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    Histria da FilosofiaSegundo volumeNicola A bbagnano

    DIGITALIZAO E ARRANJO:NGELO MIGUEL ABRANTES

    HISTRIA DA FILOSOFIA

    VOLUME II

    TRADUO DE: ANTNIO BORGES COELHO

    CAPA DE: J., C.

    COMPOSIO E IMPRESSO TIPOGRAFIA NUNES ,@@0s Falco, 57 - Porto

    EDITORIAL PRESENA . Lisboa 1969

    TTULO ORIGINAL STORIA DELLA FILOSOFIA

    Cop3right by NICOLA ABBAGNANO

    Reservados todos os direitos para a lngua portuguesa EDITORIALPRESENA, LDA. - R. Augusto Gil, 2 c@E. - Lisboa

    XIII

    A ESCOLA PERIPATTICA

    86. TEOFRASTO

    Assim como a velha Academia continua a ltima fase do ensinamentoplatnico, tambm A escola peripattica apresenta as caractersticas doltimo perodo da actividade de Aristteles, dedicado principalmente organizao do trabalho cientfico e a investigaes particulares.

    morte de Aristteles, sucedeu ao mestre na direco da escolaTeofrasto de Eresso, em Lesbos que a dirigiu at sua morte, ocorridaentre 288 e 286 a.C. A sua actividade cientfica orientou-se sobretudopara o campo da Botnica. Conservaram-se duas obras: Histria dasPlantas e As Causas das Plantas, que fizeram dele o mestre daqueladisciplina durante toda a Antiguidade e at ao final da Idade Mdia.Foi tambm autor das Opinies Fsicas, uma espcie de histria dasdoutrinas fsicas de Tales a Plato e a Xencrates, da qual nos restamalguns fragmentos. Tambm se conservou um escrito moral, Os caracteres.

    Teofrasto formulou numerosas crticas a pontos concretos da doutrinaaristotlica, mas manteve-se fiel aos ensinamentos fundamentais domestre. Contra a doutrina do intelecto activo objectou que soincompatveis com a funo daquele intelecto o esquecimento e o erro.Contra o universal finalismo das coisas, professado por Aristteles,notou que, na natureza, muitas coisas no obedecem tendncia para ofim e, se esta tendncia prpria dos animais, no se revela nos seresinanimados que so os mais numerosos na natureza. Em compensaodefende a doutrina aristotlica da, eternidade do mundo contra asobjeces que lhe vinham sendo feitas.

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    Na obra Os caracteres, que provavelmente no nos chegou na sua formaoriginal mas numa redaco retocada, descreve com uma certa- argciatrinta tipos de caracteres morais (o importuno, o vaidoso, odescontente, o fanfarro, etc.) Pode dizer-se que Teofrasto aplicou vida moral, nesta obra, o mesmo mtodo descritivo empregado por ele noestudo da Botnica.

    87. OUTROS DISCPULOS DE ARISTTELES

    Ao lado de Teofrasto, o mais importante dos discpulo imediatos deAristteles Eudemo de Rodes, autor de numerosos escritos de histriada cincia. Eudemo designado como "o mais fiel"> dos discpulos deAristteles. Foi o editor da obra moral de Aristteles que designadaprecisamente pelo seu nome (tica Eudemia) e que alguns consideram comoobra sua.

    Aristxeno, de Tarento retomou a doutrina pitagrica da alma comoharmonia, sustentada por Smias no Fdon platnico. As suas simpatiaspelo pitagorismo manifestam-se tambm no interesse que

    sentiu pela msica, qual dedicou uma obra intitulada Harmata, de quenos restam fragmentos. Foi tambm autor de biografias de filsofos, emparticular de Pitgoras e de Plato.

    Dicearco de Messina afirmou, em oposio a Aristteles e a Teofrasto,ia superioridade da vida prtica sobre a vida terica. Na sua obra,Vida da Grcia, de que nos restam poucos fragmentos, delineou umahistria da civilizao grega. , No Tripoltico sustentou que a melhorconstituio uma mescla de monarquia, aristocracia e democracia comoa que se havia desenvolvido em Esparta.

    88. ESTRATO

    A Teofrasto sucedeu na direco da escola Estrato de Lmpsaco, quea exerceu durante dezoito anos. O sentido da sua investigao indicado pelo apodo de "o fsico".

    De facto procurou conciliar Aristteles e Demcrito. De Demcrito tomoua doutrina dos tomos e do espao vazio; mas, diferentemente deDemcrito e conformemente a Aristteles, considerou que o espao vaziono se estende at ao infinito, pira l dos confins do mundo, masapenas no interior deste entire os tomos. Al m disso, segundoEstrato, os corpsculos so dotados de certas qualidades,especialmente de calor e de frio.

    Na sua doutrina sobre a ordem e a constituio do mundo, Estrato

    aproximava-se muito mais de Demcrito do que de Aristteles. No seservia da divindade para explicar o nascimento do mundo e recorria necessidade da natureza ou pelo menos identificava com ela a aco deDeus. Estrato afirmou energicamente a unidade da alma. Por causa destaunidade no possvel uma separao ntida entre sensao epensamento. " Sem o pensa-

    mento -dizia ele - no h sensao." Mas, por outro lado, tanto opensamento como a sensao no so mais que movimento e deste modovoltam a entrar no mecanismo geral da natureza.

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    Depois de Estrato, a escola peripattica continuou o seu trabalhoatravs de numerosos representantes dos quais nos restam escassasnotcias e fragmentos. Mas estes dedicaram-se todos a investigaesnaturalistas particulares e assim no trouxeram contributos relevantes ulterior elaborao da filosofia aristotlica.

    NOTA BIBLIOGRFICA

    86. Para os escritos da ~Ia aristotlica em geral cfr. a colectneaDie Schule des Aristoteles, Texte und Kommentar, editada por Wehrli emBasEcia-

    Fontes para a vida, os escritos e a doutrina de Teofrasto: DiGENEsLARCIO, V, 36 ss.; REGENBOGEN, Theophrastos von Eresos, Stuttgart,1940.

    Os escritos que nos ficaram, isto , as duas obras de botnica, osCaracteres e os fragmentos foram editados por Schneid-er, Leipzig,1918-21; outra edio, Wimmer, Leipzig, 1854. Sobre Teofrasto: ZELLER

    11,2, p. 806 ss.; GomPERz, III, cap. 39-42.

    87. Os fragmentos de Eudemo, in MULLACH, Fragmenta phil. graec., III,p. 222 ss.. Os fragm-entos da Harmonia de Aristxeno foram editados porMarquard, Berlim, 1868 e por Macran, Oxford, 1903. Os fragmentos deDicearco, por Fuhr, Darmstadt, 1841. Sobre estes trs discpulos deAristteles: ZELLER, U, p. 869 ss..

    88. Sobre a vida, os escritos e a doutrina de Estrato: DIGENEsLARCIO, V, 58 ss. Sobre Estrat

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    a vida teortica como a mais alta manifestao da vida do homem e elemesmo encara e defende com a sua obra os interesses desta actividade,levando a sua investigao a todos os ramos do cognoscvel. S a partirdos Cnicos o equilbrio harmnico entre cincia e virtude se rompepela primeira vez: eles puseram o acento no peso da virtude emdetrimento da cincia e tornaram-se partidrios de um ideal moralpropagandstico e popularucho, chegando a ser gravemente infiis aosensinamentos do seu mestre.

    Mas a rotura definitiva da harmonia da vida teortica a favor dosegundo dos seus termos, a virtude, encontra-se na filosofia ps-aristotlica. A frmula socrtica-a virtude cincia- substitudapela frmula a cincia virtude. O objectivo imediato e urgente abusca de urna orientao moral, qual deve estar subordinada, como aoseu fim, a orientao teortica. O pensamento deve servir a vida, no avida o pensamento. Na nova frmula, os termos que na antiga encontravama

    sua unidade so opostos um ao outro, de modo que se sente a necessidadede escolher entre eles o termo que mais importa e subordinar-lhe ooutro. A filosofia ainda e sempre procura; mas procura de umaorientao moral, de uma conduta de vida que no tem j o seu centro ea sua unidade na cincia, mas subordina a si a cincia como o meio aofim.

    90. A ESCOLA ESTOICA

    Das trs grandes escolas ps-aristotlicas, a estoica foi de longe, doponto de vista histrico, a mais importante. A influncia do estoicismotornou-se decisiva no ltimo perodo da filosofia grega, quando ascorrentes neoplatnicas fizeram suas muitas das suas doutrinasfundamentais, e na Patns-

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    tica, na Escolstica rabe e Latina, no Renascimento. Esta influncias comparvel de Aristteles e exerceu-se muitas vezes sobre adoutrina aristotlica, sugerindo-lhe desenvolvimentos e modificaesque foram nela incorporadas e se tornaram assim suas partesintegrantes. No prprio seio da filosofia moderna e contempornea, aaco do estoicismo continua, quer de maneira indirecta quer sob aforma de doutrinas que o senso comum, a sabedoria popular e a tradiofilosfica aceitaram e aceitam sem se preocuparem com p-las emdiscusso. Aqui podemos apenas indicar algumas destas doutrinas, squais se ter ocasio de fazer referncia mais vezes no decurso desta

    Histria. A primeira delas a da necessidade da ordem csmica, com asnoes que lhe esto inclusas de destino e de providncia. Estadoutrina serviu de fundamento a todas as elaboraes teolgicas que seefectuaram ia partir do neoplatonismo e vlida como critriointerpretativo do prprio aristotelismo. A definio da lgica comodialctica, a teoria do significado, da proposio e do raciocnioimediato dominaram o desenvolvimento da lgica nos ltimos sculos daIdade Mdia, constituindo uma segunda parte acrescentada lgica dederivao aristotlica. Os estoicos contriburam mesmo, a partir dosaristotlicos antigos, para integrar ou interpretar as teorias lgicas

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    aristotlicas. As doutrinas do ciclo csmico ou do eterno retorno e deDeus como alma do mundo constituram e constituem ainda um constanteponto de referncia das concepes cosmolgicas e teolgicas. A anlisedas emoes e a sua condenao, o conceito da autosuficincia e daliberdade do sbio ficaram e permanecem entre as mais tpicasformulaes da tica tradicional. Pela noo de dever por eleselaborada se renova rigorosamente a tica kantiana. A noo de valor,tambm por eles encontrada, revelou-se

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    fecundssima nas discusses ticas. A identificao de liberdade onecessidade, o cosmopolitismo, a teoria do direito natural sodoutrinas de que quase intil sublinhar a importncia e a vitalidade.

    O fundador da escola foi Zeno de Gtium, em Chipre, de quem se conhececom verosimilhana o ano do nascimento, 336-35 a.C., e o ano da morte,264-63. Chegado a Atenas com os seus vinte e dois anos, entusiasmou-se,atravs da leitura dos escritos socrticos (os Memorveis de Xenofontee a Apologia de Plato), pela figura de Scrates e julgou ter

    encontrado um Scrates redivivo no cnico Cratete, de quem se fezdiscpulo. Seguidamente foi tambm discpulo de Estilpon e de TeodoroCrono. Por volta do ano 300 a.C., fundou a sua escola no PrticoPintado (Sto poikle), pelo que os seus discpulos se chamaramEstoicos. Morreu de morte voluntria como bastantes outros mestres quelhe sucederam. Dos seus numerosos escritos (Repblica, Sobre a Vidasegundo a Natureza, Sobre a Natureza do Homem, Sobre as Paixes, etc.)restam-nos apenas fragmentos. Os seus primeiros discpulos foramAriston de Quios, Erilo de Cartago, Perseu de Citium e Cleanto deAssos, na Trade, que lhe sucedeu na direco da escola. Cleanto,nascido em 304-03, e morto em 223-22 de morte voluntria, foi um homemde poucas necessidades e de vontade frrea, mas pouco dotado para aespeculao; parece que o seu contributo para a elaborao dopensamento estoico foi mnimo.

