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Cultura Acadêmica Organizadores Laurence Duarte Colvara, José Brás Barreto de Oliveira NÚCLEOS DE ENSINO DA UNESP Artigos 2015 Volume 4 Os Processos de Interação na Escola e Políticas Públicas e Organização Escolar

NÚCLEOS DE ENSINO DA UNESP · Considerando que a maior dificuldade da escola e dos professores esteja na identificação das fontes de situações vitimizadoras, para evitá-las

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Organizadores

Laurence Duarte Colvara, José Brás Barreto de Oliveira

NÚCLEOS DE ENSINO DA UNESPArtigos 2015

Volume 4

Os Processos de Interação na Escola e Políticas Públicas e Organização Escolar

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Universidade Estadual Paulista

Reitor Julio Cezar Durigan Vice-Reitora Eduardo Kokubun Pró-Reitor de Graduação Laurence Duarte Colvara Pró-Reitora de Pós-Graduação Lourdes Aparecida Martins dos Santos-Pinto Pró-Reitora de Pesquisa Maria José Soares Mendes Giannini Pró-Reitora de Extensão Universitária Mariângela Spotti Lopes Fujita Pró-Reitor de Administração Carlos Antonio Gamero Secretária Geral Maria Dalva Silva Pagotto Chefe de Gabinete Roberval Daiton Vieira

Pró-Reitor Laurence Duarte Colvara Secretária Joana Gabriela Vasconcelos Deconto Larissa Constantino Luque Assessoria José Brás Barreto de Oliveira Maria de Lourdes Spazziani Valéria Nobre Leal de Souza Oliva

Técnica Bambina Maria Migliori Camila Gomes da Silva Gisleide Alves Anhesim Portes Ivonette de Mattos Maria Emília Araújo Gonçalves Maria Enilda de Oliveira Santos Renata Sampaio Alves de Souza Sergio Henrique Carregari Valéria Nagashima Artéa

Projeto e Diagramação Estela Mletchol

equipe

©Pró-Reitoria de Graduação, Universidade Estadual Paulista, 2016.Ficha catalográfica elaborada pelo Grupo de Informações Documentárias da Unesp

N964Núcleos de Ensino da Unesp : artigos 2015 [recurso eletrônico] / organiza-

dores Laurence Duarte Colvara, José Brás Barreto de Oliveira – Dados eletrônicos (1 arquivo). – São Paulo : Cultura Acadêmica : Universidade Estadual Paulista, Pró-Reitoria de Graduação, 2016.

Requisitos do sistema: Adobe Acrobat Reader. Modo de acesso: World Wide Web http://www.unesp.br/prograd

Conteúdo: v. 4. – Os Processos de Interação na Escola e Políticas Públicas e Organização Escolar

ISBN 978-85-7983-845-3

1. Educação – Projetos. 2. Análise de interação em educação. 3. Políticas pú-blicas. 4. Escolas – Organização e administração. I. Colvara, Laurence Duarte. II. Oliveira, José Brás Barreto de. III. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Pró-Reitoria de Graduação.

CDD 378.8161

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Conselho Editorial das publicações do Programa Núcleos de Ensino da Unesp:

Profa. Dra. Claudete de Souza Nogueira – Araraquara/FCL

Prof. Dr. Antonio Carlos Barbosa da Silva – Assis/FCL

Profa. Dra. Thaís Cristina Rodrigues Tezani – Bauru/FC

Prof. Dr. Paulo Cesar Gomes – Botucatu/IB

Profa. Dra. Hilda Maria Gonçalves da Silva – Franca/FCHS

Profa. Dra. Alice Assis – Guaratinguetá/FE

Profa. Dra. Maria Ângela de Moraes Cordeiro – Ilha Solteira/FE

Profa. Dra. Tatiana Noronha de Souza – Jaboticabal/FCAV

Profa. Dra. Luciana Aparecida de Araújo Penitente – Marília/FFC

Profa. Dra. Carla Cristina R. Gimenes de Sena – Ourinhos/Câmpus Experimental

Profa. Dra. Raquel Gomes de Oliveira – Presidente Prudente/FCT

Profa. Dra. Silvia Deutsch – Rio Claro/IB

Prof. Dr. Fábio Fernandes Villela – São José do Rio Preto/IBILCE

Prof. Dr. José Paiani Spaniol – São Paulo/IA

Profa. Dra. Ana Carolina Biscalquini Talamoni - São Vicente/CLP

Núcleos de Ensino da Unesp, coletânea de artigos 2015.

Volume 1 Processos de Ensino e de Aprendizagem dos Conteúdos Escolares

Volume 2 Metodologias de Ensino e a Apropriação de Conhecimento pelos Alunos

Volume 3 Tecnologias da Informação e Comunicação e Material Pedagógico

Volume 4 Os Processos de Interação na Escola e Políticas Públicas e Organização Escolar

Volume 5 Formação de Professores e Trabalho Docente

Volume 6 Educação Inclusiva

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APRESENTAÇÃO

A Pró-Reitoria de Graduação da Unesp tem a satisfação de disponibilizar o Livro Eletrônico do Programa Núcleos de Ensino, com textos produzidos a partir do desenvolvimento dos projetos apoiados pelo Programa no ano de 2015.

Os entraves da educação básica são dramáticos e de amplo conhecimento e a sua insistente persistência denotam a dificuldade em superá-los. Os exemplos são abundantes: crianças e jovens vivendo em condições de extrema vulnerabili-dade social que impactam negativamente no seu aprendizado, formação inicial precária de professores para a educação básica, baixa atratividade da carreira docente, infraestrutura escolar deficitária, áreas em que professores formados na área específica são exceção etc. Assim, não devem causar estranheza os baixos índices de rendimento dos estudantes nas diferentes avaliações.

Desde 1987 Os Núcleos de Ensino da Unesp, atualmente organizados nos 15 câmpus da Universidade que oferecem cursos de Licenciatura, tem contri-buído para fortalecer a parceria da Universidade com a escola pública de ensi-no básico, nas respectivas regiões dos cursos.

Os projetos aprovados e apoiados pela Universidade favorecem que a produ-ção acadêmica na área educacional produzida na Universidade chegue às escolas de ensino fundamental e médio, qualificam a formação dos estudantes licencian-dos pela vivência diferenciada nos espaços de aprendizagem e impulsionam o avanço do conhecimento na área. A cara e rara articulação entre o ensino, a pes-quisa e a extensão ganha realidade nos projetos do Programa Núcleos de Ensino e contribuem para a superação dos desafios.

No ano de 2015 foram desenvolvidos 135 projetos, que contaram com a par-ticipação de 207 licenciandos bolsistas e aproximadamente 283 escolas parcei-ras da Unesp, com investimento de R$ 1,2 milhões. O presente livro está sendo publicado em seis volumes, cada um abordando eixo temático próprio, com 90 artigos no total, avaliados por pareceristas ad hoc.

Este Volume 4 aborda o tema “Os Processos de Interação na Escola e Políticas Públicas e Organização Escolar”. Esperamos que possa contribuir significativa-mente com o trabalho dos estudantes e profissionais que se interessam pelos assuntos da educação e nela atuam.

Pró-Reitoria de Graduação da Unesp

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1 Situações Vitimizadoras Dentro e Fora da Escola: Possibilidades de Enfrentamento .......................................................................................................... 6

2 As Relações Interpessoais na Práxis Educativa: Ética, Amizade e a Medicalização Escolar .......................................................................................... 24

3 Os Efeitos do Brincar em Condutas Agressivas de Criança na Educação Infantil ........................................................................................................... 43

4 Análise do Comportamento Estudantil e Incidência de Bullying: Ações de Intervenção ................................................................................................... 55

5 Infância e Escola: As Relações Professor e Aluno na Educação Infantil ........................................................................................................... 69

6 Ética, Pluralidade e Sexualidade entre Estudantes do Ensino Médio Público .................................................................................................. 76

7 Imaginação e Criatividade Infantil: O Desenho como Instrumento Didático-Pedagógico na Perspectiva da Teoria Histórico-Cultural .......... 101

8 Direitos Humanos e Gênero na Educação Infantil ........................................... 125

9 Coordenação Pedagógica à Luz da Gestão Escolar Democrática e suas Interfaces com a Organização Escolar .................................................... 136

10 Educação Alimentar e Nutricional: Roda de Conversas em Torno da Cultura Alimentar Brasileira .............................................................................. 149

11 Interdisciplinaridade numa Escola de Tempo Integral: Concepções, Currículos e Práticas .................................................................................................... 165

12 A Prevenção de Acidentes Infantis em Berçário da Rede Pública de Educação ..................................................................................................................... 185

13 Impacto dos Cursos Pré-Vestibulares no Desempenho dos Candidatos no Vestibular da Unesp ............................................................. 207

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1SiTuAÇÕES ViTimiZADORAS DENTRO E FORA DA ESCOLA: POSSiBiLiDADES DE ENFRENTAmENTO

Alessandra de Andrade Lopesmaria Regina Cavalcante

mariana da Silva Cortes GonçalvesCaio Araújo Trevisan

Analice Rodrigues martinsFaculdade de Ciências/Unesp/Bauru

Resumo: Ao longo da vida nos deparamos com situações ruins que são assim qualificadas por ocasionarem prejuízo, dano ou ameaça. Uma avaliação particular e relacionada à história de interações poderá descrever o modo como cada um irá lidar com “situações vitimizadoras ou não vitimizadoras”. As situações vitimizadoras podem afetar o desenvolvimento cogniti-vo, afetivo e social dos envolvidos. Sentimentos de insegurança, medo e imprevisibilidade são sinais negativos, que evidenciam a impotência diante de futuras ocorrências de tais si-tuações, sem que se possa evitá-las ou cessá-las. Podemos considerar que quanto maior a vivência em grupo, mais vulneráveis estão os indivíduos às situações vitimizadoras. Os jo-vens, em especial em idade escolar, podem ser incluídos a este grupo, pela convivência inten-samente com seus pares. O presente artigo relata os objetivos, o desenvolvimento e os resul-tados gerais do Projeto realizado junto ao Programa Núcleos de Ensino – Unesp/Prograd, em parceria com uma escola pública de Ensino Integral, no interior do Estado de São Paulo. O Projeto objetivou identificar situações vitimizadoras, junto a estudantes, dentro e fora da escola; bem como realizar intervenções que abordam diretamente o tema, discutindo possí-veis modos de enfrentamento.

Palavras-chave: Situação vitimizadora; enfrentamento; educação e escola.

SOBRE O PROjETO: FuNDAmENTOS TEóRiCOS E OBjETiVOS

Nossas experiências cotidianas podem ser caracterizadas como universais – “todos irão passar por isso”; pessoais – “cada um viverá a situação, com alguma particularidade”; intransferíveis – “o que estou vivendo, não poderá ser transfe-rido para que outra pessoa passe no meu lugar”; e irreversíveis – “depois da ocorrência, muitas coisas não serão como antes”. Além disso, estas experiências

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cotidianas podem ser avaliadas como boas e ruins, dependendo das consequên-cias e efeitos sobre as condições de vida da pessoa ou dos envolvidos.

Nos anos das décadas de 1950 e 1960, estudiosos em diferentes áreas do co-nhecimento se dedicaram a identificar eventos que produziam múltiplas reações orgânicas, sociais e emocionais nas pessoas. Estes eventos foram nomeados de estressantes. Nos últimos 25 anos tanto tem crescido o número de estudos sobre Estresse, Saúde, Qualidade de vida, quanto os estudos sobre o modo como o ho-mem interage e responde a estas condições, na tentativa de evitar, minimizar ou reduzir prejuízos e danos (SEIDL, 2000; MINAYO, 2004).

Na década de 60, na área da Psicologia, o psicólogo Richard Lazarus, classifi-cou como um fenômeno psicológico o modo de “lidar com eventos estressantes” como de “Enfrentamento – coping”, definido pela maneira com que as pessoas apresentavam seus “esforços cognitivos, afetivos e sociais”, para evitar, reduzir ou terminar com interações que trazem a iminência ou presença de prejuízo, dano ou ameaça (LAZARUS e FOLKMAN, 1993).

Os estudos evidenciam que as situações estressantes ou vitimizadoras são assim caraterizadas, principalmente, pela interação e pelo efeito que produzem na vida do “vitimizado”. Estes efeitos podem ser constatados por meio: a) de rea-ções emocionais diversas, como por exemplo, choro, tremor, palpitações, inape-tência, sudorese, dentre outras reações, diante da presença ou iminência do que foi relacionado com algo perigoso, de ameaça ou de prejuízo; b) de pensamentos e ações observadas, que evidenciam que a pessoa vitimizada espera pela próxi-ma ocorrência, sem que se possa certamente evitá-la; c) da redução de novas possibilidades de ação, predominando o modo evitativo e de fuga, diante da me-nor iminência de ocorrência futura (SIQUEIRA, 1994; SIDMAN, 1958; 1995).

Historicamente nos estudos da área são exemplos de experiências cotidianas vitimizadoras: a) o acometimento por uma doença, com menor ou maior ameaça à vida; b) convivência com pessoas com doenças crônicas, que requerem cuida-dos especiais; c) violência e assédio moral e corporal; d) a morte de familiares ou conhecidos; e) separação ou divórcio; f) perda de emprego (SIQUEIRA, 1994; KÓ-VACS, 2012).

Estas e outras situações vitimizadoras tem sido estudadas no contexto esco-lar, principalmente, relacionadas à violência física e moral entre pares, como é o caso do bulling.

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Embora a escola e seus professores e familiares estejam atentos para tais si-tuações, que podem influenciar de modo negativo no desempenho escolar e nas relações interpessoais de seus alunos, pouco tem sido as ações formativas, com procedimentos psicoeducativos disponíveis para intervir sobre os efeitos dos eventos ou situações vitimizadoras, a partir do momento que as mesmas ocor-rem (SZYMANSKI, 2000; 2002; ANDRADE-LOPES, COMBINATO, REALI, 2004; SILVEIRA, 2009).

Considerando que a maior dificuldade da escola e dos professores esteja na identificação das fontes de situações vitimizadoras, para evitá-las ou atuar sobre as mesmas, abordando o assunto, explicitando e ajudando a minimizar os efeitos aversivos, o presente projeto propôs-se: a) identificar junto aos estudantes, quais são os eventos ou situações vitimizadoras presentes; e b) desenvolver atividades de intervenção, visando favorecer possíveis modos de enfrentamento para evitar, minimizar ou terminar com estas situações.

O PROjETO DESENVOLViDO NA ESCOLA: mETODOLOGiA E RESuLTADOS

O presente Projeto Núcleos de Ensino foi realizado em uma Escola Pública de Ensino Fundamental e Médio, em uma cidade do interior do Estado de São Paulo. Esta escola segue o Programa de Ensino Integral (PEI), do 6º ano do ensino fun-damental ao 3º. ano do ensino médio. Segundo as Diretrizes do Programa de En-sino Integral do Estado de São Paulo, o Projeto de Vida Acadêmico dos estudantes é o foco para o qual devem encaminhar todas as ações educativas e curriculares da escola, sendo construído a partir do provimento da excelência acadêmica, da formação para valores e da formação para o mundo do trabalho (SÃO PAULO, 2013; MOURA, 2015).

A escola possuía 40 professores, 8 funcionários e 450 alunos. Os alunos esta-vam distribuídos em 14 turmas: duas de sexto ano, duas de sétimo ano, duas de oitavo ano, duas de nono ano, quatro de primeiro ano médio, uma de segundo ano médio e uma de terceiro ano médio.

O projeto foi desenvolvido em três etapas: a) reuniões com professores e pais dos alunos, para apresentação do projeto; b) aplicação de questionário com os alunos para identificação de situações vitimizadores; c) reuniões de devolutiva para professores, alunos e comunidade de pais/responsáveis e encontros com os

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alunos. As etapas foram desenvolvidas pela coordenação do projeto e colabora-dores – estudantes do curso de graduação em Psicologia da Unesp/Bauru.

Etapa 1. Apresentação do projeto. Inicialmente o projeto foi apresentado para os professores, durante Atividade de Trabalho Pedagógico Contínuo (ATPC); para os pais dos estudantes, durante o evento “Um dia na escola de meu filho”; e para todos os estudantes da escola, passando de sala em sala, preparando-os para as etapas seguintes do projeto.

Etapa 2. Aplicação de um questionário junto aos alunos. O questionário foi elaborado com 29 itens. A sequência dos itens do questionário foi estabelecida intercalando situações que poderiam ser vividas dentro e fora da escola. Dentre os itens, 12 se referiam a possíveis situações que poderiam ter sido vividas den-tro da escola; e 17 itens, que poderiam ter sido vividas fora da escola. O Quadro 1 apresenta o instrumento aplicado para identificação e avaliação das situações vitimizadoras.

Quadro 1 Situações vitimizadoras: identificação e avaliação ao longo dos últimos 12 meses.

Últimos 12 meses Sim Nãomuito Afetou

Pouco Afetou

1. Não foi compreendido pelos colegas

2. tomou bebida alcoólica

3. Sofreu preconceito com sua cor da pele na escola

4. Brigou com pessoas com quem mora

5. Já se sentiu ameaçado por alguém na escola

6. Fez aborto (você ou sua companheira)

7. Fumou cigarro

8. Brigou com os irmãos/irmãs

9. Já engravidou (você ou sua companheira)

10. Alguém de sua família ou próximo de você morreu (parentesco)

11. Sofreu preconceito com sua estatura/tamanho na escola

12. Usou drogas

(continua)

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Últimos 12 meses Sim Nãomuito Afetou

Pouco Afetou

13. Sofreu violência na escola (foi ofendido, apanhou)

14. tirou notas baixas na escola

15. Sofreu preconceito com seu peso ou tipo físico na escola

16. Não foi compreendido pelas pessoas com quem mora

17. Sofreu preconceito com sua orientação sexual na escola

18. mudou de casa

19. teve problemas financeiros na família (dívidas, falta de dinheiro)

20. Foi reprovado na escola

21. Seus pais se separam

22. Brigou com professores na escola

23. Sofreu violência da família ou de alguém próximo (foi ofendido, apanhou)

24. mudou de escola

25. teve problemas de saúde na família (parentesco)

26. Ficou doente e não pode ir à escola

27. Não foi compreendido pelos professores na escola

28. Brigou com colegas ou amigos da escola

29. terminou namoro

A aplicação do questionário foi feita em grupo, mas os alunos responderam individualmente. Foram necessárias duas aulas de 50 min., em cada turma, para aplicação do questionário.

Após apresentação geral do projeto, todos os alunos, nas respectivas turmas, receberam as seguintes instruções: a) leitura de cada item do questionário; b) após leitura do item responderiam assinalando Sim, para o caso de ter vivido a situação indicada; ou Não, para o caso de não ter vivido a situação indicada; c) Se respondessem Sim, ainda deveriam assinalar o evento Muito Afetou ou Não

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Afetou, avaliando em medida a situação ainda estava presente em sua vida, em termos de pensar sobre o ocorrido com frequência, emocionar-se e fazer coisas no dia a dia para tentar evitar que ocorra novamente.

A aplicação do questionário foi feita em grupo, mas os alunos responderam individualmente. Foram necessárias duas aulas de 50 min, em cada turma, para aplicação do questionário.

Após apresentação geral do projeto, todos os alunos, nas respectivas turmas, receberam as seguintes instruções: a) leitura de cada item do questionário; b) após leitura do item responderiam assinalando Sim, para o caso de ter vivido a situação indicada; ou Não, para o caso de não ter vivido a situação indicada; c) Se respondessem Sim, ainda deveriam assinalar se Muito Afetou, avaliando em medida a situação ainda estava presente em sua vida, em termos de pensar sobre o ocorrido com frequência, emocionar-se e fazer coisas no dia a dia para tentar evitar que ocorra novamente.

Etapa 3. Devolutivas dos questionários. Todas as turmas receberam devoluti-va geral dos resultados dos questionários. As devolutivas foram realizadas du-rante as aulas. Nas devolutivas foram apresentados dados gerais da avaliação inicial das situações vitimizadoras, sem identificação das turmas; e depois, dados mais específicos, de cada turma.

Ainda na Etapa 3 do Projeto, as turmas fizeram atividades específicas. Para cada turma foram planejadas atividades com objetivo de melhor explorar e des-crever as situações vitimizadoras (contexto e consequências) indicados pelo gru-po, em termos de “quando aconteceram ou acontecem; como lidaram ou ainda lidam/enfrentam os efeitos das situações, bem como discutir e avaliar, em grupo, novas possibilidades de enfrentamento.

Na Etapa 3 também foram realizadas duas reuniões com os professores para discussão dos resultados dos projetos no horário de ATPC e um encontro com os pais, promovido pelo direção e coordenação do presente Projeto Núcleo de Ensi-no/Prograd.

Todas as etapas foram apresentadas, planejadas e replanejadas com a direção e a coordenação pedagógica da escola, ajustando-se ao tempo disponível dos alu-nos, professores e familiares dos estudantes.

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Resultados da Etapa 1: apresentação do projeto

O projeto foi bem recebido na escola, bem como os professores e alunos da universidade que integravam o mesmo. Alguns horários e espaços na escola fo-ram reorganizados pela direção e coordenação pedagógica, para que as ativida-des previstas no projeto fossem desenvolvidas. A disponibilidade dos professo-res foi de fundamental importância.

Durante a Etapa 1, de apresentação do projeto junto aos alunos, a aceitação foi unânime, receberam com entusiasmo as professoras e discentes da universidade. Os alunos da escola fizeram muitas perguntas sobre o projeto e sobre a Unesp.

Em reunião com os familiares responsáveis, o projeto também foi bem recebi-do. Na primeira reunião estavam presentes 70 pessoas da família dos estudantes (15% dos pais/responsáveis). Os familiares solicitaram novos encontros para que pudessem falar sobre as situações difíceis que vivenciam em interação com os filhos e para discutir maneiras de lidar com estas situações.

Importante registrar que a direção da escola, a coordenação pedagógica e os professores manifestaram duas preocupações iniciais. A primeira, em relação ao impacto que o projeto poderia ocasionar nos estudantes, pois iriam falar de situa-ções difíceis. E a segunda, sobre o aproveitamento dos resultados do projeto para a vida dos alunos, em especial, no contexto escolar.

Por parte dos envolvidos na execução do projeto, o sigilo foi garantido à dire-ção, à coordenação pedagógica e demais professores. Principalmente junto aos alunos foi firmado o contrato de sigilo, nas etapas que se seguiram.

Quanto aos efeitos dos resultados do projeto, na vida do aluno e mais especifi-camente, no seu desempenho acadêmico, pode-se inicialmente conversar sobre os benefícios da abordagem direta sobre o tema na escola, não somente pela iden-tificação de situações eminentemente vitimizadoras (dentro e fora da escola), mas pela possibilidade de redução das mesmas. Além disso, pode-se apontar os benefícios de uma perspectiva de prevenção de situações vitimizadoras e de pro-moção do enfrentamento, fortalecendo as relações interpessoais entre os alunos e alunos-professores, condição importante que favorece o ambiente de ensino e aprendizagem. A Etapa 1 foi concluída em quatro meses (um semestre letivo).

Resultados da Etapa 2: aplicação do questionário

A Etapa 2 foi concluída em quatro meses (um semestre letivo). Na Etapa 2 ocorreu a aplicação do questionário para as 14 turmas de alunos da escola.

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O questionário foi aplicado em duas aulas de 50 minutos. O preenchimento do questionário ocupou uma aula e a aula seguinte foi utilizada para discussão geral da aplicação e resultados iniciais.

A aula de aplicação do questionário foi iniciada com uma breve apresentação sobre o Projeto e instruções gerais. Durante a leitura em voz alta dos itens, cada aluno assinalou as alternativas desejadas, em silêncio. As dúvidas de compreen-são sobre os itens foram respondidas em voz alta. Os alunos que pediram ajuda para preenchimento do questionário, de modo particular, foram atendidos indi-vidualmente nas respectivas carteiras.

Podemos resumir que a aplicação transcorreu de modo tranquilo, com algu-mas ocorrências: saída de aluno chorando da sala, por ter se lembrado de fato ruim ocorrido na vida – este aluno foi acompanhado e recebeu ajuda das pro-fessoras e estudantes da universidade; alunos que se emocionaram na sala de aula, mas não saíram da sala – os alunos receberam acolhimento das professo-ras e estudantes da universidade após aula; e alunos que durante a aplicação já queriam socializar, em voz alta, para o grupo as respostas aos itens do questio-nário, o que estavam vivendo diariamente, principalmente, com relação ao am-biente escolar. Nestes casos, foi solicitado que respondessem ao questionário em silêncio e dito a eles que na aula seguinte teríamos um momento de conver-sa, em grupo.

Na aula após aplicação do questionário algumas perguntas foram feitas para cada turma: a) foi difícil responder ao questionário? se sim, quais foram as difi-culdades encontradas?; b) quais itens chamaram mais sua atenção?; c) quais ou-tras situações poderiam ter sido mencionadas como vitimizadoras e que não es-tavam no questionário?

Resultados da Etapa 3: identificação das situações mais vitimizadoras e modos de enfrentamento

Na Etapa 3 os resultados da aplicação dos questionários foram apresentados para todas as turmas, sem identificação individual. No total, 324 alunos respon-deram ao questionário, ou seja, 72% dos 450 estudantes. A faixa etária dos alu-nos era entre 12 e 17 anos, correspondentes anos escolares.

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Quadro 2 Número de alunos que responderam ao questionário, por ano.

AnoN° de estudantes

respondentesAno

N° de estudantes respondentes

6 A 21 9 B 27

6 B 24 1 A 20

7 A 30 1 B 14

7 B 30 1 C 18

8 A 28 1 D 13

8 B 30 2 A 20

9 A 23 3 A 26

Dos 29 itens selecionados no questionário todos os alunos responderam que viveram, ao menos uma vez, uma situação vitimizadora com forte impacto na rotina de de sua vida – item afetou muito.

A Figura 1 apresenta o percentual de indicações divididas entre Ensino Fun-damental (séries finais) e Ensino Fundamental.

Figura 1 Percentual de indicação de situações vitimizadoras, por ano escolar, que muito afetaram a vida dos respondentes.

Os dados da Figura 1 destacam as indicações de mais de 50% de situações vitimizadoras vivenciadas que muito afetaram a vida dos estudantes de Ensino Médio.

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Ao todo 61% das indicações foram feitas para situações vivenciadas fora da escola e 39% relacionadas ao ambiente escolar. Sendo que o maior percentual de indicações para situações vitimizadoras vivenciadas fora da escola foi de estu-dantes de Ensino Médio; e maior percentual de indicações de situações vitimiza-doras vivenciadas dentro da escola foi de estudantes do Ensino Fundamental – séries finais (Figura 2).

Dentre as situações mais citadas fora do contexto da escola estavam: a) morte de familiar – em especial de pais e avós; b) briga com familiares, irmãos e pais, discutindo e brigando por espaços na casa, cumprimento de horários e de responsabilidades; c) doença na família, incapacitando provedor de sustentá-la.

Dentre as situações vitimizadoras apresentadas, as mais citadas, relacionadas ao ambiente escolar foram: a) brigas com colegas, por motivo de ofensas pesso-ais e preconceituosas (cor da pele e orientação sexual); b) comunicação difícil com os professores, às vezes com alta exigência, outras vezes com indiferença, em relação às demandas dos alunos; e c) menção pública às notas baixas, favore-cendo a manifestação de uma percepção negativa do aluno, sobre seu desempe-nho escolar, para aprender e prosseguir com os estudos.

Figura 2 Percentual de estudantes que indicaram vivência de situação vitimizadora – dentro e fora da escola.

Após apresentação e discussão dos dados com os estudantes (devolutiva), um Plano de Atividades foi aplicado, com todas as turmas de estudantes, envolvendo os alunos em dinâmicas de grupo, com objetivo de facilitar o relato mais detalha-do dos eventos e a compreensão das situações vitimizadoras, visando possibili-dades de enfrentamento.

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Mais dois encontros foram realizados com cada turma. A Etapa 3 foi concluída em 8 meses (dois semestres letivos).

Encontro 1. Situações Vitimizadoras e Tarefas de Enfrentamento

No primeiro encontro, inicialmente, foi apresentado e discutido com os alu-nos o que seriam situações vitimizadoras e como poderíamos lidar com tais si-tuações (enfrentamento).

De acordo com literatura da área, diante de situações vitimizadoras respon-demos de modo a minimizá-la ou terminá-la e isso dependerá das condições pes-soais e situacionais que envolvem: apoio social, história de perdas e interação com os envolvidos (WORDEN, 2012). Deste modo, a atividade proposta a seguir teve como objetivo não somente identificar as situações vitimizadoras, bem como avaliar o modo como cada um estava lidando com a mesma (enfrentamento), em termos de recursos pessoais e situacionais presentes.

Durante uma aula de Projeto de Vida os alunos receberam uma folha sulfite, dividida em quatro partes. Na primeira parte da folha os alunos registraram “um evento que tenha ocorrido nos últimos 6 meses e que, para eles, teriam produzi-do algum tipo de dano, prejuízo ou desafio”. Na segunda parte da folha os alunos registraram “se tem conversado com outras pessoas sobre o ocorrido e qual o vínculo que tem com esta pessoa”. Na terceira parte da folha, os alunos registra-ram “quais mudanças ocorreram na vida, após a situação vitimizadora indicada”. E na última e quarta parte, registraram “como a situação vitimizadora afetou seu Projeto de Vida pessoal e acadêmico/escola”.

Sendo assim, podemos dizer que a primeira tarefa de enfrentamento corres-ponde a identificar/reconhecer, ou seja, tornar o acontecimento consciente, ca-paz de relatá-lo e apontar as possíveis condições que produziram a situação viti-mizadora: O que aconteceu e porque aconteceu? A Figura 3, apresenta as situações vitimizadoras mais citadas pelos alunos nos últimos 6 meses.

Assim como foi identificado nos resultados do questionário – aplicado inicial-mente junto aos estudantes da escola, as situações vitimizadoras predominantes estão fora do contexto escolar. Embora o relacionamento com amigos na escola tenha sido também significativo no relato dos estudantes.

A segunda tarefa estava relacionada ao apoio social, ou ambiente social que estaria acolhendo ou ajudando a pessoa vitimizada a lidar com a situação, mini-mizando sofrimento ou terminando com o mesmo.

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Figura 3 Situações vitimizadoras para os estudantes, ocorridas nos últimos 6 meses.

As Figuras 4 e 5 apresentam dados sobre o comportamento dos jovens em buscar ajuda: se tem conversado sobre o ocorrido; e quem é esta pessoa.

Figura 4 tem conversado sobre o ocorrido?

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Figura 5 Com quem tem conversado?

A terceira tarefa explorou as mudanças na vida da pessoa, após ocorrência da situação vitimizadora, tanto nos aspectos negativos, relacionados às perdas, quan-to nos aspectos de novas aprendizagens favorecidas nas atuais circunstâncias.

A última e quarta tarefa estava relacionada ao efeito da vivência vitimizadora sobre o projeto de vida pessoal e escolar do estudante, buscando valorizar as novas aprendizagens e a minimizar o sofrimento ainda presente.

Os resultados da terceira e quarta tarefa foram analisados de modo qualitati-vo, revelando que as consequências da interação com situações vitimizadoras foram mais negativas, do que produziram novas aprendizagem no contexto fami-liar ou escolar.

Quanto ao projeto de vida e situações vitimizadoras todos os estudantes regis-traram que a vivência da situação vitimizadora, em nada afetou o Projeto de Vida.

Os resultados das Tarefa 3 e 4 evidenciam um aspecto importante que tem sido considerado nos estudos sobre enfrentamento, a ponderação (WORDEN, 2012). A Tarefa 3 destaca a importância da ponderação: consequências negativas versus novas aprendizagens. Mas ponderar para os alunos da disciplina de Proje-to de Vida foi entendido como minimizar as consequências negativas (perdas), utilizando a compensação, um exemplo: “eu não converso mais com esta amiga, mas ainda bem que tenho outras, não preciso desta”.

Tanto a Tarefa 3 como na Tarefa 4, precisam ser retomadas com os alunos, pois o reconhecimento de novas aprendizagens (Tarefa 3), bem como o reconhe-cimento dos efeitos negativos sobre o Projeto de Vida (Tarefa 4), são fundamen-tais para o enfrentamento de situações vitimizadoras, ocasionando e produzindo

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sentimentos, pensamentos e atitudes que demonstram de fato superação e ao contrário de negação.

A atividade sobre as Tarefas de Enfrentamento, modo geral destacam a im-portância de compartilhar e falar sobre assuntos difíceis, avaliar e ponderar con-sequências, bem como incluir os danos e prejuízos ao Projeto de Vida.

Encontro 2. Facilitadores e impeditivos no Projeto de Vida (PV)

No segundo encontro com os estudantes, cada turma foi dividida em peque-nos grupos de cinco alunos e receberam a seguinte orientação: “registrar indivi-dualmente e depois discutir entre os membros do grupo, quais os fatores que, atualmente, impedem a elaboração e o aprimoramento de seu Projeto de Vida”. Após quinze minutos de registro e discussão, foram distribuídas folhas em bran-co com canetas hidrográficas e coloridas, para que o grupo fizesse um cartaz com os fatores impeditivos e facilitadores. Finalizado o cartaz, cada grupo fez uma apresentação para a sala. A atividade foi aplicada com todas as turmas doa 6º do fundamental até o 3º do médio.

Com base no registro das respostas dos alunos os fatores facilitadores e impe-ditivos foram categorizados do seguinte modo: a) fatores relacionados ao am-biente familiar (família); b) fatores relacionados ao ambiente escolar (escola); c) fatores relativos a relações interpessoais com amigos (amigo); d) fatores rela-cionados ao desempenho e esforços pessoais (pessoal).

A Figura 6 apresenta os dados relativos aos fatores facilitadores e impeditivos entre os estudantes do Ensino Fundamental (séries finais) e do Ensino Médio.

Figura 6 Fatores facilitadores e impeditivos na elaboração do PV de estudantes do Ensino Fundamental e médio.

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Dentre os fatores indicados, o de maior referência foi o relacionado à família (70%), em seguida o pessoal (63%), depois a escola (38%) e, por último, os ami-gos (29%).

O Quadro 3 descreve os fatores impeditivos e facilitadores mencionados com maior frequência.

Quadro 3 Descrição de fatores impeditivos e facilitadores relacionados ao PV.

Categorias impeditivos Facilitadores

Família •  Ocorrência de mortes •  Doenças de familiares•   Desentendimentos entre pais e 

filhos, entre irmãos e com parentes•  Falta de dinheiro

•  Incentivo aos estudos•  Estímulo para escolha profissional •  Otimismo •  Perseverança 

Pessoal •  Pessimismo•  Preguiça•  Distração nas aulas

•  Otimismo•  Disciplina e foco nos estudos•  Acreditar em si mesmo

Escola •  Bulling•  Discussões com colegas

•   Estímulo ao investimento pessoal para atingir os objetivos acadêmicos

Amigos •  Conversas na sala de aula •   Apoio e estímulos no Projeto de Vida Profissional

•  Companhia nos momentos difíceis 

CONSiDERAÇÕES FiNAiS: CONTRiBuiÇÕES E DESAFiOS

De modo geral, todas as atividades desenvolvidas no presente Projeto Núcleo de Ensino “Situações Vitimizadoras Dentro e Fora da Escola: Possibilidades de Enfrentamento”, promoveram, em última análise, a integração dos estudan-tes e, principalmente, o desenvolvimento de habilidades empáticas, em relação às experiências relatadas pelos colegas.

Nas avaliações finais, de cada encontro, foi registrado que “quando escu-tavam o outro, aprendiam também um modo diferente de enfrentar situações vitimizadoras”.

Também como contribuição do desenvolvimento do projeto podemos apon-tar que foi possível, para estudantes, professores e familiares dos estudantes fa-larem, serem escutados e ouvirem. Nas reuniões, aulas e encontros ocorridos

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entre estudantes, professores e familiares, cada grupo pode inicialmente com-partilhar experiências e desenvolver novos repertórios de enfrentamento.

Falar, ser escutado e ouvir foi analisado como um efeito positivo importante para o desenvolvimento de habilidades cognitivas, afetivas e sociais. Falar e es-cutar tem como consequência ouvir-se, conhecer-se e oportunizar auto-obser-vação e observação do outro. Como o outro se comporta após o relato? Posso acolher e ser acolhido? O que o outro fez, pode servir de modelo ou exemplo para minha vida?

Observarmos, compararmos e relacionarmos o que fazemos de igual ou dife-rente do outro, nos torna mais próximos da possibilidade de refazermos cami-nhos e aprendermos coisas novas. Tudo isso, especialmente, pode ser mais favo-rável em grupo.

Temos como desafio a continuidade do projeto e o planejamento de ativida-des que possam contribuir para os relacionamentos interpessoais dos estudan-tes e seu Projeto de Vida.

Contribuições e desafios para a escola

Avaliamos que a temática Central do Projeto mobilizou dimensões do contex-to escolar e fora dele, que muitas vezes não são consideradas para avaliação do envolvimento, motivação e desempenho acadêmico dos alunos, bem como das práticas pedagógicas dos professores, em interação com os estudantes.

O Projeto, nas diferentes Etapas de realização, objetivou oportunizar discus-sões formativas sobre a temática “Eventos vitimizadores e Enfrentamento”, eluci-dando aspectos importantes da vida do estudante, que estão relacionados com o contexto escolar.

Concluiu-se que o maior desafio ainda é manter a discussão ativa, a ser pro-porcionada, em especial, nas aulas de “Projeto de Vida” e “Protagonismo Juvenil”, disciplinas relacionadas aos objetivos do Projeto.

Contribuições e desafios para a universidade, em especial, para formação dos colaboradores no projeto, graduandos do curso de Psicologia da Faculdade de Ciências da unesp – Câmpus de Bauru

Avaliamos que o presente Projeto, dentro do Programa Núcleos de Ensino, veio contribuir de modo significativo para formação profissional de psicólogos

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na área da Educação, de acordo com uma perspectiva de inserção do estudante no contexto educacional, compreendendo o mesmo e intervindo por meio de ações formativas junto aos atores da escola.

O projeto tem como desafio fazer aproximações interdisciplinares entre as áreas da Psicologia e Pedagogia, entre coordenadores e estudantes destes cursos, objetivando avaliar em que medida, ao longo dos próximos anos, os espaços cria-dos para discutirmos sobre “eventos vitimizadores e enfrentamento” podem in-fluenciar de modo positivo no desempenho acadêmico dos alunos e nas práticas pedagógicas dos professores, de acordo com a proposta filosófica e pedagógica das Escolas de Tempo Integral do Estado de SP (SÃO PAULO, 2013; MOURA, 2015).

