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Noctívagos

NNNNreagiram ao ver que ele não estava morto, houve um som generalizado no meio das pessoas, um murmúrio de espanto que aumentou tão velozmente quando ele se levantou da cama. O

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Noctívagos

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Editora Clube de Autores

“Pois a vida de todo ser vivente está no sangue”.

Levítico 17.11 NTLH

http://clubedeautores.com.br

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Contos Vampíricos

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--Noctívagos --

Contos vampíricos,

Copyright © Luiz Cézar da Silva

Literatura Brasileira

Ficção, terror.

Rio de Janeiro, 2011.

1◦ edição

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Sumário

1: Sr. Expedito 7

2: O beijo da noite perpétua 16

3: Caminhando no apagão 23

4: Um estranho na janela 30

5: Meu escapulário 39

6: A meretriz 46

7: Sangue de lobisomem 58

8: Noctívagos 62

9: O invasor 73

10Vampiro 86

11 Regente das ruas 91

12:O rapto noturno de Luessa Teixeira 98

13: Convite dos imortais 114

14: Morlock 126

15: Íncubo 135

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Sr. Expedito

Dia 27 de Janeiro 2010.

Nove horas da manhã; o dia estava ensolarado com céu azul e

muitas nuvens, porém o sol parecia um prenúncio de chuva

para aquela tarde; todo o mês de Janeiro tinha cumprido um

ritual que se iniciava com céu claro durante as manhãs, seguido

de muito calor no princípio de tarde; calor esse que chegou a

alcançar mais de quarenta graus em certos dias e, no final das

tardes estava ocorrendo fortes pancadas de chuva que vinham

transtornando a vida de grande parte das pessoas, fazendo com

que os rios transbordassem e inundando vias e casas de vários

municípios.

A ambulância do corpo de bombeiros ficou parada em frente a

uma das casas mais afetadas pela enxurrada que atingiu vários

municípios da Baixada Fluminense, no Estado do Rio de

Janeiro.

Os para-médicos foram obrigados a pedir auxilio aos homens

da defesa civil para que pudessem entrar na casa; porque ela

estava totalmente trancada, tanto portas quanto janelas. Era um

domicílio antigo localizado em Mesquita, construído no início

do século XX. A casa fora construída abaixo do nível da rua e,

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portanto, ainda tinha um pouco da água barrenta trazida pelo

grande volume da enchente que atingira aquela residência dois

dias antes; o quintal pequeno que circundava o lugar não

possuía nada a não ser um varal para estender roupas, sem

nenhuma roupa nele; um tanque para a lavagem da roupa, que

parecia não ser usado há dias e uma enxada velha que o

proprietário provavelmente utilizava para cultivar algum tipo

de pequena horta particular junto ao muro; horta essa que agora

estava submersa em pelo menos três palmos de lama e água

fedorenta deixada pela chuva.

Nas paredes a marca de até aonde a água chegou no dia do

incidente; cerca de um metro. Essa marca parecia uma faixa

amarelada sobre a tinta velha das paredes.

A casa, uma espécie de chalé, tinha apenas uma porta e uma

janela na frente; a tinta era antiga e surrada pela passagem do

tempo, o telhado em formato triangular formado por telhas

confeccionadas em uma olaria antiga no município e que hoje

em dia já não existe mais; a porta de madeira não permitia ver

nada dentro do domicílio, era inteiriça e não possuía nada além

da maçaneta.

A janela de igual modo também tinha toda a armação feita de

madeira, mas possuía os vidros que por sinal estavam

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empoeirados e embaçados; eles não permitiam ver muito do

interior até porque por detrás da janela havia uma cortina do

que parecia ser um tecido rendado e isso acabava contribuindo

ainda mais para cortar a visão daqueles que estavam do lado de

fora.

Os homens da defesa civil rodearam a casa e tentaram abrir a

porta dos fundos, mas também encontraram muita dificuldade,

como se algo estivesse servindo de barreira pelo lado de

dentro.

Aquela força de salvamento estava ali presente naquela manhã

por ter recebido um telefonema de um dos moradores vizinhos

à residência, informando que ali morava um homem conhecido

como Sr. Expedito e que desde o dia da enchente as pessoas

não o tinham visto durante as noites que era o seu horário

habitual de perambular pelo quintal; não o viram nem mesmo

para falar sobre a chuva nem o viram tirando água de dentro da

casa; absolutamente o homem havia desaparecido, mas como

nenhum dos vizinhos o viu sair ficaram preocupados com o que

de pior podia ter acontecido com ele e entraram em contato

com a defesa civil que por sua vez acionou o corpo de

bombeiros.

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Segundo os moradores locais, que estavam espalhados pela rua

observando atentos no momento em que os homens

vasculhavam o quintal; o Sr. Expedito era um homem recluso,

sempre fora assim, mas de uns tempos para cá estava muito

pior; passou a sair somente durante as noites e em altas horas

para evitar o contato com outras pessoas. Corria um boato nas

circunvizinhanças de que ele estaria sofrendo de uma grave

doença terminal e, portanto, teria ficado desgostoso da vida

procurando assim evitar ao máximo qualquer contato com

outras pessoas para não falar a respeito e também para não ser

visto em seu estado cada dia mais fragilizado. Algumas

vizinhas afirmavam que o tinham visto conversando com um

familiar que o visitou alguns dias atrás.

De fato, embora o Sr. Expedito vivesse completamente sozinho

já há bastante tempo, às vezes ele era visitado por um neto ou

algum outro parente, mas as visitas foram diminuindo

gradativamente até que apenas um homem vinha raramente

falar com ele, ficava pouco tempo, trazia sacolas que retirava

de um carro grande, bonito e preto e em seguida ia embora.

Alguns dias antes da enchente as pessoas viram o Sr. Expedito

conversando no portão à noite com aquele mesmo homem,

supostamente seu neto, ambos entraram e minutos depois o

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homem foi embora como de costume. Aquela foi a última vez

que eles viram Expedito.

Depois de voltar até o veículo da defesa civil, os homens

munidos com um pé-de-cabra acabaram por arrombar a porta

da frente da casa, entraram juntamente com os para-médicos e

ficaram surpresos com o estrago que as águas barrentas tinham

feito no interior do lugar. Os móveis estavam cobertos de uma

película feita da mistura de areia, barro, lama e outras coisas

que não conseguiam identificar; mesas, cadeiras, parte da

estante e todo o chão da casa também estava do mesmo jeito. O

lugar ficou parcialmente revirado, provavelmente as coisas que

boiaram durante a inundação haviam trocado de lugar e se

espalharam pelo cômodo e pelos outros cômodos.

Os para-médicos vasculharam cômodo por cômodo até

encontrar o dono da casa, não eram muitos lugares para

verificar; a preocupação maior era que o Sr. Expedito tivesse

sofrido algo por causa de sua suposta doença, algo que o

incapacitara permanentemente impedindo-o de conseguir se

defender da enxurrada erguendo os móveis por exemplo.

A casa pequena possuía apenas um quarto, uma sala, banheiro

e cozinha, tudo nos moldes antigos das construções que já não

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se fazem mais, o teto possuía um forro de madeira e o chão era

composto por incontáveis tacos outrora envernizados.

A cozinha estava tão suja quanto o restante da casa e a porta

que dava para os fundos estava escorada pelo lado de dentro

por uma velha geladeira cujo motor queimara quando engolido

pela água e a lama.

Uma verdadeira bagunça se fazia dentro da casa; o espelho do

banheiro estava quebrado no chão e coberto pelo que restou da

lama; havia resquícios de sangue já coagulado, mais em grande

quantidade na pia, como se o dono da casa tivesse expelido o

líquido ali ou cuspindo, ou golfando. Aquilo deixou os

profissionais de saúde ainda mais temerosos quanto ao bem

estar do único ocupante da casa; talvez ele tivesse sofrido

alguma reação ou um ataque ali no banheiro. Não sabiam ao

certo.

De repente alguém gritou do outro cômodo:

_ Aqui está ele! _ Disse um bombeiro.

Ele estava no quarto deitado sobre a cama, mãos cruzadas

sobre o peito e aparentemente sem sinais vitais; rapidamente os

para-médicos iniciaram os procedimentos, mas não

conseguiram nada; não havia respiração, pulso, nem

batimentos cardíacos, nenhum indício de atividade respiratória,

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as pupilas não tinham mais nenhum reflexo, ele estava frio, a

pele branca como uma folha de papel, os cabelos escassos

penteados para trás e tanto as bordas dos olhos quanto da boca

e extremidades dos dedos ostentavam uma coloração tênue

arroxeada.

Os para-médicos se utilizaram de uma das macas que tinham

na ambulância para fazer a remoção do Sr. Expedito; levaram

no para fora onde já havia uma pequena multidão de vizinhos e

curiosos. Pediram que uma das vizinhas o reconhecesse.

A reação das pessoas foi de comoção ao vê-lo ser retirado

inerte na maca, mas o que aconteceu em seguida foi o que

realmente marcou os presentes.

Os homens da defesa civil interditaram a casa e foram

conversar com as pessoas, moradores da rua, que se

aglomeravam para ver o corpo sobre a maca, a fim de tentar

descobrir o paradeiro de algum familiar para comunicar o

ocorrido. Os para-médicos foram preparar o interior da

ambulância para acondicioná-lo e fazer a remoção, e, foi então

que tudo aconteceu.

Era por volta de dez horas da manhã, o sol estava começando a

ganhar força, o Sr, Expedito se moveu sobre a maca; primeiro

os olhos embaixo das pálpebras, depois o corpo estremeceu; as

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mãos se moveram e levantaram levemente. Algumas pessoas

reagiram ao ver que ele não estava morto, houve um som

generalizado no meio das pessoas, um murmúrio de espanto

que aumentou tão velozmente quando ele se levantou da cama.

O Sr. Expedito numa reação que lhe parecia natural, levantou a

cabeça e olhou para o sol, em seguida tentou proteger os olhos

da luminosidade soberana; a pele branca tinha adquirido quase

que automaticamente um tom amarronzado que escurecia mais

a cada instante; ele fez uma careta dolorosa. Os para-médicos

se interromperam no movimento de ir até o homem sobre a

maca para prestar algum atendimento; eles tiveram medo do

que estava acontecendo; um medo inconsciente e violento.

Expedito olhou para suas próprias mãos que enegreciam

rapidamente, ele tremia quase convulsivamente; tentou correr

novamente para dentro de casa, mas as pernas provavelmente

fracas, não foram capazes de cobrir o percurso; ele caiu, tentou

se arrastar pelo chão enlameado. A imagem daquele homem

agora com a pele negra como carvão lutando para viver

enquanto se arrastava em meio ao lamaçal foi algo fora do

comum.

Os cabelos outrora bem penteados, agora tinham caído por

completo; a pele escurecida como se tivesse sido carbonizada,

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estava seca e estalava. As pessoas ali presentes não sabiam ao

certo se os estalos que ouviam eram provenientes dos ossos do

que antes fora o Sr. Expedito ou se dos seus próprios dentes

forçados uns contra os outros numa atitude frenética de repulsa

e assombro.

O fato é que aquele ser que se arrastava pelo chão não teve

forças suficientes para chegar novamente dentro da casa e

assim se refugiar do sol que o castigava tão violentamente; por

fim, acabou gritando; um grito entre dentes e sufocado antes de

parar completamente. Parecia que o sol era uma espécie de

incinerador natural que o dizimou em poucos instantes; foi

talvez a visão mais aterradora que cada uma daquelas pessoas

já teve ou teria na vida. Um homem se tornar algo

indistinguível como um monstro e em seguida ser reduzido a

pó que se misturou na lama espalhada no quintal. O Sr.

Expedito havia desaparecido por completo, já não havia

vestígio algum de que um dia tal pessoa tivesse existido, exceto

pela mancha negra onde a lama e as cinzas se misturaram.

***

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O Beijo da noite perpétua

_ Escolha seu novo nome, Agar ou Acácia.

Simone se levantou rapidamente e correu, mas parou no meio

do ímpeto de fugir por estar num lugar muito escuro, a luz

abundante, porém quase fantasmagórica era a luz do luar e a

mulher parecia estar longe de qualquer lugar habitado. Suas

roupas estavam sujas e retaliadas; havia sangue em seu decote,

mas não tinha nenhum ferimento visível em seus seios ou

pescoço.

_ Acácia, vem do grego, significa ressurreição, e foi o que

aconteceu com você nesta gloriosa noite; já Agar é um nome

hebraico e significa estrangeira. Isso é o que você se tornou

hoje; para sempre uma estrangeira no meio das pessoas.

A mulher se voltou girando nos calcanhares e viu um homem

sentado sobre uma lápide e recostado em uma grande estátua

de um anjo, que fazia sombra defendendo aquela pessoa da

luminosidade pálida da lua com suas grandes asas abertas e as

mãos estendidas para frente.

_ Por favor, me ajude, não sei como vim parar aqui. Que lugar

é este?

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O outro; puxou as pernas até encostarem no tórax, repousou os

braços sobre os joelhos e disse:

_ Olhe em volta.

Simone parou um minuto e antes de olhar ao redor, percebeu

que aquele homem estava sentado sobre uma sepultura, havia

outra cuja tampa, como uma espécie de sarcófago, estava

aberta e uma terceira também fechada. Finalmente ela se virou

e teve certeza do que já imaginava, viu várias lápides, várias

sepulturas, várias estátuas de anjos; querubins, serafins, santos,

cruzes de diversos tipos e alguns mausoléus. Estava em um

cemitério.

Irrompendo em prantos imediatamente ela caiu com os joelhos

em terra, na verdade, era uma grama verde e umedecida pelo ar

da noite; uma nevoa rasteira se apresentava em alguns lugares

como se fosse um rio formado por almas translúcidas que

serpenteavam pelo solo em busca de alguma entrada para o

centro da terra.

_ Não chore. Nunca mais você vai precisar chorar novamente,

você está livre e fora do jogo; em breve vai entender que

lágrimas não farão parte de sua vida, mas sim daqueles que

zombaram de você.

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_Fui seqüestrada? Sou sua prisioneira? O que você quer?_

Falou ela no intervalo dos soluços que embargavam sua voz.

_ Não. Você não é nada disso, de fato, jamais foi. Só peço que

você me ouça atentamente, não faça perguntas, meu tempo é

curto e quero dizer tudo o que você precisa saber para

sobreviver.

Ela chorava copiosamente imaginando que seria utilizada e

depois enterrada na sepultura que aguardava com o tampo

pesado de granito aberto.

_Não minha doce sobrevivente, nunca passou pela minha

cabeça usá-la como seus clientes o faziam até a noite passada,

na verdade, agora é você que vai usá-los, nunca mais vai

precisar vender a si mesma em troca de dinheiro, nunca mais

vai precisar sucumbir ao vício e usar tudo o que usava para

perder os sentidos ou obliterar a consciência em troca de

viagens mentais distorcidas. Você minha cara, morreu.

Simone estava deitada em posição fetal e continuava chorando;

em sua mente passava um cem número de coisas e ela ainda

não compreendia nada do que o homem falava.

Ele prosseguiu:

_Eu trouxe você aqui, porque é um lugar tranquilo, o mais

tranquilo que conheço; ótimo para descansar. Você vai gostar

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deste lugar com o tempo, quando perceber que não suporta

mais ouvir as vozes e os pensamentos da multidão fervilhante

de pessoas em todas as partes.

_ Minha jovem escute, você não precisa mais fingir, não

precisa mais mentir para si mesma como as pessoas fazem,

você está além dos falsos sentimentalismos humanos; todos os

dias eles sorriem para pessoas as quais não suportam, fazem

violência contra eles mesmos agradando falsamente pessoas

que desejam o pior possível, dizem que conhecem sentimentos

como piedade, amor, esperança, mas negam tudo isso com seus

atos. Eu libertei você.

A maquilagem pesada de Simone agora estava destruída pelas

lágrimas que brotavam incessantemente de seus olhos, os

longos cabelos, desgrenhados, mas havia algo dentro dela, algo

diferente que ela não sabia identificar.

O outro continuou falando:

_Não sei por que você chora, se já a escolhi pela sua total falta

de apego à vida; sim, eu ouvia todas as vezes que durante sua

jornada de trabalho você desejava acabar com tudo; estava

perto quando você, sendo usada por seus clientes como um

trapo humano desejava não ter nascido e se considerava a pior

das mulheres.

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Simone tentou se levantar, sentiu o corpo leve, tão leve que

pensou por um momento que seria levada caso soprasse um

vento mais forte.

_ O que houve comigo?_ Perguntou _ sinto-me leve.

O outro estremeceu, parecia sentir dores por dentro do corpo e

fez força para responder.

_ O que você sente é meu sangue correndo em suas veias; eu

lhe dei um presente, um beijo que vai tornar essa noite

perpétua; você vai viver até enjoar, mas devo adverti-la _ ele

parou tossiu e fez mais força para continuar falando _ não vai

ser fácil no começo, alimente-se de seus antigos clientes e dos

novos também, use os dotes físicos que você possui para atraí-

los a cada noite, seja prudente e sorrateira, mas não beba todo o

sangue porque senão ele se tornara como você e você perecerá

como eu.

Ela não compreendia totalmente e ficou olhando o outro

enquanto ele descia do lugar onde estava sentado e deitava no

caixão aberto.

Ele disse:

_ Os próximos dias serão importantíssimos para você, fuja da

luz forte e jamais ouse desafiar o sol, fuja da prata e da água

corrente; alimente-se só o necessário, você saberá; em pouco

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tempo tudo o que eu tenho hoje voltará sobre você, não haverá

lugar onde você não possa ir, mente que não possa ler. Simone

não é mais aquela mulher rejeitada pela sociedade dos vivos e

sim uma rainha da noite.

Por fim ele fechou a tampa pronunciando a sua última frase:

_ Até nunca mais.

Ela ficou ali parada um tempo sem saber o que fazer, olhou

para seu próprio corpo pálido e sentia que já não era a mesma

pessoa de um dia atrás, não lembrava como fora parar ali, mas

agora aquilo era o que menos importava. Sempre fora uma

mulher rejeitada por todos principalmente por causa de sua

profissão, mas agora isso mudaria, faria com que todos os que

lhe fizeram sofrer pagassem cada palavra degradante que

dirigiram a ela alguma vez na vida, cada bofetada que levou,

cada vez que teve de se humilhar por um pouco de dinheiro ou

favor; por cada momento em que procurou misericórdia nas

pessoas e não encontrou. Ela tinha conhecido o lado obscuro

das pessoas, o “eu” escondido, a face em que os homens

pareciam apenas animais. Não conhecia afeto, alegria,

tampouco amor, embora tenha procurado e almejado tudo isso

desesperadamente; mendigado até, em busca de tais

sentimentos, mas na verdade ela vivia num nível mais baixo de

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existência, um nível em que as pessoas não davam o benefício

de um olhar mais afetuoso ou um sorriso mais acalentador.

Simone sempre fora usada como um objeto, mas ela enxergava

naquela noite que tudo aquilo ia mudar drasticamente.

Daria o troco mesmo sabendo que se tornaria um monstro e

que isso era uma coisa irremediavelmente sem volta.

***

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Caminhando no apagão

10 de novembro de 2009; 22 horas e 30 minutos.

Irineu achou muito interessante o modo como as pessoas se

comportaram no exato momento em que as luzes se apagaram;

homens e mulheres, todos, pegos de surpresa pelo fenômeno

pararam por um segundo. As luzes piscaram, diminuíram de

intensidade, voltaram ao normal e finalmente sumiram

completamente.