    A Cleanto sucedeu Crisipo de Soli ou do Tarso na Cilcia, nascido em281-78, falecido em 208-05, que o segundo fundador do Estoicismo,tanto que se dizia: "Se no tivesse existido Crisipo no existiria a"Stoa". Foi de uma prodigiosa fecundidade literria. Escrevia todos osdias quinhentas linhas e comps ao todo 705 livros. Foi tambm umdialctico e um estilista de primeira ordem.

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    Seguiram-se a Crisipo dois discpulos seus, primeiro Zeno de Tarso,depois Digenes de SeMucia, dito o Babilnico. Digenes foi a Roma, em156-55, numa embaixada de que faziam parte o acadmico Carnades e o

    peripattico Critolau. A embaixada suscitou muito interesse najuventude de Roma, mas teve a desaprovao de Cato, o qualtemia que o interesse filosfico desviasse a juventude romana da vidamilitar. A Digenes seguiu-se Antipatro de Tarso.

    A produo literria de todos estes filsofos, que deve ter sidoimensa, perdeu-se e dela s nos restam fragmentos. Estes nem sempre soreferidos a um autor singular, mas amide aos Estoicos em geral, demodo que se torna muito difcil distinguir, na massa das notcias quenos chegaram, a parte que corresponde a cada um dos representantes do

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    Estoicismo. Por isso se deve expor a doutrina estoica no seu conjunto,mencionando, quando possvel, as diferenas ou as divergncias entre osvrios autores.

    91. CARACTERSTICAs DA FILOSOFIA ESTOICA

    O fundador do Estoicismo, Zeno, teve como mestre e como modelo de vidao cnico Cratete. Isto explica a orientao geral do Estoicismo, o qualse apresenta como a continuao e o complemento da doutrina cnica.Como os Cnicos, os Estoicos procuram no j a cincia, mas afelicidade por meio da virtude. Mas, diferentemente dos Cnicos,consideram que, para alcanar a felicidade e a virtude, necessria acincia. No faltou entre os Estoicos quem, corno Ariston, estivesseligado estreitamente ao Cinismo e declarasse intil a Lgica e superiors possibilidades humanas a Fsica, aban-

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    donando-se a um desprezo total pela cincia. Mas contra ele, Erilocolocava o sumo bem e o fim ltimo da vida no conhecer, volvendo assim

    a Aristteles. O prprio fundador da escola, Zeno, consideravaindispensvel a cincia para a conduta da vida, e embora no lhoreconhecesse um valor autnomo, inclua-a entre as condiesfundamentais da virtude. A prpria cincia parecia-lhe virtude e asdivises da virtude eram para ele divises da cincia. Tal foiindubitavelmente a doutrina que prevaleceu no Estoicismo. "A filosofia-diz Sneca- exerccio de virtude (studium virtutis), mas por meio daprpria virtude, j que no pode haver virtude sem exerccio, nemexerccio de virtude sem virtude" (Ep., 89).

    O conceito da filosofia vinha assim a coincidir com o da virtude. O seufim alcanar sageza que a "cincia das coisas humanas e divinas";mas a nica arte para alcanar a sabedoria precisamente o exerccioda virtude. Ora as virtudes mais gerais so trs: a natural, a moral ea racional; tambm a Filosofia se divide, pois, em trs partes: aFsica, a tica e a Lgica. Diferente foi a importncia atribudasucessivamente a cada uma destas trs partes; e distinta foi a ordem emque as ensinaram os vrios mestres da Sto. Zeno e Crisipo comeavampela lgica, passavam Fsica e terminavam com a tica.

    92. A LGICA estoica

    Com o termo Lgica, adoptado pela primeira vez por Zeno, os Estoicosexpressavam a doutrina que tem por objecto os logoi ou discursos. Comocincia dos discursos contnuos, a lgica Retrica; como cincia dosdiscursos divididos por perguntas e respostas, a lgica dialctica.Mais precisamente, a

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    Pgina da obra "Vida e doutrina dos filsofos,,5, de

    Digenes Larcio (Cdice do sculo V)

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    dialctica definida como "a cincia daquilo que verdadeiro edaquilo que falso e daquilo que no. nem verdadeiro nem falso."(Diog. L., VII,42; Sneca, EP., 89). Com a expresso "aquilo que no nem verdadeironem falso", os Estoicos entendiam provavelmente os sofismas ou osparadoxos, sobre cuja verdade ou falsidade no se pode decidir e cujotratamento ocupa muito os Estoicos que, neste ponto, seguem as pisadasdos Megricos. Por sua vez, a dialctica divide-se em duas partessegundo trata das palavras ou das coisas que as palavrassignificam: a que trata das palavras a Gramtica, a que trata dascoisas significadas a Lgica em sentido prprio, a qual, portanto,tem por objecto as representaes, as preposies, os raciocnios e ossofismas (Diog. L., VII, 43-44).

    O primeiro problema da lgica estoica o do critrio da verdade. este o problema mais urgente para toda a filosofia ps-aristotlica queconsidera o pensamento apenas como guia para a conduta: e ora, se opensamento no possui por si mesmo um critrio de verdade e procede comincerteza e s cegas, no pode servir de guia para a aco. Ora, para

    todos os Estoicos, o critrio da verdade a representao catalticaou conceptual (phantasia kataleptik). So possveis duasinterpretaes do significado desta expresso e ambas se encontram nasexposies antigas do Estoicismo. Em primeiro lugar, a phantasiakataleptik pode consistir na aco do intelecto que prende e penetra oobjecto. Em segundo lugar, pode ser a representao que impressa nointelecto pelo objecto, isto , a aco do objecto sobre o intelecto.Ambos os significados se encontram nas exposies antigas doEstoicismo. Sexto Emprico (Adv. math., VII, 248) diz-nos que, segundoos Estoicos, a representao cataltica aquela que vem de um objectoreal e est impressa

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    e marcada por isso em conformidade com ele prprio, de modo que nopoderia nascer de um objecto diferente. Por outro lado, Zeno (segundoum testemunho de Cioero, Acad., 11, 144) colocava o significado darepresentao cataltica na sua capacidade de prender ou compreender oobjecto. Ele comparava a mo aberta e os dedos estendidos representao pura e simples; a mo contrada no acto de agarrar, aoassentimento; o punho fechado compreenso cataltica. Finalmente, asduas mos apertadas uma sobre a outra, com grande fora, eram o smboloda cincia, a qual d a verdadeira e completa posse do objecto.

    A representao cataltica est, pois, relacionada com o assentimentoda parte do sujeito cognoscente, assentimento que os Estoicosconsideravam voluntrio e livre. Se o receber uma representao

    determinada, por exemplo, ver uma cor branca, sentir o doce, no estem poder daquele que a recebe porque depende do objecto de que deriva asensao, o assentir a tal representao , pelo contrrio, sempre umacto livre. O assentimento constitui o juzo, o qual se defineprecisamente ou como assentimento ou como dissentimento ou comosuspenso (epoch), isto , renncia provisria para assentir representao recebida ou a dissentir da mesma. Segundo testemunho deSexto Emprico (Adv. math., VII, 253), os Estoicos posteriores puseramo critrio da verdade, no na simples representao cataltica, mas na-representao cataltica "que no tenha nada contra si", porque pode

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    dar-se o caso de haver representaes catalticas que no sejam dignasde f pelas circunstncias em que so recebidas. S quando no tem nadacontra si, a representao se impe com fora s representaesdivergentes e constrange o sujeito cognoscente ao assentimento. Distoresulta claramente que a representao cataltica aquela que dotadade uma

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    evidncia no contraditada, tal que solicito com toda a fora oassentimento, o qual, no entanto, permanece livre. Consequentemente,definiam a cincia como "uma representao cataltica ou um hbitoimutvel para acolher tais representaes, acompanhadas peloraciocnio" (Diog. L., VII, 47); e consideravam que no h cincia semdialctica, cabendo dialctica dirigir o raciocnio.

    Pelo que respeita ao problema da origem do conhecimento, o Estoicismo empirismo. Todo o conhecimento humano deriva da experincia e aexperincia passividade porque depende da aco que as coisasexternas exercem sobre a alma considerada como uma tabuinha (tabula

    rasa) e na qual se vm registar as representaes. As representaesso marcas ou sinais impressos na alma, segundo Ocanto; segundoCrisipo, so modificaes da alma. Em qualquer caso, so recebidaspassivamente e produzidas ou pelos objectos externos ou pelos estadosinternos da alma (como a virtude e a perversidade). Por isso nenhumadiferena existe entre a experincia externa e a experincia interna.Toda a representao, depois do seu desaparecimento, determina arecordao, um conjunto de muitas recordaes da mesma espcieconstitui a experincia (Aezio, Plac., IV, II). Da experincia nasce,por um procedimento natural, a noo

    comum ou antecipao; a antecipao a noo natural do universal(D@og. L., VII, 54).

    Todavia, segundo eles, os conceitos no tm nenhuma realidadeobjectiva: o real sempre individual e o universal subsiste apenas nasantecipaes ou nos conceitos. O Estoicismo , pois, um nominalismo,segundo a expresso que foi usada na Escolstica para designar adoutrina que nega a realidade do universal. Os conceitos mais gerais,aqueles que Aristteles designara com categorias, so reduzidos pelosEstoicos a quatro: 1.* o sujeito

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    ou substncia; 2.* a qualidade; 3.* o modo de ser,4.O o modo relativo (Plotino, Enn., VI, 1. 202). Estas quatrocategorias esto entre si numa relao tal que a seguinte encerra a

    precedente e a determina. Efectivamente, nada pode ter um carcterrelativo se no tem um modo seu de ser; no .pode ter um modo de ser seno possui uma qualidade fundamental que o diferencie dos outros; e spode possuir esta qualidade se subsiste por si, se substncia.

    O conceito mais elevado e mais extenso ou, como diziam, o gnerosupremo, o conceito de ser, porquanto tudo, em certo modo, , e noexiste, portanto, um conceito mais extenso do que este.O conceito mais determinado , pelo contrrio, o de espcie que no temoutra espcie abaixo de si, isto , o do indivduo, por exemplo de

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    Scrates (Diog. L., VII, 61). Outros Estoicos, pretendendo encontrar umconceito ainda mais extenso que o de ser, recorreram ao de alguma coisa(aliquid) que pode compreender tambm as coisas incorpreas (Sneca,Ep., 58).