Importante ainda concluir que o presente projeto buscou atender o princípio da indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão: a) garantindo um ambiente de formação teórico e prática para os estudantes de graduação em Psicologia da Unesp; b) produzindo conhecimentos, junto à comunidade escolar, para o ensino das disciplinas nas áreas: Psicologia do Desenvolvimento, Processos Educativos, Psicologia e Trabalho e Psicologia da Saúde e Educação; e c) instrumentalizando, professores e estudantes a lidarem com eventos e situações vitimizadoras no contexto escolar, contribuindo com a comunidade atendida e promovendo a saú-de e qualidade de vida dos envolvidos.

REFERêNCiAS

ANDRADE-LOPES, A.; COMBINATO, D. S; REALI, A. M. Desenvolvimento e aprendizagem profissional de agentes educacionais: um estudo que envolve a área da saúde. In: A. da Silva, A. Abramowicz, M. Bittar (Orgs.). Educação e Pesquisa: diferentes percursos, diferen-tes contextos. Editora RIMA. São Carlos, 2004. p. 289-308.

KOVÁCS, M. J. Educadores e a Morte. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP, v. 16, n. 1, p. 71-81, 2012.

LAZARUS, R. S. & FOLKMAN, S. Coping theory and research: Past, present and future. Psychosomatic Medicine, n. 55, p. 234, 1993.

MINAYO, M. C. de S.; HARTZ, Z. M. de A.; BUSS, P. M. Qualidade de vida e saúde: um deba-te necessário. Ciência & Saúde Coletiva, 5(1), p. 7-18, 2000.

MOURA, M. R. L. O trabalho docente nas escolas de ensino integral do Estado de São Pau-lo. Educação Básica Revista, v. 1, n. 1, 2015.

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Créditos

SÃO PAULO, ESTADO de. Secretaria da Educação. Diretrizes do Programa de Ensino Inte-gral, 2013.

SEIDL, E. M. F.; ZANON, C. M. L. da C. Qualidade de vida e saúde: aspectos conceituais e metodológicos. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(2), p. 580-588, mar./abr. 2004.

SILVEIRA, L. M. de O; Wagner, A. Relação família-escola: práticas educativas utilizadas por pais e professores. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE). v. 13, n. 2, p. 283-291, jul./dez.2009.

SIQUEIRA, M. M. M. Dimensões e hierarquia de eventos vitimizadores. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 10(3), p. 375-381, 1994.

SZYMANSKI, H. A família como um locus educacional: perspectivas para um trabalho psicoeducacional. Revista Brasileira de Est. Pedag., Brasília, v. 81, n. 197, p. 14-25, jan./abr. 2000.

SZYMANSKI, H. Entrevista reflexiva: um olhar psicológico sobre a entrevista em pesqui-sa. In: SZYMANSKI, Heloisa (Org.). A entrevista na pesquisa em educação: a prática refle-xiva. Brasília: Plano Editora, 2002.

SIDMAN, M. By-products of aversive control. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 1, p. 265-280, 1958.

SIDMAN, M. Coerção e suas implicações. São Paulo: Editora Psy, 1995.

WORDEN, J. W. Aconselhamento do Luto e Terapia do Luto. São Paulo: Editora Roca, 2013.

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2AS RELAÇÕES iNTERPESSOAiS NA PRáXiS EDuCATiVA: ÉTiCA, AmiZADE E A mEDiCALiZAÇÃO ESCOLAR

Alonso Bezerra de CarvalhoGiulio medrado Dias

Eloisa Calemes dos SantosThaisa Andrade dos Santos jesus

Thais GigekFaculdade de Ciências e Letras/Unesp/Assis

Fabiola ColombaniFaculdade de Filosofia e Ciências/Unesp/marília

josé Airton da SilvaEE Cleophânia Galvão da Silva/Assis

Resumo: O presente texto visa apresentar os objetivos, o desenvolvimento e os resultados do projeto que foi desenvolvido em uma escola pública estadual. Fundamentalmente, buscamos tratar as relações interpessoais que ocorrem na práxis educativa, procurando garantir a compreensão de como as pessoas se conduzem diante do Outro bem como refletir e discutir acerca dos mecanismos de controle, entre eles o processo de patologização das condutas, que foram instaurados ao longo do tempo na escola e de que forma isso pode impedir as manifestações da amizade e o reconhecimento da alteridade na sala de aula. Quisemos, tam-bém, indicar saídas e um novo olhar para situações concretas e que são vivenciadas pelos professores e alunos, especialmente no interior da sala de aula. Pensar a educação a partir de temas filosóficos, como a amizade, procurando articulá-los com a questão das relações inter-pessoais, ainda é um desafio que nos é colocado a todo instante. A nossa expectativa é que a partir dessa nossa experiência outros colegas possam se sentir estimulados a propor ações e realizar reflexões que possam enfrentar esse desafio e não se acomodarem com uma solu-ção que fica longe das preocupações pedagógicas, como é a o caso da medicalização.

Palavras-chave: Sala de aula; medicalização; amizade; ética: relações humanas.

O projeto teve a finalidade de estudar e implementar discussões visando uma compreensão de como na atualidade se conduzem as ações educativas, tendo como objetivo principal verificar como no processo de formação e atuação de professores, alunos, pais, enfim, na comunidade escolar, se estabelecem as rela-

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ções interpessoais. Sabemos que entre os professores, entre os alunos, entre pro-fessores e alunos, entre os pais, a comunidade e a escola são construídos conta-tos e vivências que favorecem e contribuem nas posturas e nas escolhas que cada um faz, a partir de valores, crenças e desejos que orientam as suas decisões.

Na escola se estabelecem relações as mais diversas, tornando-se, assim, um cenário onde se manifestam e são vivenciadas as mais diferentes concepções de mundo, de sociedade e de homem. Cumpre indagar se essas concepções, que fo-ram formuladas e transformadas ao longo da história do pensamento e da ação humana, podem ser observadas na prática pedagógica. Buscou-se tratar as rela-ções interpessoais que ocorrem na práxis educativa, procurando garantir a com-preensão de como as pessoas se conduzem diante do Outro bem como refletir e discutir acerca dos mecanismos de controle, entre eles o processo de patologiza-ção das condutas, que foram instaurados ao longo do tempo na escola e de que forma isso pode impedir as manifestações da amizade e o reconhecimento da alteridade na sala de aula.

Nesse aspecto, desenvolvemos atividades de reflexão e de intervenção de for-ma que levasse em consideração os valores, as experiências e as histórias de vida que os personagens que ali atuam trazem do seu meio social, do lugar em que vivem, das relações que são estabelecidas no seu cotidiano. Dentro desse hori-zonte, partimos das seguintes perguntas: como são construídas as relações de amizade? Se a amizade é algo que tem valor para eles, como a escola trabalha e vivencia esse tema?

Para responder a estas questões fizemos uma análise e um estudo acerca do mundo contemporâneo, considerando que atualmente talvez não estejamos atentos a um conjunto de fatos que demonstram uma degradação de valores, que pode levar a um profundo ceticismo em relação à nossa própria existência e à convivência com o outro. Nessa perspectiva, consideramos importante refletir e construir um conjunto de ações que possibilitasse compreendermos um pouco sobre quem somos nós, o que queremos de nós nesse mundo e o que estamos fazendo de nós mesmos e com os outros. Para essa tarefa, é-nos exigido uma me-lhor compreensão do sentido e do papel da ética em nosso tempo, pois ela pode nos apontar qual o sentido que estamos dando à nossa vida. Embora sejamos seres cognoscentes, políticos, estéticos, éticos, estamos com dificuldade de deci-dir e escolher o que queremos, seja como indivíduo seja como pertencente a uma coletividade.

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Consideramos também que no cotidiano da escola há práticas que exprimem um desejo de instaurar uma política para as crianças e adolescentes que toma como verdadeiros e plausíveis os parâmetros provenientes de uma visão patolo-gizante do educando. Segundo a nossa leitura, essa postura pretende implantar um processo de homogeneização pretensamente “sadia”, com o objetivo de uni-versalizar e enquadrar os comportamentos. Algumas condutas apresentadas pe-los educandos, neste contexto, são vistas como indicativos de transtornos e isso vêm contribuindo para que eles sejam encaminhados pelos educadores aos pro-fissionais da saúde, pois a queixa aponta que tais comportamentos podem ser considerados indisciplinados, agitados e impulsivos. As reflexões e examinamos nesse horizonte contribuiu para indicar que vivemos em uma sociedade herdeira ou que colhe os frutos de uma sociedade eugênica e disciplinar, que foi consoli-dada com o processo de higienização, ocorrido no início do século XX. Segundo Gualtieri e Lugli (2012, p.19):

[...] é nesse contexto ideológico que se consolidou a escola seletiva e nela foram in-troduzidos e utilizados os instrumentos de medida das diferenças individuais – os testes psicológicos e pedagógicos – com o intuito de diferenciar, separar e hierarqui-zar as crianças e os jovens, condição necessária para organizar os alunos na “escola sob medida” e oferecer-lhes o ensino segundo suas supostas capacidades.

Foi com a ideia de patologização escolar, algo externo que influencia e modifi-ca a subjetividade do indivíduo, ou seja, patologizar é o próprio ato de apontar no aluno considerado “diferente” uma doença que mesmo inexistente, passa a ser reconhecida e diagnosticada pela equipe escolar e de saúde, que se tornou cen-tral no desenvolvimento das atividades. Este ato além de estigmatizar o indiví-duo colocando-o como anormal, ainda busca através de justificativas sociais, afir-mar a patologia, o que pode desencadear como consequência, no ato da medicalização.

Assim Collares e Moysés (1994, p. 29) conceituam o termo medicalização:

[...] o termo medicalização refere-se ao processo de transformar questões não-médi-cas, eminentemente de origem social e política, em questões médicas, isto é, tenta encontrar no campo médico as causas e soluções para problemas dessa natureza. A medicalização ocorre segundo uma concepção de ciência médica que discute o processo saúde-doença como centrado no indivíduo, privilegiando a abordagem bio-

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lógica, organicista. Daí as questões medicalizadas serem apresentadas como proble-mas individuais, perdendo sua determinação coletiva.

É nesse contexto que problematizamos a relação entre ética e educação, ten-do a amizade como fio condutor e até como saída para o tratamento patologi-zante muitas vezes oferecido nas escolas, buscando observar como ela – a ami-zade – se exprime ou pode ser experimentada na escola, tendo em vista seus desdobramentos e manifestação no imaginário e na conduta daqueles que con-vivem no ambiente escolar: alunos, professores e pais. Para tanto, foi acertado não tratarmos a ética como capaz de sanar os conflitos, os dilemas e os enigmas que constituem a existência humana, mas criar as condições para garantir a for-mação de cidadãos que tenham atitudes críticas1 em relação a si mesmo, à socie-dade e ao mundo.

Ao trazer para o centro das discussões o diálogo e as relações interpessoais na práxis educativa, sobretudo aquelas que se estabelecem entre professores e alunos na sala de aula, por exemplo, o fizemos com a finalidade de pensar a esco-la como um espaço potencializador, sim, de amizade e de boa convivência, onde o amigo pode servir de mediador para que o outro se sinta acompanhado em suas descobertas e reflexões. Para nós, esse diálogo, se realizado de forma horizontal, acreditamos que pode possibilitar uma experiência em que as relações interpes-soais sejam construídas e vividas de uma maneira nova, tornando as barreiras das inevitáveis diferenças entre professores e alunos tão insignificantes, que as relações acabam fluindo de forma positiva e significativa.

Embora seja um espaço institucionalizado, muitas vezes marcado pelo con-trole e disciplinamento, a sala de aula pode ser um lugar para transgredirmos e edificarmos uma maneira de nos relacionar. Para além dos conteúdos que ali cir-culam, é possível que a comunidade escolar, sobretudo professores e alunos, criem e inventem ocasiões para experimentar novos diálogos e novas relações. Seres inacabados que somos, o desafio que é posto para aqueles que querem

1 Conforme define Marilena Chauí (2003, p. 18), “a palavra ‘crítica’ vem do grego e possui três sentidos principais: 1) capacidade para julgar, discernir e decidir corretamente; 2) exame ra-cional de todas as coisas sem preconceito e sem pré-julgamento; 3) atividade de examinar e avaliar detalhadamente uma ideia, um valor, um costume, um comportamento, uma obra ar-tística ou científica”.

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intensamente fazer de sua existência uma obra de arte, está em se abrir ao outro. Não para anulá-lo e submetê-lo a desejos e ordens, porém no sentido de nos fa-zermos mais humanos e sensíveis, compartilhando dores e sofrimentos bem como as alegrias. Reconhecendo esse permanente conflito e o caráter agônico da vida é que nos tornará um “outro” para o “outro”, a ser considerado, ouvido, res-peitado. E a amizade, no seu sentido mais profundo e original – philia – pode ser tomada como a práxis humana mais decidida na direção do outro. E, portanto, a mais decididamente ética.

É costume considerar a sala de aula como um “momento privilegiado em que se processam o ensino e a aprendizagem, confronto de ideias entre professor e aluno, entre alunos e alunos, busca do aprimoramento de técnicas para maior racionalização da transmissão de conteúdos” (NOVASKI, 1995, p.11). Entretanto, tradicionalmente utilizados como campos inerentes ao ato pedagógico, o ensino e a aprendizagem constituem ocasiões tensas e inquietantes, mas que bem cuida-das são fontes para criarmos maneiras novas de relações existenciais. E a escola, em geral, e a sala de aula, em particular, podem ser pensadas como um lugar rico para isso, mas sempre buscando ultrapassá-la. Pois, para que serve uma sala de aula se não for capaz de nos transportar além de suas portas?

Nesse sentido, o desenvolvimento do projeto foi realizado, de maneira geral, a partir de atividades de reflexões teóricas, que nos proporcionou apreender e compreender a função da amizade, os valores que a envolvem e sua relação com a ética na escola, ou seja, nas relações existentes entre os personagens que habi-tam o ambiente escolar: alunos, professores e a comunidade. Além disso, procu-rou compreender e apontar outros caminhos para um fenômeno que tem con-quistado espaço na escola, ou seja, do processo de patologização escolar que pretende, por meio de diagnósticos pré-estabelecidos, enfrentar os problemas de condutas das crianças e adolescentes (indisciplina, violência, mau comporta-mento, déficit de atenção e outros distúrbios, etc.) como uma questão biológica e até genética, abrindo-se mão de respostas que o próprio campo da educação de-veria dar. Rótulos e etiquetas, mascarados de diagnósticos, vêm justificando o abuso de soluções medicamentosas.

Para melhor conduzir os trabalhos, foi fundamental a leitura de textos refe-rentes à amizade, a ética e à patologização e medicalização, bem como textos que fazem a interface entre esses temas. Essas leituras e reflexões foram importantes,

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pois contribuiram nas atividades de problematização das práticas pedagógicas, isto é, dos processos de ensino e de aprendizagem dos componentes curricula-res, na forma da escola se organizar bem como refletir sobre o processo de for-mação inicial e continuada dos professores.

As conclusões oriundas das atividades realizadas tiveram o objetivo de ofere-cer aos professores, aos alunos, etc., a possibilidade de novas posturas que des-pertem maneiras novas de organização, de formação, de relacionamentos e de convivências na escola e fora dela e que as manifestações dos alunos, a diversi-dade e a pluralidade humana não sejam vistos como “distúrbios”, “desvios” e dé-ficits”, ou seja, corpo biológico patologizado, pois tal ação implica diretamente no estigma de transformar o aluno diferente num ser “doente”, merecedor de cuida-dos especiais por profissionais que não fazem parte do ambiente educacional e que não conhecem a realidade e a dinâmica escolar. Tais rótulos desembocam na medicalização e transformam questões sociais, que poderiam ser resolvidas no âmbito escolar, em questões biologizantes e médicas.

Fundamentalmente, as atividades previamente pensadas para o desenvolvi-mento do projeto foram:

1. discussão com os bolsistas, colaboradores, coordenação, professores e alunos a partir de textos e exibição de filmes atinentes aos objetivos do projeto, a partir de informações e dados que foram obtidos anteriormente junto à escola, seja por meio de observação, relatos, levantamento explo-ratório (vide abaixo), etc.

2. dinâmicas de grupo para aprofundar e sistematizar as perspectivas e as interpretações dos participantes, de forma que possibilitassem a criação e recriação do conhecimento debatido, ou seja, sabendo o que pensam as pessoas, o que sentem, o que vivem e sofrem, desenvolvam um caminho de teorização sobre esta prática como processo sistemático, ordenado e pro-gressivo e, assim, possam retornar à prática, transformá-la, redimensioná--la, incluindo novos elementos que permitam explicar e entender os pro-cessos vividos. Consideramos que experiência do trabalho com dinâmica promoveu o encontro de pessoas em que o saber é construído junto, em grupo. Logo, esse conhecimento deixa de ser individualizado e passa a ser de todos, coletivizado.

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3. elaboração e organização de material, tais como textos, filmografia, vídeos e textos literários, músicas, etc., que passaram a ser utilizados posterior-mente pela equipe escolar. Enfim, procuramos compreender em que me-dida, grau e intensidade ainda pode ser experimentado na atualidade um valor como a amizade nos termos definidos pelo campo filosófico ou se devemos já considerar como coisa do passado e que hoje apenas devemos nos preparar para uma existência e um estilo de vida onde as relações en-tre as pessoas tornaram-se liquefeitas.

O projeto foi desenvolvido numa escola pública estadual, localizada na peri-feria da cidade e que atende turmas do Ensino Fundamental e Ensino Médio. A escola possuía, à época, 22 professores (incluindo professores com sede em outras Unidades Escolares) e aproximadamente 460 alunos. As atividades, a co-leta das informações e dos dados foram desenvolvidas com alunos do Ensino Fundamental, com o auxílio e colaboração dos professores que ministravam au-las nessa classe.

A seguir apresentamos os dados e informações que obtivemos com a aplica-ção de um levantamento exploratório, que não exigiu um rigor científico, mas que foi o suficiente para termos uma ideia das concepções, crenças e atitudes que os alunos tinham acerca de algumas questões colocadas pela equipe do projeto. As respostas obtidas foram muito importantes para o desenvolvimento das ativi-dades. Vinte e seis alunos para participaram do levantamento exploratório, sen-do 14 meninas e 12 meninos, com idade entre 14 (16 respondentes) e 15 anos (10 respondentes).

Na primeira pergunta que fizemos procuramos apreender a opinião que ti-nham acerca do uso de medicamentos por alunos com dificuldades de aprendiza-gem e de comportamento. O gráfico abaixo mostra as respostas. Entre as justifi-cativas apresentadas podemos citar: para aqueles que concordam ou concordam em partes, o uso de medicamentos pode, sim, ajudar na aprendizagem, especial-mente se for por orientação médica, sendo que outros consideram que se, por um lado, ajuda, por outro, não resolve o problema, por isso há a necessidade da ajuda de pais e professores. Entre aqueles que não concordam, consideram que o remé-dio não resolve o problema de atenção ou o problema está em outro lugar, ou seja, é uma questão de querer, de esforço e até de incentivo do aluno, ou até mes-mo de se buscar um tratamento mais específico, como o psicológico.

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1. Qual a sua opinião sobre o uso de medicamentos por alunos com dificuldades de aprendizagem e de comportamento? justifique sua resposta.

A próxima pergunta procurou saber o que eles entendem por ética. Como ve-mos no quadro abaixo, predominou dois tipos de respostas: uma, que indica um desconhecimento sobre o seu significado, e outra, que a considera como uma área que trata sobre o respeito que devemos ter ao que é diferente de nós, isto é, ao outro, como já dissemos acima. Outras respostas foram: ética é educação, cul-tura, liberdade de expressão, comportamento na sociedade, bom senso, uma coi-sa diária, um ponto de vista ou algo que rege a atitude de profissionais.

2. O que você entende por ética?

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Quando perguntados sobre o que considera mais importante e valioso em suas vidas, sendo que deveriam assinalar três alternativas, são notáveis as res-postas obtidas. Para a maioria absoluta, a família vem em primeiro lugar, sendo que em seguida vem a amizade, a saúde e o caráter, acompanhados depois pela formação e o conhecimento e a religiosidade e, por fim, a profissão, e até um in-teresse bem particular, um Xbox. É notável, por outro lado, que não houve ne-nhum dos alunos assinalou a riqueza como um valor importante. Nessa pergun-ta, ainda pedimos que apontassem quais as razões para a escolha dos valores assinalados e a maioria relata que ao responder a família, por exemplo, o faz por-que ela está sempre ao seu lado, dando apoio e sendo a base da vida, e que não seria nada sem ela. Confira no quadro outras respostas, tanto para a família como para as outras alternativas.

3. O que você considera mais importante e valioso em sua vida?

Por quê?

Gostar 2

é o principal/ o mais importante 6

Diversão 1

Não é nada sem isso 10

é o que tem 1

é bom 1

Para ter vida longa 1

(continua)

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Por estar sempre do seu lado, ser apoio ou base 8

Importante para o futuro 2

Caráter formação verdadeira da pessoa 3

Incentivo ao conhecimento 1

Em um mapeamento como este foi fundamental sabermos qual a contribui-ção que a escola tem na formação pessoal de cada aluno. Demos algumas opções, sendo que cada um poderia assinalar até duas alternativas. Como se vê no qua-dro e gráfico abaixo, quase a maioria absoluta assinalou que a escola é um lugar de aprendizagem, de obtenção de conhecimento, de desenvolvimento de habili-dades e competência. Para uma grande parte, a escola favorece as relações em grupo, a lidar com as pessoas e a ter uma boa convivência bem como pode en-sinar a bem comportar-se e ser responsáveis, isto é, é um lugar para a formação do caráter.

4. Na sua formação pessoal a Escola contribui para:

relações em grupo / lidar com pessoas / boa convivência 10

Aprendizagem / obtenção de conhecimento / desenvolvimento de habilidades / formação profissional / competência / desempenho

25

Formação do caráter 2

Aprender a se comportar/ tornar-se responsável 8

Outra (ter minhas próprias opiniões) 1

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Aproximando o melhor possível do tema que o projeto desenvolveu, quisemos saber a opinião dos vinte e seis alunos acerca das relações humanas na escola. Para tanto, apresentamos cinco alternativas e que cada uma fosse justificada. Como se vê no gráfico abaixo, 2 alunos consideram as relações ótimas, 7 como boas, 15 como regulares, 1 como ruim e 1 como péssimas. Ao justificá-las, aqueles que assinalaram como ótimas o fizeram porque percebe que na escola não tem conflito, as pessoas lidam bem uma com as outras e é um lugar de amizade. Para os sete que consideram boas, justificaram dizendo que as pessoas lidam bem uma com as outras, são amigas, embora às vezes há brigas. Os 15 alunos que conside-ram as relações humanas na escola como regulares, argumentaram que as coisas são assim porque há falta de respeito, brincadeiras de mau gosto, pessoas que não sabem lidar bem com as outras e por isso, há brigas, desentendimento, havendo pouco espaço para a construção de amizade e até de trabalho em grupo. Enfim, os dois que assinalaram que as relações são ruins e péssimas, sendo que um justifica que não gosta dos colegas da sala e o outro diz que na escola não há respeito.

5. Em sua opinião, como são as relações humanas na escola?

Como decorrência da questão anterior, propusemos saber, então, qual o en-tendimento que os alunos tinham sobre a amizade. Apresentamos 10 opções de respostas, sendo que podiam assinalar até 03 alternativas. É bem significativo que a maioria escolheu a confiança como representando o que eles entendem por amizade, vindo em seguida o companheirismo, o respeito, a sinceridade, a

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compreensão, a ajuda mútua e o diálogo. Apenas um aluno apontou a fraternida-de e outro a afetividade como significado de amizade. Cabe destacar, apenas por uma curiosidade interessante, que um aluno anotou que a amizade significa tam-bém “zuação” ou como parceria para jogos e “rolês”.

6. O que você entende por amizade?

A partir da questão anterior, procuramos afunilá-la visando perceber o que os alunos pensavam acerca de uma possível relação de amizade entre professores e alunos. Primeiramente, quisemos saber se isto era possível. Para 15 deles a res-posta foi afirmativa e 11 consideram que às vezes era possível, sendo que ne-nhum respondeu negativamente. Em um segundo momento da questão, no sen-tido de justificar suas respostas, apresentamos 04 alternativas de maneira que pudessem escolher aquela que mais representava a sua opinião. Veja abaixo:

7. Você considera possível uma relação de amizade entre professores e alunos?

Entre os que responderam sim, assim ficaram distribuidas as suas opções como justificativas:

Promove a boa convivência e um ambiente agradável na sala de aula. 3

Favorece o respeito, a confiança e o reconhecimento mútuo. 5

Facilita o ensino-aprendizagem, o interesse e o entendimento nas aulas. 7

Outra 0

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Por outro lado, aqueles que consideram que às vezes é possível essa relação, optaram da seguinte maneira:

Promove a boa convivência e um ambiente agradável na sala de aula. 5

Favorece o respeito, a confiança e o reconhecimento mútuo. 3

Facilita o ensino-aprendizagem, o interesse e o entendimento nas aulas. 5

Outra. 0

Na questão a seguir, como consequência da anterior, nos propusemos averi-guar se a amizade entre professor e aluno contribui para o desempenho escolar do aluno. 15 responderam que sim, 11 que às vezes e nenhum respondeu não.

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8. A amizade entre professor e aluno contribui para o seu desempenho escolar?

Dos que responderam afirmativamente, 07 consideraram que a amizade en-tre professor e aluno provoca maior participação nas aulas e melhora o ambiente na sala de aula; 4 acreditam que proporciona a liberdade de tirar dúvidas e com-preensão do conteúdo e 3 defendem que essa relação motiva a gostar e a prestar mais atenção na matéria.

Provoca maior participação nas aulas e melhora o ambiente na sala de aula. 7

Proporciona a liberdade de tirar dúvidas e a compreensão do conteúdo. 4

motiva a gostar e a prestar mais atenção na matéria. 3

Outra. 0

Entre aqueles que responderam às vezes, assim ficaram distribuídas as suas opções:

Provoca maior participação nas aulas e melhora o ambiente na sala de aula. 6

Proporciona a liberdade de tirar dúvidas e a compreensão do conteúdo. 3

motiva a gostar e a prestar mais atenção na matéria. 2

Outra. 0

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Por fim, o nosso mapeamento quis levantar a opinião dos alunos a respeito daquilo que pode facilitar ou dificultar a construção de relações de amizade no ambiente escolar, não apenas emtre professores e alunos, mas principalmente entre os próprios alunos. Cada aluno poderia optar por até três alternativas entre as opções apresentadas.

9. Em sua opinião, o que facilita ou dificulta a construção de relações de amizade no am-biente escolar?

a) facilita:

Como se vê gráfico acima, a boa convivência, o trabalho em grupo, ser com-panheiro, respeito, diálogo e ter interesses comuns são as atitudes, as ações ou

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atividades que mais podem contribuir para a edificação de um ambiente saudá-vel e amistoso na escola. Outras respostas apontadas com menores opções, mas também importantes, foram: sinceridade, proximidade, ser cordial e espaço físi-co agradável.

b) dificulta:

Intrigas, preconceito e intolerância, falta de respeito, diferenças, falta de cará-ter e competição, foram as situações mais apontadas pelos alunos que impedem a construção de um ambiente de amizade na escola. Além deles, o individualis-mo, a timidez, a falta de diálogo, a antipatia, as “panelinhas” e “pessoas idiotas” também contribuem para isso, segundo podemos observar no gráfico imediata-mente acima.

CONCLuSÃO

A partir do mapeamento realizado e para melhor conduzir os trabalhos, foi fundamental a leitura de textos referentes à amizade, a ética e à patologização e medicalização, bem como textos que fazem a interface entre esses temas. Essas leituras e reflexões foram importantes, pois contribuíram nas atividades de problematização das práticas pedagógicas, isto é, dos processos de ensino e de aprendizagem dos componentes curriculares, na forma da escola se organi-zar bem como refletir sobre o processo de formação inicial e continuada dos professores.

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As conclusões oriundas das atividades realizadas tiveram o objetivo de ofere-cer aos professores, aos alunos, etc., a possibilidade de novas posturas que des-pertem maneiras novas de organização, de formação, de relacionamentos e de convivências na escola e fora dela e que as manifestações dos alunos, a diversi-dade e a pluralidade humana não sejam vistos como “distúrbios”, “desvios” e dé-ficits”, ou seja, corpo biológico patologizado, pois tal ação implica diretamente no estigma de transformar o aluno diferente num ser “doente”, merecedor de cuida-dos especiais por profissionais que não fazem parte do ambiente educacional e que não conhecem a realidade e a dinâmica escolar. Tais rótulos desembocam na medicalização e transformam questões sociais, que poderiam ser resolvidas no âmbito escolar, em questões biologizantes e médicas.

Fundamentalmente, as atividades previamente pensadas e desenvolvidas no projeto foram:

1. discussão com os bolsistas, colaboradores, coordenação, professores e alunos a partir de textos e exibição de filmes atinentes aos objetivos do projeto, a partir das informações e dados que foram obtidos anteriormen-te junto à escola, seja por meio de observação, relatos, levantamento ex-ploratório, conforme vimos acima.

2. dinâmicas de grupo para aprofundar e sistematizar as perspectivas e as interpretações dos participantes, de forma que possibilitassem a criação e recriação do conhecimento debatido, ou seja, sabendo o que pensam as pessoas, o que sentem, o que vivem e sofrem, desenvolvam um caminho de teorização sobre esta prática como processo sistemático, ordenado e pro-gressivo e, assim, possam retornar à prática, transformá-la, redimensio- ná-la, incluindo novos elementos que permitam explicar e entender os processos vividos. Consideramos que a experiência do trabalho com dinâ-mica promoveu o encontro de pessoas em que o saber é construído junto, em grupo. Logo, esse conhecimento deixa de ser individualizado e passa a ser de todos, coletivizado.

3. elaboração e organização de material, tais como textos, filmografia, vídeos e textos literários, músicas, etc. que passaram a ser utilizados posterior-mente pela equipe escolar. Enfim, procuramos compreender em que me-dida, grau e intensidade ainda pode ser experimentado na atualidade um valor como a amizade nos termos definidos pelo campo filosófico ou se

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devemos já considerar como coisa do passado e que hoje apenas devemos nos preparar para uma existência e um estilo de vida onde as relações en-tre as pessoas tornaram-se liquefeitas.

Enfim, o projeto teve como resultado positivo a possibilidade de levar até à escola uma discussão bastante atual e que tem gerado na comunidade tensões, conflitos e, quiçá, desesperança pelo futuro da educação. Quisemos indicar saí-das e um novo olhar para situações concretas e que são vivenciadas pelos profes-sores e alunos, especialmente no interior da sala de aula. Pensar a educação a partir de temas filosóficos, como a amizade, procurando articulá-los com a ques-tão das relações interpessoais, ainda é um desafio que nos é colocado a todo ins-tante. A nossa expectativa é que a partir dessa nossa experiência outros colegas possam se sentir estimulados a propor ações que possam enfrentar esse desafio e não se acomodarem em uma solução que fica longe das preocupações pedagó-gicas, como é a o caso da medicalização.

REFERêNCiAS

ARISTÓTELES. Ética a Nicomâco. São Paulo: Nova Cultural, 1987. (Os Pensadores).

BALDINI, Massimo. Amizade & Filósofos. Bauru: EDUSC, 2000.

BENNETT, William John. O Livro das Virtudes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1995.

CARVALHO, A. B. Ética e Educação: reflexões sobre amizade e cidadania. Aprender – ca-derno de Filosofia e Psicologia da Educação, ano 5, n.8, jan./jun. 2007. Vitória da Con-quista: Edições UESB, 2007.

_____. A sala de aula e a relação professor-aluno: paixão, ética e amizade na prática peda-gógica. Tese de Livre-Docência. Assis: Unesp, 2013.

COLLARES, C. A. L. e MOYSÉS, M. A. A. A transformação do espaço pedagógico em espaço clínico: a patologização da educação. São Paulo: FDE, 1994. p. 25-31. (Série Ideias, 23).

COLLARES, C. A. L.; MOYSÉS, M. A. A.; RIBEIRO, M. C. F. (Orgs.). Novas capturas, antigos diagnósticos na era dos transtornos. Campinas: Mercado das Letras, 2013.

COLOMBANI, F. A vigilância punitiva: a postura dos educadores no processo de patologi-zação e medicalização da infância. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.

GUALTIERI, R. C. E. e LUGLI, R. G. A escola e o fracasso escolar. v. 6. São Paulo: Cortez, 2012. (Coleção Educação & Saúde).

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LODI, Lucia Helena (Coord.). Ética e cidadania: construindo valores na escola e na socie-dade. Brasília: SEDH/MEC, 2003.

MORAES, Regis (Org.). Sala de aula: que espaço é esse? Campinas: Papirus, 1995.

NOVASKI, Augusto João Crema. Sala de aula: uma aprendizagem do humano. In: MORA-ES, Regis (Org.). Sala de aula: que espaço é esse? Campinas: Papirus, 1995. p. 11-15.

ORTEGA, Francisco. Amizade e estética da existência em Foucault. Rio de Janeiro: Graal Editora, 1999.

_____. Para uma política da amizade. São Paulo: Relume-Dumará, 2000.

_____. Genealogias da Amizade. São Paulo: Iluminuras, 2002.

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3OS EFEiTOS DO BRiNCAR Em CONDuTAS AGRESSiVAS DE CRiANÇA NA EDuCAÇÃO iNFANTiL

Andreia Cristiane Silva WiezzelDaniela Ribeiro Braga

Faculdade de Ciências e tecnologia/Unesp/Pres. Prudente

Resumo: O artigo envolve investigação acerca do impacto do brincar sobre condutas agressi-vas em uma criança da educação infantil, buscando, também, identificar os fatores que in-fluenciaram em sua agressividade. O projeto, de natureza qualitativa, é amparado na psicaná-lise winnnicottiana e foi desenvolvido por meio de observações em sala de aula, entrevistas com pai e professora e atividades lúdicas como instrumentos de coleta de dados. O brincar foi utilizado, ainda, como forma de intervenção, podendo-se verificar evoluções na forma como a criança se posicionava diante de algumas dificuldades emocionais expressas inicialmente. Nesta atividade foi possível à criança expressar e trabalhar com alguns sentimentos que a incomodavam e a deixavam triste e insegura. Dentre os fatores que interferiram na agressivi-dade excessiva desta criança, podem ser citados a história de vida, características do desen-volvimento emocional e influência ambiental, sobretudo nos primeiros anos de vida.

Palavras-chave: Agressividade; Educação Infantil; brincar; escola.

iNTRODuÇÃO

O primeiro momento que a agressividade se apresenta na vida de uma crian-ça é durante a gestação, quando o bebê dá chutes, pontapés na barriga da mãe. Os limites físicos deste espaço auxiliam o bebê no reconhecimento do que é “eu” e o que “não é eu”.

Após o nascimento, o bebê precisa de uma mãe ou cuidador que se adapte às suas necessidades, principalmente quando solicitada. Por meio do atendimento às necessidades físicas e emocionais do bebê, constrói-se uma intimidade entre o bebê e o cuidador, de forma que o primeiro seja possível gerar uma confiança no mundo, entendendo que uma situação pode estar ligada à outra. Portanto, o atendimento às necessidades afetivas é muito importante, tanto os cuidados de higiene como de alimentação, já que é por meio dos primeiros cuidados que se constroem a base do desenvolvimento afetivo e emocional.

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A vivência de uma relação calorosa, íntima e contínua com a mãe ou mãe substi-tuta permanente, ou seja, uma pessoa que desempenha, regular e constantemente, o papel da mãe, mostra-se essencial à saúde mental do bebê. É essa relação complexa, rica e compensadora com a mãe nos primeiros anos de vida, enriquecida por inúme-ras maneiras pelas relações com o pai e familiares, que a comunidade científica julga estar na base do desenvolvimento da personalidade e saúde mental. (BOWLBY, 1989, p. 139)

Mesmo que a mãe esteja atendendo seu filho da melhor forma possível, pode se deparar com situações complicadas, como a mordida do seio. Algo dolorido física e emocionalmente, tal mordida pode ser frequente, mas isso não é motivo para se pensar na agressividade. O bebê pode morder o seio não por frustração, mas por excitação, por não saber o que fazer com essa excitação.

A agressividade se apresenta, por um lado, como algo comum e necessário ao desenvolvimento emocional, já que possui funções adaptativas. Os filhos testam seus pais, o relacionamento entre os pais, provocam, choram, mostrando que precisam de ajuda para dominar a agressividade. Os pais, por sua vez, precisam estar dispostos a ajudar os filhos a conter essa agressividade, é por meio disso que a criança se sente cuidada e amada, mesmo que gere uma situação momen-taneamente desagradável.

Por outro lado, quando a criança não é contida, ela entende que pode acabar com o mundo por meio de seus impulsos destrutivos. Assim, pode passar a temer esse poder de destruição e não confiar neste mesmo mundo, cujas pessoas po-dem persegui-la ou atacá-la a qualquer momento.

Quando a agressividade não é contida no ambiente familiar, a criança vai bus-car na escola essa contenção, tentando obter um espaço no qual se sinta segura e auxiliada em seus momentos de cólera. Quando essa contenção é encontrada em casa, a criança vai à escola mais em busca do desenvolvimento intelectual e da aprendizagem, porém, por ser ainda pequena, necessita do respaldo afetivo por parte da escola.

É tarefa dos pais, portanto, desde o nascimento da criança até quando mais estiver mais velha, oferecer a assistência necessária a um bom desenvolvimento emocional, o que influenciará nos relacionamentos interpessoais quando estiver no ambiente escolar.

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OS EFEItOS DO BrINCAr Em CONDUtAS AGrESSIVAS DE CrIANçA NA EDUCAçãO INFANtIL | 45

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É grande a distância entre o bebê recém-nascido e a criança de cinco anos, em termos de personalidade e crescimento emocional. Essa distância não pode ser co-berta se determinadas condições não forem preenchidas. Essas condições só preci-sam ser suficientemente boas, dado que a inteligência da criança se torna cada vez mais apta para ter em conta a possibilidade de fracassos e para dominar a frustação mediante uma prévia preparação. Como se sabe, as condições que são necessárias para o crescimento individual da criança não são estáticas, assentes e fixas em si mesmas; encontram-se num estado de transformação qualitativa e quantitativa, em relação à idade da criança e às necessidades em constante mutação. (WINNICOTT, 1982, p. 203)

As condições para o crescimento emocional da criança envolvem processo de continuidade no tempo. É necessário uma integração entre as ações das pessoas que cuidam dela, em uma construção diária e constante, de forma que quando for à escola estará apta a ficar algumas horas longe do seu espaço seguro, podendo construir confiança neste novo espaço. Quando tal processo não ocorre de forma suficiente no ambiente familiar, a criança vai à escola e começa a testar a profes-sora, buscando nela, assim como buscou na família, a contenção. Dessa forma acaba agredindo outras crianças ou até mesmo a professora, durante os momen-tos em que tem esperança em receber ajuda. Se não houver manejo adequado os prejuízos podem ser significativos, tanto às crianças que agridem quanto às que são agredidas.