Todos os postes, casas, lojas e prédios foram tomados

instantaneamente pela mais absoluta escuridão até aonde a

vista alcançava, as pessoas, escravos da eletricidade ficaram

aflitas; por alguns momentos, não sabiam o que estava

acontecendo, pensavam e agiam de modo desencontrado e sem

rumo até que aquela sensação esquisita deixada pela total falta

de claridade ficasse para trás.

Ele por sua vez olhou ao redor, feliz, a escuridão é e sempre foi

seu habitat natural, luzes sempre o incomodaram, a claridade

por mais tênue que fosse feria-lhe os olhos. Retirou os óculos

escuros que costumava usar mesmo durante a noite. Enquanto

havia luz, as pessoas notariam e certamente achariam estranho

um homem andando com óculos de sol em plena noite, mas no

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meio das sombras e com todos tentando adaptar a vista àquela

condição que para os homens é adversa, ninguém notaria.

Mesmo assim Irineu retirou o objeto da face e guardou no

bolso da calça tentando se misturar.

O ambiente ao redor estava claro como o dia, pelo menos para

ele; sabia que as pessoas não podiam enxergar com tanta

nitidez nas sombras, mas ele não era uma pessoa já fazia muito

tempo; a noite era seu território, as madrugaras eram suas

amantes e Irineu gostava de andar no meio da sociedade; ele

observava o comportamento dos indivíduos que na noite

costumavam agir de modo muito diferente do dia. Era como se

as pessoas libertassem um outro lado de seus seres, mas não

naquele dia, embora aquela escuridão providencial fosse

deliciosamente revigorante para ele, era tremendamente

estranha para as pessoas comuns.

Os carros que passavam pela rua eram as únicas fontes de

luminosidade ainda vivas e ao enfrentar os faróis de um

automóvel Irineu rapidamente recolocou os óculos, não

arriscaria sua visão. Todas as outras coisas móveis e imóveis

tinham adquirido uma tonalidade, uma nitidez e uma beleza

impar imersas nas sombras, mas só ele e talvez outros como ele

espalhados pela cidade poderiam saborear tal cenário.

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Pouco a pouco, outras luzes começaram a surgir como grandes

vaga-lumes multicoloridos em toda parte; eram azulados,

esverdeados, amarelados e alaranjados. As pessoas estavam

sacando de seus telefones celulares a fim de conseguir um

pouco que fosse de luz, algo que mantivesse seus medos

inconscientes e irracionais aprisionados e distantes.

Em pouco tempo por meio dos telefones vieram às notícias;

Rio de Janeiro e mais dezessete estados além de parte do

Paraguai estavam na mais completa escuridão; tratava-se de um

apagão de proporções poucas vezes vistas no Brasil.

Irineu caminhou mais um pouco, chegou a um ponto de ônibus,

verificou o relógio no pulso; um homem jamais seria capaz de

saber das horas naquelas condições, seu relógio não era digital,

tampouco acendia, mas Irineu enxergava claramente. Passava

das vinte e três horas, ele procurou um ponto ainda mais escuro

para ficar, um lugar onde os faróis dos carros não o

alcançassem e quando finalmente percebeu um ponto ideal, lá

ficou, ouvindo as conversas dos transeuntes desavisados.

De repente uma pessoa se aproximou dele dizendo todo tipo de

impropérios e se referindo a empresa prestadora de serviços de

iluminação como uma exploradora. Era uma mulher quem

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falava e mesmo sem conhecê-lo ou saber da natureza do

ouvinte ela quis puxar conversa.

_ Era só o que faltava; como vou para casa agora?_ Perguntou

a mulher sem querer, de fato, uma resposta.

Irineu sorriu pra ela, seus dentes alongados não foram vistos

pela mulher que pensava estar falando com uma pessoa normal.

Ele a passou em revista com os olhos desde a cabeça até os

pés; ela era muito normal, não chamou a atenção dele para

outros fins, não possuía atrativos, pelo menos na escala dele,

mas conversar era algo que ele sempre gostou de fazer com

qualquer um mesmo antes de começar a caminhar entre os

vivos e os mortos.

_ Eu gosto do escuro_ ele respondeu tentando ironizar.

_ Um calor infernal nesse Rio de Janeiro, durante o dia deu

quarenta graus, sabia?

Há muito tempo ele não via a luz do dia.

Uma pequena fila se formava lentamente onde eles estavam,

outras pessoas vinham aguardando o transporte coletivo, elas

conversavam, tentando se consolar mutuamente pela falta de

luz e aproveitavam para extravasar todas as suas frustrações;

Irineu conversava com a mulher, mas ouvia todas as vozes ao

redor distintamente.

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A noite prometia calor também, aquela falta de luz pegou as

pessoas que iam para casa tanto quanto as que queriam

descontrair nos bares espalhados pela cidade, de forma

desprevenida; sem energia elétrica, a humanidade se via imersa

a contragosto numa espécie de vácuo que remetia às épocas

quando a tecnologia e as facilidades do mundo moderno não

tinham tanta influência sobre a sociedade, épocas onde

pesadelos noturnos como Irineu vagavam e imperavam sem

restrições.

O problema é que a sociedade já não sabe mais viver sem

certas facilidades modernas, mesmo que fosse por pouco

tempo, as pessoas estavam se vendo totalmente confusas. E

sempre havia aquela clássica insegurança velada no coração de

todos que dizia: “Quanto tempo isso vai durar?”.

Outra pessoa se aproximou e disse:

_ Eles fazem isso de propósito! Desligam a força com o

pretexto de economizar.

Era muito interessante essa interação com gente viva, embora

Irineu fosse adepto de abordagens menos sutis, e gostasse

sobremaneira da adrenalina de uma boa noitada em busca de

emoção, diversão e alimento; naquela noite seria apenas um

mero espectador observando e tentando entender o raciocínio

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dos outros; nos últimos anos sua relação com pessoas era

unicamente restrita ao combate ou as volúpias; não se lembrava

mais como era ser um homem totalmente vivo, só lhe restaram

poucos prazeres compulsivos.

_ Isso é culpa do governo! _ insistia o transeunte enfurecido.

A mulher olhava para essa terceira pessoa e voltou-se para

Irineu que concordava meneando a cabeça só para incentivar o

outro a continuar enfurecido; era engraçado.

O outro homem parou de reclamar um minuto e disse:

_E esse ônibus que não chega. Vocês estão indo para aonde?

A mulher rapidamente respondeu:

_ Nova Iguaçu.

Ambos se voltaram para Irineu e finalmente perceberam ou

deram-se conta de que ele permanecia com os óculos escuro

mesmo com a mais completa escuridão. Era algo estranho, mas

já tinham visto coisas mais estranhas nos dias atuais e não se

prenderam em tal detalhe.

Ele respondeu:

_ Moro em Mesquita.

Ela disse:

_ É caminho.

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Os vivos continuaram conversando sob o olhar atento de Irineu

até que o ônibus chegou; rapidamente a fila se tornou uma

correria para entrar no coletivo e o homem de óculos escuros se

retirou para longe da confusão. Ainda não era hora de voltar

para casa, a noite estava apenas começando, ia procurar um

pouco de diversão, caminhar mais um pouco no meio dos

vivos, se apaixonar mais uma vez, drenar alguma mulher da

noite, arrumar briga em algum lugar e assustar religiosos.

Ele sorriu; feliz porque havia recebido um presente naquela

noite, podia transitar livremente pela cidade sem se preocupar

em se proteger da luz, a luz o limitava e o tornava menos

acurado; a noite era sua mãe; as sombras sua religião e a

escuridão era o seu caminho.

Naquela noite faria com que qualquer vivo que cruzasse o seu

caminho enxergasse a face de um dos pesadelos mais antigos

da terra.

Agradeceu às sombras e prosseguiu.

***

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Um estranho na janela

Tum...Tum...Tum...

O barulho insistente e repetitivo se irradiou pelo quarto de

Pauline, ela estava dormindo, havia se deitado cedo, estava

cansada e já não aquentava mais ficar tentando disfarçar o

sono; pensou em ligar o computador, navegar um pouco na

Internet, mas certamente aquilo lhe tomaria muito tempo da

noite e o sono estava pesando cada minuto mais em suas

pálpebras. Achou por bem dormir.

Porém, agora estava sendo chamada das regiões oníricas de

volta para a realidade noturna e acordou devagar, ainda

sentindo o peso do cansaço no corpo; fora retirada de um

sonho; um sonho estranho e absolutamente “sui generis”, mas

as lembranças do mesmo a estavam abandonando tão rápido

quanto água escorrendo pelos dedos.

Ela olhou ao redor, o quarto parcialmente às escuras, um pouco

de claridade entrava por uma porta entreaberta que dava para o

corredor de sua casa; os pais eram praticamente obrigados a

deixar aquela luz acesa porque o irmão menor da adolescente

dormia no quarto no fim do corredor e como toda criança

pequena morria de medo do escuro, o jovenzinho sofria

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daquelas clássicas alucinações de monstros no armário ou

embaixo da cama e Pauline não podia fechar nem trancar a

porta do seu quarto por ordem da mãe que a obrigava a correr

para o quarto do irmão toda vez que ele chorava ou gritava de

medo durante a noite. Os pais dormiam no quarto mais

afastado, do outro lado do apartamento, e com isso conseguiam

um pouco mais de privacidade sem a preocupação de ter um

menino entrando abruptamente todas as noites no quarto deles

e dormindo entre os dois, o que era tolerado no começo, mas

que agora já não mais suportado.

Tum...Tum...

Pauline ainda meio atordoada por acordar tão de repente ainda

tentava se situar, não conseguia discernir de onde vinha o

barulho, mas era alto o suficiente para que ela escutasse e baixo

o suficiente para que só ela escutasse.

Sentou-se na cama; o ventilador ligado balançando a parte

móvel para a direita e para a esquerda, como uma sentinela que

observasse o cômodo de um lado ao outro, soprava uma

gostosa brisa mesmo com o ar um pouco carregado naquele

quarto trancado cujas janelas estavam fechadas e a própria

respiração da moça pairava no ar.

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As cortinas dançavam quando tocadas pelo vento produzido

pelas pás giratórias e o barulho produzido pelo aparelho não

era o suficiente para sobrepujar o outro. Ela pensou em

levantar e ir ao quarto do irmão, talvez ele estivesse fazendo

alguma traquinagem a fim de espantar os “monstros” da

madrugada.

Algo dentro dela estremeceu, lembranças do sonho. Nele, ela

conversava com alguém, alguém que era ao mesmo tempo

conhecido e desconhecido e esta pessoa lhe fazia um pedido

insistentemente, pedido esse que ela não recordava.

Olhou para o lado das cortinas novamente, pensou em abrir as

janelas escondidas, encobertas pelas cortinas dançantes; ora,

estava no sétimo andar de um prédio de apartamentos,

geralmente ventava naquela altura, mas novamente ela

esbarrava na proibição moral dos pais que não a deixavam abrir

a janela durante a madrugada, não havia nenhuma proteção

externa, nem tela nem grades, porém por duas vezes ela o fez.

Abriu a janela no meio da noite e em uma dessas ocasiões

adormeceu, no dia seguinte foi acordada com um baita sermão

da mãe.

Estava indecisa e o barulho não havia cessado.

Tum...

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“Caramba!” _ Pensou ela _ “O que é isso?”.

Finalmente a narcose passageira do sono estava dando lugar à

lucidez completa da realidade, foi então que ela percebeu de

onde vinha o barulho.

Levantou da cama, a camisola que usava também esvoaçou ao

sabor do vento sem ímpeto do ventilador. Pauline estava

curiosa e outro retalho do sonho lhe veio à memória.

Seu conhecido desconhecido, a pessoa que falava com ela no

sonho insistia no pedido e dizia que a estava visitando com a

melhor das intenções, dizia que só queria conversar um pouco,

colocar o assunto em dia, falar de coisas variadas e mostra uma

coisa importante para ela. Ele insistia no pedido, mas ela não se

recordava que pedido.

Tum...

Voltou das memórias do sono com o barulho novamente. Ela

deu um passo trôpego, seus olhos vislumbravam algo estranho;

uma sombra por detrás das cortinas e era dali também que

vinha o barulho.

Pauline olhou ao redor, olhou para seu armário apinhado de

coisas, pensou em pegar uma lanterna, pois não queria acender

a luz do quarto, teve medo. Uma lanterna era mais confiável. A

menina percebeu que estava suando, pouco, mas suando.

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O barulho reapareceu mais duas vezes e parou quando ela deu

mais um passo para frente em direção as cortinas.

Tum...Tum.

Um vulto escuro estava atrás da cortina, mas não dentro do

quarto. Estava do lado de fora, mas o que seria aquilo afinal?

Lembrou finalmente de mais uma parte do sonho, lembrou de

algumas das palavras que a outra pessoa disse para ela.

“Puxe a cortina” _ dizia o outro no sonho. Era uma voz doce,

bondosa e extremamente tranqüila, muito convidativa e

insinuadora.

Ela agora estava totalmente amedrontada, ali parada

observando aquele vulto parado na janela do sétimo andar, não

havia varanda por fora. O medo eriçou os cabelos de sua nuca e

em seguida todo o corpo dela reagiu encrespando-se, mas algo

estava diferente.

Mesmo com o medo se tornando algo mais intenso ela não

conseguia recuar, queria saber o que estava ali, mas não

compreendia o motivo de querer tal coisa, era como se

estivesse perdendo parte de sua vontade; sentia-se

morbidamente atraída.

Deu mais um passo á frente, as cortinas agora estavam ao

alcance das mãos. Pauline empertigou-se. “Ouviu” quase que

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audívelmente aquela voz falando novamente em sua cabeça,

numa espécie de resquício do sonho.

“Venha, converse comigo. Não tenho com quem conversar faz

muito tempo”.

Mesmo contra a vontade ela agarrou a cortina com uma das

mãos e puxou, afastando devagar e revelando a janela de vidro

por trás. Uma pessoa permanecia parada do outro lado, um

homem, mas ela não o conhecia.

O estranho bateu com uma das mãos no vidro e o barulho que a

retirou do sono se fez ouvir novamente.

Tum.

Uma mão com dedos longos e unhas grandes, mas ela nem

percebera.

Ela sentia-se confortável, e ao olhar para o homem do outro

lado foi como se o medo lhe fosse tirado instantaneamente;

havia ternura naqueles olhos. O homem possuía esses olhos

grandes e escuros que contrastavam totalmente com a

tonalidade da pele que era de um branco mármore de Carrara;

os cabelos negros desgrenhados emoldurando o rosto que

parecia uma máscara de feições finas.

_ Deixe-me entrar Pauline. _ Pediu.

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A voz dele era tão convidativa que ela nem percebeu que ele já

sabia o seu nome, tampouco percebeu o tom voluptuoso na fala

mansa do outro.

_ Me deixe entrar_ falou novamente o estranho na janela.

_O que você quer? _ finalmente falou ela meio abobada.

Ele estava tão próximo do vidro que ela podia ver a respiração

do outro embasando parte da vidraça.

_ Estou com fome.

_Você quer comida? _ Perguntou a moça.

_ E quero você.

Ele fez menção de rir, mas seu rosto não foi capaz de transmitir

expressão alguma, era como uma caricatura mal feita de uma

face humana.

Ela quis desviar o olhar para não ver aquele rosto insano, mas

não conseguiu; sua vontade estava presa. Ele ao rir desfez o

rosto fino e bem apresentado e demonstrou rugas como de um

homem de mais de noventa anos, porém aquela careta logo

desapareceu e ele recobrou a face anterior.

Quando riu, o estranho, deixou a mostra seus dentes finos e

longos rodeados por uma boca repleta de outros dentes

menores, mas tão pontiagudos quanto os outros. Pauline não se

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apercebeu de nada disso, estava ocupada demais mexendo na

tranca da janela.

_ Só mais um pouco. _ Ele disse.

A luz do quarto acendeu e a voz do pai de Pauline apareceu em

seguida.

_ O que está fazendo aí? _ perguntou ele.

Ela olhou para ele e piscou algumas vezes, balançou a cabeça e

disse balbuciando:

_ Não sei._ O encanto estava se quebrando.

_ Quantas vezes sua mãe disse para não abrir a janela de

madrugada?

A janela! Ela voltou o olhar para lá, mas não havia ninguém;

olhou atentamente e por um momento pensou estar vendo o

estranho translúcido bem em frente à janela, mas não era

verdade, era só a mente dela trabalhando.

_Ouvi um barulho e vim ver o que era. _ resmungou ela.

_ Vá dormir disse o pai desligando a luz e saindo para verificar

o quarto do irmão, mas deixando a porta do quarto totalmente

aberta, banhando o aposento numa quantidade muito maior de

luz vinda do corredor.

Do lado de fora o estranho a estava observando, não tinha ido

embora, apenas escondera-se da luz, mas não molestaria mais a

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jovem naquela noite, tinha algo preparado para ela e desejava

entregar em outra ocasião.

***

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Meu escapulário

O barulho de uma pesada tampa de concreto se abrindo.

Tiziano ouviu uma pessoa dizer:

_Opa! Este aqui ainda é novato.

Outra voz respondeu:

_ O que ele tem de valor?

_Nada._respondeu o primeiro.

Uma terceira voz entrou na conversa:

_ Cara! Muito estranho esse aí não é?

_É. Lívido como se fosse recente.

Um deles perguntou novamente:

_Ele não tem nada de valor?

Alguém respondeu prontamente:

_Aparentemente não.

Barulhos indistinguíveis.

_Me ajuda aqui, vamos checar. Pode ter algo escondido aqui

dentro.

Outro emendou:

_Dá só uma olhada na roupa dele.

_Olha só; o cara tem um cordão que parece bem caro.

_O que tem nele. É um crucifixo?

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_Não.

_Então o que é?

_ Acho que é um escapulário. Deve valer alguma coisa, parece

ouro branco; se for, vai valer um dinheiro extra.

_Então pega.

Alguns segundos de silêncio

_ Pra que serve?

Não houve resposta.

_ Pronto. Peguei.

Logo um deles disse:

_Vamos andar logo com esse aqui, temos mais dois só esta

noite. A grana vai ser boa.

_O que mais estamos procurando, além dos pertences valiosos?

_Não sei, mas o cara disse que era algo muito raro e

saberíamos quando o encontrássemos.

_Tá frio._alguém reclamou.

_Continua procurando.

_Olha só o rosto dele, nem parece que está nessa situação.

Os três riam abertamente.

_Deixa de ser bobo... Situação, o cara já m...

Foi interrompido pelo comparsa.

_Que estranho, olha só; bati em algo dentro da camisa.

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_Deve ter alguma coisa escondida aí com ele.

Mais risadas.

_Será que é algo muito valioso?

_ O cara prometeu pagar cinco “pilas”.

Dois deles se espantaram:

_Cinco Mil!?_ Disseram em uníssono.

Ao que o primeiro respondeu:

_Para cada um.

Mais felicidade.

_Puxa, vou me arrumar com essa dinheirama toda.

Outro disse:

_Eu nem sei o que fazer com tudo isso.

O terceiro:

Então acho bom nós acharmos logo essa “parada” e pularmos

fora desse lugar.

Todos concordaram.

_Abre a camisa dele e vê o que tem dentro.

Silêncio.

Respirações ofegantes.

Silêncio novamente.

O clima se alterou.

_Cara, isso aí é muito esquisito.

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Um falou baixinho:

_É aquele negócio de magia negra.

_Calado._ repreendeu o terceiro_ tira isso do peito dele.

