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Novo Milênio_ Histórias e Lendas de Santos_ Antigos médicos e hospitais santistas_Hospitais - Hospital Anchieta (4)_ Livro 'Anchieta, 15 anos', de Paulo Matos.pdf

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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - HOSPITAIS - BIBLIOTECA

Hospital Anchieta (4-f23)

Este hospital santista foi o centro de um importante debatepsiquiátrico, entre os que defendem a internação dos doentesmentais e os favoráveis à ressocialização dos mesmos, quetravaram a chamada luta antimanicomial. Desse debateresultou uma intervenção pioneira no setor, acompanhada porespecialistas de todo o mundo.

Um livro de 175 páginas contando essa história (com arte-final de Nicholas Vannuchi, e impresso na Cegraf Gráfica eEditora Ltda.-ME) foi lançado em 2004 pelo jornalista ehistoriador Paulo Matos, que em 13 de outubro de 2009autorizou Novo Milênio a transcrevê-lo integralmente, a partirde seus originais digitados:

Na Santos de Telma, a vitória dos mentaleiros

ANCHIETA, 15 ANOS (1989-2004)A quarta revolução mundial da Psiquiatria

23BREVE HISTÓRIA DA LUTA ANTIMANICOMIAL NO BRASIL

Para Carrano, a luta antimancomial no país foi retomada em Santos, em1987 O militante antimanicomial Austregésilo Carrano Bueno dá a pista para a retomadado Movimento no Brasil, que nos anos 70 existia com o nome de "Movimento Anti-Psiquiatria". Para ele, foi em Santos, em 1987, que reacendeu o movimento. No seu manifesto lançado em 2003, "Exigências na reforma psiquiátrica", Carranodenuncia os cemitérios clandestinos no Juquery e conta que "no ano de 1964, coma tomada do poder pela Ditadura Militar, todos os movimentos populares foramproibidos no Brasil. E a psiquiatria brasileira teve o terreno apropriado para suasincursões de pesquisas e experiências com as mais variadas drogas eeletroconvulsoterapia (eletrochoque) em cima de suas cobaias humanas, presasaos milhares em suas instituições psiquiátricas." Informa o militante antimanicomial que em 1964 havia 79 hospícios no Brasil, em1985 eram 453. "O Governo Militar bancava facilitando financeiramente asconstruções dos Hospitais Psiquiátricos, desde que os donos se comprometessemem aceitar as pessoas enviadas por eles. A Ditadura Militar e a Psiquiatria Brasileirase vestiram como mão e luva, chegando ter uma média de 600.000 (seiscentasmil) internações-ano. Muitos brasileiros desapareceram, foram inutilizados, torturados e mortos dentrodos Hospícios Nacionais, na sua grande maioria hospitais particulares, pertencentesa grupos de psiquiatras. E desses grupelhos de empresários da loucura, associadose diretos participadores dos terrores da Ditadura Militar, ainda hoje muitos atuam esão os donos e associados das instituições Psiquiátricas Brasileiras", relata Carrano. Segundo ele, estes foram sócios-coniventes com as crueldades do sistema, queusava os hospitais psiquiátricos como mais um dos locais de desovas dosindesejáveis pela Ditadura Militar - fossem eles "negros, prostitutas, cabeludos,militantes políticos, homossexuais, subversivos, todos que afrontavam a moral e osinteresses dos ditadores", diz. "Em 1998, continua, nós do MLA – Movimento de Luta Antimanicomial - denunciamos, através da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, 30.000(trinta mil) covas clandestinas dentro da Colônia Psiquiátrica Juqueri, nesse Estado.Nos anos 70, o Juqueri teve o absurdo número de pacientes, na mesma época, de

