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Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom. NEGOCIANDO “ROTAS DE PEREGRINAÇÃO” A atuação dos representantes do Grão-Pará no Parlamento do Império do Brasil – 1826 a 1829 André Roberto de A. Machado 1 Um dos aspectos mais discutidos do livro Nação e Consciência Nacional, de Benedict Anderson, trata-se da importância atribuída pelo autor às ditas “rotas de peregrinação” na formação das “comunidades imaginadas”. 2 Para Anderson, os caminhos traçados pela circulação de homens e mercadorias – seja nas trocas comerciais, seja na necessidade de deslocamento dos indivíduos para completar seus estudos, recorrer à justiça, pedir um cargo ou uma mercê – seriam um importante fator para amalgamar comunidades que, posteriormente, dariam origens a nações independentes. Dentro desse raciocínio, Anderson usou como exemplo a América Espanhola, tentando demonstrar que existiam ali unidades, inclusive administrativas, que precederam a formação dos Estados no século XIX. 3 Há alguns anos, historiadores têm convergido para a importância da hipótese de Benedict Anderson no caso brasileiro, justamente pelo seu inverso: ao invés de explicar o motivo pelo qual o Império do Brasil conservou o antigo território da América Portuguesa, o modelo de Anderson deixa este enigma ainda mais complexo. Isto porque a colonização portuguesa na América, ao longo de séculos, não criou uma, mas diversas “rotas de peregrinação” 4 , o que contribuiu, entre outras coisas, para a formação de distintas identidades políticas coletivas e complexas relações de centro-periferia. 5 É bem verdade que os diversos caminhos dos súditos portugueses na América tinham seu ponto de convergência na metrópole, o que dava certa coesão ao conjunto. 6 Contudo, uma vez desfeito este ponto de convergência das redes internas a partir da ruptura com Lisboa, quais seriam as conseqüências políticas? A formação dessas redes internas na colônia portuguesa foi um fenômeno de grande importância. O próprio Braudel, ao buscar explicar a hierarquização dos espaços em torno de cidades para as quais convergiam os fluxos comerciais e de pessoas, cita como exemplo a colonização portuguesa na América. Para ele, cidades como Recife, Salvador e o Rio de Janeiro eram pólos em torno dos quais se organizaram as comunidades do interior do continente, 1 Pós-doutorando do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – CEBRAP. Agradeço à Fapesp pelo financiamento desta pesquisa. 2 Benedict Anderson. Nação e Consciência Nacional. Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Ática, 1989, capítulo 4. 3 Idem. 4 István Jancsó. Independência, independências. IN: István Jancsó (org.). Independência: História e Historiografia. São Paulo: Fapesp / Hucitec, 2005, p. 17-18. 5 István Jancsó; João Paulo G. Pimenta. Peças de um mosaico (ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional brasileira). IN: Carlos Guilherme Mota (org.) Viagem Incompleta: a experiência brasileira (1500-2000). Formação: Histórias. 2ª edição, São Paulo: Editora Senac, p. 142-143; André Roberto de A. Machado. A quebra da mola real das sociedades: a crise política do Antigo Regime Português na província do Grão-Pará (1821-25). São Paulo: USP, 2006, p. 86-90. Tese de doutorado. Disponível em: www.teses.usp.br. 6 István Jancsó; João Paulo G. Pimenta. Peças de um mosaico. Op. Cit., p. 155.

NEGOCIANDO “ROTAS DE PEREGRINAÇÃO” XIX/PDF/Autores e Artigos/Andre... · identidade nacional brasileira). IN: Carlos Guilherme Mota (org.) Viagem Incompleta: a experiência

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Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.

NEGOCIANDO “ROTAS DE PEREGRINAÇÃO”

A atuação dos representantes do Grão-Pará no Parlamento do Império do Brasil – 1826 a 1829

André Roberto de A. Machado1

Um dos aspectos mais discutidos do livro Nação e Consciência Nacional, de Benedict

Anderson, trata-se da importância atribuída pelo autor às ditas “rotas de peregrinação” na

formação das “comunidades imaginadas”.2 Para Anderson, os caminhos traçados pela

circulação de homens e mercadorias – seja nas trocas comerciais, seja na necessidade de

deslocamento dos indivíduos para completar seus estudos, recorrer à justiça, pedir um cargo ou

uma mercê – seriam um importante fator para amalgamar comunidades que, posteriormente,

dariam origens a nações independentes. Dentro desse raciocínio, Anderson usou como exemplo

a América Espanhola, tentando demonstrar que existiam ali unidades, inclusive administrativas,

que precederam a formação dos Estados no século XIX.3

Há alguns anos, historiadores têm convergido para a importância da hipótese de Benedict

Anderson no caso brasileiro, justamente pelo seu inverso: ao invés de explicar o motivo pelo

qual o Império do Brasil conservou o antigo território da América Portuguesa, o modelo de

Anderson deixa este enigma ainda mais complexo. Isto porque a colonização portuguesa na

América, ao longo de séculos, não criou uma, mas diversas “rotas de peregrinação”4, o que

contribuiu, entre outras coisas, para a formação de distintas identidades políticas coletivas e

complexas relações de centro-periferia.5 É bem verdade que os diversos caminhos dos súditos

portugueses na América tinham seu ponto de convergência na metrópole, o que dava certa

coesão ao conjunto.6 Contudo, uma vez desfeito este ponto de convergência das redes internas a

partir da ruptura com Lisboa, quais seriam as conseqüências políticas?

A formação dessas redes internas na colônia portuguesa foi um fenômeno de grande

importância. O próprio Braudel, ao buscar explicar a hierarquização dos espaços em torno de

cidades para as quais convergiam os fluxos comerciais e de pessoas, cita como exemplo a

colonização portuguesa na América. Para ele, cidades como Recife, Salvador e o Rio de Janeiro

eram pólos em torno dos quais se organizaram as comunidades do interior do continente, 1 Pós-doutorando do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – CEBRAP. Agradeço à Fapesp pelo financiamento desta pesquisa. 2 Benedict Anderson. Nação e Consciência Nacional. Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Ática, 1989, capítulo 4. 3 Idem. 4 István Jancsó. Independência, independências. IN: István Jancsó (org.). Independência: História e Historiografia. São Paulo: Fapesp / Hucitec, 2005, p. 17-18. 5 István Jancsó; João Paulo G. Pimenta. Peças de um mosaico (ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional brasileira). IN: Carlos Guilherme Mota (org.) Viagem Incompleta: a experiência brasileira (1500-2000). Formação: Histórias. 2ª edição, São Paulo: Editora Senac, p. 142-143; André Roberto de A. Machado. A quebra da mola real das sociedades: a crise política do Antigo Regime Português na província do Grão-Pará (1821-25). São Paulo: USP, 2006, p. 86-90. Tese de doutorado. Disponível em: www.teses.usp.br. 6 István Jancsó; João Paulo G. Pimenta. Peças de um mosaico. Op. Cit., p. 155.

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constituindo-se também a sua porta de saída para o mundo.7 No período da independência, os

contemporâneos também tomavam esta questão em conta ao fazer seus prognósticos: em agosto

de 1822, por exemplo, o cônsul francês Albert Roussin projetava que, após a ruptura com

Lisboa, seria provável que o território da antiga colônia americana se dividisse em vários

Estados independentes que agrupariam regiões em torno de cidades que, entre outras coisas,

proporcionariam o escoamento de produtos para o mar.8

É verdade que a independência, com a conseqüente manutenção dos antigos domínios

portugueses na América sob uma única bandeira9, desautorizou aqueles que julgavam ser este

desfecho impossível pela ausência de fortes ligações entre todas as províncias e dessas com o

Rio de Janeiro. Contudo, nem por isso esta questão deixou de ser importante, especialmente no

caso do Grão-Pará, província responsável pela eleição dos parlamentares analisados neste artigo.

Se a historiografia muitas vezes apontou a pouca expressiva relação com o sul do continente

entre as dificuldades do Rio de Janeiro para atrair essa província durante o processo de

independência10, vários documentos indicam que este quadro não se alterou nos anos seguintes.

Demonstra isso a procedência das embarcações que visitaram o porto de Belém em 1828: dos

quase 130 vasos que ali estiveram, excetuando-se aqueles vindos do Maranhão, apenas um

procedia de outros portos brasileiros. Em compensação, quase um quarto dos navios era

português, ainda parceiro em número maior de embarcações se comparados a ingleses e

estadunidenses.11 Se este já era um número expressivo, é surpreendente saber que neste ano e

também em 1829, os Presidentes do Grão-Pará justificavam o caos financeiro da província, entre

outras coisas, pelo enfraquecimento do comércio com Portugal, causado por questões

políticas.12

Não era apenas o comércio paraense que estava pouco integrado ao restante do Império do

Brasil: documentos do Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa indicam que os habitantes do

Grão-Pará continuavam encaminhando petições de todo tipo ao governo português, pelo menos

7 Fernand Braudel. Civilização Material, Economia e Capitalismo. Séculos XV-XVIII. Volume 3: O Tempo do Mundo. Tradução: Telma Costa. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 395. 8 Thomas Wisiak. A Nação partida ao meio: tendências políticas na Bahia na crise do Império Luso-Brasileiro. São Paulo: USP, 2001, p. 181. Dissertação de Mestrado. Sobre a crença dos contemporâneos de que o território do Reino do Brasil se fragmentaria com a independência em função dos diferentes fluxos comerciais e políticos, veja de Maria Odila Silva Dias. A Interiorização da Metrópole. IN: Carlos Guilherme Mota (org.). 1822: dimensões. 2ª edição, São Paulo: Perspectiva, 1986, p. 175-178. 9 Obviamente, excetuando-se a Cisplatina. 10 Entre outros, veja de Geraldo Mártires Coelho. Anarquistas, demagogos e dissidentes: a imprensa liberal no Pará de 1822. Belém: Cejup, 1993; José Alves Souza Jr. Constituição ou revolução: os projetos políticos para a emancipação do Grão-Pará e a atuação de Filipe Patroni (1820-23). Campinas: Unicamp, 1997. Dissertação de mestrado; André Roberto de A. Machado. A quebra da mola real das sociedades. Op. Cit. 11 A tabela com a lista das embarcações está transcrita em Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro. Nos subterrâneos da revolta: Trajetórias, lutas e tensões na Cabanagem. São Paulo: PUC/SP, 1998, p. 179-180. Tese de doutorado. 12 Arquivo Público do Estado do Pará (APEP) – Códice 869, d. 10, em 11 de agosto de 1828; APEP – Códice 870, d. 49, em 08 de abril de 1829.