_Eu não! Ficou doido. Tira você.

_ Caramba! Eu tiro. Eu deveria ganhar mais do que vocês dois,

o trabalho pesado sobra sempre pra mim.

Som de esforço.

Respiração ofegante.

Barulhos estranhos, alguém caindo.

_Tá bêbado?_ brincou um deles._Puxa com força.

_Cala a boca. Já tirei.

_ O que é?

_ Uma madeira.

O som ritmado e surdo de uma batida. Depois outra, e outra, e

mais outra...

Cheiro de oxigênio noturno misturado ao orvalho.

Pensamentos diversos inundando sua mente.

Vozes distantes; homens, mulheres, crianças, idosos. Barulhos

diversos; carros, motos, gritos e muitos outros.

Cheiros aos montes; perfumes, odores adocicados e outros não;

relva, flores, lixo e decomposição.

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Ruídos de animais, roedores, cães, gatos; o bater de asas de

pássaros ou morcegos e uma infinidade sonora.

Forças novamente.

Sentimentos no ar. Apreensão, ansiedade e receio.

Uma dor lancinante se irradiando do peito para o resto do

corpo.

_ Essa madeira estava enfiada nele?!_ perguntaram dois.

_É; não está vendo?

_ Vamos sair fora. Fecha o caixão; ele não tem nada mais de

valioso a não ser o tal escapulário.

Uma rápida consulta na mente dos outros três, uma torrente de

vibrações; dias, meses, anos e algumas impressões.

Mais dor...

...Fúria...

...Fome.

Os sentimentos no ar se transformaram em algo mais familiar,

mais doce, muito mais saboroso. O medo.

Um deles disse em tom nervoso:

_Fecha logo isso; tem algo errado.

O rigor mortis já não o dominava mais.

_Ai, ai, ai; ele se mexeu!

_Ficou louco rapaz, o cara está morto.

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A respiração voltou, o coração batia forte e compassado de

novo, não obstante a fenda em seu tórax, o tato se

restabelecera, as suas memórias já tinham retornado.

O primeiro pensamento brotou das sombras da mente:

“Eu sou Tiziano, o venerável”.

A dor alcançou seu clímax, fustigando o interior do outrora

morto e explodiu tão atrozmente que apenas uma coisa podia

acontecer.

Tiziano ergueu-se do túmulo como um relâmpago, deflagrando

um bramido gutural e inumano.

Um dos três homens que estavam roubando as sepulturas

naquela noite caiu no chão em um baque surdo, o susto foi o

suficiente para lhe roubar a vida.

Tiziano tremia violentamente e seu fôlego parecia não se

esgotar, o grito medonho permanecia. Os outros dois já tinham

corrido.

_O morto!_gritavam_ O morto voltou! O morto voltou.

Finalmente o rugido cessou e o ex-morto olhou para o homem

caído próximo a ele, o coração do homem não batia mais,

estava sem pensamento algum; já não pertencia mais a esse

lado. Os outros dois já tinham escapado; não estava nem

pensando neles.

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Abaixou e recolheu o que o homem segurava, a estaca de

madeira que tinham retirado de seu peito e o escapulário, que

lhe pertencia, o qual colocou no pescoço novamente.

_Meu escapulário._ disse. Respirou fundo, estava livre e tão

vivo quanto sua natureza permitia.

A dor permanecia.

A fúria também. Mas agora algo novo nascia; desejo.

Olhou em volta, estava num cemitério; ouvia as vozes ao redor,

vivos e mortos; seguiria as vozes dos vivos, se alimentaria, e

seria como outrora. Um deus das sombras entre os vivos;

poderoso e indefectível, tinha muito a fazer.

***

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A meretriz

Ele checou o relógio.

Marcelo aguardava no quarto do motel, estava ansioso e

caminhava de um lado para o outro; não tinha certeza de que

era aquilo o que deveria fazer, mas era a única coisa que vinha

em sua cabeça. Rebeca, sua futura ex-namorada, merecia o

troco; ele não sairia do relacionamento levando um prejuízo

daquele tamanho; ela ia pagar pela vergonha que o tinha feito

passar.

Sentia um frio e uma espécie de vazio no estômago. Foi até a

janela, afastou cuidadosamente parte das cortinas e olhou para

fora, não conseguiu enxergar muita coisa porque era noite.

Seu carro estava estacionado na vaga abaixo do quarto, outros

carros também estavam devidamente guardados nas vagas em

outros quartos cujas portas como de garagem permaneciam

fechadas, não havia movimentação alguma no passeio entre a

fileira de quartos onde ele se encontrava e a da frente.

Consultou o relógio; vinte horas em ponto. Fazia apenas cinco

minutos que tinha dado o último telefonema e já parecia ter

passado vinte minutos.

_ Caramba! E esse tempo que não passa!_ Resmungou.

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O motel não era dos melhores, o quarto era pequeno e parecia

com a sala dos espelhos de um parque que ele visitava quando

criança; havia um espelho grande em frente à cama, outro na

parede atrás da cama e um no teto; só faltava um no chão, mas

isso seria bizarro demais. Marcelo sorriu sozinho, conseguiu

descontrair um pouco com aquele pensamento. Consultou o

relógio novamente.

Caminhou outra vez da janela até a cama, mas não sem antes

fechar cuidadosamente as cortinas que nem fizeram barulho

correndo no trilho ao serem puxadas. Ao lado da cama redonda

sob uma banca de mármore escuro estava o jornal no qual ele

tinha escolhido cuidadosamente um dos anúncios em que

algumas mulheres ofereciam seus corpos para serviços íntimos.

Tomou o jornal e passou os olhos pela página dos

classificados, havia vários anúncios por toda a parte,

mostravam e ou descreviam mulheres para todos os gostos e

bolsos; morenas, loiras, mulatas, negras, asiáticas; novatas ou

experientes, com preços módicos ou classe A; mas um o tinha

chamado a atenção não havia foto, apenas a descrição; ele

releu. Dizia:

“Eva. Ruiva perfeita; pele aveludada, cabelos longos, olhos

claros, rosto de anjo, corpo esculpido. Impetuosa, voraz e

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viciante. Para ocasiões especiais. Atendimento somente às

noites. Cem reais”.

Minutos antes de telefonar, aquele anúncio tinha despertado

nele desejo e curiosidade, sempre gostou de mulheres ruivas;

pensou em Rebeca e decidiu que se ela podia ter traído ele,

então, ele também podia traí-la era uma questão de justiça, ao

menos em sua cabeça distorcida.

Saiu com seu carro da casa da namorada e foi para o primeiro

motel que encontrou na estrada já com o intuito de contratar os

serviços de uma profissional; tinha brigado com Rebeca horas

antes, discutiram bastante quando ela revelou sua traição; ela

disse que preferia que ele soubesse por ela mesma e não por

outra pessoa, aquilo claramente significava que outros já

sabiam do fato, amigos dele e dela, mas ele tinha sido o último

a saber. Pensou num cem número de coisas que podia fazer,

pensou e agredi-la, mas não tinha coragem nem era correto,

violência não fazia parte de sua índole, pensou em sumir e não

procurá-la mais, mas isso não aplacaria a ira que estava

sentindo; Marcelo queria que Rebeca sentisse exatamente o

mesmo que ele, portanto resolveu dar o troco na mesma moeda.

Antes, porém, resolveu contratar uma profissional para aquela

noite.

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Checou o relógio pela décima vez.

Quando telefonou para a tal Eva, logo que entrou no quarto,

demorou apenas dois toques para ela atender. A voz surgiu do

outro lado com um timbre insinuante.

_ Olá! _ disse a mulher do outro lado da linha. E respirou ao

terminar de pronunciar a palavra; ele ouviu a respiração sensual

que a mulher despejou sobre o fone e sentiu uma sensação

prazerosa se irradiando pelo corpo.

Marcelo estava tão atordoado que não conseguiu pensar em

nada que não fosse repetir a saudação.

_ Olá!?_ disse meio desconfiado, sem muita certeza.

_ Em que posso ajudar.

_ Eu gostaria de falar com Eva. _ Pronunciou quase

murmurando.

_ É ela. Amor.

Ele perguntou as coisas que achou que deveria e acertou o

encontro naquele local onde já estava.

_Quanto tempo até você chegar aqui? _perguntou ele.

_Cerca de vinte minutos.

“Vinte minutos”_pensou.

_ Estou esperando._ disse.

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Ela desligou e a partir daquele momento ele passou a olhar

para o relógio, mais ou menos, a cada minuto.

Colocou o jornal novamente sobre a bancada de mármore, a

televisão estava desligada e ele não queria ligar. Levantou-se

da cama, foi até o banheiro contíguo e olhou o cômodo, era

pequeno e de muito mau gosto; havia apenas um vaso sanitário,

um Box com chuveiro e uma pia pequena com um espelho

redondo sobre ela. Na verdade todo aquele quarto de motel

parecia bizarro demais, parecia um lugar saído de um conto

policial antigo ou um cenário de um filme B; o ar parecia

viciado e um cheiro diferente pairava. A noite lá fora também

estava estranha, pacata e letárgica; ele parou por um instante e

tentou ouvir qualquer ruído vindo de fora daquelas paredes,

não conseguiu, mas no fundo Marcelo sabia que era ele quem

estava mal; sua cabeça havia se transformado num verdadeiro

temporal. Rebeca ia pagar.

Deixou aquele cubículo que servia como banheiro e voltou

para o quarto, olhou a cama, o relógio e em seguida as paredes,

e, finalmente percebeu que havia um aparelho de refrigeração

no cômodo, estava sentindo calor, talvez por conta da

ansiedade, ligou a máquina; teve de subir na bancada de

mármore para alcançar os controles do aparelho. Sentiu o vento

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começar a sair pelas grades de plástico do ar-condicionado

acompanhado pelo som característico.

Sentou na cama e tronou a levantar, foi até a televisão, ligou o

aparelho também e tomou o cuidado de aumentar o volume;

estava passando um filme com carros explodindo, o ator era

conhecido, mas ele não recordava o nome. Mudou os canais

com uma velocidade incrível, várias vezes, tentando disfarçar

para si mesmo a ansiedade crescente dentro do peito. Nas

outras emissoras ele passou os olhos por um programa de

entrevista, uma novela e um jornal. Nos canais a cabo; passou

por músicas, boletins esportivos, documentários sobre o mundo

animal, um filme adulto e programas de comédia e variedades.

De repente bateram à porta do quarto, Marcelo quase deu um

pulo, o coração disparou e ele desligou o aparelho tão rápido

que nem percebeu que o tinha feito. Caminhou devagar na

direção da porta.

_ Quem é?_ perguntou; estava se achando um perfeito pateta.

O coração trovejava preso dentro do peito e era como se algo

estivesse obstruindo parcialmente sua garganta. A ansiedade

tinha irradiado um sentimento diferente em todo o corpo.

“Adrenalina”_ Pensou.

A voz do outro lado surgiu:

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Contos Vampíricos

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_ Eva._respondeu.

Era ela.

Marcelo finalmente se apressou e alcançou a porta, girou a

chave na fechadura com certa dificuldade por causa da pressa e

então conseguiu.

Quando a porta se abriu, a visão revelada do outro lado tirou o

fôlego do homem de tal modo que a adrenalina disparou; a

mente dele se esqueceu de Rebeca, da briga, da traição e do

troco que pretendia dar, que era o motivo de ele estar ali.

Naquele momento tudo perdeu um pouco do sentido.

_ Olá! _ Disse a mulher olhando fixamente para ele com os

olhos mais azuis que Marcelo jamais viu, certamente eram

lentes de contato. Eva inclinou um pouco a cabeça com um

sorriso irresistível nos lábios; como que o saldando.

“Rosto de anjo.”_ pensou com a mente ainda meio

embaralhada, lembrando do anúncio no jornal.

A ruiva estonteante parada ali no limiar da porta não entraria

até ser convidada, mas Marcelo estava boquiaberto com todos

os atributos da mulher. A pele branca e delicada, o cabelo ruivo

vivo mesmo na pouca luz do lado de fora do quarto, os olhos

grandes e tão azuis que pareciam estar acesos e os lábios

volumosos cobertos por um batom vermelho molhado.

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Ela se adiantou um passo, não entrou. Disse:

_ Tudo bem?

Marcelo despertou do transe e sorriu para ela.

_ Entra aí._ Falou finalmente.

O rosto de Eva se iluminou com o convite e ela caminhou

calmamente para o interior do quarto; se aproximou

perigosamente de Marcelo e beijou o rosto dele; numa face e

depois na outra.

Ele retribuiu o beijo, sentiu o aroma doce do perfume que ela

usava.

_ Tudo bem._ A voz saiu quase como um sussurro.

Eva tinha cerca de um metro e setenta, foi o que ele calculou ao

vê-la, e um corpo esculpido provavelmente em horas e horas de

academia, ao menos ele pensou isso. Os cabelos apareceram

balançando nas costas dela quando caminhou para entrar;

chegavam até a cintura e era um complemento perfeito para um

corpo como o dela que possuía curvas sinuosas e provocantes.

Estava trajada com um vestido de tubo negro muito justo que ia

dos ombros até na coxa da mulher, com somente uma alça

segurando-o no ombro esquerdo. Ela passou por ele que levou

mais um segundo para fechar e trancar a porta.

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Eva usava um sapato de salto, não era alto, mas era muito fino.

Marcelo a olhou por trás a partir dos sapatos e subiu a visão

passando pelas pernas até a cintura com as madeixas

balançando sedutoramente.

Se naquele momento ele tivesse percebido um detalhe, talvez o

desfecho da noite fosse outro, mas estava tão atraído por ela

que não se deu conta. Seguiu a mulher pelo quarto que parecia

uma sala de espelhos.

Ela olhou ao redor reparando no ambiente e falou:

_ Lugar interessante._ o tom do comentário era de brincadeira.

Marcelo percebeu e pensou que ela devia estar acostumada

com lugares mais sofisticados, talvez fosse uma daquelas

mulheres que costumam atender pessoas com muito dinheiro.

Sorriu sem saber o que fazer.

_ Não liga, amor, estou só brincando com você.

Ele relaxou um pouco. Mas seus olhos não conseguiam mais se

desviar do rosto e do corpo de Eva. Ela era extremamente

atraente e sorria com uma doçura e uma pureza difíceis de

serem atribuídas a uma profissional daquele tipo. Aliás, ele

jamais tinha visto em qualquer rosto um sorriso tão cativante

quanto o dela.

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_Estou com um pouco de sede._ Ela falou umedecendo os

lábios.

_ Podemos pedir algo para beber.

_ Não, amor, depois.

Ele concordou.

_ E então? Vamos começar?_ Ela falou com um sorriso

malicioso.

_ É claro. _ Teve de forçar para dizer as palavras.

Eva se aproximou da cama e retirou os sapatos deixando-os

encostados num canto, em seguida prendeu os longos cabelos

num rabo-de-cavalo com um movimento hábil e rápido.

_Se importa se eu me lavar primeiro?

_ Não. É claro que não.

Ela tirou calmamente o vestido como num show sensual, ficou

apenas com a lingerie preta e fina que estava por baixo. Sem o

vestido o corpo dela revelou um piercing dourado no umbigo.

_Seu piercing é de ouro?

_ É sim.

_Ouvi dizer que piercings de ouro costumam causar alergia em

algumas pessoas. _ se achou mais demente do que nunca por

fazer um comentário como aquele numa hora que não era para

palavras, mas sim para ações.

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_ Não em mim._ Ela respondeu e foi em direção ao banheiro

praticamente desfilando o corpo como uma ninfa.

Quando Eva virou de costas para Marcelo, ele sentiu um aperto

no peito; ficou se perguntando o quão desejada ela era. A

mulher também revelou uma tatuagem de uma maçã um pouco

abaixo da cintura, a tatuagem estava sendo parcialmente

encoberta pela lingerie.

_ Você não vem?_ perguntou ela já de dentro do banheiro com

aquela voz insinuante novamente.

_ Vou.

Antes de se dirigir para o banheiro, Marcelo se pegou olhando

para o espelho em sua frente, o que estava errado com ele? Um

detalhe tinha passado despercebido. Mas a presença de Eva no

mesmo ambiente era o suficiente para atrair toda a atenção para

si; talvez aquela sensação não fosse nada além de ansiedade.

Tirou a camisa logo que ouviu o barulho do chuveiro sendo

ligado e da água caindo; foi até lá.

Ela aguardava pacientemente olhando a água que caia no box

ainda vestida com as duas peças mínimas da lingerie.

Experimentou a ducha d’água com a mão.

_ Está fria._ falou.

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Ele já ia tirar a calça quando percebeu algo; percebeu o que

devia ter notado no momento em que a mulher cruzou a porta e

entrou no quarto. Ao lado do box do chuveiro ficava a pia com

o espelho preso à parede; de onde Marcelo estava ele conseguia

ver o reflexo de todo o pequenino banheiro através do espelho,

Olhou para Eva parada em frente a ducha e olhou novamente

para o espelho; para ela, e para o espelho mais uma vez. Algo

estava terrivelmente errado.

Foi com uma estranheza brutal que ele finalmente se deu conta

de que, através do espelho, na frente do chuveiro, ele não via o

reflexo de Eva.

***

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Sangue do Lobisomem

Dominic se encostou numa mureta parcialmente destruída e

contemplou o que acabara de fazer.

A besta urrou com a dor da estaca de prata em seu dorso.

Cambaleou e caiu se apoiando sobre uma das lápides urrou

mais uma vez, como que chamando ajuda sem obter resposta.

A lua gigantesca e amarelada que iluminava todo o céu noturno

agora se escondia por trás de algumas poucas nuvens.

O lincantropo possuía quase dois metros de altura, presas e

garras capazes de destrinchar praticamente qualquer material e

uma força descomunal; porém, sua maior arma também era seu

maior defeito. Dominic sabia disto, durante as noites de lua

cheia, toda a sanidade dos escravos da lua era tirada, eles

perdiam completamente o controle sobre seus instintos

animais; somente alguns muito disciplinados conseguiam

resistir a ponto de manter o pensamento humano sobre a fúria

da fera.

A luta entre eles foi algo perto de inacreditável, poucos homens

da mesma raça de Dominic, conhecidos por muitos nomes,

sanguessugas, mortos-vivos, nosferatus, e filhos da noite;

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tinham condições de confrontar um lincantropo frente a frente

numa noite de lua cheia.

_ Onde está sua arrogância e fúria agora? _ perguntou Dominic

levando a mão ao rosto.

O monstro uivou alto e forte, mas com uma ponta de medo, não

era um uivo de vitória, e sim um pedido de misericórdia.

Dominic era um homem que contrariava o estereótipo de

vampiro, aliás, ele sempre detestou esse termo, vampiro é um

termo pejorativo que ganhou notoriedade com a estória de um

velho bêbado chamado Bran Stoker, e, que não faz jus à raça

de seres que abençoados ou amaldiçoados eram mais do que

homens; eram deuses.

O lobo gigante começou sua transformação deixando sua face

bestial e tornando-se um simples homem.

_ Vocês_ disse Dominic_ tão arrogantes, tão cheios de si, mas

são apenas humanos; eu por outro lado sou imortal, não sinto

dores nem amores. Tenho um corpo morto que precisa de

sangue para permanecer como antes, porém meu espírito é

indestrutível.

O urro já se parecia um pouco com um grito humano enquanto

a fera se tornava apenas um homem.

_ Olhe para mim, monstro.

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O homem-lobo tentava se levantar, mas a estaca em suas costas

o havia inutilizado. Ele olhava para Dominic e não podia

entender como fora vencido.

