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Tecnologia Não existe? IMPRIMA! Os novos sistemas de impressão tridimensional permitem criar praticamente qualquer objeto, desde um brinquedo a uma ferramenta industrial. Para Miguel Angelo Buonarroti, o ge- nial artista do Renascimento, as es- culturas estavam presas no interior da pedra. 0 seu trabalho consistia, simplesmente, em "retirar o que estava a mais". Hoje, poderíamos dizer que a tecno- logia de impressão tridimensional se baseia, precisamente, na ideia contrária. Fundamen- talmente, os dispositivos que a utilizam vão acrescentando pouco a pouco, com precisão milimétrica, camadas de materiais. Assim, é possível obter réplicas de praticamente tudo a partir de cópias digitalizadas dos originais ou de modelos virtuais. Além disso, graças à alta resolução, à descida dos preços facilidade de utilização, estão a tornar-se autênticas má- quinas de replicação. Ao longo da história dos processos de fabri- co, a forma tradicional de criar moldes e ob- jetos seguiu sempre o método subtrativo (ta- lhar madeira, picar pedra, tornear o metal...). Contudo, no início da década de 1980, com a introdução de novos materiais e sistemas de controlo, começaram a utilizar-se técnicas adi- tivas de forma eficiente e à escala industrial. O avanço permitiu imprimir objetos inteiros, camada por camada, através da injeção de materiais como resinas, plásticos e metais, ou mesmo combinando vários. A forma e os pormenores são determinados por um com- putador que controla minuciosamente cada camada. Desse modo, obtém-se um modelo fabricado grão a grão. Atualmente, existe uma família inteira de tecnologias, como a estereolitografia, a fusão por feixes de eletrões ou a fusão seletiva por laser: embora se baseiem no mesmo concei- to, divergem em termos de aplicações práti- cas. Escolhe-se um método em detrimento de outro em função da qualidade final que se pretenda obter, do tipo de materiais ou do ta- manho das peças. Algumas das máquinas pa- ra impressão tridimensional são tão pequenas como uma impressora a jato de tinta, outras parecem enormes armários onde poderia ca- ber uma pessoa. DA FÁBRICA PARA O ESCRITÓRIO Durante a última década, estes aparelhos conheceram uma notável evolução. Por um lado, o preço desceu ao ponto de a sua utiliza- ção ter deixado de constituir um exclusivo das grandes empresas de design. De facto, alguns materiais plásticos para impressão são comer- cializados a 30 ou 40 euros o quilo, o que os coloca ao alcance de qualquer profissional. Além disso, os níveis de qualidade e precisão também melhoraram consideravelmente. Ho- je, a maioria possui uma "resolução" de 0,1 mi- límetros ou menos, que é o tamanho do mais pequeno píxel tridimensional que conseguem imprimir. Com efeito, poderíamos comparar a introdução destas máquinas com a revolução provocada pela chegada aos lares das impres- soras a laser baratas e de boa qualidade. E podemos utilizar estes dispositivos pa- ra fazer o quê? As primeiras impressoras 3D eram exclusivamente usadas para fins indus- triais; por exemplo, na criação de protótipos e moldes de componentes para automóveis e aviões, ou em arquitetura. Eram também utilizadas em medicina, para construir ossos e peças dentárias, em joalharia e pelos criado- res de sapatos. Muitos dos trajes caríssimos exibidos pelos super-heróis de Hollywood ou os monstros das películas de terror também provêm de impressoras 3D. Agora que estes sistemas apresentam um preço semelhante ao de um eletrodoméstico e que o custo de impressão é semelhante ao do valor da peça original, podemos imprimir pe- quenas figuras, objetos de arte, jóias em edi- ções limitadas, peças sobressalentes, brinque- dos de formas impossíveis ou próteses médicas que, de outro modo, seriam demasiado caras. A CÓPIA PERFEITA NÃO EXISTE... AINDA É possível copiar tudo? Tirando alguns por- menores, o aspeto físico de praticamente qualquer objeto pode ser duplicado com estas impressoras, embora o processo não seja tão simples como parecia para os protagonistas de Star Trek. O principal problema reside na escolha dos materiais. Os mais habilidosos conseguiram imprimir cópias de chaves de alta segurança, armas completamente funcionais ou mesmo moldes de fetos com base nos da- dos dos scanners médicos. Todavia, ainda não é possível alcançar uma total precisão e, em

Não existe? IMPRIMA! - clipquick.com pedra. 0 seu trabalho consistia, ... A forma e os pormenores são determinados por um com- ... introdução destas máquinas com a revolução

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Tecnologia

Não existe?