    A parte da lgica estoica que teve a maior influncia nodesenvolvimento da lgica medieval e moderna a que concerne proposio e ao raciocnio. Como fundamento desta parte da suadoutrina, os Estoicos elaboraram a doutrina do ,significado (lektn)que se manteve de fundamental importncia na lgica e na teoria dalinguagem. "So trs -diziam eles- os elementos que se ligam: osignificado, aquilo que significa e aquilo que . Aquilo que significa a voz, por exemplo, "Dione". O significado a coisa indicada pelavoz e que n s tomamos pensando na coisa correspondente. Aquilo que o sujeito externo, por exemplo, o prprio "Dione" (Sexto Emp:, Adv.math., VIII, 12). Destes trs elementos conhecidos, dois,so,,c,or,preos, a voz e aquilo que ; um incor-

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    prco, o significado. O significado , noutros termos, qualquerinformao ou representao ou conceito que nos vem mente quandopercebemos uma palavra e que nos permite referir a palavra a uma coisadeterminada. Assim, por exemplo, se com a voz

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    verdade, a concludncia de um raciocnio. o raciocnio acima exposto s verdadeiro se noite mas falso se dia. Inversamente, concludente em qualquer caso porque a relao das premissas com aconcluso correcta. Os tipos fundamentais de raciocnios concludentesso chamados pelos Estoicos anapodticos ou raciocnios nodemonstrativos. S o evidentes por si prprios e so os seguintes: 1.*Se dia h luz, mas dia; portanto, h luz. 2.* Se dia, h luz; masno h luz; portanto no dia. 3.* Se no dia, noite; mas dia;portanto no noite. 4.* Ou dia ou noite; mas dia; portanto no noite.5.* Ou dia ou noite; mas no noite; portanto. dia (1p. Pirr,11, 157-58; Diog. L., VII, 80). Estes esquemas de raciocnio so semprevlidos mas sempre verdadeiros. dado que s so verdadeiros quando apremissa verdadeira, isto , quando corresponde situao de facto.Sobre eles se modelam os raciocnios demonstrativos que so no sconcludentes mas manifestam tambm alguma coisa que antes era"obscura", isto , qualquer coisa que no imediatamente manifesta representao cataltica, a qual sempre limitada ao aqui e agora. Eisum exemplo: "Se esta mulher tem leite no seio, pariu; mas esta mulhertem leite no seio; portanto pariu> Neste sentido o raciocnio

    demonstrativo designado pelos Estoicos como um sinal indicativoporquanto consente trazer luz qualquer coisa que antes estava,obscuro. Sinais remwwa-

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    tivcw s% pelo contrrio, aqueles que, mal se apresentam, tornamevidente a recordao da coisa que foi primeiramente observada emligao com ela o agora no manifesta como , por exemplo, o fumo arespeito do fogo (Sexto E., Adv. math., VIII,148 ss.). Evidentemente, os Estoicos confiaram ao raciocniodemonstrativo a construo da sua doutrina; por exemplo, a demonstraoda existncia da alma ou da alma do mundo (que Deus), feita a partirdos movimentos ou dos factos que so imediatamente dados pelarepresentao cataltica, constitui um sinal indicativo no sentidoagora referido.

    Como se v, a dialctica estoica tem em comum com a dialcticaplatnica o carcter hipottico das suas Iiwemissas, mas distingue-sedesta dialctica porque a conjuno das premissas entre si e a suaconexo com a concluso exprime situaes de facto ou estados de coisasimediatamente presentes. Alis, o carcter hipottico do processodialctico no , para os Estoicos como no era para Aristteles, umdefeito da prpria dialctica pelo qual esta seria inferior cincia.Para eles, a cincia no , precisamente, outra coisa seno dialctica(Diog. L., VII, 47). O conceito estoico da lgica como dialcticodifundiu-se, atravs das obras de Bocio, na Escolstica Latina e foi o

    fundamento da chamada lgica terninstica, caracterstica do ltimoperodo da Escolstica.

    93. A FSICA ESTOICA

    O conceito fundamental da Fsica estoica o de uma ordem imutvel,racional, perfeita e necessria que governa e sustenta infalivelmentetodas as coisas e as faz ser e conservar-se tais como so. Esta ordem identificada pelos Estoicos com o

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    prprio Deus: assim a sua doutrina um rigoroso pantesmo.

    Os Estoicos substituem as quatro causas aristotlicas (matria, forma,causa eficiente e causa final) por dois princpios: o princpio activo(poion) e o princpio passivo (pschon) que so ambos materiais einseparveis um do outro. O princpio passivo a substncia privada dequalidade, isto , a matria; o princpio activo a razo, isto ,Deus que agindo sobre a matria produz os seres singulares. A matria inerte, e se bem que pronta para tudo, ficaria ociosa se ningum amovesse. A razo divina forma a matria, dirige-a para onde quer eproduz as suas determinaes. A substncia de que nascem todas ascoisas a matria, o princpio passivo; a fora pela qual todas ascoisas so feitas a causa ou Deus, o princpio activo (Diog. L., VII,134). Contudo, a distino entre princpio activo e princpio passivono coincide, segundo os Estoicos, com a distino entre o incorpreo eo corpreo. Ambos os princpios, seja a causa, seja a matria so corpoo nada mais que corpo, dado que s o corpo existe. Um rgidomaterialismo defendido pelos Estoicos na base da definio de ser

    dada por Plato no Sofista ( 56): existe aquilo que age ou suporta umaaco. Dado que s o corpo pode agir ou sofrer uma aco, s o corpoexiste (Diog. L., VII, 56; Plut., Comm. Not., 30, 2, 1073; Stob., Ecl.,1, 636). A alma , pois, corpo como princpio de aco (Diog. L., VII,156). corpo a voz que tambm opera e age sobre a alma (Aezio, Plac.,IV, 20,2). corpo, enfim, o bem como so corpos as emoes e osvcios. Diz Sneca a este respeito: "0 bem opera porque til e aquiloque opera um corpo.O bem estimula a alma numa certa maneira: modela-a e tem-na sob ofreio, aces estas que so prprias de um corpo. Os bens do corpo socorpos;

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    portanto, tambm os da alma, pois tambm ela corpo" (Ep., 106). OsEstoicos s admitiam quatro coisas incorpreas: o significado, o vazio,o lugar e o tempo (Sexto E., Adv. math., X, 218).

    Como se v, nem Deus existe entre as coisas incorpreas. O prprioDeus, como razo csmica e causa de tudo, corpo: mais precisamente fogo. Mas no o fogo de que o homem se serve, que destri todas ascoisas: antes um sopro clido (pneuma) e vital que tudo conserva,alimenta, faz crescer e tambm sustm. Mas este sopro ou espritovital, este fogo animador tambm ele corpo. Chama-se razo seminal(logos spermatiks) do mundo porque contm em si as razes seminaissegundo as quais todas as coisas se geram. Como todas as partes de umser vivo nascem da semente, assim toda a parte do universo nasce de

    uma mesma semente racional, ou razo seminal. Estas razes seminais sofrequentemente misturadas umas com as outras, mas, ao desenvolverem-se,separam-se e do origem a seres diferentes, e assim todas as coisasnascem da unidade e se incluem na unidade. Contudo, a distino entreas diferentes coisas perfeita; no existem no mundo duas coisassemelhantes, nem mesmo duas folhas de erva.

    O mundo foi gerado quando a matria originria se diferenciou e setransformou nos vrios elementos. Ao condensar-se e tornar-se pesada,converteu-se em terra; ao enrarecer, converteu-se em ar e logo em

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    humidade e gua; ao fazer-se mais subtil, deu origem ao fogo. Destesquatro elementos compem-se todas as coisas: duas delas, o ar e o fogoso activas; as outras duas, terra e gua, so passivas. A esfera dofogo est acima da das estrelas fixas. O mundo finito e tem a formade esfera. Em torno dele h o vazio, mas dentro no h vazio porque tudo unido e compacto (Diog. L., VII, 137 ss.).

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    A vida do mundo tem um ciclo prprio. Quando, depois de um longoperodo de tempo (grande anno), os astros tornam ao mesmo signo e mesma posio em que se encontravam no princpio, acontece umaconflagrao (ekprasis) o a destruio de todos os seres; e de novo seforma a mesma ordem csmica e de novo tomam a verificar-se osacontecimentos ocorridos no ciclo precedente sem nenhuma modificao.Existe de novo Scrates, de novo Plato e de novo cada um dos homenscom os mesmos amigos e concidados, as mesmas cirenas, as mesmasesperanas, as mesmas iluses (Nemsio, De nat. hom., 38, 277).

    Tal de facto o destino (eimarmne), a lei necessria que rege as

    coisas. O destino a ordem do mundo e a concatenao necessria quetal ordem pe entre todos os seres e, portanto, entre o passado e oporvir do mundo. Todo o facto se segue a um outro e estnecessariamente determinado por ele como pela sua causa; e a todo ofacto se segue um outro que ele determina como causa. Esta cadeia nose pode quebrar porque com ela seria quebrada a ordem racional domundo. Se esta ordem, do ponto de vista das coisas que encadeia, destino, do ponto de vista de Deus, que o seu autor e garanteinfalvel. providncia que rege e conduz todas as coisas ao seu fimperfeito. Portanto, destino, providncia e razo identificam-se entresi, segundo os Estoicos, e identificam-se com Deus, considerado como anatureza intrnseca, presente e operante em todas as coisas (AlexandreAfr., De fato, 22, p. 191). Segundo este ponto de vista, os Estoicosjustificavam a adivinhao, definida como a arte de prover o futuromediante a interpretao da ordem necessria das coisas. Mas s ofilsofo pode sei adivinho do futuro porque s elo conhece a ordem n~iado mundo (Ccero, De divin., 11, 63, 130).

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    Identificando Deus com o cosmos, isto , com a ordem necessria domundo, a doutrina estoica um rigoroso pantesmo. . ao mesmo tempo,uma justificao do politesmo tradicional: os deuses da tradioseriam outros tantos aspectos da aco ordenadora divina. A divindadetoma o nome de Jpiter fDi) enquanto tudo existe poT obra (di) sua,de Zeus enquanto causa de viver (zn), de Atena enquanto governa sobreo ter, de Hera enquanto governa sobre o ar, de Efastos enquanto fogo-

    artfice e assim por diante (Diog. L., VII, 147).

    E se o mundo, na sua ordem necessria, se identifica com a prpriarazo divina, s pode ser perfeito. Os Estoicos no negavam aexistncia do mal no mundo, consideravam apenas que ele era necessriopara a existncia do bem. Os bens so contrrios aos males, diziaCrisipo, no seu livro Sobre a Providncia. pois necessrio que unssejam sustentados pelos outros porque sem um contrrio no existiriato-pouco o outro contrrio. No haveria justia se no houvesse ainjustia, pois que ela no mais que a libertao da injustia. No

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    haveria moderao -se no houvesse a intemperana, nem a prudncia seno houvesse a imprudncia e assim por diante. No haveria verdade sema mentira (Gellio, Noct. att., VII, 1). "Deus harmonizou no mundo todosos bens com todos os males de maneira que nasa dai a razo eterna detudo", cantava Cleanto no Hino a Jpiter.

    94. A PSICOLOGIA ESTOICA

    Disse-se j que, segundo os Estoicos, a alma entra no rol das coisascorpreas com base no princpio de que corpo aquilo que age e que aalma age, Crisipo servia-se da prpria definio platnica da mortecomo "separao da alma do

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    corpo" para tirar dela a confirmao da corporeidade da alma. "0incorpreo no poderia separar-se do corpo nem unir-se com ele; mas aalma une-se ao corpo e no se separa dele, portanto a alma corpo"(Nemsio, De nat. nom., 2, 81). A Alma humana uma parte da Alma domundo, isto , de Deus; como Deus fogo ou sopro vivificante; e

    sobrevive morte no seio da Alma do Mundo (Diog. L., VII, 156).

    As partes da alma so quatro: 1.* o princpio directivo ou hegemnicoque a razo; 2.* os cinco sentidos; 3.O o smen ou o princpioespermtico;4.

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    representao mas no determinam o assentimento que permanece em nossopoder. Nestes limites, a vontade e a ndole de cada um podem influir,em conformidade com a ordem do todo, na escolha e na execuo dasaces (Ccer., De fato,41-43; Aulo G., Noet. att., VII, 2).