_ Você é apenas um vampiro, nem vivo você é._ retrucou o

homem que agora era metade lobo, da cintura para baixo.

Os olhos de Dominic se inflamaram e ele se aproximou de sua

vítima.

_ A lua já não pode mais lhe ajudar._ sussurrou.

O homem se contorcia de dor e tremia também, sabia que tinha

sido um grande erro tentar surpreender aquele vampiro, mesmo

se utilizando de sua fera aprisionada, mas ainda não era

suficientemente forte para domá-la e pagaria muito carro por

sua inexperiência.

_ Ah! Você pagará muito caro, sim._ disse Dominic

obviamente lendo claramente os pensamentos de seu

adversário_ vai me dar algo muito precioso para nós dois, vai

me dar seu sangue.

De repente o homem com a estaca nas costas retirou forças

sabe-se lá de onde e saltou sobre Dominic, era uma última

tentativa de não ser abatido naquela noite; ele tinha certeza que

causara danos gravíssimos no vampiro e não entendia como

aquilo não o tinha detido.

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Dominic esquivou-se sem muitos problemas do derradeiro

ataque do lobo que agora era somente um homem comum e

muito ferido.

O homem caiu no solo úmido e lá ficou bufando e tossindo;

sentiu a estaca ser retirada de suas costas e seu pescoço ser

violado pelas presas do seu oponente vencedor, sentiu sua vida

se esvaindo rapidamente, memórias, lembranças,

conhecimentos; absolutamente tudo o que era estava sendo

drenado e passaria a fazer parte de um outro ser.

Dominic saiu do lugar andando exatamente como entrou,

maltrapilho, pela batalha brutal que travara, mas um pouco

mais forte pela ingestão do sangue do Lobisomem.

***

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Noctívagos

Quando o passageiro entrou no taxi, Doni não percebeu nada

de anormal. Estava conversando com um colega ao telefone,

sentado dentro do carro, com os vidros abaixados e a porta do

motorista aberta.

_Boa noite._ Cumprimentou o taxista assim que o passageiro

entrou.

O homem sentou rapidamente e fechando a porta disse:

_ Boa noite._ Tinha uma voz grossa e um tanto rouca com o

sotaque hispânico carregado.

Donizete Martins, quarenta e cinco anos, treze de praça,

dirigindo taxi. Passou a trabalhar à noite porque o trânsito era

menos enlouquecedor do que durante o dia e também porque

depois de certa hora podia cobrar um pouco mais caro, além

disso, sempre conseguia boas gorjetas; nas noites as pessoas

eram mais mão aberta.

O passageiro trajava roupas escuras, provavelmente azul

marinho ou preto; camisa social e paletó sem gravata; Donizete

não conseguiu ver se usava calças jeans ou social. Porém, o

mais estranho era que o passageiro usava óculos escuros,

mesmo durante a noite.

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_ Rua Jean-Babtiste Debret, por favor._ disse o passageiro

enquanto retirava os óculos de sol.

Donizete se endireitou no banco do motorista e pôs o cinto de

segurança; bateu a porta e acionou o taxímetro.

_ É pra já.

Ligou o carro, o ar-condicionado, fechou os vidros e

comunicou pelo rádio que havia pego um passageiro e estava

saindo para uma corrida.

Como todo bom taxista, Doni era uma pessoa muito boa de

conversa e sempre procurava puxar papo com seus passageiros

para tornar a viagem um pouco mais descontraída. Gostava de

conversar sobre praticamente tudo, política, economia, futebol,

atualidades, religiões; qualquer coisa. E era muito comum que

as pessoas falassem sobre todos esses temas nas viagens; o

taxista sempre tinha uma opinião ou uma posição firme e bem

definida sobre tudo.

Ele começou:

_ O senhor é estrangeiro?_ desconfiou que o homem não fosse

Brasileiro pelo sotaque.

O carro saiu pela rua, tranquilamente.

O passageiro colocou os óculos escuros num bolso interno do

paletó. Era um homem caucasiano, alto, magro, louro e com

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olhos escuros; parecia com um norueguês que certa vez havia

feito uma corrida no taxi; ele tinha aquelas marcas escuras

abaixo dos olhos e a face dura e levemente ossuda, com as

marcas de expressão bem definidas e profundas tanto na testa

quanto próximas do nariz e boca. Donizete olhou pelo

retrovisor interno e percebeu que o passageiro estava olhando

para fora do veículo pelo vidro obscurecido e fechado quando

respondeu.

_ Sim, sou.

Donizete insistiu:

_ Noruega? _ Perguntou mesmo sabendo que o homem não era

norueguês; tinha certeza disso porque ouviu o sotaque

carregado de um espanhol.

Geralmente turistas só se utilizavam do idioma espanhol

quando queriam passar a sensação de que sabiam falar

português, do contrário, sempre usavam o inglês como forma

de comunicação; salvo aqueles que tinham a língua hispânica

como língua mãe.

Donizete já tinha carregado em seu taxi vários turistas suecos,

ingleses, americanos, franceses, noruegueses e muitos

espanhóis e sul-americanos em geral; Argentinos, Uruguaios,

Peruanos, Chilenos etc... O Rio de Janeiro estava cada dia mais

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parecido com uma enorme aldeia global; uma espécie de Babel

cultural.

_ Não._ Respondeu ainda olhando pelo vidro provavelmente

para o movimento de pessoas e carros ao redor. O movimento

noturno do Rio de Janeiro é atualmente um dos mais pulsantes

de todo o mundo e com o intenso número de turistas chegando

a cada dia a tendência é aumentar ainda mais.

Obviamente o passageiro era uma pessoa reservada e de poucas

palavras.

_ Americano?_ insistiu Donizete. Apenas para obrigar o

passageiro a falar um pouco.

O motorista gostava de conversar principalmente porque

conseguia conhecer as pessoas dessa forma. No caso do tal

norueguês, o visitante havia conversado tanto que tinha

espantado Donizete; o homem falava o tempo todo mesmo sem

saber falar o idioma nacional, misturava o inglês, às vezes o

espanhol e um pouquinho, apenas, de português. Donizete por

outro lado também não dominava nenhuma daquelas línguas

exceto a sua, é claro, mas arranhava um pouquinho de inglês e

espanhol, apenas o suficiente para manter sua relação

comercial. No caso, Donizete passou a concordar fazendo

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sinais de afirmativo com a cabeça em certa hora do trajeto até o

ponto onde deixou o turista da Noruega; um hotel.

_ Sou espanhol._ disse o passageiro.

“Na mosca”_ Pensou Donizete com orgulho de si mesmo.

Investiu mais uma vez.

_ De que parte da Espanha? Tenho um cunhado que está

morando em Madri; ele é irmão da minha esposa.

O passageiro suspirou e deixou de olhar pela janela.

_ Valhadolide. Mas faz um ano que moro aqui.

Donizete balançou a cabeça; não tinha nenhuma informação

sobre esse lugar; Valhadolide. Da Espanha ele só conhecia

Madri porque havia viajado com a esposa e filhos, um ano

antes, para lá em férias programadas durante cinco anos de

economia, mas valeu cada centavo.

_ Não conheço._ disse o taxista.

O passageiro não continuou a falar.

Percebendo isso, Donizete perguntou:

_ E está gostando do Rio?

A resposta foi tão simples quanto as outras.

_ Sim.

Estavam se aproximando do destino e o passageiro se

endireitou no banco. Donizete olhou novamente para ele pelo

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retrovisor interno e viu quando ele tirou do bolso os óculos que

estava usando inicialmente, mas não colocou sobre os olhos.

_Falta pouco. A rua Debret é logo no final daquela avenida, à

esquerda.

Donizete sabia exatamente que rua era aquela, quando

trabalhava durante o dia costumava passar por lá para cortar

caminho e evitar o trânsito, mas durante a noite não gostava

muito de fazer esse trajeto. Tratava-se de uma rua repleta de

casarões grandes, antigos, abandonados e também muito mal-

cuidados, além do que, de uns tempos para cá havia se tornado

um lugar ermo. Com muitos moradores de rua transitando pelas

redondezas.

Estava fazendo uma curva acentuada para a esquerda; buzinou

rapidamente para um outro taxi parado no sinal vermelho que

acabara de abrir. No final da via estaria no ponto de destino, o

cruzamento da principal com a Jean-baptiste.

Donizete pensou em alertar o visitante que se tratava de um

lugar complicado, sobretudo, durante as noites, mas logo

desistiu; afinal de contas, se o homem queria ir para lá é porque

sabia como o lugar era. Donizete controlou a vontade de falar

mais alguma coisa, mas permaneceu com a curiosidade; afinal,

o que um residente estrangeiro ia fazer numa localidade tão

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esquisita como aquela; não existia nenhum bar, nenhuma casa

noturna, nem mesmo casas de mulherio. O Rio de Janeiro tinha

uma miríade de outros lugares maravilhosos para se visitar à

noite. Nada justificava uma visita noturna àquela área.

Ficou calado.

_ Vou me encontrar com alguns amigos._ Revelou o

passageiro.

Ora! Donizete não tinha dito nada, será que tinha pensado em

voz alta para que o passageiro ouvisse e respondesse; ficou

confuso. Estava chegando à esquina da rua em questão, o

trânsito um pouco mais movimentado havia ficado na avenida,

e como a rua na qual se encontrava era uma via secundária,

logo, estava muito menos movimentada.

Na esquina estavam paradas duas pessoas, aparentemente um

homem, uma mulher e mais ninguém em mais de cem metros

para qualquer lado. Eles vestiam-se também com roupas

escuras e ambos usavam óculos escuros, mas estavam num

lugar onde até mesmo a iluminação dos postes não os

alcançavam.

_ São eles._ disse o passageiro. _ Pode me deixar aqui mesmo.

Donizete encostou o taxi junto ao meio fio torcendo para o

homem sair logo do veículo.

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_Pois não.

O passageiro se inclinou para frente e chegou bem próximo do

pescoço do motorista que já ia virar para trás a fim de receber o

dinheiro da corrida quando de relance passou os olhos no

retrovisor e cruzou o olhar com o do outro fixado nele pelo

espelho. Seu sangue gelou na mesma hora.

O homem no banco de trás tinha os olhos esbranquiçados, não

estavam assim minutos atrás, mas aquilo não era o detalhe mais

aterrorizante.

_ Quanto lhe devo? _ perguntou com a voz ainda mais grossa

do que antes e com aquele sotaque ainda mais visível.

As duas pessoas paradas num ponto pouco iluminado da

esquina saíram das sombras e caminharam na direção do carro

assim que viram o veículo parar. Donizete pensou que estava

tendo algum tipo de alucinação; a mulher era pálida como uma

estátua de mármore, assim como o homem, e, o preto das

roupas, dos óculos, dos cabelos de ambos e do batom dela se

contrapunham a palidez mortal deles.

_ Quanto devo a você, Sr. Donizete._ perguntou novamente o

passageiro.

O motorista estava tão apavorado que nem se deu conta de que

o homem o tinha chamado pelo nome, mesmo sem que ele

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tivesse revelado durante o trajeto. Só foi perceber aquilo na

manhã seguinte.

Donizete gaguejou para responder:

_ Quin..ze re...re..ais. Quinze reais!_ disse finalmente.

Quando o homem perguntou quanto tinha sido a corrida,

Donizete viu os dentes grandes; caninos, como os de um

animal. Pensou todos os tipos de teorias possíveis para explicar

aquilo, mas o coração estava disparado. A confusão aumentava

dentro dele.

O passageiro se moveu lá atrás e recostou novamente no banco,

em seguida, estendeu a mão para o motorista no banco da

frente com uma nota de cinqüenta reais.

_ Não tenho menor. Fique com o troco.

Os outros dois fora do carro caminhavam olhando a todo o

momento para os lados.

Donizete pegou a nota sem nem olhar para ela, se fosse uma

nota de dois reais ele ficaria satisfeito; tudo o que queria era

sair dali imediatamente.

Os outros alcançaram o taxi. O passageiro recolocou os óculos,

abriu a porta e antes de sair disse:

_ Tenha uma boa vida.

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Ele saiu do automóvel e Donizete pensou que fosse sofrer um

ataque do coração, o peito doía intensamente. Pensou na

família, pensou na vida que tinha levado até aquele momento;

tudo tão rápido que pareceu acontecer em um único

pensamento.

O passageiro se juntou aos outros dois; a mulher o abraçou, em

seguida olhou para dentro do carro pelo vidro fechado, retirou

os óculos e sorriu deixando visíveis os mesmos dentes longos e

os olhos incandescentes de um azul bruxuleante. Foi a visão

mais insana que o taxista teve na vida.

Donizete tentou reunir forças para engatar a marcha e sair, mas

não conseguiu.

Os dois homens fora do carro apertaram as mãos como bons

conhecidos e depois eles três caminharam rua adentro sem

sequer olhar para trás; todos andaram até desaparecer

encobertos pela escuridão do lugar.

A dor no peito diminuiu devagar e Donizete arrancou com o

carro tão rápido quanto conseguiu; suava frio e sentia os golpes

pesados do coração contra o peito como marteladas internas.

Ficou aliviado quando saiu daquele lugar e decidiu ainda ali

que não trabalharia mais durante a noite. De repente, foi como

se um véu tivesse sido tirado dos olhos dele, o mundo perdeu

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um pouco do sentido que tinha antes e uma nova realidade

nasceu emergindo das sombras na mente do taxista. Pensou que

fosse enlouquecer.

Parou de trabalhar nas noites sem explicar os motivos reais

para ninguém que conhecia, mas a última coisa que ele queria

na vida era voltar a encontrar qualquer um daqueles noctívagos

e passaria o resto da vida se perguntando quantos deles

andariam livremente pelas noites da cidade.

***

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O Invasor

A viatura policial parou no outro quarteirão, pois não havia

lugar na rua de onde partiu o chamado; estava acontecendo

uma espécie de festa em uma das casas próximas e duas fileiras

de carros formaram-se, uma de cada lado da rua.

_ Tem certeza de que foi aqui nessa rua o chamado de invasão

de domicílio?_ perguntou um dos policiais.

_ Sim_ respondeu o outro policial ao volante.

Os dois estavam passando pelas redondezas quando receberam

um informe via rádio de que houve um arrombamento em uma

das residências daquela bela rua. As casas em sua maioria eram

grandes e muito bonitas, as pessoas que moravam ali possuíam

um poder aquisitivo bem elevado se comparado com o padrão

do restante do município.

Os dois policiais se colocaram a disposição de averiguar o

acontecido antes do término de seu turno.

A casa é aquela_ disse um deles apontando para uma residência

das mais bonitas da rua; ficava localizada afastada cerca de

quatro ou cinco casas da que estava em festa, mas do outro

lado da rua.

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Quando voltaram a pé, pois a fila de carros impedia até o

trânsito de veículos pela rua, o que diria parar perto do

domicílio. Os dois homens da lei avistaram um outro homem

parado junto ao portão da casa em questão.

_Os senhores devem ser os policiais que foram enviados para

ver o que aconteceu na casa de meu irmão_ disse o homem

estendendo a mão de forma bastante amigável.

Era um senhor negro de aproximadamente quarenta anos;

vestido com calça jeans cujas bordas surradas estavam também

desfiadas; usava uma camisa de tecido fino e cor roxa que

parecia brilhar quando tocada pela luz, abotoada quase até o

topo; sapatos de uma espécie de couro de animal, crocodilo ou

cobra; no punho direito uma pulseira de um dourado vivo e um

relógio muito bonito nas cores prata e ouro com pulseira de

couro. Na mão esquerda trazia um anel no dedo mínimo,

trabalhado em dourado com uma pedra grande em seu topo se

destacando; pedra esta de cor púrpura; provavelmente uma

ametista lapidada.

_ Sim_ respondeu um dos policiais_ Viemos para averiguar. O

que aconteceu aqui?

_ Vim à casa de meu irmão para buscar alguns papeis de suma

importância para nós,_ iniciou o homem_ mas quando cheguei

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aqui a casa estava aberta, meu irmão não está em casa e ao

entrar percebi que tudo está fora do lugar, reviraram a casa.

_ Então o senhor ligou para a policia? _ o soldado quis saber.

_ Sim; quando entrei na casa tive uma sensação muito estranha,

como se alguém estivesse me observando.

_ É possível que o invasor ainda esteja aí dentro. Há alguma

saída pelos fundos?

O homem pensou um pouco e respondeu firmemente:

_ Não. Quero dizer, os muros nos fundo são por demais altos e

possuem arame farpado em seu topo; ninguém poderia pular

sem a ajuda de uma escada das grandes e além do mais a casa

dos vizinhos de trás possuem segurança particular; seria como

pular dentro de uma fogueira.

Sacando das armas, os policiais resolveram que deveriam fazer

uma rápida busca dentro do domicílio.

_ Vamos entrar_ Disse um deles.

O homem que estava por dono do lugar na ausência de seu

irmão os conduziu até a entrada da frente em cuja porta

divisava com a sala. Sala esta que estava totalmente revirada,

todas as coisas estavam jogadas pelo chão, quadros, pequenos

bustos em mármore, livros, aparelhos eletro-eletrônicos;

aparentemente o sofá havia sido arrastado, existiam algumas

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marcas de impacto nas paredes, como se algo pesado tivesse

sido arremessado sobre ela; e no teto também. A grande

televisão estava destruída e por fim algumas manchas do que

parecia ser sangue no chão e no tapete.

_ Qual é o nome de seu irmão? _Perguntou o policial que ia à

frente.

A resposta veio depois de um suspiro:

_ Gabriel.

_ E qual é o seu nom...

Antes de concluir a pergunta os três homens parados naquela

sala revirada do avesso tiveram aquela sensação estranha e

pensaram ter visto as sombras mudarem de lugar no corredor

que estava às escuras ligando a sala a outro cômodo.

_ O que foi aquilo?_ Perguntou visivelmente trêmulo o “dono

da casa”.

O policial destravou a arma.

_ Parece que não estamos sozinhos aqui. _ disse o primeiro.

_Atenção! É a policia, saia com as mãos para cima! _

acompanhou o segundo apontando a arma rumo ao corredor

escuro.

Um silêncio mortal e ensurdecedor estava pairando sobre

aquela sala, a música festiva que havia a cinco casas descendo

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a rua não penetrava ali. Não houve resposta alguma por parte

do suposto invasor que estava dentro do imóvel.

_ Cara isso é um tanto quanto estranho_ disse o “dono da

casa”_ não é melhor chamar reforço?

O policial normalmente teria a idéia de chamar reforço, mas

não queria correr o risco de não ser nada, ou seja, não queria

correr o risco de o invasor já não estar mais na casa, e, com a

ajuda de outros policiais descobrir que estava com medo

apenas de um punhado de sombras. Isso Certamente seria

desastroso para sua carreira.

Já o segundo policial estava sentindo aquela sensação de novo,

ele podia jurar que de dentro daquelas sombras no corredor,

estava alguma coisa que emanava maldade e queria de alguma

forma atingi-los.

O dono da casa rompeu com o silêncio fazendo uma pergunta:

_ O que são aqueles furos na parede?

Um dos policiais se aproximou dos pequenos buracos na

parede e constatou que se tratava de orifícios feitos a bala.

_ Alguém disparou uma arma aqui nessa sala_ disse_ e tudo

indica que ouve luta no local, por isso os móveis estão todos

fora de lugar.

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_Luta!?_ O dono da casa aparentemente não compreendia o

que estava ocorrendo ali_ Você quer dizer que o invasor lutou

aqui com alguém?

