Musica Teatro e Sociedade Nas Comedias de Luiz Carlos Martins Penna

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  • 7/23/2019 Musica Teatro e Sociedade Nas Comedias de Luiz Carlos Martins Penna

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    CENTRO DE LETRAS E ARTESPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA

    DOUTORADO EM MSICA

    MSICA, TEATRO E SOCIEDADE NAS COMDIAS DELUIZ CARLOS MARTINS PENNA (1833-1846):

    ENTRE O LUNDU, A RIA E A ALELUIA

    Luiz de Frana Costa Lima Neto

    Tese de doutorado

    Rio de Janeiro, 2014

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    MSICA, TEATRO E SOCIEDADE NAS COMDIAS DELUIZ CARLOS MARTINS PENNA (1833-1846):

    ENTRE O LUNDU, A RIA E A ALELUIA

    porLuiz de Frana Costa Lima Neto

    Tese submetida ao Programa de Ps-Graduao em Msica do Centro de Letrase Artes da UNIRIO, como requisito

    parcial para obteno do grau de Doutorem Msica, sob a orientao da ProfessoraDra. Martha Tupinamb de Ulha e co-orientao da Professora Dra. Maria deLourdes Rabetti.

    Rio de Janeiro

    Centro de Letras e Artes da UNIRIO2014

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    Costa-Lima Neto, Luiz.C837 Msica, teatro e sociedade nas comdias de Luiz Carlos Martins

    Penna (1833-1846): entre o lundu, a ria e a aleluia / Luiz Costa-LimaNeto, 2014.

    355 f.; 30 cm

    Orientadora: Martha Tupinamb de Ulha.Co-orientadora: Maria de Lourdes Rabetti.Tese (Doutorado em Msica)Universidade Federal do Estado do

    Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

    1. Pena, Martins, 1815-1848. 2. Teatro musical. 3. Msica - Teatro.4. pera cmica brasileira. I. Ulha, Martha Tupinamb de. II. Rabetti,Maria de Lourdes. III. Universidade Federal do Estado do Rio de Janei-ro. Centro de Letras e Artes. Curso de Doutorado em Msica. IV. Ttulo.

    CDD782.14

    Autorizo a cpia da minha tese Msica, teatro e sociedade nas comdias de Luiz Carlos Martins Pen-

    na (1833-1846): entre o lundu, a ria e a aleluia, para fins didticos, desde que citada a fonte.

    ______________________________________Luiz de Frana Costa Lima Neto

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    Rio de Janeiro, 7 de outubro de 2014

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    DEDICATRIA

    Em memria de mais de 750.000 seres humanos escravizados

    trazidos fora da fricae desembarcados clandestinamente

    na cidade do Rio de Janeiro,entre os anos de 1831 a 1850,

    com a aquiescncia criminosa das autoridades,

    numa poca em que o trfico negreiro era ilegal.

    Aos alunos,funcionrios e professores da

    Escola Tcnica Estadual de Teatro Martins Penna,

    instituio pblica e gratuita,fundada em 1908,

    pioneira na formao de atores no Brasil e na Amrica Latina,

    sobrevivendo diante da subvenoestatal irrisria,

    da falta de concursos para professor e das condies precrias de trabalho.

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    AGRADECIMENTOS

    A Zlia, Henrique, Pedro, Luiz, Rebeca e Daniel, minha famlia querida, pelo apoio

    incondicional. Sem vocs nada seria possvel.

    minha orientadora Martha Tupinamb de Ulha, pela orientao segura e por

    partilhar a paixo incessante pela pesquisa. Pela confiana e amizade duradouras.

    minha co-orientadora Maria de Lourdes Rabetti, por guiar-me pelos caminhos da

    historiografia teatral e da reflexo interdisciplinar de teatro e msica.

    banca examinadora, composta pelos professores Carlos Alberto Figueiredo, David

    Cranmer e Fernando Mencarelli, pelas contribuies inestimveis. A Antnio Herculano

    Lopes e Avelino Romero, por aceitarem participar como suplentes.

    Aos professores da UNIRIO Carlos Alberto Figueiredo, Carole Gubernikoff, Elizabeth

    Travassos Lins (in memoriam), Luiz Otvio Braga, Marcos Lucas, Sergio Barrenechea e

    Silvio Mehry, pelos ensinamentos valiosos. Aos funcionrios da Secretaria do PPGM-

    UNIRIO Aristides Antnio Domingos Filho e Leonardo Gama Flix, Brbara Ribeiro

    Barradas da PROPG-UNIRIO, pelo profissionalismo e competncia.

    A Anderson Jos Machado de Oliveira, Antnio Jos Augusto, Aparecida de Jesus

    Ferreira, David Treece, Joo Jos Reis, Jos Antnio de Aquino (Zeca Silveira), Maria IsabelNovais Gonalves, Mariza de Carvalho Soares, Reinaldo Tavares, Rodrigo Camargo Godoi e

    Sean Stroud, pelas consultas, indicaes de fontes e informaes sobre arquivos.

    A Dom Mauro Fragoso e Dom Simeo, monges no Mosteiro de So Bento do Rio de

    Janeiro, pelas referncias sobre sinos e o canto gregoriano. A Manoel Cosme dos Santos

    (Manoel do sino), pelas entrevistas e fotografias concedidas gentilmente.

    Isabel Grau, da Biblioteca da UNIRIO, Mrcia Carnaval, Dolores Brando,

    Elizabeth Damasceno e Suelen de Oliveira Dias, da Biblioteca Alberto Nepomuceno daEscola de Msica da UFRJ, a Leonardo Soares e Jurema Reis, da Biblioteca da Associao

    Comercial do Rio de Janeiro, a Pedro Trtima, da Biblioteca do Instituto Histrico e

    Geogrfico Brasileiro/IHGB, pelas consultas aos acervos. Margarida Cerqueira, da

    Biblioteca da Ajuda (Portugal), pela digitalizao e envio de partituras.

    Ao colega professor Joo Zainko, pelo design grfico minucioso, Luciana Messeder,

    pela reviso da tese.

    A Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO, por minha bolsa de

    estudos REUNI no perodo 2012-2014.

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    Como te tratarei, morte, que no perdoas a ningum,que ignoras a alegria e o amor dos jogos cnicos?

    Nestes fui grande e todos o sabem;por isso minha casa foi suntuosa e grande minha riqueza.

    Sempre alegre; e o que seria da vida sem a alegria,nico bem deste mundo vo e fugaz?

    Ao verme se desvaneciam os furores raivosos,bastava que eu aparecesse para que a dor fosse transformada em riso.

    Proibido era a todos o temor das preocupaes mordazes;proibidas as pesadas incertezas da mutvel fortuna.

    Minha presena vencia todos os temores;qualquer hora transcorrida comigo era feliz.

    Dispensava prazer com gestos e palavras, at mesmo no estilo trgico;alegrava de diversas maneiras os coraes tristes.

    Imitava as pessoas de outras pocas;e sabido que uma s boca fazia falar a tantas pessoas diferentes.

    Ainda aqueles cuja imagem eu copiava,se assombravam ao reconhecerem-se to multiplicados em meus vrios aspectos.

    E quantas vezes as damas ficavam coradas,ao verem que eu as imitava to exatamente, at no vestir.

    Agora todas as formas a que eu dava vida com minha pessoa,se as levou consigo a negra treva.

    Oh, vs, que cheios de piedade ls este epitfio,os conjuro com emocionada orao:

    Dizei tristemente: , Vitale, assim como foste alegre no mundo,assim, Vitale, no haja para ti mais que alegrias!

    Epitfio do ator cmico ou mimo Vitale.

    Catacumbas de So Sebastio, Roma, Itlia. Sculo VI.(DAMICO, 1954, p. 301-302, vol. I).

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    COSTA-LIMA NETO, Luiz. Msica, teatro e sociedade nas comdias de Luiz CarlosMartins Penna (1833-1846): entre o lundu, a ria e a aleluia. 2014. Tese de Doutorado Programa de Ps-Graduao em Msica, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal doEstado do Rio de Janeiro.

    RESUMO

    A presente tese tem por objetivo esclarecer a dramaturgia musicaldo comedigrafo e msicoLuiz Carlos Martins Penna noo que engloba tanto o texto teatral comosuaperformance. O corpus para anlise constitudo por doze comdias de Martins Penna,escritas entre os anos de 1833 a 1846, subdivididas em trs grupos, por ns denominadosLundu, ria e Aleluia. O universo sonoro constitudo pelo conjunto dos trs grupos decomdias abrange gneros e estilos musicais-coreogrficos afro-brasileiros (batuque, fado,lundu, miudinho), do universo popular urbano transnacional (lundu, tirana, quadrilha, marcha,valsa, caxuxa, polca), das modinhas e da pera italiana, alm da msica de concerto romnticae do teatro religioso ibrico. Para avaliar os significados mltiplos que as aluses musicaisinseridas nos textos das comdias e asperformances teatraisadquiriram, a pesquisa desvela arede da qual faziam parte o autor, os atores, empresrios teatrais, editores e o pblico, entreoutros agentes, como as irmandades catlicas de negros, a maonaria e as instituies ligadasao governo imperial. Utilizamos como fontes principais os textos das comdias de MartinsPenna, seus folhetins escritos e publicados noJornal do Commercioentre 1846 e 1847, almde manuscritos autgrafos, relatos de viajantes, iconografia, partituras e estudos dehistoriadores. A pesquisa nos peridicos oitocentistas disponibilizada pela Hemeroteca Digital

    Brasileira possibilitou extensa coleta de dados sobre artistas, gneros e estilos musicais,danas e instrumentos. Relacionamos o universo sonoro (mousik) das comdias de MartinsPenna aos polos cmicos da tradio teatral Ocidental (estudo de situaes epersonagens) eaos polos daperformance(coroesolo), contemplando a articulao entre os repertriosautorais de Martins Penna e os repertrios dos artistas brasileiros e portugueses, mistos deatores, cantores e danarinos, que representaram suas comdias. A pesquisa problematiza anoo de autoria e revela a importncia da parceria entre escritores teatrais, artistas e editores,

    por meio da qual as comdias de Martins Penna alcanaram a segunda metade do sculo XIXe a contemporaneidade.

    Palavras-chave: Teatro musicado. Msica teatral. Martins Penna. Entremez. pera cmica.

