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estudos sobre as mulheres nas eleições 2010

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    eleies

    2010

    Organizadores

    Jos Eustquio Diniz AlvesCli Regina Jardim Pinto

    Ftima Jordo

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    Mulheres

    2010eleiesnas

    Jos Eustquio Diniz AlvesCli Regina Jardim Pinto

    Ftima JordoOrganizadores

    1 edioRio de Janeiro

    2012

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    Projeto grfico, capae diagramao

    Preparao de texto e reviso

    Ficha Catalogerfica

    Trao Publicaes e Design Fabiana Grassano e Flvia FbioAssistente: Carlos Fbio

    Vania Regina Fontanesi

    Elaborada pela Bibliotecria Adriana Fernandes

    Ficha Catalogrfica

    Mulheres nas eleies 2010 / Jos Eustquio Diniz Alves; Cli Regina Jardim Pinto; Ftima

    Jordo (Org.). So Paulo: ABCP/Secretaria de Polticas para as Mulheres, 2012.

    520p.

    ISBN 978-85-66557-00-8

    1. Mulheres na poltica. 2. Eleies 2010. I. Alves, Jos Eustquio Diniz (Org.). II. Pinto, Cli

    Regina Jardim (Org.). III. Jordo, Ftima (Org.). IV. Ttulo.

    Primera edio, 2012, Rio de Janeiro, Brasil2012. Associao Brasileira de Cincia Poltica/Secretaria de Polticas para as MulheresISBN 978-85-66557-00-8

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    1. Introduo As mulheres nas eleies 2010Jos Eustquio Diniz Alves, Cli Regina Jardim Pinto e Ftima Jordo ................................... 7

    EIXO 1

    1.1. Apresentao Comportamento, percepes e tendncias do eleitorado brasileiroMarlise Matos .......................................................................................................................... 15

    1.2. Diferenas sociais e de gnero nas intenes de voto para presidente em 2010Jos Eustquio Diniz Alves ....................................................................................................... 21

    1.3. Dilemas do conservadorismo poltico e do tradicionalismo de gnero no processoeleitoral de 2010: o eleitorado brasileiro e suas percepesMarlise Matos e Marina Brito Pinheiro..................................................................................... 47

    1.4. Quem vota em quem: um retrato das intenes de voto nas eleies para presidente em setembro de2010Suzana Cavenaghi e Jos Eustquio Diniz Alves ...................................................................... 91

    EIXO 22.1. Apresentao Monitoramento das campanhas e candidaturas

    Clara Arajo ............................................................................................................................. 135

    2.2. A participao poltica das mulheres nas eleies 2010:panorama geral de candidatos e eleitosFernanda Feitosa ...................................................................................................................... 139

    2.3. Patrimnio, instruo e ocupao dos candidatos: uma anlise das candidaturas de mulheres ehomens nas eleies gerais de 2010 no BrasilBruno Wilhelm Speck e Teresa Sacchet ................................................................................... 167

    2.4. As eleies presidenciais de 2010: candidatas mulheres ou mulheres candidatas?

    Cli Regina Jardim Pinto .......................................................................................................... 2072.5. Mulheres candidatas ao Poder Executivo estadual no processo eleitoral de 2010: perspectiva de

    gnero?Maria Beatriz Nader e Lvia de Azevedo Silveira Rangel.......................................................... 229

    2.6. As mulheres na disputa para o Senado no processo eleitoral de 2010Sonia Wright, Eullia Lima Azevedo e Joselita Santana........................................................... 257

    2.7. Cotas e movimentos sociais nas estratgias partidrias de insero das mulheres na vidaparlamentar: os casos do Rio de Janeiro e Cear nas eleies 2010 para a Cmara dos DeputadosFabiano Santos, Carolina Almeida de Paula e Joana Seabra ................................................... 283

    2.8. Presena e ausncia de candidatas: mapeando representaes de dirigentes partidriosIrlys Barreira e Danyelle Nilin Gonalves ................................................................................. 315

    Sumrio

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    2.9. O gnero, os elegveis e os no-elegveis: uma anlise das candidaturas para a Cmara Federalem 2010Clara Arajo e Doriam Borges ................................................................................................... 337

    2.10. Assimetrias de gnero nas campanhas eleitorais para a Cmara FederalMaria das Dores Campos Machado e Rosanete Steffenon........................................................ 387

    2.11. Dinheiro e sexo na poltica brasileira: financiamento de campanha e desempenho eleitoral em cargoslegislativosTeresa Sacchet e Bruno Speck.................................................................................................. 417

    2.12. Participao feminina e dinmica de campanha no HGPE nas eleies 2010 para a Cmara dosDeputadosKarolyne Romero, Marcus Figueiredo e Clara Arajo............................................................... 453

    EIXO 3

    3.1. Apresentao Monitoramento da mdia jornalsticaJacira Vieira de Melo ................................................................................................................ 477

    3.2. Cobertura sobre mulheres na poltica nas eleies de 2010: uma oportunidade perdida de aprofundaro debateMarisa Sanematsue Jacira Vieira de Melo.............................................................................. 479

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    com grande satisfao que apresentamos o livroAs mulheres naseleies 2010, cuja produo teve incio com a formao de um grupo depesquisa para concorrer a um edital pblico para pesquisar a participaofeminina nas eleies gerais de 2010.

    Tudo comeou a partir de um edital de convocao, lanado em 25 defevereiro de 2010, pela Secretaria Especial de Polticas para as Mulheresda Presidncia da Repblica, conclamando os ncleos ou grupos depesquisa de universidades pblicas, fundaes universitrias de pesquisae/ou institutos de pesquisa organizados sob a forma de consrcio, a apre-sentarem propostas para a implementao de projeto de pesquisa sobrea participao das mulheres no processo eleitoral de 2010.

    A sociedade acadmica brasileira se mobilizou e foram inscritosdiversos projetos de pesquisa, sendo designado como vencedor da con-corrncia, pela Comisso de Seleo, o trabalho remetido pelo ConsrcioBertha Lutz (CBL). O resultado foi publicado no Dirio Oficial da Unio, em29 de abril de 2010.

    O Consrcio Bertha Lutz, criado em maro e abril de 2010 a partir

    do contato voluntrio de seus membros, tem um ncleo composto porpesquisadoras/es de comprovada atuao na rea de anlise de gnero

    As mulheres naseleies 2010

    Jos Eustquio Diniz Alves*

    Cli Regina Jardim Pinto**

    Ftima Jordo***

    Introduo

    *Doutor em Demografia pelo Cedeplar-UFMG e professor titular da Escola Nacional de CinciasEstatsticas (Ence) do IBGE ([email protected]).**Doutora em Cincia Poltica Universidade de Essex 1986. Professora do Departamento deHistria da UFRGS.***Graduada em Cincias Sociais pela Universidade de So Paulo, especialista em Comunicao

    pelo Instituto de Educao da Universidade de Londres, London School of Economics, e peloLaboratoire de Communication Politique (CNRS), Paris. consultora e faz trabalho voluntrio eminstituies como: Instituto Patrcia Galvo de Comunicao e Mdia, Conselho de tica do Conar,Idec Defesa do Consumidor e Instituto Vladimir Herzog. Assessora de pesquisa da TV Cultura.

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    e poltica, com representatividade nos maiores Estados brasileiros e nasprincipais regies do pas. A formao desse ncleo obedeceu aos critriosde qualificao acadmica, compromisso cientfico, representatividade

    regional e nacional e a uma diviso de trabalho em funo dos objetivosda pesquisa. As/os pesquisadoras/es consorciadas/os formam o incio deum trabalho que pretende ter desdobramentos prospectivos, no sentidode fortalecer os estudos de gnero e poltica no pas, possibilitando que oConsrcio seja ampliado no futuro, especialmente a partir do lanamentodo presente livro.

    O trabalho desenvolvido pelo Consrcio Bertha Lutz transformou-seem uma experincia pioneira, em que, pela primeira vez, acadmicos e

    profissionais da rea de gnero reuniram-se para analisar a participaodas mulheres no processo eleitoral. E isto no poderia ter acontecido emmelhor momento, pois as eleies gerais de 2010 foram as mais femininasda histria do Brasil, com 1.335 mulheres candidatas a deputadas federais(22%), 3.500 concorrendo ao cargo de deputada estadual (23%), 36 can-didatas ao Senado (13%), 18 candidatas aos governos estaduais (11%)e duas mulheres, entre nove candidatos (23%), disputaram a Presidncia

    da Repblica.Atendendo s especificaes do edital, o objetivo central da propos-ta do Consrcio Bertha Lutz foi pesquisar a participao das mulheresno processo eleitoral de 2010, numa perspectiva de gnero, buscandoidentificar e compreender: o perfil do conjunto dos candidatos de ambosos sexos deputadas/os estaduais e federais, senadoras/es, governado-ras/es e presidente , segundo dados fornecidos pelo TSE; as diversaspercepes do eleitorado sobre valores tradicionais da formao poltica

    brasileira, conhecimentos e habilidades cvicas, predisposies e atitudesem relao participao e associativismo, crenas e valores em relao democracia em si, mulheres na poltica e as intenes de voto; a capa-cidade de influncia, por meio das trajetrias das/os candidatas/os, dosdiversos tipos de recursos e capitais, bem como dos contedos transmiti-dos pelas diversas candidaturas nas eleies proporcionais e majoritriase que podem determinar suas chances e recepo junto ao eleitorado; aengenharia eleitoral dos partidos voltada para disputa, definio de suas

    candidaturas, considerando o novo critrio de preenchimento das cotas,alianas estaduais e articulaes entre as competies majoritrias e pro-porcionais, que tambm colocam as mulheres em determinadas condies

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    de elegibilidade; e a influncia da mdia jornalstica impressa e televisivasobre o processo de formao de preferncias do voto.

    Os objetivos foram abordados de maneira articulada e interdisciplinar,

    levando-se em conta os trs eixos da pesquisa definidos. Alm da abran-gncia, a abordagem do Consrcio Bertha Lutz se deu a partir de um olharintegrado e integrador das mltiplas dimenses envolvidas nos diversosaspectos do processo eleitoral e de definio e disputa do voto.

    O Eixo 1 Estudo do comportamento, percepes e tendncia doeleitorado brasileiro objetivou buscar um amplo entendimento sobre aopinio pblica e as percepes do eleitorado, explorando questes decunho valorativo, cultural e institucional, mas com foco principalmente cul-

    tural, almejando identificar, em cada perfil sociodemogrfico do eleitorado,as opinies, os valores e as intenes de voto, no sentido de: explorar as distintas percepes do eleitorado quanto a determi-

    nadas formas de expresso do tradicionalismo poltico brasileiro,padres de associativismo e dimenses especficas do processopoltico-eleitoral;

    entender o processo de formao das decises e intenes de voto; examinar as percepes sobre a representao em si e sobre os

    atributos e qualidades para se exercer um cargo executivo e/oulegislativo;

    relacionar o perfil sociodemogrfico do eleitorado com os valorese as percepes acima.