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18.000 (dezoito mil) internos. Em outras instituições do gênero já foi encontradooutro cemitério clandestino, em Santa Catarina. Nós acreditamos que haja maiscemitérios clandestinos em outras colônias e hospitais psiquiátricos", analisa. Carrano, que identifica "como parte da história" da luta antimanicomial os fatos de1987 em Santos - uma reunião com um grupo de técnicos em Saúde Mental,revoltados com o chamado tratamento psiquiátrico dado aos pacientes do"chiqueirão Hospital Psiquiátrico Anchieta" -, no movimento em que estavapresente o psiquiatra Domingos Stamato, em instituições que Carrano chama de "Casas de Extermínio". E reivindica pagamento de valores como aos anistiadospolíticos para os torturados psiquiátricos. Ele saúda a Lei da Reforma Psiquiátrica ereivindica a instituição da Rede de Trabalho Substitutivo para os 60 mil internos dopaís. Como escreve o psiquiatra Walmor Piccinini, o Brasil sofreu uma certa defasagemnos acontecimentos da Saúde Mental, inaugurando asilos quando seuquestionamento era questionado em várias partes do mundo. Ao invés deutilizarmos antigos mosteiros ou lazaretos como na Europa, construímos prédiosimponentes. Segundo o IBGE, em 1983 o Brasil tinha 427 hospitais psiquiátricos e 106.605leitos, sendo 40.708 em SP. Nos últimos dois anos, apenas, morreram noshospitais psiquiátricos brasileiros 3.222 pessoas, sendo 1.332 em São Paulo. Sãoquase dez mil moradores (que permanecem de 6 meses a 50 anos) só em SP. Mais de 75 mil pessoas internadas em 260 hospitais no país a um custo de R$ 500milhões, que recebiam eletrochoques e eram vítimas de operações cerebrais –lobotomias, que secionavam o cérebro e idiotizavam para sempre - 80% delesprivados e conveniados, realizando 400 mil internações anuais e tratando deapenas 0,52% da população. Uma pequena parcela desse meio bilhão de reais eram aplicados – estes dados sãode 2000/2001 - em unidades extra-hospitalares nas modernas políticas de SaúdeMental, que adotam práticas de reintegração social e participação comunitária,como as utilizadas no Anchieta. O nível de resolução é de 80%, escreve, quandoassociados métodos de reabilitação e reintegração com adesão espontânea dopaciente. Em Santos, estes investimentos inteligentes fizeram reduzir drasticamente, ano aano, as internações em hospitais especializados. Voltando atrás: mais de milpessoas mortas por ano só em SP, nessa época de horrores, mortes sem nenhumarelação com a causa da internação. Os manicômios eram depósitos de gente que, improdutiva economicamente, eramdespejados lá pelas famílias e se tornavam fonte de renda para empresários daSaúde Mental – em condições subumanas de existência, sob fome e tortura. Eraessa a realidade até anos atrás no país, que aqui não era diferente. Bastava uma explosão, uma bebedeira, uma crise – e o destino podia ser oAnchieta, onde se entrava mas não era certa a saída. Muitas foram as vidas que seperderam nesse redemoinho ceifador de vidas, típico de uma sociedade que separae discrimina grupos sociais que expulsa de sua convivência, pois inaproveitáveispara o mercado de trabalho. O passado: o primeiro hospício Em 1923 era fundada a Liga Brasileira de Higiene Mental, que a partir de 1930passa se chamar Assistência a Psicopatas do Distrito federal, sob a tutela dorecém-formado Ministério da Educação e Saúde Pública. No Brasil, a movimentação pela criação do primeiro hospício havia tido início em1830, quando a recém-criada Sociedade de Cirurgia e Medicina do Rio de Janeirolança palavras de ordem que se tornaram um bordão bastante conhecido: aosloucos o hospício. Clama-se pela necessidade de construção de um local específicopara o abrigo de loucos, especialmente dos loucos pobres que vagavamperigosamente pelas ruas, já que os loucos ricos já eram presos ou isolados emcasa. A cadeira de psiquiatria só seria criada em 1881 na faculdade carioca e a loucuraera tratada como uma questão jurídico-criminal no sentido da proteção social.Então recolhidos à Santa Casa de Misericórdia, cujo provedor José Vicente Pereirateria grande participação na construção do primeiro hospício brasileiro, o Pedro II.

