,6 -215,0 870,2 -521,6 -195,1 -1.195,1

Bens de cons. durável -36,1 74,7 74,2 241,1 -639,1 967,0

Bens de cons. não durável -103,3 56,1 119,3 4,2 -381,2 1.648,5

SIUP 5,0 44,6 24,0 148,5 -28,9 -79,0

Construção 12,6 -124,7 296,4 -158,2 -232,4 2.407,7

Serviços -399,8 -806,9 3.030,2 -1.795,3 -1.397,0 -623,1

Total -2.940,1 -1.656,1 7.132,4 -3.782,7 -6.046,4 2.911,3

Fonte: Cálculos do autor com base na informação descrita no Apêndice.

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O efeito do movimento da deman-da final sobre o emprego encontra-sedesdobrado na Tabela 8. Mesmo que amaior parte da variação no emprego seencontre no período estimado, seguiram-lhe os anos 1990, com 23,4 milhões deocupações, em razão da expansão da es-cala da demanda final. No período 2000-2010, vale assinalar, deriva-se das estima-tivas dos especialistas feitas com o uso

do Método Delphi a contribuição nega-tiva a ser dada pelos Bens de ConsumoNão Durável. Envolvendo cerca de 1 mi-lhão de ocupações, pode-se sugerir que atendência à terceirização da atividade eco-nômica no Brasil não deve perder o ímpe-to. Isso significa que, por exemplo, menosalimentos industrializados serão consu-midos em casa, crescendo a demanda porserviços de bares e restaurantes.

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Tabela 8_ Efeito escala da demanda final, 1949/2010

(milhões de trabalhadores)

Setores1949-1959

1959-1970

1970-1980

1980-1990

1990-2000

2000-2010

Agricultura 8.725,4 1.635,1 7.166,4 4.458,7 7.325,0 3.261,2

Indústria 1.889,0 3.475,9 2.430,6 4.439,9 6.018,9 -2.496,0

Extrativa mineral 23,4 59,3 108,8 63,4 256,2 3,8

Transformação 1.317,7 1.381,7 1.492,0 2.782,5 5.310,2 -2.003,1

Bens de produção 632,1 837,1 872,3 1.029,2 2.568,1 619,4

Bens de cons. durável 230,5 231,9 307,4 721,9 669,6 -455,3

Bens de cons. não durável 455,1 312,7 312,4 1.031,3 2.072,6 -2.167,3

SIUP 53,8 281,4 1,2 219,5 173,1 171,1

Construção 494,2 1.753,5 828,5 1.374,5 279,4 -667,8

Serviços 2.369,5 2.478,2 7.346,7 9.703,8 10.049,2 23.450,6

Total 12.983,9 7.589,2 16.943,7 18.602,4 23.393,1 24.215,8

Fonte: Cálculos do autor com base na informação descrita no Apêndice.

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O movimento de criação de em-pregos graças às modificações nos requi-sitos de absorção de insumos interme-diários característico dos anos 1970 teriaamenizado a queda na ocupação geradapelo aumento da produtividade dos insu-mos em 7,1 milhões de unidades. Con-frontados com uma queda de 24,0% naprodutividade conjunta dos fatores, essesnúmeros apontam para os contornos ex-tensivos no uso dos recursos da penetra-ção do capitalismo na economia brasileirano período do “Milagre”. Contrastandocom o peso setorial da Agricultura, os seto-res da Indústria Extrativa Mineral e daTransformação de Bens de Produção de-ram contribuições relativas importantes pa-ra o delineamento desse quadro, colocan-do-se ao lado da contribuição dos Serviços.

Os anos 1990, tendo visto a pro-dutividade conjunta dos fatores iniciar aescalada em busca da recuperação, com ocrescimento de 11,2%, também tiveramna produtividade dos insumos um aliado.Mesmo com a maciça redução de postosde trabalho no setor industrial, o setorServiços absorveu 7,6 milhões de traba-lhadores em condições de produtividadedos insumos (e também do trabalho)crescentes, uma vez que essa teria redimi-do 1,4 milhões de empregos. A IndústriaExtrativa Mineral foi o único setor que,

no período, experimentou queda absolu-ta no nível de emprego, de 106,7 milunidades, amenizada pela utilização de95,1 mil trabalhadores. Contemplando sub-setores vinculados aos mercados mundi-ais, substituindo importações com a ex-tração de petróleo e exportando maciça-mente minerais ferrosos, observa-se aquique seus desafios competitivos não fo-ram vencidos de forma eficiente.17 As es-timativas obtidas com o uso do MétodoDelphi para 2010, quando a produtivida-de conjunta dos fatores deve retomar onível de 1949, sugerem que esse setor de-ve recuperar-se, criando empregos comprodutividade dos insumos também cres-cente. Por contraste aos períodos ante-riores, a Construção é que deve manterestacionário seu nível de emprego, commenor produtividade dos insumos.