    Este eixo da pesquisa realizou um esforo de abordagem que envolveutrs conjuntos de estratgias metodolgicas: uma pesquisa quantitativade tiposurvey; uma sondagem qualitativa realizada a partir de discussesenvolvendo a tcnica de grupos focais; e o levantamento e acompanha-mento de outras pesquisas de opinio, com a integral utilizao desses

    dados secundrios.O Eixo 2 Monitoramento das campanhas e candidaturas procurou

    analisar os fatores que contam, definem e decidem as candidaturas e,sobretudo, viabilizam e obstaculizam o ingresso das mulheres na elitepoltica (nos cargos do Executivo e Legislativo). Interessou-nos identificar emapear quais os caminhos que as mulheres percorrem para viabilizar suaseleies e como elas chegam aos partidos e conseguem seus apoios, ouseja, como chegam a ser candidatas e se tornam efetivamente elegveis.

    Um dos pontos centrais deste eixo refere-se ao recrutamento eleitoral e spossveis alteraes decorrentes da nova Lei de Cotas. Ao lado disso, estefoi um momento especial para examinar o percurso entre o recrutamento e

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    a viabilidade eleitoral. Diante do dado novo a atual Lei de Cotas , cabequestionar se este dispositivo alterar o padro de recrutamento, ter im-pactos sobre o perfil das candidaturas, ou mudar a engenharia eleitoral

    dos partidos, em particular daqueles grandes e mais competitivos. A novaLei de Cotas implicar ampliao dos critrios usados e modificar asestratgias de campanha? Quem se elege e quem no se elege? E quaisos perfis, partidos, tipos de capitais? O recrutamento, enquanto procedi-mento, e as campanhas como estratgias sero, portanto, observadas luz deste novo contexto.

    O monitoramento envolveu candidatos majoritrios e proporcionais.Para os primeiros, a unidade de anlise foram os candidatos aos governos

    estaduais e ao Senado, principalmente nos Estados que tinham candida-turas femininas. As variveis estudadas foram:

    perfil socioeconmico das/os candidatas/os, bem como sua tra-jetria para chegar a ser indicada/o, e os recursos, que incluemtanto os recursos de campanha quanto engenharia eleitoral dospartidos para definio de suas candidaturas, considerando asarticulaes entre as competies majoritrias e as proporcionais,fato e dado de nosso processo eleitoral;

    as definies do lado dos gatekeepers, isto , dos partidos e deseus dirigentes, relacionadas com as trajetrias institucionais, car-gos, etc. Ou seja, quais os atributos considerados pelo partido epelos apoiadores para definirem uma candidatura ao governo? E aoSenado? Ser que as/os candidatas/os, para serem indicadas/os,necessitam ter percorrido uma trajetria institucional? Terem vnculosfamiliares fortes na poltica? Serem portadoras/es dos interesses deum grupo forte? Ou terem um capital prprio?

    os contextos das candidaturas, procurando identificar quaispartidos disputavam efetivamente o governo e quais estavam smarcando posio. Onde esto as mulheres neste cenrio e emque condies? Como?

    programas/contedo dos discursos das/os candidatas/os, obser-vando como se organiza o discurso das candidaturas majoritriasque tendem a incorporar as grandes questes nacionais e esta-duais, como reduo da violncia, sade, educao, transporte,emprego, agricultura, entre outros.

    A observao mais minuciosa dos contedos mostrou em que medidaas candidaturas por sexo se diferenciam, ou no, na incluso de temas

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    Introduo 11

    relacionados com as mulheres, desde questes mais tradicionais, comoaquelas relacionadas com a maternidade, at a discusso de direitoslevantados pelas lutas feministas.

    Para as candidaturas proporcionais, foram consideradas duas uni-dades de anlise, embora por razes de tempo e recursos financeirosambas no tiveram o mesmo peso. Ainda assim, foi possvel garantir umolhar de forma articulada sobre as candidaturas, dado que, como a lite-ratura j mostrou exaustivamente, h uma multicausalidade no sucessoe no fracasso destas candidaturas, quando se assume a perspectiva degnero. Na primeira unidade de anlise, foram observadas as trajetriasindividuais das candidaturas, fato que adquire relevncia especial diante

    do nosso sistema eleitoral de voto, no qual a competio intrapartidriaexiste e a lista inexiste como fator orientador e definidor do voto em si.J na segunda, o foco correspondeu aos partidos, ou seja, o mbitoinstitucional. Foi possvel observar, ainda, a relao entre os planos deeleio: onde havia mulheres candidatas ao Executivo com chances epeso para se elegerem e onde o ambiente era mais favorvel eleiodas mulheres no Legislativo; e at que ponto o fato de as mulheres es-tarem ou no entre os partidos com mais chances faz diferena na sua

    competitividade e influencia sua eleio.Foram considerados os seguintes fatores: recursos; trajetrias; pro-gramas de campanha/discurso/contedos, ou o lugar e os contedos daproposta com a qual homens e mulheres tentam se legitimar; principaiselementos envolvidos na engenharia partidria eleitoral; e fatores contextu-ais, isto , identificao da presena de candidaturas fortes/vencedoras aosgovernos estaduais/nacionais, bem como possibilidade de mais mulhereseleitas nessas coligaes.

    O Eixo 3 Monitoramento da mdia jornalstica teve como objetivoobservar como os meios de comunicao constroem ou influenciam deforma decisiva a realidade e a formao de valores, influindo na constru-o da subjetividade da opinio pblica. O acompanhamento sistemticoda cobertura eleitoral das diversas candidaturas de ambos os sexos foifundamental para determinar:

    quantas matrias na mdia jornalstica impressa e televisiva foramdedicadas s candidaturas e se houve neutralidade de gnero;

    quantas matrias, referentes ao gnero, foram favorveis, desfa-vorveis, ambguas ou equilibradas; como esses dados evoluram ao longo da campanha.

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    Foram analisadas as reportagens sobre as candidaturas separada-mente e em conjunto e como as/os candidatas/os foram tratadas/os nostextos jornalsticos da mdia impressa e falada: se as mulheres so, na

    maioria das vezes, o foco principal, secundrio ou neutro; e se os textose as imagens foram favorveis, desfavorveis, ambguos ou equilibradosde acordo com a capacidade que os mesmos tm de influenciar o votonas candidaturas s quais se relacionam.

    A realizao da anlise de mdia sobre a cobertura jornalstica das elei-es gerais de 2010, em uma perspectiva de gnero em conjunto com aspesquisas sobre as percepes do eleitorado e do acompanhamento dascandidaturas , possibilitou indicar em que medida ocorreu uma cobertura

    neutra, enviesada, ou simplesmente com omisso das tendncias e dasagendas que interessam participao feminina na poltica e nos processosde avano da equidade de gnero.

    Este livro resultado de um vasto trabalho de pesquisa realizado aolongo de 2010 est dividido em trs partes, que correspondem aos eixosexpostos anteriormente, e traz 15 artigos. Esperamos com esta publicaoestar contribuindo para um melhor entendimento desta complexa relaodas mulheres com a poltica no Brasil.

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    1EIXO

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    O Eixo 1 da Pesquisa do Consrcio Bertha Lutz teve como objetivocentral buscar um amplo entendimento sobre as percepes da opiniodo eleitorado brasileiro, neste perodo to especialmente importante paraas mulheres que foram as eleies presidenciais de 2010.

    Explorando questes de cunho valorativo, cultural e institucional, mascom foco principalmente nos aspectos vinculados s escolhas eleitoraise s dimenses dos valores que se inserem em nossa cultura, os artigosdeste Eixo procuram compreender melhor, dentro dos diferentes perfis

    sociodemogrficos do nosso eleitorado, as opinies, os valores e as inten-es de voto. So exploradas, ainda, as distintas percepes do eleitoradoquanto a determinadas formas de expresso do conservadorismo polticobrasileiro, dos seus padres de associativismo e dimenses especficas doprocesso poltico-eleitoral ligadas a gnero. Neste ltimo aspecto, foramamplamente examinadas as variveis sociodemogrficas populacionaisem sua dinmica de relao com vises especficas vinculadas ao tradi-cionalismo e aspectos valorativos especficos em termos de sexo/gnero

    e feminismo.Tambm foi nosso objetivo entender o processo de formao das

    decises e intenes de voto, procurando reconhecer alguns de seusdeterminantes para o ano de 2010. A apreciao do comportamento do/aeleitor/a se deu a partir de anlises, sobretudo, quantitativas, por meio darealizao de uma pesquisa de opinio, com questionrio estruturado pornossa equipe de pesquisa e levado a campo em setembro de 2010, peloInstituto Ibope Inteligncia, sendo complementada por anlises qualitativas,

    com a formao de grupos focais realizados nas cidades de So Paulo eSalvador em dois momentos (antes do 1 turno eleitoral e entre o 1 e o2 turnos).

    Comportamento,percepes etendncias do

    eleitorado brasileiroMarlise Matos

    Apresentao Eixo 1

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    Osurveycom representatividade nacional foi aplicado a uma amostrade 2.002 eleitores, com um questionrio desenhado especificamentepara tentar quantificar estas relaes, com cerca de 40 perguntas, muitas

    subdivididas em vrios subitens.Foram realizados 16 grupos focais: oito antes do 1 turno, em se-

    tembro de 2010; e oito entre o 1 e o 2 turnos, em outubro, nas cidadesde So Paulo e Salvador. Foram separados grupos de homens e mulhe-res com faixas etrias entre 18 e 29 anos e de 45 a 60 anos. Tambmutilizaram-se, como fontes de anlises sobre o comportamento eleitoralbrasileiro, 63 pesquisas nacionais de inteno de voto para a Presi-dncia da Repblica, sendo 45 no 1 turno e 18 no 2. Estas enquetes

    foram produzidas pelos quatro principais Institutos de Pesquisa do pas(Datafolha, Ibope, Sensus e Vox Populi), sem nenhum vnculo com oConsrcio Bertha Lutz.