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No início, os pacientes ficavam em porões sujos e com fome, acorrentados,entregues a carcereiros e guardas. A substituição das irmãs de caridade pormédicos se deu apenas no final do século XIX, quando os psiquiatras assumem adireção do hospício. Em 1839, José Clemente Pereira salienta as deficiências do atendimento aosdoentes mentais, isolados em células na Santa Casa de Misericórdia. Em seurelatório sobre a questão, em 26 de julho de 1840, prevê a construção de umhospício de alienados. Em 2 de novembro de 1840 é constituída a comissão queadministrará sua construção e ainda antes de seu início os doentes mentais sãotransferidos para uma casa existente no local, sob a guarda do administrador deobras. "Deve haver um professor que vá duas vezes por semana ao local paraprescrever e formular tratamentos", discute-se em reunião em 11 de novembro de1842. Durou mais de dez anos a construção do Pedro II. De maneira geral, até meados de 1850 no Brasil os doentes mentais eramcolocados nas prisões ou em celas especiais nas Santas Casas de Misericórdia. Oprimeiro hospício brasileiro foi o D. Pedro II, subordinado à Santa Casa deMisericórdia. Foi construído em 1851, inaugurado em 5 de dezembro de 1852, noRio de Janeiro, em 18 de maio de 1898 sua colônia agrícola. Dirigido por religiosos,só depois de 30 anos pelo médico de clinica geral, Nuno Andrade, foi o exemplopioneiro na América Latina do regime de liberdade para os psicopatas. E em 1896Franco da Rocha constrói o Hospital Colônia do Juquery, em uma área de 170hectares, próximo à Estação do mesmo nome, com um projeto do arquiteto Ramosde Azevedo. No ano de 1934, quando várias legislações são implantadas, vem à luz o Decreto24.559, que criou o Conselho de Proteção aos Psicopatas, aglutinando váriossegmentos como juízes de órfãos e menores, chefes de policia e OAB erepresentantes de associações privadas de assistência social. Em 1941, seria criado o órgão que passaria a gerir toda a política do setor, oServiço Nacional de Doentes Mentais, regulamentado apenas em 1938, em umaépoca em que era forte o conceito de eugenia e que o Brasil passava por ummomento de afirmação da raça forte que o governo autoritário desenvolvia –característica consolidada após 10 de agosto de 1937 com o Estado Novo. O ideal ariano de Hitler encontrava espaço neste momento em que o Brasil seaproxima do projeto nazi-fascista e o elogia nas palavras de Vargas. O ideal docorpo são se contrasta com o alienado, que precisa ser isolado, por ser doente. Omédico Adauto Botelho vai, então, iniciar uma campanha pela construção dehospícios em todo o país, isolados e em forma de colônia, em que se pudessecolocar no trabalho o paciente de Saúde Mental, o que vinha ao encontro dos ideaisdo incipiente capitalismo brasileiro. A assistência aos psicopatas em São Paulo é uma das mais antigas do Brasil,lembra o Dr. Walmor Piccinini em seu artigo sobre a História da Psiquiatria noBrasil. Diz ele que segundo o professor Pacheco e Silva (1945), o artigo 6 da leinúmero 12 de 18 de setembro de 1848 autorizava o Governo a dar providênciaspara a elaboração de plantas e orçamento de um hospício onde pudessem serabrigados todos os doentes do Estado. Era, segundo Paulo Fraletti, citado por Ribas (JC – 1974), o Asilo Provisório deAlienados da capital de São Paulo, inaugurado em 14 de dezembro de 1852, 9 diasdepois do D. Pedro II. Em 1923, quando Gustavo Riedel, psiquiatra, funda no Riode Janeiro a Liga Brasileira de Saúde Mental, na meta de oferecer assistência aosdoentes, seus sucessores, a partir de 1926, visavam também a eugenia - o estudodas causas e condições que podem melhorar a raça e as gerações dos indivíduos. A construção de grandes manicômios nos séculos XVIII e XIX no Brasil foi obra doEstado, seguindo os preceitos de uma visão civilizatória humanista e higienista,que organizou as regras oficiais e os padrões da política de Saúde Mental no país,como escreve Isaias Pessotti. De 1938, quando um Decreto federal normatiza o atendimento à Saúde Mental,regulamentando o Decreto 24.559 de 1934, a política do setor é centrada noisolamento, na segregação e que operacionaliza legalmente o seqüestro deindivíduos, a cassação de seus direitos civis e garante sua tutela pelo Estado, quevai vigorar até a recente lei do deputado Paulo Delgado. Dos anos 30 em diante, a preocupação eugênica passa a ser fundamental,refletindo um programa racista e moralista, que encarava como avarias cerebraisas doenças mentais. A partir daí o processo de tratamento não evoluiu nos quase

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500 hospitais psiquiátricos brasileiros, com mais de cem mil leitos, um quarto dosquais em São Paulo. Era esse o quadro até 1989 - quando o processo desencadeado a partir daintervenção municipal no Anchieta, acompanhado de ações similares, inclusive coma luta antimanicomial no Congresso Nacional, fez a superação democrática daquestão. No princípio da luta antimanicomial, Nise da Silveira – "O anjo duro" Interpretado por Berta Zemel, o grupo Luiz Valcazaras fez exibir no 36º FestivalInternacional de Londrina de 2003 o filme com esse nome - que interpreta a idéiade Nise da Silveira (1905-1999), que antecipou as teses da moderna psiquiatria -,apresentado por três anos em festivais em Curitiba, Porto Alegre, Recife e SãoPaulo. Anjo Duro faz uma homenagem a Rubens Correa, ator que trabalhou com temas dapsiquiatria e manicômios, em textos de Antonin Artaud. Esta nova visão dapsiquiatria, do que se chamava loucura e passou a constar, como chamava ela,como um dos estados do ser - estimulando a afetividade nos esquizofrênicos -, foiintroduzida aqui por Nise da Silveira, nos anos 40. E se expandiria na Itália, comFranco Basaglia em 1971, na prática a que se antecederia a psiquiatra brasileiraque se opôs ao eletrochoque e à lobotomia – levando-a a criar, em 1946, o Serviçode Terapia Ocupacional do Centro Psiquiátrico D. Pedro II no bairro carioca deEngenho de Dentro, que hoje leva seu nome. Ela havia sido levada para o setor em 1944 e o transformou. Todo esseaprendizado e evolução do tratamento da Saúde Mental, em Nise, tem umaorigem: os tratados de H. Prinzhorn e Karl Jaspers que, em 1922, inspiraram umaestudante da Faculdade de Medicina da Bahia, a única mulher naquela turma de1926, ao lado de 156 colegas. Filósofo e psiquiatra, como Prinzhorn, Jaspers é autor do livro Psicopatologia geral,ligado à fenomenologia (uma conversão de linhas da filosofia, baseada noexistencialismo) de Husserl - um filósofo dos primórdios do existencialismo, comoHeidegger. Saída de Maceió, Nise da Silveira teve a ousadia de sair para estudarem Salvador em uma época em que às mulheres exigia-se apenas bonscasamentos. Era Nise da Silveira, inovadora intrépida no campo do tratamento daesquizofrenia. A tentativa de Karl Jaspers era a de aplicar a fenomenologia de Husserl - captar avivência do ouro diretamente no comportamento em que está incluída asignificação do ato, não procurando atrás, mas no próprio fenômeno - ainterpretação dos distúrbios mentais, valorizando a forma de consciência pessoaldo vivido, a forma peculiar individual de conscientizar ou viver a experiência. Nise era, como Telma, uma desafiadora dos valores estabelecidos, pararevolucionar os conceitos e métodos da psiquiatria no Brasil e no mundo, emcontato, acompanhando e sugerindo experiências ao próprio Jung, como em 1957. Graças a estes caracteres, os até então desprezados e oprimidos seres comtranstornos mentais passaram a vislumbrar chances de vida. Não mais humilhação,asilos, internação, operações cerebrais, choques, surras: muitos iriam ser artistas,passariam a ter uma vida mais serena e feliz, como seres humanos portadores dedireitos. Enquanto Freud ingressara na análise da mente pela via da sexualidade, Jungadotara a espiritualidade como marco de análise. Nise da Silveira, essa mulher,aprendeu na prática – criou – ao que chamava a emoção de lidar, a terapiaocupacional que elevou a método científico, então desprezado. Criadora de um novo léxico, seu horror ao sangue a levou à psiquiatria; seu horrorao sofrimento à invenção das soluções humanitárias. A terapia ocupacional deentão era apenas especializada em fazer os doentes limparem o prédio. Para ela, atitudes como o coma insulínico ou eletrochoques - ou mesmo aslobotomias - apagavam as funções psíquicas superiores, secionando, de modoirreversível, a ligação nervosa entre os lobos frontais e o cérebro. Com aslobotomias, concluiu Nise, se transformava o indivíduo potencialmente recuperávelem um idiota definitivo. Ela provou isso com desenhos antes e depois dasoperações cerebrais aplicadas aos internos.