Para Winnicott (2005, p. 93) “amor e ódio constituem os dois principais ele-mentos a partir dos quais se constroem as relações humanas. Mas o amor e ódio envolvem a agressividade. Por outro lado, a agressão pode ser um sintoma do medo”. A criança que manifesta agressividade também se defende, assim como já citado, de um mundo que causa medo, insegurança, ameaça, constituindo-se tais manifestações uma autodefesa de ataques imaginários.

Trabalhar com crianças nesta condição, portanto, não é fácil já que envolve, predominantemente, aspectos emocionais. Por meio do lúdico, conforme Winni-cott (2005), é possível à criança a reformular seus sentimentos internos e exter-nos, de forma que as condutas agressivas sejam minimizadas.

Quando existe esperança, no que se refere às coisas internas, a vida instintiva está ativa e o indivíduo pode usufruir do uso de impulsos instintivos, incluindo os agressivos, convertendo em bem na vida real o que era dano na fantasia. Isso consti-tui a base do brincar e do trabalho. (WINNICOTT, 2005, p. 99)

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Entende Winnicott (1975) que a fantasia é importante recurso que ocorre e auxilia a criança nos momentos em que brinca. Nesta perspectiva o brincar em casa e no ambiente escolar é de extrema importância aos pais e professores de crianças que queiram investir no desenvolvimento emocional. O brincar, para Aberastury (1992), tem como funções expressar o mundo interno da criança, possibilitar o domínio de angústias, auxiliar a criança a adquirir experiências, desenvolver a socialização e também constitui forma de diversão. O brincar tem ainda um caráter terapêutico, que ajuda a criança a se desenvolver e aprender.

Ao brincar, a criança desloca para o exterior seus medos, angústias e problemas internos, dominando-os por meio da ação. Repete no brinquedo todas as situações excessivas para seu ego fraco e isto lhe permite, devido ao domínio sobre os objetos externos a seu alcance, tornar ativo aquilo que sofreu passivamente, modificar um final que lhe foi penoso, tolerar papéis e situações que seriam proibidas na vida real tanto interna como externamente e também repetir à vontade situações prazerosas. (ABERASTURY, 1992, p. 15)

Será apresentado neste artigo um projeto no qual se que investigou a possibi-lidade de amenizar as condutas agressivas de uma criança por intermédio do brincar, ao mesmo tempo em que se analisou as causas de sua agressividade.

mETODOLOGiA

A pesquisa de natureza qualitativa, foi desenvolvida com um garoto de 4 anos de idade – Lucas (nome fictício) – aluno do Pré I – de uma escola de Educação Infantil do município de Presidente Prudente-SP. Conforme Bogdan e Biklen (1982 apud LÜDKE; ANDRÉ 1986, p.13), este tipo de pesquisa “[...]envolve a ob-tenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a si-tuação estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes”.

Lucas foi indicado a participar do projeto pela professora, por apresentar condutas agressivas excessivas em sala de aula. Ele agredia fisicamente as crian-ças, xingava, empurrava, apresentava dificuldades na socialização, não obedecia à professora e a enfrentava.

Os instrumentos de coletadas de dados foram: observações em sala de aula, entrevista com o pai, entrevista com a professora (ambos assinaram os Termos

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de Consentimento Livre e Esclarecimento) e atividades lúdicas com a criança na brinquedoteca da escola. Os dados da pesquisa foram analisados com base nos preceitos da pesquisa qualitativa e da teoria winnicottiana.

Os encontros lúdicos com o garoto ocorreram às terças-feiras e tinham a du-ração de 50 minutos, no período da manhã. Nos encontros lúdicos Lucas tinha liberdade de escolher o brinquedos e brincadeiras que queria realizar, assim como se desejava ou não brincar com a bolsista. Caso não desejasse a participa-ção da bolsista em suas brincadeiras, esta apenas observava o seu brincar em busca de dados relevantes aos objetivos do trabalho.

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências e Tecnologia – Unesp – do campus de Presidente Prudente (Processo 045860/2014).

APRESENTAÇÃO E DiSCuSSÃO DOS DADOS

Histórico

Lucas, um garoto de quatro anos, estudava em período integral em uma esco-la municipal de Presidente Prudente-SP. Foi indicado a participar do projeto por agredir fisicamente as outras crianças em sala de aula, com e sem1 motivos, além de desobedecer e enfrentar a professora frequentemente.

Lucas era filho único e morava com os pais. Conforme a entrevista fornecida pelo pai, a mãe era hipertensa, teve uma complicação e ele nasceu, prematura-mente, aos sete meses, precisando ficar no hospital por cerca de 15 dias. Após sair do hospital ficou aos cuidados da avó por alguns dias e foi matriculado em um bercário. Nos seis primeiros meses do nascimento necessitava de muito cui-dado, pois teve começo de refluxo.

A família, durante a semana, quase não tinha contato com o filho, tendo so-mente um certo espaço à noite. O ambiente envolvia desentendimentos e vícios, tendo a criança presenciado situações complicadas entre os progenitores. Os pais trabalhavam muito e, até mesmo nas férias, o garoto era mantido em locais que prestavam serviços durante este período.

1 Os termos em itálico referem-se à fala literal dos informantes.

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O pai destacou que o filho apresentava atos agressivos em casa em momentos em que era repreendido. Tais atos tiveram início no começo de 2014, quando Lucas mudou de escola e os desentendimentos entre o casal aumentaram. O pai disse, ainda, que o garoto era agitado, ansioso e nervoso, apresentava dificuldades com o sono e era mal humorado pela manhã.

Ao falar sobre si mesmo, o pai afirmou se achar chato, nervoso e gostar muito de festas. A mãe de Lucas era mais reservada e ficava incomodada quando o espo-so saía. Nos últimos meses de 2014 começou a consumir bebidas alcoólicas quan-do sozinha em casa, de forma que, em uma situação, o garoto a encontrou caída ao chão, com copos quebrados próximos a seu corpo. O pai solicitou uma ambu-lância e ela foi levada ao hospital. Com a separação dos pais, Lucas foi morar na casa dos avós, juntamente com a mãe e o pai o visitava aos finais de semana.

Já com relação à escola, a professora disse que Lucas era carinhoso e tranqui-lo, apenas desobediente com ela. Em sala era calado, resistente, agitado, nervoso e apresentava dificuldade na socialização. Quando era repreendido fazia expres-são de deboche, sorria ou então fazia caretas.

Sua agressividade era expressa por meio de ataques físicos, com ou sem moti-vos. Os ataques ocorriam principalmente em disputas por brinquedos. Após con-seguir o brinquedo, o deixava por perto e, mesmo não utilizando, não o cedia a outra criança. Como agredia fisicamente, as outras crianças evitavam contato com ele.

Encontros lúdicos

O primeiro encontro lúdico de Lucas foi marcado por uma brincadeira muito expressiva: havia um carro e um caçador (representado por um boneco), ambos trocavam algumas palavras e, em determinado momento, o caçador era atrope-lado pelo carro. O caçador se escondia e pareciam outros carros, que batiam “de frente”.

Nos próximos encontros utilizou serra, martelos, carros, barco e estetoscos-cópio. O martelo era utlizado para para consertar o barco por meio de batidas e, sobre o barco, o garoto colocava um boneco, que usava o estetoscópio como uma arma. Além dessa brincadeira, brincou na piscina de bolinhas – momento em que pode se aproximar afetivamente da pesquisadora – e voltou a pegar os carrinhos e brincar com eles, só que, neste momento, em uma estrada. Repetiu, por algu-

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mas vezes, que a estrada estava quebrada e que iria consertá-la com um martelo. Martelava a estrada por várias vezes, para que os carros pudessem passar.

Na sequência martelava os carrinhos e os colocava para apostar corrida na estrada. Martelava os carrinhos e bonecos, em uma tentativa de consertá-los. Cada vez era um carrinho que ganhava a corrida e ele tentava alinhar os três car-rinhos, para que todos permanecessem na mesma posição na estrada. Ao final, colocou um carrinho no bolso, sem pedir autorização da estagiária.

As brincadeiras se mantiveram no mesmo formato, apenas mudavam os obje-tos: arma de brinquedo, serrote, chave de fenda. Tentava repetidamente conser-tar os objetos e bonecos, dizendo que ora estava feliz, ora triste. Alternava essa brincadeira com as corridas.

Lucas ficou doente e faltou à escola por muitos dias. Quando retornou pegou um quebra-cabeça e ficou por longo tempo tentando montá-lo. Como não conse-guiu, pediu ajuda à pesquisadora. Enquanto montavam, começou a relatar sobre o momento em que encontrou a mãe caída quando retornou da escola. Disse que havia vários copos quebrados e que seu pai jogou água nela e depois chamou o médico. O garoto pareceu estar impressionado com a cena e angustiado, pois pensara que mãe havia morrido. Tanto que, todos os dias em que saía para escola, pedia à mãe para Não dormir no chão.

Na senana seguinte relatou um sonho, no qual a mãe corria perigo. Disse que havia muitos monstros – entre eles o caçador – e o Homem-Aranha tentava sal- vá-la. Por fim brincou de mágico – fazendo os brinquedos aparecerem e desapa-recerem – e com os bonecos, brincadeira também muito expressiva: havia dois bonecos, os quais ele apelidou de Gigante e Pequeno. Ele ficou com o Gigante e a pesquisadora com o boneco pequeno. O Gigante saia atrás do boneco pequeno em uma perseguição pela floresta (ele correu atrás da pesquisadora pela brin-quedoteca). O boneco pequeno voltava para sua caverna e esperava o Gigante dormir. Após o Gigante pegar no sono, o Pequeno se aproximava e cortava-o com uma faca, voltando à caverna. O Gigante acordou e foi ao médico, tomou remédio e ficou bem, porém, quando foi se alimentar, morreu. Repetiu a brincadeira.

Mais ao final dos encontros lúdicos, começou a brincar de médico. Usava o martelo para fazer remédios que fariam o coração parar de doer. Lucas batia o martelo nas costas da pesquisadora e nas suas, para curá-los da dor. Mencionou que, para o coração ficar forte era preciso sentir dor. Solicitava à pesquisadora para que cozinhasse para ele. Após comer, ficava tocando instrumentos musicais.

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No último dia, brincando de médico, pegou o “telefone” e fez uma ligação, pe-dindo ajuda ao médico. “Medicou” a pesquisadora, colocando um remédio em sua boca, e fez um curativo, que colocou em seu próprio braço. Na sequência co-meçou outra brincadeira, a corrida de carros. Lucas ficava com dois carrinhos e a pesquisadora com dois, competindo. Em um determinado momento os carrinhos eram presos e aparecia um trator para salvá-los. O trator passava a ser mal e le-vava os carrinhos para a caverna, onde havia um urso malvado. Os carros conse-guiam fugir do urso e tentavam voltar para sua casa, porém, o Gigante havia che-gado antes e escondido a casa.

DiSCuSSÃO

Lucas, por força das circunstâncias, teve um início de vida difícil, marcado por hospitalização e tempo restrito junto à família. Começou a frequentar a escola precocemente, por período integral, o que indica a importância desse ambiente em parte significativa de seu desenvolvimento emocional. Aos quatro anos de idade, as manifestações agressivas foram percebidas pela família, em um contex-to em que o próprio pai indicou a mudança de escola e o aumento dos desenten-dimentos entre o casal.

Para Winnicott (1982) à criança são oferecidas condições razoáveis de desen-volvimento quando se verifica um ambiente facilitador, marcado por estabilidade emocional e experiências satisfatórias. Além disso tais condições precisam de continuidade no tempo e o ambiente resistir aos ataques que a criança realiza, como forma de testar seus impulsos destrutivos.

Lucas, vivendo em espaços diversos, passou por privações no contato com a mãe, sobretudo nos primeiros meses de vida, o que se estendeu, em certa medida, aos anos seguintes. O caso dele já demandava mais atenção, desde o início, pelo fato de ser prematuro e, por motivos desconhecidos, isso não pode ser feito. Além disso, passou por muitas rupturas nas relações afetivas, o que, teoricamente, con-figura situação de risco ao desenvolvimento da agressividade.

Com a mudança de escola juntamente com o agravamento da crise no relacio-namento dos pais, Lucas viu-se em um ambiente ainda mais instável e inseguro, o mesmo se aplicando à escola nova. Como já estava fragilizado pelo próprio histó-rico de vida, as manifestações agressivas passaram a ocorrer no lar e, posterior-mente, na escola de educação infantil.

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Suas primeiras brincadeiras na brinquedoteca demonstraram agressividade e conflito com o pai. Apareceu, também, um desejo de tomar o controle, de “con-sertar” quem estava machucado, alternando com expressões de raiva e vontade de se livrar daquela situação.

Com o passar do tempo começou a construir a estrada e a tentar manter três carrinhos nela. Porém, sempre um carrinho ficava à frente do outro, havia dificul-dade em pareá-los, ou seja, de haver uma relação equilibrada entre os três mem-bros da família. Aliás, Lucas demonstrava, em alguns momentos, que a própria estrada se quebrava, e tentava, repetidamente, consertá-la. Compulsivamente buscava reconstruir, consertar objetos e consertar as “pessoas” para que pudes-sem percorrer a estrada. Para ele não estava claro se a dificuldade residia nas pessoas, na estrada ou nos dois, então testava soluções em todas as situações. Crê-se que seus conflitos estavam em torno de duas questões: a reconstrução da relação entre a família e a necessidade de prosseguir em seu desenvolvimento.

A situação em casa foi se agravando, o garoto presenciou a mãe desmaiada. Tinha ideia de que o pai estava relacionado, de alguma forma, ao estado dela e que esta corria riscos, tanto que sua preocupação foi expressa em sonhos, com o desejo de que se tornasse um super herói para salvá-la. A cena da mãe caída ao chão repercutiu muito em seu estado emocional, de forma a fazer com que Lucas, durante as brincadeiras, revivesse este momento difícil, em um processo de ela-boração, que diminuiria o medo da perda e a angústia. Aliás, disputava os brin-quedos em sala de aula pelo mesmo motivo.

Lucas adoeceu e, quando retomou os encontros lúdicos, continuava lutando para entender o desmaio da mãe. Novamente, por meio da brincadeira entre o Pequeno e o Gigante, apontava o envolvimento do pai em suas angústias – inclu-sive a de perseguição – e formas de enfrentamento.

Em meio aos esncontros lúdicos houve a separação dos pais e o garoto, em sofrimento, fazia curativos, treinava socorrer a mãe, demonstrava o fato de ter perdido seu lar, que fora levado pelo Gigante. Encerrou os encontros fazendo fór-mulas e remédios para curar a dor que sentia no coração. Inicialmente medicava a pesquisadora e, ao final, pode medicar a si proprio.

CONSiDERAÇÕES FiNAiS

Por meio da pesquisa pode-se identificar alguns aspectos que interferiram no desenvolvimento da agressividade na criança, cujas consequências foram obser-

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vadas no lar e na escola. Em linhas gerais tais aspectos podem ser enumerados segundo três grandes categorias: 1 – história de vida; 2 – desenvolvimento emo-cional e 3 – ambiente; não necessariamente nessa ordem.

O desenvolvimento da agressividade pode ter seu curso facilitado ou dificul-tado mediante a interação entre os três aspectos elencados. Lucas estava na faixa etária dos quatros, apresentava história de vida envolvendo vícios, má formação e/ou rompimento de laços afetivos e experiências de perda em idade precoce, demonstrando a ausência de um ambiente inicial facilitador.

Os eventos adversos ocorridos em sua vida bem como na de seus progenito-res afetaram a qualidade das relações afetivas, de forma que os processos ineren-tes ao desenvolvimento emocional que tanto necessitam do aparato “humano” para se concretizarem, foram prejudicados.

Para Winnicott (1990) quando os processos interacionais falham por algum motivo, o desenvolvimento geral prossegue, porém, com interrupções em alguns pontos e distorções sucessivas em outros. No caso da agressividade o processo culmina em uma incapacidade, por parte da criança, de autocontrole de seus im-pulsos destrutivos.

Isto mostra que algo não está bem em seu íntimo e, uma vez prejudicado um aspecto estrutural do desenvolvimento emocional, as distorções e perdas serão progressivas. Lucas teve comprometimento nas experiências iniciais, falta de contato com a mãe, interrupções na formação e desenvolvimento de laços afeti-vos (que causaram rupturas ao desenvolvimento emocional) e dificuldades com a questão da conquista da ambivalência em sua relação com o pai.

Dificuldades em maior ou menor grau nesses processos, foram responsáveis pelas seguintes características, apresentadas por Lucas: incapacidade de confiar no mundo e nas pessoas, dificuldades em lidar com perdas, frustações e rejeição; medo, insegurança, ansiedade (que causava a “agitação”), nervosismo e culpa. A incapacidade de autocontrole dos impulsos destrutivos é consequência, princi-palmente, dos sentimentos de insegurança e culpa.

Quanto à questão ambiental, Lucas não encontrava no lar um ambiente facili-tador. Diante disso, as condutas agressivas na escola, marcaradas por xingamen-tos, agressões físicas, comportamento desafiador, eram utilizados como forma de comunicação das necessidades de contenção e cuidado.

O professor precisa de uma formação que o capacite a compreender e lidar com os aspectos afetivos e emocionais que permeiam o contexto escolar. Assim

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como Winnicott (1990) considera-se que conhecer o desenvolvimento emocio-nal infantil não é algo apenas de interesse de teóricos e psicoterapeutas, visto que traz implicações diretas ao trabalho desempenhado pelo docente.

[...] para todos aqueles a quem foi confiado o cuidado de crianças, é útil possuir toda compreensão que esteja ao seu alcance, pois no trabalho com crianças pequenas é certamente importante um conhecimento das razões pelas quais um contexto está-vel é essencial. Forças poderosíssimas estão em franca atividade. Entre os 2 e os 5 anos cada criança terá que se entender com a hereditariedade, os instintos, pecu-liaridades do próprio corpo, e fatores ambientais bons e maus. Ao mesmo tempo, ela está ocupada construindo relacionamentos pessoais, simpatias e antipatias, uma consciência pessoal, e esperanças para o futuro. (WINNICOTT, 1990, p. 81)

Não se espera, com tais afirmações, uma atuação do professor como psicólo-go, mas ressaltar que aspectos psicológicos e emocionais são inerentes e interfe-rem no processo de ensino-aprendizagem, sendo fundamental a este conhecê-los para que possa auxiliar, dentro de suas possibilidades profissionais, as crianças que estejam em dificuldades.

A partir da teoria winnicottiana e das reflexões proporcionadas por esta, verifica-se que a agressividade é parte constitutiva do ser humano e elemento necessário para o transcorrer do processo evolutivo, que, quando ocorre de modo saudável, culmina no desenvolvimento de características e capacidades indis-pensáveis para o bem-estar psíquico e para os relacionamentos interpessoais.

Em suas obras, Winnicott mostra o valor positivo do potencial agressivo, que garante ao indivíduo, quando bebê, diferenciar o “eu” e o “não eu”, relacionar-se com objetos externos, assim como descobrir a realidade externa e objetiva. As capacidades para amar, sentir culpa, responsabilizar-se e envolver-se, tam-bém são decorrentes do aspecto destrutivo.

Entende-se que quando o desenvolvimento emocional é apoiado por um am-biente suficientemente bom, os impulsos destrutivos convertem-se em uma for-ça valiosa, que constitui a base de atividades como o trabalho e o brincar, a partir das quais o desenvolvimento pessoal pode se enriquecer, sem que se perca a ca-pacidade da criança de utilizar a agressividade nos momentos adequados.

A pesquisa mostrou que a conduta agressiva trata-se de um processo que en-volve diversos fatores de ordem individual e social, não sendo possível identificar

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um único fator como responsável por sua ocorrência. Diante disso percebe-se a importância de tanto a escola como a família terem consciência desses fatores, pois muitos deles podem ser evitados por meio de um manejo ambiental que forneça condições favoráveis ao desenvolvimento.

Dentre as possibilidades de trabalho com crianças que manifestam agressivi-dade a atividade lúdica aparece como forma valiosa e simples de amparo ao de-senvolvimento emocional. Na presente pesquisa, além de possibilitar a expres-são e elaboração de conflitos, a atenção, a disponibilidade e sensibilidade da bolsista enquanto acompanhava as brincadeiras de Lucas, favoreceram o efeito terapêutico da atividade. Com isso amplia-se a concepção sobre o brincar e os seus benefícios sobre as crianças, de forma que este possa ser utilizado mais am-plamente no cotidiano da educação infantil.

O tema relativo à agressividade vem aparecendo de maneira surpreendente no contexto escolar, em todos os níveis e modalidades no Brasil e no mundo. Compreender tal fenômeno não é simples, porém, é necessário para que se possa oferecer o suporte que as crianças precisam, e contribuir à melhoria das relações em sala de aula. Enfim, os conteúdos aqui abordados evidenciaram a necessidade de um olhar atento e sensível às manifestações infantis, sobretudo as que envol-vem manifestações agressivas em qualquer espaço.

REFERêNCiAS

ABERASTURY, A. A criança e seus jogos. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 1992.

BOWLBY, J. Uma base segura: aplicações, clínica da teoria do apego. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. (Temas Básicos de Educação e Ensino).

WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

_____. A criança e o seu mundo. 6. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982.

_____. Natureza Humana. Rio de Janeiro: Imago, 1990.

_____. Privação e delinquência. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

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4ANáLiSE DO COmPORTAmENTO ESTuDANTiL E iNCiDêNCiA DE BuLLYiNG: AÇÕES DE iNTERVENÇÃO1

Ângela Coletto morales EscolanoWanderson Rodrigues morais

Faculdade de Engenharia/Unesp/Ilha Solteira

Resumo: Esta pesquisa retrata uma parte de um trabalho central realizado em uma institui-ção de Ensino Fundamental pública com a temática do Bullying. Alguns pesquisadores apon-tam os males que tal fenômeno acarreta ao processo de aprendizagem por trazer problemas ao desenvolvimento psicológico dos envolvidos. Por tratar-se de um distúrbio de aprendiza-gem caracterizado pelo desvio violento de comportamento, após ter-se verificado da exis-tência de Bullying na escola, em uma das etapas do trabalho central optou-se por compreen-der melhor o comportamento dos alunos a partir de uma visão deles e de seus professores. Para tal, elaboraram-se questionários específicos que contemplassem questionamentos so-bre essa temática, os resultados foram tratados de forma quantitativa. Pode-se perceber que os alunos não se respeitam mutuamente, tanto em suas próprias visões quanto pela de seus docentes, também revidam á todas as agressões sofridas, não se envolvem em brigas de ou-tros alunos, acreditam que apelidos e gozações não fazem mal e não se dedicam ao estudo, apesar disso tudo, ainda são crentes que o ambiente escolar seria melhor se houvesse res-peito entre todos. Tal cenário mostra a importância de medidas que tragam valores como o respeito e a dedicação para a sala de aula e o convívio dos alunos.

Palavras-chave: Ensino Fundamental; comportamento de escolares; bullying.

iNTRODuÇÃO

Um conhecido fenômeno tem chamado a atenção de educadores nas institui-ções de ensino, trata-se do Bullying, termo de origem inglesa (to bully = intimi-dar), que pode ser identificado como uma violência assimétrica de forças contra um ou mais alvos, de caráter duradouro e com prejuízos para uma das partes envolvidas, sem nenhum motivo aparente (BANDEIRA, 2012; SMITH et al., 2002).

1 Trabalho apresentado no 2º Congresso Internacional sobre a Teoria Histórico-Crítica e 13ª Jornada do Núcleo de Ensino de Marília, Marília, 2014.

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Tal comportamento tem o objetivo de machucar, humilhar e subjugar as vítimas, e pode ocorrer de forma direta física (chutes, socos, empurrões), de forma direta verbal (xingamentos, apelidos, provocações) e de forma indireta (maledicência, exclusão, marginalização, fofocas). Recentemente surgiu o cyberbullying, utili-zando-se de ferramentas tecnológicas, como as redes sociais, para os mesmos objetivos (BULLOCK, 2002; COLOVINI, 2007; LIMA, 2009; MARTINS, 2005).

Parece haver um consenso entre os pesquisadores da área, de que tal situação propicia grandes malefícios ao processo de aprendizagem, assim como ao desen-volvimento dos envolvidos. Os agressores tendem a desenvolver condutas de ris-co como o uso de tabaco, drogas e álcool em longo prazo, assim como dificulda-des em manter relações pessoais e posterior abandono acadêmico. As testemunhas apresentam quadros de ansiedade e insegurança, prejudicando seu desempenho na escola, para as vítimas torna-se comum a exclusão do ambiente escolar e o desinteresse, com o surgimento de quadros depressivos e suicidas, vendo assim negligência intelectual dos envolvidos impossibilitando o processo de ensino e aprendizagem (ANTUNES & ZUIN, 2008; DE MOURA et al., 2010; LISBOA et al., 2009; LOPES NETO, 2005; MARTINS, 2005; MATOS, 2009).

Segundo Doreleijeirs e Prins-Aardema (2000), há uma divisão dos distúrbios de aprendizagem (DA) em duas categorias: a) os distúrbios da leitura, matemáti-ca, linguagem, escrita e os não especificados, e b) aqueles relacionados ao atraso mental, englobando outras anomalias físicas (tumores, etc.) e psicológicas (trau-mas); afirmam também que o DA surge de problemas emocionais, distúrbios comportamentais agressivos e até razões hereditárias.

Tendo em vista os danos psicológicos que o Bullying inflige aos envolvidos, e sua influência direta no aprendizado, toda a comunidade escolar deveria estar envolvida de forma a trabalhar a situação como um todo, reconhecendo suas cau-sas e como trata-las. Torna-se importante assim, o uso de intervenções que bus-quem atenuar e/ou erradicar o Bullying da escola, para assim garantir um am-biente eficiente para a educação (DE MOURA et al., 2010).

Uma das alternativas propostas, como utilizado no trabalho de Pingoello (2009), é o reconhecimento por parte de professores e alunos, de seus próprios comportamentos, ou seja, uma análise das percepções que possuem de si mes-mos, e no caso dos professores, do conhecimento de seus alunos de forma a com-preender determinadas ações e como evitar futuros transtornos.

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O presente trabalho faz parte de um projeto maior de reconhecimento e inter-venções em casos de Bullying que ocorreram em uma instituição de ensino do município de Ilha Solteira, pertencente á etapa de delineamento de perfis com-portamentais e suas percepções pelos docentes e discentes.

OBjETiVOS GERAiS

O presente trabalho teve como objetivo principal obter melhor reconheci-mento do comportamento e perfil de percepção dos próprios alunos e professo-res, acerca da conduta discente.

mETODOLOGiA

O público alvo foram alunos de 5ª Série (6º Ano) á 8ª Série (9ºAno) do Ensino Fundamental, distribuídos na faixa etária que compreende dos 10 aos 16 anos, bem como o grupo docente de uma instituição pública Estadual de Ensino Fun-damental do interior do Estado de São Paulo. Participaram do estudo, de forma voluntária, 472 alunos (246 meninos), e 19 docentes.

Houve a elaboração de dois questionários de conduta: O questionário A (Apêndice 1) foi aplicado com os alunos de todas as séries em ambos os períodos letivos, contando com seis questões de múltipla escolha, com o objetivo de me-lhor conhecer suas ações. O questionário B (Apêndice 2) foi aplicado com os pro-fessores, possuindo igual número de perguntas e com o objetivo de conhecer a percepção docente sobre os comportamentos de seus alunos. A participação tan-to dos alunos quanto dos professores foi voluntária, e sem identificação de nome, apenas idade e série para fins de análise.

Os questionários possuem cinco afirmações, das quais tanto os alunos quanto os professores deveriam avaliar o quanto a situação apresentada está de acordo com a sua realidade, em uma escala de “Nunca”, “Pouco”, “Bastante” e “Muito”. A sexta questão é um quadro de situações, em que os participantes devem esco-lher entre “Concordo” e “Discordo” para cada uma das alternativas apresentadas, sendo que em nenhuma questão era possível responder mais de uma alternativa. Para sistematização dos dados adotou-se uma análise quantitativa.

ANáLISE DO COmPOrtAmENtO EStUDANtIL E INCIDÊNCIA DE BULLYING: AçõES DE INtErVENçãO

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RESuLTADOS E DiSCuSSÃO

Os resultados da pesquisa encontram-se relacionados abaixo, obteve-se uma participação de 472 alunos com o questionário A (246 do gênero masculino e 224 do gênero feminino) e uma participação de 19 docentes com o questionário B.

Questionário comportamental A – Para alunos

Quase metade dos alunos parece não se importar com a bagunça dos outros alunos quando o professor começa a explicação (45%), o que se torna ainda maior se incluído aqueles que realmente não se incomodam, em um total de 54,4%, como descrito na Tabela 1.

Tabela 1 Porcentagem de respostas na questão 1 – Quando alguns dos meus colegas começam a atrapalhar a explicação do professor, eu me sinto incomodado com situação.

Nunca Pouco Bastante muito Total

9,5% 44,9% 24,3% 20,3% 99%*

* Nulos = 1%.

Na Tabela 2, observamos que uma grande maioria dos alunos relata não se envolverem em brigas de colegas e nem chamam adultos para separá-las (25,6%) e um percentual ainda maior intervém raramente em brigas e/ou pede auxílio á maiores (30,5%).

Tabela 2 Porcentagem de respostas na questão 2 – Ao ver um colega sendo agredido fisi-camente eu tento separar a briga ou chamo um adulto que termine a confusão.

Nunca Pouco Bastante muito Total

25,6% 30,5% 19,9% 21,6% 97,6%*

* Nulos = 2,4%.

Os alunos, em sua maioria relatam, como observamos na Tabela 3, não insul-tarem um colega que está sendo alvo de gozações (52,5%) e apenas um pequeno percentual parece se envolver com frequência neste tipo de agressão (12,8% – Bastante e Muito).

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Créditos

Tabela 3 Porcentagem de respostas a questão 3 – Quando algum colega recebe apelidos ou gozações de outro, eu acho engraçado e insulto o mesmo colega.

Nunca Pouco Bastante muito Total

52,5% 33,8% 5,9% 6,9% 99,1%*

* Nulos = 0,9%.

Pela análise dos questionários é possível extrair uma informação importante, quanto á conduta de violência, a maioria dos alunos frequentemente revidam agressões recebidas (30,5%) o que se torna ainda maior a ocorrência dos casos se a categoria “Bastante” for incluída (47,4%). Isso quer dizer que 224 alunos respondem as agressões sofridas, ou seja, quase metade dos alunos que partici-param do trabalho, como verificado na Tabela 4.

Tabela 4 Porcentagem de respostas a questão 4 – Quando sofro algum tipo de agressão (física, verbal, emocional, racista ou sexual), revido.

Nunca Pouco Bastante muito Total

24,7% 26,9% 16,9% 30,5% 99%*

* Nulos = 1%.

Verificamos na Tabela 5 que mesmo que um grande percentual de alunos (58,1% – Bastante e Muito) tente prestar atenção nas aulas, ainda existe uma grande parcela de alunos (41,9%) que não se esforçam ou muito raramente escu-tam o professor, em números, são 198 alunos não estão se dedicando aos estudos como deveriam, por ser um número tão alto, é um cenário preocupante.

Para o pesquisador Willis (1988), certas formas de violência, bem como o abandono escolar, e assim, uma grande resistência aos estudos, se mostram como um sentimento de que os conhecimentos escolares e o próprio diploma são ainda insuficientes para possibilitar uma ascensão social. Dubet (2003) também afir-ma que tais condutas, são frutos de uma percepção de que é difícil atingir as exi-gências educacionais disseminadas pela instituição. E Silva e Salles (2010) apon-tam que o acesso em massa á educação, torna o valor material e simbólico do diploma, desvalorizado; os alunos ainda percebem que o diploma não possui re-conhecimento esperado e prometido no mercado de trabalho, sendo apenas um benefício ilusório.

ANáLISE DO COmPOrtAmENtO EStUDANtIL E INCIDÊNCIA DE BULLYING: AçõES DE INtErVENçãO

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Tabela 5 Porcentagem de respostas a questão 5 – Quando tenho aula de alguma disciplina que não gosto, eu tento me esforçar e prestar atenção assim mesmo.

Nunca Pouco Bastante muito Total

12,5% 29,4% 33,6% 24,5% 100%

A Questão 6 do questionário para os alunos, tem o objetivo de reforçar as res-postas dadas nos itens anteriores, e sua comparação com os demais resultados é interessante. As afirmações 1, 2 e 8 são complementares, então é pressuposto que os resultados obtidos sejam similares, o que pode ser observado na Tabela 6.

Ainda, o percentual de alunos que não ficam em silêncio na explicação dos professores (Afirmação 3) corrobora com o encontrado nas demais questões (41,9%) com uma diferença de apenas 11%. O fator que pode ter causado dife-renças é o termo “disciplina que eu não gosto” e que no caso da Questão 6, na Afirmação 3, se refere somente a “disciplina do professor” sem explicitar se é uma matéria que o aluno tenha preferência ou não.

Analisando a Afirmação 4, temos um cenário conflitante, pois 30,5% dos alu-nos, ou seja, 144 indivíduos não obedecem as ordens da escola, o que pode atra-palhar o rendimento escolar dos outros alunos.

O pesquisador Martuccelli (2001) aponta que os alunos reivindicam um tratamento de igualdade entre alunos e professores, ou seja, uma relação não hierárquica, como se a relação com adultos devessem ser a mesma com o colega de classe.

Na Afirmação 5, temos um percentual de 23,5% dos alunos que acreditam que gozações e insultos não fazem mal a ninguém, o que é similar ao dado da Questão 3 (12,8%), temos uma diferença de 10,7%. Porém, não se deve esquecer que a porcentagem de alunos que Pouco se envolvem neste tipo de agressão é 33,8%, ou seja, por mais que não seja frequente, ainda há participação dos mes-mos em grande número.

A Afirmação 6, que diz respeito ao revide de agressões corrobora em seus resultados com o valor encontrado na Questão 4, com percentuais de 43,2% e 47,4% respectivamente. E finalmente na Afirmação 7, é possível perceber que a maioria dos alunos acredita que a escola seria melhor se todos fossem respeita-dos (87,5%), mas isso não será possível ainda com alunos que não se esforçam para respeitar os demais (Afirmação 1, com 25,2%).

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Tabela 6 Porcentagem de respostas a questão 6 – Assinalar a coluna que mais se identifica com sua forma de pensar.

Discordo (%) Concordo (%)

Eu respeito todos os meus colegas de sala. 25,2 74,1

mesmo não gostando de algum colega, eu não o agrido fisicamente ou por insultos.

16,1 83,4

Quando o professor começa a explicação, eu fico em silêncio e tento não atrapalhar.

30,2 71,3

Não aceito ordens de professores e da direção da escola, afinal, eles não são meus pais.

65 30,5

Acredito que apelidos e provocações são engraçados e não fazem mal a quem recebe.

75,4 23,5

Se algum colega fizer mal a mim, eu devo me vingar dele. 55 43,2

Acredito que a escola seria melhor se todos fossem educados e se respeitassem.

12,2 87,5

Eu me esforço para ajudar a todos e respeitá-los. 21,8 76,6*

* total de dados nulos: 8,26%

Questionário comportamental B – Para professores

Por meio da análise dos questionários, é possível observar na Tabela 7 que a maioria dos alunos, na visão dos próprios professores, parecem se incomodar com a bagunça realizada pelos outros alunos (48,8% – Bastante e Muito), o que está próximo ainda se comparado à resposta dos próprios alunos (44,6% – Bas-tante e Muito), porém ainda há um desencontro, é necessário pesquisar quais são os sinais interpretados pelos docentes, que indicam o incômodo pela bagunça, se estão de fato corroborando a resposta dos educandos.

Tabela 7 Porcentagem de respostas a questão 1 do questionário para professores – Quando algum de seus alunos começa a atrapalhar a sua explicação, você nota que os outros colegas se sentem incomodados?

Nunca Pouco Bastante muito Total

17,60% 23,50% 29,40% 29,40% 99,9%*

* Nulos = 0,1%.

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Em relação a interferência nas brigas, os professores afirmam que uma boa parcela dos alunos não se envolvem (29,4%) o que está de acordo com a resposta dos mesmos, porém, se considerarmos a quantidade daqueles que raramente se envolvem, o percentual é muito maior do que aqueles que se envolvem com certa frequência: Pouco = 41,4% e Bastante = 29,4%. Logo, tornar-se visível a não par-ticipação e intervenção dos alunos em número muito elevado (70,5% – Nunca e Pouco), como verificado na Tabela 8.

Tabela 8 Porcentagem de respostas a questão 2 do questionário para professores – Ao ver um estudante sendo agredido fisicamente, você percebe que os outros alunos procuram algum adulto para terminar a briga?

Nunca Pouco Bastante muito Total

29,40% 41,10% 29,40% 0% 99,9%*

* Nulos = 0,1%.

Na visão dos professores, como observado na Tabela 9, metade dos alunos parecem se envolver nas provocações contra outros colegas (50%), o que se tor-na muito maior se considerados os casos mais frequentes (83,33% – Bastante e Muito) em relação aos que raramente se envolvem (17,6%). Se comparados com o questionário dos alunos, os resultados são bastante divergentes, o que real-mente estaria ocorrendo no ambiente escolar?

Segundo Silva e Salles (2010), os professores têm notado e relatado a crescen-te violência, não somente em termos de quantidade, mas também em qualidade, sendo a agressão verbal a mais praticada, seja nas relações aluno-aluno como aluno-professor, sendo o desrespeito, o constante nas situações; ainda aponta que tais atos encontram-se tão banalizados, que tendem a tornar-se despercebi-dos, o que é muito preocupante.

Tabela 9 Porcentagem de respostas a questão 3 do questionário para professores – Quando algum aluno recebe apelidos ou gozações de outro, você percebe que os outros colegas acham engraçado e começam a provoca-lo também?