    Nesta primeira parte do livro encontram-se trs artigos que pretendemexplorar os principais resultados quantitativos do Eixo 1. Em Diferenassociais e de gnero nas intenes de voto para presidente em 2010, deJos Eustquio Diniz Alves, busca-se relacionar a evoluo das intenesde voto com a construo poltica das candidaturas Presidncia da Rep-blica, percorrendo uma linha do tempo com os principais fatos polticos que

    possibilitaram a reverso das tendncias eleitorais de janeiro a setembro, osfatores que impediram uma deciso no primeiro turno e os determinantesdo resultado final no segundo turno. Ser dado destaque para o diferen-cial de intenes de voto entre homens e mulheres e para as questes degnero que perpassaram o debate eleitoral. A anlise destas pesquisaspossibilitou traar um quadro longitudinal das intenes de voto ao longodo ano, considerando-se as variveis sexo, idade, educao, renda e regio.Alguns resultados do artigo merecem destaque, a exemplo da constatao

    emprica de que os escndalos de corrupo envolvendo a ministra da CasaCivil, Erenice Guerra, tiveram forte impacto nas intenes de voto em Dilma.Os dados tambm ressaltam que foram as mulheres que impossibilitarama deciso da eleio presidencial no primeiro turno. Destaca-se ainda que,durante o ms de outubro, prevaleceu a maior fora eleitoral da coligaoPara o Brasil seguir mudando e as intenes de voto, no final de daquelems, j mostravam vitria de Rousseff no eleitorado de ambos os sexos, mascom um predomnio entre os homens. Tambm foi possvel evidenciar que,

    mesmo havendo duas mulheres disputando a Presidncia da Repblica, adiscusso de gnero no fez parte dos assuntos principais da campanha emuito menos uma pauta realmente feminista esteve presente.

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    O texto de Marlise Matos e Marina Brito Pinheiro Dilemas do conser-vadorismo poltico e do tradicionalismo de gnero no processo eleitoralde 2010: o eleitorado brasileiro e suas percepes traz a inovao de

    recrutar evidncias empricas da presena ainda atuante no pas de padresde conservadorismo poltico e de tradicionalismo de gnero, os quais sotomados, no estudo, como elementos valorativos/morais importantes naspercepes dos/as eleitores/as brasileiros/as. O artigo inicia-se com umdebate terico a respeito do processo que, segundo as autoras, estaria emcurso tambm no Brasil, de destradicionalizao e modernizao societriae poltica. Reconhecendo que as eleies presidenciais de 2010 no Brasil(...) tiveram um contorno muito peculiar nos dois sentidos valorativos/nor-

    mativos que os indicadores aqui construdos procuram mensurar, os quaispodem funcionar como categorias explicativas importantes de parte dosdesdobramentos presenciados, sobretudo no segundo turno, que, apesarde um contexto normativo muito adverso (...), culminaram na eleio daprimeira mulher presidenta do Brasil, as autoras constroem um conjuntosistematizado de indicadores que visaram mensurar estes tipos especficosde sensibilidade e percepo junto ao eleitorado brasileiro. Elas afirmamque os ndices construdos foram capazes de identificar eleitores/as bra-sileiros/as com percepes fortemente conservadoras em termos polticos

    e percepes fortemente tradicionais em gnero, raa e sexualidade (oucom as duas percepes juntas), sendo este grupo responsvel, no Bra-sil, por manter e perpetuar uma sociedade politicamente anti-igualitria eantidemocrtica. Muitas de suas concluses podem abrir espao paradiscusses tericas e empricas ricas a respeito dos desdobramentos deavanos democrticos em contextos de transformao valorativa ainda noefetivamente consolidados e/ou constitudos como parece ser o caso doBrasil. Assim como a literatura trata, padres de percepo conservadores

    e tradicionais costumam se constituir em fortes obstculos a uma agendade incluso de minorias e, neste caso, uma efetiva agenda para incluir maismulheres nos espaos de poder. Destaca-se, no artigo, a importncia de seter em conta a presena destes padres normativos conservadores quandose pretende afirmar ou construir explicaes acerca da sub-representaoparlamentar das mulheres brasileiras.

    Finalmente, o artigo Quem vota em quem: um retrato das intenesde voto nas eleies para presidente em setembro de 2010, de Suzana

    Cavenaghi e Jos Eustquio Diniz Alves, de modo inovador para estetipo de estudo no Brasil, destaca o conjunto de fatores determinantesdas intenes de voto do/a brasileiro/a. Reconhecendo que o processo

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    de deciso do voto em eleies para cargos executivos pode ser influen-ciado por uma srie de caractersticas individuais dos eleitores, comogerao a que pertence, gnero, escolaridade, classe social (ou renda),

    por variveis comportamentais resultantes de crenas, ideologias, reli-gies e outras caractersticas culturais, assim como por caractersticasindividuais dos candidatos (honestidade, credibilidade, simpatia, aparn-cia fsica, sexo, experincia, inteligncia, entre outras), os autores vobuscar quantificar algumas destas complexas relaes. Este esforo levado a termo a partir das questes do mesmo surveyda pesquisa doConsrcio Bertha Lutz, sendo que Cavenaghi e Alves estimam por meiode modelagem estatstica multivariada, com o uso de modelos de classifi-

    cao em rvore e modelo logstico multinomial, qual foi o peso tanto decaractersticas individuais dos eleitores, quanto de posturas ideolgicase polticas destes afetando suas escolhas. Sendo a varivel dependentenas anlises multivariadas a inteno de voto, inicialmente, nos modelosde classificao em rvore, foram definidas quatro categorias, que inclu-ram os trs candidatos mais votados e uma categoria englobando todasas demais respostas dadas (1% de outros candidatos, no sabe, noresponde, brancos e nulos). Num segundo estgio de anlise, a partirde modelagem logstica multinomial e utilizando somente os dados de

    intenes de voto nos trs candidatos mais votados (o que compreendea resposta de 1.660 eleitores), so feitas comparaes entre os candida-tos, empregando um deles como categoria de referncia (comparao).Nas concluses, os autores destacam o fato de que o perfil da distri-buio dos votos de Dilma Rousseff teve uma grande semelhana comos votos que o ex-presidente Lula teve nas eleies de 2006 e tambmque a candidata do PT na poca, hoje nossa presidenta eleita mesmoapresentando elevados ndices de apoio em todos os segmentos sociais

    nas eleies de 2010 teve uma maior proporo de intenes de votoentre os eleitores de baixa renda, os de menor escolaridade, os homens,aqueles que se declaram catlicos, os adultos de 25 a 59 anos e os mo-radores das Regies Norte e Nordeste do pas. Ou seja, o eleitorado deDilma Rousseff, em 2010, tinha grande semelhana com o eleitorado deLula, em 2006. Assim, o modelo logstico multivariado mostrou que avarivel com maior poder de explicao da inteno de voto declaradopara a Presidncia da Repblica foi se o eleitor votaria em candidato

    indicado pelo presidente Lula. O carisma do ex-presidente e os bonsndices da avaliao do governo reforaram o desejo de continuidadeda administrao anterior.

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    Apresentao 19

    Como possvel observar e ser ainda mais rica a contribuio quan-do lidos os respectivos artigos aqui muito rapidamente resenhados , ostrs estudos referentes a esta parte dos resultados de pesquisa do Con-

    srcio Bertha Lutz trazem, para o campo da cincia poltica brasileira,tanto inovaes tericas quanto empricas no tratamento do tema geral dasub-representao feminina. Ao escrutinarem o comportamento eleitoral,as percepes valorativas e as intenes de voto do eleitorado brasileiro,estes estudos trazem luz da produo nacional elementos novos e cria-tivos, a partir dos quais novas pesquisas e levantamentos clamam paraserem realizados. Como sabemos, a campanha eleitoral brasileira de 2010,apesar de eleger a primeira mulher na nossa histria para a Presidncia da

    Repblica, esteve eivada de denncias, provas documentais e debatesinflamados. Nestes trs artigos possvel identificar alguns dos principaiselementos que foram (tm sido) responsveis pelo fato indesejvel de noelegermos mais mulheres no pas, e isto a despeito de o tema ter estadonas frentes de disputa de inmeros espaos discursivo-eleitorais. Infeliz-mente o resultado final das urnas, entendendo a presena determinante dosmltiplos fatores aqui rapidamente delineados e que podero ser vistosnos demais estudos desta coletnea , vo ratificar a ainda onipresentecondio de subordinao poltica das mulheres brasileiras.

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    Diferenas sociais e degnero nas intenes de voto

    para presidente em 2010Jos Eustquio Diniz Alves*

    Captulo 1.2

    Este artigo busca relacionar a evoluo das intenes de voto coma construo poltica das candidaturas Presidncia da Repblica, per-correndo uma linha do tempo com os principais fatos polticos que pos-sibilitaram a reverso das tendncias eleitorais de janeiro a setembro, osfatores que impediram uma deciso no primeiro turno e os determinantesdo resultado final no segundo turno. Ser dado destaque para o diferen-cial de intenes de voto entre homens e mulheres e para as questes degnero que perpassaram o debate eleitoral.

    Como fonte de dados, foram utilizadas 63 pesquisas nacionais de inten-o de voto para a Presidncia da Repblica, sendo 45 no primeiro turnoe 18 no segundo, realizadas pelos quatro principais institutos de pesquisado pas (Datafolha, Ibope, Sensus e Vox Populi). Estas pesquisas possi-bilitam traar um quadro longitudinal das intenes de voto ao longo doano, considerando-se as variveis sexo, idade, educao, renda e regio.

    O Brasil conseguiu dar um grande passo no processo de incluso

    feminina na poltica, ao eleger a primeira mulher presidenta da Repblica.Mas esta novidade s ter significado se o pas avanar no processo deempoderamento das mulheres e na construo de relaes de gneromais equitativas. Para tanto, preciso avaliar como as questes de gneroforam tratadas e quais as lies que podemos tirar deste processo eleitoral,no sentido de possibilitar maior incluso das mulheres na poltica e umasociedade com menores desigualdades entre os sexos.

    *Doutor em Demografia pelo Cedeplar-UFMG e professor titular da Escola Nacional de CinciasEstatsticas (Ence) do IBGE ([email protected]).

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    A construo das candidaturas presidenciais e as intenes de votono primeiro turno

    Nas eleies presidenciais de 2010, houve nove candidatos, sendoduas mulheres e sete homens. Do total de 101,6 milhes de votos vlidosdo primeiro turno, 47,7 milhes foram para Dilma Rousseff (PT), 33,1 mi-lhes para Jos Serra (PSDB), 19,6 milhes para Marina Silva (PV), 886mil para Plnio de Arruda Sampaio (PSOL), 89 mil para Eymael (PSDC),84 mil para Z Maria (PSTU), 58 mil para Levy Fidelix (PRTB), 39 mil paraIvan Pinheiro (PCB) e 12 mil para Rui Costa Pimenta (PCO).