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    Music, Theater and Society in the Comedies of Luiz Carlos Martins Penna (1833-1846):Between Lundu, the Aria and the Hallelujah. Doctoral Thesis Programa de Ps-Graduaoem Msica, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

    ABSTRACT

    This thesis aims to clarify the musical dramaturgyof comedy writer and musician Luiz CarlosMartins Pennaa notion that encompasses both the theatrical text and its performance. Thecorpus for the analysis is composed of twelve comedies by Martins Penna written between1833 and 1846, subdivided into three groups, which we have called Lundu, Aria andHallelujah. The sound universe made up by the three groups of comedies covers African-Brazilian genres and musical-choreographic styles (batuque, fado, lundu, miudinho), thetransnational urban popular universe (lundu, tirana, quadrilha, marcha, waltz, caxuxa, polka),and modinhas and Italian opera, in addition to romantic concertos and Iberian religious

    theater. To evaluate the multiple meanings acquired by the musical allusions inserted into thecomedy texts and theatrical performances, the research reveals the network which includedthe author, actors, theater owners, publishers and the public, and other agents, such as blackCatholic irmandades (brotherhoods), Freemasonry and institutions linked to the imperialgovernment. As primary sources, we used the texts of the comedies written by Martins Penna,and his serials (folhetins), published in the Jornal do Commerciobetween 1846 and 1847, aswell as handwritten manuscripts, traveler's reports, iconography, scores, and studies ofhistorians. The research in nineteenth-century periodicals provided by the Brazilian DigitalPeriodicals Library has enabled extensive data collection on artists, musical genres and styles,instruments and dances. We related the sound universe (mousik) of the comedies of Martins

    Penna to the comedic poles of the Western theatrical tradition (a study ofsituations andcharacters) and the poles of performance (solo and chorus), contemplating the relationship

    between the repertoires written by Martins Penna and the repertoires of Brazilians andPortuguese artists, a mix of actors, singers and dancers, who performed in his comedies. Theresearch questions the notion of authorship and reveals the importance of the partnership

    between theatrical writers, artists and publishers, through which the comedies of MartinsPenna reached the second half of the nineteenth century and our time.

    Keywords: Musical theater. Theatrical music. Martins Penna. Interlude. Comic opera.

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    Musique, thtre et socit dans les comdies de Luiz Carlos Martins Penna (1833-1846):entre le lundu, l'aria et l'allluia. Thse de Doctorat Programa de Ps-Graduao emMsica, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

    RSUM

    Cette thse vise rendre claire la dramaturgie musicalede lauteur de comdies et musicienLuiz Carlos Martins Penna une notion qui runit le texte thtral et sa performance. Lecorpus danalyse comprend douze comdies de Martins Penna, crites entre 1833 et 1846,subdivises en trois groupes pour nous dsigns Lundu, Aria et Allluia . Lunivers sonoreconstitu de l'ensemble de ces trois groupes de comdies renferme quelques genres et stylesmusicaux et chorgraphiques afro-brsiliens (batuque, fado, lundu, miudinho), lunivers

    populaire urbain transnational (lundu, tirana, quadrille, marche, valse, caxuxa, polka), lesmodinhas et lopra italien, en plus de la musique romantique de concert et du thtre

    religieux ibrique. Afin dvaluer les multiples significations acquises par les allusionsmusicales introduites dans les textes des comdies et les reprsentations thtrales, cetterecherche rvle le rseau duquel ont fait partie lauteur, les acteurs, les imprsarios, lesditeurs et le public, parmi quelques autres agents, tels que les confrries catholiques des noirs(irmandades), la franc-maonnerie et les institutions concernant le gouvernement imprial.

    Nous avons utilis comme sources principales les textes des comdies et les feuilletonsrdigs par Martins Penna, et publis dans le Jornal do Commercioentre 1846 et 1847, en

    plus des manuscrits autographes, des rapports des voyageurs, de liconographie, des partitureset des tudes des historiens. La recherche dans les journaux du XIXe sicle, fournis parlhmrotque numrique brsilienne Hemeroteca Digital Brasileiraa permis rassemblerdes donnes dtailles sur des artistes, des genres et des styles musicaux, des danses et des

    instruments. Nous avons connect lunivers sonore (mousik) des comdies de Martins Pennaaux ples comiques de la tradition thtrale occidentale (tude des situations et des

    personnages) et aux ples de la performance (chur et solo), avec un regard attentif surl'articulation entre les rpertoires de lauteur Martins Penna et les rpertoires des artistes

    brsiliens et portugais, une mlange dacteurs, chanteurs et danseurs, qui reprsentaient leurscomdies. La recherche soccupe de la notion de la cration artistique et rvle limportancedu partenariat entre les dramaturges, les artistes et les diteurs, par lequel les comdies deMartins Penna ont atteint la seconde moiti du XIXe sicle et lactualit.

    Mots-cls: Thtre musical. Musique thtrale. Martins Penna. Interlude. Opra-comique.

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    LISTA DE FIGURAS

    Fig. 1 1 Benefcio para liberdade de um escravo.DRJ, 4/10/1838. .............................. 20

    Fig. 2 Luiz Carlos Martins Penna. .................................................................................. 35

    Fig. 3 Cais dos Mineiros, Igreja da Candelria (RJ). Marc Ferrez (1884)...................... 67

    Fig. 4 Libreto Entremez Os doidos fingidos por amor. .................................................. 77

    Fig. 5 Mapa (1) adaptado do Rio de Janeiro, dcada de 1830. J. B. Debret. .................. 98

    Fig. 6 Estreia O juiz de paz da roa.DRJ, 3/10/1838................................................... 122

    Fig. 7 O novio,Os dois. So Lus (MA), O Globo, 21/05/1853. ................................ 128

    Fig. 8 Estreia Quem casa quer casa.DRJ, 5/12/1845. ................................................. 131

    Fig. 9 Martinho Correia Vasques. (FERREIRA, 1979, p. 55). ..................................... 138

    Fig. 10 ria do Capito mata-mouros. DRJ, 02/08/1845. ........................................ 141

    Fig. 11 Lundum do cobre chimango de meia cara.DRJ, 28/09/1833. ...................... 143

    Fig. 12 Mapa (2) adaptado do Rio de Janeiro, dcada de 1830. J. B. Debret. .............. 146

    Fig. 13 Tibia et scabellum. Mosaico. Sculo III. Internet. ............................................ 149

    Fig. 14 Lundu. J. M. Rugendas. Rio de Janeiro (1821-1825). ...................................... 159

    Fig. 15 Mercado da Praia do Peixe. Juan Gutierrez (1893-1894). ................................ 164

    Fig. 16 Benefcio para liberdade de um escravo.DRJ, 7/06/1844................................ 168

    Fig. 17 Cornet-a-piston. (KLIER, s/d). ......................................................................... 178

    Fig. 18 Banda de barbeiros msicos. (EWBANK, 1976 [1846], p. 191). .................... 185

    Fig. 19 Festa do Divino de Santa Anna.DRJ, 6/06/1846. ............................................ 188

    Fig. 20 Praia de Botafogo. A. Martenet.lbum pitoresco e musical(1856). ............... 198

    Fig. 21 Brigue ingls Wizard.DRJ, 15/05/1838. .......................................................... 198

    Fig. 22 Navio negreiroEspadarte.DRJ, 1/09/1840. .................................................... 199

    Fig. 23 Navio negreiro Veloz.DRJ,10/02/1845. .......................................................... 200

    Fig. 24 Saudades da Norma. O Mercantil, 3/08/1845. .............................................. 217

    Fig. 25 Venda de partitura (Se te adoro).DRJ, 26/12/1842. ..................................... 224

    Fig. 26 Estreia O namorador e A noite de So Joo.DRJ, 3/03/1845. ........................ 231

    Fig. 27 Modinha Astuciososos homens so.DRJ, 1/02/1840. ................................. 236

    Fig. 28 Le Trmolo. Capricho sobre um tema de Beethoven.................................... 242

    Fig. 29 Niccol Paganini. Fotogravura. Sculo XIX .................................................... 246

    Fig. 30 Grfico formal e de dinmica. Le Trmolo................................................... 249

    Fig. 31 Recital Agostino Robbio.DRJ, 25/08/1845. .................................................... 250

    Fig. 32 Fuga de escrava mina. DRJ, 19/06/1843. ......................................................... 252

    Fig. 33 Danas para pianistas iniciantes.DRJ, 17/04/1839. ......................................... 253

    Fig. 34 Estreia O Judas em sbado de aleluia.DRJ, 6/07/1844................................... 258

    Fig. 35 Sineiros. So Joo del Rey. Gomes (2009, p. 28)............................................. 274

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    Fig. 36 Irm. de N. Sra. da Lampadosa, Paula Brito. O Mercantil, 24/01/1845. ........... 285

    Fig. 37 Irm. de N. Sra. da Lampadosa, Os irmos das almas.DRJ, 4/12/1848. .......... 295

    Fig. 38 Missa pela alma de Martins Penna.DRJ, 14/02/1849. .................................... 295

    Fig. 39 Estreia O novio.DRJ, 10/08/1845. ................................................................. 308

    Fig. 40 O Porto do Rio de Janeiro. Pintura. Sinety (1841). ...................................... 314

    Fig. 41 Sinos portugueses, sc. XVIII, MSBRJ. Foto: Santos (s/d). ............................ 315

    Fig. 42 Benefcio de Martinho Correia Vasques.DRJ, 25/05/1865. ............................ 316

    Fig. 43 ria do mascate italianoe O Novio.DRJ, 25/05/1865. .............................. 318

    Fig. 44 O novio e o padre-mestre.Dirio de Belm(PA), 16/09/1876. ..................... 320

    Fig. 45 Mapa adaptado de A capital do Brasil (DE LA MICHELLERIE, 1831)..... 333

    TABELA

    Tab. 1 Grupos de comdias e respectivos polos cmicos e daperformance. .............. 324

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    LISTA DE EXEMPLOS

    Ex. 1 Trecho da ria de Pilhafre. Entremez Os doidos fingidos por amor................. 78

    Ex. 2 Trecho da ria de Samacuco. Entremez Os doidos fingidos por amor. ............ 78

    Ex. 3 Trecho da ria de Cacilda. Entremez Os doidos fingidos por amor. ................ 79

    Ex. 4 Trecho do dueto Quanto Amore, da peraL'Elixir d'amore. ............................. 93

    Ex. 5 Trecho da ria Credeasi, misera, 3 ato da peraI Puritani. ............................. 94

    Ex. 6 Dueto Va infelice, e teco reca, peraAnna Bolena(cs. 323-325). .................... 95

    Ex. 7 Dueto Va infelice, e teco reca, peraAnna Bolena(cs. 329-332). .................... 95

    Ex. 8 Dueto Va infelice, e teco reca, peraAnna Bolena(cs. 335-338). .................... 95