IMPRIMA!Os novos sistemas de impressão tridimensional

permitem criar praticamente qualquer objeto,desde um brinquedo a uma ferramenta industrial.

ParaMiguel Angelo Buonarroti, o ge-

nial artista do Renascimento, as es-

culturas estavam presas no interior

da pedra. 0 seu trabalho consistia,

simplesmente, em "retirar o que estava a

mais". Hoje, poderíamos dizer que a tecno-

logia de impressão tridimensional se baseia,

precisamente, na ideia contrária. Fundamen-

talmente, os dispositivos que a utilizam vão

acrescentando pouco a pouco, com precisão

milimétrica, camadas de materiais. Assim, é

possível obter réplicas de praticamente tudo

a partir de cópias digitalizadas dos originais ou

de modelos virtuais. Além disso, graças à alta

resolução, à descida dos preços e à facilidade

de utilização, estão a tornar-se autênticas má-

quinas de replicação.Ao longo da história dos processos de fabri-

co, a forma tradicional de criar moldes e ob-

jetos seguiu sempre o método subtrativo (ta-lhar madeira, picar pedra, tornear o metal...).

Contudo, no início da década de 1980, com a

introdução de novos materiais e sistemas de

controlo, começaram a utilizar-se técnicas adi-

tivas de forma eficiente e à escala industrial.

O avanço permitiu imprimir objetos inteiros,

camada por camada, através da injeção de

materiais como resinas, plásticos e metais,

ou mesmo combinando vários. A forma e os

pormenores são determinados por um com-

putador que controla minuciosamente cada

camada. Desse modo, obtém-se um modelo

fabricado grão a grão.Atualmente, existe uma família inteira de

tecnologias, como a estereolitografia, a fusão

por feixes de eletrões ou a fusão seletiva porlaser: embora se baseiem no mesmo concei-

to, divergem em termos de aplicações práti-

cas. Escolhe-se um método em detrimento

de outro em função da qualidade final que se

pretenda obter, do tipo de materiais ou do ta-

manho das peças. Algumas das máquinas pa-

ra impressão tridimensional são tão pequenascomo uma impressora a jato de tinta, outras

parecem enormes armários onde poderia ca-

ber uma pessoa.

DA FÁBRICA PARA O ESCRITÓRIO

Durante a última década, estes aparelhosconheceram uma notável evolução. Por um

lado, o preço desceu ao ponto de a sua utiliza-

ção ter deixado de constituir um exclusivo das

grandes empresas de design. De facto, alguns

materiais plásticos para impressão são comer-

cializados a 30 ou 40 euros o quilo, o que os

coloca ao alcance de qualquer profissional.Além disso, os níveis de qualidade e precisãotambém melhoraram consideravelmente. Ho-

je, a maioria possui uma "resolução" de 0,1 mi-

límetros ou menos, que é o tamanho do mais

pequeno píxel tridimensional que conseguem

imprimir. Com efeito, poderíamos comparar a

introdução destas máquinas com a revolução

provocada pela chegada aos lares das impres-

soras a laser baratas e de boa qualidade.E podemos utilizar estes dispositivos pa-

ra fazer o quê? As primeiras impressoras 3D

eram exclusivamente usadas para fins indus-

triais; por exemplo, na criação de protótipose moldes de componentes para automóveis

e aviões, ou em arquitetura. Eram tambémutilizadas em medicina, para construir ossos e

peças dentárias, em joalharia e pelos criado-

res de sapatos. Muitos dos trajes caríssimos

exibidos pelos super-heróis de Hollywood ou

os monstros das películas de terror também

provêm de impressoras 3D.