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Sob sua orientação, os funcionários do Centro Psiquiátrico começaram a estimularos internos a terem contato com várias atividades artísticas, incitando acriatividade e oferecendo novas ferramentas ao paciente para expressar e refletirseu estado psíquico. A esquizofrenia tem como característica a dissociação e a desordem da linguageme o contato com a arte o possibilita de representar seu mundo interno, suasangústias e seu processo de cura, "...o que não ocorre no mundo verbal e sim nomundo arcaico dos pensamentos, emoções e impulsos fora das elaborações darazão e da palavra", como dizia Nise. Nise, antes de Basaglia Antes mesmo de Franco Basaglia revolucionar a psiquiatria com as políticas dedesinternação que concretizou em 1971 em Trieste, na Itália, Nise já combatia oque chamava de regime carcerário dos hospitais, nos anos 40. Ela, então, criou asatividades do estímulo pela arte, buscando restaurar o elo rompido na mente dospacientes através de técnicas livres de desenho, pintura e modelagem. Nise tinha conhecido e se aprofundado nas personalidades esquizofrênicas, nospacientes que chamava de clientes ou amigos, nos livros de Machado de Assis ouna Casa de Detenção em que esteve pela militância política de esquerda. Suasexperiências estão descritas em Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos. Ariqueza do mundo dos psicóticos e sua sobrevivência digna, mesmo após muitosanos de doença, foi observada por Nise – transmitidos na linguagem da arte,impedidas que estavam estas pessoas de estabelecer relações pela linguagem ouraciocínio. O Museu do Inconsciente Em maio de 1952, Nise fundou o Museu de Imagens do Inconsciente, com as obrascriadas por seus pacientes, revelando universos interiores que vislumbravamprocessos de cura e visão dos episódios que levaram à crise. Logo o Museu setransformaria em um centro de estudos de caráter mundial, arquivando desenhosindividualmente e permitindo a avaliação de processos psicóticos, atualmente commais de 300 mil desenhos, telas e esculturas em que estavam presentes elementosque permitiam a introdução na teoria junguiana. Jung trabalhou bastante com esquizofrênicos e Freud com neuróticos, poisconsiderou inadequada a utilização da psicanálise com os psicóticos. Jung foipesquisador do orientalismo e das mandalas usadas na Yoga indiano e no Budismotibetano, desenhos de esquemas psicográficos representativos da união (yoga,palavra que traduz união) dos conteúdos da mente, a ordem no caos psíquico. Yoga e Budismo são psicologias do auto-conhecimento, em que os deuses (dovas)são estados da mente e que tudo é transitório, dialético. Mandala significa círculoem sânscrito, uma forma que, segundo Jung, exprime a defesa instintiva da psiquecontra a esquizofrenia. Construída a partir de um ponto central, para onde todos osoutros elementos convergem, ela funciona como uma tentativa de reorganizar ocaos psicótico, ou seja, a confusão mental. No budismo, os invasores são açuras e o melhor estado são os humanos. "Osbudistas são socialistas", disse o psicólogo Rivaldo Leão, "foram os primeiros acontestar o sistema de castas na Índia, defendendo que todos são iguais". Segundo Bleuer, um dos principais expoentes da psiquiatria clássica (1857-1939),a principal característica da esquizofrenia é a cisão das funções psíquicassuperiores, desagregando os elementos fundamentais da personalidade. Elementospartidos foram notados por Nise, ao lado de outras formas harmônicas, penetrandono estudo das mandalas dos antigos textos orientais.