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até 1828. Entre as solicitações estavam pedidos de documentos, remunerações por serviços

prestados e até a pretensão de cargos. Exemplo disso é o conjunto de cartas enviadas do Grão-

Pará em favor de um tenente de infantaria da província que fora deportado para a Europa. As

cartas enviadas do Grão-Pará atestavam serviços prestados em favor do pedido do tenente que

desejava ser alçado ao posto de capitão em outro lugar dos domínios ultramarinos portugueses,

sugerindo Cabo Verde, Angola, Moçambique ou Goa.13 Longe de ser um problema isolado,

tratou-se de uma prática recorrente para aqueles que desejavam reivindicar direitos nesta parte

do Império, mesmo anos depois da independência. Tanto era este o quadro que, em 1833,

discutia-se na Câmara dos Deputados uma representação do Conselho Geral do Maranhão

pedindo que o Parlamento brasileiro tomasse medidas para anular qualquer direito em relação a

causas judiciais que os habitantes do Grão-Pará e Maranhão continuavam a demandar na Casa

de Suplicação de Lisboa.14

Desde o início dos trabalhos parlamentares, deputados e senadores do Império tinham isto em

mente e, não por acaso, o Maranhão e, especialmente, o Grão-Pará sempre foram utilizados

como exemplo de províncias longínquas que só poderiam ser mantidas com mudanças

profundas na organização do Império.15 Nesse sentido, já no primeiro mês de trabalho

parlamentar, em 27 de maio de 1826, esta questão é levantada por José Ricardo da Costa Aguiar

Andrada, um deputado eleito por São Paulo e primo de Bonifácio16, que falava com a autoridade

de alguém que exercera cargos públicos no Grão-Pará por 10 anos: solicitava o envio de

engenheiros e naturalistas para o território paraense com o objetivo de recolher informações e

melhorar sua situação. A razão para as dificuldades da província estava, para Costa Aguiar,

relacionada à sua posição longínqua e propor mudanças era uma forma de indicar aos habitantes

dessa porção do Império que os representantes da nação não esqueciam deles.17

Esta proposta inicial abriu caminho para um longo debate. Na seqüência, Gonçalves Martins,

eleito pelo Maranhão, pediu as mesmas providências para esta província. Deputados de várias

origens também discursaram sobre o descaso com esta parte do Império, seu subaproveitamento

e a sua importância estratégica. Gonçalves Martins reforçava a urgência, dizendo que o Pará e o

Maranhão pareciam riscados do mapa do Império, uma vez que providências e notícias

13 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU) – ACL – CU- 013, Cx. 164, d. 12554 (Projeto Resgate). 14 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Senhores Deputados. Sessão de 1833. Rio de Janeiro: Tipografia da Viúva Pinto e Filho, 1887. Sessão de 05 de agosto de 1833. 15 Exemplifica isto o debate sobre a criação dos Conselhos Gerais das Províncias, quando o Maranhão e o Pará são sempre citados. Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Senhores Deputados. Sessão de 1828. Rio de Janeiro, Tipografia Parlamentar, 1876. Sessão de 10 de maio. 16 Sobre a ligação deste deputado com o grupo liberal paulista, veja de Miriam Dolhnikoff. O Pacto Imperial: Origens do Federalismo no Brasil. São Paulo: Globo, 2005, p. 29. 17 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos senhores deputados. Sessão de 1826. Rio de Janeiro: Tipografia do Imperial Instituto Artístico, 1874. Sessão de 27 de maio de 1826.

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demoravam até 8 meses para chegar lá, parte delas vindas pela Inglaterra. Logo depois, Marco

Antonio Bricio, eleito pelo Ceará, sugeriu o pedido de estudos para o estabelecimento de um

caminho mais fácil para a comunicação entre Belém e o Rio de Janeiro. Seria a primeira

proposta de criação de novas vias de comunicação com o norte, a qual se juntariam muitas

outras ao longo da primeira legislatura. Contudo, a urgência dos representantes do norte na

resolução desta questão chocava-se com a disposição de outros parlamentares: ao perceber que

todas as providências citadas nesta sessão iam ser adiadas para o pedido de maiores informações

ao governo, o deputado Gonçalves Martins novamente protestou. Disse que os representantes

não estavam ali só para fazer leis gerais, mas também para acudir as províncias que representam,

sendo que os deputados tinham as informações necessárias. Claramente, julgava-se este

procedimento uma ação protelatória que se repetiria muitas vezes.18 No final da primeira

legislatura, em 4 de agosto de 1829, D. Romualdo Antonio de Seixas, deputado eleito pelo Pará,

ressentia-se que a administração do Império não tivesse mudado sua postura em relação aquela

província e ao Maranhão. Para ele, o Pará só era lembrado quando era necessário despachar

degredados, como se a região, em suas palavras, fosse um “presídio da Costa da África,

destinado para depósito de ladrões e assassinos”.19

Ao acompanhar a atuação dos representantes do Grão-Pará no Parlamento do Império durante a

primeira legislatura (1826-29), é evidente que no primeiro plano das suas reivindicações estava

uma profunda mudança em uma série de práticas sociais e políticas que podem ser entendidas

aqui como “rotas de peregrinação”. Isso abarca, por exemplo, as várias propostas de criação de

vilas, comarcas e até províncias, uma vez que alteravam o deslocamento dos homens no seu

relacionamento com os poderes do Estado.20 Também podem ser citadas a criação de institutos

educacionais e a organização dos tribunais superiores. Além disso, é claro, fazem parte disso as

propostas de criação de novas vias de comunicação. Estas, aliás, não tinham apenas a função de

integrar mercados, mas também de fazer valer o poder da administração central. Nesse sentido,

uma das justificativas usadas por Seixas para urgência na melhoria das comunicações fluviais

era facilitar a comunicação, de forma que os Presidentes de província não se julgassem imunes à

justiça.21 Certamente, este era o sentimento geral, já que o próprio Ministro da Fazenda admitia,

em 1828, não ter muito a fazer em relação ao não pagamento pelo Maranhão da cota da dívida

18 Idem. Também nessa sessão, Manoel Odorico Mendes, eleito pelo Maranhão, chega a dizer que estava farto de esperar, ao comentar o adiamento das providências sugeridas em razão do pedido de informações ao governo. 19 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1829. Rio de Janeiro: Tipografia de H. J. Pinto, 1877. Sessão de 4 de agosto de 1829. 20 Para exemplificar isso, basta lembrar que ao defender a criação da província do Rio Negro, D. Romualdo Seixas dizia ser absurdo continuar sujeitando os habitantes desta região à necessidade de ir a Belém para pedir as coisas mais miúdas. Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos senhores deputados. Sessão de 1828. Op. Cit, sessão de 17 de maio de 1828. 21 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos senhores deputados. Sessão de 1826. Op. Cit, sessão de 29 de julho.

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pública que lhe correspondia, uma vez que não tinha sequer alguma notícia desta província há

um ano e meio.22 Não por acaso, o inglês Henrique Lister Maw, de passagem pelo Pará em

1829, julgou que no interior dessa província o “isolado branco era ele mesmo um Imperador”,

podendo cometer todas as atrocidades que desejasse contra os indígenas, mesmo contrariando o

que se decidia no Rio de Janeiro. Afinal, lembrava ele, uma resposta do Rio de Janeiro para essa

região poderia levar até mais de um ano.23

IDÉIAS DE REPRESENTAÇÃO, OS REPRESENTANTES DO GRÃO-PARÁ E SUA

ATUAÇÃO NA PRIMEIRA LEGISLATURA (1826-29)

Atualmente, os cientistas políticos têm apontado como características do sistema representativo

moderno o fim do mandato imperativo e a superação da idéia de que o parlamentar representa a

comunidade específica que o elegeu, sendo esta percepção substituída pela noção de

“representantes da nação”. As idéias anteriores, mandato imperativo e representação de partes,

são apontadas como tradições medievais de representação, já devidamente superadas na França

e na Inglaterra na virada do século XVIII para o XIX.24 Freqüentemente, cita-se o famoso

discurso do parlamentar inglês Edmund Burke, feito em 1774, aos seus eleitores: “O parlamento

não é um congresso formado por embaixadores de interesse diferentes e hostis, que cada um

deve sustentar com agente e advogado contra outros agentes e advogados. O Parlamento é uma

assembléia deliberativa da nação, com um interesse, o interesse do todo (...)”.25

Sem dúvida, as idéias de Burke gozavam de grande prestígio já na primeira legislatura do

Império Brasileiro. Vários parlamentares o citavam e, algumas vezes, o deputado paulista Costa

Aguiar o mencionou como um dos “escritores clássicos em matérias de liberdade”.26 O

Visconde de Cairu, um dos senadores mais influentes da história do Império, não só admirava as

idéias de Burke, como chegou a traduzi-lo e publicá-lo na América Portuguesa, em 1812.27

22 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1828. Op. Cit, sessão de 06 de setembro. 23 Henrique Lister Maw. Narrativa da passagem do Pacifico ao Atlântico através dos Andes nas províncias do norte do Peru e descendo pelo rio Amazonas até o Prata. Manaus: Associação Comercial do Amazonas, 1989, p. 290-291. 24 Giovani Sartori aponta a legislação francesa de 1791 como o grande marco nesse processo. Veja de Giovani Sartori. A Teoria da representação no Estado Representativo moderno. Tradução Ernesta Gaetani e Rosa Gaetani. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Estudos Políticos, 1962, p. 19-29. 25 Citado em Hana Fenichel Pitkin. Representação: palavras, instituições e idéias. Lua Nova. São Paulo, n. 67, 2006, p. 31. 26 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1829. Op. Cit. Sessão de 07 de abril. 27 Os dois extratos de Burke foram traduzidos por José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu, por um pedido de D. Rodrigo de Souza Coutinho. No caso, tratavam-se de dois textos de Burke analisando a Revolução Francesa. Edmund Burke. Extratos das obras políticas e econômicas de Edmund Burke por José da Silva Lisboa. Rio de Janeiro: Imprensa Régia, 1812. Sobre a importância de Edmund Burke para a elite política no Império, veja Lúcia Maria Paschoal Guimarães e Maria Emília Prado (orgs.). O Liberalismo no Brasil Imperial: origens, conceitos e práticas. Rio de Janeiro: Renavam / UERJ, 2001, p. 103-127.