O policial meneou a cabeça positivamente antes de responder.

_ Fiquem atentos, pois pode ser que não fosse apenas um

invasor e sim mais de um, talvez eles tenham encontrado algo

de muito valor e isso deu início a um desentendimento.

A sensação retornou; como uma leve pressão na mente; eles

quase podiam ouvir uma voz que dizia que algo essencialmente

maldoso estava os esperando naquela casa. Mas na verdade os

policiais não podiam se dobrar diante de medos infantis; quem

em uma situação de estresse como aquela não seria remetido

aos seus medos antigos de quando criança; já tinham passado

por situações semelhantes e até piores do que aquela e isso

acontecia sempre; as sombras pareciam mais maldosas do que

realmente eram, o silêncio parecia mais poderoso do que

efetivamente estava.

_ Vamos averiguar nos outros cômodos._ disse o primeiro

policial tomando a dianteira.

_ O senhor tem certeza de que isso é prudente?_ perguntou o

trêmulo “dono da casa”.

_ Fique atrás de mim_ falou o segundo policial.

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Juntos, atentos e em fila indiana os três seguiram da sala para

dentro das sombras do corredor; tateando a parede rapidamente

o “dono da casa” encontrou o interruptor e ascendeu a luz;

junto ao interruptor havia uma escada que levava ao andar

superior e do outro lado, na outra parede do corredor estava um

enorme espelho que tomava toda a parede e refletia-os de corpo

inteiro.

Os policiais acharam aquilo estranho, mas gente com dinheiro

sobrando geralmente é estranha.

_ Uma parede de espelho!?_ Disse um deles.

Prosseguiram e foram até a cozinha, onde as coisas estavam

intocadas, não havia nada fora do lugar naquele cômodo;

fizeram uma rápida busca, mas não havia indícios de que o

invasor tivesse se apoderado de algo ali. Voltaram pelo

corredor com o espelho e tomaram a escada para o andar de

cima; no meio do lance de escadas um novo barulho estranho

surgiu, algo como uma porta rangendo.

_ É a porta do escritório_ disse o “dono da casa” tentando

acalmar os outros.

_ O que exatamente você veio buscar aqui para o seu irmão?

_perguntou o policial que estava na frente.

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_ O laptop, tem alguns arquivos, planilhas e coisas do gênero

que são muito importantes para o nosso negócio.

_Vocês são empresários?_ perguntou o outro policial. Isso

explicaria o alto padrão de vida.

_ Digamos que temos bons negócios.

Chegaram ao outro andar, e guiados pelo “dono da residência”

foram até o escritório; lá encontraram nada mais do que uma

pequena mesa próxima de uma confortável poltrona estofada

na cor vermelho escuro, as paredes possuíam estantes

apinhadas de livros; sobre a mesinha estava uma garrafa

contendo um líquido pela metade e ao lado da garrafa um

manuscrito confeccionado com uma caligrafia extremamente

bem trabalhada. Ele dizia:

“Aos irmãos. Escrevo à mesa de Mesquita dizendo que não

farei parte da aliança, não me importo com os lincantropos, e

os anjos têm mais com o que se preocupar do que com um

grupo miserável de noctívagos que pensa ter controle sobre

este município. Digam a Cícero que Gabriel jamais vai se

dobrar diante dele e tampouco a Dominic ou Alex crianom;

todos vocês me enojam por não confrontarem os homens, não

me importa, eu o farei”.

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Era um trecho muito estranho, mas o policial continuava lendo

enquanto o dono da casa procurava algo em meio aos livros na

estante e o outro policial averiguava o que parecia ser marcas

de novos disparos junto a uma janela cuja armação estava

retorcida.

O segundo trecho dizia o seguinte:

“Não me associarei a mortais como Agamenom nem a outros

seres como Gael; por hora vou dar cabo dos policiais que se

uniram ao padre e depois voltarei minha ira sobre vocês; mas

principalmente contra Cícero”

Havia mais coisas escritas, mas estava em outro idioma e o

policial não soube discernir.

_ Seu irmão era algum tipo de escritor de ficção nas horas

vagas?_ Perguntou o que estava lendo.

_Não tenho certeza._respondeu.

O “dono da casa” se apoderou de alguns livros e finalmente

encontrou o laptop.

O policial que visualizava a janela olhou de repente para uma

das prateleiras da estante sobre a qual estava colocada uma foto

de um homem branco ao lado de duas mulheres, uma ruiva e

uma morena.

_ Já encontrei o computador._ disse o “dono da casa”.

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O policial aproveitou o ensejo para perguntar:

_ Quem são aquelas pessoas na foto?

O outro policial também olhou a foto com nítida curiosidade.

_Oh! Sim, aquele é Gabriel e as belas mulheres são suas

namoradas, Monique e Melissa.

Algo não estava se encaixando, Gabriel não era o nome do

irmão dele? Como um poderia ser negro e o outro caucasiano?

_ O senhor não disse que seu irmão se chama Gabriel, como

vocês podem ter tons de pele diferente? São irmãos por parte

de pai? Ou adotivos?

_Não, Gabriel nasceu na Alemanha e eu no Brasil; somos

irmãos porque pertencemos à mesma irmandade.

Aquela conversa estava começando a ficar mais insólita a cada

minuto; mas que conversa era aquela de irmandade.

O policial que avistou a foto, intrigado perguntou:

_ Qual é o seu nome senhor?

O “dono da casa” respondeu tranqüilamente, mas sua resposta

incomodou o outro policial que tinha lido os pequenos trechos

do manuscrito.

_ Eu me chamo Cícero.

Cícero, o nome que estava descrito como claro desafeto de

Gabriel, o verdadeiro dono da casa.

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_Você leu o que estava escrito ai neste papel. Não leu?_

perguntou Cícero.

A sensação estranha voltou, agora muito mais forte do que

antes; parecia que algo extremamente ruim pairava sobre as

cabeças deles, mas obviamente Cícero não estava sentindo, na

verdade por um momento o policial chegou a pensar que

aquela sensação estivesse partindo daquele homem.

_ Mas então não houve invasão desse domicílio?

Uma dor de cabeça começou a se insinuar simultaneamente nos

homens da lei enquanto eles ouviram as palavras daquele que

os enganou perfeitamente.

_ Houve sim uma invasão; eu sou o invasor aqui. Gabriel

morreu, e eu ouvi dizer que foram dois policiais que deram

cabo daquele ser desprezível; resolvi verificar, liguei para a

polícia e fiquei aqui esperando na esperança de que fossem

enviados os mesmos homens que o derrubaram. Mas

obviamente para minha frustração, vocês não sabem de nada.

A essa altura ambos os policiais já apontavam suas armas na

direção de Cícero que continuou a falar tão calmamente como

se as armas não representassem perigo algum para sua vida.

_Eu sinto muito; dizem que o conhecimento é uma dádiva, mas

infelizmente para vocês não será; agora vocês já sabem mais do

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que outros homens saberão em cem anos de vida e por isso

devem perecer ou vão se tornar caçadores em potencial. Se

vocês fossem para o céu, então isso aqui não importaria muito,

mas eu já olhei suas mentes e creio que para o lugar aonde vão

todas as suas dúvidas serão respondidas e não será nem um

pouco agradável.

No momento em que disse aquilo, a garrafa de bebida sobre a

mesa saltou como se um fantasma a tivesse jogado sobre um

deles, a luz do cômodo se apagou como que por mágica e a

silhueta de Cícero na escuridão do escritório contra a luz vinda

do corredor que desembocava na escada era algo medonho;

seus olhos emanavam um brilho frio como os olhos de um gato

nas sombras quando confrontado por alguma luz, e era como se

a aparência humana simpática de outrora houvesse se

desfigurado a ponto de ser aterrorizante; eles não estavam

vendo a face do monstro, mas em seu íntimo sabiam

exatamente como era terrivelmente desfigurada. Cada fibra de

seus corpos sabia.

O que eles não sabiam era que o próprio Cícero tinha projetado

a imagem de sua face monstruosa em seus corações e mentes.

Apenas dois segundos se passaram desde que a garrafa saltou

sobre os homens e a luz se apagou, os policiais em pânico

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dispararam a esmo várias vezes e gritaram como se crianças

fossem. Eles foram rapidamente dominados.

Novamente Cícero, um dos predadores da noite, tinha

cumprido seu papel, era assim há quase um século.

Alguns minutos depois aquele homem que carregava a marca

do mal em sua alma saiu da residência pela porta da frente

trazendo consigo o computador portátil debaixo do braço e dois

ou três livros, chegando do lado de fora, na calçada, retirou do

bolso uma chave com um dispositivo; apertou o pequeno botão

e um dos carros estacionados respondeu com dois ruídos

eletrônicos e com os faróis ascendendo e apagando

rapidamente. Era um belo Citroën C5 preto parado bem a sua

frente.

Gabriel sempre foi um fio solto, mas agora Cícero possuía

todos os seus arquivos pessoais, iria reivindicar junto aos

outros mais espaço para agir em Mesquita; O Invasor de

mentes, como era chamado pelos outros imortais, agora teria

mais força política.

O Citroën saiu sorrateiramente pela rua e dobrando pela

esquina com seus faróis de um branco azulado varrendo tudo

na sua frente, tomou seu caminho e sumiu em meio à noite.

***

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Vampiro

Um grupo de policiais deixou a casa no subúrbio carregando

um homem algemado, toda a ação foi coordenada pelo novo

gabinete de gestão integrada da secretaria de segurança do

estado do Rio de Janeiro. As investigações levaram dois meses

e usaram a inteligência e cooperação das polícias civil e

militar; com o respaldo e a consultoria de uma ala específica da

polícia federal.

O homem algemado andava calmamente sendo conduzido por

dois policiais militares e dois agentes da policia civil, parecia

não se importar com o que estava acontecendo; ele não

demonstrava nenhum traço de sentimento na face, seu

semblante era pálido, rígido e sem expressão; a verdade era que

os homens que efetivaram a prisão estavam ainda um pouco

sem saber o que pensar a respeito do prisioneiro.

Do lado de fora da casa, estavam pessoalmente o secretário de

segurança pública do estado e o comandante geral da Polícia

Militar juntamente com o chefe de polícia civil, a ação fora tão

bem orquestrada que foi possível capturar o indivíduo em sua

própria casa e incrivelmente o prisioneiro não reagiu nem

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tentou fugir, apenas sorriu enquanto era algemado e retirado de

seu domicílio.

Até onde se sabia Igor monsenhat, o preso, era um enfermeiro

que sempre trabalhava nos turnos da noite em diversos

hospitais do estado, nunca ficava muito tempo em um único

hospital, sempre pedia demissão e sumia sem deixar vestígios.

A polícia chegou até ele depois que uma denúncia foi feita às

autoridades sobre um homem que estaria roubando

medicamentos do hospital onde trabalhava, esse homem era

Igor, mas a verdade era muito mais macabra do que apenas

aquilo.

Quando Igor foi colocado dentro da viatura, o comandante

geral da polícia chamou um agente cujo nome era Douglas e

que era quem estava à frente da ação.

_ O que vocês encontraram lá?_ perguntou o comandante sob o

olhar compenetrado do secretário de segurança.

Douglas era um homem acostumado a certas loucuras urbanas,

já tinha visto praticamente de um tudo em seus dez anos de

profissão, mas o que ele viu dentro da casa de Igor foi algo que

jamais esperava ver.

_ Há duas pessoas lá dentro._ afirmou o detetive.

_Cúmplices?

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_Vítimas.

Naquele momento os outros policiais já tinham acionado

alguns paramédicos que tratariam de prestar os primeiros

socorros para as duas vítimas de Igor.

Douglas continuou:

_ Ele mantinha um casal aprisionado dentro de casa, cada um

em um quarto diferente; ainda não sabemos quem são eles, mas

vamos checar com o CNPD e com o Disque-Denuncia; afinal,

foi com a colaboração desse importante órgão que

conseguimos finalmente fechar o cerco sobre Igor.

A sigla citada pelo agente Douglas não era novidade para

nenhum deles ali presente, CNPD, tratasse do Cadastro

Nacional de pessoas Desaparecidas e por vezes o novo

gabinete de gestão integrada da prefeitura do Rio de Janeiro em

suas ações de segurança acabava tendo de fazer contato com o

órgão nacional com a finalidade de obter informações

importantes para várias investigações.

O secretário de segurança se virou momentaneamente para a

viatura e se deparou com o prisioneiro observando-os

atentamente, com um olhar agudo e compenetrado, por um

momento o homem detido pareceu ter perdido a capacidade de

piscar, seus olhos estavam vitrificados; era como se estivesse

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ouvindo a conversa mesmo com o vidro da janela do carro

suspenso e com a dificuldade da distância considerável entre

eles.

Finalmente o secretário perguntou:

_ O que eu vou dizer para o prefeito? Esse é o tal homem?

_Sim senhor._Douglas rebateu prontamente; e continuou._

Encontramos uma grande quantidade de sedativos, anestésicos

e relaxantes musculares de vários tipos e sob várias formas

desde clorofórmio, muitas caixas de medicamentos para esses

fins e até um pouco de morfina.

_ E para o que ele poderia querer esses medicamentos em casa?

Igor monsenhat capturava pessoas já há algum tempo, tinha

documentos falsos com os quais conseguia emprego sempre em

hospitais onde roubava, de fato, vários medicamentos de uso

anestésico, mas não só medicamentos, como também

equipamentos; luvas cirúrgicas, seringas e agulhas.

Ele usava os medicamentos em suas vítimas para sedá-los e

então com a seringa retirar o sangue das pessoas, armazenando

em potes de maionese dentro de um freezer.

Douglas disse:

_ Não sei bem o que pensar; se esse homem é um psicopata

frio e calculista, ou se é uma espécie de demônio inumano.

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_Deus do céu!_ exclamou o secretário.

Douglas ainda não tinha dado todas as informações, e

prosseguiu:

_ Encontramos também cadernos e mais cadernos dentro do

quarto dele, onde estão escritos, parece, que sonhos

perturbadores que ele vinha tendo e também sobre sua

compulsão pela caçada, ataque, dominação e pelo sangue.

_Ora! Mais o que é isso?_ Interrompeu o comandante de

polícia_ você está dizendo que ele anotava sobre suas vítimas e

sobre seus delírios psicóticos?

_Exato senhor.

Igor não conseguia evitar, era mais forte do que ele; quando se

apercebia já estava cometendo o ato; ele tinha uma estranha

atração pelo sangue e começou a atacar pessoas para aplacar

sua compulsão que o dominava desde sempre.

Loucura ou maldição? A verdade era que Igor não sabia e não

queria saber; se sentia muito bem saciando sua compulsão e

somente isso importava na vida.

***

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Regente das ruas

A guerra das ruas. Não era qualquer corrida e sim “a corrida”,

pessoas de vários estados viajavam uma vez no ano para

participar desse evento. Alex Crianom correria pela primeira

vez desde que retornara de sua mais nova experiência e não

temeria nenhum dos pilotos, conhecia o trajeto como poucos;

sua “nova vida” o ajudava a obter vantagem sobre as pessoas e

disso ele gostava muito, ainda estava se adaptando com todas

as facetas de seus pensamentos, mas uma coisa sabia. Venceria

e esse seria o início de sua fama no circuito secreto das

corridas.

Logo que o céu escureceu os carros apareceram vindos de

todas as partes convergindo para o bairro escolhido nessa

ocasião, o local sempre mudava e esse era um dos pontos de

dificuldade do circuito.

“Sinto-me tão bem que poderia voar”._ Pensou Alex parando o

carro junto aos demais participantes.

Ele não sairia do veículo para não assustar os que estavam por

perto, seu “dono” estava lá fora cuidando dos detalhes, iam

colocar muito dinheiro na corrida; antes ele não era um piloto

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assim tão bom, até que conheceu Tymoti; empresário inglês

dono de uma das mais badaladas casas noturnas da cidade, um

homem rígido e de princípios, embora possuísse vícios

estranhos.

Na época Alex não possuía um carro poderoso o suficiente para

competir, mas sua audácia e arrogância chamaram a atenção de

Tymoti.

Dentro do carro ele pensava se tinha realmente valido a pena

fazer tal pacto em troca de poder e fama.

“O poder que posso dar será seu durante séculos, mas haverá

uma cobrança que os homens comuns não podem pagar e nem

suportar”_ Foram as palavras de Tymoti no dia do presente.

_Aceitei, e agora não poderei voltar mais atrás, o presente já

foi dado e só poderá ser retirado em alguma virada dos séculos

vindouros, pela força e coragem de um homem que não tema o

desconhecido.

O ruído dos motores se ergueu sobre todas as vozes ao redor;

as pessoas olhavam atentas para a largada e alguns dos carros

blefavam como se fossem largar antes da hora, seus canos

cuspiam fogo como bestas draconianas e alguns respiravam

jatos de fumaça através do capô, suas pinturas artísticas

reluziam à luz do ambiente e as rodas brilhavam tão prateadas

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quanto se tivessem sido feitas com o próprio metal em diversas

formas e tamanhos.

“Chegou a hora”_ Alex Crianom olhou ao redor e por detrás do

vidro obscurecido viu claramente quando Tymoti tomou lugar

próximo das pessoas na linha de partida. Subindo o som ao

volume máximo do seu aparelho, ele se deliciou com as

vibrações sonoras que quase podiam adentrar por sua pele,

ouvidos comuns nunca suportariam tamanho estresse sem

serem prejudicados.

A bandeira tremulou nas mãos de uma jovem bem à frente dos

veículos dando início à prova e em segundos passaram por ela

a legião dos gladiadores do asfalto, os carros envenenados

arrancaram quase que simultaneamente e lado a lado dividiam

a rua em três blocos distintos.

O Mitsubishi eclipse negro rugia alto como um tornado e

ganhava velocidade a cada milésimo de segundo. Alex prestou

atenção no lado direito por onde surgia um Golf prateado que

trazia a inscrição N.O.S na lateral inferior da porta e desenhos

psicodélicos em todo o corpo do veículo, em seguida

apontando pelo flanco esquerdo arrancava um Honda Civic EX

em cuja pintura retratava o anjo com sua lança luminosa em

mãos e asas demonstrando velocidade. Alex sabia que esta

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noite aqueles seriam seus adversários e pisava firme e fundo

sobre o pedal do acelerador, engatando as marchas com uma

destreza que não pensava ser capaz de desenvolver.

O Honda passou à dianteira e o Golf tomou na força do motor a

segunda posição, isso não era o suficiente para o corredor

dentro do Eclipse, pois além de se tratar da corrida das

corridas, também era uma prova de fogo para ele, Tymoti o

estava testando para saber se poderia incluí-lo na “família” de

uma vez por todas.

Tudo que Alex via de onde estava era a luz néon azulada do

Golf ziguezaqueando em sua frente e estava perdendo o contato

com o seu maior rival que mantinha-se em primeiro lugar

ganhando espaço e devorando o asfalto; de repente o carro

balançou como que atingido por algo na traseira, uma rápida

olhada no retrovisor revelou outro concorrente tentando agarrar

sua chance de aparecer, um Mazda laranja rasgava em

velocidade bem colado em sua traseira e tentava empurrá-lo

para fora da pista que ia se tornando cada vez mais estreita.