    Ex. 9 Trecho (a) do Orestes. (GROUT & PALISCA, 1994, p. 31). ............................. 110

    Ex. 10 Trecho (b) do Orestes. (GROUT & PALISCA, 1994, p. 31). ........................... 110

    Ex. 11 Tirana nordestina. (ANDRADE, 1989, p. 515). ................................................ 156

    Ex. 12 Tirana del Tripili". (LACERNA, 1751-1816). Grove Dictionary of Music. ... 157

    Ex. 13 Modinha Ganinha, minha ganinha. (LIMA, 2001, p. 89-91; 226). ................ 165

    Ex. 14 Fado choradinho", Lisboa, 1850. (NEVES, 1893, p. 217). ............................. 166

    Ex. 15 Botafogo. Demtrio Rivero, 1958 [1856]).lbum Pitoresco e Musical. ...... 174

    Ex. 16 L no Largo da S: lundu brasileiro para canto e piano. (1837-1838). .......... 191

    Ex. 17 Perfis meldicos de Maria Caxuxae L no Largo da S. .......................... 192

    Ex. 18 Melodia hipottica, ritmo de lundu, letra da loa do Esprito Santo. .............. 193

    Ex. 19 Santos Reis. Portugal. (NEVES, 1893-1899). ............................................... 208

    Ex. 20 Cantata de Reis. Sculo XIX. (ALVARENGA, 1946). ..................................... 209

    Ex. 21 Cantata de Reis. Sculo XIX. (MORAES FILHO, 1900). ................................ 210

    Ex. 22 Dueto Qual cor tradiste, 2 ato da peraNorma(vol. II, p. 396-397). .......... 215

    Ex. 23 ria de soprano Nel cor pi non mi sento, peraLa molinara(cs. 8-16). ..... 215

    Ex. 24 Cavatina Casta Diva, peraNorma. (vol. I, p. 123-125). .............................. 217

    Ex. 25 Maria Caxuxa. (ALVARENGA, 1982, p. 184-85). ....................................... 218

    Ex. 26 Mira, o Norma a tuoi ginocchi, 2 ato da peraNorma. ................................ 222

    Ex. 27 Modinha Se te adoro (ANDRADE, 1964 [1930], p. 27-28). ......................... 228

    Ex. 28 Modinha Astuciosos os homens so (1840). Setor de Msica da BNRJ....... 237

    Ex. 29 Introduo. Modinha Astuciosos os homens so........................................... 237

    Ex. 30 Primeira parte. Modinha Astuciosos os homens so...................................... 238

    Ex. 31 Modinha Astuciosos os homens so. (WETHERELL, 1860)........................ 238

    Ex. 32 Excerto. Modinha Astuciosos os homens so................................................ 241

    Ex. 33 Le Trmolo. Charles Auguste de Briot. Tema. ............................................. 247

    Ex. 34 Le Trmolo, Capricho para violino, Op. 30. Trecho...................................... 248

    Ex. 35 Tema variado. Le Trmolo. ............................................................................ 249

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    Ex. 36 Miudinho. Coleo de danas (1839). Setor de Msica da BNRJ............. 253

    Ex. 37 Melodia hipottica. Texto do gago Sabino, msica do Miudinho............. 254

    Ex. 38 Alleluia Pascha Nostrum. Graduale romanum(1961, p. 242). ..................... 265

    Ex. 39 Canto gregoriano Alleluia Pascha Nostrum. Transcrio............................. 266

    Ex. 40 Toque doAngelus. Manoel Cosme dos Santos (2014c). ................................... 272

    Ex. 41 Toque de sino, sbado de Aleluia, ritmo de baio. (Entoados, 14:59). ............ 274

    Ex. 42 Toque de sino, ritmo de capoeira. (Entoados, 1:09:40). ................................... 275

    Ex. 43 Toque de sino, ritmo de afox. (Entoados, 0:50:20). ........................................ 275

    Ex. 44 Dobre fnebre (defunto pobre). Tiradentes (MG). (Entoados, 36:20). ............. 294

    Ex. 45 Dobre fnebre (defunto rico). Tiradentes (MG). (Entoados, 36:40)................. 294

    Ex. 46 Repique fnebre (anjinho). (Entoados, 39:10). ............................................. 294

    Ex. 47 Polca Glria.lbum Pitoresco e Musical(1958 [1856]). ............................. 307

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    SUMRIO

    INTRODUO ............................................................................................................. 35

    PRIMEIRA PARTE ..................................................................................................... 47

    CAPTULO I O GRANDE TEATRO ...................................................................... 49

    1.1Comeando pelo final ............................................................................. 49

    1.1.1A censura do Conservatrio Dramtico Brasileiro ........................... 52

    1.1.2O Conservatrio Dramtico Brasileiro ............................................. 54

    1.2Antecedentes e contextualizao ............................................................ 58

    1.2.1Teatros no Brasil colonial ................................................................. 58

    1.2.2Os teatros e as irmandades rivais na Corte ....................................... 611.2.3 A diretoria do Teatro de So Pedro de Alcntara ................................ 651.2.4 Antecedentes dos repertrios dramtico-musicais oitocentistas ......... 67

    1.3Desdobrando os folhetins ........................................................................ 801.3.1 Prticas e repertrios dramtico-musicais do TSPA e do TSF ............ 811.3.3 Hierarquias artsticas, scio profissionais e espirituais.................... 85

    1.3.4 Martins Penna msico ......................................................................... 91

    CAPTULO II OS ARTISTAS ................................................................................. 99

    2.1 A longa durao ....................................................................................... 100

    2.2 Os dois polos da tradio cmica............................................................. 101

    2.2.1 Os dois polos da tradio cmica, as comdias e sua mousik......... 104

    2.3 Asperformancesdos trs grupos de comdias de Martins Penna ........... 106

    2.3.1Performance...................................................................................... 106

    2.4 Origens do teatro ...................................................................................... 107

    2.4.1 A coralidade em Martins Penna ........................................................ 109

    2.4.2

    O teatro latino ................................................................................. 112

    2.4.2.1 O ludiusator-danarino ............................................................ 116

    2.5 Os artistas das comdias de Martins Penna: entre coros e solos .............. 118

    2.5.1 Grupo ISituaes e coros ............................................................... 1182.5.2 Grupo IIPersonagens-tipos e solos ou duos ................................... 119

    2.5.3 Grupo IIISituaes e solos nos entreatos ....................................... 121

    2.6 Os repertrios atoriais e a dramaturgia musical de Martins Penna .......... 1212.6.1 Grupo I ............................................................................................... 122

    2.6.2 Grupo II ............................................................................................. 127

    2.6.3 Grupo III ............................................................................................ 132

    2.6.3.1 Martinho Correia Vasques .......................................................... 135

    2.6.3.1.1 O repertrio de Martinho Correia Vasques ........................... 137

    2.6.3.1.2 Martinho Correia Vasques e os benefcios ........................... 1412.7 Francisco de Paula Brito: tipgrafo maom antirracista .......................... 142

    2.7.1 Paula Brito, Martinho Correia Vasques e a imprensa negra ............. 144

    SEGUNDA PARTE..................................................................................................... 147

    CAPTULO III LUNDU .......................................................................................... 149

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    3.1 O juiz de paz da roa (1833-1837) ........................................................... 1503.1.1 Descrio do enredo da comdia ....................................................... 1513.1.2O contexto ....................................................................................... 1533.1.3A mousik da comdia .................................................................... 155

    3.2 Um sertanejo na Corte(1833-1837data provvel) ............................... 168

    3.2.1 Descrio do enredo da comdia ....................................................... 1683.2.2 A mousik da comdia: a Corte e a roa musicais...................... 171

    3.3A famlia e a festa da roa (1833-1837) ................................................... 1773.3.1 Descrio do enredo da comdia ....................................................... 1773.3.2 A mousik da comdia ....................................................................... 182

    3.4 Os dois ou O ingls maquinista (1842data provvel) .......................... 1943.4.1 Descrio do enredo da comdia ....................................................... 1953.4.2 Contexto ............................................................................................. 197

    3.4.3 A mousik da comdia ....................................................................... 205

    CAPTULO IVRIA............................................................................................. 2114.1 O diletante (1844) .................................................................................... 212

    4.1.1 Descrio do enredo da comdia ....................................................... 2124.1.2 A mousik da comdia ....................................................................... 214

    4.2. O namorador ou A noite de So Joo (1844).......................................... 2224.2.1 Descrio do enredo da comdia ....................................................... 2224.2.2 A mousik da comdia ....................................................................... 223

    4.2.2.1 Fogos de artifcio ......................................................................... 229

    4.3 O cigano (1845) ........................................................................................ 232

    4.3.1 O enredo da comdia.......................................................................... 2324.3.2 A mousik da comdia ....................................................................... 235

    4.4 Quem casa quer casa (1845)Provrbio em um ato .............................. 2414.4.1 Descrio do enredo da comdia ....................................................... 2424.4.2 A mousikda comdia ....................................................................... 244

    CAPTULO VALELUIA....................................................................................... 2575.1O Judas em sbado de aleluia (1844) ................................................... 257

    5.1.1 Descrio do enredo da comdia ....................................................... 2585.1.2 A mousik da comdia ....................................................................... 261

    5.1.2.1 O grande coro ........................................................................... 263

    5.1.2.2 Os sinos da Corte imperial: voltando no tempo ........................... 2675.1.2.3 Os sineiros ................................................................................... 2715.1.2.4 Os toques dos sinos: repiques e dobres........................................ 273

    5.2 Os irmos das almas (1844) ..................................................................... 2755.2.1 Descrio do enredo da comdia ....................................................... 2775.2.2 O contexto da comdiaA boa morte.............................................. 279

    5.2.2.1 Irmandades ................................................................................... 2835.2.2.1.1 Martins Penna e as irmandades ............................................. 284

    5.2.2.1.2 A Irm. de Nsa. Sra. da Lampadosa e os negros mina ............ 2865.2.3 A mousik da comdia ....................................................................... 292

    5.3. Os cimes de um pedestre (1845-1846) .................................................. 296

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    5.3.1 Descrio do enredo da comdia ....................................................... 2965.3.2 A mousik da comdia ....................................................................... 299

    5.4 O novio (1845) ....................................................................................... 3085.4.1 Descrio do enredo da comdia ....................................................... 3095.4.2 A mousik da comdia ....................................................................... 312

    5.4.3 Aleluia! Martinho Correia Vasques e O novio................................ 316CONCLUSO ............................................................................................................. 323REFERNCIAS .......................................................................................................... 337

    1. Bibliografia ................................................................................................ 3372. Peridicos ................................................................................................... 3493. Imagens ...................................................................................................... 3514. URL Links ................................................................................................. 3515. Manuscritos ................................................................................................ 352

    6. Partituras .................................................................................................... 353

    7. Vdeo documentrio ................................................................................... 3548. Anexo ......................................................................................................... 354

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    LISTA DE ABREVIATURAS

    BNRJ Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

    CDB Conservatrio Dramtico Brasileiro

    DRJ Dirio do Rio de Janeiro

    Folh. Folhetins:A Semana lrica

    JC Jornal do Commercio

    MSBRJ Mosteiro de So Bento do Rio de Janeiro

    TSF Teatro de So Francisco

    TSPA Teatro de So Pedro de Alcntara

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    PREFCIO

    Apesar de conhecermos as comdias de Martins Penna desde dcadas atrs, s

    comeamos a cogitar a possibilidade de estud-las no doutorado aps ler repetidas menes em

    estudos de historiadores como Lilian Moritz Schwarcz (1998), Martha Abreu (1999) e Luiz

    Felipe Alencastro (2000), alm de musiclogos como Cristina Magaldi (2004) e Antnio Jos

    Augusto (2008). Estas menes atiaram nossa curiosidade, conduzindo-nos aos dois estudos

    mais extensos sobre Martins Penna e suas obras teatrais, a saber, o de Raimundo Magalhes Jr.