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Contudo, pouco se questiona o fato das idéias de Burke representarem um dos lados da luta

política, como se fosse a síntese de um pensamento consensual. Longe disso, Burke tinha uma

postura muito conhecida: tornou-se famoso, sobretudo, por sua oposição à Revolução Francesa e

a “Declaração dos Direitos do Homem”, uma vez que julgava que estas proposições punham em

risco a manutenção de rígidas hierarquias que ele defendia.28 De certa forma, sua visão da

representação política refletia sua aversão às mudanças: afinal, para ele o trabalho parlamentar

não estava no conflito, na negociação para conciliar os interesses das partes, mas na descoberta

de quais eram “os verdadeiros interesses da nação” que para ele sempre se encaixavam.29 Idéias

como essa ampararam a estratégia de parte dos deputados europeus nas Cortes de Lisboa para

negar o conflito entre a representação de interesses divergentes nessa sessão parlamentar sob o

argumento de que todos representavam ali um interesse comum: o interesse da nação

portuguesa.30 Contudo, a negativa de deputados americanos em assinar a Constituição

demonstrou que para alguns o conflito de interesses era a tônica da representação.31

Anos depois, durante a primeira legislatura do Império do Brasil, o choque entre as estas duas

visões se reproduziu com força, sobretudo na Câmara dos deputados. De um lado,

representantes eleitos pelas províncias mais integradas à Corte, como Rio de Janeiro, São Paulo,

Minas e Bahia, tentaram impor aos demais a idéia de que deveriam ser propostas leis gerais, que

pensassem a nação como um todo. Por sua vez, é nítido que o movimento dos representantes

eleitos por províncias periféricas, sobretudo Goiás, Maranhão e Pará, era outro: sua atuação

estava centrada em propor mudanças mais pontuais, beneficiando as províncias que os elegeram,

ou “corrigindo injustiças” e o “estado de abandono”, como foi freqüentemente alardeado. Várias

vezes durante a primeira legislatura o choque entre estes dois encaminhamentos provocou

discussões acaloradas. Uma delas aconteceu logo após o deputado João Francisco de Borja

Pereira, eleito por Goiás, ter solicitado a criação de escolas para essa província. Lino Coutinho,

então eleito pela Bahia, fez uma dura crítica, dizendo ser reprovável a atitude de alguns

deputados que insistiam em propor medidas particulares, esquecendo-se que eram representantes 28 Para Burke, a Revolução Francesa acabou com instituições que regulavam a sociedade em cadeias de subordinação: “Eles fizeram rebelar soldados contra seus oficiais, criados contra seus amos”. Edmund Burke. Extratos das obras políticas e econômicas de Edmund Burke por José da Silva Lisboa. Op. Cit., p. 07. Provavelmente por conta desta postura, o Visconde de Cairu, que na função de Censor Régio barrou a publicação de alguns autores ilustrados, tenha se sentido tão confortável em tê-lo divulgado. Veja de Lúcia Maria Bastos P. Neves. Liberalismo Político no Brasil: idéias, representações e práticas (1820-23). In: Lúcia Maria Paschoal Guimarães e Maria Emília Prado (orgs.). O Liberalismo no Brasil Imperial. Op. Cit., p. 73-103. 29 Hana Fenichel Pitkin. Representação: palavras, instituições e idéias. Op. Cit., p. 34. 30 Márcia Berbel. A nação como artefato: os deputados do Brasil nas Cortes Portuguesas de 1821-22. São Paulo: Hucitec, 1999. 31 Nesse período coexistiam visões divergentes sobre o papel da representação, expressas tanto nas práticas políticas quanto em textos teóricos. Veja de Maria Beatriz Nizza da Silva. Formas de representação política na época da independência: 1820-23. Brasília: Câmara dos Deputados, 1988, p. 121-32; Antonio Paim. História do Liberalismo no Brasil. São Paulo: Mandarim, 1998; Silvestre Pinheiro Ferreira. Manual do Cidadão em um Governo Representativo. Brasília: Senado Federal, 1998.

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de toda a nação.32 Em outra ocasião exemplar dessa tensão, discutia-se um requerimento vindo

do Maranhão que propunha a criação de uma companhia de comércio e navegação para a

província. Vergueiro, eleito deputado por São Paulo, pediu seu adiamento até que uma lei geral

sobre a navegação dos rios contemplasse a matéria. Gonçalves Martins, deputado do Maranhão,

reagiu violentamente, exigindo o debate e manifestando-se como representante da nação, mas

também como advogado das causas da sua província.33

Obviamente, mesmo os deputados que propunham o encaminhamento dos problemas pela

formulação de leis gerais, defendiam interesses locais. O citado Lino Coutinho, por exemplo,

defendeu o pagamento de indenizações dos proprietários da Bahia que tiveram perdas na guerra

da independência, assim como protestou contra impostos cobrados da província.34 Da mesma

forma Vasconcellos, deputado eleito por Minas e que por várias vezes criticou a proposição de

medidas particulares, chegou a sugerir que uma Escola de Direito fosse instalada em São João

Del Rei quando se acirrou o debate entre os que queriam que a academia se instalasse na Corte e

os que venceram que se fundasse em São Paulo.35 Na verdade, como bem demonstrou Miriam

Dolhnikoff, durante todo o Império o sentido da representação se movia no equilíbrio entre a

observação das necessidades gerais do Império do Brasil e a preservação dos interesses das

localidades.36 Contudo, a pressão dos deputados das regiões periféricas por medidas particulares

e de rápida execução parece ter sido maior nessa legislatura por conta de uma particularidade:

foi apenas em 1829 que chegaram as primeiras resoluções dos Conselhos Gerais de Província ao

Parlamento. Antes disso, fora as representações de particulares e das câmaras, eram os próprios

deputados e senadores que precisavam tomar a iniciativa para propor medidas simples, como a

criação de escolas e o estabelecimento dos salários dos professores.37

A atuação dos parlamentares paraenses nessa legislatura teve marcadamente esta característica.

Não por acaso é, provavelmente, um deputado do Grão-Pará o campeão em proposições desse

tipo: logo após assumir o cargo, em 02 de maio de 1827, João Candido de Deus e Silva, propôs

entre 31 de maio e 25 de junho nada menos do que 25 medidas legislativas, entre projetos de lei

e indicações. Quase todas as suas propostas sugeriam a construção de vias, escolas e a criação

de cargos no Pará, Maranhão e Piauí, todas províncias em que ocupou funções públicas. O seu

ritmo só diminui a partir de 25 de junho de 1827, quando reclamou ter ouvido que o destino que

32 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. Deputados. Sessão de 1826. Op. Cit, sessão de 10 de junho. 33 Idem, sessão de 19 de julho. 34 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1827. Op. Cit., 31 de julho e 25 de agosto. 35 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1826. Op. Cit., 08 de agosto. 36 Miriam Dolhnikoff. O Pacto Imperial. Op. Cit., p. 223-233. 37 As primeiras resoluções dos Conselhos Gerais das Províncias foram lidas em 25 de abril na Câmara. No Senado, são analisadas pela primeira vez apenas em 18 de maio de 1830. Sobre o papel dos Conselhos Gerais das Províncias no processo legislativo, veja de Andréa Slemian. Sob o Império das Leis: Constituição e unidade nacional na formação do Brasil (1822-34). São Paulo: USP, 2006. Tese de Doutorado.

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seria dado às proposições individuais seria morrer no fundo das pastas. No contexto desse seu

desabafo, estava a tensão com o grupo de parlamentares que reprovava as medidas que

beneficiavam isoladamente a uma província. Mesmo quando conseguiu aprovar medidas desse

tipo na Câmara, enfrentou resistências no Senado: em 21 de julho de 1827, logo na primeira

leitura do projeto de Deus e Silva que propunha a criação de uma escola de medicina em São

Luis, o senador Marquês de Paranaguá, eleito pelo Rio de Janeiro, criticou a postura da Câmara

por enviar projetos que não beneficiavam todo o Império, mas uma província em particular.

Poucos dias depois, em 6 de agosto, o projeto seria rejeitado e criticado por outra característica

muito presente nas propostas desse parlamentar: Deus Silva simplesmente indicava a

necessidade de criação dessa escola, para cumprimento de um decreto de 1813, sem citar

qualquer outra medida necessária para esta obra.38

João Candido de Deus e Silva correspondia ao perfil da maioria dos três deputados e do senador

eleitos pelos paraenses para essa primeira legislatura: excetuando-se o deputado D. Romualdo

Antonio Seixas, todos os demais estudaram em Coimbra e já tinham ocupado cargos públicos

em diferentes províncias antes de assumir a cadeira no Parlamento. Sem dúvida, trata-se de um

perfil diferente, por exemplo, dos principais parlamentares paulistas acompanhados por Miriam

Dolhnikoff, que tinham praticamente só a vivência da sua província, e mais próximo da

trajetória educacional e profissional descrita por José Murilo de Carvalho.39 Nascido em 1787

no Pará, após formar-se em Coimbra tem-se registro que exercia em 1817 o cargo de procurador

da Coroa e Fazenda na província. Já em 1821 era Juiz de Fora no Piauí, onde escreveu um

discurso a favor das Cortes de Lisboa.40 Mesmo fora da Província, gozava de prestígio suficiente

para ter o mesmo número de votos que o bispo D. Romualdo Coelho para uma cadeira de

deputado nas Cortes de Lisboa, função que não exerceu por ter perdido a vaga para o bispo na

decisão pela sorte. Também exerceu a função de desembargador no Maranhão, foi Lente na

Faculdade de Direito de São Paulo entre 1830 e 1831 e sócio do IHGB. Além de eleito para

primeira legislatura, foi o único deputado reeleito pelos paraenses para a segunda legislatura