Agora que estes sistemas apresentam um

preço semelhante ao de um eletrodoméstico e

que o custo de impressão é semelhante ao do

valor da peça original, podemos imprimir pe-

quenas figuras, objetos de arte, jóias em edi-

ções limitadas, peças sobressalentes, brinque-dos de formas impossíveis ou próteses médicas

que, de outro modo, seriam demasiado caras.

A CÓPIA PERFEITA NÃO EXISTE... AINDAÉ possível copiar tudo? Tirando alguns por-

menores, o aspeto físico de praticamentequalquer objeto pode ser duplicado com estas

impressoras, embora o processo não seja tão

simples como parecia para os protagonistasde Star Trek. O principal problema reside na

escolha dos materiais. Os mais habilidosos já

conseguiram imprimir cópias de chaves de alta

segurança, armas completamente funcionais

ou mesmo moldes de fetos com base nos da-

dos dos scanners médicos. Todavia, ainda não

é possível alcançar uma total precisão e, em

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muitas peças, o acabamento tem de ser feito

à mão, o que pode também incluir colori-las.

Por outro lado, há materiais e certos porme-nores ornamentais que, por enquanto, não se

consegue replicar.Seria possível reproduzir deste modo ór-

gãos humanos? À partida, as vísceras diferemmuito de uma peça de plástico. No entanto,já é possível imprimir tecidos vivos juntamen-te com os respetivos vasos sanguíneos. Uma

equipa de investigadores do Instituto Tecno-

lógico do Massachusetts e da Universidadeda Pensilvânia utilizou esta tecnologia paraconstruir um molde constituído por uma mis-

tura de glicose, sacarose e dextrano. A ideia

é derramar ali células em suspensão num gel

biocompatível. Assim, quando os açúcares se

dissolvem, permanece a estrutura de canais

pelos quais o sangue irá circular, fornecendo

os nutrientes e o oxigénio necessários para a

sobrevivência do tecido.

Outros projetos roçam diretamente a ficçãocientífica. Por exemplo, a empresa ModernMeadow propõe-se utilizar as impressoras 3D

para obter couro ou mesmo carne de gado

destinada ao consumo. A textura e o sabor se-

riam semelhantes aos dos bifes verdadeiros,mas os componentes básicos seriam obtidos

in v/tro. Isto é, não haveria uma vaca, mas te-ríamos um híimburger, neste caso surgido de

uma espécie de impressora carnal. O conceito

é, no mínimo, difícil de digerir.

EXPERIMENTAIS E LIVRES

Apesar de tudo, ainda será preciso esperaralguns anos para estes engenhos entrarem em

força nas nossas casas, como acontece atual-

mente com os micro-ondas. A razão continua

a ser, sobretudo, o preço. Por enquanto, pode-

mos vê-los em projetos artísticos ou ligadas ao

fabrico de pequenos objetos artesanais. Pro-

vavelmente, um dos designs mais complexosnesse aspeto foi o de um relógio completo.

Só foi possível chegar a este ponto graças,em parte, a pessoas que há muito exploram e

desenvolvem as possibilidades da tecnologia:os hackers da impressão tridimensional. As im-

pressoras 3D surgem, atualmente, a meio ca-

minho entre os processos industriais e a casa

dos utilizadores, numa terra de ninguém onde

os adeptos mais fervorosos da tecnologia são

quem tira o máximo partido.Os projetos pessoais mais relevantes rela-

cionados com estes aparelhos nasceram asso-

ciados às premissas do código livre, de modo

que tanto os seus modelos como os progra-mas que os controlam (e mesmo os próprios

objetos fabricados) nascem "livres": parte-sedo princípio de que podem ser copiados, me-

lhorados e distribuídos sem necessidade de

obter quaisquer autorizações ou licenças, ou

de efetuar qualquer pagamento. Em muitos

casos, a única obrigação é incorporara própria

licença aberta aos aparelhos fabricados, para

que aqueles que os utilizem posteriormentemantenham a cadeia. Ao fim e ao cabo, tudofunciona para o bem comum: mais bardware,mais software e mais modelos.