A velocidade já estava vertiginosa, mas seu mais novo

oponente se aproveitara do vácuo produzido por sua máquina e

jogando ao seu lado passou como um raio laranja, o aerofólio

do Mazda também possuía uma lâmpada néon esverdeada que

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aos novos olhos de Alex pareciam emanar um brilho

especialmente atraente; tudo era novo mas não podia se dar ao

luxo de ser derrotado, não naquela noite e nunca mais a partir

daquele momento. Usando da mesma técnica que o piloto do

carro laranja e imprimindo mais velocidade ao potente motor

do carro lembrou-se de algumas palavras que ouviu de Tymoti

antes de entrar no Mitsubishi:

_ Para cada membro de nossa família há uma lenda. É hora de

criar a sua_ pronunciou em meio ao som pesadíssimo que

ouvia dentro de sua cabine.

Firmando as mãos no volante, Alex saiu detrás do Mazda

puxado pelo vácuo e sentiu como que uma barreira de ar

tentando impedir seu avanço, mas já era tarde para o

adversário, já fazia parte do passado.

Separado por alguns segundos ele podia ver claramente à frente

as duas outras máquinas se digladiando por uma posição de

destaque, lado a lado Golf e Honda chocavam-se produzindo

faíscas e seus canos exibiam labaredas amareladas que

tornavam a visão ainda mais interessantes. Quando as chamas

sumiram a velocidade dos carros diminuiu e Alex notou que

era a hora de fazer a diferença, após uma curva de alta

velocidade à esquerda a pista se partiria em três retornando

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para unificar-se no exato ponto de entrada em um túnel no qual

só cabiam dois carros lado a lado.

Quando a pista tornou-se três Alex acionou o Sistema de Oxido

Nitroso e teve a sensação de que a realidade se abriria bem na

frente de seu capô, mas quando ouve a convergência o Honda

estava milésimos atrasado; lado a lado o Mitsubishi e o Golf

rosnavam dentro do túnel e a multidão se amontoavam metros

na frente da saída onde estava a linha de chegada, depois de

outra curva extremamente fechada para o lado direito, lado

onde o Eclipse estava imponente engolindo os quilômetros.

Agora eram faíscas produzidas pelo atrito entre estes dois

carros que iluminavam a rua e nas calçadas próximas pessoas

fotografavam e filmavam o combate épico que se desenrolava

através da noite. Metros antes de entrarem na curva o piloto do

Golf baixou os vidros dele numa clássica atitude de

provocação, obviamente se achava melhor e gostaria de ver

quem ousava desafiá-lo daquela forma tão desrespeitosa;

realmente aquele piloto era o atual vencedor da última edição

da guerra das ruas, e conhecido por todos pela sua falta de

sentimentos ao volante, não foram poucas as vezes que para

vencer uma corrida ele usou de artifícios que acabaram

ceifando as vidas de outros competidores e essa era a missão de

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Alex Crianom naquela noite; plantar terror no coração de seus

oponentes. Com um toque no botão os vidros do Mitsubishi

desceram e ambos os pilotos estavam sem capacete ou

qualquer proteção que fosse; a curva estava sobre eles e não

haveria espaço para dois carros àquela velocidade. O horror

tomou conta da mente do piloto do Golf quando seus olhos se

cruzaram com os de Alex que iluminaram-se como se fossem

bravas incandescentes; Alex rosnou deixando à mostra os

longos dentes, o vento beijava-lhe a face deixando seus cabelos

desgrenhados; o Golf vacilou de um lado para outro e entrou na

curva de maneira displicente, Alex derrapou e quase perdeu a

traseira, mas com extrema habilidade trouxe a máquina às suas

ordens novamente e por fim avançou só para a linha de

chegada.

Estava feito. As ruas possuíam um novo regente e os outros

corredores em batalhas futuras não sabiam se era um homem

ou era um monstro errante, se era vivo ou não. As histórias

sobre ele correram por todas as partes do circuito secreto das

corridas. Ninguém jamais saberia.

***

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O Rapto noturno de Luessa Teixeira

Regina continuava deitada dentro de um carro desconhecido, as

mãos e pés muito bem amarrados; braços e pernas voltados

para trás e os joelhos dobrados, a cabeça pendia encostada no

assento e da maneira como ela estava deitada, não conseguia

ver direito a pessoa que dirigia o veículo.

O carro sacudia levemente enquanto fazia um trajeto que ela

não conhecia, tampouco podia ver em quais ruas estavam

passando; era prisioneira ali e estava desesperada.

No banco da frente estava uma pessoa dirigindo o carro; era

noite e tudo o que ela conseguia ver eram as luzes

provavelmente de postes e letreiros luminosos passando como

tochas pelos vidros molhados do lado de fora, mas era só.

O interior carro cheirava mal, ela não sabia ao certo, havia uma

mixórdia de mofo, cheiro de lixo, e aroma de desinfetante de

pinho barato; certamente alguma coisa estragada tinha sido

carregada ali e tinham tentado disfarçar o cheiro. Regina se

surpreendeu com o fato de chegar àquela conclusão.

Mesmo na escuridão do interior do veículo ela torceu o

pescoço com esforço, moveu a cabeça e pode ver sua bolsa

jogada no assoalho do automóvel, tentou novamente mover os

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braços, mas sem sucesso; estavam amarrados firmemente às

costas dela, assim como suas pernas. Fez mais força e obteve o

mesmo resultado.

Sempre tinha ouvido falar de seqüestradores, mas ela não

possuía assim tanto dinheiro ou bens que a credenciassem para

ser uma vítima de seqüestro; o que eliminava essa motivação;

restava apenas uma conclusão. Aquilo podia não ser um

seqüestro por motivo financeiro, mas sim com uma motivação

mais sórdida e depravada; Regina era uma mulher

relativamente bonita, capaz de atrair para si alguns olhares por

onde passava e sabia manipular o próprio corpo com esse fim.

Vestia-se de modo insinuante, sobretudo no trabalho.

Ao volante do carro uma figura alta, ombros largos e bem

curvados para frente, seguia dirigindo como se não houvesse

uma mulher amarrada e deitada no banco de trás, não era

possível ver o rosto da pessoa; ela aguardou alguns minutos,

mas o motorista não olhava para averiguar se sua vítima já

tinha despertado ou não. Como se não bastasse tudo aquilo o

motorista ainda usava um boné, o que dificultava ainda mais a

visualização de qualquer traço peculiar da cabeça dele.

A noite tinha iniciado normalmente; Regina tinha acabado de

sair do trabalho. Trabalhava como vendedora numa loja de

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roupas femininas de um shopping em Nova Iguaçu no horário

de 16:00 às 22:00 hs já fazia um ano. E todas as noites quando

saía do shopping tinha de caminhar pela rua do

estabelecimento até chegar em frente à Prefeitura do

município; um trajeto curto, pouco mais de duzentos metros.

Em Nova Iguaçu, por mais incrível que possa parecer, a

prefeitura municipal fica exatamente ao lado do cemitério

municipal, eles são separados apenas por uma rua estreita e

diariamente Regina passava ali, geralmente o lugar era

movimentado, a não ser, claro, em dias mais frios e chuvosos o

que era exatamente o caso. Nesse dia também ela tinha se

demorado mais do que o normal e só tinha saído do shopping

por volta de 23:10, estava atolada de tarefas até o pescoço;

eram as vendedoras, Regina e mais uma, quem arrumavam a

loja para o dia seguinte todas as noites após o expediente,

limpavam, separavam o lixo, arrumavam as vitrines trocando

algumas peças do mostruário, limpavam os vidros e espelhos,

fechavam o caixa e deixavam tudo devidamente em ordem para

o próximo dia. Isso geralmente era feito pelas duas moças e

desse modo terminavam tudo rapidamente, nunca passava de

trinta minutos esse trabalho extra, mas por algum motivo,

Karen, a outra vendedora, havia faltado e todo o trabalho teve

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de ser realizado por Regina. Havia mais uma menina que

trabalhava na loja, mas ela pertencia ao horário da manhã, das

10:00 até as 16:00; fazia faculdade à noite e não pôde ficar para

dobrar o dia de serviço e ajudar a amiga.

Quando finalmente saiu do shopping Regina caminhou pelo

mesmo trajeto de sempre, mas sem ver ninguém nos pontos de

parada de ônibus até a prefeitura, o cemitério estava fechado e

também não tinha pessoa alguma no lugar onde ela tomava o

coletivo.

Logo que chegou ao ponto, uma fina garoa voltou a cair do céu

noturno e intensamente nublado; Regina averiguou em sua

bolsa para pegar o dinheiro da passagem e deixá-lo logo à mão;

o ônibus que ela tomava todas as noites não costumava

demorar e daquele lugar até o município de Queimados, onde

ela morava, também não demorava muito com o trânsito

liberado da noite.

O carro onde ela estava parou de repente; ouviu-se um barulho

que Regina não conseguiu distinguir; o motor foi desligado

rapidamente e então ela pode escutar o tamborilar da chuva

sobre o automóvel; aquele som estava sendo ocultado pelo alto

ruído do carro em movimento que além de ter um motor

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extremamente barulhento ainda parecia estar com peças soltas

em algum lugar.

O motorista abriu a porta e saiu do veículo; o ar noturno entrou

no carro renovando o oxigênio pesado do interior, Regina

pensou em gritar por ajuda, mas sufocou o grito ao pensar que

poderia chamar atenção desnecessária para si, não sabia onde

estava e nem quem estava lá fora, tampouco imaginava o que

ele ou eles estavam fazendo ou intentando fazer. Além do

obvio é claro.

A porta bateu com certa violência e por cerca de vinte minutos

tudo foi silêncio. Ela estava com muito medo.

Naquela noite o ônibus demorou a aparecer e Regina tirou o

telefone da bolsa para ligar pra casa, mas não chegou a fazer

isso. Sentiu um puxão no ombro e tombou para trás, porém o

corpo não chegou a cair, foi amparado por alguém e uma mão

apertou seu rosto na altura do nariz e da boca com força,

tapando-os; não conseguiu gritar. Sentiu o cheiro forte que a

deixou tonta e com vontade de vomitar, em seguida apagou.

Quando a pessoa que dirigia o carro voltou, entrou e bateu a

porta; ela ouviu o barulho de uma sacola de papel,

provavelmente sendo depositada no banco ao lado, depois

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sentiu um cheiro conhecido e muito mais agradável do que o

que estava sentindo até então. Um cheiro de hambúrguer.

A música do rádio começou a tocar logo que o motor voltou a

fazer seu barulho característico, mas era uma música que

Regina não conhecia. O carro voltou a andar e junto ao som do

motor e do rádio havia agora também um terceiro; o som

resmungante do limpador de pára-brisas fazendo seu trabalho.

O motorista murmurou alguma coisa ao volante, estava

acompanhando a música debilmente, sem seguida o som do

saco de papel novamente. A velocidade do carro tinha

aumentado consideravelmente e ela tentou se mover sem ser

notada, seus braços e pernas estavam com sensação de

formigamento e o pescoço já doía de tanto forçar para manter a

cabeça levantada. Nesse momento ela ouviu a voz do homem

que dirigia; uma voz grossa, mas não era o que ela esperava;

era calma, extremamente calma para um sujeito que estava

seqüestrando uma pessoa.

_ Está acordada._ disse. Não foi uma pergunta e sim uma

constatação.

Regina teve medo de dizer qualquer coisa e manteve o silêncio.

_ Devo ter usado pouco sufocante; nunca consigo acertar a

quantidade desse líquido. Detesto fazer isso.

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Ele falava como se estivesse com a boca cheia, estava

comendo algo, e ela se lembrou do cheiro do hambúrguer que

agora já não conseguia mais sentir.

_ Não quer conversar comigo?_ Agora sim uma pergunta

direta.

Como não houve resposta ele disse:

_ Ótimo. Faça como quiser.

Muita coisa estava passando pela cabeça dela naquele exato

momento e também estava sendo uma dificuldade tremenda

manter os pensamentos ordenados e não entrar totalmente em

pânico.

Por fim ela perguntou:

_ O que eu estou fazendo aqui?

O motorista se inclinou levemente para o lado, Regina tinha a

impressão de que ele a observava pelo espelho retrovisor

interno embora ela não estivesse vendo claramente.

_ É complicado. _ foi uma resposta curta e dúbia.

_ Quem é você? Onde está me levando? Por que estou

amarrada? Isso é um seqüestro?_ Regina despejou as perguntas

que estavam presas na garganta tal como foram saindo, fez

todas elas sem pensar que poderia não gostar das respostas.

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_ Sabe; você está muito calma para uma pessoa que tem tantas

dúvidas. Outros já estariam se desfazendo em lágrimas e

implorando por suas vidas._ disse o motorista sinceramente

impressionado, mas com um toque de sarcasmo na voz.

Regina piscou algumas vezes, o choro que ela mesma estava

lutando para manter dentro do peito subiu com violência até a

garganta também e por muito pouco não abriu caminho para

fora de boca. O máximo que ela se permitiu fazer foi fungar.

_ Onde você está me levando? _ repetiu.

_ Para conhecer uma pessoa. _ O motorista respondeu

friamente.

_ Que pessoa?

_ Uma pessoa especial; acredite, você vai gostar.

Uma série de cenas medonhas envolvendo submissão física

passaram pela mente de Regina; seu coração disparou e a

respiração aumentou a velocidade.

_ Me deixe ir.

Não ouve resposta. O carro continuava em velocidade; pelo

tempo que estavam viajando ela já sabia que deviam estar

longe de Nova Iguaçu, isso sem contar os momentos em que

esteve desmaiada.

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_ Você tem família? Digo, filhos, marido? _ perguntou o

motorista se virando momentaneamente para trás pela primeira

vez.

_ Não, mas tenho Pa...

Foi interrompida pela voz dele:

_ Geralmente procuro pessoas sem muitos conhecidos ou

parentes que possam sentir suas faltas; sabe como é; fugitivos,

andarilhos, moradores de rua, pivetes; às vezes um ou outro

turista viajando sozinho e hospedado em albergues, quando

dou sorte, esse tipo de pessoa. Mas nem sempre é possível

manter o padrão. Essa gente não desperta tanto interesse nem

chama tanta atenção e isso, para o meu dono, é o ideal.

_ Por favor, o que você vai fazer comigo?

_ Eu não farei nada, não gosto de sangue humano, mas...

Agora foi ele que se interrompeu obviamente percebendo que

estava revelando mais do que devia. A última coisa que queria

ali era uma mulher histérica dentro do carro; já tinha

acontecido algumas vezes. E era uma situação difícil de

contornar; teria que parar o veículo e usar mais solução

sufocante; ou como também já aconteceu quando ele ainda não

se utilizava aquele líquido, teria de fazê-la parar o escândalo à

moda antiga, porém isso fazia muita sujeira. Por vezes acabou

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perdendo a vítima e seu dono-mestre-e-senhor gostava do

alimento ainda vivo para poder saborear todo o pavor que

provocava. Da última vez que a vítima se perdeu pelo caminho

e não chegou viva até o destino ele recebeu uma punição tão

violenta que nem gostava de recordar; seu mestre não

costumava perdoar erros por menores que fossem e aquele

motorista já fazia esse tipo de serviço por tanto tempo que

tinha medo até de cogitar o que poderia acontecer se essa sua

nova vítima não chegasse com vida.

_ Procure relaxar_ disse finalmente, tentando desconversar.

Parte do que Regina ouvia estava se perdendo, ela não

conseguia manter a concentração na conversa; sua mente

estava totalmente voltada para buscar uma forma de sair

daquele carro. Forçou novamente os pulsos e braços na

esperança de afrouxar as amarras que a mantinham presas e ao

mesmo tempo virou o pescoço em busca de algo dentro do

carro que pudesse ser usado como arma. Não achou nada.

A sensação de formigamento nos membros estava se tornando

em dormência e ela sentia dores nos ombros, joelhos, pulsos e

pescoço por causa do esforço brutal que vinha fazendo.

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_ Você vai conhecer uma pessoa incrível._ Recomeçou o

motorista_ Não se preocupe, depois de alguns minutos juntos

você vai implorar para nunca mais deixá-lo.

Regina não compreendia o que aquele homem estava dizendo e

não conseguia pensar em outra coisa que não fosse ser

submetida a perversões; afinal, não havia motivo para um

homem atacar e seqüestrar uma mulher no meio da noite;

lançá-la num carro fedorento, rodar durante horas visando

desnortear sua vítima se não fosse com aquela finalidade.

Lembrou-se rapidamente da história que pessoas contavam vez

por outra nos bairros da periferia do município, quase uma

lenda urbana; falando sobre um tarado num carro escuro que

atacava mulheres desavisadas; ouvira aquilo muitas vezes

desde a infância e estava começando a achar que seria mais

uma a fazer parte das estatísticas. A dúvida que restava era se

após aquilo ela seria libertada em algum lugar com vida ou

não.

_ Por favor, moço, me deixe ir, juro que não conto nada a

ninguém. _Ela estava decaindo de sua aparente tranqüilidade

para um patamar mais normal de pânico inicial.

Ele já tinha visto aquilo muitas vezes e sabia que ainda estava

dentro do tolerável, essa mulher parecia ter uma cabeça forte e

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por incrível que parecesse geralmente as mulheres tinham

muito mais domínio em situações como aquela do que os

homens; os homens desmoronavam em prantos logo que

percebiam que não sairiam vivos ou que o grau de sofrimento

pelo qual passariam seria enorme, choravam como crianças,

apenas alguns destoavam desse padrão.

Já as mulheres que ele havia raptado ao longo dos últimos anos

tinham se portado relativamente bem, exceto uma ou outra que

reagiram muitíssimo mais violentamente do que todas as

demais, mas suas estatísticas particulares mostravam que era

muito melhor uma vítima do sexo feminino, geralmente mais

fácil de se conseguir, não lutavam tanto quanto os homens e

muito melhores de se transportar. Por isso, quando ele viu

aquela jovem mulher parada sozinha num ponto de ônibus

próximo ao cemitério municipal de Nova Iguaçu, não teve

dúvidas; aproximou-se sorrateiramente e a atacou com a

rapidez e a destreza de um assassino serial.

As dores aumentavam pelo corpo, Regina não conseguia mudar

de posição para melhorar a dormência.

_ Qual é o seu nome? _ perguntou o motorista.

Regina não respondeu, estava ocupada gemendo baixo

enquanto tentava girar sobre o seu próprio corpo.

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_ Colabore, querida.

Ela respondeu com a voz já meio embargada.

_ Regina Luessa Texeira.

_ Sabe Regina._ Emendou _ Estamos chegando, espero que ele

goste de você.

_Quem é ele? E o que quer comigo? _ Ela perguntou meio sem

acreditar que haveria outra pessoa a espera deles em algum

lugar; Regina pensava que o motorista estava apenas ganhando

tempo enquanto buscava um lugar propício para efetuar seus

intentos.

No meio das coisas que ele tinha dito até aquele momento ela

tinha conseguido identificar palavras tais como sangue, e isso

era um mau sinal.

_ Ele é Magnífico!_ exclamou o outro _ E tudo o que ele quer é

seu sangue, não é nada pessoal, você estava no lugar errado na

hora errada. Assim é que é a vida; mas acho até que ele pode

gostar de você e talvez não matá-la hoje. É bem raro quando

isso acontece, mas depois de conseguir pessoas para ele se

alimentar durante tanto tempo eu acabei descobrindo as

preferências dele, sabe; é isso que um servo tem de fazer,

descobrir as preferências de seu senhor-e-mestre e fazer o

possível para agradá-lo.

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Regina estava chorando nesse momento; ao que tudo

demonstrava não se tratava de um seqüestro de cunho sexual e

sim uma ação para aplacar a sede de sangue de um assassino

desequilibrado mental.

_ Por favor. Não faça isso... Não...