(1830-33), ainda voltando como suplente na quarta (1838-41).41

38 Anais do Senado do Império do Brasil. Sessão de 1827. Rio de Janeiro: s.i., 1910. Em 21 de julho e 06 de agosto. 39 Miriam Dolhnikoff. O Pacto Imperial. Op. Cit., p. 23-35. José Murilo de Carvalho. A Construção da Ordem. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1997. 40 Vicente Salles afirma que Deus e Silva ocupou essa função entre 1822 e 23, mas o documento citado tem data de 1821. Vicente Salles. Memorial da Cabanagem. Belém: CEJUP, p. 103-104. Dicionário Bibliográfico Português. Estudos de Innocêncio F. da Silva applicáveis a Portugal e Brasil. Continuados e ampliados por P.V. Brito Aranha. Revisto por Gomes de Brito e Álvaro Neves. Lisboa: Imprensa Nacional, 1858-1923. 23 volumes (versão eletrônica). 41 Antonio L. M. Baena. Compêndio das Eras da Província do Pará. Belém: UFPA, 1969, p. 300 e 329. Sacramento Blake. Diccionário Bibliographico Brasileiro. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1937, tomo 3. Dicionário Bibliográfico Português. Op. Cit. Teixeira de Mello. Ephemerides Nacionaes. Rio de Janeiro, Typographia da Gazeta de Notícias, 1881, vol. II, p. 70.Vicente Salles. Memorial da Cabanagem.Op. Cit, p. 103-

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São raríssimas as referências a Deus e Silva na historiografia. Sobre sua atuação parlamentar só

foi possível achar até agora uma rápida menção feita por Vicente Salles na obra Memorial da

Cabanagem. Nesse livro, Salles classifica Deus e Silva como um “liberal exaltado”, sobretudo

por conta das traduções que ele fez de autores europeus e de um debate travado na Câmara com

D. Romualdo Antonio Seixas, sempre tido na historiografia como um conservador, em que

ficaram evidentes as diferentes percepções que os dois tinham sobre o papel da Igreja e do

Estado.42 Em função disso, este autor especulou que Deus e Silva poderia ter sido um contato

dos liberais paraenses com aqueles que estavam na Corte.43

Contudo, essa questão parece mais complexa. Ao acompanhar os debates da primeira

legislatura, é notório que a relação entre Estado e Igreja defendida por Seixas não era só

combatida por Deus e Silva, mas pela maioria do Parlamento, pois representava a submissão do

Estado à Igreja. Seixas perdeu todos os debates mais importantes sobre esse tema, como o

direito dos clérigos a um fórum privilegiado ou o direito de Roma em estabelecer bispados e

salários para os religiosos. Deus e Silva estava longe de ser o seu principal oponente neste tema,

papel reservado a Bernardo Pereira de Vasconcellos, eleito por Minas.44 Tanto assim, que Seixas

não classificou Deus e Silva como um adversário em seu livro de memórias, mas como aliado

com o qual contava para aprovação de alguns projetos, reservando-lhe até elogios.45

Em relação a Deus e Silva, é difícil acompanhar o seu alinhamento ou não aos ministérios

durante a primeira legislatura, mas é notório que na segunda acompanhou o grupo de liberais

comandados por Evaristo da Veiga em votações importantes, como o fim da vitaliciedade do

cargo de senador.46 Contudo, ao afirmar que Deus e Silva era um “liberal exaltado”, Vicente

Salles estava supondo que o deputado estava alinhado ao grupo político que era liderado no

Grão-Pará pelo Cônego Batista Campos. No entanto, em 1833 Deus e Silva defendeu

firmemente a anistia para o grupo que depôs o Visconde de Goiana da presidência da província

em 1831, prendendo e espalhando pelo interior da província todos os aliados de Batista

104. Para a indicação de fontes para a biografia dos parlamentares, veja de Otaciano Nogueira; João Sereno Firmo. Parlamentares do Império. Brasília, Senado Federal, 1973. Para uma visão geral dos eleitos para o parlamento, veja do Barão de Javari. Organizações e Programas Ministeriais: Regime Parlamentar no Império. 2ª edição, Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1962. 42 Apesar de Salles não citar explicitamente qual era o debate em questão, pode-se deduzir que era a polêmica em torno do direito ou não do papado de criar os bispados de Goiás e Mato Grosso. Anais do Parlamento Brasileiro. Sessão de 1827. Op. Cit., sessão de 12 de julho. 43 Vicente Salles. Memorial da Cabanagem. Op. Cit., p. 75 e 103-104 44 Anais do Parlamento Brasileiro. Op. Cit, sessões de 29 de julho de 1826, 18 de agosto de 1826, 13 de julho de 1827. 45 Romualdo classifica Deus e Silva como um “ilustre patrício” de “reconhecido talento”. Romualdo A. de Seixas. Memórias do Márquez de Santa Cruz, Arcebispo da Bahia. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1861, p. 23-24 46 Deus e Silva é o único representante do Grão-Pará que vota pelo fim da vitaliciedade do cargo de senador. Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos srs. deputados. Sessão de 1832. Rio de Janeiro, Tipografia de H. J. Pinto, 1879, p. 283.

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Campos.47 Considerando que Deus e Silva era o menos conservador dos representantes eleitos

pelo Grão-Pará na primeira legislatura, pode-se considerar que o grupo de Batista Campos,

apesar de expressivo na província, não tinha aliados paraenses no parlamento desse período.

As principais propostas de Deus e Silva nessa legislatura tinham o claro propósito de alterar as

“rotas de peregrinação” na região norte do Império. Algumas tinham esse caráter bem evidente,

como a proposta da criação de uma estrada para interligar o mercado produtor de gado no Pará

ao mercado consumidor no Maranhão ou o estabelecimento de Juízes de Fora no interior do Pará

e do Piauí.48 Outras tinham esse caráter de modo mais sutil. Por exemplo, é notório o empenho

de Deus e Silva em implantar escolas de primeiras letras na região, no que é acompanhado de

perto por Seixas.49 No entanto, é de longe o que mais propõe o estabelecimento de cadeiras

específicas para a região, como um curso de Belas Artes no Pará, cadeiras de Botânica,

Economia Política e Comércio no Maranhão, além da já citada Faculdade de Medicina no

Maranhão.50 Por trás disso, estava não só o interesse de desenvolver a região, mas também uma

questão geopolítica importante, muito bem captada pelo senador Marquês de Caravellas, eleito

pela Bahia. Em 1827, durante o debate sobre a instalação dos cursos jurídicos, ele defendeu a

instalação das academias em São Paulo e em Olinda para facilitar o acesso dos moradores das

províncias remotas. Disse que se isso não fosse feito, paraenses e maranhenses continuariam

mandando seus filhos para Coimbra pelas dificuldades de acesso ao Rio de Janeiro que, lembra

ele, já teriam obrigado até D. João VI a permitir que as causas judiciárias do Pará e Maranhão

continuassem a ser julgados em Lisboa, mesmo estando a Corte portuguesa instalada no Rio.51

Aliás, o tema dos tribunais de justiça e a situação particular do Grão-Pará foi um assunto

constante na primeira legislatura e, justamente, a única matéria em que se destacou o senador

eleito pela província, José Joaquim Nabuco de Araújo, tornado o primeiro Barão de Itapoã em

1828. Na Câmara, em 1827, durante o debate sobre a criação do Superior Tribunal de Justiça, o

deputado Paula Cavalcanti, eleito por Pernambuco, já alertava para as dificuldades em

convencer os paraenses e maranhenses a virem ao Rio de Janeiro, região com a qual não tinham 47 Além disso, Deus e Silva jamais se manifestou contra a acusação freqüentemente expressa no Parlamento de que Batista Campos era o chefe do partido anarquista do Grão-Pará. Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Sr. Deputados. Sessão de 1833. Op. Cit., sessão de 31 de maio. Sobre a deposição do Visconde de Goiana, veja de Domingos Antonio Raiol. Motins Políticos. Belém: UFPA, 1970, p. 197-260. 48 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1827. Em 31 de maio e 08 de junho. 49 A disparidade entre as regiões do Império nessa matéria era imensa. Em 1828, o deputado Clemente Pereira informava na Câmara que no Rio de Janeiro existiam mais de 70 estabelecimentos de ensino, sendo 20 deles para meninas. Cinco anos depois, em 1833, um levantamento feito Antonio Baena mostrava uma situação bem diferente no Grão-Pará: em Belém existiam apenas 2 escolas de primeiras letras, ao que se somava outras 11 no interior, além de outras 7 aulas de matérias diversas como Língua Latina, Retórica e Filosofia. Ao todo, o Pará tinha 193 estudantes para uma população de quase 120 mil homens livres. Antonio Ladislau Monteiro Baena. Ensaio Corográfico sobre a Província do Pará. Typographia de Santos & Menor, 1839. Para fala de Clemente Pereira, veja Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1828. Op. Cit., em 09 de maio. 50 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Sr. deputados. Sessão de 1827. Em 06, 15 e 21 de junho 51 Anais do Senado do Império do Brasil. Sessão de 1827. Rio de Janeiro, s.i., 1910. Sessão de 22 de maio.