Nise, antecipando o NAPS santista

Os desenhos avaliados por Jung a pedido de Nise foram de pronto reconhecidos emsua origem esquizofrênica, que tem como característica da dissociação psíquica adesordem de linguagem, espacial e temporal. Leitora de toda a obra do psiquiatra,em 1957 ela ganhou uma bolsa no Instituto Carl Gustav Jung na Suíça, emZurique, participando nesse ano do II Congresso Internacional de Psiquiatria –onde expôs obras do Museu do Inconsciente, valorizada por ele. Segundo Jung, oinconsciente fala a linguagem dos mitos. 

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Em 1956, Nise fundou a Casa das Palmeiras, um externato de portas abertas paraegressos de tratamentos em hospitais psiquiátricos. Esse instituto ainda está emfuncionamento em Botafogo, no Rio de Janeiro, intermediário entre a internação ea liberdade, exemplo dos NAPS santistas. Em 1969, fundou o primeiro núcleo de estudo e difusão da obra do psiquiatra suíçoCarl Gustav Jung no Brasil, que se reunia informalmente desde 1954. Com basenestas experiências ela escreveu o livro Jung, vida e obra, em que sintetiza ateoria do mestre adotada por ela como base teórica de seu trabalho. Falecida em 30 de outubro de 1999, aos 94 anos, Nise deixou uma memória detrabalho pela humanização da Saúde Mental, anterior mesmo a Franco Basagliaque, na Itália, em 1961, derrubou as paredes do manicômio para instalar umanova face humana desse tratamento. A discípula de Jung, pai da psicologiaanalítica, usava animais no tratamento, a quem chamava de co-terapeutas: comeles, seres isolados em si mesmos estabeleciam ligações quase diálogos entre afidelidade canina e a palavra unilateral. A linguagem do afeto – um ponto de referência estável -, iniciado por Nise notratamento de pessoas com problemas mentais, hoje é utilizada na França, EstadosUnidos e Suíça. Nise foi uma precursora da psiquiatria alternativa e que antecipou Basaglia eRotteli. E que fez naquela cidade o Museu do Inconsciente – ao qual se seguiu oMuseu Osório César. Esta psiquiatra inovadora atribuiu suas raízes ao trabalho deOsório César na arte dos internos em um hospital psiquiátrico. Com oito mil obras,o mesmo número do Museu de Arte Contemporânea, na USP, o Museu funciona nacasa projetada por Ramos de Azevedo, onde viveu Franco da Rocha, o fundador doJuquery. Nise da Silveira é a autora do livro Mundo das imagens, lançado em 1992, em queescreve "...o mundo interno do psicótico encerra insuspeitadas riquezas econserva, mesmo depois de longos anos de doença, contrariando conceitosestabelecidos. E dentre as diversas atividades praticadas na nossa terapêuticaocupacional, aquelas que permitiam menos difícil acesso ao enigmáticos fenômenosinternos eram desenho, pintura, modelagem, feitos livremente..."

Bispo do Rosário, um artista no Juquery No histórico da Saúde Mental, na revelação desses processos inovadores,confirmando-os, a presença de Bira é vital. Sua memória exemplifica a forma detratamento aplicada sobre os enfermos mentais, potenciais portadores de umanova linguagem, que serve à cura e à convivência pacífica no meio em quenasceram. Um caso como o de Bira, o artista plástico e escritor Ubirajara Ferreira Braga, ésignificativo. Ex-interno do Hospital Psiquiátrico do Juquery, começou a pintar aos58 anos e tem quase 2.700 obras, 30% do acervo do Museu Osório César - quereúne obras dos internos em SP. Falecido no fim do ano de 2000, autoridades no setor, como a professora da pós-graduação da Escola de Comunicações e Artes da USP, Maria Heloisa Toledo Ferraz– que escreveu um livro sobre a trajetória de Bira – não lhe poupam méritos,visíveis, como no pintor Van Gogh. Pintor incessante e fanático, período integral no ateliê do hospital de segunda asexta, protestava porque não podia pintar nos fins de semana. Seu cartão, quemandara imprimir, indicava sua qualificação: artista plástico, com endereço doJuquery. Era a arte da loucura, traços de esquizofrenia, como é titulada a matéria que oreporta na Ilustrada da Folha de São Paulo do dia 10 de janeiro de 2001, dojornalista Fábio Cypriano. Tema de documentário patrocinado pelo InstitutoCultural do Banco Itaú, dirigido por Christian Cancino e Bernardo de Castro (Asoltura do louco). Bira tinha ainda intensa produção literária – pesquisas - e pretendia lançar umlivro. Não foi recebido pela irmã que morava na Baixada Santista, procurada pelaequipe que lançou o filme. Nos cem anos do instituto, em 1998, no Sesc Pompéia,foi o artista com maior número de obras em exposição: das 85 telas expostas,nove eram suas. 