    95. A TICA ESTOICA

    Deus confiou a realizao e a conservao da ordem perfeita do cosmosno mundo animal a duas foras igualmente infalveis: o instinto e arazo.O instinto (horm) guia infalivelmente o animal na conservao, naalimentao, na reproduo e em geral a tomar cuidado consigo para osfins da sua sobrevivncia (Diog. L., VII, 85). A razo , por outrolado, a fora infalvel que garante o acordo do homem consigo prprio ecom a natureza em geral.

    A tica dos Estoicos , substancialmente, uma teoria do uso prtico darazo, isto , do uso da razo com o Em de estabelecer o acordo entre anatureza o o homem. Zeno afirmava que o fim do homem o acordo

    consigo prprio, isto , o

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    viver "segundo uma razo nica e harmnica". "Ao acordo consigoprprio, Cleanto acrescentou o acordo com a natureza e por isso defineo fim do homem como "a vida conforme a natureza". E Crisipoexprimo a mesma coisa dizendo: "viver conforme com a experinciados acontecimentos naturais" (Stobeo, Ecl., 11, 76, 3). Mas parece quej Zeno tinha adoptado a frmula do "viver segundo a natureza" (Diog.L., VII, 87). E indubitavelmente esta a mxima fundamental dadoutrina estoica.

    Por natureza, Cleanto entendia a natureza universal, Crisipo no s anatureza universal mas tambm a humana que parte da naturezauniversal. Para todos os Estoicos, a natureza a ordem racional,perfeita e necessria que o destino ou o prprio Deus. Por issoCleanto orava assim: "Conduz-me, 6 Zeus, e tu, Destino, aonde por vssou destinado e vos servirei sem hesitao: porque ainda que eu noquisesse, vos deveria seguir igualmente como estulto" (Stobeo, Flor.,VI, 19). Ora a aco que se apresenta conforme com a ordem racional odever (kathkon): a tica estoica , pois, fundamentalmente uma ticado dever e a noo do dever, como conformidade ou convenincia da acohumana com a ordem racional, torna-se, pela primeira vez, nos Estoicos,a noo fundamental da tica. Efectivamente, nem a tica platnica nema tica aristotlica fazem referncia ordem racional do todo,assumindo como seu fundamento, para a primeira, a noo de justia,

    para a segunda, a de felicidade. A noo de dever no surgia no seumbito e nelas dominava a noo de virtude como caminho para realizar ajustia ou felicidade. "Os Estoicos chamam dever -diz Digenes Larcio-(VII, 107-09) quilo cuja escolha pode ser racionalmente justificada...Das aces realizadas pelo instinto algumas so prprias do

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    dever. outras nem prprias do dever nem contrrias ao dever. Prpriasdo dever so aquelas que a razo aconselha efectuar, como honrar os

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    pais, os irmos, a ptria e viver em harmonia com os amigos. Contra odever so aquelas que a razo aconselha a no fazer... Nem prprias dodever nem contrrias ao dever so aquelas que a razo nem aconselha nemcondena, como levantar uma palha, pegar numa pena, etc.". Como nosrefere Ccero, (De offi, 111, 14), os Estoicos distinguiam o deverrecto, que perfeito e absoluto e no pode encontrar-se em maisningum a no ser no sage, e os deveres "intermdios" que so comuns atodos e muitas vezes s so realizados com a ajuda da boa ndole e deuma certa instruo. Esta prevalncia da noo do dever levou osEstoicos a uma doutrina tpica da sua tica: a justificao do suced-io. Efectivamente, quando as condies contrrias ao cumprimento dodever prevalecem sobre as favorveis, o sage tem o dever de abandonar avida mesmo se est no cume da felicidade (Cicer., De fin., 111, 60).Sabemos que muitos mestres do Stoa seguiram este preceito que , narealidade, a consequncia da sua noo do dever.

    Todavia, o dever no o bem. O bem comea a existir quando aescolha aconselhada pelo dever vem repetida e consolidada, mantendosempre a sua conformidade com a natureza, at tornar-se no homem urnadisposio uniforme e constante, isto , uma virtude (Cicer., De fin.,

    111, 20, Tusc., IV, 34). A virtude , efectivamente, o nico bem. Mass prpria do sage, isto , daquele que capaz do dever recto e seidentifica com a prpria sageza porque esta no possvel sem oconhecimento da ordem csmica qual o sage se adequa. A virtude podeter nomes diferentes segundo os domnios a que referida (a sagezaincide sobre os objectivos do homem, a temperana sobre os impulsos, afor-

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    taleza sobre os obstculos, a justia sobre a distribuio dos bens(Stobeo, Ecl., 11, 7, 60). Mas, na realidade, existe uma s virtude es a possui integralmente aquele que sabe entender e compreender ecumprir o dever, isto , s o sage (Diog. L., VII, 126).

    Entre a virtude e o vcio no h, portanto, meio termo. Como um pedaode madeira ou direito

    ou curvo sem possibilidade intermdia, assim o homem justo ou injusto e no pode ser justo ou injusto s parcialmente. De facto,aquele que tem a recta razo, isto , o sage, faz tudo bem evirtuosamente, enquanto quem privado da recta razo, o estulto, faztudo mal e de maneira viciosa. E pois que o contrrio da razo aloucura, o homem que no sage louco. Pode-se certamente progredirpara a sabedoria. Mas como quem est submerso pela gua, ainda queesteja pouco abaixo da superfcie, no pode respirar como se estivessenas guas profundas, assim aquele que avanou para a virtude, mas no

    virtuoso, no est menos na misria do que aquele que est mais longedela (Cicer., De fin., 111, 48).

    A virtude o nico bem em sentido absoluto porque ela constitui arealizao no homem da ordem racional do mundo. Este princpio levou osEstoicos a formular uma outra doutrina tpica da sua tica: a dascoisas indiferentes (adiaphor). Se a virtude o nico bem, s devemconsiderar-se bens propriamente a sabedoria, a justia, etc., e malesos seus contrrios; enquanto no so bens nem males as coisas que noconstituem virtude, como a vida, a sade, o prazer, a beleza, a

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    riqueza, a glria, etc., e todos os seus contrrios. Estas coisas so,portanto, indiferentes. Mas, no domnio destas mesmas coisasindiferentes, algumas so dignas de ser preferidas ou escolhidas como,precisamente, a vida, a sade, a beleza, a riqueza. etc.;

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    outras no, como os seus contrrios. Existem, pois, alm dos bens (avirtude), outras coisas que no so bens mas que, todavia, so tambmdignos de ser escolhidos. E para indicar o conjunto dos bens e de taiscoisas os Estoicos utilizaram a palavra valor (axia). Valor ,portanto, "todo o contributo para uma vida conforme com a razo" (Diog.L., VII, 105) ou em geral "aquilo que digno de escolha" (Cicer., Defin., 111, 6, 20). Com esta noo de valor fazia o seu ingresso natica um conceito que devia revelar-se de grande importncia nahistria desta disciplina.

    Faz parte integrante da tica estoica a negao total do, valor daemoo (pathos). Efectivamente, ela no tem qualquer funo na economiageral do cosmos que providenciou de modo perfeito na conservao e no

    bem dos seres vivos, dando aos animais o instinto e ao homem a razo.Pelo contrrio, as emoes no so provocadas por foras ou situaesnaturais: so opinies ou juzos ditados pela ligeireza, por issofenmenos de estultcia e de ignorncia que constituem em "julgar sabero que se no sabe" (Cicer., Tuse., IV, 26). Os Estoicos distinguiamquatro emoes fundamentais s quais reduziam todas as outras: duasoriginadas pelos bens presuntivos: o desejo dos bens futuros e aalegria dos bens presentes; duas originadas pelos males presuntivos: otemor dos males futuros e a aflio dos males presentes. A trsdestas emoes, e precisamente ao desejo, alegria e ao temorfaziam corresponder trs estados normais prprios do sage, isto ,respectivamente a vontade, a alegria e a prudncia que so estados decalma e de equilbrio racional. Nenhum estado normal corresponde, pelocontrrio, no sapiente quilo que aflio para o estulto:efectivamente, para ele no existem males de que deva doer-se, dado queconhece a perfeio do universo. As emoes so, portanto,

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    verdadeiras e tpicas doenas que afectam o estulto mas de que o sageest imune. A condio do sage, , pois, a indiferena a toda a emoo,a apatia.

    A ordem racional do mundo, do mesmo modo que dirige a vida de todo ohomem singular, dirige o da comunidade humana. Aquilo que se chamajustia a aco, nesta comunidade, da prpria razo divina. A lei quese inspira na razo divina a lei natural da comunidade humana: uma

    lei superior reconhecida pelos diferentes povos da terra, perfeita,portanto no susceptvel de correces ou melhoramentos. Ccero, numapgina famosa, exprimia assim o conceito desta lei: "Por certo, existeuma verdadeira lei, a da recta razo conforme com a natureza, difundidaentre todos, constante, eterna, que com o seu mandado convida ao devere com a sua proibio dissuade do engano... No ser diferente em Romaou em Atenas ou hoje ou amanh, mas como nica, eterna, imutvel leigovernar todos os povos e em todos os tempos" "Lactncio, Div. inst.,VI, 8, 6-9; Cicer., De rep., 111, 33). Estes conceitos constituem econstituiro a base da teoria do direito natural que, por muitos

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    sculos, foi um fundamento de toda a doutrina do direito.

    Se a lei que governa a humanidade nica, una ia comunidade humana."0 homem que se conforma com a lei cidado do mundo (cosmopolita) edirige as suas aces segundo o querer da natureza conforme o qual todoo mundo se governa" (Filon, De mundi opif., 3). Por isso, o sage nopertence a esta ou quela na o mas cidade universal na qual todosos homens so concidados. Nesta cidade no existem livres e escravosmas todos so livres. Para os Estoicos a nica escravido natural ado estulto enquanto no se determina em conformidade com aquela Ic que

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    a sua prpria natureza e do mundo. A escravatura imposta pelo homemsobre o homem, para os Estoicos, n o passa de malvadez (Diog. L., VII,121),

    NOTA BIBLIOGRFICA

    89. Sobre a filosofia ps-aristotlica: MELLI, La filosofia greca daEpicuro ai Neoplatonici, Flo~ rena, 1922; SCHMFKEL, For8chungen zurPhilosophie des Helten8mus, Berlim, 1938.

    90. Sobre a vida, os escritos e a doutrina dos antigos Estoicos asfontes principais so: 1.1 DIGENES LARciO, VII; 2., SEXTO EMPIRICO,Ipotiposi Pirronianas e Contra os -matemticos (estas obras so em boaparte tecidas com a -exposio e a crtica das doutrinas estoicas); 3.'CICERO, cujas obras filosficas so Inspiradas inteiramente peloEstoicismo, que atingiu atravs dos escritos dos Eclcticos,principalmente de Possidnio, e Panzio; 4., diversos artigos de SUIDASno Lxico; 5., FILODEMO, os restos do escrito Sobre os Estoicos.

    Os fragmentos deduzidos destas fontes e de outras menores ou maisocasionais foram recolhidos por VON ARNIM, Stoicorum Veterum Fragmenta:vol. 1, "Zeno e os discpulos de Zeno", Leipzig, 1905; vol. II, " Osfragmentos lgicos e fsicos de Crisipo", Leipzig,1903; vol. 111, "Os fragmentos morais de Crisipo e os fragmentos dossucessores de Crisipo", Leipzig,1903; vol. lV, "Indce", compilado por AMER, Leipzig, 1924.

    91. Sobre a doutrina estoica em geral: BARTI1, De Stoa, Stutgard,1908; 4.1 ed. 1922; BRMER, Chr- &ippe, Paris, 1910; 2.1 ed. 1951;POFILENZ, Die Stoa, Gottingen, 1948; 2., ed. 1954; J. BRUN, Lestoicisme, Paris, 1958.