Dos 103,7 milhões de empregosque seriam criados por sua expansão, ca-so a produtividade do trabalho e a dos in-sumos permanecessem constantes entre1949 e 2010, 23,4% alojam-se no perío-do das estimativas. Os anos 1990 segui-ram-no com 22,6%, sendo a evolução emtodo o período quase monotonamentecrescente, em virtude da queda do ritmoascendente apenas nos anos 1960. Nesseperíodo, o maior aliado do crescimentodo emprego foi o setor industrial, contri-

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17 Uma avaliação maisorientada para a relação entreo emprego e o setorexportador encontra-se emMoreira e Najberg (1999).

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buindo com 3,5 milhões de ocupações,contrastando até com os 2,5 milhões de-vidos aos Serviços. Anda que menor emtermos absolutos, com 1,8 milhões deempregos, volta a destacar-se a Indústriada Construção, com seu aumento no em-prego de 900 mil trabalhadores em condi-ções favoráveis de ganhos de produtivi-dade do trabalho e dos insumos.

Esse desempenho acompanhou aacumulação de capital do Brasil, no pe-ríodo, fato ilustrado pelas estimativas deMarquetti (2000, p. 36), em que se vê que,pela primeira vez na história econômicanacional, o estoque de capital em cons-trução não residencial superou o mon-tante acumulado em moradias. Em ou-tras palavras, o expressivo impulso noemprego provocado pelo aumento daescala da demanda final teve, nos anos1960, na acumulação de capital na formade instalações industriais, seu forte. A pri-meira década do século XXI, todavia,não parece apontar para a reedição dessedesempenho. Com efeito, nos anos 2010,parece que o responsável pelo dinamis-mo econômico do Brasil passará virtuo-samente a ser o setor Serviços, por apre-sentar valores negativos para os efeitosprodutividade do trabalho e dos insu-

mos e escala da demanda final positivo,gerando 6,9 milhões de empregos. Quali-tativamente, deve repetir-se o que já foiobservado nos anos 1990, período emque esse setor ainda se fez acompanharpelo setor industrial.

Reunindo os principais resultadosda discussão precedente e apresentan-do-os no Quadro 2, parece que – dos oi-to setores em que se agrupou a economiabrasileira para estudar o período 1949/2010 – apenas dois exibem a virtude deexpandirem o emprego usando mais efi-cientemente os recursos nele alocados.18

Trata-se da Indústria de Transformaçãode Bens de Produção e dos Serviços. Noprimeiro caso, toda a mudança concen-trou-se no período 1959/1970 e foi tãoforte que contagiou o total da Transfor-mação e mesmo toda a Indústria. Os Ser-viços apenas não apresentaram virtuosi-dade no período 1970/1990, sugerindo-se que eles também serão virtuosos du-rante a atual década. Mantida essa ten-dência, é possível esperar que os próxi-mos anos testemunhem a expansão dopeso dos Serviços na geração de rendae de emprego e com ela o dinamismoeconômico de uma sociedade crescente-mente urbana.

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18 O trabalho de Ranis eStewart (2001) constitui umarecente fonte inspiradoradessa classificação.

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Ainda que a expressão do empregoesteja no denominador da definição deprodutividade do trabalho, relacionando-se assim inversamente a esta, pode-se con-ceber teoricamente e usar os resultadosempíricos deste artigo para negar que es-sas duas variáveis sejam inimigas, comoo atestam as células correspondentes doQuadro 2. A chave da virtuosidade residena robustez do efeito escala da demandafinal, que permite acomodar a necessida-de de geração de emprego com sua remis-são, associada ao uso mais eficiente dosfatores produtivos.