    Dilma Rousseff e Jos Serra tiveram, respectivamente, 46,9% e 32,6%dos votos. Segundo Melo (2010) e Limongi e Cortez (2010), este resultadoreflete uma estabilizao do sistema eleitoral brasileiro, pois PT e PSDBlanaram candidatos nas ltimas seis eleies presidenciais e, nas ltimascinco, conquistaram cerca de 80% dos votos vlidos, no primeiro turno.Alves (2007) chama este processo de bipartidarismo de coalizo, pois oPT e o PSDB costumam liderar coligaes com uma pliade de partidossem uma posio ideolgica definida.

    Mas a grande novidade das eleies 2010 referiu-se aos 19,3% dosvotos da candidata Marina Silva, que fez carreira poltica no movimento

    sindical, no movimento ambientalista e no PT, mas disputou as eleiespelo Partido Verde. Foi a primeira vez, desde 1994, que uma terceira viaameaou romper o domnio dos dois partidos (duoplio) que tm hege-monizado as eleies presidenciais.

    O Grfico 1 mostra a evoluo das intenes de voto das trs principaiscandidaturas Presidncia da Repblica, ao longo de 2010. Nota-se que,no incio do ano, o candidato do PSDB, Jos Serra, que, alm de ter sidoministro da Sade, j havia disputado uma eleio presidencial, em 2002,

    e ocupava o cargo de governador do Estado de So Paulo, tinha cerca de40% das intenes de voto. Dilma Rousseff, do PT, que ocupava o cargode ministra da Casa Civil do governo Lula (e nunca havia disputado umaeleio), possua cerca de 30% dos votos. Marina Silva, que se filiou aoPV em 2009 e tinha mandato de senadora pelo Estado do Acre, detinhapouco menos de 10% das intenes de voto. O percentual de pessoasque declaravam votar branco, nulo, nenhum ou no sabem em quem votar(NBNNS) correspondia a pouco mais de 20% das intenes de voto.

    Os dados mostram que, de janeiro at meados de setembro, as in-tenes de voto em Jos Serra caram progressivamente at um patamarabaixo de 30% e em Dilma Rousseff subiram continuamente, at atingir 50%

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    do total. O crescimento da candidata do PT se deu custa da diminuiodos votos do candidato do PSDB e dos votos das pessoas que estavamindecisas no comeo da campanha. A candidata do PV manteve estabi-

    lidade em torno de 10% dos votos at meados de setembro. Tudo indicavaque as eleies seriam decididas no dia 3 de outubro de 2010. Porm,antes de verificar o que aconteceu nos ltimos 15 dias da campanha doprimeiro turno, vejamos como se deu a reverso das intenes de votosentre as duas principais candidaturas.

    Grfico 1Intenes de voto no primeiro turno para as trs principais candidaturas Presidncia

    Brasil janeiro-outubro de 2010

    Fonte: Institutos de Pesquisas Datafolha, Vox Populi, Ibope e Sensus (45 pesquisas de intenes de voto).

    Nota: NBNNS votos nulos, brancos, nenhum e no sabe.

    No comeo de 2010, a disputa estava entre um candidato bastante

    conhecido pelo pblico em geral e uma candidata desconhecida doeleitorado. Todavia, Jos Serra pertencia s foras de oposio, enquan-to Dilma Rousseff representava as foras governistas e a continuidadede um governo que tinha excelente avaliao popular. Alguns analis-tas polticos (COIMBRA, 2010; GUIMARES, 2010) consideravam queexistia um desejo de continuidade to forte que qualquer candidaturagovernamental estava condenada a vencer. Porm, a experinciainternacional mostra que governos bem avaliados no ganham auto-

    maticamente eleies.Entre janeiro e maro, a diferena entre os dois principais pr--candidatos diminuiu um pouco, mas com Jos Serra mantendo a

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    dianteira. O dia 03 de abril foi a data final para a desincompatibilizao,pois os titulares de cargo no mbito do Poder Executivo precisam selicenciar seis meses antes do pleito. Dilma deixou a Casa Civil em 31

    de maro de 2010 e, em maio, ultrapassou Serra nas intenes de votoe manteve uma pequena vantagem at incio de agosto. Entre meadosde agosto e meados de setembro, Dilma chegou a abrir uma vantagemde mais de 20 pontos nas intenes de voto em relao ao candidatoJos Serra. A seguir, so listados dez fatos que ajudam a entender oaumento das intenes de voto em Dilma e o fortalecimento da coliga-o governamental.

    1. Desejo de continuidade

    A altssima popularidade do governo Lula favoreceu a candidata Dilma,que, enquanto ministra da Casa Civil, era considerada o brao forte daadministrao federal. De fato, aps a crise dos anos 1980 a chamadadcada perdida e da estagnao dos anos 1990, a economia brasileirapassou por um processo de retomada do crescimento econmico. O per-odo 2004-2008 conhecido como o quinqunio virtuoso, pois a economiabrasileira voltou a crescer acima da mdia desde a redemocratizao, comreduo da pobreza e das desigualdades. Embora tenha havido uma in-terrupo em 2009, o crescimento de 7,5% do PIB, em 2010, fez com quea primeira dcada do sculo XXI fosse melhor do que as duas anteriores.

    2. Ascenso social e reduo das desigualdades e da pobreza

    O crescimento econmico do pas no governo Lula (2002-2010) ficoumuito aqum daquele ocorrido durante o perodo do milagre econmico(1968-1973), mas, enquanto este ltimo se deu em um quadro de ausnciade liberdades democrticas e com aumento das desigualdades econmi-

    cas e sociais, no governo Lula a expanso econmica aconteceu com res-peito ao Estado de Direito e com reduo das desigualdades econmicas,sociais, raciais, de gnero, regionais, etc. O crescimento do emprego comrecuperao do poder de compra do salrio mnimo possibilitou um gran-de aumento da classe mdia. A expanso da cobertura da previdnciasocial e do Benefcio de Prestao Continuada (BPC) proporcionou maiorproteo social para as pessoas idosas. A ampliao dos programas detransferncia de renda por meio do Programa Bolsa Famlia resultou

    na reduo da extrema pobreza. O retorno eleitoral junto ao eleitorado debaixa renda (e sem fortes nveis de organizao poltica e social) tendia afavorecer a candidata do governo.

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    3. O desempenho econmico do Nordeste

    O Brasil vem passando por um processo de desconcentrao regio-nal, desde pelo menos os anos 1980, com a perda relativa do peso dos

    Estados do Rio de Janeiro e So Paulo. As Regies Centro-Oeste, Norte eNordeste tm apresentado maiores taxas de crescimento do que o Sudeste.No perodo recente, entre 2003 e 2010, o Nordeste cresceu proporcional-mente mais do que a economia nacional. Como mostra Bacelar (2009), aspolticas sociais do governo Lula beneficiaram, proporcionalmente, maiso Nordeste. A valorizao cambial, que dificulta as exportaes do Sul eSudeste, tende a impulsionar o crescimento da renda do Nordeste. Todosestes fatores contribuem para a avaliao positiva do governo federal, en-

    fraquecem as candidaturas de oposio e possibilitam o bom desempenhoda candidata da situao na regio.

    4. Consolidao da candidatura Dilma no PT

    Dilma Rousseff militava no PDT do Rio Grande do Sul, atuando emcargos tcnicos da administrao governamental. Ela s se filiou ao Parti-do dos Trabalhadores em 2001. Neste sentido, no foi sem surpresa queaconteceu sua indicao para a candidatura presidencial. Mas, mesmo

    tendo um padrinho muito forte o presidente Lula , ela precisava conse-guir o apoio do partido. Dois eventos foram fundamentais para a conso-lidao da candidatura Dilma junto ao PT e ao eleitorado: o programa deteleviso do PT, em 13 de maio de 2011; e a conveno oficial do PT, em13 de junho, que oficializou a candidatura Dilma Presidncia. Estes doisacontecimentos coincidem com o incio da liderana da corrida eleitoral,com Dilma superando Serra nas intenes de voto a partir de maio.

    5. Sada de Ciro Gomes e apoio do PSB

    O presidente Lula nunca acreditou na possibilidade de ter dois candida-tos do bloco governista e atuou no sentido de possibilitar a desistncia deuma possvel candidatura presidencial do deputado Ciro Gomes. Mesmofazendo algumas crticas por ter sido preterido, os dados das pesquisasmostram que as intenes de voto de Dilma subiram depois que Ciro deixoude ser potencial candidato a presidente. Alm disso, o apoio do partido deCiro foi importante, pois o PSB contava com 27 deputados federais e quatro

    governadores, alm da presena de Eduardo Campos, em Pernambuco,e Cid Gomes, no Cear, ambos com altos ndices de popularidade e comreais chances de vitria consagradora no primeiro turno. A participao

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    do PSB na coligao de Dilma foi importante para unificar a candidaturado governo e identificar Dilma Rousseff como a nica candidata apoiadapelo presidente Lula.

    6. Consolidao de uma forte coligao

    Num pas com alta fragmentao partidria, como o Brasil, uma polticade aliana fundamental para dar sustentao s candidaturas e garantira governabilidade. O governo Lula conseguiu construir um arco de alian-as bastante amplo para viabilizar a candidatura Dilma. A construo dacoligao Para o Brasil seguir mudando envolveu a juno do PT, PMDB,PR, PSB, PDT, PSC, PCdoB, PRB, PTN e PTC. Estes dez partidos possuam

    cerca de 60% dos deputados da Cmara Federal e aproximadamente omesmo percentual de candidatos aos cargos proporcionais em 2010. Aprpria aliana entre PT e PMDB, os dois maiores partidos do pas, indi-cando a candidata a presidente e o candidato a vice-presidncia j umfato indito na histria destes partidos, que sempre foram mais adversriosdo que aliados. O PT abriu mo de candidaturas majoritrias a diversosgovernos estaduais em troca de apoio candidatura presidencial e comomeio de aumentar as bancadas de deputados estaduais, federais e sena-

    dores. Portanto, a poltica de alianas do PT foi mais efetiva do que a doPSDB, que teve vrios abalos com o DEM (e houve muito desgaste com oprocesso que concluiu com a indicao do candidato vice-presidncia,ndio da Costa). Evidentemente, esta ampla aliana, que viabilizou a uniode entidades como CUT e MST e figuras como Sarney e Collor, gerou ten-ses e embaralhou os objetivos programticos. Mas em termos eleitorais,a coligao Para o Brasil seguir mudando apresentou-se como umaaliana muito forte, ao contrrio, por exemplo, da candidata Marina Silva,

    do PV, que no possua aliados formais e carecia de recursos financeirose polticos para sustentar sua possvel ascenso.