Nunca Pouco Bastante muito Total

0% 17,60% 50,0% 33,33% 99,9%*

* Nulos = 0,1%.

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Na questão 4 do questionário para professores, na Tabela 10, verificamos que tanto as respostas dos professores como as dos discentes, corroboram o fato de revide dos alunos á alguma agressão sofrida, que segundo os docentes, ocorre com uma grande maioria dos indivíduos (78,7%).

Tabela 10 Porcentagem de respostas a questão 4 do questionário para professores – Quan-do algum aluno sofre um tipo de agressão (física, verbal, emocional, racista ou sexual),você percebe que ele revida?

Nunca Pouco Bastante muito Total

0% 23,50% 61,10% 17,60% 99,9%*

* Nulos = 0,1%.

Os professores também afirmam que há pouca dedicação dos alunos em suas disciplinas (70,5%), como verificamos na Tabela 11, o que é ainda mais grave, quando somamos aqueles que realmente não se importam (76,2% – Nunca e Pouco). Comparando ambos os questionários, também existe uma divergência, este caso, talvez haja o temor dos alunos em responderem aquilo que realmente sentem ou praticam, pois nesta situação, 360 alunos parecem não se esforçarem nas disciplinas.

O pesquisador Buratto (1998) afirma que o interesse e empenho pela disci-plina dependem do respeito pelo professor, e que os alunos tornam-se mais de-dicados e comprometidos com os deveres escolares quando percebem que o docente preocupa-se com o bem estar deles, e permite que façam parte no pro-cesso de tomada de decisões, assim como o respeito as suas ideias.

Tabela 11 Porcentagem de respostas a questão 5 do questionário para professores – Você percebe dedicação dos alunos em relação a sua disciplina?

Nunca Pouco Bastante muito Total

5,80% 70,50% 11,70% 11,70% 99,9%*

* Nulos = 0,1%.

Observando a Tabela 12 que mostra as porcentagens da Questão 6 para os professores, verificamos que nas Afirmações 1 e 2, é possível perceber que os professores não consideram que haja respeito mútuo entre os alunos (84,2% e

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57,8% respectivamente), este resultado difere do respondido pelos alunos que afirmam em grande maioria terem respeito pelos colegas (Tabela 6). A principal questão aqui levantada é: O que é respeito para os alunos e o que é respeito para os professores?

Silva e Salles (2010) argumentam que o ambiente escolar é permeado pela presença constante de desrespeito ao próximo, o que pode ser visto na resposta dos alunos no questionário A, havendo a presença de 25% de alunos que discor-dam com o respeito aos outros.

Os professores também discordam do fato dos alunos estarem em silêncio em suas explicações (68,4%) como descrito na Afirmação 3, o que corrobora com a Questão 5 do questionário B (76,3%), porém novamente está em desacordo com o respondido pelos alunos. Para o pesquisador Dubet (2003), os alunos possuem grande necessidade em mostrar aos outros alunos, um descompromisso com os afazeres da escola e suas obrigações acadêmicas, para serem reconhecidos como desafiadores da autoridade.

Na Afirmação 4, é possível observar que mais da metade dos professores se sentem respeitados pelos alunos (68,4%), porém ainda existe uma parcela dos docentes (31,6%) que sofrem com o desrespeito e desobediência, o que está de acordo com o respondido no questionário A, em um percentual de 30,5%. O pes-quisador Sposito (2001) afirma que as relações conflituosas entre aluno-profes-sor tem gerado medo nesta ultima parcela, fazendo que haja o uso de segurança policial, afetando as interações educativas e o clima escolar.

E na Afirmação 5, a maioria dos professores (57,8%) concordam que há um revide dos alunos ás agressões, corroborando tanto com as respostas do questio-nário A quanto a Questão 4 do questionário B.

Na pesquisa de Silva e Salles (2010) e Buratto (1998), as autoras afirmam que a diminuição da violência escolar está relacionada a uma postura firme e a um trabalho didático de empenho pelos docentes, pelo compromisso dos mesmos com o seu exercício e a um tratamento igualitário com todos os alunos, indepen-dente de seus rendimentos. Os interesses dos alunos também têm um grande peso, pois será de suas perspectivas acadêmicas em desenvolver-se, que as vio-lências no âmbito escolar serão atenuadas, logo, o papel da direção e dos profes-sores é fundamental para que haja essa mudança de paradigma.

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Tabela 12 Porcentagem de respostas a questão 6 do questionário para professores – Assi-nalar a coluna que mais se identifica com a forma de agir de seus alunos.

Discordo (%) Concordo (%)

meus alunos respeitam todos os colegas de sala. todos. 84,20 15,80

meus alunos mesmo não gostando muitos dos colegas, eles respeitam uns aos outros.

57,80 42,20

meus alunos ficam em silêncio quando começo a explicação.

68,40 31,60

meus alunos me respeitam. 31,60 68,40

meus alunos se vingam um do outro quando recebem gozações ou são agredidos.

41,20 57,80*

* Nulos = 1%.

CONSiDERAÇÕES FiNAiS

As medidas devem ser enérgicas, pois é possível observar por meio da análise das respostas dos questionários, que a escola não é mais um ambiente onde há a promoção de um desenvolvimento saudável, está se mostrando mais um ambien-te onde não há um respeito entre os alunos, demonstrado tanto por suas percep-ções como pelas percepções dos docentes, são alunos que não se dedicam aos estudos e tendem a revidar, em sua maioria, toda agressão sofrida. Neste caso, aconselha-se o uso de estratégias que busquem melhorar a autoestima dos mes-mos e enfatizar valores, como o respeito e a dedicação.

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Créditos

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APêNDiCE 1 – QuESTiONáRiO A/ ALuNOS

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APêNDiCE 2 – QuESTiONáRiO B/ PROFESSORES

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5iNFÂNCiA E ESCOLA: AS RELAÇÕES PROFESSOR E ALuNO NA EDuCAÇÃO iNFANTiL

mary Yoko OkamotoFelipe Tobias Brahim

jessica Tamyigarashi uenomaria Eugenia BroccoSamara Rosseti Ginez

Faculdade de Ciências e Letras/Unesp/Assis

Resumo: Esse trabalho foi elaborado levando em consideração o desenvolvimento de um projeto do Núcleo de Ensino, desenvolvido por alunos do curso de Psicologia da Faculdade de Ciências e Letras de Assis, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – câmpus de Assis. Os objetivos do projeto consistiram em possibilitar espaços de encontros com educadores de uma instituição escolar de ensino infantil, com o intuito de oferecer es-paços de reflexão e conhecimento principalmente relacionados às características da criança numa visão do desenvolvimento infantil com especial acento ao papel e à função desempe-nhados pelo ambiente nesse processo. A base teórica utilizada foi a Psicanálise, levando em consideração a importância dos aspectos históricos e culturais no desempenho das funções parentais e escolares

Palavras-chave: Cuidado; Educação Infantil, professores; crianças.

iNTRODuÇÃO

Tendo em vista o surgimento e o contexto histórico das creches no Brasil, es-sas instituições encontram-se ligadas às transformações e modificações ocorri-das no final do século XIX e início do século XX, juntamente com a urbanização e industrialização, impulsionadas pela crescente participação da mulher no merca-do de trabalho processos que culminaram em intensas mudanças na organização familiar, sobretudo no tocante ao papel desempenhado pelas figuras parentais.

De acordo com Pacheco e Dupret (2004, p. 104), “[...] o surgimento da creche está ligado às transformações na sociedade, na organização da família, no papel social feminino e em suas respectivas repercussões, principalmente, no que se refere aos cuidados das crianças pequenas”.

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Esta mudança acarretou na diminuição considerável da convivência das crian-ças com seus pais, que passaram a dividir a função de cuidadores com os educa-dores das instituições. A partir disso, ocorreu gradativamente uma descentrali-zação dos papéis familiares em relação ao cuidado com a criança.

Fazendo com que as creches assumissem a função “educativa, voltada para os aspectos cognitivos, emocionais e sociais da criança, enquanto contexto de desenvolvimento para a criança pequena” (OLIVEIRA et al., 1992, p. 49).

Em seu surgimento no contexto brasileiro, as creches baseavam-se num mo-delo assistencialista, religioso e filantropo. Foi somente após a década de 60 que a questão da educação e do desenvolvimento integral da criança surgiram como preocupação e objetivo de tais instituições.

Com a consolidação da Constituição Federal Brasileira de 1988, a legislação nacional passou a reconhecer as creches e pré-escolas, para crianças de até 6 anos de idade, como parte do sistema educacional e ligadas à Secretaria de Educação, configurando-se como a primeira etapa da Educação Básica, sendo que anteriormente eram vinculadas à Secretaria de Assistência Social. Em decor-rência disso, a Educação Infantil passou a integrar um direito de toda criança e um dever do Estado.

Ademais, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, a infância passou a ser valorizada e a criança concebida como uma pessoa de direitos, necessidades e características específicas, assim como um sujeito em desenvolvimento.

Desta forma, cabe apontar a relevância de se compreender o papel dessas instituições como um ambiente de extrema importância para o desenvolvimento social, cognitivo e afetivo da criança, proporcionando um espaço de subjetivação e complementação da ação familiar, uma vez que elas remetiam apenas ao am-biente e cuidados com a saúde, como rotinas de higiene e alimentação (FLACH e SORDI, 2007).

Os últimos anos têm sido marcados por uma série de transformações, pela busca de uma identidade própria e pelo desenvolvimento de programas que vi-sam estabelecer nas creches a indissociabilidade entre cuidar e educar; na tenta-tiva de tornar tais instituições cada vez mais organizadas e reconhecidas como espaços de fundamental importância para o desenvolvimento infantil.

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OBjETiVOS

O presente trabalho é resultado de um projeto desenvolvido através do Nú-cleo de Ensino, com a participação de alunos do segundo, terceiro e quarto anos do curso de graduação em Psicologia, e tem como principal objetivo promover encontros com professores de uma escola de Educação Infantil no município de Assis/São Paulo, nos quais se buscam discutir questões referentes à relação esta-belecida entre professores e os bebês/crianças que frequentam o berçário e o maternal. Além disso, víamos proporcionar um olhar mais integral da criança, de suas necessidades e de seu desenvolvimento.

Procura-se, também, contribuir para a compreensão das angústias que tanto as crianças como as professoras vivenciam neste ambiente, identificando possí-veis dúvidas e demandas dos professores a respeito das características de cada fase do desenvolvimento. Com isso, buscamos propiciar um espaço facilitador para a compreensão por parte dos professores sobre si mesmos, sobre a relação estabelecida com as crianças e na procura de possíveis reflexões acerca das difi-culdades e problemas encontrados.

mETODOLOGiA

Os graduandos tiveram acesso, ao longo do ano, às rotinas diárias da escola por meio de observações participantes e interações semanais nas salas do berçário e do maternal. Os participantes do projeto são divididos em duplas entre o berçário e o maternal. Assim, é possível conhecer a interação entre as crianças e os profes-sores, como o momento da troca de fraldas, da alimentação, sono, as brincadeiras e o momento de saída, assim como entre as próprias crianças em ambiente esco-lar. Estas ocasiões também possibilitam uma maior percepção do desenvolvimen-to e comportamento infantil, colaborando para a escuta, compreensão e atendi-mento das queixas, dúvidas e angústias apresentadas pelos professores.

Os encontros com o grupo de educadores ocorreram mensalmente, na esco-la, e foram organizados segundo as necessidades demonstradas pelas mesmas, no tocante às dificuldades vivenciadas com as crianças. Desta forma, a escolha dos temas abordados é feita previamente, de acordo com a demanda, e os en-contros são realizados através da discussão e da troca de experiência e conheci-mentos entre os participantes. De modo geral, temos utilizado conceitos e co-nhecimentos de autores psicanalíticos tais como F. Dolto, D. W. Winnicott, L. C. Figueiredo nesses encontros.

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Além disso, os graduandos participaram de supervisões semanais com a do-cente responsável pelo projeto nas quais ocorreram discussões e a avaliação de dificuldades e resultados obtidos, a partir da ótica psicanalítica, juntamente com a discussão de material teórico aliada à experiência prática. Deste modo, nestas ocasiões foram discutidas as experiências vivenciadas nas observações partici-pativas com as crianças e questões abordadas nos encontros com os professores, além do preparo dos encontros seguintes.

RESuLTADOS E DiSCuSSÃO

Ao longo do desenvolvimento do projeto, pudemos perceber que os atos coti-dianos na escola tais como segurar, alimentar, banhar e a troca de fraldas, tão importantes para o desenvolvimento do vínculo estabelecido com a criança e de aspectos de seu desenvolvimento não são valorizados pelas educadoras enquan-to momentos privilegiados para a constituição psíquica das crianças. “A maneira como a criança é cuidada será determinante na forma como ela aprenderá a se cuidar e a se relacionar com o mundo à sua volta – com as coisas e com as pes-soas” (MILMAN, J.; MORAES, R.; LIMA, B.; PLATTEK, I.; VIEIRA, A. C.; MENDES, L.; KUTWAK, F., s.d.).

Diante da falta de informação sobre a relevância desses pequenos atos para a constituição do infante, por vezes era possível notar a falta de cuidado e de atenção dispendidos nessas atividades. Ao contrário, percebemos no discurso das educadoras, a desvalorização de tais ações, consideradas como rotinas pouco valorizadas.

Com relação à organização da rotina diária das crianças, é notável o estabele-cimento de um horário rígido para brincar, comer e dormir tanto no berçário quanto no maternal, desconsiderando o ritmo biológico de cada criança (MI-ZUKAMI e REALLI, 2002).

Tal fato pode apontar para um processo no qual a instituição e a organização da rotina desconsideram a criança enquanto um ser desejante e portanto, mo-vida por impulsos e necessidades cuja satisfação não está atrelada apenas à oferta da satisfação de necessidades orgânicas – tais como sono, alimentação, dentre outras.

Diante de tal situação era muito comum a queixa das educadoras no tocante ao choro, agressividade e irritação apresentados pelas crianças. Tais comporta-

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mentos eram interpretados como falta de educação e respeito com as educado-ras, desconsiderando as características, necessidades e peculiaridades da crian-ça em cada momento de desenvolvimento.

Por isso, em grande parte dos temas solicitados para a discussão e reflexão nos encontros mensais foram compostos por questões que giravam em torno de birra, agressividade e impulsividade. Era notável a dificuldade e o conflito encon-trado pelas educadoras em compreender alguns comportamentos da criança sem a culpabilização da mesma ou de sua família de origem.

Assim, à medida que foram discutidas ideias relacionadas à importância do cuidado em atender às crianças (FIGUEIREDO, 2009; MARIN e ARAGÃO, 2013), da manipulação do corpo infantil e, sobretudo, do papel das professoras para a constituição psíquica das crianças, elas puderam entrar em contato com a impor-tância de sua função na educação infantil.

Desse modo, foi possível compreender e trabalhar o incômodo que comporta-mentos principalmente aqueles relacionados à agressividade, choro e o pedido de afeto das crianças causavam nas professoras. A falta de compreensão de tais comportamentos aliada à dificuldade em analisar a importância do papel desen-volvido pelas educadoras na vida da criança e de sua família gerava raiva, a qual muitas vezes impedia entender tais comportamentos como a expressão de des-carga e a necessidade da criança em externalizar o desprazer e as angústias vi-venciadas na rotina diária.

CONCLuSÕES

Pôde-se perceber que com relação a determinados comportamentos infantis, tais como o choro, a agressividade e o pedido de afeto, prevalece a falta de com-preensão a respeito da importância da descarga do desprazer e da contenção de impulsos (JANIN, 2011) em detrimento de um olhar patologizante a respeito de tais comportamentos. Isso gerava angústia, impotência e desestabilizava as professoras em suas relações com as crianças.

Além do mais, é possível notar a importância do ambiente que, além de ofere-cer assistência e atender às necessidades biológicas das crianças, deve realizar tais atividades baseadas na reciprocidade relacional estabelecida entre as crian-ças e os professores, uma vez que é de extrema importância para o desenvolvi-

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mento da criança se sentir cuidada e protegida. De acordo com Milman; Moraes; Lima; Plattek; Vieira; Mendes; Kutwak (2012, p. 39), “[...] torna-se essencial que o educador se questione sobre seu lugar junto à criança: em vez de fazer pela ou para a criança, ele pode fazer com a criança ou permitir que a criança faça por si. Para isso, é necessário que o adulto se aproxime do mundo desses pequenos, buscando construir junto um conhecimento. É só dessa maneira que a criança pode ganhar autonomia, construir uma postura crítica – curiosa e questionado- ra – diante do mundo”.

Ademais, tem-se verificado nos discursos dos professores, constantemente, queixas referentes à desobediência, dificuldades de sono, agitação, birras e o de-sejo de uma criança ideal: obediente, disciplinada, afetuosa. Compreendemos que tais situações contribuem para a dificuldade em se compreender a creche como um espaço propício para o desenvolvimento de processos de subjetivação e uma visão integral da criança, de suas demandas e de seu desenvolvimento (MARIN; ARAGÃO, 2013).

Assim, a visão que predominava era baseada na culpabilização da criança e da família, isentando um olhar mais crítico a respeito da importância da relação es-tabelecida entre as educadoras e as crianças. Até então, não era possível para esse grupo de educadoras compreender que faziam parte de tal relação e, por-tanto, afetavam e eram afetadas da mesma forma que as crianças.

Além disso, a oferta de um espaço para discutir as angústias e dúvidas das professoras, com a colaboração da teoria psicanalítica pôde contribuir para a compreensão de determinados comportamentos infantis, e dessa forma, perce-bemos que as professoras puderam, gradativamente, lidar com os comportamen-tos citados de uma forma mais continente, de modo a acolher as crianças.

Tal fato colaborou para a minimização da raiva que sentiam, principalmente daquelas crianças que apresentavam os comportamentos citados. Tal fato de-monstra a necessidade de uma formação de professores mais voltada para con-tribuições interdisciplinares, no caso da execução desse projeto, percebemos que a teoria psicanalítica oferece subsídios para que as professoras entrem em con-tato com a relação estabelecida com as crianças, além de contribuir para uma visão ampliada a respeito da importância do cuidado oferecido na educação in-fantil. Dessa forma, é possível a aproximação do olhar de que a creche pode fun-cionar como um espaço subjetivante.

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REFERêNCiAS

BIRMAN, J. Laços e desenlaces na contemporaneidade. Jornal de Psicanálise, São Paulo, v. 40, p. 47-62, 2007.

DOLTO, F. Quando os filhos precisam dos pais. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

_____. As etapas decisivas da infância. São Paulo: Martins Fonte, 1999.

FIGUEIREDO, L. C. As diversas faces do cuidar: novos ensaios de psicanálise contemporâ-nea. São Paulo: Escuta, 2009.

FLACH, F.; SORDI, R. O. A educação infantil escolar como espaço de subjetivação. Estilos da Clínica local, v. 22, p. 80-99, 2007.

JANIN, B. El sufrimiento psíquico en los niños: psicopatología infantil y constitución sub-jetiva. Buenos Aires: Noveduc, 2011.

KUHLMANN JR., M. Histórias da educação infantil brasileira. Revista Brasileira de Educa-ção, v. 14, p. 5-18, 2000.

MARIN, I. K.; ARAGÃO, R. O. (Orgs.). Do que fala o corpo do bebê. São Paulo: Escuta, 2013.

MILMAN, J.; MORAES, R.; LIMA, B.; PLATTEK, I.; VIEIRA, A. C.; MENDES, L.; KUTWAK, F. O Cuidado como Profissão – Casa da Árvore, 2012.

MIZUKAMI, M. G. N.; REALI, A. M. M. R. (Orgs.). Formação de professores, práticas pedagó-gicas e escola. São Carlos: EdUFSCar, 2002.

OLIVEIRA, Z. M. R. A Creche no Brasil: mapeamento de uma trajetória. R. Fac. Educ., São Paulo, v. 14, n. 1, p. 43-52, 1988.

PACHECO, A. L. P. B.; DUPRET, L. Creche: desenvolvimento ou sobrevivência? Psicologia USP, São Paulo, v. 15, n. 3, 2004.

ROJAS, M. C. Desamparo y desmentida em la familia actual: intervenciones del analista. Vínculo – Revista do Nesme, v. 7, p. 2-7, 2010.

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6ÉTiCA, PLuRALiDADE E SEXuALiDADE ENTRE ESTuDANTES DO ENSiNO mÉDiO PÚBLiCO

Nelson Pedro-SilvaBeatriz Person

Bruna mühlig de OliveiraGustavo Giordani Silva

Laura de moraes murariFaculdade de Ciências e Letras/Unesp/Assis

Resumo: Realizamos intervenção psicopedagógica com o fim de auxiliar estudantes do En-sino Médio na construção de conhecimentos sobre Ética, Pluralidade Cultural e Sexualidade. Os resultados evidenciaram que os estudantes: a) começaram a questionar a prioridade dada a caracteres mais afeitos à aparência; b) construíram pensamento crítico a respeito do consumismo exacerbado; c) tomaram ciência sobre motivos geradores da violência, pas-sando a propor como medidas para o seu equacionamento, a melhoria da educação pública e a diminuição da desigualdade social; d) construíram conhecimentos atinentes ao fun-cionamento familiar e aos conflitos decorrentes das relações estabelecidas em seu seio; e) passaram a ver o aborto como prerrogativa da mulher; f) refletiram sobre a baixa auto-estima, pois, ela pode acabar levando a quadros mórbidos (compulsão alimentar, anorexia, bulimia, ansiedade e depressão); g) começaram a problematizar preconceitos atinentes à orientação sexual e ao gênero, além de terem tomado ciência sobre as doenças transmis-síveis sexualmente e as consequências do não uso de métodos contraceptivos. Diante do exposto, concluímos que intervenções dessa natureza são importantes para a formação dos estudantes como cidadãos.

Palavras-chave: Ética; pluralidade cultural; sexualidade; psicologia das virtudes; adolescentes.

iNTRODuÇÃO E juSTiFiCATiVAS

Realizamos intervenção psicopedagógica, cuja intenção foi a de auxiliar os estudantes a construírem conhecimentos sobre Ética, Pluralidade Cultural e Sexualidade.

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O trabalho começou a tomar forma a partir de outros desenvolvidos no perío-do de 2010 a 2014, junto a estudantes do Ensino Médio de escolas públicas da região oeste do estado de São Paulo.1

Durante as intervenções, de maneira assistemática, notamos que parcela dos estudantes mostrava-se desinteressada em relação ao aprendizado dos conteú-dos escolares formais, a ponto de desejar o abandono da escola, corroborando dados de pesquisa organizados por Neri (2009). Esta, amparada em dados dispo-nibilizados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) feita em 2006 (apud NERI, 2009), mostrou que a falta de interesse foi o principal motivo para abandono dos estudos escolares formais no Ensino Médio.

Outro aspecto observado referiu-se à valorização excessiva da obtenção de prazer (hedonismo). La Taille (2009), Costa (2006) e Calligaris (2000), entre outros proeminentes pesquisadores das condutas humanas, afirmaram que os adolescentes têm colocado no lugar dos valores morais e éticos – os quais são responsáveis pela regulação das relações interpessoais – as formas de glória, como beleza, força física, status social e financeiro.

Esta conduta, assim como outras, segundo La Taille (2009, p. 75-76), acaba se traduzindo pela cultura do tédio:

[...] é verossímil afirmar que vivemos em uma cultura do tédio. Vivemos em mundo de comunicações superficiais, passageiras, intempestivas. Vivemos no mundo do di-vertimento, que somos, a cada momento, chamados a esquecer o tempo. Vivemos em uma sociedade hedonista, à busca estonteante de prazeres, às vezes baratos. Vivemos em uma sociedade tão dilacerada por inúmeros mundos virtuais que a pró-pria realidade acaba por se inclinar perante imagens. Vivemos momentos de volta de diversas formas de misticismo. Vivemos momentos de perigosa volta de inter-pretações fundamentalistas da religião e da política [...] que, não raras vezes, se tor-nar turista é se limitar a passar olhos desinformados sobre monumentos, quadros, ruas, pessoas.

Notamos, também, a apresentação de atitudes individualistas, narcísicas ou de excessiva preocupação com os interesses próprios. A esse respeito, os estu-

1 As intervenções, feitas nesse período, contaram com financiamento do Núcleo de Ensino da Pró-Reitoria de Graduação da Universidade Estadual Paulista – Unesp.

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dantes buscavam, apenas, refletir sobre a própria vida psíquica, com o objetivo de desvelar os verdadeiros sentimentos, além de transformar a convivência com amigos íntimos em um fim em si mesmo. Senett (1988) credita essa situação à valorização da esfera privada em detrimento da pública. Por conseguinte, verifi-camos que os adolescentes não estão, hoje, preocupados com a descoberta de princípios supraindividuais.

Cabe acrescentar que, também em conversações e observações feitas assiste-maticamente, os docentes se queixavam quanto à indisciplina e ao fato de os alunos empregarem basicamente a violência como meio para a resolução dos conflitos intra e interpessoais. Esse dado vai ao encontro dos obtidos por pes-quisadores vinculados ao Observatório de violência nas escolas – ao realizar estu-do com 13 mil alunos de escolas públicas brasileiras –, verificaram que cerca de 50,0% dos docentes já sofreram algum tipo de violência praticada pelos alunos. Além disso, a atmosfera moral era julgada péssima por mais da metade dos estu-dantes, impedindo a ocorrência do ato educativo (ABRAMOVAY, 2006). Confor-me pesquisa coordenada pela UNESCO (ABRAMOVAY; RUA, 2002), a maioria dos colégios brasileiros, já sofreu atos de violência. Em outro estudo (BRASIL, 2009), pesquisadores inquiriram 618,5 mil alunos de escolas particulares e públicas, matriculados no 9º ano do Ensino Fundamental, de instituições localizadas nas capitais, de ambos os sexos, cuja maioria estava na faixa etária de 13 a 15 anos. Os dados indicaram que 12,9% deles se envolveram em brigas, nos trinta dias anteriores ao início do referido estudo. A incidência desse tipo de violência foi de 17,5% entre os homens e 8,9% entre as mulheres. Outro item pesquisado se referiu à constatação de que 9,5% deles já tinham sofrido agressão física prati-cada por um adulto da família.

A partir de 1980, a alta incidência de condutas violentas tornou-se objeto de estudos científicos que visaram investigar aspectos atinentes às relações inter-pessoais violentas, envolvendo alunos, docentes e outros agentes da comunidade escolar. Por exemplo, em 20 de abril de 1999, dois jovens entraram atirando no colégio em que estudavam, em Columbine/EUA, matando um professor e 12 alu-nos, além de ferirem outros 21 sujeitos. Em seguida, cometeram suicídio. Eles justificaram, por escrito, que agiram assim como forma de responder às constan-tes humilhações sofridas na escola, praticadas por colegas. Razão semelhan- te ocorreu em 2007, no Instituto Politécnico de Virginia/EUA. Um estudante

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sul-coreano de 23 anos, invadiu armado o local onde estudava, ferindo 25 alunos e matando 33 pessoas. No Brasil, em 2003, na cidade de Taiúva/SP, um rapaz de 18 anos feriu a tiros oito jovens de sua escola e, em seguida, se matou. No Rio de Janeiro, ocorreu, em 2011, caso parecido; porém, com desfecho mais trágico. Um ex-aluno da escola, com 23 anos, disparou 60 tiros, matando 12 estudantes e dei-xando ferida outra igual quantidade. A tragédia só não foi maior porque ele co-meteu suicídio, depois de ter sido baleado pela polícia.

Atos de violência como esses são – em sua maioria – decorrentes do bullying, fenômeno caracterizado por Fante (2005, p. 9) como

[...] um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação evidente, de forma velada ou explícita, adotado por um ou mais indiví-duos contra outro(s), causando dor, angústia e sofrimento. [...] estimula [ando] a de-linquência e induz [indo] a outras formas de violência.

Verificamos, ainda, desvalorização da razão e dos saberes escolares formais. Rouanet (1987, p. 125), ao fazer considerações sobre o impacto do regime auto-ritário no campo educacional, afirmou que um dos principais fatores responsá-veis por esse quadro relacionou-se a uma política deliberada de exclusão dos currículos escolares de praticamente todos conteúdos que tivessem como propó-sito discutir valores relacionados aos direitos do homem.

Os jovens não contestam a razão em nome de Nietzsche ou de Berson, como fize-ram os irracionalistas europeus do período de entre-guerras, pelo excelente motivo de que ninguém lhes ensinou que esses autores existem. [Os frequentadores] ou egressos desse sistema educacional deficitário transformam, simplesmente, seu não-saber em norma de vida e em modelo de uma nova forma de organização das relações humanas. [Por conseguinte,] os estereótipos de uma formação livresca são contrapostos à imagem da educação pela própria vida. Reconstitui-se [...] a polariza-ção clássica entre a vida e a teoria. Esta pode ser resumida pela máxima de Goethe: “cinzenta é toda teoria, e verde apenas a árvore esplêndida da vida”.

Em decorrência, parece-nos que eles valorizam mais a obtenção de diplomas, ficando o saber renegado a uma posição secundária. A esse respeito, La Taille (2005, p. 8), ao refletir sobre as relações entre conhecimento e valor, assim se pronuncia:

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Tampouco o conhecimento parece ser considerado hoje como riqueza cuja posse, por si só, seria valorizada. Quantos alunos não perguntam: “para que me serve isso?”. Ora, boa parte do conhecimento, notadamente científico, responde a uma curiosida-de pura, não a uma demanda pragmática e urgente (pensemos na Astronomia). Numa sociedade de busca desesperada de prazer imediato e estonteante, a alegria paciente de conhecer fica em segundo plano, ou simplesmente não existe.

Outro aspecto, a nosso ver, significativo, foi ter observado a falta de compor-tamentos polidos. Segundo Comte-Sponville (1996, p. 9), a boa educação não é uma virtude. Apesar disso, ela é condição essencial à sua construção. Afinal, a virtude “[...] ocorre, no cruzamento da hominização (fato biológico) e da huma-nização (exigência cultural); é nossa maneira de ser e de agir humanamente, isto é, nossa capacidade de agir bem”. Em outros termos, as virtudes começam com o exercício da polidez, aspecto com o qual Piaget (1932/1994) está de acordo.

Soma-se a isso, a gravidez indesejada e o desconhecimento dos métodos con-traceptivos e de prevenção a Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST). Apesar de todas as informações veiculadas pelos mass media, as adolescentes ainda en-gravidam de maneira não planejada e sem condições socais e econômicas míni-mas para garantir a sobrevivência de si e da sua prole; além de alegarem desco-nhecimento de métodos de contracepção e de prevenção a doenças desse tipo.

Averiguamos, ainda – de modo assistemático –, o estabelecimento de relações interpessoais efêmeras. Por exemplo, ao invés de firmarem relacionamentos amorosos “sólidos” (p. ex., o namoro) estes partem para um tipo de relaciona-mento banal e descompromissado, intitulado de “ficar” (PEDRO-SILVA, TONON, 2009; PEDRO-SILVA, 2006). Quanto às relações de amizade, de trabalho e de con-vivência em geral, a natureza dessas interações costuma pautar-se pela super-ficialidade e brevidade, a ponto de Bauman (2004) defini-las como líquidas e Piaget (1932/1994) de heterônomas, pois o sujeito dá a impressão de que está se relacionando, mas na verdade sequer está levando em consideração o outro.

Confirmamos, igualmente, dados obtidos em outras intervenções (PEDRO--SILVA; PRADO; MORENO, 2014; PEDRO-SILVA; BELLUCI, 2015): a) condutas de excessivo consumismo e de discurso de louvor a marcas de produtos como for-madores de identidade ou de reconhecimento identitário; b) ausência do senti-mento de vergonha, por apresentar condutas incivilizadas; c) preconceito em relação ao gênero; d) desrespeito e até a exclusão dos pares que não comunga-

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vam dos mesmos padrões de beleza, de vestimenta e de gostos musicais; e) uso de drogas lícitas e ilícitas; f) os conflitos familiares e, por fim, g) a apresentação de novas condutas mórbidas (bulimia, anorexia, overtraining e vigorexia). Tais desordens contribuem para que eles abandonem a escola ou manifestem condu-tas violentas quando são escarnecidos por se distanciarem do padrão corporal valorizado.

Fomos motivados, ainda, por questões de ordem filosófica e psicológica.Autores contemporâneos, como Gilligan (1982), Flanagan (1991/1996),

Campbell & Christopher (1996), La Taille (1998; 2002; 2006), Tugendhat (1996) e Taylor (1989/1994) apontaram que as pessoas agem moralmente influencia-das por valores, mesmo considerando que o clima cultural geral2 exerce conside-rável influência.

Psicologicamente, fomos motivados em razão de estudos sobre os valores se-rem importantes, já que o homem sempre faz uma leitura valorativa de si. Por conseguinte, a imagem que temos de nós mesmos se constitui num valor a ser mantido, pois é vista como uma imagem positiva de si (PERRON, 1991).

Segundo La Taille (1998, 2000), esse valor pode ser moral ou ético. Neste caso, ter a imagem de honesto é visto positivamente e, como tal, o indivíduo bus-cará manter em sua personalidade. Pode, ao contrário, ser não moral. Então, ser belo e rico passa a ser o valor buscado. A presença de um ou de outro tipo de valor é importante para a construção de uma pessoa ético/moral. Caso esses va-lores sejam centrais, a pessoa poderá, por exemplo, sentir vergonha, desonra ou indignidade se cometer ato desonesto. Se forem formas de glória, é provável que esses sentimentos apareçam quando não se possuir riqueza ou o padrão de bele-za almejado. Movimento parecido ocorre no interior do próprio campo moral: o sujeito pode priorizar alguns valores mais do que outros, como lealdade, em vez de justiça. Além disso, a mesma pessoa poderá priorizar mais valores públicos (relacionados ao como se deve agir) ou privados (como se deve ser).

Por fim, fomos impelidos à realização da presente intervenção por termos constatado a existência de poucos relatos sobre intervenções psicopedagógicas que tivessem tido a finalidade de trabalhar os temas transversais Ética, Plurali-

2 Expressão cunhada por Adorno et al. (1950) para se referirem ao status quo vigente como forte influenciador de nossas condutas e pensamentos.

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dade Cultural e Orientação sexual, conforme levantamento bibliográfico feito em 2015 nas bases de dados eletrônicas Dedalus (USP), Scielo e Athena (Unesp) por meio dos unitermos: psicologia moral/da moralidade humana; educação moral/ética; desenvolvimento moral; julgamento moral; psicologia ética/das virtudes; virtudes; ética; intervenção psicopedagógica e adolescentes e psicologia.

OBjETiVOS

Diante do exposto, como apontamos, foi nosso objetivo principal realizar intervenção psicopedagógica, com a intenção de auxiliar os estudantes a cons-truírem conhecimentos sobre os temas Ética, Pluralidade Cultural e Sexualidade. Secundariamente, visamos: a) articular conteúdos curriculares a esses temas transversais; b) discutir, tendo como perspectiva a psicologia das virtudes (LA TAILLE, 1998; 2000; 2006), temas de interesse dos jovens, como adolescên-cia, família, gravidez, diversidade, drogas, indisciplina e violência; c) auxiliar os alunos a se desenvolverem moral e eticamente, a ponto de serem capazes de re-fletir sobre os valores vigentes na sociedade brasileira atual; d) contribuir para a melhoria da relação entre os alunos e entre eles e os familiares, assim como com os demais membros da instituição escolar; e) promover práticas que levassem os alunos à construção de conhecimentos sobre temáticas contemporâneas; f) con-tribuir para a diminuição da evasão escolar; g) refletir sobre a relação entre pluralidade cultural e o cotidiano dos jovens inseridos na realidade brasileira atual; h) discutir relações de gênero e as representações acerca das diferentes configurações sexuais; i) dar a conhecer métodos de anticoncepção e de preven-ção das DST; j) incentivar os alunos à concretização dos valores previstos na Constituição brasileira (justiça, solidariedade, respeito mútuo e tolerância); k) Enfim, estimular o exercício da cidadania, tal como conceituada pelos Parâme-tros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997).

mÉTODO

Sujeitos. Trabalhamos com 24 alunos, de ambos os sexos, com idade entre 15 e 18 anos, matriculados em uma escola de período integral pública da região oeste paulista, de nível socioeconômico C e que manifestaram interesse em par-ticipar da Intervenção.

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Para a escolha desses sujeitos, primeiramente, desenvolvemos atividades com todos os alunos do Ensino Médio dessa escola, em três encontros que tive-ram como objetivo o estabelecimento de vínculo, a apresentação do projeto e o convite aos interessados. Após essa etapa, pedimos aos estudantes que respon-dessem a um questionário, visando levantar fatores factuais (sexo, idade, ano matriculado, fatores econômicos) e o possível interesse em participar dos ateliês. Como a quantidade de interessados foi maior do que o limite estipulado, realiza-mos um sorteio no qual foram selecionados 24 sujeitos, que foram divididos igualmente em dois grupos, coordenados por dois executores, cada. Os encontros aconteceram duas vezes por semana, com duração média de 1h30min.

Informamos que a nossa pretensão inicial era de que os ateliês ocorressem três vezes por semana, em dias alternados. Contudo, a experiência de anos ante-riores, nos levou a concluir que, com isso, prejudicávamos as aulas curricula- res – eles estudavam em tempo integral.

Quanto à justificativa para estruturação dos citados ateliês com 1h30min cada e com dois encontros semanais, fundamentalmente ocorreram em virtude dessa atividade ter sido coletiva; portanto, um tempo menor seria insuficiente para a apresentação de estímulos (fatos físicos), de sorte que alguns deles pu-dessem se transformar em significativos e, em consequência, levar o sujeito à construção de conhecimento, conforme afirma Castorina (1988). No tocante à alternância, adotamos como forma de possibilitar aos sujeitos que tivessem tempo para reorganizarem, no plano psíquico, as várias construções feitas.

Em relação à execução do trabalho em dupla, as experiências anteriores in-dicaram que os atendimentos, quando feitos assim, apresentaram melhores re-sultados, além de terem favorecido o próprio desenvolvimento moral/ético dos executores, pois eles eram obrigados a fazer reuniões com o fito de relatar as sessões, planejar e organizar o material para as subsequentes e discutir os pro-blemas apresentados.

Instrumentos. Os temas foram abordados de maneira transversal. Isso signi-fica que buscamos, por meio dos conteúdos apresentados, articulá-los – com os participantes – às disciplinas tradicionais.