As palavras da mulher se reduziram a um murmúrio baixo e

repetitivo. Como se estivesse agora se agarrando a rezas que

certamente não poderiam livrá-la do que viria a seguir.

_Chegamos._ Disse o motorista secamente.

A palavra caiu como uma bomba sobre Regina e finalmente o

choro ganhou força, abrindo caminho desde o interior da alma

dela.

O motor do carro parou de funcionar e produzir aquele barulho

característico, a chuva também parecia não cair mais do céu, o

tamborilar sobre a lataria do carro não era mais ouvida. O rádio

baixo que ela tinha ignorado durante quase todo o trajeto desde

que o motorista o ligara agora fora silenciado.

A porta se abriu e o motorista saiu.

Do lado de fora uma voz desconhecida disse:

_ Você está atrasado._ Era uma voz firme.

Regina chorava bastante dentro do carro, o rosto já

completamente molhado com as lágrimas e os soluços já quase

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a engasgavam; ela se contorcia tentando se desvencilhar das

amarras.

O motorista respondeu:

_ Demorei para conseguir uma pessoa do seu gosto._ A voz do

motorista soava submissa.

_ Homem ou mulher?

_ Mulher.

_ Ela está muito nervosa, posso sentir;

_ Procurei mantê-la calma, mestre.

_ Excelente.

_ Creio que o senhor vai poder bebê-la durante várias noites.

_ Deixe-me vê-la.

Regina continuava chorando copiosamente; revolvera-se tanto

que caiu do banco traseiro e parte do seu corpo estava de ponta

a cabeça. Ela pensava em todas as pessoas que conhecia;

familiares, colegas de trabalho, antigos colegas de escola.

Pensou em como eles ficariam quando ela não voltasse para

casa naquela noite, nem para o trabalho no dia seguinte e

jamais desse notícias.

Uma das portas de trás se abriu com um ruído grotesco e o

motorista a puxou de forma bruta praticamente ignorando o

peso dela. Regina bateu a cabeça em alguma coisa e finalmente

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avistou a face do homem que a raptara, um rosto comum, mas

o outro; o mestre, não era nada comum, aliás, era

completamente medonho.

Sem poder mais se controlar, Regina, ao ver aquele semblante

inumano; aquela face monstruosa; irrompeu num grito

terrivelmente alto que ecoou pela noite.

***

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Convite dos imortais

_Quem são estas pessoas?_ Perguntou Agamenon assim que

entrou no escritório de casa e o viu cheio de gente.

Seu filho estava sentado numa das confortáveis poltronas de

veludo que faziam parte da decoração de sua sala particular.

Dentro do escritório estavam também mais três pessoas. A

primeira, um homem trajado com um belíssimo terno feito sob

medida, com caimento perfeito; trazia no pulso um relógio

IWC e uma corrente do que parecia ser ouro branco, possuía

cabelos castanhos escuros e olhos negros como pedaços de

carvão; do bolso frontal do paletó, pendia uma corrente fina

dourada que combinava com o prendedor de gravata,

provavelmente tal corrente estava presa a um outro relógio de

bolso daqueles modelos antigos feitos somente pelos mestres

na arte da relojoaria.

O filho de Agamenon apresentou este primeiro:

_Pai._ disse ele_ Este é Tymoti Lane Argaiol. Mas pode

chamá-lo de Timóteo.

Agamenon sempre foi um homem cauteloso quanto a conhecer

novas pessoas, e principalmente em se tratando das mais

recentes amizades de seu filho Alexander.

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Não respondeu, limitou-se apenas a andar através do cômodo

para sentar atrás de sua mesa enquanto encarava os outros dois

estranhos.

A segunda era uma das mais belas mulheres que Agamenon, no

auge de seus setenta anos, havia visto, e não foram poucas; ela

aparentava ter entre vinte e cinco e trinta anos; trajava uma

roupa preta que delineava seu corpo com perfeição, era morena

com os cabelos tão escuros que quando tocados pela luz

pareciam refletir um brilho azulado, olhos de um verde-água

límpidos e vivos; era como olhar para duas pequenas jóias. Ela

sorriu sorrateiramente pelo canto dos lábios pouco pintados,

porém grossos e belos. O velho logo percebeu que encerrado

naquele sorriso havia muito mais malícia do que ela queria

demonstrar; ele era muito bom em reconhecer pessoas se

escondendo por trás de máscaras, fizera isso durante toda a

vida e se tornara um especialista.

Seu filho também os apresentou:

_ Esta é Diana Benjamim Walker._ disse apontando com a mão

para a mulher._ Diana, este é meu pai; Agamenon.

Diana trazia no pescoço um adorno no mínimo diferente e o pai

de Alex logo se atentou para aquilo; um cordão prateado em

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cuja frente estavam penduradas duas grandes presas de algum

tipo de animal de grande porte, um leão ou tigre talvez.

_ De que animal são estas presas que adornam seu colar

menina?_ Perguntou presumindo que fossem presas de

verdade.

_ Pertenceram ao meu pai.

Alex sorriu com a resposta aparentemente confusa da mulher.

O terceiro membro daquele estranho grupo era um rapaz tão

jovem quanto seu filho, talvez até mais jovem; por volta de

vinte anos. Vestia roupas bem menos sofisticadas que seus

colegas, camisa preta, calça jeans muito desbotada e tênis

rasteiros sem marca aparente; a única coisa realmente estranha

no jovem era um conjunto de tatuagens reproduzindo um

desenho tribal extremamente complexo em seus braços, que,

Agamenon vira há muito tempo e não sabia o significado.

Alex tomou a frente e apresentou por fim este jovem.

_ E este é Sebastiam Crianom. Pai.

Aquele cujo nome era Timóteo se aproximou da mesa de

Agamenon e com um sotaque inglês bem carregado disse

algumas palavras que inquietaram a mente treinada do pai de

Alex.

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_É uma grande satisfação ser apresentado à sua pessoa. Seu

filho é um homem com muito potencial e bem conceituado em

minha família; breve terá grandes responsabilidades no meu

ramo de negócio._ disse estendendo a mão de forma cordial

para um aperto de mão que não foi correspondido. E

continuou_ Como você já deve estar imaginando, fomos nós

que presenteamos seu filho com, digamos, a nova forma de

vida que ele tem hoje.

_ Ou seja, é a vocês que devo agradecer por terem seduzido,

enganado e matado meu filho._ disse secamente encarando de

maneira fria o outro.

Timóteo riu e sentou-se na cadeira à frente de seu anfitrião

mesmo sem ter sido convidado a fazê-lo.

_Seu filho parece morto? Não parece morto pra mim. Pelo

contrário, agora ele pode fazer coisas que nunca poderia antes e

nem você nem nenhum outro homem poderiam conceder o

presente que dei a ele.

_Seu filho é imortal agora._Retrucou Diana de um canto da

sala; ainda sustentando aquele sorriso malicioso.

Agamenon apertou calmamente os olhos com os dedos polegar

e indicador como se quisesse espantar uma dor de cabeça.

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_Você chama isso de imortalidade._ disse com desdém_ Eu

digo que conheci mais imortais do que qualquer outra pessoa

da minha geração, e, no entanto, estão todos mortos. Vocês

tornaram meu filho numa aberração do inferno.

Timóteo cruzou as pernas com a clássica elegância britânica e

apoiou o cotovelo direito sobre o descanso para braço da

poltrona, em seguida repousou o queixo sobre o punho direito

fechado.

Enquanto isso Sebastiam mexia na estante apinhada de livros

atrás de todos, junto da porta, sem dar muita atenção às coisas

que estavam sendo ditas na sala.

E agora foi a vez do próprio Alex se manifestar.

_ Não sou uma aberração pai, agora sou um ser perfeito; penso

mais rápido, enxergo mais longe, pressinto acontecimentos,

meu corpo tornou-se praticamente invulnerável, minha audição

se amplificou, posso ouvir pessoas conversando a um

quarteirão de distância. Posso sentir o medo dos mortais. Sinto

tanta força correndo na minha corrente sangüínea que acho que

posso fazer qualquer coisa.

_ E pode._ Afirmou Timóteo bruscamente._ Seu sangue agora

pertence a uma das mais puras linhagens de “noctívagos”_ fez

o sinal das aspas com os dedos das mãos_ que existe; Alex

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deixou de ser simplesmente seu filho, deixou de fazer parte de

uma simples família mundana e passou a ser meu filho

também, membro da minha linhagem, sangue do meu sangue

hoje e para sempre. Ele usará o sobrenome que marca nossa

família desde o século XVII.

Aquilo causou um calafrio em Agamenon.

Sebastiam pareceu achar algo interessante nas prateleiras,

retirou um livro com capa dura e antiga; em seguida levou para

Timóteo ver do que se tratava.

_ Vejo que você tem procurado estudar nossa, digamos, raça._

disse Timóteo_ Sabe. Não é algo que esteja documentado em

muitos livros, afinal, quem sabe nossos segredos não costuma

escrever porque são como nós e tudo o que se fala a respeito na

literatura é romanceado demais.

Diana aproximou-se de Alex e o abraçou enquanto Timóteo

falava:

_ Livros como esse que se propõem a falar sobre o que

chamam por aí de “filhos da noite” são apenas uma sucessão de

bobagens, mas se você de fato quiser conhecer nossos segredos

ou saber como ajudar seu filho a partir de agora; eu posso

ajudar, existe um caminho para isso e eu não ofereceria isso a

você se Alex não nos fosse tão especial.

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Agamenon se debruçou sobre a mesa, na direção do que antes

falava e surpreendeu Timóteo, pois o encarava profundamente

nos olhos como poucos vivos haviam feito. Embora idoso, ele

demonstrava frieza suficiente para manter seus pensamentos

alinhados frente àquelas “pessoas” que provavelmente

deixariam inquietos muitos tipos de indivíduos por mais

centrados e controlados que fossem.

Agamenon era velho e estava impedido de realizar sua

vocação; as dores físicas o debilitaram acumulando-se em anos

e anos de caçadas noturnas, mas ele ainda era um homem

muito altivo; as criaturas diante dele estavam realmente

impressionadas com a forma como ele estava se portando

diante daquela conversa, principalmente tratando veladamente

de um tema tão obscuro.

_ Eu conheço muitas histórias sobre mortos-vivos, bebedores

de sangue; homens e mulheres que passaram a vagar pela noite;

estudei os mitos nas mais diversas culturas; egípcias, helênica,

africana, hibérica e outras. Tenho uma missão a fazer e

pretendo cumpri-la, é uma pena que meu filho, sangue do meu

sangue, a quem eu preparei para me suceder como caçador de

“seres”_ Vez o sinal das aspas com os dedos das mãos numa

clara demonstração de ironia à forma como Timóteo falava

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também usando aquele sinal_ como vocês aqui no Rio de

Janeiro não possa mais fazê-lo. É realmente uma pena que ele

tenha se tornado um de vocês, porque mais cedo ou mais tarde

ele vai ser achado pela luz, pelo fogo ou pelas lâminas de

algum caçador e será destruído; assim como vocês também.

Timóteo, Diana e Sebasteim riram.

Alex se incomodou com as palavras do pai, deixou os braços

afetuosos de Diana e se aproximou da mesa.

_ Você está falando como um louco, Pai!_ Ele bateu com as

mãos sobre a mesa com força numa atitude de raiva_ Nós

somos superiores.

_ Superiores aos homens._ completou Diana.

_Superiores aos anjos._ emendou Sebastiam.

_Somos deuses!_ arrematou Alex.

Tymoti Lane Argaiol se deleitava observando aquela cena; seus

olhos mudando de cor involuntariamente, repousavam fixos

sobre o pai de seu mais novo discípulo.

_ Coloquei seu filho encarregado de um território que, julgo,

você vai gostar. Ele será parte de uma congregação formada

por gente como nós em uma cidade da baixada chamada Nova

Iguaçu; este lugar tomou muita visibilidade na mídia nos

últimos anos, além do que, a regra é: A família que se

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estabelecer primeiro tem a primazia sobre o lugar. Seu filho

será o “sacerdote” de nossa religião, o príncipe da cidade e o

juiz de tudo o que ocorre naquela região. Ele terá poder, meu

velho, para governar como bem entender e isso poucos

conseguiram.

Sem resposta alguma Agamenon resumiu toda a sua indignação

em única uma pergunta.

_ O que vocês querem de mim?

Uma aparente felicidade transpareceu na face de todos os

visitantes.

_Seu Tempo está terminando e mesmo contra os preceitos que

temos seguido há séculos, venho lhe oferecer o dom que dei ao

seu filho. Posso perpetuar seus dias, dar força,

invulnerabilidade e todos os privilégios de ser um de nós; tudo

o que o sobrenome Crianom tem para oferecer._ Disse Tymoti.

_ Quero que você torne-se um de nós pai, compartilhe do poder

que há no sangue e viva através dos tempos até que o dia do

julgamento aconteça, se é que você realmente acredita nisso. O

que você tem a perder?_ concluiu Alex.

_Minha alma.

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_Pense bem._ observou Timóteo_ O que estamos fazendo aqui

é algo sem precedentes em nossa família, não se convida

pessoas para se tornar como nós.

_Imortalidade? Com o preso de me tornar um escravo da noite,

viciado em sangue, assassino! Seu tolo, já vi anjos, demônios e

toda sorte de coisas que habitam entre o céu e a terra, mas só

um ser tem valor real nesse emaranhado universal; o homem,

mesmo sendo mau e desesperadamente corrupto. Não quero

seu dom, ou devo dizer, maldição, realizarei meus atos até

quando meu corpo agüentar e não me importo de cumprir meus

dias porque o legado de um homem é seu filho e isso eu já não

tenho mais.

_ Mas eu estou bem aqui pai!

_ Mas agora você não é meu filho; é uma abominação. Está

livre para fazer o que bem entender de sua dita imortalidade;

quanto a mim, não aceito seu convite.

Agamenon parou de falar e respirou asperamente como se

aquelas palavras estivessem doendo dentro dele.

Timóteo percebeu aquilo e gostou do som. Em seguida se

levantou da poltrona, não estava contrariado, mas intrigado, em

sua cabeça todas as pessoas desejavam a oportunidade de

vencer a morte ou enganá-la; não era o caso ali.

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_Mas pa..._Alex foi interrompido pelo pai tão bruscamente que

perdeu a voz por um momento.

Agamenon disse:

_ Saia dessa casa; você não é e jamais será bem vindo aqui

novamente.

_Pense a respeito _ disse logo que recuperou a voz.

Mas sabia que nunca faria com que aquele homem mudasse de

pensamento, olhou para Timóteo e em seguida para os outros

que saíram sem pronunciar palavra alguma.

As luzes do escritório estavam acesas, e quando a porta bateu

atrás de Sebastiam que foi o último a deixar o cômodo elas

piscaram rapidamente; Agamenon recostou-se em sua poltrona

como se ela fosse um trono; ele estava cansado e qualquer um

que o visse naquele momento de angustia íntima poderia jurar

que ele estava sustentando cem quilos sobre os ombros.

Abriu uma gaveta da mesa que estava em sua frente retirou

uma caixa que continha seus antigos artefatos de trabalho, já

não os usava mais, porém mantinha-os sempre por perto para

lembrar das coisas pelas quais já tinha passado.

Abrindo-a visualizou rapidamente a estaca de metal polido e o

martelo que tantas e tantas vezes já tinham sido usadas no

passado; fechou e guardou tudo rapidamente. Tempos atrás ele

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tinha pensado em presentear Alex com aqueles objetos, era

uma tradição familiar que não mais seria observada, seu filho

tinha cruzado uma linha sem retorno e já não podia mais ser

um caçador, pertencia ao outro lado.

Agamenon, por um momento chegou a considerar a proposta

que tinha recebido, mas isso seria trair tudo o que ele já tinha

feito na vida. Não poderia cometer o erro terrível de seu filho

mesmo amando-o.

Infelizmente Alex agora era só semelhante a um homem, breve

ele começaria a fazer exatamente o que se esperava de

monstros como eles; e mesmo assim Agamenon não teria

coragem de eliminá-lo. Teria que torcer para que outro o

fizesse, porque era melhor morrer do que existir preso a uma

quase-vida amaldiçoada.

Se levantou e foi ao interruptor na parede e desligou as luzes;

rejeitou o convite que o levaria para uma vida no meio da

escuridão, mas curiosamente naquele momento ele preferiu

ficar sentado e isolado com ela.

***

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Morlock

A água fedia tanto que em outros tempos ele poderia até

mesmo vomitar caso simplesmente chegasse perto de um

esgoto como aquele.

Os lixos flutuavam sobre a superfície escura e espessa das

águas que vinham dos encanamentos de esgotos sanitários e

caixas de gordura de muitos pontos da cidade trazendo todo o

tipo de detritos; desde dejetos humanos, passando por lixo

doméstico como cascas de frutas, legumes e verduras; pacotes

e caixas de comidas e guloseimas infantis, tais como biscoitos,

e doces variados, até papéis, tecidos, garrafas pet, sacos de

mercado vazios ou cheios de lixo, pedaços de móveis

destruídos e como se não bastasse tudo aquilo, ainda tinha os

retos apodrecidos de animais.

Muitas pessoas costumam jogar seus animais domésticos

mortos, devidamente ensacados, como se o saco envolvendo o

corpo do animal fosse algum tipo de substância capaz de dar

sumiço ao cadáver. Jogavam seus bichos em valas ou esgotos;

outros eram abandonados nas ruas e com as chuvas e as

enchentes produzidas por elas eram trazidos para os

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encanamentos e galerias subterrâneas onde Ciro vivia já fazia

muito tempo.

Ciro se ergueu do meio das águas fétidas como se fosse um

morto retornando à vida, o que em parte era verdade. A galeria

de esgoto estava completamente às escuras, não havia nenhuma

réstia de luz que pudesse penetrar naquele lugar e era por esse

motivo que Ciro preferia viver ali.

A galeria era bem abaixo da rua, localizada num pondo longe

dos bueiros e bocas-de-lobo ou de qualquer tipo de saída para a

superfície, porém o local era constantemente inundado e

recebia todos os restos de tudo que a humanidade poderia

produzir na cidade acima.

A escuridão não era um problema para Ciro, já estava tão

acostumado com aquilo que enxergava tão perfeitamente como

se o ambiente estivesse iluminado; seus olhos eram adaptados

para as sombras e por isso ele quase não subia à superfície

porque só podia fazer isso durante a noite e mesmo assim os

letreiros luminosos, as luzes dos postes de iluminação, faróis

dos carros e toda e qualquer fonte luminosa o incomodava

muitíssimo. Seus olhos doíam tanto que quase não conseguia

mantê-los abertos quando num ambiente claro por mais tênue

que essa claridade fosse; e também por esse motivo,

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principalmente, ele ficava dias, semanas, às vezes meses sem

sair de sua toca sombria e úmida. Preferia assim, mas havia

somente uma coisa capaz de fazer com que ele abandonasse

seu buraco lúgubre. A fome.

A fome era algo tão violento que por si só já era o suficiente

para lhe roubar a sanidade que ainda tinha restado desde que

passara a viver como uma espécie de demônio, condenado

àquele tipo de existência sem sentido e torturante. Quando Ciro

era acometido por aquele sentimento profano, não tinha

escolha a não ser deixar seu buraco apodrecido e subir à

superfície a fim de conseguir aplacar a vontade de ingerir

alimento. Fazia muito tempo que ele já não se considerava

mais uma pessoa, sabia que não era humano e nem se parecia

mais com um.