Um dos programas mais interessantes, de-

nominado FAB@Home (abreviatura em inglês

para "fabrico em casa"), provém do Laborató-

rio de Máquinas Criativas da Universidade de

Cornell, em Nova lorque. O principal compo-nente é uma impressora 3D que funciona com

uma grande variedade de materiais. Depois de

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injetados, solidificam por aquecimento, seca-

gem ou raios ultravioleta. Os utilizadores mais

gulosos gostarão certamente de saber que,entre os compostos que se podem processar,se encontra o chocolate. Em contrapartida, os

amantes da tecnologia verão que é muito prá-tico utilizá-la para imprimir qualquer circuito

eletrónico, por mais arrevesado que seja.

? A indústria automobilísticafabrica assim protótipos e moldes

PRIMEIROS MODELOS COMERCIAISO FAB(3)Home, que também aceita modelos

feitos por programas de desenho assistido por

computador (CAD), já circula há algum tem-

po entre os adeptos da tecnologia. De facto,

possui uma grande comunidade de entusias-

tas. Embora não seja fácil lidar com um kit de

montagem completo de forma fácil e rápida,a meta é torná-la uma impressora 3D de uti-

lização generalizada. O preço, relativamente

indefinido, ronda os 2000 euros.

A Makerßot Industries levou a cabo outrainiciativa que alcançou, nos últimos anos, uma

certa notoriedade neste mundo restrito. A sua

Thing-O-Matic foi a impressora mais conhecida

de vários modelos baseados no conceito da

máquina autorreplicadora RepFtap, mas incluía

diversos avanços e os seus criadores poliram

o conceito original de modo a torná-la mais

simples e comercial. Tratou-se, possivelmen-

te, do primeiro engenho de uso universal a

apresentar um preço acessível: cerca de 1400euros. No entanto, montar o kit em que vinha

exigia um fim de semana inteiro e bastantehabilidade. Talvez por isso, a última versão jávinha montada.

Apesar disso, a Thing-O-Matk foi substituída

por um novo modelo cujo nome não podia ser

mais apropriado: Rep/icator. Este é um poucomaior e inclui um pequeno ecrã para poder ser

usado sem necessidade de um computador.Tal como a sua predecessora, utiliza como ma-

téria-prima rolos de um material plástico muito

resistente, chamado ABS, que não é demasia-

do caro. A sua principal limitação é o tamanhodos objetos, mas os adeptos consideram-na

uma das melhores opções para quem se estejaa iniciar no fabrico em 3D. A última novidade

da companhia é a Replicator 2, quase 30 porcento maior, muito mais precisa (alcança os

100 mícrons) e com um programa informáti-

co cerca de 20 vezes mais rápido. Vende-se, já

montada, por cerca de 1700 euros.

Por sua vez, a Pwdr, da Universidade de

Twente (Enschede, Países Baixos), utiliza o

hardware aberto do projeto Arduíno. O ma-

terial de impressão é uma combinação de póde cerâmica, argamassa e água, armazenada

em cartuchos provenientes das impressoras a

jato de tinta HP, depois de convenientemen-

te adaptados. Os criadores asseguram que se

trata de uma boa alternativa ao plástico e à

resina. A máquina encontra-se ainda nas pri-meiras fases de desenvolvimento e, embora o

preço seja aliciantemente baixo (cerca de 800

euros), ainda exige muitos conhecimentos

por parte do utilizador, Além disso, o funcio-

namento e manutenção poderiam ser conside-

rados "apenas para peritos".O que irá acontecer quando todos tivermos

uma impressora 3D em casa? Não será de es-

tranhar que as possamos comprar por dez ve-

zes menos do que o seu custo atual, daqui a

alguns anos. Nessa altura, surgirá todo o tipode interrogações sobre as máquinas e os ob-

jetos que elas poderão criar. Será que a forma

das coisas se encontra protegida pelo copy-

rigbt e pela legislação sobre direitos de autor?

Poderemos construir engenhos para uso pes-soal sem ter de pagar licenças? E no caso de se

tratar de bens de primeira necessidade, como

ferramentas, para os países em dificuldades?

Mais cedo ou mais tarde, teremos de enfren-

tar estas e outras questões. De facto, algumas

pessoas já estão a preparar-se, hoje, para po-der responder-lhes.

Al.