    7. Palanques estaduais

    A coligao nacional foi articulada tambm no sentido de fortaleceros palanques estaduais. Em Minas Gerais, o presidente Lula conseguiuinduzir o PT estadual a abrir mo de uma candidatura prpria ao governodo Estado, para apoiar Hlio Costa, do PMDB, e ainda fazer com que o

    ex-ministro Patrus Ananias concordasse em concorrer como vice na chapado PMDB, antigo desafeto do PT e dos setores progressistas do Estado.Com o forte palanque estadual e o fato de a candidata Dilma ter nascido

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    em Belo Horizonte, no foi dificil fazer uma virada em Minas Gerais, que um Estado decisivo nos resultados eleitorais e que representa uma sn-tese do Brasil. Como j disse o antroplogo Darcy Ribeiro (1922-1997),

    Minas foi o n que atou o Brasil e fez dele uma coisa s. No Maranho,o PT foi enquadrado no sentido de apoiar a famlia Sarney, a despeitoda greve de fome de Manoel da Conceio, que considerado uma dasmais importantes lideranas camponesas do Brasil e um dos fundadoresdo PT. No Paran, o presidente Lula conseguiu neutralizar o eventual vicede Serra, o senador Alvaro Dias, e montou um palanque forte para Dilma,juntando Osmar Dias e o ex-governador Roberto Requio, entre outraslideranas. Por outro lado, Jos Serra teve que procurar um vice junto ao

    DEM e acabou protagonizando uma semana muito confusa e desgastantecom a escolha do deputado ndio da Costa, do Rio de Janeiro. Tambmno Rio de Janeiro Serra perdeu o apoio de um possvel vice-presidente, osenador Francisco Dornelles, do PP (partido que no plano nacional ficouneutro na coligao, mas apoia majoritariamente a candidata Dilma). Noterceiro colgio eleitoral do pas, o Estado do Rio, Serra no teve palanqueprprio e ficou muito atrs nas pesquisas e nos resultados finais.

    8. Recursos financeiros e tempo de propaganda gratuita

    Dados de incio de agosto j indicavam que Dilma tinha recebidodoaes de R$ 11,6 milhes, duas vezes o que o presidente Luiz IncioLula da Silva obteve na campanha pela reeleio quatro anos antes (R$5,7 milhes), enquanto Serra terminou o primeiro ms de campanha como valor de R$ 3,6 milhes. Para a divulgao das propostas, a candidatado PT conseguiu 40% do total do tempo de TV destinado propagandaeleitoral dos postulantes ao Palcio do Planalto, que teve incio em 17 de

    agosto. A fatia foi 35% superior que teve o tucano Jos Serra e repre-senta fato indito na histria do PT, pois em nenhuma das cinco eleiespresidenciais, desde a redemocratizao, o PT ocupou o maior espao naTV. O resultado foi uma grande subida de Dilma nas preferncias de votodo eleitorado, na segunda quinzena de agosto.

    9. Apoio de importantes igrejas evanglicas

    Em 1989, a Igreja Universal fez uma campanha radical contra o can-

    didato Lula. Mas, em 2010, principalmente com a intermediao do bispoMarcelo Crivela, a Igreja Universal passou a ser forte aliada da candidata doPT. Em julho, Dilma Rousseff recebeu tambm o apoio de representantes

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    de 15 igrejas evanglicas. O pastor e deputado Manoel Ferreira (PR-RJ),presidente de uma das maiores denominaes pentecostais, a Assembleiade Deus, do Ministrio de Madureira, defendeu o voto em Dilma e agra-

    deceu Lula pela lei que regulariza os templos erguidos em reas pblicasda Unio. Este apoio aconteceu a despeito do fato de a candidata Marinaser evanglica da Assembleia de Deus. O apoio dos evanglicos era con-siderado importante para conquistar uma parte do eleitorado feminino ereduzir as diferenas que Dilma tinha neste segmento, pois as mulheresso maioria dos filiados s igrejas pentecostais.

    10. Apoio efetivo de Lula: carisma, bonapartismo, lulismo

    A influncia eleitoral de Lula tem sido superior capacidade de mobi-lizao do PT para conquistar o eleitorado. Depois da crise do mensalo,em 2005, Lula ficou ainda maior do que o PT. Segundo Andr Singer (2009),professor da USP, ex-secretrio de Imprensa e ex-porta-voz do governoLuiz Incio Lula da Silva, o fenmeno Lula descolou-se do PT e criouo lulismo, provocando um novo alinhamento social no pas. De acordocom Singer, a classe mdia alta que apoiava o PT se afastou, mas Lulaconquistou o chamado subproletariado, que se transformou em ator po-

    ltico. O fato que Lula criou uma base de apoio entre a populao maispobre do Brasil, o que possibilitou uma certa autonomia bonapartista.A comunicao direta do presidente Lula com as massas fez com que acandidata Dilma pudesse contar com uma base social ampla e que tendiaa votar nas foras governamentais. Boa parte desta base social do lulismoainda aparecia como indecisa nas pesquisas, enquanto Dilma Rousseffainda era desconhecida para estes eleitores. Mas a campanha de Dilmaconsiderava que ela cresceria medida que o eleitorado de baixa rendadefinisse suas preferncias, o que poderia aumentar as probabilidades deas eleies serem definidas no primeiro turno.

    Intenes de voto por segmentos sociodemogrficos no primeiro turno

    De modo geral, Dilma Rousseff perdia para Jos Serra em todos ossegmentos de eleitores, no incio de 2010, segundo dados da pesquisado Instituto Datafolha. Aps a reverso das tendncias ao longo do ano,Dilma passou frente em todos os segmentos em meados de setembro.

    Contudo, aps o escndalo da Casa Civil, envolvendo a ex-ministra Ereni-ce Guerra (substituta de Dilma), as intenes de voto na candidata do PTcaram, especialmente entre o eleitorado de maior renda e de maior nvel

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    educacional. Os Grficos 2 a 5 mostram as intenes de voto de maro asetembro, segundo pesquisas do Instituto Datafolha.

    Em termos de faixa de renda, Dilma Rousseff manteve grande vanta-

    gem entre a populao com rendimento familiar de 0 a 2 salrios mnimos,seguida pelo segmento de 2 a 5 salrios mnimos e uma vantagem menorentre o grupo de pessoas com renda de 5 a 10 salrios mnimos. Isto querdizer que Dilma tinha grande apoio da populao mais pobre do pas,enquanto Jos Serra ganhava somente entre aquela com renda acima de10 salrios mnimos.

    Grfico 2

    Diferena de intenes de voto no primeiro turno entre Dilma Rousseff e Jos Serra,segundo faixa de renda familiar. Brasil janeiro-outubro de 2010

    Fonte: Instituto de Pesquisas Datafolha (14 pesquisas de intenes de voto).

    No que se refere escolaridade dos eleitores, Dilma teve mais apoioentre os analfabetos e com ensino fundamental, seguidos por aqueles comensino mdio, sendo que Jos Serra terminou o primeiro turno com maiorinteno de voto entre os eleitores com ensino superior.

    Em termos geracionais, Dilma chegou ao final do primeiro turno comvantagem em todos os grupos etrios, mas proporcionalmente maior nafaixa de 25 a 59 anos e menor entre os idosos.

    Nas regies brasileiras, Dilma Rousseff manteve a primeira colocao

    no Nordeste durante todo o ano e chegou no incio de outubro com quase40 pontos de vantagem nessa regio. O pior desempenho de Dilma ocorreuno Sul, mas, ainda assim, a candidata do PT vencia em todas as regies.

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    Grfico 3Diferena de intenes de voto no primeiro turno entre Dilma Rousseff e Jos Serra,

    segundo escolaridade dos eleitores. Brasil janeiro-outubro de 2010

    Fonte: Instituto de Pesquisas Datafolha (14 pesquisas de intenes de voto).

    Grfico 4Diferena de intenes de voto no primeiro turno entre Dilma Rousseff e Jos Serra,

    segundo grupos de idade dos eleitores. Brasil janeiro-outubro de 2010

    Fonte: Instituto de Pesquisas Datafolha (14 pesquisas de intenes de voto).

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    Grfico 5Diferena de intenes de voto no primeiro turno entre Dilma Rousseff e Jos Serra,

    segundo regies. Brasil janeiro-outubro 2010

    Fonte: Instituto de Pesquisas Datafolha (14 pesquisas de intenes de voto).

    Se Dilma Rousseff tivesse mantido os mesmos percentuais de intenesde voto alcanados em meados de setembro de 2010, ela teria ganhado as

    eleies no primeiro turno. Contudo, o escndalo de corrupo ocorrido naCasa Civil, envolvendo a ministra Erenice Guerra,1interrompeu a ascensode Dilma e afastou os eleitores de maior renda e mais escolaridade. Comodisse o coordenador da campanha demarketing, Joo Santana (2010), Ocaso Erenice foi o mais decisivo porque atuou, negativamente, de formadupla: reacendeu a lembrana do mensalo e implodiu, temporariamente,a moldura mais simblica que estvamos construindo da competncia deDilma, no caso a Casa Civil. Por motivos bvios, vnhamos ressaltando,com grande nfase, a importncia da Casa Civil. Na cabea das pessoas,a Casa Civil estava se transformando numa espcie de gabinete paraleloda presidncia. E o escndalo Erenice abalou, justamente, esse alicerce.

    1 A ex-ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, foi envolvida em duas acusaes: uma feita por umaempresa de Campinas e publicada em reportagem no jornal Folha de S. Paulo(12/09/2011), de queseu filho Israel cobrava dinheiro para obter liberao de emprstimo no BNDES (Banco Nacional

    de Desenvolvimento Econmico e Social); e outra, segundo reportagem publicada na revista Veja(11/09/2011), de que Erenice teria atuado para viabilizar negcios nos Correios intermediados poruma empresa de consultoria de propriedade de seu outro filho. A demisso de Erenice Guerra daCasa Civil ocorreu no dia 16/09/2011.

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    A partir deste episdio, a candidatura Dilma se mostrou frgil e permi-tiu a discusso de questes religiosas e polticas. Os ltimos 15 dias decampanha do primeiro turno eliminaram a possibilidade de a eleio ser

    definida em 03 de outubro. Particularmente relevante para o desfecho doprimeiro turno foi a questo da descriminalizao do aborto. A candidaturaDilma colocava o tema como um assunto de sade pblica, enquanto acandidatura Serra reforava os argumentos religiosos e a candidatura Ma-rina posicionava-se contra o aborto, mas propondo que qualquer alteraona legislao do tema fosse decidida por meio de um plebiscito.

    Com o aumento das incertezas na ltima semana da campanha doprimeiro turno, a candidatura Marina Silva praticamente dobrou de tama-

    nho, passando de cerca de 10% para quase 20% das intenes de votos.A chamada onda verde significou que a candidata do PV havia crescidoentre as mulheres, entre o eleitorado preocupado com as questes am-bientais e entre algumas parcelas dos setores evanglicos da populao.O comportamento do eleitorado feminino foi decisivo para levar as eleiespara um segundo turno, como ser visto na prxima seo deste artigo.