    92. Sobre a lgica estioa: B. MATrS, StoiC Logic, BerkeIey (Cal.),

    1953; W KNEALE. e M. KNEALE, The Development of Logic, Oxford, 1962,cap. 3.

    93. Sobre a fsica: J. MOREAu, LIme du monde de Platon auxStoiciens, Paris, 1939; S. SAMBURSKI, The Physies of lhe Stoics,Londres, 1959,

    Sobre -a tica: RIETH, Grundbegriffe der stoischen Ethik, B@rlim,1934; KIRK, The Moral Philosophy of lhe Stoics, New Brunswick, 1951.

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    XIV

    O EPICURISMO

    96. EPICURO

    Epicuro, filho de Neocles, nasceu em Janeiro ou Fevereiro de 341 a.C.em Samos, onde passou a sua juventude. Comeou a ocupar-se de filosofiaaos 14 anos. Em Samos escutou as lies do platnico Panfilo e depoisdo democritiano Nausfone. Provvelmente foi este ltimo que o iniciouna doutrina de Demcrito, do qual, por algum tempo, se consideroudiscpulo. S mais tarde afirmou a completa independncia da suadoutrina da do seu inspirador, a quem julgou ento poder designar com oarremedo de Lerocrito (tagarela) (Diog. L., X, 8).

    Aos 18 anos, Epicuro dirigiu-se a Atenas. No est demonstrado quetenha frequentado as lies de Aristteles e de Xencrates que eranaquele tempo o chefe da Academia. Comeou a sua actividade de mestre

    aos 32 anos, primeiro em Mitilene e em Lmpsaco, e alguns anos depoisem Atenas (307-06 a.C.), onde permaneceu at sua morte (271-70).

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    A escola tinha a sua sede no jardim (kepos) de Epicuro pelo que os seussequazes foram chamados "filsofos do jardim". A autoridade de Epicurosobre os seus discpulos era muito grande. Como as outras escolas, oEpicurismo constitua uma associao de carcter religioso, mas adivindade a que era dedicada esta associao era o prprio fundador daescola. "As grandes almas epicuristas -diz Sneca (Ep., 6) - no asformou a doutrina mas a assdua companhia de Epicuro". Tanto durante asua vida como depois da sua morte, lhe tributaram os discpulos e osamigos honras quase divinas e procuraram modelar a sua conduta pelo seuexemplo. "Comporta-te sempre como se Epicuro te visse"-era o preceitofundamental da escola (Sneca, Ep., 25).

    Epicuro foi autor de numerosos escritos, cerca de 300. Restam-nosapenas trs cartas conservadas por Digenes Larcio (livro X): aprimeira, a Herdoto, uma breve exposio de fsica; a segunda, aMeneceu, de contedo tico; e a terceira, a Pitocles, de atribuioduvidosa, trata de questes metereolgicas. Digenes Larcio conservou-nos tambm as Mximas capitais e o Testamento. Num manuscrito vaticanofoi encontrada uma coleco de Sentenas e nos papiros de Herculanofragmentos da obra Sobre a Natureza.

    97. A ESCOLA EPICURISTA

    O mais notvel dos discpulos imediatos de Epicuro foi Metrodoro deLmpsaco cujos escritos foram na sua maior parte de contedo polmico.Mas contaram-se numerosssimos discpulos e amigos de Epicuro e entreeles no faltaram as mulheres como Temistia e a hetaira Leontina queescreveu contra Teofrasto. Com efeito, as mulheres

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    podiam tambm participar na escola, j que ela se fundava na

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    solidariedade e na amizade dos seus membros o as amizades epicuristasforam famosas em todo o mundo antigo pela sua nobreza.

    Todavia, nenhum discpulo trouxe uma contribuio original para adoutrina do mestre. Epicuro exigia dos seus sequazes a rigorosaobservncia dos seus ensinamentos; e a esta observncia se manteve fiela escola durante todo o tempo da sua durao (que foi longussima, atao sculo IV d.C.). Por isso, entre os seus numerosos discpulos, srecordaremos aqueles por cuja mediao nos chegaram ulteriores notciasacerca da doutrina epicurista. De Filodemo, que viveu no tempo deCcero, revelaram-nos os papiros de Herculano alguns fragmentos quetratam de numerosos problemas sob o ponto de vista epicurista e nosapresentam as polmicas que se desenvolviam, naquele -tempo, no prpriointerior da escola epicurista e entre ela e as outras escolas.

    Tito Lucrcio Caro deixou-nos no seu De rerum natura no s uma obra degrande valor potico mas tambm uma exposio fiel do Epicurismo. Poucose sabe da vida de Lucrcio. Nasceu provavelmente em 96 a.C. e morreuem 55 -a.C.. A notcia de que estava louco, transmitida pelosescritores cristos, e que havia escrito o seu poema nos intervalos da

    loucura, ode ser uma inveno devida

    p exigncia polmica de desacreditar o mximo representante latino doatesmo epicurista; em todo o caso, pouco verosmil pela causaaduzida da loucura do poeta: um filtro amoroso. Os seis livros da obrade Lucrcio (que est incompleta) dividem-se em trs partes, dedicadas,respectivamente, metafsica, antropologia e cosmologia, cada umadas quais compreende dois livros. No primeiro e segundo livro trata-sedos princpios de toda a realidade, da matria, do espao e daconstituio dos

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    corpos sensveis. No terceiro e quarto livro, trata-se do homem. Noquinto e sexto, do universo e dos fenmenos fsicos mais -importantes.A obra foi editada por Ccero, que teve que reorden-la um pouco,depois da morte de Lucrcio. O poeta latino v em Epicuro aquele quelibertou os homens do temor do sobrenatural e da morte. Lucrcioconsiderava to grande esta tarefa que no hesitou em exaltar Epicurocomo uma divindade e em reconhec-lo como o fundador da verdadeiracincia.

    Ao sculo 11 d.C. pertence Digenes de Enoanda (sia Menor) de quem seencontrou em 1884 um escrito esculpido em blocos de pedra. Estasinscries revelam uma doutrina perfeitamente conforme com a originalde Epicuro; a nica novidade a defesa do Epicurismo contra outrascorrentes filosficas e, especialmente, contra os dilogos platnicos

    de Aristteles.

    98. CARACTERSTICAS DO EPICURISMO

    Epicuro v na filosofia o caminho para alcanar a felicidade, entendidacomo libertao das paixes. O valor da filosofia , pois, puramenteinstrumental: o seu fim a felicidade. Mediante a filosofia o homemliberta-se de todo o desejo inquieto e molesto; liberta-se tambm dasopinies irracionais e vs e das perturbaes que delas procedem. Ainvestigao cientfica destinada a investigar as causas do mundo

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    natural no tem um fim diferente. "Se no estivssemos perturbados pelopensamento das coisas celestes e da morte e por no conhecermos oslimites das dores e dos desejos, no teramos necessidade da cincia danatureza" (Mximas capitais, 11). O valor da filosofia est, pois,inteiramente em dar ao homem um "qudruplo remdio": 1.o Libertar oshomens do temor

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    EPICURO

    dos deuses, demonstrando que pela sua natureza feliz, no se ocupam dasobras humanas. 2.' Libertar os homens do temor da morte, demonstrandoque ela no nada para o homem: "quando ns existimos, no existe amorte; quando a morte existe, no existimos ns" (Ep. a Men., 125).3.' Demonstrar a acessibilidade do limite do prazer, isto , o alcanarfcil do prprio prazer; 4.' Demonstrar a distncia do limite do mal,isto , a brevidade e a provisoriedade da dor.

    Deste modo a doutrina epicurista manifestava claramente a tendncia de

    toda a filosofia ps-aristotlica para subordinar a investigaoespeculativa a um fim prtico, reconhecido como vlidoindependentemente da pr pria investigao, de modo que vinha a sernegado a tal investigao o valor supremo que lhe atribuem os filsofosdo perodo clssico: o de ela prpria determinar o fim do homem e deser, j como investigao, parte integrante deste fim.

    Epicuro distingue trs partes da filosofia: a cannica, a fsica e atica. Mas a cannica era concebida em relao to estreita com afsica que se pode dizer que, para o Epicurismo, as partes da filosofiaso apenas duas: a fsica e a tica. Em todo o domnio do conhecimentoo fim que necessrio ter presente a evidncia (enrgheia): "a basefundamental de tudo a evidncia", dizia Epicuro.

    99. A CANNICA DE EPICURO

    Epicuro chamou cannica lgica ou teoria do conhecimento enquanto aconsiderou essencialmente a oferecer o critrio de verdade e, portanto,um canon, isto , uma regra que oriente o homem para a felicidade. Ocritrio da verdade constitudo pelas sensaes, pelas antecipaes epelas emoes.

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    A sensao produzida no homem pelo fluxo dos tomos que se separam dasuperfcie das coisas (segundo a teoria de Demcrito, 22). Este fluxoproduz imagens (idola) que so em tudo semelhantes s coisas que as

    produzem. Destas imagens derivam as sensaes; das sensaes derivam asrepresentaes fantsticas que resultara da combinao de duas imagensdiferentes (por exemplo, a representao do centauro deriva daunio da imagem do homem e do cavalo). Das sensaesrepetidas e conservadas na memria derivam tambm as representaesgenricas (ou conceitos) que Epicuro, (como os Estoicos) chamouantecipaes. Com efeito, os conceitos servem para antecipar assensaes futuras. Por exemplo, se se diz "este um homem" necessrio ter j o conceito de homem, adquirido por virtude dassensaes precedentes.

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    Ora a sensao sempre verdadeira. Efectivamente, no pode serrefutada por uma sensao homognea, que a confirma, nem por umasensao diferente que, proveniente de um outro objecto, no podecontradiz-la. A sensao , pois, o critrio fundamental da verdade.Finalmente, o terceiro critrio de verdade a emoo, isto , o prazerou a dor, que constitui a norma para a conduta prtica da vida e est,portanto, fora do campo da lgica.

    O erro, que no pode subsistir nas sensaes e nos conceitos, podesubsistir, em contravertida, na opinio, a qual verdadeira se confirmada pelos testemunhos dos sentidos ou pelo menos nocontraditada por tal testemunho; falsa no caso contrrio. Atendo-seaos fenmenos, tal como se nos manifestam merc das sensaes, pode-se,com o raciocnio, estender o conhecimento at s coisas que para aprpria sensao so desconhecidas; mas a regra fundamental doraciocnio , neste caso, o mais rigoroso acordo com os fenmenospercebidos.

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    No escrito de Filodemo, Sobre os sinais, que expe a doutrina doepicurista Zeno, mestre de Filodemo, desenvolvida e defendida contraos ataques dos Estoicos a teoria do raciocnio indutivo. Os Estoicosafirmavam: no basta verificar que os homens que existem nossa voltaso mortais para afirmar que em todos os casos os homens so mortais;seria necessrio estabelecer que os homens so mortais, precisamenteenquanto homens, para dar quela inferncia a sua necessidade. Mas osEpicuristas respondiam que, dado que nada se ope sua concluso, umainferncia do gnero na analogia, deve ser considerada vlida. Dado quetodos os homens que caem na alada da nossa experincia so semelhantestambm no que respeita mortalidade, necessrio considerar que sosemelhantes, tambm neste aspecto, aqueles que esto fora da nossaexperincia (De signis, XVI, 16-29). Por outras palavras, osEpicuristas admitiam que a induo era um processo por analogia(entendendo-se por analogia a identidade de duas ou mais relaes), nosentido de que uma vez verificado que, na nossa experincia, uma certaqualidade (no exemplo, "mortal") acompanhada constantemente por outraqualidade (aquela que os homens constituem), pode inferir-se que,tambm onde no alcana a experincia, esta relao se mantmconstante, isto , que as outras qualidades dos homens so sempreacompanhadas pela de mortal (lb., XX, 32 e ss.). Deste modo, elespressupunham no j a necessria semelhana dos homens, segundo acrtica dos Estoicos, mas a semelhana, isto , a uniformidade, dasrelaes entre qualidade ou factos, uniformidade que mais tarde serchamada (por Stuart Mill) "uniformidade das leis da natureza", enquantodistinta da "uniformidade por natureza". Os Epicuristas partiam tambm

    de um sentido amplo de experincia e afirmavam

    43

    recolher "no s os sinais que nos aparecem ou que ns prpriosexperimentamos mas tambm as coisas que aparecem na experincia deoutrem e que por ela podem ser tomadas" (1b., 32, 14). E tambm nistose afastavam dos Estoicos que reduziam a experincia ao aqui e agorapercebido e instituam, como se viu, a fora inteira do raciocniosobre este aqui e agora.