    (1972) e, principalmente, o de Vilma Aras (1987). Esta pesquisadora revelou que Martins

    Penna cantava nos sales e compunha rias, apesar de no ser especializado musicalmente

    (ARAS, 1987, p. 66), afirmao com a qual no concordamos, pois, como verificaremos ao

    longo desta tese, Martins Penna era msico.

    O estudo excelente de Aras nos mostrou a ponta de um iceberg. Passamos a ler as

    comdias completas de Martins Penna, ainda sem sabermos ao certo o que nelas havia de

    msica. Surpreendemo-nos, ento, ao identificar um universo sonoro amplo, constitudo por

    danas, letras de canes, rias de pera, ttulos de obras, nomes de compositores, cantores e

    instrumentistas, alm de termos tcnicos e sonoridades as mais diversas, como sons de sinos,

    foguetes, bombas e rojes, animais etc.

    Posteriormente, foi fundamental a leitura do artigo Presena musical italiana na

    formao do teatro brasileiro, de Maria de Lourdes Rabetti (2007a), no qual a autora

    destacava as relaes entre teatro e msica na formao do teatro brasileiro dcadas antes

    do chamado teatro musicado da segunda metade do sculo XIX , utilizando, como

    exemplo principal, a comdia O diletante (1845), de Martins Penna, uma pardia da pera

    Norma, de Vincenzo Bellini (1801-1835). Esse texto e as questes por ele levantadas nos

    levaram a convidar sua autora, professora do Programa de Ps-Graduao em Artes

    Cnicas/PPGAC da UNIRIO, a participar das bancas e ensaios, bem como da co-orientao

    da presente tese.

    Comeamos ento a buscar partituras e outras informaes sobre as msicas, danas,

    autores e sonoridades mencionadas nas comdias de Martins Penna, alm de dados referentes

    aos homens e mulheres que presenciaram, criaram ou recriaram as prticas artsticas da poca.

    A carncia de fontes, contudo, levou-nos, ou melhor, obrigou-nos a pesquisar os peridicos

    oitocentistas e, apesar de o foco na tese ser a msica nas comdias de Martins Penna, o temada escravido negra demonstrou ser quase onipresente. Defrontamo-nos com milhares de

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    anncios de venda, compra, troca e aluguel de pretos, negros e pardos, alm de

    gratificaes por delaes e captura de escravos fugidos, estampando nas pginas dos jornais

    as marcas da sociedade escravocrata imperial. Como assinalado por Silva (2010, p. 16),

    muitas vezes na imprensa do sculo XIX os escravos fugidos eram descritos pelos sinais de

    maus-tratos e castigos que sofriam ou pelas deformaes devidas ao excesso de trabalho. Seus

    donos no se envergonhavam em identific-los por marcas de ferro em brasa e sinais de

    tortura, como cicatrizes feias de correntes no pescoo e de ferros nos ps.

    Os anncios mostravam um pesadelo real, do qual as comdias de Martins Penna

    estavam prximas, em mais de um sentido. Em 4 de outubro de 1838, logo abaixo

    do anncio de estreia da primeira comdia de Martins Penna O juiz de paz da roa

    (1833-1837), apresentada no Teatro de So Pedro de Alcntara, pela companhiadramtica do ator e empresrio brasileiro Joo Caetano (1808-1863) o peridico

    Dirio do Rio de Janeiroanunciou:1

    O ineditismo do anncio acima citado consistia na pessoa beneficiada: no um ator ou

    atriz de condio livre, como ocorria geralmente, mas sim um escravo negro, o qual estaria

    presente no teatro para que o pblico veja aquele para cuja liberdade concorre generoso.

    1O primeiro benefcio promovido neste teatro por F. de P. Brito para liberdade de um escravo, ter lugar no dia7 de outubro, com o drama Morte da Camesria, Dueto, Fara. Brito, apesar das promessas que tem tido

    dos seus amigos e fregueses, espera, para fim to justo, merecer proteo do pblico. O recebimento dasesprtulas, no dia do benefcio, se far com o beneficiado, para que o pblico veja aquele para cuja liberdadeconcorre generoso. Os bilhetes vendem-se na imprensa de Brito, Praa da Const ituio, n. 65. (DRJ,4/10/1838).

    Fig. 1 1 Benefcio para liberdade de um escravo.DRJ, 4/10/1838.

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    O promotor do pioneiro espetculo em benefcio2para a liberdade de um escravo

    foi o editor, livreiro, letrista de lundus e tipgrafo negro Francisco de Paula Brito (1809-1861),

    a partir de 1842, o principal editor das comdias de Martins Penna. A primeira comdia

    publicada na Tipografia Imparcial de Paula Brito, em 1842, foi justamente O juiz de paz da

    roa,que tambm seria encenada em benefcio da liberdade de um escravo, em junho de 1844,

    no Teatro de So Francisco. A comdia fazia referncia umbigada e era encerrada com um

    nmero de msica e dana, hbrido de tirana (dana popular espanhola) com fado afro-brasileiro

    gnero de msica e dana surgido no Brasil na dcada de 1820 (NERY, 2004) , sendo

    apresentado pela atriz e danarina Estela Sezefreda (1810-1874) e pelo ator, cantor e danarino

    negro Martinho Correia Vasques (1822-1890), acompanhados de viola, palmas e percusso.

    O tema da escravido se faz presente desde o incio at o final das comdias deMartins Penna, refletindo a postura crtica do autor frente questo, premente na poca.

    Chalhoub (2012a) assinala que em todo o perodo do trfico negreiro para o Brasil, desde

    meados do sculo XVI at a dcada de 1850, chegaram ao pas cerca de quatro milhes e

    oitocentos mil africanos escravizados (CHALHOUB, 2012a, p. 33). Mais de dois milhes,

    ou seja, quase 42% do total, vieram na primeira metade do sculo XIX, sendo que, entre 1831

    e 1850 o mesmo perodo em que Martins Penna criou suas comdias , foram

    desembarcados no Rio de Janeiro mais de 750.000 escravos, infringindo tratadosinternacionais e a legislao nacional, que haviam tornado ilegal o trfico negreiro.

    Em 2014, seguindo uma pista sugerida na Cena I de O juiz de paz da roa, estivemos

    na regio porturia do Valongo, referida na fala da personagem Maria Rosa, que reclamava:

    Os meias-caras agora esto to caros! Quando havia Valongo eram mais baratos!

    (MARTINS PENNA, 2007 [1833-1837], p. 6, vol. I). O comentrio da personagem deve ser

    entendido em seu contexto: o Valongo era a faixa litornea que se estendia da prainha

    Gamboa, regio que, a partir de meados do sculo XIX, integrar a assim denominadaPequena frica, devido grande quantidade de moradores negros, considerada o bero do

    2Guinsburg (2006, p. 60-61) assinala que o chamado espetculo em benefcio ou simplesmente benefciosurgiu provavelmente na Frana, em 1735, quando os artistas da Comdie Franaise entregaram a renda de umespetculo a uma atriz que havia perdido seus bens num incndio. Bastos assinala que os benefcios eram umamaneira de os artistas equilibrarem as suas finanas, pela insignificncia de alguns ordenados e pelos meses emque no tm contrato (BASTOS, 1994 [1908], p. 24). Segundo Rocha (2012, p. 25), no sculo XIX estesespetculos eram denominados, em Portugal, festas artsticas ou festas de benefcio (porque revertiam para oartista), se distinguindo das festas com objetivos beneficentes, que revertiam para associaes, instituies,vtimas de incndio, etc. No Brasil tal distino no se verificava; ambos os espetculos teatrais (em benefcio de

    artistas, associaes ou indivduos) eram denominados simplesmente benefcio. No temos notcia de outrosbenefcios para a liberdade de escravos nos teatros do Rio de Janeiro antes de outubro de 1838, como estepromovido por Paula Brito e anunciado junto estreia de O juiz de paz da roa, de Martins Penna, de quemPaula Brito se tornaria o principal editor a partir de 1842.

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    samba. Como assinalado por Silva (2007), desde o sculo XVII, os escravos eram

    desembarcados na alfndega e levados aos depsitos e armazns na Rua Direita (atual Rua

    Primeiro de Maro), onde eram expostos e vendidos. Em 1769, o Marqus do Lavradio

    transferiu o mercado de escravos para o Valongo, onde funcionou at 1831 (SILVA, 2007, p.

    53; HONORATO, 2008). O local foi um grande complexocomercial do qual faziam parte: um

    caisonde foram desembarcados cerca de um milho de negros trazidos fora da frica para

    servirem de mo de obra escrava no Brasil; um lazareto, no qual os negros eram colocados em

    quarentena, aps chegarem com todo tipo de doenas e molstias contagiosas contradas na

    longa travessia do Atlntico;galpesonde os escravos esqulidos e enfraquecidos ganhavam

    peso antes de serem expostos e vendidos, e por fim; o cemitrio dos pretos novos, a cerca de

    500 metros do cais do Valongo, no qual eram depositados os corpos daqueles que noresistiam e morriam aps terem concludo a travessia.