    As diferenas de intenes de votos entre homens e mulheres noprimeiro turno

    No deixa de ser surpreendente que a candidata Dilma Rousseff tenhatido maior apoio entre o eleitorado masculino do que entre o feminino(Grficos 6 e 7). Porm, este fato apenas repetiu as mesmas tendnciasocorridas nas eleies presidenciais em que Luiz Incio Lula da Silva par-ticipou, pois Lula sempre teve maior apoio entre os eleitores masculinose seu governo sempre foi mais bem avaliado pelos homens.

    Nota-se que, no comeo de 2010, a diferena nas intenes de voto

    entre Dilma Rousseff e Jos Serra, entre o eleitorado masculino, eramenor do que no eleitorado total, sendo que Dilma ultrapassou Serraem maio e chegou a mais de 50% das intenes de voto no incio deagosto. Aps o escndalo Erenice, Dilma perdeu um pouco de votosentre os homens, mas chegou s vesperas da votao do primeiro turnocom cerca de 51% dos votos totais e 55% dos votos vlidos. Jos Serraapresentou pequena recuperao ficando com cerca de 27% dos votostotais (29% dos votos vlidos) e Marina Silva ficou com cerca de 14%

    dos votos totais (16% dos votos vlidos). Mesmo considerando-se queos diversos institutos de pesquisa no captaram todo o crescimento dacandidata do Partido Verde, os dados sugerem que Dilma Rousseff teria

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    ganhado as eleies no primeiro turno se fosse levado em conta apenaso eleitorado masculino.

    Grfico 6Intenes de voto do eleitorado masculino no primeiro turno para as trs principaiscandidaturas Presidncia. Brasil janeiro-outubro de 2010

    Fonte: Institutos de Pesquisas Datafolha, Vox Populi, Ibope e Sensus (45 pesquisas de intenes de voto).

    Nota: NBNNS votos nulos, brancos, nenhum e no sabe.

    O desempenho de Dilma Rousseff foi pior entre o eleitorado feminino(Grfico 7). No comeo de 2010, a diferena em relao ao candidato doPSDB estava em torno de 15 pontos, sendo que Dilma s ultrapassouJos Serra em agosto e no chegou a atingir 50% dos votos totais entre

    as mulheres. Aps o escndalo Erenice, a perda de intenes de voto deDilma foi maior entre as mulheres e ela chegou vspera da votao doprimeiro turno com 43% dos votos totais, ou 47% dos votos vlidos. Emmeados de setembro, Dilma teria ganhado as eleies no primeiro turnotambm entre o eleitorado feminino. Mas o crescimento das intenes devoto em Marina Silva entre as mulheres foi o principal motivo que adiou avitria de Dilma. O resultado final, em 03 de outubro, evidenciou que foio eleitorado feminino que jogou as eleies para o segundo turno, pois

    Dilma tinha uma diferena de cerca de 8 pontos entre as intenes de votode homens e mulheres (sendo que ela precisa de apenas 3,1% dos votospara decidir as eleies em 03 de outubro).

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    Grfico 7Intenes de voto do eleitorado feminino no primeiro turno para as trs principais

    candidaturas Presidncia. Brasil janeiro-outubro de 2010

    Fonte: Institutos de Pesquisas Datafolha, Vox Populi, Ibope e Sensus (45 pesquisas de intenes de voto).

    Nota: NBNNS votos nulos, brancos, nenhum e no sabe.

    O Grfico 8 resume as intenes de voto, no primeiro turno, para astrs principais candidaturas Presidncia no eleitorado total (barras)e o clculo dos votos vlidos (linhas) para os eleitorados masculino efeminino. Nota-se que Dilma manteve margem maior de votos entre oshomens, enquanto Serra e Marina sempre tiveram mais votos entre asmulheres.

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    Grfico 8Intenes de votos vlidos no primeiro turno para as trs principais candidaturas Presidncia, segundo eleitorado total e por sexo. Brasil janeiro-outubro de 2010

    Fonte: Institutos de Pesquisas Datafolha, Vox Populi, Ibope e Sensus (45 pesquisas de intenes de voto).

    As intenes de voto e a disputa eleitoral no segundo turno

    As pesquisas de intenes de voto mostram que as diferenas entreDilma e Serra, que estavam na faixa de 20 pontos no final do primeiroturno, caram para cerca de 8 pontos no incio do segundo turno (Gr-

    fico 9). Isto quer dizer que uma parcela maior do eleitorado de MarinaSilva migrou para o candidato do PSDB. A diferena era maior entreo eleitorado masculino, enquanto entre as mulheres a situao era deempate tcnico.

    No incio do segundo turno, a candidatura Dilma Rousseff tevedificuldade para conquistar o eleitorado feminino, os mais escolariza-dos, os segmentos evanglicos e os eleitores mais jovens e os maisidosos. Mas, no decorrer da campanha em outubro, a candidata do

    PT recuperou terreno e obteve, entre os 99,4 milhes de votos vlidosem 31/10/2010, 55,7 milhes (56,05% do total), contra 43,7 milhes(43,95%) de Jos Serra.

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    Grfico 9Intenes de votos vlidos no segundo turno para as duas candidaturas Presidncia,

    segundo sexo dos eleitores. Brasil outubro de 2010

    Fonte: Institutos de Pesquisas Datafolha, Vox Populi, Ibope e Sensus (18 pesquisas de intenes de voto).

    Os Grficos 10 a 14 mostram os dados sobre intenes de voto, nosegundo turno, das pesquisas do Instituto Datafolha. Em termos de renda,Dilma comeou o segundo turno com vantagem entre as camadas maispobres da sociedade, especialmente entre as pessoas com 0 a 2 salriosmnimos de renda familiar. Como visto anteriormente, a candidata do PTteve apoio do presidente Lula, que gozava de alto ndice de popularidadeentre a populao de mais baixa renda do pas. Durante a campanha elei-toral, ficou claro que o presidente conseguiu transferir grande parte desteprestgio para a sua candidata e ex-ministra. Em termos de escolaridadedos eleitores, a candidata Dilma Rousseff manteve grande vantagem, nosegundo turno, entre aqueles com at ensino fundamental e comeou o

    ms de outubro perdendo entre o eleitorado com ensino mdio, mas depoisse recuperou. Porm, entre as pessoas com ensino superior, a vantagempermaneceu a favor de Jos Serrra, que manteve maiores intenes devoto entre o eleitorado de maior renda e maior escolaridade.

    Quanto faixa etria dos eleitores, Dilma obteve maiores intenes devoto em todos os grupos etrios, mas especialmente entre os adultos de 25a 59 anos. Entre os jovens e os idosos, o desempenho da candidata do PTfoi menor, indicando uma dificuldade para atingir as geraes mais novas,

    que esto buscando entrar no mercado de trabalho, bem como as maisidosas que, em sua maioria, j saram da atividade econmica.

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    Grfico 10Diferena de intenes de voto no segundo turno entre Dilma Rousseff e Jos Serra,

    segundo nveis de renda dos eleitores. Brasil outubro de 2010

    Fonte: Instituto de Pesquisas Datafolha (seis pesquisas de intenes de voto).

    Grfico 11Diferena de intenes de voto no segundo turno entre Dilma Rousseff e Jos Serra,

    segundo escolaridade dos eleitores. Brasil outubro de 2010

    Fonte: Instituto de Pesquisas Datafolha (seis pesquisas de intenes de voto).

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    Grfico 12Diferena de intenes de voto no segundo turno entre Dilma Rousseff e Jos Serra,

    segundo grupos de idade dos eleitores. Brasil outubro de 2010

    Fonte: Instituto de Pesquisas Datafolha (seis pesquisas de intenes de voto).

    Nas regies brasileiras, Dilma Rousseff comeou o segundo turnoperdendo no Sul, Sudeste e Norte/Centro-Oeste. Porm, ao longo deoutubro, ela se recuperou e passou frente nas intenes de voto noSudeste e Norte/Centro-Oeste. Durante todo o perodo, a candidata do PT

    manteve uma vantagem muito ampla nas intenes de voto do Nordestee uma pequena desvantagem no Sul. Entretanto, os resultados de 31/10mostraram que Jos Serra venceu no Paran e em Santa Catarina e Dilmaganhou no Rio Grande do Sul, Estado onde o PT venceu a disputa para ogoverno estadual, o que refora a relao entre uma forte base local e avitria na disputa presidencial.

    Em termos de filiao religiosa do eleitorado, Jos Serra comeououtubro em vantagem entre os evanglicos tradicionais e pentecostais e

    os espritas/kardecistas, enquanto Dilma Rousseff tinha a preferncia doscatlicos e daqueles que se declararam sem religio. Mas nas vsperasda votao do segundo turno, Dilma Rousseff j apresentava vantagemtambm entre os evanglicos pentecostais, estava empatada entre osevanglicos tradicionais (no-pentecostais) e s perdia entre os espritas/kardecistas.

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    Grfico 13Diferena de intenes de voto no primeiro turno entre Dilma Rousseff e Jos Serra,

    segundo regies. Brasil outubro de 2010

    Fonte: Instituto de Pesquisas Datafolha (seis pesquisas de intenes de voto).

    Grfico 14Diferena de intenes de voto no primeiro turno entre Dilma Rousseff e Jos Serra,

    segundo filiaes religiosas dos eleitores. Brasil outubro de 2010

    Fonte: Instituto de Pesquisas Datafolha (seis pesquisas de intenes de voto).

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    Mulheres eleitoras: indecisas, exigentes ou excludas?

    Uma tendncia recorrente nas eleies presidenciais do Brasil,

    durante a Nova Repblica, o maior percentual, entre as mulheres, deintenes de votos brancos, nulos, nenhum e no sabe. As pesquisaseleitorais mostram que tal comportamento tambm ocorreu nas elei-es de 2010. Isto que dizer que as mulheres so menos propensasa definir o voto nas candidaturas presidenciais, pelo menos antes dadata final para se registrar o voto na urna. O Grfico 15 mostra que,tanto no primeiro quanto no segundo turnos, existia maior indefiniodo voto feminino.

    Alguns polticos e analistas interpretam este fenmeno como partede um processo de fraqueza feminina, pois as mulheres seriam maisindecisas e, de certa forma, alienadas da poltica. Elas acompanhariammenos os noticirios polticos e tenderiam a seguir os homens (pais,maridos, colegas de trabalho, vizinhos, lideranas locais, etc.) na horade definir o voto. Por isso, elas estariam sempre atrs no processo dedefinio do voto e apresentariam maiores taxas de indeciso. Dessaforma, a candidatura que conquistasse os homens levaria as mulheresa reboque.