Fizemos, prioritariamente, uso de matérias veiculadas pelo mass media e por filmes, além de discutir dilemas morais e, eventualmente, levá-los a entrar em contato com a realidade que estava em discussão. Por exemplo, fazer visitas às

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adolescentes grávidas. A esse propósito, vários estudos (independentemente do referencial teórico empregado), demonstraram que a manifestação de interesse só ocorre quando o assunto/evento está ligado a nossa realidade, tanto a vivida quanto a sonhada.

Procedemos, igualmente, à análise ética de assuntos da ordem do dia e outros eleitos por eles. Por exemplo, gravidez não planejada, aborto, abusos sexuais, maioridade penal, fenômeno bullying, orientação sexual, autoestima, procuran-do, sempre que possível, manter uma postura neutra em relação aos temas.

O nosso intuito, em última análise, foi o de incentivá-los a agirem de maneira cooperativa, visando ao desenvolvimento da autonomia. Para Piaget (1964/1973; 1932/1994), agir dessa forma é o principal instrumento de desenvolvimento cognitivo e, sobretudo moral e ético.

Para a avaliação da intervenção, fizemos uso de dois instrumentos: prova de questões opinativas sobre temas gerais (por exemplo, você é favorável à pena de morte? Justifique).

Além disso, foi pedido aos participantes que fizessem avaliação por escrito da intervenção desenvolvida. Basicamente, os indagamos sobre os executores, as oficinas, os materiais utilizados, o horário em que elas foram desenvolvidas, te-mas que eles gostariam de ter discutido, outras críticas, como o recebimento da Intervenção pela escola, segundo a visão deles e se, caso fosse possível, gosta-riam de participar novamente desse trabalho.

Nesse sentido, mais do que uma intervenção, com o presente projeto a nossa pretensão foi a de produzir conhecimentos.

Os instrumentos supramencionados foram aplicados em dois momentos dis-tintos (início e fim da intervenção).

Outros aspectos. Buscamos auxiliar a Direção, a Coordenação e os docentes, com o fim de possibilitar a construção de um ambiente democrático, desde que partisse da demanda deles, uma vez que estudos têm demonstrado que qualquer intervenção só produz resultado se partir da vontade dos interessados. E, mesmo assim, parcialmente, já que, em parte, esse querer é inconsciente. Uma vez feito o pedido, buscamos então construir, com os membros da escola, meios para solu-cionar os problemas apresentados.

Fundamentamo-nos, para isso, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRA-SIL, 1997), quando afirmam que o meio mais eficiente de desenvolvimento moral

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dos alunos em direção à autonomia é a escola se constituir em um espaço demo-crático, ou seja, local efetivo de construção e de respeito aos direitos e aos deve-res dos seus membros.

Dificuldades encontradas. Encontramos dificuldades para a concretização da intervenção, tais como: a) resistência de professores em compreender a im-portância da Intervenção e permitir que os participantes se ausentassem de suas aulas. Acreditamos que isso ocorreu porque eles se mostraram contrariados, ao constatarem que só os alunos julgados bons é que participavam da Intervenção. Logo, o problema não estava relacionado à consecução dos ateliês no mesmo ho-rário de suas aulas, mas porque não estávamos “retirando” os alunos que atrapa-lhavam o seu desenvolvimento; b) conflito de horários entre aulas curriculares e execução dos ateliês. Procuramos encontrar um horário que não prejudicasse as referidas aulas e fosse compatível com o dos executores. Contudo, não foi possí-vel, mesmo a escola sendo de período integral, pois no horário disponível para a realização de atividades extracurriculares, os executores tinham atividades curriculares em seu curso; c) desistências por parte dos alunos, causadas, es-pecialmente, por conflitos entre o horário dos ateliês e das aulas, bem como por mudança de escola e de cidade, licença maternidade e por desinteresse; d) a inexperiência dos executores. O trabalho foi desenvolvido por estudantes do curso de Psicologia que estavam, na época, efetivando seu primeiro projeto de Intervenção; e) o conflito de calendários. Em virtude da duração de 120 dias da greve dos três segmentos da Unesp – Campus Assis, em 2014, o calendário de aulas do curso de graduação em Psicologia ficou em descompasso com o do ano letivo da escola na qual foi desenvolvida a Intervenção; f) a dificuldade da coor-denação para resolver problemas enfrentados no cotidiano da Intervenção. Não pretendemos, com isso, tecer críticas aos coordenadores. Estamos apenas que-rendo alertar para as dificuldades enfrentadas pelos docentes que desempenham essa função, pois eles têm que – ao mesmo tempo – administrar conflitos entre os professores, os alunos e os familiares, assim como com a direção da escola e com aqueles que executam atividades extracurriculares.

RESuLTADOS E ANáLiSE

Inicialmente, desenvolvemos atividades com o objetivo de fortalecer, ainda mais, o vínculo já estabelecido em sala de aula, por ocasião do desenvolvimento das oficinas.

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Na sequência, construímos o contrato de trabalho, ou seja, estabelecemos as condições mínimas para a consecução dos ateliês. Procedemos, dessa forma, por-que para Piaget (1932/1994) o estabelecimento de acordos, demanda o respeito mútuo e a reciprocidade. Assim, ao proceder dessa maneira, já estávamos concre-tizando um dos objetivos do trabalho que era o de propor situações que levassem ao desenvolvimento moral. Além disso, compreendíamos que ao estabelecermos o citado contrato, menos vezes ocorreriam o desrespeito ou a inobservância das regras estabelecidas para a concretização dos ateliês. Era nosso desejo, ainda, que os sujeitos compreendessem que as cláusulas e as punições tinham sido firmadas pelo próprio grupo; portanto, não eram decorrentes de um ato arbitrário dos exe-cutores. A propósito: mesmo estes, estavam submetidos a essas regras, como a de não chegar atrasado ou suspender a consecução de um dado ateliê, por proble-mas de saúde, sem avisar previamente os executores.

Soma-se a isso o diagnóstico feito por Cortella e La Taille (2005, p. 32) acerca do fato de que estamos vivendo em agrupamentos. Esse aspecto é contrário ao desenvolvimento ético e moral, pois, para eles, o agrupamento “[...] é a junção de pessoas que têm objetivos que coincidem, mas que não têm mecanismo de prote-ção recíproca nem estruturas de preservação” (CORTELLA; LA TAILLE, 2005, p. 32). Por esta razão, desde o início da intervenção, a nossa intenção foi de esti-mular a formação de uma comunidade (grupo), pois esta estrutura compreende “[...] pessoas juntas com objetivos partilhados, mecanismos de autopreservação e estrutura de proteção recíproca. [...]” (CORTELLA; LA TAILLE, 2005, p. 32).

Quanto à estrutura do contrato, compreendeu cláusulas inegociáveis e outras consensualmente estabelecidas pelo grupo, além das punições correspondentes. As inegociáveis diziam respeito aos motivos de ser da própria Intervenção. Nesse sentido, apenas buscamos trabalhar com os participantes as razões para o seu respeito. Referimo-nos aos objetivos dos ateliês, ao horário e aos dias da semana para a sua execução e à quantidade de ausências permitidas, entre outros aspec-tos. Quanto às estabelecidas, os membros combinaram que o grupo deveria se pautar pelo respeito mútuo e isso implicava, por exemplo, não interromper o outro quando ele estivesse a falar; não fazer uso do celular, já que tal engenhoca acabava amiúde atrapalhando o andamento das atividades; exigir que os execu-tores trouxessem os materiais previamente organizados; manter sigilo quanto aos assuntos discutidos e os depoimentos feitos, entre outros aspectos. Em rela-ção às punições, foi estabelecido advertência, suspensão e desligamento do gru-

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po, nessa ordem de aplicabilidade. Assim, no caso de duas faltas consecutivas, sem prévio aviso, o sujeito era advertido pelo grupo.

Dando continuidade, apresentamos os resultados da presente intervenção por itens, a saber: “essência e aparência”; “violência”; “sexualidade”; “maioridade penal”; “família”; “aborto” e “autoestima”.

Essência e aparência. Optamos iniciar a nossa Intervenção com esse tema, pois verificamos que o culto à aparência é um dos principais problemas da reali-dade ocidental contemporânea (BOTTON, 2005; LA TAILLE, 2009; LASCH, 1979; BAUMAN, 1997).

Debord (s.d./1997, p. 7), na década de 1960, já afirmava: “O que aparece é bom, o que é bom aparece”. Essa máxima de que as pessoas preferem a imagem em vez do objeto, “a cópia ao original”, a nosso ver, tem se revestido de atualidade num sonho coletivo: virar celebridade, mesmo instantânea, como se nota nos reality shows.

Realizamos, então, uma dinâmica a partir de uma propaganda televisiva3 que questionava exatamente esse aspecto. Iniciamos o ateliê pedindo aos sujeitos que escrevessem três características ou valores priorizados por eles, em uma fo-lha sulfite e sem identificação. Em seguida, sorteamos as folhas entre eles para que, assim, cada um lesse o escrito do outro e tentasse adivinhar qual colega ti-nha apontado tais aspectos. Praticamente, todos erraram, mesmo sendo colegas e/ou amigos que se conheciam há alguns anos. Esse resultado não nos surpreen-deu, pois ele foi problematizado por La Taille (2002) e Taylor (1989/1994), ao afirmarem que fazemos uma leitura valorativa a nosso respeito que amiúde não corresponde à percepção que outrem tem a nosso respeito.

Com isso, além de confirmar essa hipótese, verificamos que as características apresentadas eram mais afeitas à aparência, além de esta ter papel de primazia a respeito da forma como eles avaliavam os colegas. Ao final, os sujeitos construí-ram a noção de que eles se pautavam, quase sempre, pela aparência, a ponto de levá-los a manifestar atitudes de preconceito e de intolerância em relação aos colegas que apresentavam padrão julgado distante do valorizado por eles. Com-preenderam, também, que a interpretação sobre dado fenômeno ou pessoa é

3 Referimo-nos à propaganda da Coca-Cola, veiculada em 2015. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=kd1tCHV4l6w>. Acesso em: 4 ago. 2015.

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sempre carregada de elementos pessoais; portanto, ela é jamais objetiva. Nesse sentido, quando se fala do outro, esse falar é determinado, sobremaneira, pelo inconsciente, pelo conjunto de estruturas de assimilação e/ou pela história de vida reconstruída do sujeito, como afirmou Piaget (1971).

Consumismo. Abordamos, também, o consumismo exacerbado, recorrente e impulsionado pelo sistema capitalista pós-industrial e pelo clima cultural geral produzido e amplificado por ele. Permeado por propagandas e por trechos de filmes que contemplavam o quão intrínseco o consumismo se encontra na socie-dade, promovemos debate sobre esse assunto. Com base nas discussões, verifica-mos que os sujeitos começaram a construir pensamento, a nosso ver, crítico a esse respeito, ou seja, que a conduta de consumismo exacerbado atual tem fun-cionado como o ópio do povo, em alusão ao dito por Marx sobre o efeito da reli-gião na classe social oprimida.

Violência. Inicialmente, a nossa intenção era a de abordar somente a ocorrida nas escolas, especialmente o bullying e as atitudes violentas presentes na relação professor-aluno. Porém, logo no primeiro ateliê sobre esse assunto, ampliamos a discussão, pois notamos que os alunos estavam demandando a reflexão sobre esse fenômeno de forma mais ampla, isto é, a violência que ocorria dentro e fora dos lares, já que vários deles se referiram à intolerância e às agressões viven-ciadas nas suas próprias casas e à vivenciada nas suas comunidades.

Além de os sujeitos terem tomado consciência sobre os motivos geradores de tais violências, verificamos que o desenvolvimento desse tema propiciou a me-lhoria das relações estabelecidas nos respectivos grupos. Fazemos essa afirma-ção por termos tido a percepção de que eles passaram a se expressar mais, sobre-tudo, fazendo referências às experiências e às opiniões sobre essa e as outras temáticas abordadas na sequência.

Outro aspecto que nos possibilitou a inferência de tal tomada de consciência referiu-se à comparação dos resultados no tocante a uma das questões opinati-vas feitas no início e ao final da intervenção. Quando indagados sobre o que de-veria ser feito para acabar com a violência no Brasil, inicialmente apontaram, entre outras saídas, a liberação de drogas leves e a implantação da pena capital. Ao final, apresentaram alternativas que diziam respeito à melhoria da qualidade da educação pública e à diminuição da desigualdade social. Em outros termos, deixaram de apresentar soluções predominantemente individuais, violentas e

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paliativas, passando a defender propostas de caráter preventivo, como a de maior investimento em educação.

Sexualidade. Com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), buscamos oferecer informações que os auxiliassem na construção de co-nhecimentos sobre o tema, compreendendo-o como intimamente ligado à vida e à saúde e presente no ser humano, desde o nascimento. Nossa intenção era a de também informá-los de que o prazer sexual é um direito, contanto que o seu exercício seja feito com responsabilidade – por exemplo, fazer uso de preservati-vo nas relações sexuais.

Como este tema envolve relações de gênero, o respeito mútuo e a diversidade de crenças, assim como os valores de uma sociedade democrática e pluralista, decidimos que era necessário – para a sua discussão – dividi-lo em subtemas, a saber: orientação sexual; machismo; doenças sexualmente transmissíveis; e mé-todos contraceptivos.

Quanto à orientação, além dos motivos expostos, trabalhamos porque alguns dos sujeitos nos procuraram com dúvidas e receios acerca da sua não identifica-ção com a heterossexualidade. Para a realização desse trabalho, usamos vídeos que questionavam os padrões normativos da orientação sexual e explicavam o leque de possibilidades da sexualidade humana, a diferença entre gênero e sexo biológico. Buscamos, assim, oferecer um ambiente no qual os participantes pu-dessem ser ouvidos sobre o assunto, expressando suas dúvidas e medos.

Depois desses ateliês, alguns sujeitos passaram a expressar a orientação se-xual com a qual mais se identificavam, inclusive chegando a se intitularem como “estando gays”.

Ao longo da intervenção, igualmente abordamos o fenômeno do machismo, isto é, dos discursos ou ações que têm por finalidade denegrir os seres humanos que não se encaixam na concepção de “homem ideal”, defendida por eles, sobre-tudo quanto às condutas em relação às mulheres. Fizemos isso em razão de esse fenômeno ainda estar impregnado nos discursos e posicionamentos dos sujeitos, bem como nas suas famílias e na comunidade em geral. Assim, essencialmente, nossa intenção foi a de auxiliá-los no processo de tomada de consciência acerca das várias modalidades de violência contra a mulher.

Na sequência, abordamos o tema das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e dos métodos contraceptivos. Assim, informamos os integrantes sobre os

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meios de prevenção, as implicações sexuais e quanto à saúde, quando tais méto-dos não são considerados.

Nesse sentido, primeiramente, explanamos as mais conhecidas e recorrentes doenças sexualmente transmissíveis, suas causas, sintomas e tratamentos.

Para o desenvolvimento desse assunto, também, empregamos materiais pro-vidos pela escola – camisinha feminina e masculina; pênis e vagina de borracha; pílula contraceptiva, entre outros. Por meio dessa atividade, observamos que muitos dos sujeitos desconheciam a maioria dos métodos contraceptivos adota-dos pela população brasileira. Quando sabiam de um ou de outro, demonstraram desconhecimento quanto ao seu uso correto, como no caso do preservativo mas-culino (a camisinha).

Esse assunto, a nosso ver, evidencia que as políticas implantadas pelo gover-no de informação acerca do assunto, não estão surtindo os efeitos desejados. Tal-vez por causa do nível cultural dos nossos jovens; de certo sentimento de onipo-tência, que pode ser resumido na expressão “nada acontecerá comigo” e até de rebeldia por causa da moratória imposta por ser adolescente, ou seja, como for-ma de se opor à família que os impede de exercer, nesse momento, plenamente sua cidadania (CALLIGARIS, 2000).

Maioridade Penal. Os ateliês a respeito desse tema foram propostos com o intuito de aprofundar e/ou trabalhar um tema articulado ao fenômeno da violên-cia – ultimamente debatido, até pelos poderes executivo, legislativo e, quiçá, ju-diciário como meio para se equacionar a violência. Referimo-nos à maioridade penal. O ateliê tinha por finalidade propor a discussão sobre a redução da impu-tabilidade de 18 para 16 anos de idade. Para trabalhar o referido tema, seleciona-mos textos e vídeos informativos acerca de opiniões favoráveis e contrárias à redução da maioridade penal.

Assim como procedemos em relação aos outros temas, indagamos os presen-tes sobre o assunto. Em seguida, dividimos os participantes em dois grupos e informamos que mesmo eles tendo opiniões contrárias, deveriam apresentar argumentos favoráveis à manutenção da maioridade penal e o outro à sua redu-ção. Em seguida, eles foram orientados para que apresentassem três argumen-tos. Na sequência, eles debateram o tema, obedecendo o seguinte rito: um grupo apresentava um argumento e o outro – caso fosse do seu interesse – o replicava. Por sua vez, o debate comportava, também, a tréplica. Por fim, apresentamos os

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textos e os vídeos para que eles confrontassem os seus argumentos com os de especialistas.

Verificamos que, inicialmente, a maioria deles expôs opiniões favoráveis à re-dução da maioridade penal como a de que “esses ‘marginalzinho’ tem mais é que ir pra cadeia mesmo!”. Entretanto, com a apresentação dos materiais e o debate, muitos desses sujeitos notaram que suas opiniões estavam fundamentadas no senso comum, amiúde opiniões veiculadas pelos mass media.

Amparados em Gramsci (1981, p. 143), dissemos que o senso comum é for-mado por pedaços da filosofia, da ciência, da religião e das artes. “É a filosofia dos não-filósofos, isto é, a concepção de mundo absorvida acriticamente pelos dife-rentes meios sociais e culturais, em que se desenvolve a individualidade moral do homem médio”.

Feito esse esclarecimento, como informamos, a maioria dos defensores da ci-tada redução passou a concordar com as opiniões contrárias. Mesmo entre aque-les que eram contrários e mantiveram seu posicionamento, também mudaram de argumento.

Esse aspecto, além de evidenciar que eles tinham opiniões assentadas no sen-so comum, mostrou que eles não tinham refletido sobre o tema, isto é construído conhecimento. A nosso ver, tendo como parâmetro Piaget (1932/1994), isso é decorrente do não exercício da autonomia e do pensamento racional. Em outros termos, eles até tinham construído lógica operatória formal e apresentavam competência para agir, levando em consideração pontos de vista distintos. Po-rém, faltava-lhes – ao menos, em relação a esse tema – o desempenho correspon-dente. Logo, suas opiniões não tinham sido reelaboradas, evidenciando o uso de opiniões apenas internalizadas.

Ao final, os participantes que – no início da intervenção – optaram pela redu-ção da maioridade penal, acabaram optando por medidas de cunho preventivo. Em resumo, o ateliê possibilitou que a maioria dos presentes rearticulasse suas próprias ideias, a ponto de construírem conhecimentos referentes à pouca efeti-vidade de medidas como a redução da maioridade como meio para se solucionar o problema da violência no Brasil.

Família. Desenvolvemos esse tema em três sessões, com base na demanda dos participantes. Foi nosso objetivo, ao trabalhá-lo, auxiliar os sujeitos no pro-cesso de construção de conhecimentos acerca do ambiente familiar em que eles

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estavam inseridos; os conflitos decorrentes das relações estabelecidas em seu seio e a compreensão dos motivos de ele funcionar de determinada forma – qua-se sempre aquém do desejado pelos sujeitos.

Inferimos que essa intervenção foi determinante para a continuidade do tra-balho, sobretudo para que fosse concretizado um dos objetivos da intervenção – auxiliá-los na construção de conhecimentos acerca de atitudes julgadas natu- rais – funcionamento social, a nosso ver, próprio de sujeitos heterônomos (PIA-GET, 1932/1994). Mais do que isso: ao se sentirem ouvidos sobre as adversida-des que vivenciavam em suas respectivas famílias e o método empregado para a resolução de conflitos, sentiram-se acolhidos pelo grupo.

Quanto às atividades, uma delas consistiu em pedir aos sujeitos que escreves-sem em uma folha sulfite resposta às perguntas: Qual a família que eles gosta-riam de ter? Como era a família que eles tinham? Responderam que desejavam ter uma família com mais recursos pecuniários e bens imateriais (carinho e diá-logo, por exemplo). Em relação à família deles, acusaram justamente a ausência de tais aspectos.

Com isso, acreditamos que foi possível conhecer a dinâmica e a estrutura de cada família, valendo-nos do olhar dos sujeitos; possibilitou a compreensão das carências que eles apresentavam; desencadeou o estabelecimento do diálogo en-tre os participantes do ateliê, a discussão e o estabelecimento da ajuda mútua para cada situação apresentada na dinâmica. Ademais, eles disseram que aumen-tou a reflexão acerca das suas responsabilidades no seio familiar, bem como o que era necessário fazer para transformar certas práticas cristalizadas, como a da ausência de diálogo.

É evidente que, nos dias atuais, a temática familiar tem sido objeto de preocu-pação científica e da população em geral. Isso se deve ao fato de ela ser, costumei-ramente, responsabilizada por todas as condutas de desarmonia social, apresen-tadas por crianças, adolescentes e até adultos. Expliquemos. A família, em nossa sociedade, é considerada a instituição responsável pelo processo de socialização primária. Em linhas gerais, cabe a essa instituição prover as crianças das condi-ções materiais e psíquicas para que aprendam a amar e a trabalhar. Especifica-mente quanto à educação primária, a família funciona como modelo de compor-tamento para as crianças. É graças a isso que os pequenos internalizam o modo como devem se relacionar com as demais pessoas e que regras e valores devem

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obedecer e priorizar. Cabe à família, também, contribuir para a formação do apa-relho psíquico, pois – ao nascer – a criança é um caos. À medida que ela é limitada pelas regras da cultura, seus desejos não morrem, mas acabam constituindo-se em significações sobre o que pode e o que não pode ser feito, levando à formação da sua subjetividade. Esse processo é de suma importância, pois só assim ela terá condições de compreender o que pode ou não fazer, quando pode ou não satisfa-zer seus interesses.

Do ponto de vista intelectual e moral, cabe à família desempenhar papel se-melhante. Conforme Piaget (1964/1973), o conflito é uma das condições para a ocorrência do desenvolvimento. Nesse sentido, quanto mais se submete um su-jeito a estímulos, mais se aumenta a probabilidade de ele entrar em conflito, em “desequilíbrio”. Como meio de superá-lo, ele se vê obrigado a construir novos conhecimentos. E, ao construí-los, desenvolve-se a ponto de compreender e lidar com o mundo de maneira qualitativamente diferente da utilizada até então. Por esta razão, é possível afirmar que as relações interpessoais estabelecidas no seio familiar são fundamentais à transformação do ser humano em sujeito civilizado.

A família é, igualmente, responsável pela aquisição da linguagem. Isso ocorre porque, ao possibilitar à criança agir no mundo, ela constrói as condições estru-turais necessárias à reconstrução desse aspecto, aumentando a possibilidade de ela obter êxito nas ações. Isso é possível porque, antes de realizá-las concreta-mente, pode efetivá-las mentalmente, possibilitando a antecipação dos resulta-dos e a compreensão dos motivos que a levaram ao fracasso ou ao sucesso na concretização de determinada empreitada.

Em suma: o papel desempenhado pela família é decisivo para a estruturação da personalidade dos que nascem em seu interior.

Aborto. O citado tema e os seus desdobramentos demonstraram a urgência desse debate, nos ateliês, já que foi um assunto recorrente em outras sessões de intervenção. Por isso, decidimos abordá-lo de maneira tal que os sujeitos pudes-sem ampliar a sua visão acerca do tema.

Propusemos, então, uma dinâmica na qual eles deveriam escrever uma situa-ção (real ou fictícia) em que o aborto estivesse presente. Em seguida, eles deve-riam se dividir em dois grupos e formular opiniões sobre o aborto. Na sequência, depois da apresentação de tais ideias, foi promovido um debate, por meio do qual foi possível propor questionamentos e articular o referido assunto com a

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religião, a saúde da mulher, o abandono do bebê por falta de condições econômi-cas, a transferência do cuidado e da educação do seu rebento para os pais, entre outros. Notamos, ainda, o aumento da compreensão dos sujeitos quanto às opini-ões contrárias, possibilitando a ampliação da visão que tinham sobre o assunto.

A nossa percepção acerca dos resultados dessa intervenção está amparada nas respostas apresentadas pelos participantes no início e ao final da interven-ção. Indagados se eram favoráveis ao aborto, no início, alguns participantes dis-seram que só eram favoráveis nos casos de estupro. Outra parcela manifestou-se contrária, independentemente da situação, pois “só Deus pode tirar a vida das pessoas”. Já na segunda aplicação, feita ao final do trabalho, os sujeitos foram fa-voráveis ao aborto, com o argumento de que essa decisão era prerrogativa da mulher, pois ela era dona do seu corpo. Outros disseram ser favoráveis nos casos em que não se tivesse condições econômicas viáveis para o sustento do bebê. Vemos, portanto, que a intervenção talvez tenha possibilitado a construção de conhecimentos e/ou a legitimação daqueles apreendidos mecanicamente sobre a possibilidade do aborto e as suas consequências.

Autoestima. Sabe-se que os adolescentes com idade entre 15 e 18 anos – como era o caso dos que trabalhamos – estão vivendo um período marcado por mudanças hormonais, corporais e comportamentais, acarretando efeitos sobre a sua autoestima. Além disso, estudos apontam que problemas de autoestima po-dem acabar levando a dificuldades em outros aspectos na vida, como o de fazer uso de drogas lícitas e ilícitas, comer de maneira desmedida, sobretudo alimen-tos industrializados, apresentar quadros de anorexia, bulimia, overtraining, en-tre outros. Em razão disso, decidimos trabalhar esse tema por intermédio da realização de dinâmicas com a intenção de levar os sujeitos a refletir acerca do modo como eles próprios se enxergavam e, também, sobre as exigências feitas pela sociedade para com eles, em relação à aparência e às suas condutas.

Na primeira dinâmica, formamos duplas entre os integrantes e cada um deve-ria destacar em seu parceiro de atividade três qualidades sobre sua aparência e três sobre sua personalidade. Tencionamos, com isso, levá-los a refletir sobre certos aspectos pessoais, aos quais não costumavam dar a devida atenção, mas eram observados e admirados por seus pares. Com base em comentários sobre o modo como eles ficaram surpresos perante as observações feitas pelos colegas, evidenciamos que o citado trabalho possibilitou o aumento do autoconheci-

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mento. Na segunda, formamos uma roda com os sujeitos, de modo que acabaram ficando de costas para o centro. Na sequência, pedimos que fechassem os olhos e só os abrissem quando os executores tocassem em seus ombros. Quando abri-ram, um executor estava diante deles segurando um espelho grande. O objetivo era fazer o aluno olhar para sua própria imagem durante o tempo estipulado pelos executores. Verificamos que eles ficaram incomodados com a sua imagem refletida. Depois de finalizada a atividade, fizemos outra roda – mas dessa vez com todos encarando o meio do círculo – para discutir o que viram e como se sentiram. Pudemos observar que, por mais que tenham se sentido incomodados com a própria imagem, começaram a se reconhecer e a se admirar.

CONSiDERAÇÕES FiNAiS

Realizamos intervenção psicopedagógica com a finalidade de auxiliar estu-dantes do Ensino Médio na construção de conhecimentos sobre os temas Ética, Pluralidade Cultural e Sexualidade.

O referido trabalho decorreu em virtude dos seguintes aspectos: a) interven-ções psicopedagógicas desenvolvidas, em anos anteriores, por nós, junto aos es-tudantes matriculados no Ensino Médio público da região oeste paulista; b) de-sinteresse deles em relação ao aprendizado dos conteúdos escolares formais, chegando a abandonar os estudos; c) apresentação de condutas hedonistas, indi-vidualistas, narcísicas e/ou de preocupação excessiva com os interesses pró-prios; d) condutas de excessivo consumismo e de discurso de louvor a marcas de produtos como formadores de identidade ou de reconhecimento identitário; comportamentos de indisciplina e de violência (bullying); e) desvalorização dos conhecimentos escolares formais; f) ausência do sentimento de vergonha, por apresentar condutas incivilizadas; g) preconceito em relação ao gênero; h) des-respeito e até a exclusão dos pares que não comungavam dos mesmos padrões de beleza, vestimenta e gostos musicais; i) ausência de comportamentos polidos; j) gravidez indesejada e desconhecimento dos métodos de contracepção e de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis; k) uso de drogas lícitas e ilíci-tas; l) apresentação de novas condutas mórbidas (por exemplo, bulimia e anore-xia); m) conflitos familiares e quanto à orientação sexual; e n) estabelecimento de relações interpessoais efêmeras.

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Somado a isso, filosoficamente, pelo fato de autores apontarem que as pesso-as agem moralmente, em parte, influenciadas por valores. Psicologicamente, pelo estudo dos valores serem importantes já que o homem sempre faz uma leitura valorativa de si. Por fim, pela pouca literatura acerca de intervenções psicopeda-gógicas realizadas com o propósito de trabalhar temas como Ética, Pluralidade cultural e Sexualidade.

Quanto aos temas, trabalhamos: essência e aparência; consumismo exacer-bado; violência; maioridade penal; família, sexualidade e autoestima.

Os resultados apontaram os seguintes aspectos:

a) os estudantes priorizavam, basicamente, características mais afeitas à aparência, a ponto de elas determinarem o estabelecimento de suas rela-ções interpessoais. Ao final, construíram a noção de que essa atitude leva a condutas de preconceito e de intolerância em relação às pessoas que apresentam padrões julgados distantes dos valorizados;

b) ao abordar o consumismo exacerbado, verificamos que os sujeitos come-çaram a construir pensamento crítico a esse respeito, a ponto de com-preenderem que essa conduta tem funcionado como o ópio do povo, ou seja, fator de alienação;

c) a respeito da violência, os participantes tomaram ciência sobre motivos que a geravam, a ponto de manifestarem opiniões diferentes, no início e ao final da sessão. Se inicialmente propunham medidas punitivas para acabar com a violência, ao final, apresentaram de cunho educativo (a melhoria da qualidade da educação pública e a diminuição da desigualdade social);

d) em relação à maioridade penal, notamos, a princípio, que a maioria dos sujeitos expôs opiniões favoráveis à redução da maioridade penal, como medida para se equacionar a violência. Ao término, apresentaram opinião semelhante à adotada para a violência – aplicação de medidas de cunho preventivo, como melhoria das condições objetivas de vida;

e) quanto à família, oferecemos informações que os auxiliaram a construir conhecimentos atinentes ao seu funcionamento, aos conflitos decorrentes das relações estabelecidas em seu seio e à compreensão dos motivos de elas funcionarem de certa forma. Além disso, buscamos problematizar a maneira como os conflitos familiares eram resolvidos, isto é, se era por meio de brigas, conversas e/ou aplicação de punições;

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f) ao tratarmos do aborto e seus desdobramentos, verificamos que, no início, a maioria era contra o aborto, sobretudo por motivos religiosos. Os favorá-veis, só o eram nas situações de estupro. Ao final, passaram a afirmar que ele era prerrogativa da mulher e deveriam ser contempladas as condições econômicas viáveis para o sustento do bebê;

g) em relação à autoestima, constatamos que os jovens apresentavam pro-blemas nesse quesito, provavelmente ocasionados por mudanças compor-tamentais, hormonais e corporais. Buscamos evidenciar que problemas de autoestima podem acabar levando à compulsão alimentar, ao uso de drogas lícitas e ilícitas, ao desenvolvimento da anorexia, bulimia, ansie-dade, depressão, entre outros quadros mórbidos;

h) sobre a sexualidade, acreditamos ter auxiliado no processo de dissolução de preconceitos relacionados à orientação sexual e ao gênero, além de ter prestado informações sobre as doenças transmissíveis sexualmente e as consequências do não emprego de métodos contraceptivos.

É evidente que, para consecução dessa intervenção, deparamo-nos com vá-rias dificuldades. Entre elas, a resistência de professores em compreender a im-portância do projeto e permitir que os alunos se ausentassem das aulas para participarem dos ateliês; o conflito de horários entre aulas e ateliês; as desistên-cias dos estudantes, sobretudo por conflitos entre o horário dos ateliês e o das aulas, bem como mudança de escola e de cidade, licença maternidade, desinte-resse e a inexperiência dos executores na consecução dos ateliês; conflito de calendários, causado por greve ocorrida na Unesp; entraves encontrados pelos coordenadores pedagógicos para resolver alguns problemas enfrentados no co-tidiano da intervenção, apesar de todo seu empenho e presteza.

Diante disso, julgamos que intervenções – como as desenvolvidas por nós – são importantes para a formação dos estudantes como cidadãos, tal como é apre-sentado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997). Informamos, porém, que tais Intervenções só são possíveis de serem desenvolvidas porque a escola era de tempo integral. Mesmo assim, encontramos dificuldades em com-patibilizar o horário dos executores para a realização dessa Intervenção com o planejado pela citada instituição para o desenvolvimento de ações extracurricu-lares, como a nossa. É certo que as disciplinas tradicionais desenvolvem ativida-des nesse sentido, contudo, a Intervenção desenvolvida por nós demonstrou que

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– para os alunos – essas ações encontram-se aquém do necessário. Há certas questões relacionadas à população atendida que não podem e/ou não devem ser desenvolvidas em salas de aula, uma vez que, entre outros aspectos, demanda profissionais especializados. Diante desse cenário e considerando o nosso diag-nóstico de que alguns alunos necessitam de atendimento psicológico, acordamos que em 2016 prestaremos trabalho de atendimento psicológico aos estudantes que porventura procurem os nossos serviços. Esperamos, assim, contribuir em alguma medida para o desenvolvimento global dos estudantes. Certamente, al-guns críticos dirão que a nossa Intervenção é de cunho essencialmente curativo e que deveríamos nos preocupar com os aspectos preventivos. Não concorda-mos, pois – ao trabalhar aspectos julgados individuais – acreditamos que os su-jeitos reunirão forças para, eles próprios, mudarem o status quo vigente. Sem contar, ainda, que medidas preventivas dificilmente funcionarão para os sujeitos que já têm instalado determinados problemas como sendo pessoais.

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7imAGiNAÇÃO E CRiATiViDADE iNFANTiL: O DESENHO COmO iNSTRumENTO DiDáTiCO-PEDAGóGiCO NA PERSPECTiVA DA TEORiA HiSTóRiCO-CuLTuRAL1

Rosiane de Fátima Ponceirineu Aliprando Tuim Viotto Filho

Tatiane da Silva Pires FelixLarissa Zangarini Antonio

Guilherme Lopes PonceGiuglianna Aparecida Souza de Oliveira

Gustavo Rodriguesjanaína Pereira Duarte Bezerra

Rodrigo Lima NunesVinícius dos Santos Oliveira

Faculdade de Ciências e tecnologia/Unesp/Pres. Prudente

Resumo: Este artigo foi elaborado a partir de intervenções pedagógicas efetivadas em um projeto de extensão realizado pelo Grupo de Estudos, Intervenção e Pesquisa em Educação Escolar (GEIPEE), numa Escola Municipal de Ensino Fundamental (Ciclo I) de Presidente Prudente. Tal projeto tem por objetivo central, trabalhar, junto aos alunos, atividades ludo--pedagógicas e artísticas que possibilitem o desenvolvimento de seus psiquismos numa di-reção humano-genérica, psiquismo este entendido enquanto sistema interfuncional. Diante disso, objetivamos no presente artigo discutir e compreender como um processo de in-tervenção, que utilizou como base atividades de desenho, pôde contribuir para com o desen-volvimento da imaginação e criatividade de crianças pertencentes a uma sala de 2º ano da referida instituição. Podemos concluir o quanto a imaginação e a criatividade, a partir de desenhos que expressam a imagem que os alunos têm de si mesmos, apresentam, de fato, lastro material, tendo em vista a reprodução de situações concretas vivenciadas e presentes em suas memórias. Este fato nos remete à necessidade de construção de processos didático--pedagógicos que enriqueçam, de forma qualitativa, o desenvolvimento da imaginação e da criatividade infantil numa perspectiva humanizadora.

Palavras-chave: Teoria Histórico-Cultural; atividade de desenho; imaginação; criatividade.

1 Artigo construído por membros do GEIPEE (Grupo de Estudos, Intervenção e Pesquisas em Educação Escolar).

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iNTRODuÇÃO

Este artigo apresenta-se enquanto síntese das discussões teórico-metodoló-gicas e de nossas2 práticas de intervenções pedagógicas que ocorreram durante o ano de 2015 em uma Escola Municipal de Ensino Fundamental (Ciclo I) de Pre-sidente Prudente. A partir disso, traçamos como objetivo principal do presente trabalho, refletir sobre as implicações de um processo ludo-pedagógico em que foi utilizado como instrumento didático-cultural atividades de desenho, junto às crianças participantes do projeto de extensão universitária que desenvolvemos em tal instituição, com o apoio do Programa Núcleo de Ensino. Neste caminho, tomando como base os pressupostos da Teoria Histórico-Cultural de desenvolvi-mento humano, pretendemos compreender como tal processo de intervenção ludo-pedagógico, contribui para o desenvolvimento da função psicológica supe-rior “imaginação”, de crianças de uma sala de 2º ano do Ensino Fundamental I.

Em 2015, ao serem realizados estudos e reflexões acerca do processo de desenvolvimento humano sob a base da perspectiva Histórico-cultural, nossas leituras coletivas nos levaram a compreender, como se dá o processo de consti-tuição do complexo psiquismo humano e como as funções psíquicas especifica-mente humanas funcionam em um processo interfuncional. Martins (2013) ex-plica que o homem conseguiu superar os limites da representação sensorial imediata da realidade, comum aos animais, por conta, sobretudo, do desenvolvi-mento da linguagem, desenvolvimento este engendrado no bojo das relações de trabalho necessárias à manutenção da sobrevivência, passando, portanto, a re-presentar a realidade por meio de palavras. A superação dessa representação imediata da realidade se configura enquanto processo imprescindível para a construção das ideias, sobretudo porque as ideias nada mais são do que os con-teúdos do pensamento. Sendo assim, a partir das atividades realizadas pelos in-divíduos, mediada pelos signos culturais, a totalidade do funcionamento inter-funcional psíquico ascende a patamares superiores (MARTINS, 2013).

Neste sentido, afirmarmos que é por meio do trabalho – compreendido en-quanto atividade vital humana – que se firma a relação do homem com a natu-

2 Vale ressaltar que o artigo é uma elaboração coletiva realizada por membros do Grupo GEIPEE (Grupo de Estudos, Intervenções e Pesquisas em Educação Escolar) que atuaram no Projeto apoiado pelo Programa Núcleo de Ensino – Prograd em 2015.