5_ Conclusão

A fim de aumentar sua disponibilidadede bens e serviços por habitante, uma so-ciedade pode usar mais recursos ou usarmais eficientemente os recursos já em-pregados. Se é na população que reside afinalidade dessa ampliação quantitativaou qualitativa do braço produtivo do sis-tema, é também dela que se origina o maissofisticado fator de produção. Cada uni-dade do fator trabalho oferece uma men-sagem ambígua aos responsáveis pela alo-cação dos recursos na sociedade capita-

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Quadro 2_ Períodos de virtuosidade no uso da mão-de-obra, 1949/2010

Setores1949

a 19591959

a 19701970

a 19801980

a 19901990

a 20002000

a 20101949

a 2010

Agricultura X X

Indústria X X

Extrativa mineral

Transformação X

Bens de Produção X X

Bens de cons. durável X

Bens de cons. não durável X

SIUP

Construção X X X

Serviços X X X X X

Total X X X X

Fonte: Elaboração do autor.

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lista. Por um lado, ela precisa de ocupa-ção, a fim de inserir-se no esquema dedistribuição primária do resultado do es-forço social. Por outro, ela percebe que,no mercado de trabalho, existe perma-nente pressão por parte das empresas esetores líderes no sentido de aumentar-lhe a produtividade.

Ainda que na própria definição deprodutividade do trabalho seja observa-da uma relação inversa entre esta e o em-prego, a riqueza da inter-relação entre asvariáveis econômicas permite que se con-cebam situações em que vigora um círcu-lo virtuoso. Nele, ganhos de produtivida-de implicam quedas nos preços, as quaisinduzem a aumentos nas quantidades de-mandadas que culminam por permitir re-duções de custos que fecham o ciclo comnovas reduções de preços.

Relacionando preços e distribui-ção da renda e do produto, esse círculovirtuoso aponta para algumas dimensõeseconômicas mais amplas do que aquelasselecionadas para a definição dos con-tornos do presente artigo. Aqui, tratou-se de examinar o grau de virtuosidade doemprego setorial brasileiro sob uma pers-pectiva secular. Usando dados das Matri-zes de Insumo-Produto brasileiras parao período 1959/2000 e expandindo es-sa base para 1949 e 2010, buscou-se

identificar setores e subperíodos em quea capacidade de geração de empregosconviveu com ganhos crescentes da pro-dutividade do trabalho.

Partiu-se do exame das estatísticasdo crescimento do emprego e do produ-to, observando a incorporação de 64,6milhões de pessoas ao contingente de15,8 milhões já empregadas em 1949,projetando-se um emprego total de 71,1milhões de trabalhadores em 2010. Exa-minando a produtividade setorial do tra-balho e seus componentes, constatou-seque essa expandiu-se ao longo de uma li-nha sinuosa, com marcados ganhos emarcadas involuções, ao longo de dife-rentes subperíodos. Seu reflexo pode sercapturado pelo exame da elasticidade ren-da do emprego, que informa que a rela-ção elástica constitui-se em marcada ex-ceção. O coeficiente de –0,04 informaque os ganhos de produção na Agricultu-ra têm-se associado a quedas no empre-go. Essa queda, em termos relativos, foia marca da escalada desenvolvimentistados países capitalistas avançados, mas aredução absoluta de postos de trabalhono Brasil mostra as virtudes produtivasdo sistema. Em todo o período, um au-mento percentual unitário na renda dosServiços associa-se a um aumento de1,02 no emprego, mostrando seu dina-

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mismo. A média da economia e a Indús-tria mostram valores inelásticos, respec-tivamente, de 0,73 e 0,89 para todo o pe-ríodo. Todavia, por mais parcimoniosoque tenha sido o uso da mão-de-obra, ograu de eficiência global do sistema pro-dutivo, quando avaliado sob a ótica daquantificação da produtividade conjuntados fatores, mostra taxas de crescimentomuito modestas e mesmo negativas.

Na tentativa de conhecer mais pro-fundamente as contribuições setoriais du-rante os diferentes subperíodos analisados,procedeu-se à decomposição do sistemade emprego do modelo de insumo-pro-duto, o que permitiu que se chegasse adois conjuntos de constatações interes-santes. O primeiro resulta da divisão do pe-ríodo em três subperíodos: 1949/1970,1980/2000 e, naturalmente, o períododas estimativas para 2010. O segundoconjunto associa-se à clivagem setorialdos setores da Construção e dos Servi-ços. Este último, em particular, apresen-tou, em boa parte dos subperíodos exa-minados, duas características que permi-tem classificá-lo como virtuoso, dados oslimites conceituais adotados no presenteartigo. Aumentando o emprego em ter-mos absolutos, ele o fez com ganhos deprodutividade no uso do fator trabalhoe dos insumos intermediários. Com ex-

ceção da transformação de Bens de Pro-dução, os demais setores não exibiramessa virtude.