    Grfico 15Intenes de voto nulo, branco, nenhum e no sabe, no primeiro e segundo turnos,

    segundo sexo dos eleitores. Brasil janeiro-outubro de 2010

    Fonte: Institutos de Pesquisas Datafolha, Vox Populi, Ibope e Sensus (63 pesquisas de intenes de voto).

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    Contudo, a anlise dos dados e o contexto de desigualdades degnero no Brasil possibilitam outras interpretaes. Em vez de indecisas,as mulheres seriam mais exigntes e gostariam de conhecer melhor as

    candidaturas. Da mesma forma que as mulheres so consumidoras maisexigentes e cuidadosas, elas s definem o voto quando so convencidasdas qualidades pessoais e programticas das candidaturas.

    Outra interpretao estaria relacionada com a excluso feminina dapoltica. Neste caso, a recusa em definir o voto com rapidez pode ser en-tendida como uma reao feminina ao fato de a maioria das mulheres estaralijada dos cargos de direo dos partidos e do governo. Pode ser umareao tambm linguagem da poltica, que muito machista e dominada

    por um discurso falocntrico, que privilegia a agenda masculina (ALVES,2005). Desta perspectiva, as mulheres resistem em definir o voto em fun-o do seu alijamento do processo poltico e da falta de uma lideranaque seja capaz de tocar o corao e a mente do eleitorado feminino. Aocontrrio de indecisas, as mulheres, na realidade, seriam mais exigentese no seguiriam integralmente o caminho apontado pelos homens. Umexemplo de como as mulheres so alijadas da poltica pode ser ilustradopelo baixo nmero de mulheres nas direes dos partidos e pela pouca

    divulgao dos temas relacionados s desigualdades de gnero nosprogramas eleitorais e no cotidiano das prticas polticas. Alm disso, osconstantes escndalos de corrupo e a m-gesto da coisa pblica afas-tam o interesse das pessoas, em geral, e das mulheres, em particular, como acompanhamento das aes governamentais e o processo legislativo.

    Dessa forma, no de se surpreender com o fato de as mulheresapresentarem menor interesse na poltica; esta poltica tal como feita hojeno Brasil. De fato, as mulheres so excludas das instncias de decisodos partidos e dos espaos do poder e depois so acusadas de seremeleitoras alienadas da poltica e incapazes de definir o voto com rapideze antecedncia.

    Diferenas nas intenes de voto masculino e feminino e o debatedas questes de gnero

    Como visto nos dados de intenes de voto, a candidata DilmaRousseff manteve melhor desempenho no eleitorado masculino do que

    no feminino. J Jos Serra e Marina Silva apresentaram melhor resultadoentre as mulheres. Esta diferena foi responsvel pela existncia do se-gundo turno nas eleies presidenciais de 2010, da mesma forma como

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    tinha ocorrido nas eleies de 2002 e 2006 (ALVES, 2010). Contudo,cabe novamente o registro de que a candidata do PT venceu as eleiestanto entre os homens quanto entre as mulheres, mas com uma margem

    maior entre os primeiros.O Grfico 16 mostra que, de janeiro at o comeo de agosto, DilmaRousseff tinha entre 8 e 10 pontos de vantagem entre o eleitorado mas-culino, em relao s intenes de voto das mulheres. Com o incio dohorrio eleitoral, esta diferena caiu para algo entre 5 e 6 pontos. Mas apso escndalo Erenice, a diferena voltou para a casa dos 8 pontos at o fimdo primeiro turno. J no segundo turno, a diferena de intenes de voto,segundo o sexo do eleitorado, variou de 6 a 10 pontos, mas chegou no

    final de agosto com algo em torno de 5 a 6 pontos.Grfico 16

    Diferena de intenes de voto de Dilma Rousseff entre os eleitores masculinos efemininos, segundo turnos. Brasil janeiro-outubro de 2010

    Fonte: Institutos de Pesquisa Datafolha, Vox Populi, Ibope e Sensus (63 pesquisas de intenes de voto).

    Uma interpretao apressada destes dados poderia sugerir que as mu-lheres so mais conservadoras e no votam em candidaturas de esquerda eem candidaturas femininas (mulher no vota em mulher). Inglehart (1977)mostra que, no perodo ps-Segunda Guerra Mundial, existia uma tendn-cia de as mulheres votarem mais direita do espectro poltico nos pases

    ocidentais, mas isso mudou medida que as sociedades foram elevandoseus padres de consumo e bem-estar. Em trabalho mais recente, Inglehart

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    e Norris (2000) examinam dados de 60 pases, a partir da pesquisa WorldValues Surveys, e mostram uma tendncia de as mulheres se moverem esquerda do espectro poltico, realinhando politicamente as intenes de

    voto com o eleitorado masculino.As eleies de 2010, no Brasil, podem ser classificadas como as elei-

    es mais femininas na histria do Brasil. O nmero de mulheres candida-tas a deputadas estaduais e federais bateu todos os recordes histricos.Tambm no existem indicaes de que as mulheres, em bloco, tenhamapresentado um voto mais conservador. As duas candidaturas femininas,que concorreram com os sete homens ao cargo de presidente da Rep-blica, tiveram dois teros dos votos no primeiro turno, mostrando que o

    eleitorado, em sua maioria, no discrimina as mulheres e que a maior partedo eleitorado feminino votou em uma mulher para a Presidncia.

    Consideraes finais

    Em 2010, o Brasil elegeu uma mulher para a Presidncia da Repblica.Este fato histrico aconteceu 78 anos aps a conquista do direito de votofeminino, em 1932. A chegada de uma mulher no topo do Poder Executivocontrasta com a baixa participao feminina no Poder Legislativo no pas.

    Com a vitria de Dilma Rousseff, o Brasil entrou para o clube dos 17 pasesque atualmente possuem mulheres presidentas ou primeiras-ministras,ao mesmo tempo em que ocupa uma incmoda 140 posio norankingmundial de representao feminina nas Cmaras de Deputados.

    A chegada de uma mulher na chefia do Palcio do Planalto significauma incluso real de gnero, marcando um rompimento com o clube dobolinha que caracterizou a galeria dos dirigentes mximos da Repblica.Em termos simblicos, a vitria de Dilma passa a seguinte mensagem paraa populao do Brasil e do mundo: Sim, a mulher pode. As meninas dasnovas geraes vo perceber que os espaos de poder no so lugaresexclusivos do sexo masculino. Uma mulher na Presidncia tambm umaforma de reconhecimento da importncia feminina na sociedade, poisas mulheres so mais de 50% da populao e do eleitorado brasileiro,possuem em mdia maior escolaridade do que os homens, vivem pormais tempo, so maioria na populao economicamente ativa com maisde 11 anos de estudo e tambm entre os beneficirios da previdnciasocial (aposentados + pensionistas) e trabalham mais horas por dia

    quando se somam o trabalho remunerado e as atividades domsticasno-remuneradas.

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    Mas a vitria de Dilma Rousseff no foi uma conquista do movimen-to feminista organizado em termos de entidades independentes e comuma clara proposta poltica de equidade de gnero. Sua vitria se deu

    pela posio que ocupou nos dois governos anteriores e pela indicaocomo candidata do PT, encabeando uma ampla coligao partidria. Ocrescimento da candidatura da ex-ministra da Casa Civil foi um processoque se acentuou a partir da desincompatibilizao do cargo ministerial,em 31 de maro, da desistncia da candidatura de Ciro Gomes, no finalde abril, da propaganda eleitoral do PT, em 13 de maio, do lanamentooficial da candidatura na conveno do PT, em 13 de junho, da formali-zao da coligao Para o Brasil seguir mudando, em final de junho,

    do incio da campanha oficial, em 06 de julho, com a realizao de com-cios e propagandas pela Internet, e do comeo da propaganda eleitoralgratuita no rdio e televiso.

    O esforo da campanha de marketing foi identificar Dilma Rousseffcom o governo federal, que possua altos ndices de aprovao popular.Exatamente por isso, Dilma herdou boa parte do eleitorado do ex-presidenteLula, eleitorado este que sempre foi majoritariamente masculino. Talvez,por este motivo, os coordenadores da candidatura evitaram dar um tomfeminista na campanha eleitoral. O fato que diversos temas de interessedas mulheres e vrias bandeiras histricas do movimento feminista foramdeixados de lado nas eleies de 2010.

    A ttica eleitoral da candidata do PT estava apresentando bons resul-tados at meados de setembro de 2010. As curvas de inteno de votoindicavam uma possvel vitria de Dilma Rousseff no primeiro turno. Mascom o escndalo de corrupo envolvendo a ministra da Casa Civil, EreniceGuerra, as curvas se inverteram, com as intenes de voto em Dilma caindoe as de Serra subindo. A polmica sobre a descriminalizao do aborto

    ganhou fora e ajudou a reduzir as intenes de voto da candidatura Dilma.Porm, foi a candidata Marina Silva que mais se beneficiou das mudanasde inteno de voto na ltima semana antes da votao do primeiro turno.A queda de Dilma e a subida de Marina foram maiores entre o eleitoradofeminino. Os dados mostram que foram as mulheres que impossibilitaramuma deciso no primeiro turno.

    No comeo do segundo turno, Dilma Rousseff apresentava boa dian-teira entre o eleitorado masculino e estava tecnicamente empatada com

    Jos Serra no eleitorado feminino. Mas, durante outubro, prevaleceu amaior fora eleitoral da coligao Para o Brasil seguir mudando e asintenes de voto, no final de daquele ms, j mostravam uma vitria de

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    Dilma Rousseff no eleitorado de ambos os sexos, mas com predomnioentre os homens.

    Mesmo havendo duas mulheres disputando a Presidncia da Rep-

    blica, a discusso de gnero no fez parte dos assuntos prinicipais dacampanha, muito menos a pauta feminista esteve presente. Porm, em seudiscurso de vitria (31/10/2010), Dilma disse que, enquanto presidenta, vaihonrar as mulheres brasileiras e lutar pela igualdade de oportundida-des para ambos os sexos. Para a formao do novo governo, ela disseque gostaria de ter um gabinete ministerial com 30% de mulheres. Mas avontade de Dilma no foi suficiente para indicar 11 ministras. A pressodos partidos para indicar lideranas partidrias (quase sempre homens)

    reduziu o espao potencial das mulheres. Dos 37 ministros do governoDilma que tomaram posse no dia 01 de janeiro de 2011, nove eram mu-lheres (representando 24% do gabinete total).