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comércio, para tocar suas causas judiciais, antes resolvidas com menos problemas em

Portugal.52 Dentro do mesmo debate, já no ano seguinte no Senado, Luiz José de Oliveira

Mendes, eleito pelo Piauí, seguia os mesmos argumentos, opondo-se que o prazo de seis meses

para recorrer ao Supremo fosse estendido ao Pará e Maranhão, já que antes essas populações

tinham até dois anos para abrir o processo na Europa, tendo menores dificuldades de

locomoção.53

Nesse contexto, em 1827, o deputado Cunha Matos, eleito por Goiás, apresentou um projeto de

lei que propunha a manutenção da Junta de Justiça Militar existente no Pará. Dias depois, o

deputado Costa Aguiar defendeu o projeto, afirmando que este era o único meio disponível para

julgar militares e paisanos na província, sendo que a retirada desse recurso seria uma tragédia.54

Aprovada a proposta na Câmara, sem intervenção dos representantes do Grão-Pará, a medida

encontraria resistências no Senado. Apesar de alguns senadores concordarem que os paraenses

não poderiam ser obrigados a percorrer a distância até o Rio de Janeiro para recorrer à Justiça,

senadores de peso, como o Visconde de Cairu, alegaram não ter informações suficientes para

deliberar.55 É a partir desse momento que o senador Nabuco vira um defensor do projeto. Pede

para que não se tire essa instituição do Pará, dizendo não ser contra a que essa medida fosse

estendida a outros lugares, caso isso fosse um impeditivo. Apesar do empenho, o assunto foi

esquecido. Em 1829, representações do Grão-Pará, inclusive do Presidente da Província,

chegam à Câmara dos Deputados pedindo que a Junta de Justiça Militar seja restabelecida, uma

vez que foi abolida em outubro de 1827.56 Dias depois, o Barão de Itapoã volta a se manifestar

na tribuna do Senado: traz documentos e exige a retomada do debate. A insistência de Nabuco

faz a comissão de Legislação e Guerra dar parecer favorável à nova apreciação do assunto. O

projeto é discutido, recebe e emendas e é encaminhado para o terceiro e último debate que, ao

que tudo indica, nunca aconteceu.57

É muito significativo que a defesa dessa causa particular da província que o elegeu, com grande

importância na hierarquia de poderes entre esta região periférica e o centro do Império, tenha

sido a sua principal contribuição na primeira legislatura. Contudo, espanta que tenha

praticamente se resumido a isso, especialmente para aqueles que se deparam com a elogiosa

descrição feita por Joaquim Nabuco em relação a este senador, tio do biografado em Um

Estadista do Império. Nascido na Bahia em 1764, forma-se em Coimbra vinte anos depois,

52 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1827. Op. Cit., sessão 26 de junho. 53 Anais do Senado do Império do Brasil. Sessão de 1828. Rio de Janeiro: s.i., 1913. Sessão de 14 de maio. 54 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1827. Op. Cit., em 20 e 29 de setembro. 55 Anais do Senado do Império do Brasil. Sessão de 1827. Op. Cit., em 11 e 30 de outubro, 05 de novembro. 56 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. Deputados. Sessão de 1829. Op. Cit., em 21 e 25 de maio. 57 Anais do Senado do Império do Brasil. Sessão de 1829. Rio de Janeiro: s.i., 1914. Em 16 de junho, 07 de julho e 17 de agosto de 1829.

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passando a exercer diversos cargos públicos. O primeiro cargo relevante que se tem notícia foi

exatamente no Pará, em que exerceu a função de Ouvidor, em 1794, e Procurador de defuntos e

ausentes, em 1795. Em 1798, já era Ouvidor em Pernambuco, onde também exerceu o governo

como membro da Junta Provisória, entre 1799 e 1803. No ano seguinte, tornou-se

desembargador da Relação do Porto, sendo na seqüência Chanceler na Relação da Bahia e do

Rio de Janeiro, Desembargador do Paço, exercendo, por fim, a função de Procurador da Coroa

quando já era Senador e aposentado em outra função, o que fez seu nome ser alvo de polêmicas

durante os debates sobre acúmulos de vencimentos.58

Durante toda a primeira legislatura, não há uma única intervenção do Barão de Itapoã que

indique sua oposição a algum dos Ministérios. Em relação aos grupos políticos do Grão-Pará,

ele estava ligado aos setores mais conservadores através do seu irmão, José Thomaz Nabuco de

Araújo, o pai e homônimo do biografado em Um Estadista do Império, eleito deputado pelo

Pará também para a primeira legislatura. A eleição do futuro Barão de Itapoã para o Senado,

segundo alguns relatos, só foi possível graças ao esforço do irmão José Thomaz59 que, por sua

vez, foi favorecido na eleição para deputado pela influência de D. Romualdo Antonio de Seixas

e do então Presidente da Província, José de Araújo Rozo, ambos ferrenhos adversários dos

liberais mais exaltados liderados por Batista Campos. No seu livro de memórias, Seixas conta

que não desejava ser deputado e, com o auxílio de Rozo, escreveu cartas para que eleitores

votassem em José Thomaz Nabuco de Araújo, pessoa que lhe era próxima.60 Os dois acabaram

sendo eleitos deputados para a primeira legislatura, juntamente com Deus e Silva.

Antes de ocupar a vaga de deputado, José Thomaz Nabuco de Araújo já tinha passado por

muitas províncias e exercido outras funções públicas relevantes. Nascido na Bahia em 1785,

formou-se em Coimbra em 1807, indo ocupar o cargo de secretário do governo de Mato Grosso

em 1811. Em 1816 torna-se secretário de governo do Grão-Pará, cargo que ocupou até a eclosão

do Vintismo. Após algum período de penúria, em janeiro de 1823 consegue novamente um

cargo público: torna-se juiz de alfândega.61 Com a ascensão de Rozo ao cargo de Presidente do

Grão-Pará é novamente alçado ao cargo de secretário do governo, o que torna evidente sua 58 Joaquim Nabuco. Um Estadista do Império. São Paulo: Instituto Progresso Editorial, s. d., p. 3-16; Carlos Eduardo de A. Barata; Antonio Henrique da C. Bueno. Dicionário das Famílias Brasileiras. Volume 2. São Paulo, Ibero América, s.d., p. 1595-96; A. Tavares de Lyra. O Senado do Império. Revista do IHGB. Volume 153, Rio de Janeiro, 1928, p. 234-235. Biblioteca Nacional. Catálogo da Exposição de História do Brasil. Brasília: Editora da UNB, 1981, p. 535. Teixeira de Mello. Ephemerides Nacionaes. Op. Cit., vol. I, p. 242. Para ter acesso às listas tríplices para o Senado, veja de Afonso de E. Taunay. O Senado do Império. São Paulo: Livraria Martins, 1941. 59 Joaquim Nabuco. Um Estadista do Império. Op. Cit., p. 11. 60 Romualdo Antonio de Seixas. Memórias do Márquez de Santa Cruz. Op. Cit., p. 33-41. O procedimento de D. Romualdo e Rozo eram contrários ao pensamento da época de que não deveriam existir candidaturas à legislatura. Sobre isso, veja de Maria Beatriz Nizza da Silva. Formas de Representação Política na época da independência: 1820-23. Op. Cit., p. 92-94. 61 Carlos Eduardo de Almeida Barata; Antonio Henrique da Cunha Bueno. Dicionário das Famílias Brasileiras. Op. Cit., p. 1592; Joaquim Nabuco. Um Estadista do Império. Op. Cit., p. 03-11.

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ligação com este grupo político na província.62 Os paraenses o elegeram novamente deputado

para a terceira legislatura, quando já estava vinculado na província à Sociedade Federal.63

Posteriormente, foi eleito senador pelo Espírito Santo, província em que foi Presidente.64

Durante a primeira legislatura, o deputado Nabuco esteve sempre alinhado com Romualdo

Seixas e, portanto, nunca fez oposição ao governo.65 Apesar de ter participado de várias

comissões durante essa legislatura, não se destacou nelas a exemplo dos outros representantes

do Pará, excetuando-se D. Romualdo Seixas. As poucas propostas feitas por Nabuco que

abarcavam todo o Império diziam respeito a questões militares, como a sugestão da criação de

um montepio, assunto que também lhe interessava por ser coronel de milícias no Pará.66 Os

demais projetos de lei e indicações feitas por Nabuco beneficiavam diretamente os paraenses,

muitas vezes com obras razoavelmente simples, como a construção de um Farol na ponta de

Atalaia, na costa do Grão-Pará.67 Contudo, sua principal proposta na primeira legislatura influía

diretamente na redistribuição de poderes na província, nas “rotas de peregrinação” dos

indivíduos: Nabuco propôs no começo da legislatura a criação de uma nova Comarca, a

Comarca de Santarém, que abarcaria uma das regiões mais dinâmicas da província. O projeto

descrevia, inclusive, as vilas que ficariam nessa Comarca, sendo, provavelmente, a proposta

deste tipo mais minuciosa apresentada por um parlamentar nessa legislatura.68

A proposta foi deixada de lado durante todo o ano de 1826, retornando de fato ao plenário

apenas no final de 1827, graças ao apoio decisivo de Romualdo Seixas. No começo de 1827,

Seixas foi escolhido como um dos membros da Comissão de Estatística e Diplomacia que, entre

outras funções, analisava os requerimentos criando vilas, comarcas e províncias.69 Em uma das

últimas sessões daquele ano, essa Comissão deu parecer favorável a uma série de propostas que

poderiam mudar por inteiro o mapa do Império: acataram a sugestão do Presidente de Goiás

para a elevação de várias freguesias à condição de vilas; aprovaram projeto semelhante para

Goiás; apoiaram mudanças na fronteira entre São Paulo e Minas, sugerida pelo deputado

Vergueiro; deram parecer favorável a proposta de Seixas para se criar a província do Rio Negro,

separada da administração do Grão-Pará. Além de outras propostas menores para diversas

62 APEP – Códice 678, doc. 106, em 08 de agosto de 1824. 63 Domingos Antonio Raiol. Motins Políticos. Op. Cit., p. 288. 64 Joaquim Nabuco. Um Estadista do Império. Op. Cit., p. 45-46. 65 Procurar jamais fazer oposição ao governo parece ter sido uma diretriz sempre respeitada por Nabuco, a julgar por uma carta sua citada em Um Estadista do Império. Joaquim Nabuco. Um Estadista do Império. Op. Cit., p. 47. 66 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1826. Op. Cit., em 18 e 19 de maio. Sobre seu cargo como militar, veja de Joaquim Nabuco. Um Estadista do Império. Op. Cit., p. 03-11; Carlos Eduardo de Almeida Barata; Antonio Henrique da Cunha Bueno. Dicionário das Famílias Brasileiras. Op. Cit., p. 1592. 67 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1826. Op. Cit. Sessão de 26 de maio. 68 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1826. Op. Cit. Sessão de 26 de maio. 69 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1827. Op. Cit. Sessão de 10 de maio.