Resumindo, ao lidar com a mode-lagem da chamada análise estrutural pordecomposições, o presente artigo trouxealgumas inovações ao tratamento do te-ma. Primeiramente, integrou uma basede dados abarcando um período de 50anos, culminando com estimativas para oano 2010. Em segundo lugar, formalizoua tradicional intuição do tratamento dotema, para criar decomposições realiza-das com diferentes pesos e proceder aocálculo de suas médias, evitando a neces-sidade de se apelar para o detalhamentoexposto no Quadro 1. Por fim, não édemais insistir na importância dos resul-tados substantivos acima listados.

Ainda assim, essa linha de pesqui-sa encontra-se longe de esgotar-se. Antesde concluir, cabe registrar três sugestõespara a realização de futuros estudos. Pri-meiramente, em relação ao modelo utili-zado, pode ser conveniente incorporar àequação (9) um termo que descreva aprodutividade setorial do capital. Em se-gundo lugar, no que tange ao materialempírico, caberia aprofundar as investi-gações sobre as causas da virtuosidadedo setor Serviços, desagregando-o emsubsetores. Por fim, envolvendo novos

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desdobramentos tanto teóricos quantoempíricos, a análise ficaria enriquecidacom o estudo precípuo da distribuiçãodo produto social, e não apenas de suageração. Esses aspectos poderiam contri-buir para o entendimento mais abran-gente da associação do uso do trabalhosocial, aqui avaliado por meio do uso damão-de-obra, com a geração de virtuosi-dade setorial na economia brasileira.

O futuro do Brasil aponta para acrescente importância da vida urbana nacondução da atividade econômica. Casoa sociedade deseje expandir a virtuosida-de aqui apontada para alguns setores esubperíodos de 1949/2010, particular-mente, a dos Serviços, ela deverá aumen-tar seu grau de deliberação na criação depolíticas públicas e privadas a fim de ex-pandir a produtividade geral do sistema.Com isso, é possível esperar que a gera-ção de renda e o emprego na área urbanacontribua para o fortalecimento econô-mico e o engrandecimento político deuma sociedade que passe a preocupar-seem evitar o sendeiro da exclusão.

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Agradeço aos colegas e aos alunos

que responderam ao questionário

que levou à montagem das

matrizes de 1949 e 2010. Os

professores Andrew Glyn, Leonel

Perondi e Márcio Rosa foram

interlocutores mais do que

pacienciosos e criativos. Agradeço

também a um parecerista

verdadeiramente anônimo pelas

observações criteriosas e ao

Conselho Editorial da NovaEconomia.

E-mail de contato do autor:

[email protected]

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A informação básica utilizada notrabalho empírico do presente artigo as-socia-se à montagem de matrizes de in-sumo-produto para os anos 1949, 1959,1970, 1980, 1990, 2000 e 2010, todasacrescidas de um vetor de emprego seto-rial que abarca tanto o trabalho remune-rado quanto o não remunerado. A com-patibilização da classificação setorial, bench-

marks e unidades monetárias exigiu umtrabalho criterioso e o rompimento de al-guns vazios da informação disponível coma adoção de supostos ad hoc, justificáveiscom base na coerência dos resultados al-cançados. A base de referência para oajustamento dos dados de todos essesanos é a matriz de insumo-produto brasi-leira de 1996 produzida pelo IBGE comoparte integrante de seu novo Sistema deContas Nacionais do Brasil, compatívelcom as recomendações da ONU de 1993.

Para 1949, os dados econômicosexistentes dizem respeito exclusivamenteàs Contas Nacionais do Brasil, ainda pro-duzidas pela Fundação Getúlio Vargas,ao passo que a informação sobre o em-

prego total pode ser inferida do CensoDemográfico de 1950. A transição dosdados detalhados das Contas Nacionaispara o desdobramento setorial da de-manda final, da remuneração dos fatorese da compra do produto importado foifeita por meio de pesquisa utilizando oMétodo Delphi, conforme narrado emBêrni (2003a) e detalhado em Vascon-cellos (2000). O valor do PIB a preçosconstantes foi obtido utilizando-se a sé-rie disponibilizada pelo IPEA. As discre-pâncias entre as estruturas percentuaissetoriais informadas pelos entrevistadosnos procedimentos do Método Delphi ea estrutura implicada pelas Contas Naci-onais do Brasil foram harmonizadas como uso do Método RAS.