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Como Arthur Bispo do Rosário, interno da Colônia Juliano Moreira, no Rio deJaneiro, foi um grande produto da safra iniciada por Nise da Silveira. Desde 1923que Osório César, o psiquiatra que escreveu "A expressão artística dos alienados"em 1929 - enviado a Freud e publicado por este na revista Imago –, se dedicou aestudar a arte dos internos. "Não gosto que meus trabalhos fiquem nas gavetas dos acervos dos museusapenas simbolicamente. Arte é para todas as camadas da população. "Arte é vida eela não deve restringir-se só aos artistas e privilegiados", escreveu certa vezUbirajara, em carta a Heloisa. Com 2.615 obras, outras que provavelmentevendeu, o que era proibido no Juquery. Franco da Rocha Fundador do Hospital Colônia Juquery em 1896, escritor do primeiro livro sobrepsiquiatria no Brasil, parte de sua extensa produção), discípulo da ciênciapsiquiátrica como uma disciplina moral (como se tornou desde início do séculoXIX), Francisco Franco da Rocha (1864-1933), nascido em um 23 de agosto, erapaulista de Amparo formado no Rio de Janeiro - e foi um moralista em essência. Ele morou e criou seus 6 filhos dentro do Juquery que fundou e foi o primeiro"medico residente" deste que foi o maior hospital psiquiátrico da América Latina esímbolo da" modernidade" no tratamento dos enfermos mentais. Sim, quando estaera a sofisticação de métodos de tortura como o banho com água fervendo, ainoculação de vírus da malaria (a maloterapia) e a insulinoterapia, a lobotomia(operação cerebral) e o eletrochoque. O Juquery já chegou a ter até 20 mil pacientes. Segundo a historiadora MariaClementina Pereira da Cunha, autora da tese Juquery, espelho do mundo -defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP em 1986 -, o hospital é "um depósito de loucos pobres". "Na verdade, diz, o manicômio é uma instituição criada para marginalizar pessoasincapazes de se adaptarem aos mecanismos sociais vigentes". Com uma ideologia,profundamente arraigada com a manutenção do status quo, Franco da Rocha diziaque havia indivíduos que não são loucos nem normais, são "degenerados" que,explica, "são estados transitórios entre o são e o louco". "Juntam-se a estes osdesclassificados", diz, "tipos que não cabem nem na sociedade e nem no hospício". Rocha chama a estes "desclassificados" os "agitadores, candidatos constantes aohospício". E diz que "os revolucionários são companheiros dos paranóicos",revelando que o "sonho de grandeza do criminoso mostra-se claramente nosanarquistas e nos magnaticidas". Como observa Alfredo Naffah Neto, "uma psiquiatria desta índole está, sem dúvida,mais perto da política do que da medicina ou da psicologia e da política reacionária,que funciona como um leão de chácara das classes e culturas dominantes paramanutenção do status-quo". É como Rush, na mesma linha crítica aos que serebelam, mas de apoio aos seus colegas que fizeram a Independência americana,na rebeldia ao domínio inglês. Façam o que eu digo... A liberdade dos defensores do manicômio Dizia da Rocha que "a liberdade, quando se trata de doidos, não pode deixar de sermuito relativa. A preocupação de evitar o aspecto de prisão, de dar ao asilo aaparência de uma habitação comum tem sido um pouco exagerada por algunsalienistas. O caráter de prisão é, no entanto, inevitável: quando não estiver nosmuros e janelas gradeados, estará no regimen (sic), no regulamento um tantosevero, indispensável para um grande número de doentes...". E receitando "seções diversas" no hospício para que se gradue a liberdade, lembraque "o excesso de zelo pela liberdade dos loucos pode facilmente degenerar emfutilidade...", como diz no livro Hospício e Colônias do Juquery. O Maia de Santos edo Anchieta não era diferente e, mesmo após a intervenção de 1989, usou esteargumento em artigo jornalístico. O Brasil da contramão da história.As políticas da ditadura e a reação antimanicomial nos anos 70 A ampliação dos hospitais e internamentos após o Golpe Militar de 1964 não ésenão mais do que uma coincidência, mas uma identificação com a conjunturahistórica que o país atravessava, de uma tabela beneficiando os empresários do