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    Acerca da linguagem Epicuro formulava, pela primeira vez, uma doutrinaque foi retomada nos tempos modernos: a linguagem um produto naturalporque a expresso sonora das emoes que unem os homens emdeterminadas condies (Diog. L., X, 75-76). a tese que foi defendidano sculo XVIII por Rousseau.

    100. A FSICA DE EPICURO

    A fsica de Epicuro tem COMO objectivo excluir da explicao do mundotoda a causa sobrenatural e libertar assim os homens do temor de estar merc de foras desconhecidas e de misteriosas intervenes. Paraalcanar este objectivo a fsica deve ser: 1.o materialstica, isto ,excluir a presena no mundo de qualquer " alma" ou princpioespiritual; 2.O mecanstica, isto , servir-se na sua explicaounicamente do movimento dos corpos excluindo qualquer finalismo. Dadoque a fsica de Demcrito correspondia a estas duas condies, Epicuroadoptou-a e f-la sua com escassas e insignificantes modificaes.

    Como os Estoicos, Epicuro afirma que tudo aquilo que existe corpo

    porque s o corpo pode agir ou sofrer uma aco. De incorpreo, admiteapenas o vazio, mas o vazio no age nem sofre alguma coisa, apenaspermite aos corpos moverem-se atravs de si prprio (Ep. ad Her., 67).Tudo aquilo

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    que age ou sofre corpo e todo o nascimento ou morte mais que aagregao ou a desagregao dos corpos. Por isso Epicuro admite comDemcrito que nada vem do nada e que cada corpo composto decorpsculos indivisveis (tomos) que se movem no vazio.

    No vazio infinito, os tomos movem-se eternamente chocando-se,combinando-se entro s@i. As suas formas so diversas; mas o seu nmero,embora indeterminvel, no infinito. O seu movimento no obedece anenhum desgnio providencial, a qualquer ordem finalstica, OsEpicuristas excluem explicitamente a providncia estoica e a crtica atal providncia constitui um dos temas preferidos da sua polmica.Contra a aco da divindade no mundo, argumentam tomando como ponto departida a existncia do mal. "A divindade ou quer suprimir os males eno pode ou pode e no quer ou no quer nem pode ou quer e pode. Sequer e no pode -impotente; e a divindade no o pode ser. Se pode eno quer, invejosa, e a divindade no o pode ser. Se no quer e nopode, invejosa e impotente, portanto no divindade. Se quer e pode(que a nica coisa que lhe conforme) donde vem a existncia dosmales e porque no os elimina? (fr. 374, Usener). Eliminada do mundo aaco da divindade, no ficam para explicar a ordem seno as leis que

    regulam o movimento dos tomos. A estas leis nada escapa, segundo osEpicuristas; elas constituem a necessidade que preside a todos osacontecimentos do mundo natural.

    Um mundo , segundo Epicuro, "um pedao de cu que compreende astros,terras e todos os fenmenos, recortado no infinito". Os mundos soinfinitos; eles esto sujeitos ao nascimento e morte. Todos se formamdevido ao movimento dos tomos no vazio infinito. Mas Epicuro, aoconsiderar que os tomos caem no vazio em linha recta e com

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    a mesma velocidade, para explicar o choque, devido ao qual se agregam ese dispem nos vrios mundos, admite um desvio casual dos tomos da suatrajectria rectilnea. Este desvio dos tomos o nico acontecimentonatural no sujeito necessidade. Ele, como diz Lucrcio, "despedaaas leis do fado". Epicuro admite, contudo, a existncia das divindadesneste mundo, donde foi eliminado todo o sinal de potncia divina. Eadmite-as devido ao seu prprio empirismo, porque os homens tm a-imagem da divindade e esta imagem, como outra qualquer, no pode tersido produzida em si seno pelos fluxos dos tomos emanados da prpriadivindade. Os deuses tm a forma humana, que a

    mais perfeita e, portanto, a nica digna de ser racional. Eles mantmuns com os outros uma amizade anloga humana; e habitam os espaosentre mundo e mundo (ilitermundi). Mas no se preocupam nem com o mundonem com os homens. Todo o cuidado deste gnero seria contrrio suaperfeita beatitude, dado que lhes imporia uma obrigao e eles no tmobrigaes, antes vivem livres e felizes. Por isso, o motivo pelo qualo sage os honra no o temor, mas a admirao da sua excelncia.

    A alma , segundo Epicuro, composta por partculas corpreas que estodifundidas em todo o corpo como um sopro clido. Tais partculas somais subtis e Tedondas que as demais o por isso mais mvois. Asfaculdades da alma, como se viu, so fundamentalmente trs: a sensaoem sentido prprio; a imaginao (mens, segundo Lucrcio) que produz asrepresentaes fantsticas; a

    razo (logos) que a faculdade do juzo e da opinio. A estasfaculdades teorticas junta-se a

    emoo, prazer ou dor, que a norma da conduta prtica. A parteirracional da alma, que o princpio da vida, est difundida por todoo corpo.

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    Com a morte, os tomos da alma separam-se e cessa qualquerpossibilidade de sensao: a morte "privao de sensaes". Por isso estulto tem-la: "0 mais terrvel dos males, a morte, no nada parans porque quando existimos ns no existe a morte, quando existe amorte no existimos ns" (Ep. ad Men., 125).

    101. A TICA DE EPICURO

    A tica epicurista , em geral, uma derivao da cirenaica ( 39). Afelicidade consiste no prazer: "o prazer o princpio o o fim da vida

    feliz", diz Epicuro (Diog. L., X 149). Com efeito, o prazer ocritrio da eleio e da averso: tende-se para o prazer, foge-se dador. Ele tambm o critrio com que avaliamos todos os bens. Mas hduas espcies de prazeres: o prazer estvel que consiste na privao dador e o prazer em movimento que consiste no gozo e na alegria. Afelicidade consiste apenas no prazer estvel ou negativo, "no nosofrer e no no agitar-se" e , portanto, definida como ataraxia(ausncia de perturbao) e aporia (ausncia de dor). O significadodestes dois termos oscila entre a libertao temporal da dor danecessidade e a ausncia absoluta de dor. Em polmica com os Cirenaicos

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    que afirmavam a positividade do prazer, Epicuro afirma explicitamenteque "o cume do prazer a simples e pura destruio da dor."

    Este carcter negativo do prazer impe a escolha e a limitao dasnecessidades. Epicuro distingue as necessidades naturais e as inteis;das necessidades naturais, umas so necessrias, outras no. Daquelasque so naturais e necessrias, umas so necessrias felicidade,outras sade do corpo, outras prpria vida. S os desejos naturais e

    47

    necessrios devem satisfazer-se; os demais devem abandonar-se erechaar-se. O epicurismo que, portanto, no o abandono ao prazer, maso clculo e a medida dos prazeres. Tem de se renunciar aos prazeres deque deriva uma dor maior e suportar at largamente as dores de quederiva um prazer maior. "A cada desejo conveniente perguntar: quesuceder se for satisfeito? Que acontecer se no for satisfeito? S oclculo cuidadoso dos prazeres pode conseguir que o homem se baste a siprprio e no se converta em escravo das necessidades e da preocupaopelo amanh. Mas este clculo s se pode ficar a dever sageza

    (frnesis). A sageza mais preciosa do que a filosofia, porque por elanascem todas as outras virtudes e sem ela a vida no tem doura, nembeleza, nem justia" (Ep. ad Men., 132). A virtude, e especialmente asageza que a primeira e a fundamental, aparecem assim a Epicuro comocondio necessria da felicidade. sageza se deve o clculo, aescolha e a limitao das necessidades e, portanto, o alcanar daataraxia e da aponia.

    Num passo famoso do escrito Sobre o fim, Epicuro afirma explicitamenteo carcter sensvel de todos os prazeres. "Em minha opinio -diz elenosei conceber que coisa o bem se prescindo dos prazeres do gosto, dosprazeres do amor, dos prazeres do ouvido, dos que derivam das belasimagens percebidas pelos olhos e, em geral, todos os prazeres que oshomens tm pelos sentidos. No verdade que s o gozo da mente umbem; dado que tambm a mente se alegra com a esperana dos prazeressensveis em cujo disfrute a natureza humana pode livrar-se da dor".(Ccer., Tusc., fil,18, fr. 69, Usener. Confrontar com 67, 68 e 70, Usener). claro aquique o bem se restringe ao mbito do prazer sensvel ao qual pertencetambm o prazer que a msica d ("os prazeres dos sons")

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    e a contemplao da beleza ("prazeres das belas imagens"); e que oprazer espiritual se reduz esperana do prprio prazer sensvel. Podeser que o carcter polmico do fragmento (dirigido provavelmente contrao protrptico de Aristteles, o qual platonicamente exaltava a

    superioridade do prazer espiritual, 69), tenha levado Epicuro aacentuar a sua tese da sensibilidade do prazer. Mas claro que estatese deriva necessariamente da sua doutrina fundamental que faz dasensao o cnon fundamental da vida do homem. Que o verdadeiro bem noseja o prazer violento, mas o estvel da aponia e da ataraxia no coisa que contradiga a tese da sensibilidade do prazer porque a aponia "o no sofrer no corpo" e a ataraxia "o no ser perturbado na alma"pela preocupao da necessidade corprea.

    Mas, por isto, a doutrina de Epicuro no se pode confundir com um

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    vulgar hedonismo. Opor-se-ia a tal hedonismo o culto da amizade que foicaracterstico da doutrina e da conduta prtica dos Epicuristas. "Detodas as coisas que a sageza nos oferece para a felicidade da vida, amaior de longe a aquisio da amizade" (Max. cap., 27). A amizadenasceu do til, mas ela um bem por si mesma. O amigo no aquele queprocura sempre o til, nem quem nunca o une amizade, dado que oprimeiro considera a amizade como um trfico de vantagens, o segundodestri a confiada esperana de ajuda que constitui grande parto daamizade (Sentenas Vaticanas, 39, 34, Bignone).

    Opor-se-ia tambm ao referido hedonismo a exaltao da sageza. Seriacertamente melhor, segundo Epicuro, que a fortuna tornasse prspera emtodos os casos a sageza; mas sempre prefervel a sageza desafortunada insensatez afortunada (Ep. ad Men., 135). Ainda que a justia sejasomente uma conveno que os homens estabeleceram entre si

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    para a utilidade comum, isto , para que se evite* fazer-se recIprocamente dano, muito difcil que

    * sage se deixe arrastar a cometer uma injustia ainda que estejaseguro de que o seu acto permanecer desconhecido e que, por isso, nolhe trar dano. "Quem alcanou o fim do homem, ainda que ningum estejapresente, ser igualmente honesto" (fr. 533, Usener).