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reza, bem como, efetiva-se o processo de desenvolvimento de seu psiquismo e da cultura humana. A partir desta atividade, torna-se possível a satisfação das ne-cessidades humanas. Tais necessidades, inicialmente, apresentam características mais básicas, como, por exemplo, saciar a fome, proteger o corpo do frio e etc. Contudo, diante das relações sociais que vão sendo engendradas, novas necessi-dades vão sendo criadas, necessidades estas de caráter superior. Neste processo, o psiquismo humano se complexifica, tanto em âmbito filogenético, quanto em âmbito ontogenético, tendo em vista a melhor captação e domínio, por partes dos homens, da natureza, da cultura e dos conhecimentos que vão sendo produ-zidos pela sociedade à sua volta. Desenvolvendo, assim, um psiquismo altamente sofisticado (MARTINS, 2013).

Portanto, se os signos culturais são responsáveis pelo avanço qualitativo do processo de desenvolvimento do psiquismo, a tese de que o psiquismo tem natu-reza social é legítima. É social, pois o processo de desenvolvimento do psiquismo ocorre, sobretudo, a partir da apropriação, pelos indivíduos, dos produtos cultu-rais produzidos historicamente pelo conjunto dos homens e esta apropriação so-mente pode ser efetivada através da mediação dos signos (MARTINS, 2013).

Desta feita, o psiquismo humano é formado por um sistema interfuncional complexo, caracterizado em um processo de superação de seus elementos natu-rais, rumo à aquisição de novas propriedades. Propriedades estas que são funda-das na apropriação dos signos da cultura e são designadas como funções psíqui-cas superiores. Ressaltamos que o psiquismo humano deve ser compreendido como a unidade material que possibilita, de acordo com Martins (2013, p. 288), a formação da imagem “[…] subjetiva da realidade objetiva por meio de um siste-ma interfuncional complexo”.

Tal sistema interfuncional complexo é formado por processos funcionais e podem ser compreendidas como funções cognitivas e funções afetivas. São con-sideradas enquanto funções cognitivas: a sensação, a percepção, a atenção, a memória, o pensamento, a linguagem e a imaginação. E enquanto funções afeti-vas: as emoções e os sentimentos. As funções cognitivas são responsáveis pela formação e organização da imagem subjetiva, e as funções afetivas têm como princípio imprimir um caráter pessoal à imagem mental (MARTINS, 2013).

No que se refere às funções cognitivas (sensação, percepção, atenção e memó-ria, explicamos que suas formas simples contribuem para a formação de imagens

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psíquicas da realidade, sendo que estas permitem que ao ser humano se oriente na sociedade, diante da realidade objetiva (MARTINS, 2013). Ou seja, são estas funções que permitem ao ser humano captar, analisar, selecionar, armazenar, an-tecipar e significar os estímulos da realidade externa e interna. No entanto, o ca-ráter pessoal da subjetividade representada no cérebro é função dos processos afetivos. Neste caminho, as funções cognitivas e afetivas estão interligadas na sua origem não podendo ser compreendidas e estudadas separadamente, pois não teriam sentido e nem função se apartássemos umas das outras. O resultado disso se configura numa unidade funcional complexa que atua num mesmo sentido, dando forma a representação subjetiva da realidade objetiva, graças à unidade dialética entre material e ideal.

Mas como tais processos são internalizados, ganhando caráter superior? Em resposta, destacamos que o ser humano se diferencia dos demais animais através de um processo ontogenético, que é resultante da capacidade única da espécie humana de converter imagens psíquicas em signos, o que permite elaborar um sistema chamado de “linguagem”. Assim, a formação da representação subjetiva da realidade se desenvolve pela mediação dos signos e este processo é efetivado com base na lei genética geral do desenvolvimento, qual seja, a que todo o desen-volvimento psíquico acontece dialeticamente do plano interpsicológico para o intrapsicológico (MARTINS, 2013). Os signos como representantes da cultura, quando internalizado pela criança, tornam-se instrumentos mediadores deste processo de desenvolvimento mental. Destacamos, assim, que os seres humanos têm condições de elevar as funções psicológicas elementares, às superiores, de-vido ao contato com a cultura, através das relações sociais.

Do apresentado até aqui, enfatizamos que nossas reflexões se efetivarão em torno do processo interfuncional “imaginação”. Sendo assim, focaremos nossa dis-cussão acerca do processo de constituição desta função superior através da me-diação da cultura e da linguagem. Apresentaremos como se desenvolve o proces-so psicológico da “imaginação” e como este se relaciona com os demais processos psicológicos e quais as funções que assume no psiquismo humano. Além disso, explicitaremos parte do trabalho de intervenção, de cunho didático-pedagógico, que realizamos em uma escola de Ensino Fundamental I do municipal de Presi-dente Prudente/SP, na qual utilizamos como recurso pedagógico o instrumento cultural “desenho”, e alguns dos resultados desta atividade no que se refere ao desenvolvimento da imaginação e criatividade das crianças participantes.

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imAGiNAÇÃO: SEu DESENVOLVimENTO E AS SiNGuLARiDADES DO

PROCESSO iNTERFuNCiONAL PARA A TEORiA HiSTóRiCO-CuLTuRAL

O entendimento da atividade psíquica para a chamada “velha psicologia”, ja-mais conseguiu explicar a “imaginação”, seja considerando a sua particularidade como, também, a sua diferença em relação as demais funções psíquicas. Sobre isto, Martins afirma que “[...] ou a imaginação se reduzia a outras funções psíqui-cas, perdendo suas propriedades singulares, ou se convertia em um ato fortuito, fruto do acaso, em um passe de mágica” (2013, p. 226).

Vigotski (2001, p. 425), ao realizar seus estudos sobre a “imaginação”, reco-nhece que o trabalho executado por alguns dos psicólogos da velha psicologia foi muito importante, especialmente por terem descoberto “[...] o substrato real da imaginação, a conexão desta com a experiência anterior e com as impressões acumuladas”. Ou seja, esses psicólogos propagaram a compreensão da “imagina-ção”, no entanto, ainda estavam num processo primitivo de compreensão e expli-cação desta função psicológica superior.

Ao realizar estudos sobre a “imaginação”, e avançar ao que estava produzido no meio científico de sua época, Vigotski (2001, p. 423) postula que a “imagina-ção”: “[…] não repete em iguais combinações e formas as impressões isoladas, acumuladas anteriormente, senão que constrói novas séries, a partir das impres-sões acumuladas anteriormente”.

Tal entendimento acerca das peculiaridades da imaginação foi possível, es-sencialmente, a partir do momento que a mesma passou a ser diferenciada das demais funções psíquicas, e compreendida no interior das relações interfuncio-nais. Nesta vertente, enfatizamos que os atributos de “reprodução” e “criativi-dade” no processo imaginativo tratam de atributos que evidencia uma imagina-ção inicial elementar e subsequentemente superior, complexificando-se à medida que o ser humano vai se apropriando e se objetivando dos objetos culturais cria-dos pela humanidade, fundado de uma mediação devidamente intencional e or-ganizada (VIGOTSKI, 2011).

Sobre a atividade de reprodução e sua importância na construção da imagina-ção, Vigotski (1998, p. 7) enfatiza o estreito elo entre a atividade de reprodução com a função psicológica superior memória voluntária, sendo que sua essência efetiva-se quando a criança reproduz/repete normas e condutas criadas e elabo-radas culturalmente tal como as vivencia. Ou seja, o desenvolvimento da imagi-

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nação é possível, principalmente, por conta das condições histórico-culturais e, também, a partir da capacidade de conservação das experiências anteriores res-paldada pela base orgânica da atividade reprodutiva.

Smolka (2009, p. 12) explica que isso é possível porque existe a “plasticidade da nossa substância nervosa” e, ainda, que “[...] chama-se plasticidade a proprie-dade de uma substância que permite que ela seja alterada e conserve as marcas dessa alteração”. Considerando essa explicação, cabe situar que, por conta da enorme plasticidade de nosso cérebro e neurônios, é processado a capacidade de preservar as experiências, além de modificá-las, o que proporciona a repetição com muita frequência das imagens apropriadas, como também as repetições de suas transformações. É importante ressaltar, conforme Martins (2013, p. 228), que a função psíquica superior “memória” destina-se a reprodução do que foi vivenciado pelo ser humano sobre a forma de imagens, diferenciando-se do pro-cesso de imaginação no qual ocorre a modificação das experiências sob a forma de imagens, em imagens novas.

A função psíquica superior “memória”, portanto, é desenvolvida exatamente na reprodução fidedigna da ação, sendo que seu traço reprodutivo consiste na conservação da imagem com a máxima e mais fiel correspondência, sendo este é um dos elementos que evidenciam a diferença entre memória e imaginação. Além disso, de acordo com Vygotski (2001, p. 424), a diferença “[…] entre a me-mória e a imaginação não consiste na atividade em si desta última, senão nos motivos que provocam essa atividade”3.

Martins (2013, p. 229) destaca um ponto crucial para refletirmos sobre a função psíquica superior “memória”, a de que, apesar dela consistir na conversa-ção da imagem em suas máximas características, “[…] essa correspondência se mostra pouco provável, pois todo conteúdo mnêmico ao ser reproduzido con-tém, em maior ou menor grau, alguma incompletude, deformação ou transfor-mação”. E é aí que se encontra a imaginação, ou seja, na transformação da ima-gem incompleta em algo novo. Esta singularidade da imaginação, circunstância para o desenvolvimento desta função psicológica superior, nos propicia refletir sobre a relevância de elaborarmos intencionalmente diversas situações de

3 As citações originais encontram-se em língua espanhola e para este artigo foram traduzidas para a língua portuguesa por nós.

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aprendizagem que promovam a revisão, a retomada e a repetição das diversas atividades humanas que carregam em si a reprodução de conhecimentos, vivên-cias, conceitos, com o objetivo central de elaboração qualitativa do processo de imaginação da criança.

O ato de reprodução de imagens como atividade de sala de aula, por parte dos estudantes, deve ser mediado por orientações do professor, o qual possui como papel social o desenvolvimento das potencialidades humanas dos estudantes sob sua responsabilidade. Rubinstein e Vigotski (2003a, 2004) afirmam que a ativi-dade de reelaborar uma imagem a partir da imagem existente e criar algo “novo”, ocorre de uma ligação significativa do sujeito com o objeto considerando as ações e impressões que resultam em novas execuções. Neste processo o professor é fi-gura primordial, pois pode garantir que o estudante se aproprie de objetos cultu-rais que poderão auxiliar no desenvolvimento de sua imaginação.

Ressaltamos que é na atividade que a criança tem condições de se apropriar dos objetos culturais, reproduzir ações dessas apropriações e proceder em dire-ção à criação do novo, para satisfazer, assim, sua real necessidade. Martins (2013, p. 230) destaca que processos de imaginação “[...] cria algo novo e exatamente por isso não é, meramente, um desdobramento da memória”. O processo de desen-volvimento humano perpassa elementos sociais interpsíquicos que, em seguida, se convertem em intrapsíquicos, ocorrendo assim a formação da imagem subje-tiva da realidade objetiva.

Nesta linha de compreensão, da reelaboração de imagens e a criação do novo, Martins (2013, p. 229) destaca duas importantes manifestações da imaginação na situação de antecipação mental, quais sejam: a imaginação representativa e a imaginação criativa. A “imaginação representativa” faz com que o sujeito vá além dos limites de sua experiência particular, e ao realizar isto, expressa de maneira ativa os processos de apropriação e objetivação das experiências acumuladas ao longo de sua vida.

Em relação à segunda expressão, que é a imaginação criativa, Vygotski (2001, p.426) situa que esta, embora seja, de certo modo, uma imaginação reprodutora, como atividade não se funde com a memória, pois “[...] a considera como uma atividade especial, que constitui um aspecto peculiar da atividade da memória”. A imaginação criativa necessita da função psíquica superior “memória” para se estabelecer. Para compreender este processo, é importante destacar que, para

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Martins (2013, p. 230), tomando como base a discussão de Rubinstein (1967), esta função psíquica apresenta três características centrais. A primeira caracte-rística expressa que há a implantação de novas conexões entre elementos que integram imagens produzidas pelas experiências e por conhecimentos prévios do ser humano. Este atributo revela que a capacidade de criar não se estabelece do acaso, nem tampouco provém exclusivamente de um acúmulo de experiên-cias, mas são, no entanto, transformadas em novas imagens, proporcionando o desenvolvimento da imaginação.

A segunda característica apontada por Rubinstein (1967) envolve as proje-ções que enfatiza um futuro distante, ideias imaginárias de algo que nunca exis-tiu e “[…] ao tempo de seu anúncio parecem absurdas” (MARTINS, 2013, p. 230). Com o intuito de exemplificar tal condição, Martins (2013) nos possibilita refletir sobre as grandes invenções feitas ao longo do tempo pela humanidade, e enfatiza que a criação do avião não passou de um sonho na cabeça de alguém durante muitos anos, até se efetivar enquanto objeto material.

A terceira característica da imaginação criativa, de acordo com Rubinstein (1967), está relacionada à imaginação artística onde o contexto real prévio se expressa de forma concreta e plástica. O autor explica que esta característica se diferencia das demais, pois, é uma peculiaridade que não cria uma nova situa-ção modificando o que está disposto na realidade, mas orienta a materialização estética desta realidade.

Essas três características nos possibilitam refletir sobre quantos elementos es-tão envolvidos para que a possibilidade de criação do novo de fato aconteça, e que o processo de criação provém das condições de apropriação dos objetos culturais e das possibilidades de objetivação dessas apropriações. A imaginação criativa pode manifestar-se em várias situações, diferentemente da imaginação reproduti-va, onde o sujeito manifesta situações que ele se apropriou, sem criar o novo.

Por meio destas compreensões vale ressaltar, conforme Smolka (2009, p. 15), que:

[...] a criação, na verdade, não existe apenas quando se criam grandes obras históri-cas, mas por toda parte em que o homem imagina, combina, modifica e cria algo novo, mesmo que esse novo se pareça a um grãozinho, se comparado às criações dos gênios. Se levarmos em conta a presença imaginação coletiva, que une todos esses grãozinhos não raro insignificantes da criação individual, veremos que grande parte

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de tudo o que foi criado pela humanidade pertencente exatamente ao trabalho cria-dor anônimo e coletivo de inventores desconhecidos.

A compreensão da atividade criativa da imaginação, para Smolka (2009, p. 16), modifica o estado de nossa subsistência no interior do contexto social em que estamos inseridos, sobretudo porque a todo instante temos necessidades diferenciadas e tomamos decisões diferenciadas, o que demanda vasta apropria-ção do que já foi elaborado para que as objetivações deem conta de criar con-dições para suprir tais necessidades.

Desta maneira, a criação não é uma circunstância dada apenas a determina-dos sujeitos, pois é um atributo que pode estar presente em todos os sujeitos. Assim, ressaltamos que os processos de criação podem se efetivar já desde a mais tenra idade. Concordamos com Smolka que “[…] na primeira infância, identifica-mos nas crianças processos de criação que se expressam melhor em suas brinca-deiras (2009, p. 16)”4.

Na atividade do brincar, a criança tem condições de executar ações que ainda não pode realizar, tendo em vista suas condições ainda precoces de desenvolvi-mento, como dirigir, de fato um carro, pilotar um avião e etc. Contudo, nesta ati-vidade, ela pode executar tais ações, copiar, reproduzir, reelaborar imagens já apropriadas, tendo, assim, condições de criar, especificamente porque na ativi-dade da brincadeira estas possibilidades estão postas. Assim sendo, a imagina-ção criativa pode ter uma manifestação diferenciada, e que de fato atenda o de-sejo do sujeito, ou seja, pode-se ter uma apropriação simbólica, abstrata num determinado momento, e posteriormente, uma manifestação material a respeito do que se foi apropriado, e vice-versa, num conjunto de produção, de expressão de sua imaginação.

Martins (2013, p. 231) expõe que estes elementos da imaginação criativa,

[...] são, grosso modo, os diferentes aspectos da imaginação que aparecem na ativi-dade humana e todos eles têm como traço comum suplantarem a realidade sem, con-tudo, apartarem-se dela. Esse processo, por sua vez, subjulga-se ao próprio de-

4 Conforme Smolka (2009, p.16), Vigotski em seus trabalhos refere-se a diversas idades: pri-meira infância, que seria a criança até três anos, por exemplo. E a idade pré-escolar, que seria a criança acima de três e até seis ou sete anos.

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senvolvimento do psiquismo, especialmente pelas alianças que estabelece com o pensamento e com os sentimentos.

As observações sobre a “criatividade” ora apresentadas, nos permitem com-preender suas particularidades, seu devido valor para o desenvolvimento hu-mano, e, sobretudo, compreender que tal processo é produto da consciência desenvolvida, que apresenta um alto grau de complexidade e que promove finas ligações com todos os tipos de processos funcionais, mais fortemente com o pensamento abstrato.

Deste momento em diante focaremos em entender o processo de desenvolvi-mento da imaginação no interior do seu sistema interfuncional, procurando compreender a maneira que esta função avança para uma condição de desenvol-vimento mais alta, lembrando que já mostramos as variáveis dessa efetivação, e também, o começo desta construção, fato que nos ajudaram no entendimento dos resultados da pesquisa realizada durante o projeto de intervenção na escola.

Este exercício será feito, pois nenhuma das funções psicológicas tem força para ajudar na formação da imagem subjetiva isoladamente, assim, destacamos o quanto a teoria proposta por Vigotski nos propicia compreender as funções psicológicas superiores em uma realidade interfuncional, com o intuito de com-preender a formação do pensamento humano nas suas mais altas capacidades.

Martins (2013, p. 231) afirma que “[...] a imaginação não é nenhuma função abstrata e alheia à realidade objetiva”, mas sim, “[...] uma face complexa da ativi-dade consciente, uma “atitude” da consciência desenvolvida e, da mesma forma, prova substantiva do movimento, da ideação dinâmica que a institui”. Essas afir-mações nos permitem compreender que “imaginar” algo se efetiva enquanto uma visão antecipada de uma imagem, o que, sem a menor dúvida, necessita da clareza do objeto e do que se quer fazer. Esta cena só pode ser realizada devido à natureza da atividade que está sendo realizada. Sobre isso destacamos que:

[...] a estreita relação entre imaginação e realidade põe a descoberto que o conheci-mento acerca do real é um de seus principais condicionantes. O desenvolvimento de processos imaginativos supõe, então, um trabalho constante e tenaz associado à es-fera da aprendizagem. (IGNATIEV, 1960, apud MARTINS, 2013, p. 232).

O processo de imaginação não se apresenta enquanto uma capacidade espe-cial, feita no inconsciente, como a velha psicologia compreendia, pois entendiam

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somente, “[...] em suas formas primárias como uma atividade subconsciente, como uma atividade que não serve ao conhecimento da realidade, senão à obten-ção de prazer, como uma atividade não social, de caráter não comunicável” (VYGOTSKI, 2001, p. 430).

Buscando compreender a imaginação no interior de um sistema, Vygotski (2001, p. 436) comprovou em seus estudos que a “imaginação” deve ser entendi-da como algo mais complexo dentro da atividade psíquica, tal como um conjunto real de várias funções psicológicas e relações especificas, e que precisa de apoio para ser assimilada. É importante evidenciar que, embora as funções psicológicas superiores devam ser compreendidas no interior das relações que estabelecem entre si, cada função se relaciona com outra de forma diferente, se modificando no interior dessas relações, adquirindo, portanto, suas próprias propriedades.

Martins (2013, p. 235) afirma que Vigotski dedicou-se a entender o desenvol-vimento da imaginação partindo do pressuposto que esta se subordina à aquisi-ção da linguagem e conquista suas propriedades graças a este vínculo. Deste modo, Vygotski (2001) destaca a necessidade de esclarecer a relação fulcral en-tre o desenvolvimento da linguagem da criança e de sua imaginação. Na análise desta relação, o autor destaca que a linguagem possibilita à criança representar o objeto tal como tenha visto e pensado sobre ele:

Com a ajuda da linguagem, a criança obtém a possibilidade de liberar-se do po-der das impressões imediatas, saindo de seus limites. Por meio das palavras, a crian-ça também pode expressar o que não coincide com as combinações exatas dos obje-tos reais ou das correspondentes ideias. Isso possibilita seu desenvolvimento com extraordinária liberdade na esfera das impressões designadas mediante as palavras5. (VYGOTSKI, 2001, p. 432)

A linguagem torna-se, portanto, uma função essencial no processo de desen-volvimento da imaginação. Contudo ela não se efetiva espontaneamente. Martins (2013, p. 235) aponta que Vygotski (2001) destacou um elemento importante que contribui sobremaneira para este desenvolvimento, que é, justamente, o pa-pel desempenhado pela escola, ambiente onde as crianças têm oportunidade de

5 As citações originais encontram-se em língua espanhola e foram traduzidas para a língua por-tuguesa pelos autores.

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pensar nos objetos, nos fenômenos, e compreendê-los em sua essência. Dessa forma, não podemos considerar que somente o fato de falar proporciona o desen-volvimento da imaginação, pois a fala, a linguagem, deve ser dotada de sentido e significado, e, para tanto, a criança deve entrar em contato com a cultura, em prol da apropriação de conhecimento científico, proporcionado no interior da escola.

Defendemos que o conhecimento proporcionado pelo contexto cotidiano não consegue ampliar e desenvolver o pensamento em suas máximas possibilidades, impondo à imaginação uma condição de desenvolvimento com poucas possibili-dades de avançar para uma condição superior.

Esta consideração nos permite estreitar os laços entre o desenvolvimento da imaginação e do pensamento, sobretudo por evidenciar que a imaginação está estreitamente vinculada ao pensamento abstrato, e que realmente avança de uma condição elementar para uma condição superior de desenvolvimento como evidenciamos anteriormente. Martins (2013, p. 191) destaca que “[…] o pensa-mento, visando a descoberta das conexões existentes entre os dados, coloca a descoberto novas propriedades, não disponibilizadas pela sensibilidade imedia-ta. Assim, permite a construção da imagem do objeto em suas vinculações internas abstratas”.

Martins (2013, p. 239) afirma que no interior desta compreensão da imagina-ção, sobretudo ao se levar em conta sua condição mais elementar, a ela é relegada uma característica subjetiva e fundamentalmente emocional, imbricada em ele-mentos associados por indução subjetiva. A autora ainda destaca que os verda-deiros produtos da imaginação não se expressam na infância, mas na adolescên-cia, momento em que se efetiva a formação de conceitos onde o pensamento abstrato tem condições de organizar formas mais complexas de representação da realidade.

Neste sentido, destacamos que a fantasia infantil, emocional e subjetiva cede espaço a uma imaginação com conteúdo totalmente diferente, formados por sen-tidos objetivos entre os elementos que a instituem e, igualmente, à própria reali-dade. Assim, estes elementos (fantasia, o contexto emocional e subjetivo) que ainda estão em condições de desenvolvimento mais elementar, vão cedendo es-paço às condições mais superiores, ultrapassando os limites da experiência sen-sorial e conquistando as possibilidades para estabelecer novas conexões entre os elementos da realidade.

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Já que mencionamos o termo fantasia, vale esclarecer que, conforme Martins (2013, p. 239), Vigotski não estabeleceu uma diferença entre a fantasia e imagi-nação, e nem as igualou tornando–as sinônimo, no entanto deixou claro que a qualidade desses processos principalmente em sua dimensão criativa, deve ser compreendida a partir do curso histórico-cultural do psiquismo:

A nosso juízo, essa distinção, ainda que essencialmente terminológica, contribui para ao aclaramento da importância do percurso de desenvolvimento da imagina-ção, isto é, para a “desnaturalização” do fenômeno imaginativo, bem como do papel que deve desempenhar a educação escolar em sua formação. A existência de um uni-verso vastamente fantasioso do ponto de partida do desenvolvimento da criança não assegura por si mesma a conquista cultural de uma imaginação igualmente vasta, que se coloque a serviço das transformações necessárias ao próprio indivíduo e à sociedade. (MARTINS, 2013, p. 240)

O homem reordena e reorganiza a própria imagem que dela se institui, im-plementando assim, por meio de ações que operacionaliza, um projeto ideal – uma outra realidade. A realidade objetiva se apresenta, pois, como ponto de par-tida e de chegada da imaginação, e na mediação desse processo residem todas as funções psíquicas que possibilitam à consciência “afastar-se” dela para melhor apreendê-la (MARTINS, 2013).

E essa condição elementar que do processo de desenvolvimento da imagina-ção foi denominada pela autora como “debilidade imaginativa da criança” que viabiliza a compreensão das concepções difundidas há muito tempo, e que se estende até os dias atuais de que a criança imagina mais que um adulto, e que o processo imaginativo vai sucumbindo à medida que o sujeito cresce e se desen-volve (MARTINS, 2013).

Isso é um fator bastante comum, que muitas pessoas se baseiam para afirmar que uma criança imagina mais que um adulto. No entanto, evidenciamos segun-do a teoria histórico-cultural, que essa afirmação deve ser passível de questiona-mentos, sobretudo porque a criança apresenta-se como um sujeito menos desen-volvido se comparado com o adulto e com ele deve aprender para se desenvolver (MARTINS, 2013).

Para que o desenvolvimento da imaginação aconteça, há que serem possibili-tadas aos indivíduos as apropriações e objetivações do substrato cultural cons-

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truído pela humanidade ao longo da história, logo, não poderemos mais afirmar que uma criança imagina mais que um adulto, pois não se apropriou da cultura mais que ele, pelo contrário. A imaginação de uma criança não é senão inferior à imaginação de um adulto, já que a criança combina imagens de maneiras muito menos diversas (MARTINS, 2013). Se uma criança imaginasse mais que um adul-to, o processo de desenvolvimento da imaginação seria, portanto involutivo, e em hipótese alguma poderia ter tratado como uma concepção de desenvolvimento.

A partir das considerações realizadas neste tópico, procuramos evidenciar a relação que a imaginação estabelece com outras funções psicológicas superiores, para que compreendêssemos melhor suas especificidades, desde um contexto mais elementar, em direção a um contexto mais elaborado de desenvolvimento. Baseados nisso, fica evidente o quanto se faz fundamental organizarmos de for-ma intencional as atividades que serão apropriadas pela criança e, além disso, auxiliar em seus entendimentos, engendrando, assim, um processo de desenvol-vimento qualitativo de sua imaginação, em direção a sua plena humanização.

PROCESSO DE iNTERVENÇÃO LuDO-PEDAGóGiCO: A ATiViDADE DO

DESENHO COmO iNSTRumENTO CuLTuRAL DE ENSiNO E APRENDiZAGENS

Destacaremos neste tópico os resultados advindos de nosso trabalho de inter-venção e extensão com desenhos junto aos estudantes na escola. Iniciamos por ressaltar que o Projeto de extensão e intervenção desenvolvido pelo GEIPEE6 ocor-re em uma escola pública municipal de Ensino Fundamental I desde o ano de 2008, o que nos garante o rigor histórico e processual tão necessário para a com-preensão de realidades ou fenômenos pautados pela Teoria Histórico-Cultural. Este projeto tem sido fomentado pelo Programa Núcleo de Ensino da Pró-Reito-ria de Graduação da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” (Unesp) e tem por objetivo principal desenvolver junto aos estudantes atividades de caráter ludo-pedagógicas e artísticas, visando que possam desenvolver-se numa direção humanizadora.

6 Neste grupo contamos com a coordenação de dois professores Doutores, sendo um do Depar-tamento de Educação Física e um do Departamento de Educação, sendo que ambos atuam no Programa de Pós-graduação em Educação; e contamos com a participação de estudantes de cursos de Graduação (da Educação Física, da Geografia, da Pedagogia) e estudantes mestran-dos e doutorandos do Programa de Pós-graduação em Educação da FCT/Unesp.

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Por assumirmos como pressupostos teórico-filosóficos o materialismo histó-rico dialético como método de compreensão da realidade pesquisada, procura-mos identificar o movimento contraditório presente na totalidade da escola, reco-nhecendo os indivíduos participantes do processo de pesquisa no seu movimento histórico de constituição e como parte integrante da totalidade escolar, focando o olhar especificamente aos indivíduos tímidos, por se tratarem dos indivíduos principais da pesquisa e considerando-os como sínteses históricas das relações sociais presentes na escola e na sociedade na direção de teorizarmos a respeito dessa realidade.

A atividade educativa proposta pelo GEIPEE é efetivada a partir do uso de jo-gos e brincadeiras coletivas e concretiza-se em diferentes ações ludo-pedagógi-cas desenvolvidas com os alunos e, também, são realizadas reuniões e discussões teórico-metodológicas com os professores e gestores da escola acerca do proces-so de intervenção, seus resultados e avaliação para planejamento contínuo das ações do GEIPEE na escola.

Esclarecemos que os membros participantes do Grupo GEIPEE realizam reu-nião semanal na Unesp para avaliação das atividades realizadas nos espaços de intervenção e de planejamento das atividades ludo-pedagógicas que serão de-senvolvidas na escola. Além disso, retomam e refletem sobre os objetivos dos projetos desenvolvidos pelo GEIPEE e programam leituras e estudos dirigidos dentro da Teoria Histórico-cultural e Pedagogia Histórico-crítica para poder compreender a realidade em que atuamos e planejar as ações de intervenções. Assim, os encontros semanais do GEIPEE, que são organizados por seus coorde-nadores, em geral são utilizados para aprofundamento de estudos sobre a Teoria histórico-cultural e Pedagogia Histórico-crítica e as metodologias de ensino ado-tadas nos trabalhos de intervenção do GEIPEE no interior da escola.

Explicamos que junto aos alunos (crianças) as intervenções ocorreram sema-nalmente, com aproximadamente 60 minutos de duração por turma/sala de aula, abrangendo as salas de aula do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental I, num total de 06 (seis) salas de aula. Os membros do GEIPEE dividem-se em grupos de in-tervenção, sendo que, geralmente, contamos com dois membros que são respon-sáveis pela execução das atividades ludo-pedagógicas junto aos alunos e um ter-ceiro membro é responsável por registrar em diário de campo sobre as ações realizadas, seus resultados, assim como são registrados os comportamentos, as falas e outras manifestações dos alunos/crianças que participam da intervenção.

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Os membros do GEIPEE assumem como atividade do grupo, e parte funda-mental da metodologia de trabalho, a implementação de diálogos críticos acerca do processo de intervenção com o objetivo de compreender e levantar coletiva-mente soluções aos possíveis conflitos relacionados a manifestação de violência física e simbólica no interior da escola, assim como acerca de situações de opres-são e intimidação aos estudantes ocorrido na escola em que realizamos projetos de intervenções ludo-pedagógicas. Como, ainda, em situações que reproduzem preconceitos e discriminação nas relações sociais escolares (professor-estudan-te e estudantes-estudantes), dentre outras situações de caráter alienado identifi-cadas no interior da escola durante a execução das intervenções do GEIPEE.

As atividades coletivas e ludo-pedagógicas são princípios metodológicos fun-damentais para a efetivação dos trabalhos do GEIPEE na escola e procura-se, du-rante as intervenções, valorizar o diálogo, a troca de ideias (mesmo que diver-gentes) e o respeito à diversidade humana. Esse posicionamento visa à busca contínua de compreensão do movimento histórico da realidade vivida pelos indi-víduos na escola, sem culpabilizá-los, vitimizá-los ou psicopatologizá-los, princi-palmente os estudantes, os professores e gestores da escola.

Salientamos que o processo ludo-pedagógico tem se efetivado semanalmente no interior da escola, junto aos estudantes de duas salas de aula, sendo que as intervenções costumam ter duração de aproximadamente 60 minutos por turma. Desta forma, apresentaremos neste artigo os dados decorrentes do processo de intervenção no qual foi utilizado a atividade de desenhar, que ocorreu junto ao grupo de crianças de uma sala de 2º ano durante o ano de 2015. Ressaltamos que os nomes utilizados neste artigo são nomes fictícios.

A atividade principal destas duas intervenções foi a do desenho, na qual cada estudante deveria pintar seu autorretrato. Esta atividade foi realizada em dois momentos, um inicial para que pudéssemos analisar qual o conhecimento que as crianças já tinham sobre desenhos e como se enxergavam, ou conseguiam se pin-tar/ desenhar. Posterior à este primeiro momento, tivemos encontros em que os ensinamos a realizar desenhos básicos de seres humanos, neste processo, os in-centivamos à prestarem atenção em como se parecem, pedindo para que pudes-sem olhar no espelho e repararem na cor da pele, tipo e cor de cabelo, olhos e etc.

Num segundo momento, pedimos para que novamente se desenhassem, agora através de pintura com tinta guaches, e notamos que seus conceitos ou a repre-

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sentação de suas imagens se modificaram. Apresentaremos e discutiremos dois casos que nos chamou atenção neste processo de intervenções.

O primeiro caso é o de Maria, podemos notar que da primeira vez que a mes-ma se desenhou (Figura 1.1), se baseou em parâmetros comuns em contos de fadas, onde as princesas são loiras, magras e vestem vestidos glamorosos. Deve-mos ressaltar que Maria é uma garota negra, de cabelos e olhos escuros, porém, como podemos observar na primeira figura, se retratou como sendo branca. Já no segundo desenho (Figura 1.2), Maria pinta-se de marrom, cor correspondente ao seu tom de pele.

Sobre este tipo de atividade, que exige que se reproduza determinado dado da realidade, neste caso, a própria imagem da criança, Vigotski (1998, p. 7) apon-ta o estreito vínculo entre a atividade de reprodução com a função psicológica superior memória voluntária, sendo que sua essência efetiva-se quando a crian-ça reproduz/repete normas e condutas criadas e elaboradas culturalmente tal como as concebe.

Figura 1 Desenhos de autorretrato de maria.

1.1 1.2

Acreditamos que a transformação na forma em que Maria se desenha, tenha se dado pelo fato de que em uma atividade de reprodução, é necessário se basear em dados da realidade que estão memorizados em nosso psiquismo, desta for-ma, o que Maria se recordava como base material da imagem de uma garota como ela, se correspondia ao que está acostumada a ver em desenhos animados, qua-drinho, e estampado em quase todos os objetos femininos, ou seja, a reprodução da imagem de criança ou mulher, que se assemelhe a de uma princesa da Disney ou da Bárbie. No entanto, quando pedimos para que as crianças se olhem no es-pelho e que se retratem da forma mais fidedigna, notamos que Maria cria uma

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nova concepção de como pode ser retratada uma criança, e passa a buscar em sua memória não mais os desenhos da indústria cultural, porém, à criança que viu no espelho.

Outro caso relevante que observamos neste processo de intervenção com dese-nhos, foi o que podemos notar na Figura 2, na qual pudemos perceber que, de fato, as crianças só podem criar a partir de elementos da realidade concreta. Este acontecimento se deu, pois, quando terminamos a atividade do autorretrato com tinta guache, iniciamos outra atividade em que as crianças poderiam pintar o que desejassem. No entanto, Flávio ainda não havia terminado seu autorretrato. Diante desta situação, João, como já havia terminado seu autorretrato, começou a pintar seu desenho copiando o autorretrato de Flávio. Ao observarmos tal si-tuação, indagamos ao João se ele não queria fazer algo diferente do que Flávio estava desenhando, passando, então, a incrementar seu desenho com pontos amarelos e alguns traços em vermelho e preto. No final do desenho, João nos fala que seu quadro tem nome: “Flávio no mundo da Lua”.

Percebemos nesta atividade que João baseou-se em aspectos concretos que o circundava, além de seguir uma orientação direta dos interventores, pois, com o nosso pedido para que pintasse algo diferente, passou a colocar outras cores em seu desenho, ainda que estas cores não apresentassem nenhum significado aparente. Porém, ao finalizar seu quadro, João percebeu que o que desenhou pa-recia com o que já havia visto sobre a lua. Desta forma, relacionou a reprodução do quadro do amigo com o que tinha na memória a respeito da lua, e, assim, pode dar um significado para o que havia desenhado.

Figura 2 Autorretrato de Flávio e desenho de tema livre de João.

2.1 2.2

Desta forma, podemos considerar que para realizar a atividade de desenhar, a criança faz o uso da memória e nem mesmo usa um modelo. Ela desenha algo que

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é concreto e sem nem se quer olhar para um modelo, usa especialmente a memó-ria e a imaginação para representar algo mesmo que ele seja real e concreto, por isso, entende-se que a falta de precisão nos desenhos das crianças é devido a li-mitações técnicas e não a percepção errada que a criança tem sobre a forma que está a desenhar (VIGOTSKY, 2009).

Vigotsky (2009) apresenta que nesta fase a criança enquanto desenha, pensa no objeto existente em sua imaginação como se estivesse falando com o mesmo. Na fala a criança não se prende pelo de que o objeto é no tempo e no espaço, mas sim pode fazer um elo entre o objeto e outra coisa que ela imagina. Ainda define que na próxima fase do desenho a criança sente a necessidade de não limitar-se apenas a enumerar e fazer algo não realista sobre o objeto, mas sim começa a relacionar a necessidade de forma entre as partes. Nesta fase observamos uma mescla entre formalismo e esquematismo, os desenhos são esquemáticos porém começam a ter sinais de representação mais próximos à realidade. A terceira fase seria a da forte representação, na qual o esquematismo desaparece totalmente do desenho, que agora adota a silhueta e contorno, ou seja, o desenho é uma re-presentação mais parecida com a realidade. Já na quarta fase as diversas partes dos objetos são representadas com volume e perspectiva, através do uso de cores e sombras e se comunica com o movimento (VIGOTSKY, 2009).

Vigotsky (2009) explica que todas as ações da criança e suas obras podem ser entendidas como uma correlação das suas possibilidades dinâmico-táteis e vi-suais que a ela tem para conhecer o mundo à sua volta. A criança está em movi-mento, e realiza coisas reais que interessa a ela. Interessa mais o processo de criação do que o produto final, prefere, ainda, fazer a imaginar. As ações físicas sobrepõem-se sobre os processos analíticos. A criança não tem interesse em todo o processo de ação, mas sim no processo que tem lugar no mundo exterior. Assim como na ciência, ao utilizar atividades de arte, os sujeitos podem utilizar e desen-volver seus processos funcionais de imaginação e criatividade (VIGOTSKY, 2009).

Desta forma, nos baseamos nos pressupostos de Vigotski (2009) que conside-ra como tarefa criadora, toda atividade humana que produz algo novo. O autor afirma que temos duas formas de impulsos, sendo a primeira delas denominada enquanto um impulso “reprodutor” ou “reprodutivo”, que está estritamente liga-do à nossa memória. A essência deste impulso consiste em realizar ações previa-mente definidas, ou pensadas. Tais ações reprodutivas são importantes para a

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vida do homem por conservarem suas experiências anteriores criando e refazen-do hábitos que o ajuda a compreender o mundo e a realidade ao seu redor.