    O cemitrio dos pretos novos a maior necrpole escrava das Amricas foi

    redescoberto por acaso em 1996, durante a reforma da residncia do casal Guimares, na Rua

    Pedro Ernesto, n. 36, Gamboa. Os corpos de escravos eram empilhados flor da terra, a um

    palmo de profundidade, em valas comuns, junto a restos de alimentos, roupas, garrafas, louas

    e panelas. Aps a descarnao, os ossos eram carbonizados para otimizar o espao reduzido

    do local, visando jogar ali mais corpos e coisas. Somente no perodo de 1824 a 1830 foramsepultados 6.122 pretos novos perfazendo uma mdia de mais de 1.000 corpos por ano, 85

    por ms, 3 por dia. A parquia de Santa Rita era a responsvel pela administrao do

    cemitrio, cobrando do Estado pelo servio, apesar de os corpos serem enterrados nus,

    envoltos apenas por uma esteira, sem qualquer ritual religioso, reza ou sacramento

    (CARVALHO, 2007). As pesquisas arqueolgicas revelaram no stio diversos artefatos de

    ferro, comprovando a capacidade de produo de metalurgia, por parte dos africanos. Objetos

    de uso dirio, como pontas de lana e cachimbos de barro foram encontrados, alm de objetosmgicos e paramentos, como contas de vidro, colares e argolas.

    A fala da personagem da primeira comdia de Martins Penna alude diretamente ao

    trfico negreiro praticado ilegalmente a partir de 1831, quatro anos aps Portugal e Inglaterra

    ratificarem o acordo que o extinguia. O Valongo foi ento fechado, aps mais de 60 anos de

    funcionamento. O comrcio, contudo, continuou clandestinamente at 1850 (quando da

    abolio do trfico negreiro), tornando ainda mais caro o preo dos escravos, chamados agora

    de meias-caras (escravos contrabandeados).

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    Foi somente aps nossa visita ao cemitrio dos pretos novos desde 2008 um

    memorial importante da herana cultural negra3que compreendemos o horror que os negros

    sentiam quanto possibilidade de terem seus corpos jogados flor da terra, de maneira

    desumana, numa cova ou vala em qualquer lugar da cidade imperial do Rio de Janeiro e seus

    arredores ou, ainda pior, de terem seus corpos e seus restos mortais desaparecidos para

    sempre, como ocorria no cemitrio dos pretos novos.

    Morte e comdia no esto em polos opostos, como comprovam as farsas Os irmos

    das almas e Os cimes de um pedestre ambientadas por sons de sinos, seja dobrando

    lentamente ou marcando as horas da madrugada. Na segunda comdia, censurada pelo

    Conservatrio Dramtico Brasileiro, em dezembro de 1845, Martins Penna na poca, 2

    Secretrio do Conservatrio Dramtico aludiu a um fato verdico ocorrido na Corte

    imperial. Um proprietrio de escravos castigou um destes at a morte e, para se livrar do

    crime, ps o cadver num saco, ordenando a outro de seus negros que o atirasse ao mar.

    Uma patrulha, contudo, abordou o negro e, descobrindo sua carga, levou-o preso e intimou

    seu dono, sendo o fato amplamente noticiado pela imprensa da Corte.

    Passados quase dois sculos, a obra de Martins Penna permanece atual. Ao abordar o

    crime, hoje imprescritvel e inafianvel, de tortura, homicdio e ocultao de cadver

    semelhante a outras graves violaes de direitos humanos ocorridas ao longo da histria

    brasileira, como na guerra de Canudos, na ditadura militar de 1964-1985 ou, atualmente, nas

    grandes cidades do pas, onde milhares de jovens pobres e negros so assassinados a cada ano

    , Martins Penna e suas comdias parecem exemplificar o contnuo histrico de longa durao

    assinalado por Luiz Felipe de Alencastro:

    O escravismo no se apresenta como uma herana colonial, como umvnculo com o passado que o presente oitocentista se encarregaria dedissolver. Apresenta-se, isto sim, como um compromisso para o futuro: oImprio retoma e reconstri a escravido no quadro do direito moderno,dentro de um pas independente, projetando-a sobre a contemporaneidade(ALENCASTRO, 1997, p. 17).

    No coincidncia que a primeira comdia de Martins Penna tenha estreado dias antes

    do primeiro benefcio teatral para a liberdade de um escravo, promovido por Francisco de

    Paula Brito, futuro editor do comedigrafo. Esta tese pretende contar uma histria pouco

    conhecida, da qual participaram homens de letras e artistas, e na qual esto relacionados

    msica, teatro e sociedade.

    3IPN/Instituto de Pesquisa e Memria Pretos Novos (ANJOS, 2013).

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    Fig. 2 Luiz Carlos Martins Penna.

    INTRODUO

    Pesquisas acadmicas recentes abordaram os gneros principais de teatro musicado

    no Brasil da segunda metade do sculo XIX: mgicas, operetas e revistas de ano (FREIRE,

    1999; MENCARELLI, 1999; MAGALDI, 2007; AUGUSTO, 2008; CHIARADIA, 2012).

    Entretanto, os gneros de teatro com msica produzidos na primeira metade do mesmo sculo

    constituem objeto de estudo praticamente inexplorado pelas pesquisas musicolgicas.

    Neste perodo, viveu Luiz Carlos Martins Penna (Rio de Janeiro, 5 de novembro de 1815

    Lisboa, 7 de dezembro de 1848), consagrado na historiografia teatral como o fundador

    da comdia de costumes no Brasil (HELIODORA, 1966, p. 32; MAGALDI, 1996,

    p. 42; PRADO, 1999, p. 138; BOSI, 2012, p. 239).

    As historiografias do teatro e da msica no tm registrado, contudo, salvo algumas

    excees (ARAS, 1987; GIRON, 2004; RABETTI, 2007a), a contribuio de Martins Penna

    na articulao entre estes dois campos. Como assinalado pioneiramente por Rabetti (2007a),

    a comdia de costumes de Martins Penna consiste numa espcie inicial de teatro musicado

    dcadas antes do surgimento das revistas e operetas, na segunda metade do sculo XIX

    (RABETTI, 2007a, p. 74).

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    As vinte comdias de Martins Penna,4escritas entre os anos de 1833 e 1846, revelam

    uma musicalidade evidente. Entre menes nos textos e a utilizao em cena de recursos

    musicais-coreogrficos a lista extensa, incluindo danas, canes com e sem indicao de

    texto, alm de ttulos de obras romnticas, nomes de compositores, cantores, instrumentistas e

    editores, termos tcnicos e, por fim, sons de sinos, animais, bofetadas, chicotadas, rojes,

    flatos etc. Inicialmente pensamos em analisar todas as vinte comdias, mas, medida que a

    pesquisa transcorria, verificamos que uma anlise exaustiva deste quantitativo representaria

    um esforo excessivo para o tempo da pesquisa. Optamos, assim, realizadas as primeiras

    anlises, por estabelecer um recorte musicalmente representativo, escolhendo doze comdias

    que foram subdividas em trs grupos, cada qual denominado segundo as categorias que

    emergiram das anlises musicais. O grupo ILundu , devido presena de um complexode danas que inclui, alm do prprio lundu, a tirana, o fado, a curitiba, a marcha, a valsa, o

    galope e a contradana. O grupo IIria , por causa da quantidade expressiva de canes,

    como rias, duetos e tercetos de pera italiana, alm de modinhas, lundus, polcas e miudinhos.

    O grupo III Aleluia , devido predominncia da temtica religiosa, evidenciada pela

    presena do canto gregoriano, junto aos sons de sinos, fogos e bandas de msica, entre outros.

    Grupo I:

    O juiz de paz da roa(estreada em 04/10/1838);Um sertanejo na Corte(escrita provavelmente em 1833-1837, nunca representada);

    A famlia e a festa da roa(estreada em 01/09/1840);Os dois ou O ingls maquinista(escrita provavelmente em 1842, estreada em 1845).

    Grupo II:O diletante(estreada em 25/02/1845);O namorador e A noite de So Joo(estreada em 13/03/1845);O cigano(escrita em 1845, estreada em 15/07/1845);Quem casa quer casa(estreada em 05/12/1845).

    Grupo III:O Judas em sbado de aleluia (estreada em 17/09/1844);Os irmos das almas (estreada em 19/09/1844);O novio (estreada em 10/08/1845);Os cimes de um pedestre ou O terrvel capito-do-mato (estreada em 09/07/1846).

    O Quadro 1 apresenta os itens contemplados na presente pesquisa, separados em trs

    grupos de comdias, cada qual subdividido em cinco subgrupos:

    4Martins Penna comps um total de vinte e sete peas, sendo dezoito comdias em um ato e quatro em trs atos,

    somadas a cinco dramas histricos. Vinte textos cmicos (alguns incompletos) chegaram aos dias de hoje. Cf.Rondinelli (2012, p. 2).

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    Quadro 1. Cantos, danas, instrumentos, artistas e sonoridades no convencionais.

    COMDIAS Msicasvocais

    Danas Instrumentos Compositores eintrpretes

    Sonoridadesno

    convencionais

    GRUPO 1

    Lundu

    Loas dasfolias doDivinoEsprito

    Santo e deReis, fado.

    Tirana, fado,batuque, curitiba,

    msica debarbeiros,lundu,

    marcha, valsa,galope,

    contradanasfrancesas.

    Viola,5machete,6cornet--piston,

    pandeiro,tambor.

    Sino, cacos,pratos, bater depalmas, coaxar

    de sapos,flatos, louaquebrando,bofetadas,chicotadas.

    GRUPO 2

    ria

    Modinhaannima

    Astuciosos

    os homensso, canoportuguesa

    MariaCaxuxa,

    Lundu Euque sigo omeu bem,

    rias, duetose tercetos depera italiana(La Molinarade Giovanni

    Paisiello eNorma deVincenzoBellini,

    Il Furioso,Belisario e

    Anna Bolenade GaetanoDonizetti.

    Valsa, polca,caxuxa,

    muquiro,

    miudinho.

    Fagote, frauta,piano,sanfona,

    rabeca,realejo.7

    VincenzoBellini, MariaMalibran, Joo

    BartolomeuKlier (com sualoja detrs do

    Hospcio),Carlo Bassini,

    Hector Berlioz,Niccol

    Paganini, Saint-Sans, Padre

    Antnio Vieira,Charlatinini,

    Charles-Auguste de

    Briot (autor deCapricho para

    violinoLeTrmolo,sobre

    um tema deBeethoven, Op.

    30).

    Sino, louaquebrando,som de luta,

    gargalhadas,rudo de

    fechadura,fogos deartifcio,

    chicotadas.