    Desta forma, o ano de 2011 comea com avanos importantes.Mas, para romper com a excluso da mulher nos espaos de poder, umpasso decisivo ser dado durante a reforma poltica que se pretendeimplementar durante o corrente ano. A comisso de reforma poltica doSenado aprovou a adoo de cotas para mulheres nas eleies, estabe-lecendo que 50% das vagas nas eleies proporcionais (para deputados

    e vereadores) sejam destinadas s mulheres, com alternncia entre umhomem e uma mulher nas listas fechadas de candidatos. Se o percentualfeminino no for cumprido, a proposta prev que a lista seja indeferidapela Justia Eleitoral.

    A presena de uma mulher na Presidncia da Repblica, a formaode um ministrio com nmero recorde de mulheres (embora ainda longeda paridade) e uma reforma poltica que garanta igualdade de oportunida-des para ambos os sexo podem configurar uma situao indita rumo a

    relaes de gnero mais igualitrias na poltica brasileira. Entretanto, nose pode omitir o fato de que continuam existindo muitas presses para semanter tanto a tradicional diviso sexual e social do trabalho quanto asaspiraes femininas dentro do figurino tradicional de esposa e me. Nestesentido, as conquistas alcanadas at o momento devem ser encaradascomo passos iniciais rumo desejvel emancipao feminina e ao plenoempoderamento das mulheres.

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    Seria possvel afirmar que o eleitorado brasileiro tem percepesconservadoras politicamente e tambm tradicionais no que tange s rela-es de gnero? Este tipo de percepo e de valores tem afetado nossadinmica poltico-eleitoral? Como? Quais so as principais variveis quecondicionam estes tipos de percepo em nosso pas? Conservadorismopoltico e tradicionalismo de gnero so ainda elementos valorativos/morais

    importantes nas percepes dos/as eleitores/as brasileiros/as? O debatea respeito dos processos em curso de destradicionalizao e moderniza-o societria e poltica ao redor do mundo (HEELAS; LASH, 1996; LUKE,1996; ADAM, 1996),que tambm tm incidncia na sociedade brasileira, portanto o pano de fundo das consideraes deste trabalho.

    A partir do survey com uma amostra de 2.002 eleitores brasileiros,realizado em outubro de 2010 no mbito do Consrcio Bertha Lutz (CBL),construiu-se um conjunto de indicadores sobre conservadorismo poltico,

    confiana em instituies e na democracia, alm de indicadores que visa-ram mensurar aspectos e dimenses do tradicionalismo de gnero e raa

    Dilemas do conservadorismopoltico e do tradicionalismo

    de gnero no processoeleitoral de 2010: o eleitoradobrasileiro e suas percepes*

    Marlise Matos**Marina Brito Pinheiro***

    Captulo 1.3

    *Agradecemos a colaborao e o prestimoso trabalho dos dois bolsistas de graduao emCincias Sociais, Matheus Soares Cherem (UFMG) e Tais de Paula Barbosa (UFMG), que estiveramdiretamente vinculados a este Projeto; sem sua efetiva contribuio no teramos conseguidoconcluir este trabalho.** Professora adjunta do Departamento de Cincia Poltica da Universidade Federal de Minas

    Gerais UFMG, coordenadora do Ncleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher e do Centro doInteresse Feminista e de Gnero da UFMG.***Doutoranda e pesquisadora do Ncleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher e do Centro doInteresse Feminista e de Gnero da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG.

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    nos espaos pblicos e privados no Brasil. O presente trabalho pretende,a partir dessas informaes, encontrar algumas respostas s importantesindagaes anteriores.

    As eleies presidenciais de 2010 no Brasil, inegvel, tiveram umcontorno muito peculiar nos dois sentidos valorativos/normativos que osindicadores aqui construdos procuram mensurar, os quais podem funcio-nar como categorias explicativas importantes de parte dos desdobramentospresenciados, sobretudo no segundo turno, que, apesar de um contextonormativo muito adverso, como ser exemplificado nos indicadores, cul-minaram na eleio da primeira mulher presidenta do Brasil.

    Aps o processo de democratizao brasileira, que vem se consoli-

    dando desde 1985, a primeira dcada deste incio de sculo trouxe aoseleitores de nosso pas a novidade das disputas que giram em torno dasquestes de gnero, raa/etnia e sexualidade, que vm, muito recente-mente, ganhando centralidade pblica sem paralelo na histria brasileira.A criao das Secretarias especiais, a exemplo da Secretaria de Polticaspara as Mulheres (SPM), em 2003, possibilitou, no plano federal, que taisquestes fossem aladas ao nvel ministerial e passassem a estar presen-tes, de forma mais explcita, no cerne das polticas pblicas. A realizaodas duas Conferncias Nacionais de Polticas para as Mulheres mobilizou

    centenas de milhares de brasileiras interessadas em mudar o quadro dedesigualdades e de excluso societria, sendo que a ltima delas, emespecial, dedicou-se s reflexes sobre a situao feminina brasileira noque tange ocupao efetiva dos espaos de poder na poltica institucio-nal. A prpria divulgao de um Edital para apresentao de propostaspara a implementao de projeto de pesquisa sobre a participao dasmulheres no processo eleitoral de 2010 constituiu um grande avano paraa compreenso das relaes de gnero e poltica no pas, particularmente

    no que se refere ao processo de empoderamento e de disputa, entre ossexos, pelos espaos de deciso da poltica. Este artigo e a pesquisa quelhe d origem so resultados deste longo processo, ainda no consolida-do, de conquistas.

    Em linhas gerais, o Consrcio Bertha Lutz tem um ncleo formado porpesquisadores/as de comprovada atuao na rea de anlise de gneroe poltica, com representatividade nos maiores Estados brasileiros e nasprincipais regies do pas. O objetivo central da proposta do CBL foi pes-

    quisar a participao das mulheres (e dos homens) no processo eleitoral de2010, numa perspectiva de gnero. No Eixo 1 deste Consrcio, relacionadoao comportamento e s tendncias do eleitorado brasileiro, foi realizado,

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    Dilemas do conservadorismo poltico e do tradicionalismo de gnero no processo eleitoral... 49

    a partir de anlises de carter quantitativo e qualitativo, umsurvey de opi-nio, bem como foram constitudos grupos focais que acompanharam oprocesso eleitoral de 2010.

    No presente trabalho, sero utilizados apenas os dados coletados nosurvey, que pretendia buscar um amplo entendimento sobre a opinio pbli-ca e as percepes do eleitorado, explorando questes de cunho valorativo(em suas dimenses com os temas de gnero e, em menor medida, raa esexualidade), cultural e institucional, mas com foco principalmente cultural,j que se almejava entender, em cada perfil sociodemogrfico do eleitorado,no s suas opinies, valores e inteno de voto, mas, sobretudo, se ecomo estes elementos estariam efetivamente articulados entre si. Todo o

    eixo visava um estudo abrangente e sistemtico sobre as percepes doeleitorado, visando obter um conjunto unificado de respostas que incluamvariveis sobre valores tradicionais da formao poltica brasileira, percep-es sobre o enraizamento do processo recente de democratizao, bemcomo conhecimentos e habilidades cvicas, predisposies e atitudes emrelao participao e associativismo, crenas e valores sobre instituies(em especial a democracia) e as intenes de voto.

    Este estudo inicia-se com a contextualizao terica dos temas defundo das anlises aqui empreendidas, ou seja, destradicionalizao e

    modernizao societria no Brasil. Passa-se, depois, a dar enfoque maisespecfico aos dilemas de percepo normativo-moral que, com frequncia,esto associados s dimenses tanto do conservadorismo poltico quantodo tradicionalismo de gnero.

    Aps tal discusso terica, segue-se uma brevssima apresentaometodolgica que explana as principais estratgias e decises queforam tomadas para a construo, a partir das respostas do eleitoradobrasileiro pesquisa, dos vrios indicadores e ndices apresentados

    neste trabalho, que serviram para mensurar o conservadorismo polticoe o tradicionalismo de gnero, raa e sexualidade. Em seguida, soapresentados, de modo muito sinttico, os principais resultados e tecidasas consideraes finais. De modo geral, pode-se afirmar que h umaconvergncia entre os resultados aqui alcanados e alguns aspectosdo que foi experimentado no processo eleitoral de 2010, especialmenteno segundo turno. De certa maneira, osurveyfuncionou bem como umtermmetro neste sentido e conseguiu mensurar determinadas dimen-

    ses morais e valorativas do eleitorado brasileiro, que vieram tona nosdebates pblicos na poca e que continuam sendo experimentadas naesfera pblica do pas.

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    Mulheres nas eleies 201050

    Teorias da destradicionalizao e modernizao societria

    Este trabalho parte da constatao da existncia de um processo em

    curso de destradicionalizao societria (HEELAS; LASH, 1996), inclu-sive no Brasil o foco dessa investigao , que envolve uma mudanado lugar da autoridade de fora para dentro e refere-se ao declnio dacrena em uma ordem natural e preestabelecida sobre as coisas. Seriamos sujeitos quem passariam a ser chamados a exercer a sua autoridadeem face da desordem e da contingncia da modernidade reflexiva outardia (GIDDENS; BECK; LASH, 1995).

    Entre os muitos autores que elaboram consideraes a respeito des-tas transformaes, possvel identificar a experincia de duas grandesteses. A primeira, que insiste em destacar a presena do fim da tradio,trata-se de uma tese triunfalista e/ou radical, em que os principais in-terlocutores que defendem esta posio (THOMPSON, 1996; PICCONE,1993; GIDDENS, 1991) vo relevar a chamada condio ps-modernaque suplantaria e estaria baseada na eroso da tradio. Tratar-se-ia deuma mudana radical sem precedentes em relao a transformaes deoutras eras, em que a destradicionalizao envolveria uma substituio dasvozes externas e supraindividuais de autoridade, controle e destino, por

    vozes internas, subjetivas. Tais autores destacam a transio em curso eelencam algumas caractersticas societrias que estariam sendo fortementetransformadas e/ou substitudas, tais como: um ambiente societrio maisfechado (frio, repetitivo, ritualizado) que seria substitudo por outro maisaberto (experimental, revisvel); um tipo de percepo da ordem comoalgo relacionado ao destino (pr-ordenado) por oposio sua conversonuma situao de escolha (reflexividade); a nfase recada tambm sobreprocessos movidos pelas necessidades que seriam substitudos pela

    contingncia; um padro de experincia social movido pela certeza queviria a ser substitudo por outro cujo carter de incerteza; a experinciada segurana sendo substituda pela de risco; a experimentao de umacultura diferenciada (organizada) que estaria sendo substituda por umaespcie de cultura differrida (desorganizada e sem um nico centro); deuma nfase sobre oselfpara a sensibilidade de um permanente descen-tramento do sujeito; a passagem de uma tica poltica das virtudes paraoutra vocalizada pelas preferncias.

    Nesta tese, as culturas tradicionais