O ano de 1959 requereu a intro-dução de consertos relativamente meno-res, uma vez que o IPEA encomendou aWilly van Rijckeghen a produção da ma-triz de insumo-produto brasileira daque-le ano. Alguns problemas de mudançasno padrão monetário e agregações e de-sagregações setoriais foram enfrentados,

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ApêndiceFonte da Informação

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a fim de acomodar os oito setores comque se trabalha no presente contexto.

Para 1970 e 1980, o trabalho decompatibilização começou a ser facilita-do, visto que o Brasil já ingressara na faseda produção de matrizes de insumo-pro-duto pelo IBGE. Diferentemente da ma-triz quadrada obtida por van Rijckeghen,o IBGE passou a adotar a moderna me-todologia de produzir duas matrizes re-tangulares concernentes à produção dosprodutos pelas atividades e à sua corres-pondente absorção como insumos inter-mediários ou demanda final. Resolvido o,assim chamado, problema da classifica-ção, passou-se a enfrentar apenas pro-blemas menores de compatibilização dedados, a fim de comparar as bases pre-viamente existentes às Contas Nacionaisdivulgadas a partir de 1995. Entre esses,destaca-se a própria mudança do concei-to de produção setorial. Obviamente, essamodificação conceitual nada altera em ter-mos dos agregados gerais, distribuindo-seapenas entre os setores econômicos.

O ano 1990 teve duas estimativasdas Contas Nacionais do Brasil, a segun-da delas dizendo respeito à utilização dametodologia do novo Sistema de ContasNacionais da ONU de 1993. Assim, utili-zando a segunda dessas estimativas, quetambém contemplava a matriz de insumo-

produto, poucas adaptações, além da cor-reção dos valores monetários, tiveram deser feitas, a fim de se obter a matriz de in-sumo-produto brasileira no formato setorpor setor.

A disponibilidade simultânea dasContas Nacionais do Brasil do ano 2000 eda matriz de insumo-produto de 1996permitiram que se adotasse uma metodo-logia de adaptação da Tabela de ConsumoIntermediário das Atividades das primei-ras, gerando a tradicional tabela de absor-ção da moderna apresentação do modelode Leontief. Feito isso, os procedimentosde transição das tabelas make e absorption

para a matriz quadrada do modelo de Le-ontief foram imediatos, restando apenasos problemas de compatibilização da uni-dade monetária de toda a série.

Por fim, a matriz de insumo-pro-duto brasileira para 2010 foi obtida pormeio de estimativas independentes dovolume do PIB e emprego agregados avigorarem nesse ano, bem como de esti-mativas da estrutura setorial do emprego,valor adicionado, importações e deman-da final obtidas por meio de entrevistas aespecialistas no estudo da cena brasileirautilizando a tecnologia do Método Delphi(Bêrni, 2003a; Vasconcellos, 2000). Essesresultados foram obtidos em dois está-gios. O primeiro consistiu em estimar-se

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a matriz de insumo-produto de 2000com base na matriz de 1996 e nas infor-mações das Contas Nacionais. Assim, dobench-mark de 1996, chegou-se à matrizde 2000, que passou a constituir-se nonovo bench-mark destinado a orientar amontagem da matriz estimada para 2010.Com base nas cifras agregadas projeta-das pela extrapolação das tendências his-tóricas para esse ano e nas estruturas per-centuais informadas pelos especialistasentrevistados com o Método Delphi, pro-cedeu-se à compatibilização com a utili-zação do Método RAS.

Em resumo, a tabela de transaçõesde 1996 gerou a matriz de 2000 da qualemergiram novos coeficientes técnicos.Seus valores foram modificados ao serconvertidos para a matriz estimada para2010, uma vez que as estruturas percen-tuais da composição setorial das variáveisrelevantes os condicionaram a assumirdeterminados valores balanceados com ouso do Método RAS. Ou seja, a matriztecnológica de 2010 não é uma reprodu-ção estritamente mecânica da matriz quelhe deu origem.

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