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províncias, constava neste “pacote” o parecer positivo da comissão em relação a criação da

Comarca de Santarém.70

Durante o ano de 1828, discutiu-se em várias sessões os diversos pontos do parecer da Comissão

de Estatística e Diplomacia apresentado no final do ano anterior. Seixas foi um defensor do

parecer, de modo geral, e particularmente da elevação do Rio Negro à condição de Província e

da criação da Comarca de Santarém, enquanto Nabuco não se manifestou em defesa do próprio

projeto. Apesar do esforço de Seixas, crescia cada vez mais na Câmara a oposição à criação de

novas comarcas ou a elevação de vilas pelos deputados, sob a alegação de que isso deveria ser

regulado por uma única lei geral, que permitisse às províncias a iniciativa de indicar quais

seriam as novas vilas, cabendo ao Parlamento apenas ratificar ou não. Ainda em 1828 este

encaminhamento, que recebeu resistências dos deputados do Pará por parecer uma medida

protelatória, saiu-se vencedor com a aprovação de uma lei que dava aos Presidentes, juntamente

com os Conselhos de Província, o direito de propor novas vilas.71 A percepção dos deputados

paraenses de que esta medida protelaria a criação da nova Comarca realmente se concretizou:

apenas em 1833, em razão do Código do Processo, o Presidente Machado de Oliveira e o

Conselho da Província aprovaram a criação de uma Comarca com traçados semelhantes, agora

batizada de “Baixo Amazonas”.72

Apesar dessa e de outras derrotas, Romualdo Antonio de Seixas foi não só o mais destacado

representante do Grão-Pará nesta primeira legislatura, como um dos parlamentares mais atuantes

neste quadriênio entre todos os eleitos. Como dito anteriormente, seu perfil era diferente dos

demais representantes do Grão-Pará. Nascido nessa província em 1787, fez a complementação

dos seus estudos em Portugal, mas não freqüentou a Universidade de Coimbra. Segundo a ótica

que ele empregou em suas memórias, Romualdo Coelho, seu tio e futuro Bispo do Pará, estando

responsável por sua educação julgou que as novas idéias vinculadas em Coimbra podiam

“pervertê-lo”. Por isso, aos 15 anos, resolveu mandá-lo para a Casa da Congregação do

Oratório, em Lisboa. Quatro anos depois, retornou ao Pará, onde ocupou o cargo de professor de

filosofia no Seminário.73 O cargo lhe deu notoriedade intelectual, como testemunha uma carta

escrita por um dos seus ex-alunos, Filippe Alberto Patroni, em 1817. Na ocasião, Patroni estava

70 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1827. Op. Cit., sessão de 15 de novembro. 71 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1828. Op. Cit., em 21 de julho. 72 Relatório do Presidente do Grão-Pará, Machado de Oliveira, ao Conselho Geral da Província, em dezembro de 1833. Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u986/000001.html; Veja também de Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro. Nos subterrâneos da revolta: Trajetórias, lutas e tensões na Cabanagem. Op. Cit, p. 209-214; Leandro Mahalem de Lima. Rios Vermelhos: Perspectivas e posições de sujeito em torno da noção de cabano na Amazônia em meados de 1835. São Paulo: USP, 2008. Dissertação de Mestrado. 73 Romualdo A. Seixas. Memórias do Marquês de Santa Cruz. Op. Cit., p. 03-13. Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro – CDPB. Dicionário biobibliográfico de autores brasileiros. Salvador: Senado Federal, 1999, p. 442-445.

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cursando a Universidade de Coimbra e escrevia a um amigo sobre a mesmice da província que

só era quebrada por alguns indivíduos portadores de luzes, entre os quais incluía Seixas.74 Anos

mais tarde, durante o Vintismo, os dois ficariam em pólos políticos opostos. Patroni estaria

alinhado ao grupo de Batista Campos, que queria mudanças mais radicais. Seixas, por sua vez,

seria responsável por posturas mais conservadoras, ainda que não pareça razoável considerá-las

absolutistas. Nesse sentido, a primeira Junta de Governo Vintista que presidiu em três de janeiro

de 1821, três dias após sua implementação, impôs a censura de imprensa na província, o que

desagradava os grupos mais “exaltados” da província, mas não estava totalmente em desacordo

com a marcha da Revolução do Porto naquele momento.75 Contudo, anos mais tarde, duas

declarações suas deixam claro que o seu gosto pela censura tinha cores bastante conservadoras.

Em 1826, Seixas defendeu o direito dos bispos censurarem publicações, o que foi duramente

criticado por vários deputados.76 Anos mais tarde, em seu livro de memórias, criticou a postura

de um bibliotecário que teria lhe permitido a consulta a livros censurados durante a sua estada

em Lisboa. Diz que, no entanto, no momento em que escrevia essa situação era muito pior, já

que qualquer obra estava à disposição para consulta ou compra.77

Quando chegou para tomar posse da cadeira de parlamentar, Romualdo Seixas era o mais

provinciano entre os eleitos pelos paraenses. Suas experiências fora da província tinha sido

restritas. Além dos estudos em Lisboa, Romualdo Seixas tinha vindo ao Rio de Janeiro para

beijar a mão de D. João por conta da chegada da família real à América e, em 1823, rumou

novamente para Lisboa com o objetivo de ocupar uma vaga no recém-criado Conselho de

Estado, cargo que jamais assumiu em razão da reviravolta política nos dois continentes.78 Em

função disso, sua ligação com grupos políticos específicos no Pará eram muito claras.

Esse compromisso emergiu, por exemplo, na sessão de 05 de junho de 1826, quando a comissão

de legislação e justiça civil e criminal leu seu parecer sobre o primeiro requerimento de um

particular vindo do Grão-Pará. Nesse requerimento, José Mathias Villena pediu punição para

Geraldo José de Abreu e José Ribeiro Guimarães acusados de serem os autores do Massacre do

Brigue Palhaço, além de denunciar o então presidente, José de Araújo Rozo, de ter feito uma

devassa viciada sobre este episódio, ao intimidar testemunhas e escolher um tribunal para

74 Filippe Alberto Patroni. Carta a Salvador Rodrigues do Couto. IN: Haroldo Maranhão (org.). Dissertação sobre o direito de caçoar / Carta a Salvador Rodrigues do Couto. São Paulo: Loyola, 1992. 75 A liberdade de imprensa foi uma questão controversa também entre os Vintistas na Europa. A lei da liberdade da imprensa só foi definitivamente aprovada em 04 de julho de 1821. Geraldo Mártires Coelho. Anarquistas, demagogos & dissidentes. Op. Cit., p. 51-86. 76 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1826. Op. Cit., em 08 de julho. 77 Romualdo A. Seixas. Memórias do Marquês de Santa Cruz. Op. Cit., p. 03-09. 78 Romualdo A. Seixas. Memórias do Marquês de Santa Cruz. Op. Cit., p. 09-13 e 25-33. Palma Muniz. Adesão do Grão-Pará à Independência e outros ensaios. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1973, p. 321.

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absolver seus amigos acima citados.79 O Massacre do Brigue Palhaço, grosso modo, esteve no

contexto da repressão a um levante militar, acontecido logo após a adesão do Grão-Pará ao Rio

de Janeiro, que reivindicava mudanças sociais mais profundas após a independência. Sob o

pretexto de desmantelar uma facção anarquista, Grenfell, um dos mercenários ingleses

contratados pelo Império, fuzilou alguns indivíduos, prendeu Batista Campos e o mandou para o

Rio de Janeiro sob a acusação de ser o chefe do partido dos rebeldes. Com um grande número de

prisioneiros em terra, 256 foram mandados para o Brigue Palhaço, sendo que um dia depois 252

estavam mortos, o que correspondia a quase 5% da população livre de Belém.80 Este episódio

teve grande repercussão em todo o Império, sendo por várias vezes citado no Parlamento ao

longo das duas primeiras legislaturas como um símbolo de barbárie e, em algumas ocasiões

como a causa de todos os conflitos subseqüentes na província.81 Logo após a leitura do parecer

sobre o requerimento de Villena, alguns deputados manifestaram seu horror pelo Massacre e

cobraram firmemente a punição dos culpados, ainda que tenha prevalecido no final a decisão de

aprovar o parecer que resolvia que esta era uma matéria do judiciário, na qual não cabia ao

parlamento intervir.82 De todo modo, é muito significativo que Seixas tenha mantido durante

este debate um silêncio sepulcral, sendo sua atitude seguida pelo deputado Nabuco.83 Não se

deve esquecer que, como citado acima, os dois deputados pertenciam à mesma facção política

de Rozo. Da mesma forma, Seixas foi aprisionado junto com Geraldo José de Abreu, em 1824,

por serem os dois considerados inimigos de um grupo político que pretendia tomar o governo da

província, tendo Felix Malcher como um dos seus líderes, o mesmo homem que onze anos

depois seria o primeiro “Presidente Cabano”.84 Em vista disso, o poder de influência dos

requerimentos individuais mandados pelos paraenses, um dos mecanismos mais importantes do

sistema representativo do Império do Brasil, perdia força naquele momento pelo fato desses

parlamentares estarem ligados a apenas um grupo na província.

Apesar de ser, inicialmente, o mais provinciano dos representantes eleitos pelo Grão-Pará,

Seixas foi o que alcançou a maior projeção nacional e também o único que teve participação 79 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1826. Op. Cit., em 05 de junho. De fato, a devassa tinha problemas, como atestam vários documentos. Na própria sessão, alguns deputados lembram que diante das irregularidades, o Governo Central já tinha ordenado a realização de uma nova devassa, agora na Relação do Maranhão. 80 André Roberto de A. Machado.A quebra da mola real das sociedades. Op. Cit., capítulo 4. 81 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1833. Op. Cit., em 17 de julho. 82 É importante apontar que foi o deputado Costa Aguiar, que já havia ocupado cargos públicos no Pará por 10 anos, que defendeu a aprovação do parecer e a tese de que esta era uma questão do judiciário na qual o Parlamento não deveria intervir. Infelizmente, ainda não foi possível saber se Aguiar estava ligado a grupos específicos no Pará. Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1826. Op. Cit., em 05 de junho 83 Deus e Silva só ocupará a cadeira de deputado no ano seguinte, em 1827. 84 José Ribeiro Guimarães também pode ser enquadrado no mesmo grupo político. Entre outras coisas, Guimarães foi o redator, em 1823, do jornal Luso-Paraense que substituiu O Paraense, periódico anterior dirigido primeiro por Patroni e depois por Batista Campos, antes das suas respectivas prisões. Domingos Antonio Raiol. Motins Políticos. Op. Cit., p. 29 e 80.