    GRUPO 3

    Aleluia

    Responsrio,trechos

    pequenos emlatim, euquero ser

    frade, rezase trechos deladainhas.

    Polca. rgo, bandamilitar demsica.

    Dobres erepiques de

    sinos, rojes,bombas,assobio de

    palha, gritos,estrondo de

    portas batendo,sons de

    animais comoo gato, o tigre,o elefante e o

    leo.

    5

    Viola designa o instrumento de dez cordas (cinco cordas duplas), de tamanho pouco menor ao de um violo.6Machete um instrumento de quatro cordas simples, semelhante ao cavaquinho.7 Realejo um rgo mecnico, no qual o movimento rotativo da manivela faz girar cilindros dotados de

    pinos, que erguem teclas permitindo que o ar entre nos tubos desejados (SADIE, 1994, p. 768)

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    Como revelado pelo quadro acima, cada um dos trs grupos de comdias possui

    particularidades e predominncias que os distinguem dos demais. O grupo I (Lundu), por

    exemplo, apresenta a maior quantidade de referncias a danas, enquanto que o grupo III

    (Aleluia) a menor. Em compensao, o grupo III tem o maior nmero de sonoridades no

    convencionais, enquanto que o grupo II (ria) o nico que apresenta nomes de cantores,

    compositores e instrumentistas. Os grupos I e II apresentam quase o mesmo nmero de

    instrumentos, embora estes sejam de tipos diferentes.

    Apesar de as menes sonoras e musicais das comdias de Martins Penna no estarem

    confinadas em um s espao ou se restringirem a uma mesma camada social possvel

    delimit-las, de maneira aproximada, representando espaos cnicos e contextos

    socioculturais distintos. O grupo I tem como espao cnico as festas populares,respectivamente uma festa de casamento e um cortejo da folia do Imperador do Divino

    Esprito Santo na roa, e um baile e uma Folia do dia de Reis na cidade. As msicas esto

    associadas principalmente aos trabalhadores, como escravos e homens livres pobres,

    incluindo tiranas, lundus, fadinhos, msica de barbeiros (valsas, quadrilhas, marchas) e

    loas.8 Os instrumentos-smbolo so a viola de dez cordas, a corneta (cornet--piston) e a

    percusso. Outras sonoridades aludem a sapos, sinos, flatos, bofetadas e chicotadas.9

    O grupo II tem como espao cnico principal as salas de casas na cidade do Rio deJaneiro e, de maneira indireta, as ruas (com as procisses religiosas) e o Teatro de So Pedro

    de Alcntara (peras e concertos). As msicas e danas esto associadas principalmente ao

    universo das camadas mdias e altas da populao da corte, tendo como exemplos: rias de

    pera, caprichos para violino, cachucha, valsa e polca. Os instrumentos-smbolo so o piano,

    a rabeca e o fagote. Outras sonoridades incluem sinos, chicotadas, loua quebrando,

    gargalhadas e rudo de fechadura.

    O grupo III tem como espao cnico as salas de casas na cidade, as festas religiosasnas ruas e, de maneira indireta, o convento (Mosteiro) de So Bento. A musicalidade est

    predominantemente associada ao universo sacro, seja o da igreja ou das festas nas ruas,

    consistindo de hinos e responsrios gregorianos, fragmentos meldicos de carter pardico,

    8Loa um gnero potico e musical. O texto, de carter descritivo, em verso, pretende fazer a apologia de

    algum ou de um acontecimento. Pode ser apenas dito, representado ou cantado. At meados do sculo XX eracomum fazer anteceder os teatros populares, ou os autos, das representaes de loas. [...] Nas cerimniasreligiosas com componentes profanas, como o caso dos crios, as loas so tambm recitadas ou entoadas por

    personagens que fazem parte do ritual, louvando os santos ou a Virgem (CASTELO-BRANCO, p. 705-706).9Sonoplastia e trilha sonora so termos emprestados do rdio e do cinema, portanto, cunhados aps a pocade Martins Penna. Os hoje chamados efeitos de sonoplastia no recebiam uma denominao especial no

    perodo por ns estudado. A produo em cena de sonoridades como troves, sinos, ap itos, animais etc. estava,geralmente, a cargo de contrarregras ou dos prprios atores. Cf. Moreira (2013, p. 21).

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    alm de espocar de foguetes, gritaria de moleques, banda de msica e assobio de palha. O

    instrumento-smbolo o sino de grande importncia, como veremos. A mousik

    complementada por sons de rgo e pelo coro infernal de animais.

    O universo sonoro constitudo pelo conjunto das doze comdias de Martins Penna

    abrange gneros musicais-coreogrficos afro-brasileiros (batuque, fado, lundu, miudinho) e

    do universo popular urbano transnacional oitocentista (lundu,10 tirana, quadrilha, marcha,

    valsa, caxuxa, polca). Estas danas foram desenvolvidas e misturadas entre si e com outras

    ainda, originando gneros importantes do teatro musicado nas dcadas finais do sculo XIX e

    incio do XX, como o maxixeantecessor do samba, presente nas mgicas e revistas de ano

    (MENCARELLI, 1999; FREIRE, 2011, p. 218). Completando o conjunto diversificado, as

    referncias afro-brasileiras e populares urbanas somam-se s da pera italiana, da msica deconcerto europeia romntica e do teatro religioso ibrico.

    Em nossa tese buscaremos responder s seguintes questes:

    Qual a procedncia e as caractersticas das menes sonoras, musicais e musical-

    coreogrficas referidas no quadro acima? Como se equivaliam ou se opunham dentro do

    sistema de relaes entre comdia e msica? Como as performances musicais ocorriam?

    Quem compunha, cantava e tocava? Como era sua recepo pelo pblico? Como as msicas e

    sonoridades aludidas nas comdias estavam relacionadas ao contexto da sociedadeescravocrata e patriarcal da cidade do Rio de Janeiro oitocentista?

    Para responder s questes acima colocadas utilizaremos um conjunto de fontes, que

    compreende os textos de doze comdias escritas por Martins Penna entre 1833 e 1846

    (MARTINS PENNA, 2007 [1833-1847]), os folhetins publicados no Jornal do Commercio

    (MARTINS PENNA, 1965 [1846-1847]), os manuscritos autgrafos depositados no Setor de

    manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro,11alm de anncios e crticas colhidas

    em peridicos da poca, relatos de viajantes, iconografia, partituras e estudos de historiadores.As comdias demonstram a msica desempenhava um papel fundamental, mesmo

    quando no era efetivamente tocada ou cantada, mas apenas sugerida pelas referncias do

    texto, ecoando na imaginao do pblico. Os leitores e espectadores das comdias de Martins

    Penna eram, em sua maioria, frequentadores do Teatro de So Pedro de Alcntara, onde a

    maioria das pecas do autor foi representada em meio a programas que contavam com

    10Nas dcadas iniciais do sculo XIX, o lundu era um fenmeno transnacional, pois era danado nos sales,

    teatros e circos no Brasil, Argentina, Peru, Bolvia, Uruguai e, desde fins do sculo XVIII, nos teatros emPortugal (VEGA, 2007, ULHA; COSTA-LIMA NETO, 2013).11Quando possvel, os textos impressos das comdias analisadas na tese foram cotejados com os manuscritosautgrafos de Martins Penna.

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    aberturas orquestrais (sinfonias), tragdias, comdias, rias e duetos de pera, coros,

    bailados, entremezes e farsas (SOUZA, 1968). Por meio das menes musicais Martins Penna

    dialogava com o horizonte de expectativas (JAUSS, 1993) destes leitores -espectadores-

    ouvintes qualificados, culturalmente capazes de decifrar as intenes codificadoras do autor.

    Como assinalado por Jauss:

    Uma obra no se apresenta nunca, nem mesmo no momento em que aparece,

    como uma absoluta novidade, num vcuo de informao, predispondo antes oseu pblico para uma forma bem determinada de recepo, atravs de

    informaes, sinais mais ou menos manifestos, indcios familiares ou

    referncias implcitas. Ela evoca obras j lidas, coloca o leitor numa

    determinada situao emocional, cria, logo desde o incio, expectativas a

    respeito do meio e do fimda obra que, com o decorrer da leitura, podem serconservadas ou alteradas, reorientadas ou ainda ironicamente desrespeitadas,

    segundo determinadas regras de jogo relativamente ao gnero ou ao tipo de

    texto (JAUSS, 1993, p. 66-67).

    A noo de horizonte de expectativas est relacionada a dois conceitos bsicos de

    nossa pesquisa, o de pardiae o de stira. Para compreendermos as diferenas entre ambas,

    recorremos ao estudo fundamental de Hutcheon (1985, p. 48). Segundo a autora, a maioria dos

    tericos da pardia associa a origem do termo ao substantivo grego parodia (contracanto),

    apesar de esta nem sempre ir contra um texto, pois frequentemente este respeitado comomodelo. Para Hutcheon, o prefixopara tem dois significados: a) contra ou oposio (ethos

    ridicularizador) e; b) ao longo de ou prximo de (ethos reverente); o segundo significado

    sugerindo acordo ou intimidade, ao invs de contraste. A pardia tem, assim, natureza

    ambivalente, pois tanto reverncia como transgresso, admirao e ridculo mordaz

    (HUTCHEON, 1985, p. 28).

    Ainda segundo Hutcheon (p. 28), a pardia se distingue da stira, pois enquanto o alvo

    da primeira sempre intramural, i. e., outra obra de arte ou, dito de outra forma, as normasestticas, a stira, por sua vez, extramural e simultaneamente moral e social no seu

    alcance. Gravdal (2001 [1989]) assinala que pardia e stira so ambas formas de reproduo

    distorcida de um modelo, usualmente cmico, se diferenciando, contudo, quanto a seu alvo:

    As stiras tm como alvo o extra literal, o mundo exterior: costumes,instituies, atitudes e prticas, sejam sociais, polticas ou religiosas. A stirafrequentemente descrita como um espelho no qual os vcios do mundo realso refletidos (GRAVDAL, 1994 [1989], p. 47).

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    Dito de outra forma, o alvo da stira social e moral no seu objetivo aperfeioador

    de ridicularizar os vcios e loucuras da humanidade, tendo em vista a sua correo

    (HUTCHEON, 1985, p. 61). Alm disso, a stira uma representao crtica, sempre cmica

    e muitas vezes caricatural de objetos reais cuja realidade, contudo, pode ser mtica ou

    hipottica (ZIVA BEM-PORAT citado por HUTCHEON, 1985, p. 67-68). Muitas vezes, a

    stira utiliza formas pardicas para fins expositrios ou agressivos, visando distorcer,

    depreciar e ferir (HUTCHEON, 1985, p. 62).