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setor da saúde, que teve um aumento de 599,9% na importação de equipamentosde 1961 a 1971. E da ampliação dos hospitais psiquiátricos – 110 em 1965; 351em 1978 - na contra-mão da tendência mundial de desospitalização, com oaumento de leitos e multiplicação da rede privada contratada. Era o reforço domercado da loucura. M.P. Ferraz conta em seu artigo na revista Divulgação para a Saúde Mental noBrasil, em 1991, com o Brasil vivendo a unificação dos institutos e criação do INPS,cresceram os investimentos em hospitais psiquiátricos - apesar da queda dosinvestimentos na saúde de 3,42% em 1963 para 1,07% em 1973. E o movimentosocial se movimenta em torno da legislação do setor, promovendo discussões erealizando experiências como a de Santos. Alguns movimentos governamentais como o Prev-Saúde, Conasp e SUDSpromoveram mudanças tímidas, sem dar conta de especialidades de Saúde Mental,tais como o divórcio da população das opinião dos técnicos e a proximidade dosempresários do setor com o Governo. As dificuldades econômicas transformam ohospício em albergue. Mas do movimento pela humanização surgido nos anos 70 como reação às práticasda Ditadura Militar, que torturava indiscriminadamente e não apenas nosmanicômios, na repulsa a um tratamento feito à base de tortura que se expandia,se agregaram médicos psiquiatras, psicólogos e outros profissionais, intelectuais eestudantes, formando o movimento de que faziam parte os trabalhadores deSaúde Mental – obrigados a conviver com a barbárie existente e sujeitos aos seusperigos: nele, fabricavam-se loucos, seus companheiros obrigatórios de trabalho –que se tornavam equipamentos perigosos. Com as lições da Europa, de Basaglia a Foucault, entre outros, o MovimentoAntimanicomial expandiu sua identidade sob o lema Por uma sociedade semmanicômios. E seguiu promovendo seus encontros: em 1990, a propostaconsensual era enfatizar o atendimento extra-hospitalar nos ambulatórios, noscentros de saúde e na rede de atendimento primária, defendendo-se a internaçãoem períodos curtos, excepcionalmente. No momento seguinte, crescem as forças pela desospitalização e inversão daspráticas de atendimento hospitalar. O Ministério da Saúde passa a recusar ospedidos de aumento de leitos nos manicômios. Os governos estaduais intensificam as inspeções sanitárias, as investigações demaus tratos e ameaças de fechamento de clínicas por condições precárias,superlotação e existência de celas-fortes. Em 1990, chega a Declaração de Caracas, produzida pela Conferência Regionalpara a Reestruturação da Assistência psiquiátrica no Continente, promovida pelaOrganização Pan-Americana, que conclama os países signatários a superar ohospital psiquiátrico como serviço central para o tratamento de pessoas comtranstorno ou doença mental, propondo uma rede diversificada e ampliada deassistência sócio-sanitária, acessível e principalmente eficiente – entre outrospontos. Há um vai-e-vem de ações contra e a favor dos manicômios e de seusdonos. Em 1992, o Ministério da Saúde lança a campanha Doença mental não é crime,com o propósito de conscientizar a população contra os preconceitos em relaçãoaos doentes mentais. Há uma meta em acabar com as internações e tratar ospacientes em ambulatórios. Donos de clínicas privadas e hospitais conveniados serebelam. As denúncias crescem. Representantes da Associação Brasileira de Psiquiatria e daComissão de Direitos Humanos da OAB, médicos, psiquiatras, diretores einterventores da área de Saúde Mental das secretarias estaduais de saúde acusamas clínicas de produzirem um estado assustador, com escassez de pessoal técnicopor enfermaria, falta de higiene, técnicas violentas, excesso de medicamentos eprazos acima da média nas internações. O Ministério da Saúde faz concessões aos movimentos organizados, como aportaria 224/92, que submeteu os hospitais a normas de atendimento psiquiátricomais respeitoso aos pacientes e a Norma de Orientação Básica de 1996, que prevêa municipalização do sistema psiquiátrico e o repasse de recursos federais aosmunicípios. Esta só começaria a efetivamente funcionar em abril de 1999, quando o Ministério