O princípio básico das atitudes reprodutoras ou memorizadora é a plastici-dade da estrutura e da dinâmica neural, ou seja, a capacidade de se desenvolver de acordo com as mediações presentes no meio social de que faz parte. Nosso cérebro e nossos nervos detentores de uma enorme plasticidade, se transformam facilmente, sua estrutura com as diversas influências, mantendo as modificações sem pressão, são suficientemente fortes (VIGOTSKY, 2009).

Acontece com o cérebro, afirma Vigotsky (2009), um processo em que uma vez tendo sido memorizada determinada informação, basta um pequeno estí-mulo para que o cérebro volte a realizar determinada atividade já assimilada, neste caso, a pessoa não precisará passar por todo o processo de aprendizado novamente.

Além da conduta reprodutora, memorizadora, há a conduta que cria por meio de combinação, por exemplo, quando se imagina algo que nunca foi vivenciado pelo individuo. Sendo assim, as atividades que não se limitam a apenas reprodu-zir algo, estão ligadas à função criadora (VIGOTSKY, 2009).

Vygotski (2012), afirma, portanto, que a imaginação é uma atividade transfor-madora, criadora, que vai do concreto ao concreto novo em que o abstrato é im-prescindível, mas não o centro da atividade de imaginação. A nova imagem con-creta é o caminho que descreve a imaginação na idade de transição.

Vigotsky (2009) explicita que o cérebro não é apenas um órgão que reproduz experiências do passado, mas ele também combina e cria novas ações. Se não fosse isso, o homem apenas reproduziria ações do passado e nunca evoluiria. Portanto, a atividade criadora do cérebro recebe o nome de imaginação ou fanta-sia, mas essas palavras recebem um sentido diferente do que na ciência, pois na ciência imaginação e fantasia referem-se à algo não real, enquanto neste contexto significa a capacidade de criar coisas novas, de combinar pensamentos e fazer algo que não foi feito antes. Tudo ao nosso redor foi criado por atividades basea-das na criatividade e imaginação humana.

Algumas das questões mais importantes para a pedagogia e psicologia infan-til é o papel da capacidade de criação das crianças, sobretudo no que se refere ao enriquecimento de tal capacidade através de processos pedagógicos, além de sua importância para o desenvolvimento integral do sujeito. Esse processo exis-

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te desde a infância, expresso principalmente por meio de jogos e brincadeiras. Nos jogos as crianças não se limitam apenas ao que foi vivido, na verdade, elas criam novas realidades, combinando aquilo que já sabem de sua própria reali-dade com a realidade que precisam imaginar (VIGOTSKY, 2009). Corroborando ainda mais com ideia, defendida no presente artigo, da importância em se traba-lhar com as crianças atividades que envolvam questões lúdicas, bem como, pe-dagógicas, tendo em vista o desenvolvimento qualitativo de suas funções psico-lógicas superiores.

Para entender melhor a imaginação, é preciso entender o vínculo entre reali-dade e fantasia. Quanto à fantasia, Vygotski (2012) ressalta que ela está a serviço da satisfação dos desejos, por isso afirma que quem está se sentindo feliz não necessita de fantasias, mas sim quem está infeliz. Neste caso, a fantasia corrige a realidade insatisfatória, se torna uma forma de pensamento exclusivamente sub-jetiva, de coisas que o sujeito oculta das pessoas. Por isso, existe uma ligação notável entre fantasia e emoção, pois algumas imagens provocam determinados sentimentos.

Vigotsky (2009) afirma que há quatro formas básicas de ligação da imagina-ção com a realidade, e o entendimento delas revelará que a imaginação não é apenas um divertimento, mas sim de importância vital. A primeira ligação tem a ver com as experiências passadas, até porque é impossível a mente construir al-guma coisa do nada. Estudos apontam que até mesmo os sonhos, contos, lendas e mitos são apenas combinações de realidades já vividas. Neste caso, quanto mais experiências, mais possibilidades de imaginação.

A segunda forma de ligação é mais complexa, pois ela se realiza em produtos prontos da fantasia e em alguns fenômenos da realidade, ou seja, a criança atra-vés de relatos reais se imagina no que está sendo descrito por outros. Neste mo-mento, a imaginação é importante, pois mesmo que a pessoa nunca tenha vivido determinada experiência, ela sabe imaginar como é através de relatos que esta ouvindo (VIGOTSKY, 2009).

Sobre a terceira forma de vínculo entre a imaginação e a realidade, Vigotsky (2009) aponta sua relação com a emoção, que pode se manifestar de maneiras variadas. As emoções, no caso, reagem na imaginação e nesse caso a imaginação também reage na emoção. Isso significa que a fantasia interfere nos sentimentos, ou seja, mesmo se o que se está imaginando for falso os sentimentos são reais.

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Sobre a quarta e última forma de ligação da imaginação com a realidade, Vi-gotsky (2009) define que é aquela que o que está sendo imaginado não é real e nem parecido com o que é real, mas pode se tornar real por meio da imaginação. Apesar de não se ajustar em nada em relação à natureza concreta, ela vem da mais concreta parte da imaginação que acaba influenciando no universo que ro-deia o sujeito.

Ou seja, a partir de tais proposições, podemos afirmar que o que pôde ser visto no desenho de João, foi que ele se apoiou na realidade concreta, ou seja, usou o desenho de Flávio como base para criar seu próprio desenho. Além de criar coisas novas, promovendo o enriquecimento de sua imaginação. Inferimos, então, que as proposições de Vigotsky foram observadas neste processo de inter-venção com as crianças na escola, pois as crianças se basearam na realidade ob-jetiva para poder criar o novo, saindo da realidade concreta para imaginar uma outra realidade, isto é, uma realidade nova, enriquecida com diferentes sentidos e significados.

CONSiDERAÇÕES

É essencialmente importante alimentar a criação artística na idade escolar, pois o homem terá que apoderar-se seu futuro com ajuda de sua imaginação, conduzir o seu amanhã com base num futuro que não se sabe como é. Essa é a função básica da imaginação. Por conseguinte, a função básica da educação peda-gógica é elaborar, preparar e implementar condições para o desenvolvimento da criatividade e imaginação como uma das principais forças em relação ao futuro da criança. A formação de uma personalidade criativa para o amanhã é feita na criança de hoje (VIGOTSKY, 2009).

Compreendemos que no processo de desenvolvimento humano, tanto de for-ma geral, quanto no processo específico de construção da imaginação e da criati-vidade, reside o processo educativo – o ensino. Sobretudo o ensino realizado a partir da mediação direta e intencional do professor, o que viabilizará aos indiví-duos uma compreensão para além da aparência imediata da realidade, em dire-ção a uma compreensão captada pelo pensamento calcada na realidade para além de suas aparências empíricas.

A produção de desenhos, que expressa a autoimagem das crianças, possibilita contribuições ao desenvolvimento de sua imaginação e criatividade. Mediante os

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atributos da imaginação presentes na produção dos desenhos das crianças, a destacar o atributo de reprodução e o atributo de criação, ressaltamos como um aspecto fundamentalmente a condição da mediação de atividades educativas proporcionadas às crianças.

Considerando que a produção de desenhos possibilita às crianças vivências de situações relacionadas aos conhecimentos humanos e, por isso, importantes de serem veiculados na escola, salientamos que quanto mais elaboradas forem as condições de representar elementos da realidade temática abordada por meio da produção gráfica, tanto mais interessante será para as crianças a sua apropriação e respectiva possibilidade de criação, principalmente porque estes sujeitos en-contram-se em fase de conhecimento da cultura construída pela humanidade.

Destacando aspectos relacionados ao processo de desenvolvimento da imagi-nação, concordamos com Martins (2013, p. 229) quando coloca que a origina-lidade da imaginação:

[...] não pode ser associada apenas à criação do novo do ponto de vista do patrimônio humano genérico, há que se diferenciar suas expressões como antecipação mental dos produtos da atividade do indivíduo – ainda que tais produtos não sejam objeti-vações originais, e a imaginação, criadora do dado realmente novo.

Assim, a forma básica da atividade psíquica e social, pela qual se dá a rela-ção entre o mundo e a consciência humana, tem suas origens no momento em que a criança torna-se capaz de romper com seu campo perceptivo imediato e com-plexificar o desenvolvimento de sua consciência, não mais se limitando a uma percepção imediata e direta dos objetos à sua volta, mas sim, pela via da constru-ção do seu pensamento, iniciando pela reprodução do que já conhecem e avan-çando para as manifestações criativas, aproximando-se cada vez mais da possibi-lidade eminentemente humana de imaginar a realidade em sua essência e a partir disso, poder criar o novo.

REFERêNCiAS

MARTINS, L. M. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: Contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica. Campinas: Autores Associados, 2013.

SMOLKA, A. L. Imaginação e criação na infância. São Paulo: Ática, 2009.

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VIGOTSKI, L. S. Imaginación y realidad. In: La imaginación y el arte en la infancia: ensayo psicológico. 4. ed. Ediciones Alcal: Madrid, España, 1998.

_____. La imaginación y arte em la infancia: Ensaio psicológico. Madrid: Akal, 2003.

_____. Psicologia pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

_____. A brincadeira e o seu papel no desenvolvimento psíquico da criança. Tradução Zóia Prestes. Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais, jun. 2008.

_____. A construção do pensamento e da linguagem. Tradução Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

_____. Imaginação e criação na infância. Tradução Zoia Prestes. São Paulo: Editora Ática, 2009.

_____. Obras escogidas. Tomo IV. Madrid: Machado Grupo de Distribuición, 2012.

VIGOTSKI, L. S.; LURIA, A. R. Estudos sobre a história do comportamento: símios, homem primitivo e criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

RUBINSTEIN, J. L. Princípios de psicologia geral. México, D.F.: Editorial Grijalbo, 1967. p. 322-323.

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8DiREiTOS HumANOS E GêNERO NA EDuCAÇÃO iNFANTiL

Tânia Suely Antonelli marcelino BraboFaculdade de Filosofia e Ciências/Unesp/marília

Resumo: Neste texto apresentamos parte dos resultados do projeto Direitos humanos e gêne-ro na Educação Infantil, que teve como objetivo a promoção da formação em direitos huma-nos e gênero para profissionais da Educação Infantil de uma EMEI de Marília (SP), de alunos e alunas da escola parceira, além de refletir coletivamente sobre práticas pedagógicas que contemplem os temas do projeto. Outro objetivo é divulgar documentos internacionais sobre educação em direitos humanos e os nacionais, especialmente, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos e as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. bem como refletir sobre o papel da escola para a concretização da cultura em direitos humanos. A metodologia da pesquisa ação foi realizada através da observação do cotidiano, realização de entrevistas, além do estudo da Proposta Pedagógica da escola. Como resultados, podemos citar mudanças nas práticas pedagógicas, reflexões coletivas sobre estas práticas, desenvol-vimento de atividades voltadas à educação em direitos humanos e para a igualdade de gêne-ro. Para as alunas bolsistas, proporcionou o conhecimento do cotidiano da escola pública, além da reflexão entre teoria e prática.

Palavras-chave: Direitos humanos; gênero; Educação Infantil; políticas educacionais; práti-cas pedagógicas.

iNTRODuÇÃO

A pesquisa foi desenvolvida em uma Escola de Educação Infantil, de um bair-ro central da cidade de Marília (SP). Nos moldes de uma pesquisa ação, foi desen-volvida através dos procedimentos metodológicos: estudo da escola (localização, histórico, organização do trabalho etc.), entrevista com a direção, coordenação e os/as docentes, alunos e alunas, para constatar o conceito de direitos humanos e gênero que permeia o imaginário escolar, tendo como referência Lüdke e André (1986) e Barbier (2007).

Este texto discorre sobre constatações do projeto Direitos humanos e gênero na Educação Infantil, financiado pela Prograd-Unesp, que teve como objetivo a

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promoção da formação em direitos humanos e gênero para profissionais da edu-cação, alunos e alunas da Educação Infantil.

O segundo objetivo do projeto foi refletir coletivamente sobre as práticas pe-dagógicas e propor atividades voltadas aos temas estudados. O terceiro objetivo foi divulgar o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, as Diretrizes Na-cionais para a Educação em Direitos Humanos além de outros documentos nacio-nais e internacionais, bem como refletir sobre o papel da escola para a concreti-zação da cultura em direitos humanos. O projeto também proporcionou a formação a respeito da temática aos alunos e alunas da graduação que partici-pam do mesmo além do contato com o cotidiano da escola pública.

A pesquisa foi desenvolvida em uma Escola de Educação Infantil, de um bair-ro central da cidade de Marília (SP). Nos moldes de uma pesquisa ação, foi desen-volvida através dos procedimentos metodológicos: estudo da escola (localização, histórico, organização do trabalho etc.), entrevista com a direção, coordenação e os/as docentes, alunos e alunas, para constatar o conceito de direitos humanos e gênero que permeia o imaginário escolar, tendo como referência Lüdke e André (1986) e Barbier (2007).

Num segundo momento, foram empreendidas ações que consistiram em ofi-cinas, debates de filmes, documentários, leituras de textos básicos, tanto para alunos/as quanto para docentes visando a formação a respeito da temática pre-tendo também constatar se a escola já tem trabalhado ou não no que diz respeito às questões do projeto. Para o planejamento e confecção do material a ser traba-lhado em cada atividade com as crianças, efetuamos reuniões semanais para a elaboração coletiva das mesmas.

Além do mais, empreendemos uma reflexão acerca da temática à luz do que foi estudado e debatido, como incluir esses temas no seu Projeto Político Peda-gógico, além de uma avaliação contínua para observar coletivamente, no que as pessoas e as escolas mudaram a respeito da educação envolvendo a temática do projeto.

Todas as atividades desenvolvidas com as crianças foram apresentadas para todos/as nas reuniões de trabalho pedagógico. Ao final do ano, estas foram orga-nizadas em uma apostila que foi doada para a escola, constituindo-se em impor-tante material para consulta com sugestões de atividades. Apesar de o projeto prever desenvolvermos, também, atividades com pais e mães dos/as alunos/as, esta atividade não foi realizada. Foram entregues um exemplar do Plano Nacional

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de Educação em Direitos Humanos, além de livros de literatura infantil abordando a temática do projeto.

BREVE OLHAR SOBRE A TRAjETóRiA DE iNCLuSÃO DE DiREiTOS HumANOS

E GêNERO NAS POLíTiCAS EDuCACiONAiS BRASiLEiRAS

Desde os anos de 1990, temos estudado como a questão da mulher e das rela-ções sociais de gênero têm sido trabalhadas nas escolas. A partir do ano 2000, incorporamos a temática dos direitos humanos e da cidadania, tanto nas pesqui-sas trienais, junto ao Departamento de Administração e Supervisão Escolar, quanto junto ao Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania de Marília, através do desenvolvimento de projeto de extensão. A partir do momento em que iniciamos os projetos junto ao Núcleo de Ensino, houve a possibilidade de maior conheci-mento da realidade das escolas bem como o desenvolvimento do trabalho teórico e prático junto às mesmas com a temática do projeto.

Com todas estas ações, foi possível realizar, ao mesmo tempo, atividades de ensino, pesquisa e extensão universitária. Nesta trajetória, constatamos que a questão dos direitos humanos e da cidadania, não têm sido abordados ou, fre-quentemente, têm sido mal trabalhados nas escolas. Em muitos casos, contata-mos que a questão de gênero é desconhecida e que direitos humanos são enten-didos numa visão distorcida. Além disso, os temas objetos do projeto não têm sido vivenciados nas relações sociais que ocorrem no cotidiano, contrariando o pressuposto da educação em direitos humanos que é conhecer e viver direitos humanos e cidadania na escola. O mesmo podemos dizer a respeito da questão de gênero, contudo, como mencionado, apesar de ser um tema desconhecido pe-los/as docentes é reafirmado numa perspectiva da visão binária (mundo mascu-lino e mundo feminino) e patriarcal no cotidiano das escolas.

Esta constatação mostra o quanto é tortuoso o caminho para que as políticas educacionais se tornem realidade nas escolas visto que a temática está presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) no qual a idéia de di reitos e a questão de gênero estão contemplados. Segundo Vianna, Unbehaum (1994), nos Parâmetros, as questões de gênero aparecem claramente assim como a idéia de direitos. Há nos mesmos a inclusão de temas que visam resgatar a dignidade da pessoa humana, a igualdade de direitos, a participação ativa na sociedade, de acordo com os pressupostos da democracia.

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Além do que se constata nas políticas das últimas décadas, embora também influenciadas pelo pensamento neoliberal, traz avanços respondendo às deman-das dos movimentos sociais, incluindo as mesmas no currículo nacional. Tanto a literatura quanto as políticas mostram que este trabalho, visando a superação da desigualdade e a promoção da cultura em direitos humanos, tem na escola o seu locus ideal, tanto para as crianças e jovens quanto para pais, mães e comunidade em geral, pois, conforme Mosca e Aguirre (1990, p. 25) afirmam, direitos huma-nos “não são aprendidos ́ de cor´, mas praticados. Caso contrário, morrem e desa-parecem na consciência da humanidade”.

Nessa perspectiva, as escolas de todos os níveis podem vir a ser os locais ideais para este aprendizado se, além de proporcionarem um ensino que formem o ci-dadão e a cidadã críticos e atuantes, torne-se um local onde as relações, a partici-pação e o ensino sejam pautados pelos valores humanos e relações de gênero igualitárias.

No que se refere à questão de gênero, uma das primeiras dificuldades para mudanças na realidade das escolas é que a escola pública tem sido entendida como um local onde a educação oferecida é igual para ambos os sexos. Entretan-to, como as pesquisas mostram e temos constatado, frequentemente, as relações sociais e as práticas pedagógicas reforçam alguns costumes que prevalecem na sociedade, como sendo naturais, no que diz respeito aos papeis masculinos e fe-mininos. Constatamos que a escola esquece que no processo de socialização que a criança vivencia no seu cotidiano, além da assimilação de conhecimentos, sua identidade está sendo formada.

Outra constatação diz respeito ao fato de os/as profissionais que atuam nas escolas não terem vivenciado nos cursos de formação inicial e continuada, refle-xões e conhecimento teórico a respeito da temática do projeto, o que colabora consideravelmente para a não mudança nas práticas e para a não inclusão dos temas no seu currículo. Pelas colocações feitas, constatamos que o desenvolvi-mento de ações como as que o projeto propõe, são essenciais pois, conforme constatamos e San Martin (2009, p. 96) aponta

Es importante tener em cuenta que la construcción de la identidad de gênero es determinante de las relaciones entre mujeres y hombres, no es extraño que la idea de femineidad y masculinidad que se representa en el cotidiano social este incidiendo em las conductas de abuso de poder de los hombres sobre las mujeres.

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Além disso, há que se acrescentar que a violência doméstica e a desigualdade salarial, para citar apenas dois problemas vivenciados por muitas mulheres na sociedade brasileira, ainda é uma realidade que pode ser modificada se a educa-ção para a igualdade de gênero e na perspectiva dos direitos humanos for inicia-da desde a mais tenra idade.

Esta foi uma constatação do movimento feminista nacional e paulista que daí propuseram um debate nas escolas. Assim, a questão da mulher fora trabalhada nos anos de 1980, nas escolas estaduais paulistas, mas esse foi um momento úni-co que não teve continuidade (BRABO, 2005). Observamos atualmente iniciati-vas pontuais próximas ao Dia Internacional da Mulher ou ao Dia Internacional de Combate à Violência contra a Mulher, além de propostas levadas às escolas nesse período pela APEOESP e, em Marília também pelo Conselho dos Direitos da Mu-lher em conjunto com a Rede de Combate à Violência contra a Mulher, contudo, não constatamos que a temática seja trabalhada de forma transversal no currícu-lo. Já havia também, o Programa Nacional de Direitos Humanos e o Programa Estadual de Direitos Humanos, elaborados na década de 1990, que traziam a ne-cessidade de as escolas de todos os níveis trabalharem essa temática para o al-cance da cultura democrática e em direitos humanos. O Programa Municipal de Direitos Humanos, elaborado em 1999, atualmente em processo de avaliação e revisão, cuja elaboração foi coordenada pelo Núcleo de Direitos Humanos e Cida-dania de Marília, também reafirmava a necessidade de a educação em direitos humanos ser aprendida e vivida na escola contemplando a questão das mulheres e dos outros grupos sociais discriminados.

Um avanço se observa em 2006, quando foi lançado o Plano Nacional de Edu-cação em Direitos Humanos que propõe a educação em direitos humanos para todas as áreas do conhecimento e para todos os níveis e modalidades de ensino, contemplando gênero, diversidade sexual, a questão de raça/etnia, dentre ou-tros. Apesar da importância da política, constatamos que o documento é pratica-mente desconhecido nas escolas.

Em 2007, na Diretoria de Ensino de Marília, foi também desenvolvido o Pro-grama Ética e Cidadania: construindo valores na escola, que tinha como objetivos trabalhar direitos humanos, democracia, cidadania, diversidade (sexual, étnico/racial e de gênero). Contudo, o Programa não foi desenvolvido em 2008 e 2009 (BRABO, 2009).

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Com o projeto, além de trabalharmos outros documentos e textos de referên-cia, trabalhou o Plano Nacional acima mencionado e sugeriu atividades como as que o Guia Prático para Educadores e Educadoras (UNIVERSIDADE DE SÃO PAU-LO, 2006) para a igualdade de gênero propõe. Foi possível também apresentar para a escola outros materiais pedagógicos aos quais pudemos ter acesso com as pesquisas de pós-doutorado realizadas em Portugal (2007) e Espanha (2012), países que têm políticas já consolidadas e há muito tempo desenvolvidas acerca do tema nas escolas.

Todas as constatações mencionadas, além de outras, foram reforçadas com o desenvolvimento dos projetos financiados pela PROGRAD que possibilitou verifi-carmos, conforme já mencionamos, a falta de formação continuada para docentes nessa temática e o quanto necessitam de um apoio tanto do ponto de vista teórico quanto do ponto de vista pedagógico para trabalharem os temas transversais jun-to ao conteúdo que já desenvolvem, dentre eles, os direitos humanos e gênero, além de auxiliar para que estes sejam tratados de forma multi e transdisciplinar.

Ressaltamos, assim, que tratam-se de temas ainda atuais e relevantes. Apesar de gênero estar presente na política educacional tanto no que se refere ao currí-culo quanto no debate sobre a organização da escola, na prática social ainda há muito que se caminhar pois os indicadores de condições de vida da população brasileira ainda revelam um quadro de desigualdade cruel, sendo que a questão da violência ainda é um dos graves problemas sociais vivenciados pelas mulheres brasileiras, conforme, por exemplo, Carvalho et al. (2010) e Lampert (1999) apontam. Acrescentamos que, no ano de 2015, com a mobilização de grupos reli-giosos para a retirada do gênero dos Planos de Educação, há necessidade de tra-balharmos ainda mais a temática, mostrando resistência a este processo que sig-nifica um retrocesso para o ideal de escola democrática, de educação em direitos humanos e para a igualdade de gênero.

ALGuNS RESuLTADOS: DiREiTOS HumANOS E GêNERO

NO COTiDiANO DA ESCOLA

Além de as práticas pedagógicas desenvolvidas na escola como um todo, na perspectiva dos direitos humanos e da igualdade de gênero, já serem uma reali-dade, pudemos observar que mudanças nas relações sociais das crianças no coti-diano escolar também se deram nesta perspectiva.

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Para as estudantes bolsistas houve aprofundamento teórico a respeito de educação e dos temas do projeto além de já pensarem em intervenções na reali-dade constatada. Elas puderam pensar em atividades pedagógicas voltadas à so-lução dos problemas encontrados durante o período de observação. Um exemplo nos mostra o quanto a escola assimilou a perspectiva dos direitos humanos e da igualdade de gênero. Uma das alunas bolsistas, relatou que num dia, durante uma brincadeira, queria ser a princesa. Ela não sabia como agir diante deste desejo, ao conversar com a professora, ela afirmou que não havia mal nenhum, ele poderia ser a princesa. Isto mostra que as leituras e reflexões coletivas durante as reu-niões pedagógicas, contribuíram para mudança inclusive dos valores, agora não mais baseados na estrutura patriarcal, o que era visível também em outras situa-ções, não havia a separação: brinquedos de meninas e brinquedos de meninos.

Mostrando o quanto estes projetos podem contribuir para a transformação na escola, em outra escola, esta de Ensino Fundamental, uma professora pediu apoio pois não soube como agir em determinada situação, durante uma reunião pedagógica. Ela relatou que, durante uma atividade em que trabalhava a família, um aluno disse feliz: Tia, minha mãe agora tem uma marida. A professora, diante de tal afirmativa, não soube como reagir, falou baixinho para ele que depois con-versariam sobre o caso. É importante ressaltar que a criança agora estava feliz pois tinha uma família onde prevalecia o amor e o respeito, o que não tinha antes, com a presença do pai já que este era violento, traficante e naquele momento estava detido em uma penitenciária. Esta atitude da professora, por si só, já dei-xou a mensagem para as crianças de que aquela união não era correta, por não saber como trabalhar a questão.

A partir deste pedido, desenvolvemos momentos de estudo e de reflexão cole-tiva sobre como poderiam trabalhar a questão da diversidade sexual, por exemplo. Este e outros temas são vivenciados pelas crianças e a escola insiste em desconsi-derar e trabalhar na perspectiva da visão binária de mundo. Frequentemente, a escola fecha os olhos para questões que não sabe trabalhar, reforçando-as. Em ou-tros momentos também pudemos constatar demonstrações de preconceito que não foram visibilizadas pela professora da turma. Esta omissão pode levar ao de-senvolvimento do bullying na escola, como outras pesquisas têm mostrado.

Em outra atividade que consistia de montagem de bonecos a partir de recor-tes de corpo (de diferentes tons de pele), cabelo (de diferentes tonalidades e ti-pos), roupas etc. Cada criança montava seu boneco como quisesse. Nesta ativi-

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dade pudemos observar que nenhuma delas deixou de escolher o corpo negro, o que mostra que as crianças pequenas não têm preconceito, elas o aprendem com o passar dos anos.

Ainda se constata também algumas permanências de costumes tradicionais, como no momento da entrada na classe, as crianças são separadas em filas por sexo. No momento de uma atividade a professora separou as crianças em três mesinhas, cada uma com 5 crianças e entregou folha e canetinhas para que dese-nhassem a função dos bombeiros pois antes disso houve uma apresentação dos mesmos na quadra da escola. Neste momento pudemos perceber algumas ati-tudes de preconceito em relação a “cores de meninos e cores de menina”. Um dos meninos não queria começar a desenhar enquanto não lhes dessem a canetinha rosa. No mesmo momento, numa mesa ao lado, uma menina não deixava o colega usar a canetinha rosa, dizia que “era de menina”. Este fato mostra que, por vezes, as crianças já vêm de casa com estes costumes que, apesar de serem sutis, co-laboram para a visão naturalizada de mundo masculino e mundo feminino. Em outro momento, uma das meninas pediu para a estagiária da classe, de outra Universidade, se poderia brincar de casinha com ela e ser o “papai”. Esta a inter-rompeu e a orientou a chamar um dos meninos para ser o pai. Isto mostra o quanto os projetos voltados à igualdade de gênero pressupõem a formação de todos(as) envolvidos(as) no cotidiano escolar.

Outro exemplo que mostra o quanto o projeto já está contribuindo para novas práticas na perspectiva dos direitos humanos e da igualdade de gênero, ocorreu quanto as crianças foram para um espaço chamado de “cantinho do faz de conta”. Neste, meninos e meninas brincavam com tudo sem distinção. Neste espaço ha-via um fogão, bolsas, bonecas, carrinhos, ursos e todos(as) brincaram com o que quiseram, sem interferência da professora.

Como resultado positivo do projeto, além do que já foi mencionado, ressalta-mos que contribuiu para que o Projeto Político Pedagógico da escola parceira contemplasse os direitos humanos e a questão de gênero. Colaborou, também, para a reflexão que levou a práticas pedagógicas que estivessem em consonância com a educação em direitos humanos e para a igualdade de gênero. Possibilitou a formação em continuidade dos/as docentes e alunos/as da graduação que par-ticiparam do projeto que têm tido oportunidade ímpar de atuar no cotidiano da escola, conhecendo a organização do trabalho, os desafios para uma educação de

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qualidade, além de vivenciarem momentos de reflexão fazendo a relação entre teoria e prática, importantes para sua formação profissional e humana.

CONSiDERAÇÕES FiNAiS

Diante da apresentação de alguns dos resultados dos projetos mencionados, podemos afirmar que este projeto contribuiu para mudanças na realidade men-cionada. Houve investimento para a educação em direitos humanos e para a igualdade de gênero tanto para as crianças quanto para as profissionais da Edu-cação Infantil, além de proporcionar aprofundamento teórico e conhecimento da realidade das escolas, importantes para a formação das alunas e alunos bolsistas e colaboradores/as envolvidos/as no projeto em questão.

Pudemos observar que colaboramos no sentido do que Frigotto (1999, p. 85) aponta, acerca da importância da escola para o exercício da cidadania, o respeito aos direitos humanos e à igualdade de gênero. Segundo o autor, “[...] a educação e mais amplamente a formação humana enquanto práticas constituídas pelas re-lações sociais não avançam de foram arbitrária, mas necessária e orgânica com o conjunto das práticas sociais fundamentais”.

É preciso relembra que a escola produz e reproduz em suas normas, métodos e em sua própria estrutura física a naturalização das relações presentes na socie-dade, apontando modelos, delimitando os espaços e reafirmando por meio de uma relação de poder com a criança, o que cada indivíduo pode ou não fazer se-gundo seu sistema hierarquizado. Com Louro (1999, p. 58) relembramos que

A escola delimita espaços. Servindo-se de símbolos e códigos, ela afirma o que cada um pode (ou não pode) fazer, ela separa e institui. Informa o “lugar” dos peque-nos e dos grandes, dos meninos e das meninas. Através de seus quadros, crucifixos, santas ou esculturas, apontam aqueles/as que deverão ser modelos e permite, tam-bém, que os sujeitos se reconheçam (ou não) nesses modelos. O prédio escolar infor-ma a todos/as sua razão de existir. Suas marcas, seus símbolos e arranjos arquitetô-nicos “fazem sentido, instituem múltiplos sentidos, constituem distintos sujeitos”.

A estrutura escolar não apenas reproduz, mas também cria estereótipos de gênero nas crianças que se apropriam dessas relações de gênero que interferem no desenvolvimento das relações professor-aluno e aluno-aluno; isso fica bem

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claro na hora da entrada para a sala de aula, a fila constituída de dois segmentos, uma composta pelas meninas da classe e outra dos meninos. Todo o rico debate que a relação da luta pelos direitos humanos na história da humanidade, bem como a luta das mulheres pela dignidade e por serem incluídas de fato no ideário de direitos humanos, são demonstrações de cidadania que poderiam constituir-se em conteúdos a serem trabalhados, contudo, como não há conhecimento profun-do sobre direitos humanos (frequentemente encontramos o pensamento senso comum ligando-os a direitos de bandidos apenas) e, tampouco, sobre gênero, os temas ficam esquecidos. Esta formação pudemos também proporcionar às do-centes da escola parceira do projeto.

REFERêNCiAS

BARBIER, R. A pesquisa-ação. Brasília: Líber Livro Editora, 2007.

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9COORDENAÇÃO PEDAGóGiCA À LuZ DA GESTÃO ESCOLAR DEmOCRáTiCA E SuAS iNTERFACES COm A ORGANiZAÇÃO ESCOLAR

Ana Paula Oliveira ResciaDanielle Garcia martins Cavalcanti

joel Augusto Oliveira Sanchez Faculdade de Ciências e tecnologia/Unesp/Pres. Prudente

Resumo: O presente texto é resultado de um projeto vinculado ao Programa Núcleo de Ensi-no, da Pró-Reitoria de Graduação, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Fi-lho”, intitulado “A Coordenação Pedagógica em sua interface com a Organização da Escola Pública Municipal”. Foi realizado no ano de 2015, com continuidade em 2016, e tem como objetivo geral compreender e refletir sobre a coordenação pedagógica em sua interface com a organização escolar e as concepções e práticas de trabalho em escolas públicas municipais. A investigação que continua em andamento, de natureza qualitativa e que adota como meto-dologia a pesquisa bibliográfica e empírica, tem como sujeitos os ocupantes da função de coordenação pedagógica de um município do oeste do Estado de São Paulo. Da análise dos dados espera-se que os resultados, que ainda são preliminares, possam contribuir direta-mente para a melhoria da gestão democrática e organização escolar, e do trabalho e forma-ção continuada dos coordenadores pedagógicos vinculados ao município em questão e, indi-retamente, para o planejamento da educação local, refletindo na qualidade educacional.

Palavras-chave: Organização escolar; gestão democrática; coordenação pedagógica.

iNTRODuÇÃO

A presente produção acadêmica expressa os resultados preliminares do pro-jeto intitulado “A Coordenação Pedagógica em sua interface com a Organização da Escola Pública Municipal”, vinculado ao Programa Núcleo de Ensino da Pró--Reitoria de Graduação, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Fi-lho”. O projeto tem a finalidade de compreender e refletir sobre as ações da coor-denação pedagógica, compreendendo para tanto, a gestão democrática como articuladora da organização e do planejamento pedagógico escolar, sendo que neste sentido o apresentamos como recurso colaborativo à formação continuada e à pesquisa.

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A investigação, de natureza qualitativa que adotou como metodologia a pes-quisa bibliográfica e empírica, continua em andamento e tem como sujeitos onze ocupantes da função de coordenação pedagógica das oito escolas públicas muni-cipais de um município do oeste paulista.

O paradigma teórico que orienta os procedimentos metodológicos da pesqui-sa tem como fundamentação estudos sobre a coordenação pedagógica, a organi-zação escolar, além da gestão escolar democrática (ALMEIDA, SOUZA, PLACCO, 2012; FERNANDES, 2008, 2009; GENTILINI, 2010; LIBÂNEO, 2013; SANDER, 1995; SCHNECKENBERG, 2000; entre outros) que visa atender as demandas que compreendem a melhoria da qualidade da escola pública, o fortalecimento da gestão escolar democrática em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei Federal nº 9.394/96 (BRASIL, 1996). Finalmen-te, tem o intuito de colaborar com a formação continuada de coordenadores pe-dagógicos, a partir de seus contextos de trabalho.

Assim, o eixo central da pesquisa aborda estudos sobre a temática da coorde-nação pedagógica e sua relação com a gestão escolar democrática, visando à in-terface com essas categorias e a ruptura entre a dicotomia teoria e prática, além de refletir sobre a qualidade e desenvolvimento das funções dos coordenadores, com o intuito de promover suas ações como membros da equipe gestora, e na melhoria não apenas do seu trabalho, mas também da organização escolar.

As atividades de pesquisa desenvolvidas foram delineadas em quatro dimen-sões articuladas, a saber:

1. Contato inicial da coordenadora da pesquisa e dos alunos bolsistas com os coordenadores pedagógicos, sujeitos da investigação, para apresentação da equipe e definição do cronograma de atividades de formação continuada, a partir do levantamento de suas expectativas e necessidades de formação.

2. Seleção de textos e elaboração das atividades e materiais didático-pedagó-gicos: considerando os objetivos da pesquisa, esforços foram empreendi-dos na seleção de textos e elaboração das atividades que são motivos de reflexão, análise e ressignificação pelos coordenadores pedagógicos do que foi estudado, a fim de elaborar novas possibilidades de trabalho em sua atuação junto à escola pública municipal de Educação Básica.

Nesta fase, as atividades de natureza teórico-práticas previstas aos alunos bolsistas (licenciatura em Pedagogia) foram orientadas e supervisionadas pela

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coordenadora da pesquisa e compreenderam reuniões quinzenais para avaliação das tarefas semanais (seleção de textos e atividades e elaboração de material di-dático-pedagógico), além da participação nos encontros com os coordenadores pedagógicos, sujeitos da pesquisa.

As atividades previstas na segunda dimensão tiveram como referências os pressupostos teóricos de formação e, também, a coleta de dados, por meio da apli-cação de questionário com os coordenadores pedagógicos, a partir de um roteiro de perguntas semiestruturado que contemplou dois temas cruciais: a) a organiza-ção escolar e a interface com a coordenação pedagógica: concepções e práticas de trabalho na escola pública e; b) as necessidades de formação continuada dos coor-denadores pedagógicos.

3. Revisão de literatura: atividade realizada durante o desenvolvimento da pesquisa, visando à articulação teoria-prática na melhoria da qualidade do ensino público municipal.

4. Formação inicial dos alunos bolsistas e dos professores coordenadores pedagógicos, das escolas parceiras da universidade, nesta pesquisa; estu-do teórico e análise de documentos legais sobre coordenação pedagógica à luz da interface com a organização escolar, por meio do desenvolvimento de pesquisa qualitativa; participação em eventos científicos voltados ao campo educacional, principalmente aqueles relacionados à formação de professores e gestão educacional.

Durante o desenvolvimento das dimensões da pesquisa pretendemos realizar teorizações progressivas em um processo interativo com a pesquisa bibliográfica e análise dos resultados da pesquisa empírica (segunda dimensão) conforme o referencial teórico adotado. Pretende-se seguir, portanto, as recomendações me-todológicas de Alves-Mazzotti e Gewansznajder (2002); André (1983); Biasoli--Alves e Dias-da-Silva (1992); e Brandão (2000).

Conforme o delineamento adotado na segunda dimensão dos procedimentos metodológicos de trabalho, formaram-se grupos com os coordenadores pedagó-gicos e aplicou-se um questionário para caracterização dos participantes e mape-amento das ações realizadas por eles em suas unidades escolares. Além disso, os coordenadores pedagógicos assinaram o termo de consentimento livre e esclare-cido, declarando a ciência e o conhecimento da utilização dos dados e informa-ções como fontes de pesquisa.

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O referencial teórico bem como a metodologia empregada na pesquisa estão viabilizando a realização de oficinas para analisar as tarefas inerentes à função de coordenação pedagógica nas escolas, além das dificuldades e desafios viven-ciados no cotidiano da organização escolar. Para tanto, considerando a importân-cia da gestão da educação e os desafios vivenciados no cotidiano das unidades escolares e a inserção dos coordenadores pedagógicos, sujeitos da pesquisa, de-finiu-se como prioridade formativa as seguintes temáticas:

• Levantamento da trajetória da coordenação pedagógica no Brasil e sua re-lação com a gestão escolar democrática.