A força da fome o transtornava e a única saída era solver uma

vida por inteiro para que seu espírito e, por que não dizer, sua

carne doente se aquietassem. Ele já estava acostumado, mas

detestava ser dominado por tal animalismo, por isso preferia

aguardar o máximo que pudesse antes de subir para consumir

alguém, afinal, era extremamente complicado achar uma

pessoa que estivesse em condição de ser atacada sem deixar

vestígios. Desse modo ele saía apenas quando já começava a

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sentir os efeitos iniciais da devastadora fome, mas antes que ela

tomasse o controle absoluto.

Ciro nunca soube exatamente como sua vida tinha decaído até

aquele patamar terrível; dez anos antes, quando ele acordou

num bueiro não tinha certeza de como fora parar lá. A única

lembrança que ainda tem de antes daquela noite foi um

acidente com seu carro numa noite chuvosa. Ele lembrava de

ter derrapado, perdido a traseira e a direção do veículo, e sem

conseguir recuperar o controle do automóvel foi parar dentro

de um canal; lembra de ter quase se afogado, estava bêbado e

drogado; mas foi retirado de dentro do automóvel por alguém

que ele não viu; apenas sentiu ser puxado com muita violência.

Nesse processo fraturou vários ossos, e a dor foi o suficiente

para fazer com que perdesse os sentidos, provavelmente ele

não sobrevivesse aos ferimentos se uma coisa não acontecesse.

Uma coisa que ele ignora até hoje em dia, mas que já não faz

assim tanta diferença; aparentemente Ciro morreu dias depois e

o que restou foi uma espécie de simulacro malévolo no lugar.

Ele sentia como se ainda estivesse vivo, pensava como se ainda

estivesse vivo, dormia como se ainda estivesse vivo e até

sonhava como um vivo, mas sabia que já não estava totalmente

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vivo. Ciro não conseguia chorar, nem uma gota sequer, já tinha

tentado, mas aparentemente era impossível.

Ao acordar algum tempo depois do acidente ele já não se sentia

o mesmo; seu pescoço estava dilacerado, assim como seus

pulsos; havia marcas e cortes por todo o corpo, mas não havia

sangue algum sendo vertido ou nas proximidades; sua pele

antes morena e rígida estava esbranquiçada e flácida ao

extremo; seus cabelos negros e volumosos resumiam-se a

pequenos tufos desgrenhados, tinha perdido quase toda a vasta

cabeleira; e seus olhos castanhos estavam sem cílios e sem

coloração alguma, mas aquilo não era tudo. O pior ainda estava

por vir.

Ele pensou que fosse morrer, mas ao invés disso o que ocorreu

foi uma bizarra metamorfose que o tornou uma espécie de

morto-vivo. Certa vez ao subir à superfície para conseguir

alimento Ciro vagou pelas ruas durante a madrugada em busca

de um homem ou uma mulher que pudesse atacar, mas antes

que isso acontecesse ele se viu refletido numa janela de um

automóvel e a visão foi tão aterradora; o monstro no qual havia

se transformado era tão infernal que a única reação foi uma

explosão de ira que culminou com a destruição de todos os

vidros e espelhos do carro. Naquele momento Ciro decidiu

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nunca mais se olhar novamente em qualquer vidro ou espelho

que fosse, parte por medo de ver que a cada vez estava se

transformando numa besta mais e mais hedionda e parte porque

aquilo desencadeava nele uma fúria tão terrível quanto a fome

que o tentava controlar.

Ciro se tornou um ser tão horripilante que uma simples olhada

para sua imagem seria o suficiente para inutilizar uma pessoa

comum. Foi nesse momento que ele se lembrou de um livro

que tinha lido quando ainda era uma pessoa comum em seus

áureos anos de vida na superfície, antes dos vícios, antes das

loucuras e orgias, antes do acidente na noite chuvosa que foi o

crepúsculo de sua vida. O livro escrito pelo britânico Herbert

George Wells chama-se “A máquina do tempo”.

No livro, uma raça de seres monstruosos, repulsivos e canibais

habitava os subterrâneos num futuro distante, se alimentando

de pessoas, exatamente como Ciro estava condenado a fazer.

Atualmente ele era apenas uma sombra, uma forma decadente

do que antes fora um ser humano; uma prova de que o caos

poderia reivindicar vidas alheias aleatoriamente para fazer o

que bem entendesse; um lembrete de que um mal insano

caminhava sobre a terra recrutando e arrebatando almas para

suas fileiras ou para seus bestiários particulares.

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Seu corpo agora era coberto de feridas não curadas ou

cicatrizadas, seus dentes agora eram presas enormes e

pontudas, o hálito era tão terrível quanto o fedor do esgoto no

qual vivia, suas unhas eram prolongações afiadas de dedos

alongados e esqueléticos, e, tudo aquilo ainda podia piorar.

Ele estava sentindo aquela pontada de dor que caso não fosse

saciada explodiria na fome compulsiva que era cada vez mais

arrebatadora; não podia permitir que isso acontecesse, pois era

muito difícil retomar o controle depois. Da última vez tinha

demorado um dia inteiro.

Ergueu-se no meio do esgoto e caminhou pela escuridão por

entre o emaranhado de galerias e túneis abaixo das ruas, como

se fosse apenas um vulto errante; tomou o cuidado de evitar

túneis abaixo de ruas muito movimentadas onde as tampas de

bueiro pudessem ser facilmente abertas. Ele já sabia como se

movimentar abaixo da cidade, evitava várias galerias e cortava

caminho por outras, nos quase dez anos se movendo sob a as

ruas e avenidas, atacando pessoas desavisadas ele tinha criado

uma espécie de mapa mental de toda a cidade e conseguia se

localizar tão bem como se tivesse uma bússola.

Quando se aproximou da rua conseguiu ouvir os sons

característicos do trânsito lá encima, os túneis mais largos

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tinham ficado para trás, ele rastejava por manilhas apinhadas

de sujeira, lodo e lama; sabia muito bem aonde aquele caminho

ia levar. Sua respiração estava ofegante e por fim achou o lugar

de saída.

Uma tampa de ferro batido em forma arredondada, enferrujada

por baixo e que tinha sobre ela a inscrição “águas pluviais” na

parte de cima; ela era a única numa pequena rua sem saída e

sem iluminação também, parte das luzes dos postes tinham sido

destruídas por vândalos e a outra parte simplesmente não

funcionava, descaso. Pouco importava, a única coisa certa era

que aquele descaso custaria o sangue de alguém.

Ciro levantou a tampa sem fazer esforço, ignorando o peso que

necessitava de dois homens para removê-la, olhou ao redor,

não havia ninguém. Se arrastou para fora do bueiro como uma

anomalia que a terra estivesse regurgitando de suas entranhas,

um fantasma que logo desapareceria e com ele uma vida

inocente, se é que isso existia.

Não demoraria muito para que alguém desavisado cruzasse o

seu caminho e se arrependesse para sempre; Ciro saiu em busca

da vítima daquela noite; ficou em posição de alerta e ataque.

Ao longe vinha alguém. Pobre pessoa, a vítima jamais poderia

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imaginar que naquela noite teria um encontro marcado com a

pior criatura que podia existir.

***

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Incúbo

A sombra escorregou sorrateiramente para dentro do quarto do

casal, a janela era deixada apenas encostada durante toda a

noite e havia uma fresta considerável na junção das armações

de alumínio. Eles moravam num apartamento no décimo andar

do prédio e todos os sons da rua e da madrugada ficavam muito

abaixo, não se preocupavam em fechar a janela totalmente; o

bairro era muito tranquilo, portanto também não havia nenhum

cuidado com relação a invasões domésticas, sobretudo naquele

andar.

O prédio não possuía nenhum modo de ser escalado pelo lado

de fora e as janelas eram muito espaçadas entre si não dando a

possibilidade de alguém alcançar qualquer janela a partir de

outra, mais baixa, e assim subir gradativamente pelos andares.

Além disso, possuíam proteção de metal em forma de grades

do lado externo, o que praticamente eliminava a possibilidade

tanto de quedas e acidentes com crianças quanto de invasão de

qualquer pessoa. Ao menos de humanos.

O quarto estava às escuras e sobre a cama de casal dormiam

marido e esposa de forma desleixada sob os lençóis. A sombra

tomou forma num canto e ficou ali parada olhando ao redor

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como um pesadelo que escapou de algum sono violentamente

atormentado. Ele averiguou todo o lugar, a escuridão não era

problema para ele, via perfeitamente tudo nos mínimos

detalhes, muito embora qualquer pessoa que se deparasse com

aquilo parado no canto do quarto diria que a criatura não tinha

olhos na face. Possuía a forma humana, mas apenas os

contornos; era um simulacro sem olhos, sem boca, sem

cabelos, sem rosto e sem qualquer característica humana mais

específica; mas ainda assim com a forma de uma pessoa;

cabeça, tronco e membros.

A criatura preferia aquela forma porque no passado era assim

que ele vivia antes de se recolher completamente e se isolar em

regiões inferiores. Por muito tempo ele viveu no meio das

pessoas, dos humanos, dos mortais, mas depois de muitas

décadas, o sangue parecia já não ter mais o mesmo gosto e

também não transmitia mais a capacidade de sustentá-lo.

O marido se virou na cama e fez um barulho enquanto dormia,

em seguida tossiu como se estivesse engasgado, depois voltou

ao estado de antes, dormindo tranquilamente. Ele estava

usando um short, sem camisa e usava meias também.

A criatura olhou rapidamente para o homem sobre a cama

tentando adivinhar o que ele estaria sonhando, mas

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rapidamente se concentrou no motivo de sua visita ali. A

mulher.

Ela havia se desvencilhado dos lençóis e usava uma camisola

branca e leve que deixava as longas e belas pernas descobertas;

devia estar calor, a criatura jamais sentiu a temperatura do

ambiente. Aquilo parado ali num canto do quarto via

claramente as formas suaves e sinuosas do corpo da mulher

sobre a cama e já quase podia sentir todas as vibrações que

aquele corpo quente emanava; a respiração dela estava tão

calma quanto de uma criança, o corpo corado, o sangue

correndo nas veias e artérias era algo que em outros tempos

seria o suficiente para fazê-lo procurar rapidamente pela

jugular dela, mas não agora.

Provavelmente os sonhos nos quais a mulher estava

mergulhada fossem algo muito pacífico, mas aquilo estava

prestes a mudar.

Vagarosamente a sombra abandonou seu canto e caminhou

pelo cômodo, não fazia o menor barulho, parecia flutuar, seus

pés quase etéreos tocavam o chão, mas não exerciam pressão

alguma sobre o piso acarpetado do quarto. Ao lado da cama

havia um pequeno móvel sobre o qual estavam um copo

d’água, um livro e uns óculos. O monstro obscuro olhou

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rapidamente para tudo aquilo e voltou novamente o foco para a

mulher. Ela se moveu levemente, estremecida, como que

percorrida por um calafrio.

O vulto se aproximou com todo o cuidado, inclinou-se e

observou o rosto da mulher bem de perto, sentiu a respiração

pausada saindo pelas narinas da vítima adormecida. Ela tinha

cabelos longos, negros e bem escovados, talvez tivesse perdido

tempo antes de dormir escovando os longos cabelos, e estavam

soltos, o que era um pouco diferente do comum. O rosto fino e

de feições quase bem definidas, nariz afilado e lábios delicados

e rosados. Um corpo esbelto, longo e belo, com curvas

harmoniosas, parcialmente escondidas por baixo das poucas

roupas.

Se ela abrisse os olhos naquele momento ia se deparar com

uma enorme mancha sombria sem face inclinada sobre si, mas

ela não abriu os olhos, continuava entregue ao merecido sono,

mas breve teria uma experiência deliciosamente tenebrosa.

A criatura sentou-se sobre a cama bem ao lado da mulher

adormecida; a cama não se incomodou e nem apresentou ruído

algum, afinal, o espectro parecia não ter massa corporal ou

peso, embora mantivesse um formato humanóide todo o tempo.

Era apenas como um fantasma escuro.

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No teto do quarto girava um ventilador de três pás e o vento

produzido por ele, embora fraco, soprava devagar todos os

tecidos finos sobre a cama, desde os lençóis até partes da

camisola dela. A criatura fixou o olhar novamente na

vestimenta da mulher, mas não era a camisola que ele olhava e

sim o que estava além dela, a roupa branca praticamente

deixava visível o tecido que a mulher usava por baixo.

O vulto estendeu a mão que deixou um rastro de nevoa escura

no ar e tocou a testa da vítima devagar, em seguida apoiou toda

a palma da mão e sentiu. O corpo estava maravilhosamente

quente. O espectro deixou a mão correr pela cabeça dela,

deslizando e alisando calmamente os cabelos da mulher que

não respondeu. Permaneceu dormindo com a face voltada para

o lado do marido, assim era melhor por enquanto.

A mão escorregou para o rosto belo e fino, sem maquiagem,

depois de alguns minutos; tocou os olhos fechados, o nariz, as

bochechas, os lábios, o queixo e um ponto atrás da orelha. Ela

respondeu pela primeira vez; ressonou, seus lábios se abriram e

deixaram escapar a respiração, mas era uma respiração um

pouco mais intensa.

O fantasma desceu a mão para o pescoço longo e frágil que

ostentava um pequeno cordão de prata fino com diminuto

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pendente praticamente repousando para o lado. Continuava

vidrado na beleza dela e percebeu quase que instantaneamente

quando a viu que aquele corpo era repleto de energia, libido e

volúpia. Ela era perfeita e ele acariciava a pele aveludada com

uma delicadeza quase sobrenatural a fim de provocar nela a

excitação de que necessitava.

Tempos atrás ele faria tudo ao seu alcance para colocar suas

presas num pescoço como aquele; tão frágil e ao mesmo tempo

tão cheio de vida, mas agora tudo era diferente e havia

descoberto algo muito melhor do que o sangue, algo que o

libertou do vício e revelou o que realmente importava; a

criatura agora buscava e se alimentava de uma coisa muito

mais poderosa, muito mais pujante; ele se alimentava de prazer

puro, e, para isso tinha que incitar suas vítimas a um grau de

excitação capaz de provocar violentas sensações venéreas. Era

fácil perceber que aquela mulher possuía um grande potencial

de sensualidade.

Preferia invariavelmente mulheres e sempre enquanto

dormiam; nunca acordadas, porque assim as defesas delas

estavam tão baixas que era extremamente fácil ludibriá-las e

fazer com que se entregassem por vontade própria o que

tornava o ato mais natural e muito mais vigoroso, gerando

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muito mais prazer e alimentando-o muito mais. Dessa forma

não precisava visitar várias mulheres numa noite, uma bastava.

O desejo também era de uma importância vital, portanto a

sombra violava primeiro a mente da vítima, infiltrava-se nas

regiões oníricas e lá seduzia antes de atacar; criava uma

fantasia de acordo com o que a vítima desejava de modo que a

induzia a se entregar completamente em sonho, sem pudor ou

barreira alguma. A vítima nunca sabia que estaria também se

entregando fisicamente. O fantasma percebia e assumia a forma

que mais fosse atraente para as vítimas, a forma que mais

provocasse desejo ardente nelas; desejos lascivos. Era muito

simples, o sono entorpece a razão das pessoas e todas se abrem,

revelam tudo nos sonhos; suas vontades, preferências, desejos,

frustrações e absolutamente tudo o que a razão por motivos de

segurança mantém escondido ou controlado.

Nos sonhos as pessoas podiam fazer tudo o que não deviam

fazer fora dele. Até se entregar a desejos ardentes ou proibidos

nos braços de um homem viril e atraente, no caso das

mulheres, sem ter que conviver com qualquer culpa por tais

atos. Em sonho elas podiam usufruir do prazer da relação

repetidas vezes de uma forma tão intensa quanto a real, e era

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isso o que o espectro usaria para exaurir a vítima quase

absolutamente.

A criatura tocou os ombros da mulher e acariciou por alguns

segundos enquanto via claramente o que ela desejava; que tipo

de homem a atraía e em que tipo de situação seria mais fácil se

entregar a um estranho. Depois, passou a induzir o sonho da

vítima com aquilo que tinha percebido.

Se naquele momento a mulher tentasse acordar, não seria mais

capaz, estaria presa como num pesadelo, mas raramente

alguma vítima desejava acordar depois de sentir os primeiros

toques do vulto; além do mais, as sensações produzidas por ele

eram tão reais, tão gostosas e tão profundas que quando

terminava, caso a vítima não tivesse sido completamente

exaurida, elas costumavam desejar que acontecesse novamente,

e aquele desejo trazia a assombração de volta noites seguidas

até que a mulher começasse a enfraquecer e sucumbir.

O Monstro começou a sentir o desejo aumentando dentro da

mulher deitada; ela virou-se e arqueou o corpo

momentaneamente, o rosto outrora voltado para o marido agora

estava virado na direção da criatura. A respiração dela estava

mais rápida acompanhando o que estava acontecendo em seus

sonhos. Estava chegando à hora.

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Ela ofegou, umedeceu os lábios com uma língua vagarosa e

silenciosa, em seguida mordeu levemente o lábio inferior,

passou a mão pelo rosto sem abrir os olhos; já estava

completamente seduzida pela fantasia lúbrica da sombra.

A criatura já sentia todo aquele desejo luxurioso sendo

produzido pelo corpo da mulher, os sintomas físicos estavam

surgindo; as mãos nebulosas da criatura desceram rapidamente

dos ombros para o ventre dela novamente deixando um rastro

tênue de névoa obscura no trajeto. A mulher respondeu com

um gemido baixo; a vítima abriu a boca num grito mudo, a

respiração se alterou ainda mais, ficou ainda mais rápida.

Mentalmente eles já estavam ligados; naquele momento a

mulher estava se entregando à outra face da criatura, a face

onírica do monstro devorador de libido, como se o fantasma

sombrio usasse parte de sua consciência para violar o sonho da

vítima enquanto sua forma espectral fazia o mesmo com o

corpo dela. O ato já havia começado.

As longas e belas pernas se moviam e esfregavam os pés um no

outro, a cabeça também virava de um lado para outro,

lentamente; os cabelos longos estavam espalhados pelo

travesseiro.

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A sombra levantou-se no quarto escuro; a indefesa adormecida

segurava os lençóis inconscientemente sem saber que aquilo

que estava acontecendo no seu sonho era produzido por uma

criatura ominosa presente no quarto de sua casa; tampouco

sabia que quanto mais prazerosas as sensações fossem, mais

drenariam de sua própria vitalidade, o demônio sugaria tanto a

libido quanto tudo o que pudesse da vítima e ela ficaria cada

vez mais fragilizada; não sentiria nada de imediato porque a

luxúria esconderia os sinais, mas quando acordasse seria

vitimada por uma fadiga quase incurável. Muitas mulheres não

resistiam e com uma única noite de relacionamento com a

criatura desfaleciam sem nem saber o que aconteceu.

Aquela, entretanto, era tão poderosamente cheia de vida, de

desejo, de lascívia e de prazer que certamente a sombra

retornaria outras noites para ter novas fantasias e relações com

ela. E, Assim drenar toda a sua vida dia após dia.

Pouco a pouco aquela mulher perderia seu brilho, murcharia

como uma flor perdendo a vida e era hora de fazer com o corpo

dela o que no sonho já estava ocorrendo.

Finalmente o espectro que estava parado ao lado da cama, a

sombra funesta, se deitou cuidadosamente sobre a vítima que o

recebeu calidamente, transbordando de desejo, sem saber que

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ao ser violada estaria entregando muito mais do que apenas o

corpo.

***

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