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efetivamente ofereceu verbas federais aos municípios que assumissem os serviçospsiquiátricos até então sob o comando da União e dos estados. Nascem os CAPS eos NAPS, os hospitais-dia, que fazem a mediação entre o ambulatório e ainternação, oferecendo atendimento clínico e psicoterapêutico, lares abrigados eoficinas terapêuticas, proibindo a reclusão nas celas-fortes. Os adeptos da desospitalização defendem o deslocamento das verbas para a redepública, diminuindo-os a médio prazo e não se movimentando o processo emfunção do lucro. Os donos de clínicas defendem-se dizendo que estes cortes é quecausam as carências apontadas para o tratamento digno, menos pessoal ealimentação. Era o discurso que o doente mental "não podia ficar desamparado",contra a pregação pelo fim dos manicômios. O jogo era fechado: eles, os donos do negócio da loucura, não apareciam, masfaziam lobies junto aos deputados. Em maio de 1991, a Federação Brasileira deHospitais apresentou um abaixo-assinado ao Congresso Nacional exigindo oadiamento por várias sessões do projeto de Lei do deputado Paulo Delgado. Queaprovado no Congresso, foi rejeitado pela Comissão de Assuntos Sociais do Senadoem 1995, fazendo-o voltar à Câmara para emendas e substitutivos. O lobie dos manicômios, que dão dinheiro Em março de 1992, uma manifestação de duzentos familiares movimenta aCâmara Municipal do Rio de Janeiro contra a redução de leitos nos hospitaispsiquiátricos. O lobie se movimenta. O Ministério da Saúde envia ao Congresso umParecer Técnico favorável ao projeto de Lei, que diz que ele é "conciso, atemporal,aplicável e, portanto, oportuno", na gestão do Ministro Adib Jatene. Apesar daconvergência entre o Movimento Antimanicomial, grupos da sociedade civil,entidades na área médico-psiquiátrica e autoridades do setor estatal, não houve aaprovação no Senado. Denúncias dos trabalhadores da Saúde Mental ameaçam a intervenção no HospitalDr. Eiras, em Pacambi. Em 1992, o Fórum Gaúcho de Saúde Mental pressiona e fazaprovar a lei estadual 9.716. E em 1993 é debatido o projeto de lei 336/92, dodeputado estadual do PT Roberto Gouvêa. Que, entre outros pontos, impede autilização do manicômio para internamento de alcoólatras, destacando ser esta aprimeira lei que trata da questão, que estes devem ficar em clínicas médicas ehospitais gerais. Existem questões a suprir, não basta fechar o manicômio. O Movimento discute arelação de loucura e pobreza: manicômio não é abrigo e pobre não pode ser punidocom internação perpétua. A sociedade tem que encontrar soluções para a miséria epara a falta de abrigos para os cidadãos que não se restrinja à hospitalização. Em 1993, em Salvador, ocorre o I Encontro do Movimento Antimanicomial, sob otema O Movimento Antimanicomial como movimento social, e o II em 1995, emBelo Horizonte, sob o tema Cidadania e Exclusão. Nesse ano, diretores eassistentes sociais da clínica conveniada Dr. Eiras e do Hospital Psiquiátrico doJuquery dizem que os pacientes não tem para onde ir, mesmo após ter recebidoalta. Em 1996 acontece a Carta de Vitória, produzida pelo Encontro Nacional de Justiçae Doença mental, em novembro, propondo entre outros pontos a alta progressiva eas saídas terapêuticas, o hospital-noite e o trabalho externo, a ampliação de açõesterapêuticas em novos espaço de ação psico-social. Em 1997 o III Encontro do Movimento Antimanicomial aconteceu em Porto Alegre eo tema foi Por uma sociedade sem exclusões, enfrentando um fato que é a duraoposição dos donos de hospitais e clinicas de Saúde Mental. A integração dos doentes mentais em ambientes sociais (escolas e locais detrabalho) e a autonomia para decidir sobre a própria internação são temaspolêmicos. No relatório desse III Encontro, uma comissão apresentou meios desuperar as dificuldades de moradia e manutenção dos pacientes que deixaram oshospitais psiquiátricos, o Lar Abrigado e a Pensão Protegida. A solução das pensões protegidas já tinha sido adotada na Espanha e naInglaterra, com ajuda às famílias para que possam receber seus membros seminterná-los. Também elaborou-se uma política de subsídios para construção eaquisição da casa própria pelos usuários e oferta de remédios básicos peloMinistério da Saúde.

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A desospitalização não pode significar o abandono pelo estado dos cuidadosmédicos-psiquiátricos, retornando aos padrões de assistência individualistabaseados na família. Era necessário chegar a um acordo sobre isso com osfamiliares, deixando claro que apenas a assistência estatal não garante a melhoriado atendimento nem da qualidade dos serviços. A questão não é apenas econômica ou não alcançará sustentação moral. Aestrutura tem que ser melhor do que o manicômio impositor de sofrimento,restabelecendo-se os laços de solidariedade familiar, como defendeu-se em Santos.A maioria dos casos que chegam aos sanatórios não é de internação, mas dedesajuste, pedindo apenas atendimento ambulatorial. A atenção psicológica integrada às demais modalidades clínicas configura-se comouma política de assistência considerada mais apropriada e eficiente para tais casos,notadamente para as populações sem recursos para recorrer aos divãs dospsicólogos particulares.

A lei estadual da Saúde Mental

Em 2000 é aprovada a legislação proposta pelo PL 336, do deputado RobertoGouvêa (PT), que trata especificamente do tratamento que deve ser dado aosdoentes internados, extinguindo os códigos de identificação, passando a seremidentificados pelo nome – e que eles tivessem o direito de recusar o tratamento. O deputado Gouvêa é autor da Lei Complementar que criou o Código de Saúde doEstado de São Paulo, o primeiro código estadual do país, em que consta umanorma específica para a Saúde Mental que a estipula como último recursoterapêutico. Novas soluções viriam com a aprovação final da lei do deputado Paulo Delgado e aexpansão da consciência antimanicomial, reproduzindo os exemplos de Trieste e deSantos pelo Brasil, que encontra dificuldades para aprovação no Congressonacional devido aos lobies, enquanto que nos Estados as leis vão sendo aprovadas.A causa segue seu caminho, que encontraria seu ápice em Santos.