    A ironia o ethos comum pardia e stira, sendo ethos a reao intencionada

    inferida e motivada pelo texto. A raiz grega eironeia,sugere dissimulao e interrogao: A

    ironia funciona, pois, quer por antfrase, quer como estratgia avaliadora que implica numa

    atitude do agente codificador para com o texto em si, atitude que, por sua vez, permite e exigea interpretao e avaliao do descodificador (p. 73). A funo pragmtica da ironia

    avaliar, julgar. Quando pardia, stira e ironia se sobrepem h um auge de subverso, tanto

    esttica como socialmente. Como veremos na presente tese, tanto a pardia como a stira

    sero utilizadas por Martins Penna em sua dramaturgia musical.

    Como Mota assinala (2008), o dramaturgo grego era no apenas o autor do texto

    teatral, mas o compositor e criador de melodias,alm de regente dos coros. A dramaturgia

    musical consistia da articulao das diferenas entre, de um lado, as partes recitadas pelosatores e, de outro, as partes cantadas pelo coro, que marcavam o ritmo de representao do

    espetculo (MOTA, 2008, p. 77). A mousikgrega abrangia a obra teatral e suaperformance,

    se efetivando na interao entre o artista-msico-poeta e a audincia (GENTILI, 1985,

    citado por MOTA, 2008, p. 23).

    A antiga noo grega de mousikest associada com as musas, deusas que, segundo a

    mitologia, presidiam todas as atividades do pensamento, incluindo a eloquncia, a persuaso,

    a histria, a matemtica, a astronomia. Euterpe, Calope, Clio, Talia, Melpmene, Terpscore,rato, Urnia e Polmnia eram filhas de Zeus com Mnemsine, a deusa da memria. Euterpe

    era a musa associada msica, inventora da flauta e dos demais instrumentos de sopro,

    enquanto Calope estava relacionada eloquncia e poesia (MOREIRA, 2013, p. 36).

    As musas e as atividades por elas presididas estavam inter-relacionadas; a noo de

    mousikse referia tanto arte dos sons, como poesia e dana, simultaneamente. Como

    Jussara Moreira (2013) assinala em seu trabalho sobre a msica no teatro de rua

    contemporneo, necessrio questionarmos a noo que considera a msica como uma arte

    isolada, pura. No teatro, o universo sonoro inseparvel da visualidade e dos corpos em

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    movimento, por isso, cumpre repensar a msica como musicalidade, relacionando-a s

    potencialidades sonoro-musicais do ator e da cena:

    Elaborar a ambientao sonora de um espetculo, criar um tema musical

    para um personagem, improvisar um verso ou melodia, cantar, tocar uminstrumento ou danar em cena, antes de tudo, retornar antiga mousik[...] anterior histrica ciso entre as artes e transitar entre sons,palavras e aes. , tambm, permitir que um texto literrio, quandoutilizado, fale, atravs de outras sintaxes e outras semnticas, rtmicas emeldicas, e infiltre, por entre as palavras soadas, imagens sonoras que[as] ampliem ou revelem como contraditrias. A musicalidade de umespetculo tambm uma potica; mas uma potica que nasce, antes detudo, de uma escuta cnica em que se fundem as linguagens visual esonora (MOREIRA, 2013, p. 21nosso grifo).

    A noo de mousikest relacionada, assim, com a de dramaturgia musical. A noo

    referida permitir que percebamos Martins Penna no apenas como comedigrafo pioneiro,

    mas tambm como dramaturgo musical, criador de um texto hbrido, no qual as palavras

    engendram imagens sonoraspor meio de uma escuta cnica (MOREIRA, 2013).

    Alm das comdias, utilizaremos como fonte os folhetins lricos escritos por Martins

    Penna e publicados no Jornal do Commercio, entre 8 de setembro de 1846 e 6 de outubro de

    1847. Os folhetins exemplificam que seu autor no era apenas um comedigrafo, mas um

    artista que tambm cantava, sabia ler partitura, detinha conhecimentos terico-prticos sobre

    instrumentao e orquestrao integradas cena, compunha rias, alm de conhecer as escolas

    de canto operstico.Martins Penna era msico.

    Os folhetins de Martins Penna exemplificam como os espetculos apresentados nos

    teatros da Corte pelas companhias nacionais e estrangeiras faziam parte de uma rede de

    relaes. O conceito de redefoi assim definido por Norbert Elias (1994):

    Cada pessoa que passa por outra, como estranhos aparentementedesvinculados na rua, est ligada a outra por laos invisveis, sejam esteslaos de trabalho e propriedade, sejam de instintos e afetos. Os tipos maisdspares de funes tornaram-na dependentes de outrem e tornaram outrosdependentes dela. Ela vive, e viveu numa redede dependncias [...]. Para teruma viso mais detalhada deste tipo de relao, podemos pensar no objeto deque deriva o conceito de rede: a rede de tecido. Nessa rede, muitos fiosisolados ligam-se uns aos outros. No entanto, nem a totalidade da rede nem aforma assumida por cada um de seus fios podem ser compreendidas emtermos de um nico fio, ou mesmo de todos eles, isoladamente considerados;a rede s compreensvel em termos da maneira como eles se ligam, de sua

    relao recproca (ELIAS, 1994, p. 22; 35nosso grifo).

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    Para avaliar os significados mltiplos que as aluses musicais inseridas nos textos das

    comdias adquiriram, tentaremos desvelar a rede de textos que conferia significado a um texto

    especifico, ao mesmo tempo em que nos aproximamos da escuta ou recepo dos homens e

    mulheres que presenciaram, criaram ou recriaram as praticas artsticas da poca. A rede da

    qual as comdias faziam parte abrangia no apenas os artistas e pblico, mas tambm as

    instituies governamentais, polticas e culturais ligadas monarquia, com as quais o prprio

    Martins Penna tinha uma relao conflituosa. Escrevendo logo aps a Independncia, Martins

    Penna se alinhava ideologicamente com outros intelectuais e artistas contemporneos ou

    imediatamente posteriores, como Gonalves de Magalhes, Jos de Alencar e Joaquim Manuel

    de Macedo para integrar o Romantismo brasileiro, escola que se colocava como tributria do

    nacionalismo. Este se caracterizava no mais pela reproduo de modelos importados, maspela busca de uma identidade prpria, capaz de definir os traos de uma brasilidade cultural

    (ULHA, 2007). Contudo, se os outros autores se caracterizavam pelo registro solene e

    dramtico, Martins Penna, por sua vez, tinha no cmico sua marca principal. No tardou para

    entrarem em choque, como veremos no captulo I.

    Tendo como modelo o estudo de Lilia Moritz Schwarcz (1987) sobre jornais, escravos

    e cidados em So Paulo no final do sculo XIX, o presente trabalho esboa uma metodologia

    para a pesquisa musicolgica em peridicos, utilizando uma dupla perspectiva sincrnica ediacrnica. Por meio desta metodologia, percebemos como o estudo da musicalidade das

    comdias de Martins Penna est relacionado a uma rede de pessoas que contriburam para a

    consolidao das prticas culturais do perodo. Esta rede inclui no somente msicos, atores e

    danarinos, mas tambm editores, como oj referido Francisco de Paula Brito, responsvel

    por peridicos pioneiros voltados questo racial e s mulheres e, a partir de 1842, pela

    publicao das comdias de Martins Penna.12Como veremos ao longo deste trabalho, o caso

    de Paula Brito revela que as atividadesnoestavam separadas naquela poca: tipgrafos eramletristas de canes (algumas de protesto poltico) que, impressas nos peridicos, passavam a

    circular pelas casas, ruas e teatros da cidade.

    12Francisco de Paula Brito nasceu em dois de dezembro de 1809, no Rio de Janeiro, Rua do Piolho, n. 148(atual Rua da Carioca). Era filho de Maria Joaquina da Conceio e de Jacintho Antunes Duarte. Sua irm maisvelha, Anna Anglica das Chagas, lhe ensinou as primeiras letras aps a famlia ter se mudado para Suru, na

    provncia do Estado, em 1815. Seu av, Martinho Pereira de Brito toreuta ou ourives de martelo(especializado em fabricar lmpadas de prata para igrejas) e comandante do 4 Regimento dos Pardoso trouxede volta para a Corte em 1824, e introduziu-o s profisses. Brito inicialmente trabalhou numa botica, mas logodepois foi contratado pela Tipografia Nacional, passando sucessivamente para duas outras tipografias, dos

    franceses Ren Ogier e Pierre Plancher. Adquiriu sua primeira tipografia aos 21 anos de idade, logo aps ter secasado, em 1830, com Rufina Rodrigues da Costa. provvel que tenha entrado para a maonaria em 1827,poca em que trabalhou no recm-fundado Jornal do Commercio, de propriedade de Pierre Plancher e, depois,Emil Seignot, ambos franceses e, ao que parece, maons (AZEVEDO, 2010, p. 82-83; 128-129).

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    A pesquisa nos peridicos foi incrementada com o lanamento da Hemeroteca Digital

    Brasileira pela Fundao Biblioteca Nacional em julho de 2012. Na Hemeroteca Digital

    Brasileira, a consulta pode ser feita por ttulo, perodo, edio, local de publicao e palavra(s)-

    chave. A vantagem da pesquisa a possibilidade de coleta quase que exaustiva exceto

    quando o programa de Reconhecimento tico de Caracteres (Optical Character

    Recognition/OCR) no identifica os termos, seja devido ortografia diferenciada (polka em

    vez de polca, por exemplo), seja pelo estgio deteriorado do original. Apesar deste pequeno

    seno, h que se realar o cuidado que a Fundao Biblioteca Nacional teve ao digitalizar seu

    material com uma tecnologia que permite a busca textual, diferentemente de outros arquivos e

    repositrios que disponibilizam seus acervos digitalizados apenas como figura, obrigando o

    pesquisador a ler todo o material.13

    Em nossa pesquisa foi de especial importncia o Dirio do Rio de Janeiro, o primeiro

    peridico a circular diariamente na corte, desde 1821 at 1878 (HALLEWELL, 2012 [1985],

    p. 12314). Como assinalado por Sodr (1966, p. 58), o Dirio do Rio de Janeiro

    popularmente conhecido como Dirio do Vintm, devido ao baixo preo (60 ris) era um

    jornal que publicava anncios relativos a escravos fugidos, leiles, compras, vendas, achados,

    aluguis e preos de alimento, alm de informaes particulares, como furtos, assassinatos,

    reclamaes e, o que nos interessa especialmente neste trabalho, divertimentos, espetculos,

    venda de partituras e letras de msicas. Ao incluir tambm anncios de outros jornais e

    revistas, o Dirio do Rio de Janeironos possibilita entrever a cena cultural diversificada da

    primeira metade do sculo XIX, bem como a sua conturbada interface poltica.