    A atitude do epicurista para com os homens em geral definida pelamxima: " no s mais belo, mas tambm mais agradvel fazer o bem doque receb-lo" (fr. 544). Nesta mxima o prazer surge de facto comofundamento e a justificao da solidariedade entre todos os homens. E,na verdade, Digenes Larcio testemunha-nos o amor de Epicuro pelosseus pais, a sua fidelidade aos amigos, o seu sentido de solidariedadehumana (X, 9).

    Quanto vida poltica, Epicuro reconhecia as vantagens que ela trazaos homens, obrigando-os a acatar as leis que os impedem de seprejudicarem mutuamente. Mas aconselhava ao sage que permanecessealheio vida poltica. O seu preceito : "vive escondido" (fr. 551). Aambio poltica s pode ser fonte de perturba o e, portanto,obstculo para o alcanar da ataraxia.

    NOTA BIBLIOGRFICA

    96. As notcias antigas sobre a vida, os escritos e a doutrina deEpicuro e dos epicuristas foram recolhidas pela primeira vez por H.USENER, Epicurea, Leipzig, 1887. - BIGNONE, Epicuro, obras, fragmentos,testemunhos sobre a vida, traduzidos com introduo e comentrios,Bari, 1920; DIANO, Epicuri Ethica, Florena, 1946; ARRIGITEM, Epicuro.

    Opere, Introdu- o, texto critico, traduo e notas, Turim, 1960. Ooltimos volumes recolhem tambm oe fragmentos encontrados nos papirosde HercuLano. -Sobre a formaAo da doutrina epicurista: BIGNONF,,LIAr~tele

    50

    perduto e Ia form_azione filosofica di Epicuro, 2 vols., Florena,1936; DIANO, Note epicuree, in ".4=ali Scuola normale superiore diPisa", 1943; Questione epicuree, in. "Giornale critico filosofia

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    italiana", 1949.

    97. Sobre os discpulos de Epicuro: ZELLER, M, 1, p. 378 ss.;LuCRCio, De rerum natura, ed. Giussani, Turim, 1896-98. Os Fragmentosde Filodemo encontram-se nas citadas compilaes: o De signis, ed.GOMPERZ, Le-,ipzig, 1865; ed. e traduo inglesa DE LAcy, Filadlfia,1941; Digenes de Enoanda, fragmentos editados por WILLIAM, Leipzig,1907.

    99. Sobre Epicuro em geral: BAILEY, The Greek Atomists and Epicurus,Oxford, 1928; N. W. DE WITT, Epicurus and his Philosophy, Minneapolis,1954.

    100. C. DIANO, La psicologia di Epicuro, in "Giornale criticofilosofia Italiana", 1939; V. E. ALFIERI, Studi di filosofia greca,Bari, 1950.

    101. GuyAu, La morale d'Epicure, Paris, 1886; MONDOLFO, Problemi delpensiero antico, Bolonha, 1936.

    x_V

    O CEPTICISMO

    102. CARACTERISTICAS DO CEPTICISMO

    A palavra cepticismo deriva de skpsi*s, que significa indagao. Emconformidade com a orientao geral da filosofia ps-aristotlica, oCepticismo tem como objecto o alcanar da felicidade como ataraxia. Masenquanto o Epicurismo e o Estoicismo punham a condio da mesma numadoutrina determinada, o Cepticismo coloca tal condio na crtica e nanegao de toda a doutrina determinada, numa indagao que ponha emevidncia a inconsistncia de qualquer posio teortico-prtica, asconsidere a todas igualmente falazes e se abstenha de aceitar alguma. Atranquilidade do esprito em que consiste a felicidade, consegue-se,segundo os cpticos, no j aceitando uma doutrina, mas refutandoqualquer doutrina. A indaga- o (skpsis) o meio de alcanar estarefutao e, por conseguinte, a ataraxia.

    Daqui resulta a mudana radical e tambm a decadncia profunda que oconceito de investiga-

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    o sofre por obra do cepticismo. Se se confronta o conceito cptico deindagao, como instrumento da ataraxia, com o conceito socrtico eplatnico da procura, a mudana evidente. Para Scrates e Plato, a

    primeira exigncia da procura a de encontrar o prprio fundamento e aprpria justificao, a de organizar-se a articular-se internamente, ade aprofundar-se a si prpria para reconhecer as condies e osprincpios que a tornam possvel. A indagao cptica no procurajustificao em si prpria. A ela basta-lhe levar o homem refutaode toda a doutrina determinada e, portanto, ataraxia. Por isso senutre quase exclusivamente da polmica contra as outras escolas e seaplica a refutar os diferentes pontos de vista, sem nunca dirigir oolhar para si prpria, para o fundamento e o valor do seu procedimento.

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    Indubitavelmente, ainda assim, a indagao cptica desempenhou umatarefa histrica notvel, afastando as escolas filosficascontemporneas da sua estagnao dogmtica e estimulando-asincessantemente indagao dos fundamentos dos seus postulados.

    O cepticismo no uma escola mas a orientao seguida na Grcia portrs escolas diferentes: La a escola de Pirro de Elis, no tempo deAlexandre Magno; 2.a a mdia e nova Academia; Ia os Cpticosposteriores, a comear por Enesidemo, os quais defendem um retorno aopirronismo.

    103. PIRRO

    Pirro, natural de Elis, pde ainda conhecer talvez na sua cidade, adialctica da escola eleo-megrica ( 33) que, em muitos aspectos, umantecedente do Cepticismo. Participou na campanha de Alexandre Magno noOriente juntamente com o

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    democritiano Anaxarco. Fundou na ptria uma escola que depois da suamorte teve pouca durao. Viveu na pobreza e morreu muito velho cerca de270 a.C.. No deixou escritos. Conhecemos as suas doutrinas atravs daexposio de Digenes Larcio (IX, 61, 108) e pelos fragmentos deSlloi (ou versos burlescos) com os quais o seu discpulo Tmon deFliunte (329-230 a.C. aproximadamente) exps e defendeu a sua doutrina.

    Os Sofistas tinham oposto a natureza convencionalidade das leis etinham distinguido o que bem por natureza daquilo que bem porconveno. Pirro renova esta distino, mas apenas para negar queexistam coisas verdadeiras ou falsas, belas ou feias, boas ou ms, pernatura. Tudo aquilo que julgado tal julgado tal " por conveno oupor costume", no por verdade e por natureza. J que para oconhecimento humano as coisas no so verdadeiramente apreensveis e anica atitude legtima por parte do homem a suspenso de qualquerjuzo (epoch) sobre a sua natureza: o no afirmar de qualquer coisaque verdadeira ou falsa, justa ou injusta e assim sucessivamente.

    Esta suspenso leva a admitir que todas as coisas so indiferentes parao homem e evita que se conceda qualquer preferncia a uma mais do que aoutra. Assim a suspenso do juzo j por si mesma ataraxia, ausnciade qualquer perturbao ou paixo. Para ser coerente, Pirro, que notinha f nos sentidos, andava em redor sem olhar e sem se esquivar denada, afrontando os carros se os encontrava, precipcios, ces, etc.(Diog. L., IX, 62).

    Timn de Fliunte rebatia a doutrina do mestre, considerando que, para

    ser feliz, o homem devia conhecer trs coisas: La qual a natureza dascoisas; 2 a que posio necessrio tomar frente a elas; Ia queconsequncias resultaro dessa atitude. Mas as coisas mostram-se todasigualmente indife-

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    rentes, incertas e indiscernveis. Por isso a nica atitude possvel a de no se pronunciar a respeito de nenhuma delas (afasia) e a depermanecer completamente indiferente frente a elas (ataraxia).

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    104. A MDIA ACADEMIA

    A escola de Pirro esgotou-se muito depressa; mas a orientao cpticafoi retomada pelos filsofos da Academia que encontravam o fundamentodela no prprio interior da doutrina platnica. Com efeito, Platosustentara constantemente que no pode haver cincia do mundo sensvel( 59). Esta concerne ao mundo do ser, no ao mundo dos sentidos, arespeito do qual s se podem alcanar opinies provveis. Mas aespeculao em torno do mundo do ser j no interessava osfilsofos deste perodo, os quais pediam filosofia que se convertesseem instrumento dos fins prticos da vida. E assim, da doutrinaplatnica, conservava actualidade apenas a sua parte negativa,precisamente aquela que negava validade de cincia ao conhecimento domundo sensvel e reduzia tal conhecimento a mera opinio provvel.

    Aquele que iniciou este novo rumo da Academia foi Arquesilau de Pitane(315/14-241/40) que sucedeu a Cratete na direco da escola. Arquesilauno escreveu nada, de modo que conhecemos as suas doutrinas sindirectamente.

    Segundo um testemunho de Ccero (De orat., 111,18, 67), ele no manifestou nenhuma opinio prpria, mas limitou-se adiscutir as opinies que os outros exprimiam. Quis imitar a Scrates,mas para ir mais longe do que o prprio Scrates. Se Scrates afirmavaque o homem nada pode saber a no ser precisamente que no sabe nada,Arquesilau negava que tambm isto se pudesse afirmar

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    com segurana. Por Sexto Emprico sabemos que as suas crticasprincipais foram dirigidas ao seu contemporneo Zeno de Citium, ofundador da Stoa. Arquesilau negava que existisse uma representaocataltica porque negava que existisse uma representao que no possatornar-se falsa. Por isso a funo do sage no a de dar oassentimento a uma representao qualquer, mas abster-se de qualquerassentimento. Quanto aco, ela no tem necessidade da representaocataltica. Arquesilau sustentava que a regra daquilo que se deveescolher ou evitar o bom senso ou a equidade (eulogia) que a baseda sageza (Sexto E., Adv. math., VII, 153 ss.).

    Seguiram-se a Arquesilau como chefes da escola outros mestres (Lacides,Telecles, Evandro, Hegesino) dos quais no se sabe nada, excepto queseguiram a orientao de Arquesilau. Ao ltimo sucedeu Carnades.

    105. A NOVA ACADEMIA

    Carnades de Cirena (214/12-129/28) considerado o fundador daterceira ou nova Academia e foi homem notvel por sua eloquncia edoutrina. Em 156155 foi em embaixada a Roma juntamente com o estoicoDigenes e com o peripattico Critolau. Tambm ele no deixou escritose as suas doutrinas foram recolhidas pelos discpulos.

    A doutrina de Carnades define-se sobretudo em oposio do estoicoCrisipo. "Se Crisipo no tivesse existido, tambm eu no existiria",dizia Carnades (Diog. L., IV, 62). Carnades considera que o saber impossvel e que nenhuma afirmao verdadeiramente indubitvel.

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    Durante a sua permanncia em Roma, pronunciou um dia um discursobelssimo em louvor da justia, demonstrando que ela a base de toda avida civil. Mas, ao outro

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    dia, pronunciou um novo discurso, ainda mais convincente do que oprimeiro, demonstrando que a justia diferente segundo os tempos e ospovos e que est muitas vezes em contradio com a sageza. Edemonstrava este contraste com o prprio exemplo do povo romano que sehavia apoderado de todo o mundo, arrancando aos outros a sua posse. "Seos romanos quisessem ser justos -disse ele- deveriam restituir aosoutros as suas possesses e voltar para casa na misria, mas em talcaso seriam estultos; e assim sageza e justia no caminham de acordo"(Lactncio, Ist. div., 5,14). Carnades criticou no mesmo esprito todas as doutrinasfundamentais dos Estoicos e principalmente a do destino e daprovidncia, sustentando que as desmentia no seu pressuposto, que anecessidade, pela existncia do acaso e da liberdade humana (Cicer., Defato, 31-34). Ele utilizou, alm disso, as antinomias megricas, por

    exemplo a do mentiroso, para demonstrar a impossibifidade de decidircom a dialctica aquilo que verdadeiro ou falso. Finalmenteconsiderou falacioso o critrio estoico da representao cataltica,negando que os sentidos ou a razo pudessem valer como critrios deverdade.