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relevante em debates sobre assuntos que alcançavam todo o Império. Por um lado, Seixas

sempre se envolveu nas discussões em torno da relação entre o Estado e a Igreja, especialmente

depois do final de 1826, quando foi escolhido por D. Pedro I para ser o Arcebispo da Bahia e,

conseqüentemente, o chefe da Igreja Católica no Império do Brasil.85 Da mesma forma, o futuro

Marquês de Santa Cruz ocupou um papel importante no Parlamento, enfrentando em vários

momentos os chefes da oposição em uma fervorosa defesa dos interesses do Imperador e dos

Ministérios por ele nomeados.86 Na leitura dos Anais da Câmara isso fica evidente, mas o

próprio Romualdo fez questão de deixar registrada em suas memórias a sua íntima relação com

o Paço. Segundo descrito por ele em suas memórias, pelo menos em duas ocasiões sua atuação

na Câmara dos Deputados cumpriu estritamente pedidos de D. Pedro I: em 1827, Seixas fez um

discurso a favor de que as dívidas deixadas pela recém falecida Imperatriz Leopoldina fossem

pagas pelo Tesouro Nacional. Já em 1829, Seixas atendeu a um outro pedido de D. Pedro I,

defendendo o Ministro da Guerra que a oposição pretendia julgar por ter suspendido as garantias

constitucionais em Pernambuco no começo daquele ano.87 Tamanho empenho em favor do

governo e do Imperador fez seu nome ser rechaçado por alguns deputados. Durante a sua

primeira eleição para a presidência da Câmara, por exemplo, manobras regimentais foram

realizadas para tentar invalidar sua nomeação.88

Nos anos subseqüentes à abdicação de D. Pedro I, Seixas foi cada vez mais identificado com o

movimento dos conservadores, sendo que alguns autores chegam a apontá-lo como um dos

artífices do Regresso.89 Talvez isso seja exagerado, mas é fato que Seixas gozava de prestígio

suficiente a ponto do então Regente, Padre Feijó, vir recepcioná-lo na sua chegada ao Rio de

Janeiro para a sessão parlamentar de 1836. Da mesma forma que Feijó, outros líderes vieram

cortejá-lo em 1836, entre eles Bernardo Pereira de Vasconcellos, que na primeira legislatura

tinha sido o seu principal opositor. No seu livro de memórias, Seixas disse que logo Feijó o

decepcionou por manter as idéias pouco conservadoras em relação à Igreja que já apresentara na

primeira legislatura. Já em relação a Vasconcellos é visível sua surpresa por aquele homem que 85 Raimundo C. A. da Cunha. Paraenses Ilustres. 3ª ed., Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1970, p. 49-54. 86 A relação da oposição ao governo no parlamento durante a primeira legislatura é muito bem descrita pelo balanço de Armitage: a sessão de 1826 começou vacilante, sem contestar muito o poder do Imperador e do governo por conta da experiência da dissolução da Constituinte. A cada ano que se seguiu, a oposição se tornou mais forte. João Armitage. História do Brasil. São Paulo / Belo Horizonte: Edusp / Itatiaia, 1981, p. 187-195. À medida que a oposição ia ficando mais forte, a defesa do governo feita por Romualdo ia ficando mais explícita. 87 Romualdo Antonio Seixas. Memórias do Marquês de Santa Cruz. Op. Cit., p. 51-57 e 63-76. 88 A leitura dos Anais do Parlamento deixa isso evidente. Para invalidar a eleição de Seixas, alguns deputados queixaram-se que nenhum dos votados havia alcançado a maioria absoluta por não ter se levado em conta os representantes que estavam nos cômodos ao lado. Contudo, nunca se argumentou nesse sentido antes dessa eleição e nem depois em toda a legislatura. Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Sr. Deputados. Sessão de 1828. Op. Cit., em 03 de julho. Em seu livro de memórias, Seixas acusa a oposição de tentar impedir sua eleição à presidência da Câmara por julgá-lo muito ligado ao Imperador. Romualdo A. Seixas. Memórias do Marquês de Santa Cruz. Op. Cit., p. 57-63. 89 CDPB. Dicionário bibliográfico de autores brasileiros. Op. Cit., p. 442-445.

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ele classificava como “totalmente convertido” e que se apresentara dizendo estar preparado para

combater toda a “heresia e anarquia”.90 Vasconcellos, que a partir de agora Seixas considerava

como aliado, tornaria-se um dos líderes da oposição a Feijó. Já em 1839, em meio ao chamado

“Regresso”, Seixas recusaria o convite do Regente Araújo Lima que pediu a ele que ocupasse o

cargo de Ministro de Estado e Negócios do Império e formasse o restante do ministério de

acordo com suas convicções.91

Apesar do grande envolvimento de Seixas com questões gerais, o encaminhamento que

pretendia dar para as questões da sua província era muito semelhante aos outros representantes

do Grão-Pará. Assim como os demais, pretendia implantar mudanças bem específicas, de rápida

execução e via a construção de leis gerais para resolver estes problemas, conduta defendida

principalmente por deputados de províncias mais prósperas, como medidas protelatórias. Em

suas memórias, Seixas elege duas propostas para o Grão-Pará como os principais feitos da sua

atuação na primeira legislatura. Justamente estas duas proposta de Seixas encaixam-se fielmente

na idéia de reorganizar os fluxos de pessoas e mercadorias, visando integrar essa região ao resto

do Império e redistribuir poderes, sob o pretexto de facilitar o desenvolvimento.

A primeira destas propostas de Seixas foi a elevação da Comarca do Rio Negro à condição de

província, coincidentemente a região de onde vieram a maioria dos seus votos para o cargo de

deputado.92 A defesa do seu projeto baseava-se na expectativa de desenvolvimento da região,

sob o argumento de que os povos não precisariam recorrer a Belém por tudo. Além desse

aspecto, ficava clara a preocupação com o grande problema para os proprietários do Grão-Pará:

os indígenas, boa parte da mão-de-obra da região, desde o fim do diretório vinham abandonando

com maior freqüência as vilas e povoados e voltando para as matas. Para resolver isso, Seixas dá

uma solução que estava longe de ser consensual no Grão-Pará: pretendia fixar os indígenas

através de uma maior participação da Igreja na sua civilização, instalando novas missões com as

quais pretendia converter 60 mil homens.93

90 A relação entre as expressões “convertido” e “heresia e anarquia”, mostram o duplo sentido dado por Seixas para a expressão “convertido”, que neste caso significa também uma conversão política. Romualdo A. Seixas. Memórias do Marquês de Santa Cruz. Op. Cit., p. 95. 91 Teixeira de Mello. Ephemerides Nacionaes. Op. Cit., vol. I, p. 78-79. Romualdo A. Seixas. Memórias do Marquês de Santa Cruz. Op. Cit., p. 125. 92 Romualdo A. Seixas. Memórias do Marquês de Santa Cruz. Op. Cit., p. 33-41. 93 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1826. Op. Cit., em 27 de maio; Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1828. Op. Cit., em 17 de maio. Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1829. Op. Cit., em 27 de junho. Apesar da importância da questão indígena para a província, esta foi a única proposta apresentada em plenário por representantes eleitos pelo Grão-Pará, apesar de alguns deles terem participado das Comissões de Catequese e Civilização. Por várias vezes durante a primeira legislatura, deputados de várias províncias elegeram a questão indígena como uma prioridade a ser resolvida e cobraram propostas das comissões encarregadas. Como se sabe nenhuma solução definitiva e que abarcasse todo o Império foi tomada e nas legislaturas seguintes prevaleceu o encaminhamento de soluções locais para o problema. Sobre este último ponto, veja de Fernanda Sposito. Nem cidadãos, nem brasileiros: indígenas na

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Contudo, o projeto de Seixas enfrentaria resistências em função das diminutas rendas da

comarca. A província do Grão-Pará como um todo já não se sustentava sozinha e dependia

totalmente de repasses feitos pelo Maranhão.94 Essa experiência era tão viva para Seixas que no

seu projeto dava justamente essa solução para a falta de recursos da nova província: o Maranhão

faria repasses de 12 contos de réis para o Rio Negro. Nos debates em torno dessa proposta,

pode-se ver claramente como o Parlamento era um espaço de disputa entre os interesses

provinciais, tal como defendido por Dolhnikoff.95

Nesse sentido, por várias vezes durante a primeira legislatura os representantes do Maranhão

queixaram-se pesadamente dos encargos a que a província estava submetida, como os repasses

feitos ao Grão-Pará e a cota que lhe cabia no pagamento das dívidas do Governo Central. Em

alguns momentos, deixou-se claro que os benefícios feitos ao Maranhão não correspondiam aos

encargos a que os maranhenses estavam obrigados. Durante a discussão do orçamento, em 1827,

o deputado maranhense Manoel Odorico Mendes repetiu uma idéia que disse durante várias

vezes nessa legislatura: o Maranhão era castigado por encargos para manutenção do Império,

mas não tinha uma única escola pública de primeiras letras. Aproveitando-se da brecha aberta

por Odorico, Lino Coutinho, eleito pela Bahia96, disse que havia muitos desperdícios com o

dinheiro recolhido das províncias. Seu exemplo era justamente tirado do Grão-Pará: na ocasião,

acusava um ex-presidente dessa província, que não tinha rendas para se manter, de gastar mais

de 25 contos de réis em mobília mandada trazer de Londres para o Palácio do Governo.97 A

resistência dos representantes do Maranhão teve tal impacto que no parecer favorável ao projeto

de criação da nova província, dado pela Comissão de Estatística no final de 1827, já tinha se

eliminado a condição do Maranhão subsidiar o Rio Negro. É importante lembrar que Seixas

fazia parte dessa Comissão, que também tinha representantes do Maranhão, o que faz supor que

houve uma negociação neste tema.