    Acrescentamos que a maior parte do repertrio de canes no perodo contemplado

    nesta pesquisa era improvisada ou fazia parte da tradio oral, por isso, mesmo que

    tivssemos registro em partitura, no haveria como saber exatamente como era aperformance

    musical oitocentista. Assim, em alguns casos, propomos partituras hipotticas, com base em

    evidncia de repertrio semelhante em partituras existentes apesar destas no serem mais

    13Antes de 2012, os peridicos do sculo XIX eram acessveis na diviso de obras raras da BNRJ por meio de

    microfilmes. A pesquisa era lenta, quando no era interrompida por conta de problemas administrativos nainstituio, entre eles a falta de leitores de microfilme suficientes ou restrio de horrio de consulta. Outraopo, no Rio de Janeiro, para a consulta, por exemplo, do JC (fundado em outubro de 1827 e em circulaoininterrupta desde ento) a biblioteca do IHGB Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, assim como a

    biblioteca da ACRJAssociao Comercial do Rio de Janeiro, onde foram higienizados todos os 1.627 volumesdoJC. Ver Ulha e Costa-Lima Neto (2013).14

    Desde 1808, aps a chegada da corte de D. Joo VI, at 1821, um ano antes da Independncia, s circulava nacapital do Brasil, somente duas vezes por semana, a Gazeta do Rio de Janeiro, veiculando principalmentecomunicados do governo. Em Londres, por sua vez, entre os anos de 1808 e 1822 circulou o Correio

    Braziliense, fundado por Hiplito da Costa. Cf. Hallewell (2005 [1985]).

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    que um registro esmaecido das prticas musicais da poca. Desta maneira, alm do vis

    musicolgico histrico tradicional, acrescentamos nesta tese um elemento de pesquisa-

    criao, testando algumas possibilidades do que poderiam ser as msicas nas comdias. Neste

    sentido, nossa tese pode, talvez, contribuir para projetos da chamada rea de performance

    historicamente informada.

    Nossa hiptese principal nesta tese a de a dramaturgia musical de Martins Penna ter

    sido influenciada pela tipologia de papis da longa tradio cmica do Ocidente e tambm

    pelos repertrios atoriais dos artistas de sua poca, que se desdobravam em atores, cantores e

    danarinos, em dilogo constante com as prticas artsticas da poca. Para testar nossa

    hiptese, empreenderemos um percurso metodolgico que prev as seguintes etapas, dividida

    em duas partes; a primeira com dois captulos, a segunda com trs.

    No captulo I, verificamos a pera da poltica, isto , como os espetculos

    apresentados nos teatros da Corte faziam parte de uma delicada rede de relaes, que abrangia

    as instituies governamentais, polticas e culturais ligadas ao governo imperial, com as quais

    o prprio Martins Pena tinha uma relao conflituosa, devido as suas comdias. Destacamos

    as relaes entre Martins Penna e a diretoria do Teatro de So Pedro de Alcntara, assim

    como as tenses entre o comedigrafo e o Conservatrio Dramtico Brasileiro.

    No captulo II, veremos como os repertrios atoriais (ou bagagem artstica) eram

    atualizados ao serem reelaborados criativamente pelos artistas durante as performances

    teatrais em diferenciados contextos, alcanando resultados tanto mais satisfatrios quanto os

    artistas fossem competentes na tarefa de agradar as plateias da poca nos assim chamados

    espetculos em benefcio.

    Os captulos III, IV e V, na realidade, integram um grande captulo analtico, no qual:

    (a) verificamos a procedncia e as caractersticas das menes musicais e sonoras presentes

    nas comdias por ns elencadas para anlise; (b) percebemos como estas menes se

    equivaliam ou se opunham dentro do sistema de relaes entre comdia e msica e; (c)

    relacionamos a mousik das comdias ao contexto da poca.

    Na concluso, por fim, respondemos s questes de estudo, retomando as hipteses e

    argumentos iniciais, apontando, ainda, desdobramentos possveis da pesquisa.

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    PRIMEIRA PARTE

    CONTEXTUALIZAO

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    CAPTULO IO GRANDE TEATRO

    Durante o perodo compreendido entre 8 de setembro de 1846 a 6 de outubro de 1847,

    Luiz Carlos Martins Penna escreveu folhetins15 publicados semanalmente no Jornal do

    Commerciolanados em formato de livro apenas em 1965, sob o ttuloFolhetins, A Semana

    Lrica. Os folhetins de Martins Penna versavam principalmente sobre as apresentaes

    de pera sria e cmica realizadas nos dois principais teatros da Corte: os rivais Teatro de

    So Pedro de Alcntara e o Teatro de So Francisco, cada qual com duas companhias;

    uma dramtica e outra lrica. Apesar de no constiturem as fontes principais de nossa

    pesquisa, os folhetins revelam dados fundamentais sobre as relaes artsticas e comerciais

    estabelecidas entre Martins Penna, os atores, os empresrios teatrais, a imprensa e o pblicoda Corte. Alm disso, os folhetins informam sobre os repertrios e prticas artsticas dosdois

    teatros rivais acima referidos. O cantor era o artista hierarquicamente mais importante e o que

    recebia melhores vencimentos, em oposio aos coristas e msicos da orquestra. O prprio

    Martins Penna vendia suas comdias ao Teatro de So Pedro de Alcntara, as mesmas que

    como veremos mais detidamente no captulo IIeram estreadas em benefcio dos artistas da

    companhia dramtica portuguesa chegada ao Brasil, em 1829 (PRADO, 1972, p. 42).

    Os folhetins evidenciam que Martins Penna era msico, pois dominava a partitura e

    detinha conhecimentos terico-prticos sobre, por exemplo, registros vocais e instrumentais,

    andamentos, tonalidades, ornamentao, harmonia e orquestrao. O autor se revela, ainda,

    expert quanto s escolas de canto, aos enredos das peras italianas e das peras cmicas

    francesas, seus personagens, cenrios etc.

    1.1Comeando pelo final

    Segundo a primeira biografia escrita sobre Martins Penna (VEIGA, 1877, p. 378-380),

    o autor nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 5 de novembro de 1815, e faleceu em 7 de

    dezembro de 1848, em Lisboa (Portugal), vitimado pela tuberculose, aos 33 anos. Desde

    fevereiro de 1848, ele vinha desempenhando a funo de adido do consulado brasileiro em

    Londres (Inglaterra). Em novembro deste mesmo ano, contudo, Martins Penna solicitou e

    15Meyer (2005 [1996], p. 57-84) informa que o folhetim (feuilleton) originrio da Frana do incio do sculoXIX, designando um lugar preciso do jornal, o rodap, geralmente da primeira pgina, tendo como finalidade oentretenimento. A partir de 1836, torna-se romance-folhetim, quando os romances de autores como Honor deBalzac, Alexandre Dumas e Eugne Sue passam a ser publicados em fatias seriadas, segundo a frmula:

    continua num prximo nmero. Ainda segundo Meyer (p. 281 -282), os folhetins franceses chegam ao Brasil,em 1838, iniciando por O capito Paulo,de Alexandre Dumas. Romances de autores brasileiros, como AntnioGonalves Teixeira e Souza (O filho do pescador) e Joaquim Manuel de Macedo (A moreninha), so publicadosnos folhetins a partir da dcada de 1840, em peridicos como oJC.

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    obteve licena mdica para voltar ao Brasil, pois o clima frio e mido da capital inglesa

    precipitara a molstia pulmonar que vinha se agravando desde 1843. Com a sade seriamente

    comprometida, o autor chegou a Lisboa, de onde esperava zarpar para o Brasil. Foi instalado

    num hotel no cais do Sodr, em frente ao rio Tejo pelo qual os navios alcanavam o oceano

    Atlntico , mas mesmo amparado pelo cnsul brasileiro Vicente Ferreira da Silva e pelo

    mdico portugus Bernardino Antnio Gomes, Martins Penna no resistiu doena e faleceu.

    Seu cadver foi enterrado no cemitrio dos Prazeres e os restos mortais foram exumados em

    11 de setembro de 1850, sendo remetidos para o Brasil e guardados no jazigo da famlia no

    cemitrio So Joo Batista (MAGALHES JR., 1972, p. 247).

    Martins Penna havia embarcado para Londres em 12 de outubro de 1847, apenas uma

    semana aps escrever o ltimo de seus folhetins publicados no Jornal do Commercio, mais

    uma vez criticando a decadncia dos dois principais teatros da corte imperial; o Teatro de So

    Pedro de Alcntara e o Teatro de So Francisco, cada qual com sua companhia lrica

    estrangeira.

    O teatro italiano est nos seus paroxismos; morrer e muito breve. Dizemque o seu presidente vai convocar uma junta, para que o doente no lhemorra nas mos. [...] O teatro francs no est em circunstncias menoscrticas. Aprima-donnaenfadou-se, e pede mais dinheiro para nos dar um ar

    de sua graa. [...].Declamar sobre runas da competncia dos filsofos e poetas; estes quelamentem e cantem as passadas glrias de nossos teatros. Por mim, suspendopor ora minhas revistas. Se algum dia se erguerem eles [os teatros] doabatimento em que jazem, e ningum o deseja mais do que eu, continuarei asua crnica com a costumada imparcialidade (MARTINS PENNA, Folh.,1965 [6 de outubro de 1847], p. 378).

    Havia mesmo uma crise teatral generalizada que o folhetinista acompanhou de perto,

    como frequentador assduo dos principais teatros da Corte. O comentrio de Martins Penna,

    contudo, era tambm um desabafo pessoal. A partir da censura de sua comdia Os cimes de

    um pedestre ou O terrvel capito-do-mato, em dezembro de 1845, pelo Conservatrio

    Dramtico Brasileiro, o autor vinha sofrendo boicote por parte dos empresrios teatrais

    cariocas. Desde 1844, Martins Penna vendia suas comdias para a diretoria do Teatro de So

    Pedro, mas aps a censura, contudo, foram abaladas as frgeis relaes comerciais mantidas

    entre autor e diretoria. Se em 1845, estrearam naquele teatro nove comdias de Martins

    Penna, em 1846, por sua vez, apenas duas peas novas foram representadas: o drama em um

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    ato O segredo de Estado e a comdia em trs atos A barriga de meu tio.16A partir da, o

    nmero de reap