    Quanto conduta da vida e conquista da felicidade, admitia, contudo,um critrio. Tal critrio, porm, no objectivo, isto , no consistena relao da representao com o seu objecto, com base na qual aprpria representao poderia ser verdadeira ou falsa, mas subjectivo,isto , inerente relao da representao com quem a possui. portanto um critrio, no de verdade, mas de credibilidade. Se no sepode dizer qual seja a representao verdadeira, isto , correspondenteao objecto, pode-se dizer qual a representao que aparece comoverdadeira ao sujeito. A esta representao, chama Carnades plausvelou persuasiva

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    (pitanon). Se uma representao persuasiva no contraditada poroutras representaes do mesmo gnero, ela tem um grau maior deprobabilidade: assim os mdicos, por exemplo, diagnosticam uma doenapor vrios sintomas concordantes. Finalmente, a representao provvel,no contraditada, examinada em todas as suas partes, o terceiro emais alto grau de probabilidade (Sexto E., adv. math., VII, 162 ss.).

    A Carnades sucedeu na direco da escola um seu parente com o mesmo

    nome, e a este outras figuras menores, depois dos quais foi seu chefeFjln de Larissa, o fundador da quarta Academia.

    106. OS LTIMOS CPTICOS

    Abandonada pela Academia, a orientao cptica foi retomada por outrospensadores que quiseram ater-se directamente ao fundador do cepticismo,Pirro. Estes pensadores que floresceram do ltimo sculo a.C. ao 11sculo d.C. no quiseram formar uma escola mas apenas uma orientao(agogh). Os principais foram Enesidemo, Agripa e Sexto Emprico.

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    Enesidemo de Cnossos ensinou em Alexandria. Escreveu oito livros deDiscursos pirrnicos que se perderam. Pelas repetidas afirmaes deCcero, que considera extinto o pirronismo no seu tempo, deduz-se queEnesidemo devia ter iniciado a sua actividade depois da morte de Ccero(43 a.C.) Segundo Sexto Emprico, o cepticismo era considerado porEnesidemo como um caminho para a filosofia de Heraclito: "0 facto deque os contrrios parecem pertencer a uma mesma coisa, leva a admitirque eles so verdadeiramente a mesma coisa" (Pirr. hyp., 1, 210). Estaafirmao no significa

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    que Enesidemo tenha passado do cepticismo para o heraclitismo, masapenas que, como j Plato no Teeteto, via no heraclitismo, queidentifica os opostos, o fundamento de toda a concepo cptica queconsidera os opostos igualmente verdadeiros ou igualmente falsos.

    Segundo Sexto Emprico, Enesidemo admitia dez modos (tropi) para chegar suspenso do juzo.

    O primeiro a diferena entre os animais, pela qual no podemos julgarentre as nossas representaes e as dos animais, porque derivam dediferentes constituies corpreas. O segundo a diferena entre oshomens; o terceiro o da diferena entre as sensaes; o quarto, o dascircunstncias, isto , das diferentes disposies humanas. O quinto o das posies, dos intervalos e dos lugares. O sexto, o das misturas.O stimo, o da quantidade e composies dos objectos. O oitavo, o darelao das coisas entre si e com o sujeito que as julga. O nono, o dacontinuidade ou raridade dos encontros entre o sujeito que julga e osobjectos. O dcimo, o da educao, dos costumes, das leis, das crenas,e das opinies dogmticas. Cada um destes modos estabelece umadiversidade nos conhecimentos humanos

    ou uma equivalncia dos conhecimentos diversos, que se obtm segundo adiversidade dos mesmos modos. Se as sensaes so diferentes (3.' modo)para os diferentes homens (2.' modo) ou em diversas circunstncias (4.Omodo), como -se pode distinguir entre a verdadeira e a falsa? Se osobjectos surgem como diferentes segundo se apresentam misturados ousimples (6.O modo) ou em nmero maior ou menor (7.O modo) ou segundo seapresentam isolados ou em relao (8.' modo) ou raramente oufrequentemente ao homem (9.' modo), como se faz para decidir qual averdadeira realidade do objecto? No resta, pois, outra possibilidadeseno

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    suspender qualquer juzo. Leva a esta mesma concluso a considerao da

    diversidade entre as crenas e as opinies humanas, diversidade quetorna impossvel decidir-se por uma ou outra delas.

    A Agripa (de quem no se sabe nada), atribui Sexto Emprico outroscinco modos para alcanar a suspenso do juzo, modos de carcterdialctico, teis sobretudo para refutar as opinies dos dogmticos:1.' o modo da discordncia, que consiste em mostrar um dissdioinsanvel entre as opinies dos filsofos e, por conseguinte, aimpossibilidade de escolher entre elas, 2.' o modo que consiste emreconhecer que toda a prova parte de princpios que, por ;sua vez,

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    exigem prova e assim at ao infinito; 3.O o modo da relao, pelo qualns conhecemos o objecto relativamente a ns, e no qual em siprprio; 4.' o modo da hiptese, pelo qual se v que toda ademonstrao se funda em princpios que no se demonstram, mas seadmitem por conveno; 5.O o crculo vicioso (dialelo), pelo qual seassume como demonstrado precisamente aquilo que se deve demonstrar: oque demonstra a impossibilidade da demonstrao.

    Outros Cpticos, sempre segundo Sexto Emprico (Pirr. hyp., 1, 178),reduziam todos estes modos a dois modos fundamentais de suspenso, isto, demonstrando que no se pode compreender nada nem por si nem na basede outro. Que nada se

    possa compreender por si, resulta do desacordo existente entreas opinies dos homens, desacordo insanvel, no havendo nenhumcritrio que, por sua vez, no seja objecto de desacordo. Que nada sepossa compreender na base de outro, resulta do facto de que, nestecaso, seria necessrio ir at ao infinito ou fechar-se num crculo,dado que toda a

    coisa, para ser compreendida, requerer uma outra e assimsucessivamente.

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    107. SEXTO EMPIRICO

    A fonte de todas as notcias sobre o Cepticismo antigo a obra deSexto que, como mdico, teve o sobrenome de Emprico e desenvolveu asua actividade entre 180 e 214 d.C. Possumos dele trs escritos. OsElementos (Ipotipposi) pirronianos, em trs livros, so uni compndiode filosofia cptica. Os outros dois surgem, tradicionalmente, sob ottulo imprprio de Contra os matemticos. Ora o mtema o ensino emsignificado objectivo, a cincia enquanto objecto do ensino;matemticos so pois os cultores da cincia, isto , da gramtica, daretrica e das cincias do quadrvio (como foram chamadas na IdadeMdia) que Plato na Repblica considerava como propeduticas dadialctica: geometria, aritmtica, astronomia e msica. Contra estacincias so dirigidos os livros I-IV da obra. Os livros V11-XI sodirigidos contra os filsofos dogmticos. Estes escritos de Sexto soimportantes no s porque representam a smula de todo o Cepticismoantigo, como tambm porque so fontes preciosas para o conhecimento dasprprias doutrinas que combatiam. Os pontos mais famosos das refutaesde Sexto, alm da doutrina dos tropos, so os seguintes:

    Crtica da deduo e da induo.-A deduo sempre um crculo vicioso(dialelo). Quando se diz: "Todo o homem animal, Scrates homem,

    portanto Scrates animal", no se poderia admitir a premissa "todo ohomem animal" se no se considerasse j como demonstrada a concluso,que Scrates, como homem, animal. Por isso, quando se tem a pretensode demonstrar a concluso, derivando-a de um princpio universal, narealidade j se a pressupe demonstrada. Por outro lado, a induo notem maior validade. Com efeito, se ela se funda apenas no exame dealguns casos, no

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    segura, podendo desmenti-la em qualquer altura. os casos noexaminados, e se se pretende que se funda em todos os casosparticulares, o seu objectivo impossvel porque tais casos soinfinitos (Pirr. hyp.,11, 193, 204).

    Crtica do conceito de causa.-Diz-se que a causa produz o efeito,portanto ela deveria preceder o efeito e existir antes dele. Mas seexiste antes de produzir o efeito, causa antes de ser causa. Poroutro lado, evidente, a causa no pode seguir o efeito nem sercontempornea dele porque o efeito s pode nascer da coisa que existeantes (Pirr. hYp., 111).

    Crtica da teologia estoica. -Sexto insistiu longamente nascontradies implcitas no conceito estoico da divindade. Segundo osEstoicos, tudo aquilo que existe corpreo; portanto, tambm Deus. Masum corpo ou composto e est sujeito a decomposio, portanto mortal;ou simples e ento gua ou ar ou terra ou fogo. Por conseguinte,Deus deveria ser ou mortal ou um elemento inanimado, o que absurdo(Adv. math., IX, 180). Por outro lado, se Deus vivesse sentiria, e se

    sentisse, receberia prazer e dor; mas dor significa perturbao e seDeus capaz de perturbao mortal. Outras dificuldades derivam deatribuir a Deus todas as perfeies. Se Deus tem todas as virtudes,tambm tem a coragem; mas a coragem a cincia das coisas temveis eno temveis, portanto qualquer coisa de temvel para Deus, o que absurdo (lb., lX, 152 ss.). Sexto Emprico servia-se de todos estesargumentos para reforar a posio cptica da suspenso do juzo.

    Na vida prtica o cptico deve, segundo Sexto, seguir os fenmenos. Porisso so quatro os seus guias fundamentais: as indicaes que anatureza lhe d atravs dos sentidos, as necessidades do corpo, atradio das leis e dos costumes e as regras das

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    artes. Com estas regras, os ltimos, Cpticos procuraram diferenciar-sedo critrio, sugerido pela mdia Academia, da aco motivada ouracional. Segundo Sexto, a diferena fundamental entre o Cepticismopirrnico o o dos Acadmicos este: que enquanto os Acadmicos sadmitiam saber que no possvel saber nada, os pirrnicos evitavamtambm esta assero e limitavam-se procura (Pirr. hyp., 1, 3). SextoEmprico quis, noutros termos, realizar o ideal de uma investigao queseja apenas investigao, sem ponto de partida nem ponto de chegada.

    NOTA BIBLIOGRFICA

    102. Sobre o desenvolvimento do cepticismo antigo: BROCHARD, Les

    sceptiques grees, Paris, 1887; GOEDECKEMEYER, Die Geschichte dergriechischen 8keptizismus, Leipzig, 1905; DAL PRA, Lo scetticismogreco, Milo, 1950.

    103. Sobre Pirro: noticias antigas sobre a vida e a doutrina, inDIGENES LARCIO, ]EX, 61-108; sobre Timon: ID., IX, 1099-116; DIELS,POt, philOS. fragm.,182 ss.; ZELLER, 111, 1, p. 494 ss.-ROBIN, Pyrrhon et le Scepticismegrec, Paris, 1944. 104. Sobre a vida, os escritos -e a doutrina deArquesil-au e da Mdia Academia: DIGENEs LARCIO, IV, 28-45

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    (Arquesilau), 59-61 (Lacides).

    Para a doutrina, as fontes mais importantes so CICERO, Opp. filos., eSTOBEO, Eclogae, lI, 39, 20 ss..

    Sobre a Mdia Academia: ZELLER, IlT, 1, 507 ss.; CREDARO, Loscetticismo degli Accademici, 2 vols., Milo,