Mesmo com a exclusão no projeto do aporte de recursos pelo Maranhão, em 1828 os debates em

torno do parecer favorável à criação da província do Rio Negro esbarraram na insistência de

muitos deputados em dizer que não havia rendas disponíveis na comarca para se fundar uma

província. Entre as soluções possíveis, chegou-se a cogitar a criação dessa província sem cargos

formação do Estado nacional brasileiro e conflitos na província de São Paulo (1822-45). São Paulo: USP, 2006. Dissertação de mestrado. 94 Em 1829, o Presidente da Província do Grão-Pará escreveu uma carta para a Corte relatando um levante militar que teria acontecido por falta de pagamento dos soldos. O presidente diz que isso era inevitável, pois não tinha como pagar os soldos, sem a realização dos repasses feitos pelo Maranhão. APEP, Códice 869, doc. 37. No ano anterior, outra carta da Presidência da Província reclamava da falta de repasses do Maranhão. Há uma clara exigência de que o Governo Central interfira nessa questão. APEP, Códice 869, doc. 10. 95 Miriam Dolhnikoff. O pacto imperial. Op. Cit. 96 Não se deve esquecer que além do Maranhão, a Bahia e Pernambuco contribuíam com cotas para o pagamento da dívida do Império. 97 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1827. Op. Cit., em 25 de agosto.

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capitais, como o de Governador de Armas.98 Apesar de não ficar explícito no projeto, estava

claro para os deputados que recursos de outras partes do Império teriam que manter essa nova

província caso ela fosse criada e, por isso, o projeto foi simplesmente esquecido, apesar da

insistência de Seixas até o final da legislatura. Apenas em 1833 voltará a se discutir na Câmara o

projeto de Seixas, após uma revolta no Rio Negro que pretendeu transformar a Comarca em uma

província independente.99 Após se tornarem correntes as notícias de pacificação e vários

deputados terem resistido a idéia de se criar uma província sem os recursos necessários, o

assunto foi novamente abandonado.100

O segundo projeto mais relevante apresentado por Seixas nessa legislatura visava criar

condições para o estabelecimento de companhias privilegiadas que teriam o direito de

navegação exclusiva em barcos a vapor nos rios do Império. Na defesa do projeto, elegia a

exploração dos rios Madeira, Tapajós, Tocantins e Araguaia como a única maneira para ligar o

Mato Grosso, Goiás, Piauí e o Pará, finalmente desenvolvendo essa região e a unindo ao restante

do Império. A fala de Seixas demonstra com clareza a importância geopolítica da constituição

dessas rotas:

“(...) todos esses veículos e meios de comunicação são como veias que

fazem circular o sangue e os espíritos vitais da cabeça às extremidades e das

extremidades à cabeça do corpo político. É por este modo que a ação e

energia do governo se propaga rapidamente por toda a circunferência de um

grande império, onde a unidade política será tanto mais sólida e durável

quanto as relação das suas províncias com o centro do governo forem mais

prontas e menos difíceis”.101

A mensagem de Seixas era clara: não haveria unidade nem estabilidade política durável se não

houvesse fluxos de homens e riquezas ligando as partes da nação. Como a situação do Grão-

Pará era de quase total isolamento, o futuro Marquês de Santa Cruz desejava realizar uma

intervenção imediata. É por isso que elege como solução a criação de uma Companhia

Monopolista, valendo-se para isso dos instrumentos do Governo Central.102 Para Seixas, deixar

isso na mão dos governos locais só redundaria em novos fracassos, pela escassez de recursos nas

províncias.

98 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1828. Op. Cit., em 13, 17 e 31 de maio e 02 de junho. 99 Domingos Antonio Raiol. Motins Políticos. Op. Cit., p. 240-271. 100 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1833. Op. Cit., em 29 de abril, 09, 15 e 21 de maio, 11, 12, 15 de junho. 101 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1826. Op. Cit., em 12 de junho. 102 Estranhamente, Seixas diz em seu livro de memórias que o projeto apresentado por ele era de livre navegação dos rios, o que não é verdade. Romualdo A. Seixas. Memórias do Marquês de Santa Cruz. Op. Cit., p. 23-24.

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Se o projeto anterior de Seixas foi rechaçado por representantes de províncias vizinhas,

especialmente do Maranhão, os deputados das províncias periféricas tiveram simpatia em

relação a essa nova proposta, até porque alguns deles apresentaram idéias semelhantes. Os

representantes do Maranhão, por exemplo, dividiram-se em relação a proposta da criação de

uma companhia privilegiada na sua província.103 Em 1826, discutia-se na Câmara a

possibilidade de se construir uma estrada ligando Goiás ao Pará.104 No ano seguinte, o

presidente de Goiás também pressionava nesse sentido, pedindo para que se criassem ligações

entre Goiás e o Pará, por terra ou rios, de maneira a permitir o escoamento da produção.105

Apesar disso, havia resistência ao projeto por conta de deputados que queriam uma legislação

ainda mais geral e daqueles que rejeitavam a concessão de monopólios a companhias. Essa

rejeição ficou clara dias antes do debate do projeto apresentado por Seixas, quando se discutiu a

criação de uma Companhia desse tipo no Maranhão. Vários deputados se manifestaram

terminantemente contrários à concessão de monopólios para as companhias, sendo Vasconcellos

o mais inflamado. Tendo em vista o apelo que a proposta tinha na Câmara por ter sido montada

por uma comissão no próprio Maranhão, Vasconcellos endureceu o discurso e afirmou que os

deputados deviam decidir essa matéria tendo em mente a Economia Política e não lavradores

rústicos que assinavam cruzes (porque eram analfabetos).106 Onze dias depois, já prevenido pela

discussão da Companhia do Maranhão, Seixas defendeu o seu projeto e os monopólios, dizendo

que em algumas ocasiões eles são necessários. Uma vez que no final dessa legislatura Seixas

chegou a afirmar que o Marquês de Pombal tinha sido o único governante que realmente

percebeu o potencial do Grão-Pará e tentou explorá-lo, pode-se especular que a admiração de

Seixas pelas Companhias Privilegiadas viesse da experiência ocorrida na região no século

XVIII.107

Apesar do esforço de Seixas, o seu projeto foi sendo descaracterizado durante o trabalho das

comissões. A Comissão de Comércio incluiu emendas que obrigavam a companhia idealizada

por Seixas também a construir pontes e estradas. Apesar de considerar que o foco deveria ser a

navegação, Seixas concordou com as emendas, claramente para conseguir apoio. Contudo, em

meados de 1827 novas emendas ao projeto, agora propostas pela Comissão de Fazenda,

mudariam completamente o sentido da proposta: a lei apenas estabeleceria as bases regulatórias

103 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1826. Op. Cit. , em 26 de junho, 15 e 18 de julho. A Companhia proposta para o Maranhão teria o foco voltado para a colonização de parte da província. 104 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1826. Op. Cit., em 01 de junho e 22 de agosto. 105 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1827. Op. Cit., em 29 de setembro. As ações e as tentativas para ligar de maneira mais efetiva o Grão-Pará e Goiás são bem anteriores à Independência. Veja de André Roberto de A. Machado. A quebra da mola real das sociedades. Op. Cit., p. 86-91. 106 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1826. Op. Cit., em 18 de julho. 107 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1829. Op. Cit., em 04 de agosto.

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pelas quais as próprias Câmaras Municipais teriam autonomia para contratar empresas com o

fim de construir estradas, pontes e fazer a navegação dos rios. Ao fim, esse foi o espírito da lei

aprovada e mandada para o Senado.108

Há uma certa contradição aparente no fato de não serem representantes do Grão-Pará ou de

outras províncias periféricas que tenham sido os artífices e principais defensores dessa versão da

lei descentralizadora das decisões e que, de certa forma, a tenham encarado com resistência,

como uma medida protelatória das mudanças que julgavam necessárias. No entanto, o que fica

claro é que os representantes do Grão-Pará não se opunham à descentralização, o que seria um

contra-senso, mas julgavam que em alguns casos era necessário utilizar a força do Governo

Central. Nada adiantava criar uma província, no caso o Rio Negro, se não houvesse a garantia

do Governo Central de que províncias mais ricas subsidiariam a recém-criada. Da mesma forma,

a impressão que se tem é que, na avaliação dos representantes do Grão-Pará, deixar nas mãos

das localidades a responsabilidade por viabilizar a navegação de rios e a construção de pontes,

mesmo que em associação com capitalistas, era uma forma de deixar as províncias periféricas,

quase sem recursos, entregues à própria sorte. Aparentemente, esta avaliação tinha algum acerto:

em 1832, os Presidentes de Goiás e do Pará trocavam cartas para tentar viabilizar a criação de

vias para facilitar a comunicação entre as duas províncias, já que nada havia evoluído nesse

sentido.109 Hoje sabemos que décadas se passaram sem que a aguardada ligação entre Goiás e o

Pará por barcos a vapor, proposta na primeira legislatura, se tornasse uma realidade.110

Apesar de ter sido claramente uma das grandes prioridades dos representantes eleitos pelo Grão-

Pará, pouco mudou nos fluxos dos homens e mercadorias da província. O Grão-Pará se manteve

praticamente isolado do restante do Império, como atestava Daniel Kidder em 1839: até aquela

data não havia comunicação regular entre essa parte do Brasil e o Rio de Janeiro e, tal como

denunciado na primeira legislatura, sabia-se dos acontecimentos do Grão-Pará através de navios

vindos da Inglaterra ou dos Estados Unidos.111 Resta saber se o diagnóstico por Seixas, citado

acima, estava correto: ou seja, se a falta de comunicações rápidas entre as partes e o centro do

Império esteve diretamente ligada a futuras instabilidades políticas e contestações à unidade.

108 Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1826. Op. Cit., em 27 de junho, 01e 29 de julho. Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos sr. deputados. Sessão de 1827. Op. Cit., em 26 de julho. 109 APEP, Caixa 34, doc. 35. 110 Vitor Marcos Gregório, em sua pesquisa de mestrado (FFLCH/USP, inédita), encontrou documentos que demonstram que os Presidente de Goiás e do Pará ainda tentavam viabilizar a navegação a vapor entre as duas província na década de 1860. Agradeço a este pesquisador pela gentileza em disponibilizar esse dado. 111 Daniel P. Kidder. Reminiscências de viagens e permanências nas províncias do norte do Brasil. Tradução de Moacir Vasconcellos. Belo Horizonte / São Paulo: Itatiaia / Edusp, 1980, p. 17.