• Delimitação do campo de atuação da coordenação pedagógica e análise de sua função.

• Organização de uma proposta coletiva de rotina de trabalho, mediante a socialização das dificuldades, desafios e experiências dos coordenadores pedagógicos.

As referidas atividades formativas visam proporcionar aos coordenadores pedagógicos um processo constante de aprender, repensar as suas práticas e de construir novos conhecimentos que podem colaborar como “condição para a aprendizagem permanente e para o desenvolvimento pessoal, cultural e profis-sional de professores e especialistas” (LIBÂNEO, 2013, p. 187).

Desta forma, espera-se que a pesquisa empírica sobre as necessidades de for-mação dos coordenadores pedagógicos mostre a sua utilidade para subsidiar a atribuição de novos significados à função coordenadora, além de criar possibi-lidades de concretização das ações da coordenação pedagógica à luz da gestão democrática em sua interface com a organização da escola.

A TRíADE: ORGANiZAÇÃO ESCOLAR, GESTÃO DEmOCRáTiCA

E COORDENAÇÃO PEDAGóGiCA

A Constituição Federal de 1988 e a atual LDB contribuem para a compreensão do coordenador pedagógico como membro da gestão escolar, na medida em que ele integra essa equipe e, sobretudo pelas leis assegurarem o princípio da gestão democrática do ensino público como novo tipo de organização escolar como consta nos artigos 3º e 14 da LDB:

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Art. 3º – O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:[...] VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino [...]Art. 14 – Os sistemas de ensino definirão as normas de gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com suas peculiaridades [...]. (BRASIL, 1996, p. 1-10)

A LDB apesar de institucionalizar a gestão democrática na escola como prin-cípio de organização escolar não tem a pretensão de aprofundá-la, pois só deter-mina que deve reger o ensino e define que os sistemas educativos devem estabe-lecer normas para desenvolvê-la nas escolas públicas de educação básica.

Entretanto, compreende-se que a LDB, ainda no Art. 14, parágrafo primeiro, ao mencionar como princípio “a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto político pedagógico da escola” (BRASIL, 1996, p. 10) insere todos os atores escolares, inclusive o coordenador pedagógico, no processo de organização escolar.

Ainda com reflexos das determinações legais, surgem, portanto, nas escolas brasileiras conforme afirma Fernandes (2008), novas possibilidades de organi-zação da gestão, mas a autora alerta para a falta de formação específica dos coor-denadores pedagógicos:

Assim, novos sujeitos passaram a atuar na gestão escolar, entre os quais se desta-ca o professor coordenador pedagógico [...]. Dos diretores e coordenadores pedagó-gicos sem uma formação pedagógica e política específica para a atuação nas escolas, é cobrada a articulação do coletivo, a elaboração de Projetos Políticos Pedagógicos, a formação de professores para os novos tempos, a resolução de problemas de ordem pedagógica e financeira, a pró-atividade, entre outras coisas. Tudo isso em um con-texto de autonomia decretada e de regulação por formas de controle determinadas externamente. (FERNANDES, 2008, p. 41-42)

Libâneo (2013) afirma que o ato de coordenar é um aspecto da direção e tem a responsabilidade de integrar, reunir esforços, liderar, articular coletivamente, além de viabilizar a convergência do esforço de cada membro de um grupo pre-tendendo atingir os objetivos pretendidos.

O autor afirma ainda que:

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No Brasil, difundiu-se bastante a ideia de que a direção e a coordenação pedagó-gica são formas diferenciadas de uma única função, a docente. Defendemos uma po-sição diferente. Tanto o diretor de escola quanto o coordenador pedagógico desempe-nham, cada um, funções específicas, que requerem formação profissional também específica, distinta daquela provida aos professores. Nesse caso, o diretor não precisa exercer nem ter exercido a docência, embora deva receber formação para lidar com questões de ensino. Em outras palavras, as funções de direção, coordenação pedagó-gica e docente não precisam coincidir necessariamente. (LIBÂNEO, 2013, p. 184, gri-fos nossos)

Concordamos com o autor quando ele afirma que as funções de direção e co-ordenação pedagógica requerem formação profissional específica distinta daque-la destinada aos professores, no entanto é polêmica a colocação de que o diretor não precisa exercer nem ter exercido a docência, embora deva receber formação para lidar com questões de ensino. Sobre essa questão específica, retomaremos a discussão após a conclusão da pesquisa, já que teremos, inclusive, mais elemen-tos de pesquisa, para nos posicionar.

A gestão escolar não é uma prática simplesmente administrativa, mas educa-cional (LIBÂNEO, 2013) e, neste sentido, o aspecto educacional torna-se relevan-te, pois requer uma aperfeiçoada formação profissional que, no entender deste projeto, compreende-se como formação inicial e, sobretudo continuada, ou seja, constante atualização de acordo com as necessidades atuais de seu local de tra-balho que nem sempre coincidem com a sua formação inicial.

Por conseguinte, as estruturas administrativas asseguram, praticamente, a lo-cação e a gestão de recursos humanos, físicos e financeiros enquanto as pedagó-gicas que, teoricamente determinam a ação das administrativas, organizam as funções educativas, referindo-se, fundamentalmente, às interações políticas, às questões do processo de ensino e aprendizagem e ao currículo.

Observa-se que a gestão democrática na escola ainda está em vias de sua con-solidação e, consequentemente, a mudança de paradigma da coordenação peda-gógica e de organização escolar não tem ainda seu lugar definido. Justifica-se, então, a formação continuada de seus especialistas envolvidos, tendo em vista também certa contraposição com o modelo tradicional de gestão que é baseado na concepção taylorista que tem a realidade como algo estável e homogêneo, além das relações humanas serem impessoais e baseadas em normas burocráti-

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cas e de que o “diretor assume o papel central na determinação dos passos da educação escolar” (CONTI; RISCAL; SANTOS, 2012, p. 97).

É importante mencionar que Leão (1945), Querino Ribeiro (1986), Lourenço Filho (2007) e Anísio Teixeira (1961, 1964, 1997) contribuíram com os primei-ros escritos no campo da administração escolar que segundo Sander (1995, p. 14) – ao realizar uma análise dos modelos que orientaram a produção do conhecimento da área da Administração Escolar, são os pioneiros na área, mas fazem parte do “enfoque tecnocrático” de administração, tendo em vista a admi-nistração pública das décadas de 1930 a 1960. Ressaltamos, porém, que Anísio Teixeira (1961, 1964, 1997) ainda que contemporâneo a esses estudiosos, é o único a anunciar, de certa forma, a ausência de uma administração escolar nas escolas públicas e, com isso, delimitar o papel do administrador de escolas.

Segundo Rescia e Gentilini (2014), até meados dos anos 1980, tradicional-mente, o processo de administração escolar desenvolvido no âmbito escolar ba-seou-se numa concepção derivada do paradigma racional positivista e dos mode-los racional-compreensivos de planejamento e mostrou-se como um modelo altamente verticalizado nas relações entre os agentes dos processos político-pe-dagógicos, tomadores de decisão, dirigentes e administradores nas localidades e nas escolas fortalecendo posturas de dominação presente em muitos processos e fazendo da organização da educação, um campo ainda afetado por relações pes-soais e clientelismos políticos.

Oposta ao modelo tradicional de administração escolar que ainda não foi completamente superado na prática, a perspectiva de gestão escolar democráti-ca – surgida com o período de abertura política (redemocratização) no Brasil e preconizada pela Constituição Federal e LDB e, também, com as reformas educa-cionais, o poder de fato se situa na divisão de responsabilidades e não em níveis hierárquicos, fato que pode garantir às relações sociais e humanas, aspectos não coercitivos, uma vez que as decisões e a realidade educacional são construídas coletivamente, valorizam as relações horizontais e estas se encontram, predomi-nantemente, nas instâncias locais dos sistemas de educação – municípios e esco-las (RESCIA; GENTILINI; 2014).

Portanto, entendemos que os pressupostos democráticos podem, inclusive, considerar a formação continuada do coordenador pedagógico como inerente à gestão escolar por entendê-la como contribuição à “partilha do poder e partici-

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pação no processo de tomada de decisão que diz respeito aos objetivos da escola e às formas de alcançá-los” (SCHNECKENBERG, 2000, p. 120).

A gestão escolar democrática implica em mais do que simples mudanças nas estruturas organizacionais; requer mudança de paradigmas que fundamentem a construção de uma proposta educacional e o desenvolvimento de uma gestão diferente da vivenciada tradicionalmente. Ela precisa estar para além dos pa-drões vigentes, comumente desenvolvidos pelas organizações burocráticas (RES-CIA; GENTILINI, 2014).

Essa nova forma de organizar a educação constitui-se num fazer coletivo, permanentemente em processo de mudança contínua, baseada em concepções e práticas de organização e gestão da escola, nos quais, por sua vez, fundamen-tam a concepção de qualidade da educação e que podem definir, também, a sua finalidade.

A organização e o funcionamento democrático das escolas configuram-se como um grande desafio para os gestores, entre eles, os coordenadores pedagó-gicos, que necessitam, na maioria das vezes, ressignificar suas concepções teóri-cas e práticas de trabalho, passando a ser concebidos sob o prisma de reconhecer a importância da participação de todos os atores na organização e no planeja-mento do trabalho da escola.

Para tanto, o conceito de gestão deve estar associado ao fortalecimento da democratização no processo pedagógico, à participação dos atores escolares nas decisões e na sua efetivação, mediante compromisso coletivo (GENTILINI, 2010).

A equipe gestora ao se ater a uma prática integradora e democrática parte de um conjunto de competências específicas em que cada um dos especialistas da escola, dentre os quais o coordenador pedagógico, busca atender aos objetivos da escola, partindo do enfrentamento de situações complexas no campo da edu-cação, tais como: propor e coordenar atividades de formação continuada dos professores; assegurar a unidade de ação pedagógica da escola e troca de expe-riências com os demais membros da equipe gestora.

Cabe salientar que dada a delimitação por ora estabelecida para o coordena-dor pedagógico, entende-se que não é pertinente assumir encargo de natureza demasiadamente diversificada para a sua própria identidade profissional, mes-mo porque o exercício de diferentes atividades cotidianas, além de sobrecarre- ga-lo, não sinaliza a sua especificidade profissional.

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Almeida, Souza e Placco (2012) afirmam que a excessiva carga de atribuições constantes na legislação, além das solicitações do diretor, professores, órgãos do sistema de ensino, alunos e pais, interferem, de modo incisivo, na atuação do que seria inerentemente específico do coordenador pedagógico porque ele reconhe-ce que as mesmas são importantes e no cotidiano escolar acaba realizando o que tem de imediato.

O coordenador pedagógico tem de atender às demandas do cotidiano, do diretor, de professores, de pais e alunos, e sua possibilidade de sobreviver na função é dada pela apropriação do discurso dominante, visto que, tanto pela escola quanto pelo sistema, não é aceito que ele se vincule apenas às questões históricas ou às trajetó-rias de experiência profissional, mas também às questões teóricas atuais sobre o que a escola dever ser e fazer. (ALMEIDA; SOUZA; PLACCO, 2012, p. 766)

A coordenação pedagógica, a partir da perspectiva democrática, assume certa ressignificação a partir do momento em que a escola passa do modelo tradicional para o democrático e, desta forma, ganha relevância enquanto uma organização que também aprende.

Neste sentido, a coordenação pedagógica passa a ter um papel fundamental, ou seja, o de realizar ações voltadas para objetivos coletivamente estabelecidos e de articular, juntamente com os demais membros da equipe gestora, o trabalho pedagógico-curricular.

Libâneo (2013) apresenta um conjunto de atribuições específicas ao coorde-nador pedagógico que consiste em:

• Promover a formação continuada em serviço, objetivando mudanças nas práticas pedagógicas.

• Subsidiar e organizar a reflexão dos professores (opções pedagógicas e dificuldades).

• Favorecer a tomada de consciência dos professores sobre suas ações e contexto escolar.

• Estimular a tomada de decisão.• Promover a constante retomada da atividade reflexiva readequando e

aperfeiçoando as medidas implementadas.• Colaborar com o desenvolvimento profissional dos professores.

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• Incentivar e participar da construção do projeto político pedagógico.• Orientar os professores sobre os referenciais teóricos defendidos pelo sis-

tema de ensino a que estão submetidos.• Desenvolver e analisar os referenciais de desempenho escolar e colaborar

com a ampliação da articulação escola e comunidade.

Porém, com base em pesquisas realizadas, Fernandes (2009, p. 418-419) afir-ma que:

[...] há uma nuclearidade da função [...] na promoção e no desenvolvimento de traba-lhos coletivos nas escolas. Também [...] não há nas escolas públicas uma tradição na formação de grupos de estudos e de reflexão e menos ainda na tomada de decisões democráticas. Nesse sentido as pesquisas indicaram que era necessário muita habi-lidade do coordenador para estabelecer vínculos com os professores, ganhar a con-fiança do grupo e propor mudanças [...].

Pressupõe-se, portanto, que o conhecimento e a reflexão sobre as práticas que reinventam criativamente o cotidiano escolar são importantes para dar sen-tido e significado aos saberes existentes nas próprias unidades, o que auxilia no processo de consolidação de identidade dos coordenadores pedagógicos com a escola e com a sua profissão, especialmente se há a intencionalidade do desen-volvimento de uma escola mais democrática e, desde que seja possível a viabili-zar o trabalho coletivo.

Neste sentido, a formação continuada parece ser uma alternativa importante, além da tríade organização escolar, gestão democrática e coordenação pedagógi-ca ser essencial em prol de contribuições para a melhoria da qualidade da escola pública.

CONSiDERAÇÕES FiNAiS

Os resultados preliminares sinalizam que o projeto está colaborando para a melhoria da organização escolar e do trabalho dos coordenadores pedagógicos vinculados ao município parceiro e a primeira dimensão da pesquisa possibilitou a construção dos pressupostos de formação dos coordenadores pedagógicos, ou seja, o seu “perfil”, tendo em vista as necessidades de formação e de ação na organização da escola, na gestão democrática e na busca pela qualidade do pro-

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cesso de ensino e aprendizagem, o que implica como sua função prioritária a formação continuada dos professores das escolas, ou seja, a sua profissionaliza-ção (CUNHA, 1999).

Neste sentido, a coordenação pedagógica contribui para a organização esco-lar, além de ter como um de seus objetivos a organização pedagógico-didática que assegure a todos o direito de aprender com uma condição ideal de qualidade.

Somente com estruturas gestoras fortalecidas, as escolas podem consolidar princípios, métodos, práticas e relações de gestão tanto eficientes como demo-cráticas. Esse fortalecimento possibilita uma nova relação de poder dentro das unidades escolares, sendo essencial para a construção de um projeto escolar comprometido com a qualidade de ensino e com a formação do cidadão.

Entende-se, porém, que o modelo paradigmático tradicional de gestão ainda subsiste, principalmente devido aos entraves políticos, burocráticos e orçamen-tários que têm dificultado o alcance da efetiva autonomia dos entes federativos, sobretudo, os municípios na gestão de seus sistemas de ensino, dentro de suas realidades e necessidades de educação. Entende-se, igualmente, que isso reflete na escola, nos professores e no trabalho da equipe gestora, entre eles, no coorde-nador pedagógico a quem compete proporcionar o suporte teórico-prático para os demais professores da escola, dentro dos novos paradigmas de gestão pedagó-gica e de organização escolar em um contexto mais democrático (RESCIA, 2014).

Por isso é que não se pode deixar de ressaltar a importância da formação con-tinuada para o coordenador pedagógico, em razão das desejadas mudanças na qualidade de ensino, o que se faz necessário reconhecer a importância desse pro-fissional ao ter que realizar o seu trabalho. Portanto, de acordo com o paradigma emergente, o coordenador pedagógico deve ser entendido como um membro da equipe gestora escolar, com a especificidade formativa, além de compreender a partir do paradigma emergente de gestão que o coordenador pedagógico deve ser entendido como um membro da equipe gestora escolar com especificidade formativa.

Entende-se, portanto, que a parceria entre as escolas públicas municipais e/ou municípios e a universidade, por meio de cursos de formação e projetos de extensão possa contribuir para o fortalecimento do trabalho colaborativo e for-mativo dos diferentes atores que compõem os espaços escolares, já que as inicia-tivas de formação em âmbito municipal ainda ocorrem isoladamente, e não aten-

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dem, efetivamente, às necessidades de organização e, consequentemente, de desenvolvimento das unidades escolares e de seus gestores.

REFERêNCiAS

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ANDRÉ, M. E. D. A. Textos, contextos e significados: algumas questões na análise de dados qualitativos. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, 45, p. 66-70, maio 1983.

BIASOLI-ALVES, Z. M. M.; DIAS-DA-SILVA, M. H. G. F. Análise qualitativa de dados de en-trevista: uma proposta. Paidéia, Ribeirão Preto, 2, p. 61-69, fev./jul. 1992.

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Créditos

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10EDuCAÇÃO ALimENTAR E NuTRiCiONAL: RODA DE CONVERSAS Em TORNO DA CuLTuRA ALimENTAR BRASiLEiRA

Antonio Carlos Barbosa da SilvaFaculdade de Ciências e Letras/Unesp/Assis

marina Coimbra Casadei Barbosa da SilvaFaculdade de Filosofia e Ciências/Unesp/marília

Resumo: O presente artigo apresenta uma atividade em educação alimentar e nutricional (EAN) no campo das políticas públicas de alimentação brasileira e foi desenvolvida em uma escola pública. A intervenção foi promovida pela Prograd – Núcleo de Ensino da Unesp de Assis e pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/CNPq/Sesan – Pro-cesso 407514/2012-0. A preocupação do trabalho foi salvaguardar a cultura e história que adorna a alimentação brasileira e apresentá-la aos estudantes de ensino médio de uma es-cola pública como elemento constituinte da identidade cultural e social do Brasil. Através de respaldos da educação crítica e da psicologia histórico-cultural e sócio-histórico subsi-diou-se rodas de conversa e oficinas de culinária a respeito da alimentação brasileira junto a três grupos abertos de alunos entre nove e treze anos. O trabalho demonstrou que educa-ção alimentar e nutricional é uma ação que pode prover: a saúde nutricional da população; possibilitar a reflexão sobre o comportamento alimentar, que atualmente é moldado pela indústria alimentar; valorizar as tradições alimentares; diminuir a preferência por alimen-tos ultraprocessados, calóricos, energéticos e prejudiciais à saúde.

Palavras-chave: Educação alimentar e nutricional; cultura; alimentos ultraprocessados.

iNTRODuÇÃO

As políticas nacionais de alimentação e nutrição (PNAN) existem no Brasil desde 1930 e se transformaram ao longo de seus 86 anos de existência. De uma política inicial voltada para equacionar as dificuldades na distribuição de alimen-tos em um país com dimensões continentais tornou-se na última década em uma política que defende o respeito, a proteção, a promoção e o provimento dos direi-tos humanos à saúde e à alimentação junto à população brasileira. (BELIK, 2001).

A PNAN de 2013 aponta o aumento de várias doenças crônicas degenerativas decorrentes dos hábitos alimentares da população ocorridos nos últimos vinte

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anos, principalmente aqueles relacionados ao consumo excessivo de alimentos industrializados e ultraprocessados.

Para solucionar essa questão a PNAN 2013 reafirmou como propósito a me-lhoria das condições de alimentação, nutrição e saúde da população brasileira.

Para que essas práticas fossem desenvolvidas, a educação alimentação e nu-tricional (EAN) foi uma estratégia a ser defendida e postulada, principalmente, junto a estudantes de escolas públicas. (BRASIL, 2013). A EAN incentiva a cria-ção de ambientes institucionais promotores de alimentação adequada e saudá-vel, que fazem parte da cultura alimentar brasileira, incidindo sobre a oferta de alimentos saudáveis nas escolas e nos ambientes domésticos (ALVES E JAIME, 2014).

A PNAN de 2013, ao apontar a EAN como estratégia para favorecer a cons-ciência sobre a cultura alimentar e, consequentemente, melhorar a saúde nu-tricional dos brasileiros, também atribui aos educadores de diversos setores a responsabilidade em orientar as crianças de forma crítica sobre o ato de alimen-tar-se a partir dos diversos sistemas culturais, local, regional e nacional.

Portanto, a EAN é um dos caminhos existentes para a promoção da saúde, que leva a população a refletir sobre o seu comportamento alimentar a partir da conscientização sobre a importância da alimentação para a saúde, permitindo a transformação e o resgate dos hábitos alimentares tradicionais.

De certa forma, quem trabalha em EAN, além de associá-la a uma educação para a saúde, deve focar suas questões educativas de forma crítica e transforma-dora. Para Boog (1997) um trabalho viável e crítico na promoção da EAN valori-zam e resgatam elementos da cultura alimentar, respeitando e modificando cren-ças e atitudes em relação à alimentação. Outros componentes pertencentes ao contexto cultural, social, econômico e ecológico que envolva a alimentação de-vem ser também analisados, fazendo com que crenças e valores da população em relação à nutrição sejam refletidos e aprofundados.

CuLTuRA ALimENTAR BRASiLEiRA

A cultura alimentar brasileira engloba a cultura original de populações nati-vas, assim como um vasto número de tradições, como a africana, portuguesa, espanhola, alemã, francesa, holandesa entre outras. Muitos alimentos típicos

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brasileiros são bem conhecidos, como por exemplo, açaí, guaraná, mangaba, mandioca, castanha do Pará. No entanto, existem muitos outros alimentos nutri-tivos e saborosos originais ou introduzidos há longas datas (aves, caprinos, arroz vermelho, amêndoas de cocos etc.) que eram apreciados e faziam parte das refei-ções familiares, mas que foram, aos poucos, esquecidos ou desvalorizados. Entre as principais razões do abandono gradual desses alimentos está o fato de as pes-soas migrarem para as cidades grandes, viverem sob a égide de uma sociedade que valoriza a celeridade e dispõe de menos tempo para se dedicar a arte da co-zinha, além do consumo excessivo de alimentos industrializados, disfuncionais e calóricos, os quais dão rápida saciedade e têm baixo custo. Dessa forma, o acesso aos alimentos, na sociedade moderna, predominantemente urbana, é determina-do pela estrutura socioeconômica e pelo estilo de vida célere, individual e consu-mista da sociedade contemporânea.

Segundo Garcia (2003), a uniformização de certas práticas e do comporta-mento alimentar facilitou as mudanças na alimentação que tem sido cada dia mais incorporado como parte do modo de vida operante. Pressionadas pelo po-derio aquisitivo, pela publicidade e praticidade, as práticas alimentares se torna-ram permeáveis às mudanças, representadas pela incorporação de novos ali-mentos, formas de compra, preparo e consumo, sendo que atualmente há vasta gama de comidas que necessitam apenas serem descongeladas, as comidas do tipo fast food, e os ultraprocessados. Contudo, é possível que haja resistência por parte das pessoas em aderirem esse tipo de padrão alimentar se realizarmos ações educativas da cultura alimentar, da consolidação das boas práticas alimen-tares e valorização do símbolo dos alimentos e comidas nacionais.

Para Dória (2002) a culinária brasileira, composta pelas culturas indígenas e pelas heranças negra e ocidental ibérica, são por analogia, três línguas diferen-tes, três sistemas culinários irredutíveis uns aos outros que, apesar de estar pre-sente no repertório culinário brasileiro nos últimos 500 anos, ainda não foi totalmente incorporado à identidade da sociedade.

Talvez isso ocorra pela falta de interesse das elites dominantes, cujos olhares sempre se voltaram para a Europa e, mais recentemente, para os Estados Unidos, em uma perspectiva de imitação, reservando desprezo por aquilo que é nativo (DÓRIA, 2002).

Este suposto caráter permeável da cultura resultaria em uma capacidade de importar novas práticas e gostos, de gerar novas demandas, de assumir pronta-

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mente mudanças no modo de vida e de abandonar aqueles costumes e práticas que conformam uma identidade própria. Sejam quais forem às explicações para as mudanças sofridas nas práticas alimentares, é certo que elas engendram um novo padrão alimentar. No mesmo sentido, observa-se que as novas políticas pú-blicas de alimentação no Brasil evidenciam essa preocupante questão:

É mais do que à hora de resgatar os usos destes alimentos ricos em vitaminas e minerais para reverter quadros clínicos de deficiências nutricionais, diminuindo o risco de infecções, principalmente em crianças. Assim, conhecendo os alimentos de sua região e sabendo os que são seguros e que contém boas fontes de nutrientes o sujeito se capacita a escolher de forma mais consciente a comida. O conhecimento, a valorização, a produção e a utilização dos alimentos regionais na comunidade en-coraja o orgulho e a auto-suficiência da mesma, colaborando para a melhoria da eco-nomia local e da qualidade de vida. (BRASIL, 2002, p. 10)

Para Rodrigues e Fiates (2012), as crianças, que por ser uma camada da po-pulação mais frágil diante do estilo de vida consumista da contemporaneidade e das artimanhas sedutoras da indústria alimentícia e marqueteira são as que mais têm seus hábitos alimentares padronizados pelo consumo excessivo de alimen-tos ultraprocessados.

Esses hábitos são contaminados por produtos menos nutritivos (guloseimas e salgadinhos em pacotes) já que eles estão cada vez mais baratos, sempre dispo-níveis nas prateleiras dos supermercados, são altamente palatáveis, atrativos na apresentação e potencializados pelo grande número de propagandas televisivas que os cercam.

Além disso, o fortalecimento de uma alimentação com base em alimentos ul-traprocessados ou industrializados aniquila qualquer possibilidade da criança vir a ter contato mais profundo com a história de sua cultura alimentar, impossi-bilitando-a em participar de um processo cultural que envolve aprendizagens e transformações cognitivas e sociais (o simples ato de cozinhar envolve diversos saberes – escolhas, tempo de cozedura, combinações de alimentos, limpeza etc. – e encontros dialógicos – discussão sobre origem dos alimentos, receitas, troca de informações etc.). Sem esse tipo de vivência a criança fica à mercê das imposi-ções da sociedade consumista.

Na era contemporânea a comida parece sofrer as imposições de um campo de força que tem no modelo da globalização e do neoliberalismo seus exemplos. Assim,

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o alimento que pode ser reproduzido exatamente em formato, sabor, textura e cor nas mais diferentes e longínquas regiões do planeta, o alimento feito do modo mais rápido, que proporciona prazer e adequação nutricional serão os mais valorizados. Portanto, no mundo atual, marcado pela velocidade, pela produção excessiva e so-bressalente de produtos, não valoriza os rituais que envolvem o ato de comer. A falta de tempo do mundo contemporâneo levou o sistema neoliberal desenvolver todo um mercado de alimentos semi-prontos, congelados, práticos, individualizantes etc. (SILVA, 2015, p. 250)

Para Valente (2002), a retomada dos processos históricos e sociais que estão por trás da nutrição e o possível fortalecimento dos movimentos educativos po-pulares na reivindicação de uma alimentação mais consciente e saudável, deixam as ações em EAN mais críticas em relação à fluidez incessante que domina a so-ciedade contemporânea e capacita o sujeito a planejar um estilo de vida a partir de uma alimentação mais saudável.

Michael Pollan (2014), jornalista e ativista político e ecológico, defende que talvez a única forma do sujeito contemporâneo enfrentar a indústria alimentar e seus malefícios sejam resgatando antigos hábitos alimentares culturais que evi-denciam o preparo caseiro da comida e quando possível.

As propostas das ações em EAN que contam com os princípios de uma educa-ção crítica possibilitam ao sujeito encontrar condições para descobrir-se e con-quistar-se em sua própria história e ser capaz de sozinho controlar seus proble-mas, após o diálogo com os educadores.

A educação crítica deve transformar a dependência dos sujeitos sobre os edu-cadores em independência, com reflexão e ação, através da conscientização dos mesmos. É preciso que os sujeitos tomem consciência de sua realidade para de-pois transformá-la. Vale à pena, então, pensar a condição atual do sistema ali-mentar operante, debatê-lo, redefini-lo e desenvolver novas formas de estabele-cer uma alimentação saudável, histórica e cultural.

A educação crítica implica em um constante esclarecimento da realidade, re-sultando na inserção reflexiva na realidade dos sujeitos e na negação do homem abstrato, isolado, desligado do mundo.

A descrição que se apresenta a seguir diz respeito às práticas educativas em EAN junto a crianças de uma escola pública da cidade de Assis em São Paulo. As práticas desenvolvem o diálogo e a reflexão com crianças. As ações centram-se na

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adoção de hábitos alimentares saudáveis, críticos e culturais com a intenção de possibilitar um encontro criativo com a história da alimentação, além de muni-ciar as crianças com informações a respeito da composição física e subjetiva dos alimentos ultraprocessados.

Os objetivos gerais que nortearam as ações foram: pensar nos elementos cul-turais que configuram a comida brasileira; refletir sobre a importância da alimen-tação saudável e nutricionalmente adequada; criticar a alimentação baseada em alimentos ultraprocessados; e esclarecer as possíveis doenças que podem desen-volver a partir do consumo excessivo de alimentos disfuncionais (junk food).

mETODOLOGiA

O trabalho foi estruturado metodologicamente de forma a construir espaços dialógicos de reflexão na escola no qual poderiam ser realizadas as ações em EAN. Esses espaços aguçaram nos alunos indagações e reformulações a respeito dos processos que levaram os sujeitos a consumirem sem crítica alimentos industria-lizados que além de atentarem contra a saúde os afastavam da cultura alimentar de seu país. Nesses espaços a técnica das rodas de conversa foi utilizada.

Nesses tipos de ações participativas foram priorizadas discussões em torno da temática alimentar e, no processo dialógico, os sujeitos apresentam suas elabora-ções a respeito da alimentação, mesmo contraditórias, sendo que cada pessoa instigou a outra a falar, sendo possível se posicionar e ouvir o posicionamento do outro. Esse diálogo compartilhado permitiu que as histórias dos sujeitos em rela-ção às práticas alimentares fossem re-significados. Para auxiliá-las nesse proces-so as chamadas intervenções grupais em psicologia foram utilizadas (discussões coordenadas pela equipe com grupos de alunos do ensino médio) com respaldos teóricos das psicologias críticas (histórico-cultural, sócio-histórico e psicologia social crítica) e práticos (dinâmicas e oficinas de culinárias que levaram os parti-cipantes a refletir sobre as demandas em torno da alimentação brasileira).

Durante o ano letivo de 2015 desenvolveu-se atividades de EAN com três gru-pos abertos com cerca de dez a vinte alunos cada com idade entre nove a treze anos de uma escola pública de Assis-SP. As intervenções ocorrem a cada quinze dias. Foram desenvolvidas cerca de dez intervenções. As oficinas foram dividas em rodas de conversas sobre as práticas alimentares contemporâneas; em rodas de conversas sobre a cultura alimentar tradicional brasileira; e em oficinas práti-

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cas reflexivas sobre o preparo de comidas brasileiras típicas. Como eram grupos abertos um mesmo estudante participava de uma ou mais oficina. A oficina de culinária, entretanto, contava com cerca de 20 participantes, pois tinha como atrativo a degustação das comidas que eram preparadas durante a mesma.

O projeto para ser desenvolvido na escola teve a autorização da direção da Escola e dos pais dos participantes.

A equipe que desenvolveu as atividades (rodas de conversas e culinária) con-tou com o coordenador do projeto (professor de Psicologia), uma pesquisadora em Educação (bolsista CNPq /MDS/Sesan), quatro alunos de Psicologia, sendo dois bolsistas da Prograd e dois bolsista da CNPq/MDS/Sesan e um estagiário de Nutrição (bolsista CNPq /MDS/Sesan).

RESuLTADOS E DiSCuSSÕES

As oficinas tiveram a intenção de estabelecer uma EAN que através do debate informasse e conscientizasse os sujeitos a respeito dos elementos históricos, nu-tritivos, ideológicos, econômicos que podem estar por trás das práticas alimenta-res que fazem parte da cultura brasileira.

O grupo desenvolveu as atividades a cada quinze dias nas salas de aula, no pátio ou na cozinha da escola.

Rodas de conversas – práticas alimentares contemporâneas

Nessa oficina, as discussões centraram-se em analisar os alimentos industria-lizados e como eles fazem parte do cotidiano alimentar da população. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2014 o consu-mo de alimentos industrializados representou cerca de 85% do consumo brasi-leiro contra apenas 15% dos produtos in natura. Pode-se afirmar que a indústria alimentar tem um papel relevante sobre a prática alimentar atual do brasileiro.

O grupo estudou e debateu a composição de alguns alimentos industrializa-dos (biscoitos, doces achocolatados, salgadinhos em pacote à base de milho e batatas fritas empacotadas) com enfoque para a quantidade de açúcares, gordu-ras, sais e aditivos químicos que há nesses alimentos. Além, de investigar os pos-síveis malefícios que uma dieta com excesso desses alimentos causa ao organis-mo das pessoas.

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Esses debates reforçaram o diálogo em torno dos ingredientes que estão mas-carados em diversos alimentos industrializados. Sob nomes científicos, de difícil compreensão para a maioria da população, esses ingredientes escondem a quan-tidade de açúcares que há nos alimentos industrializados. Sob o nome de malto-dextrina, frutose, dextrose, xilose, néctar, maltose, xarope de milho etc tentam escondem sua real descrição – glicose. A quantidade de sal também é mascarada a partir da nomenclatura cloreto de sódio, conservantes. As gorduras trans são mascaradas pelas nomenclaturas gorduras vegetais hidrogenadas.

Para incrementar o debate utilizou-se como recursos diversos recortes de documentários que debatem tais questões (Além do Peso, Comida S.A., Fed Up, Super Size Me). Esse tipo de ação é de estrema importância, pois há poucas cam-panhas educativas governamentais que informam corretamente os ingredientes que há nos alimentos ultraprocessados.

Em outro debate proveniente desse tipo de atividade analisou-se a composi-ção dos sucos em embalagens de longa duração. A maioria desses sucos não apresenta nenhum ingrediente in natura, apesar da descrição em sua embalagem mascarar seus reais ingredientes dando a impressão de que há um suco natural nesse produto.

Outro assunto abordado foi como o organismo reage diante do consumo ex-cessivo de produtos ultraprocessados à base de açúcar. Para ilustrar esse debate apresentou-se um episódio do seriado televisivo animado mundialmente conhe-cido Simpsons (animação que está na programação da TV desde 1989), foi apre-sentado e trabalhado junto ao grupo. No episódio o personagem Bart fica depen-dente de açúcar ao comer excessivamente produtos industrializados. O enredo do desenho é crítico ao assinalar os efeitos negativos do excesso de açúcar no organismo. Os debates que se seguiram com essa atividade destacaram o descon-trole que envolve o consumo excessivo de alguns ingredientes enérgicos e como esses são ocultados e mascarados nos rótulos dos alimentos industrializados. Como se abordou anteriormente a indústria alimentícia tem como estratégia di-ficultar a compreensão do consumidor a respeito dos verdadeiros ingredientes que há em seus produtos. Avaliza-se que se o sujeito tem clareza sobre o que poderá consumir tenderá a fazer uma escolha mais consciente.

Aqui vale a pena apontar que em uma sociedade célere, tecnológica, o tempo para comprar, encontrar alimentos in natura se torna uma tarefa árdua. Dentre

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os alimentos de um supermercado 90% contém algum aditivo químico e a maio-ria é feito a base de farináceos refinados a base de soja, trigo e milho (CARREI-RO, 2007).

Rodas de conversas – cultura alimentar tradicional brasileira

Essas oficinas foram desenvolvidas a partir de temas alimentares brasileiros e discutidas em salas de aulas ou no pátio da escola. Cada tema foi trabalhado em dois encontros ou três encontros. Os grupos eram convidados a debater sobre tema que a equipe do projeto levou previamente. Para ilustra essa roda de con-versas, abaixo se apresenta alguns desses debates:

Debate: o início da culinária brasileira

Desenvolveu-se um debate em relação a influência da culinária lusitana em nossa cultura, com destaque para a doçaria brasileira. Os doces de amendoim, frutas diversas, castanhas, cocos que durante muito tempo foram preparados de forma artesanal em tachos sobre o fogão à lenha para servir de sobremesa, hoje são produzidos pela indústria alimentícia e consumidos a qualquer hora do dia. Aqui ocorre o que Poulain (2013) chamou de dessocialização da comida na era contemporânea. A comida industrializada não tem alma, história, nem constrói identidades. Essa comida não vem com regras implícitas e nem com códigos so-ciais. O doce feito na cozinha artesanal tem todo um significado simbólico que representa a cultura aprendida de um povo.

Para resgatar esse aspecto histórico do doce foi mostrado aos estudantes que este alimento só era feito em ocasiões especiais, principalmente, por causa do valor econômico do açúcar. Há evidências que no século XVI, já havia uma produ-ção de açúcar que se pagava imposto à Alfândega de Portugal (FREYRE, 2004).

Em outros momentos o doce teve um papel social relevante. A rapadura foi um doce criado a partir da raspagem das camadas de açúcar que ficavam presas às paredes dos tachos utilizados para fabricação de açúcar, então, era aquecido e colocado em fôrmas semelhantes às de tijolos. Uma solução prática de transporte de alimento em pequena quantidade para uso individual, que resistia durante meses às mudanças atmosféricas. Chegou ao Brasil em 1532 e serviu como ração para os escravos por possuir muitos nutrientes e ser altamente energético. A ra-padura ainda hoje é consumida como alimento base em diversas regiões perifé-

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ricas do país, onde a industrialização ainda não controlou totalmente as práticas alimentares.

Foi interessante verificar que poucos estudantes conheciam o doce de rapa-dura que de certa forma carrega junto ele a história e a uma parte da cultura brasileira.

Outro alimento que tem papel importante na culinária brasileira é a farinha de milho, mais especificamente o fubá. O Fubá é uma palavra herdada do código africano para nomear a farinha de milho. No período da colonização, os portu-gueses foram os maiores responsáveis por uma intensa produção de farinha de milho. A farinha de milho serviu para preparar a papa que também foi uma ali-mentação típica dos escravos. Os negros resistiam e criavam novas receitas a par-tir da insossa papa. Associam a farinha de milho, ao açúcar, ovos e leite de coco que em algumas datas específicas (comemorações dos brancos) eram doadas a eles. Com esses ingredientes, faziam da dura e amarga papa diária uma comida saborosa, sedutora que dava esperança de que em breve surgiriam dias mais do-ces. Tal bolo, ainda hoje, servido à tarde junto com café, no Brasil, representando a tardes amenas. Nesse exemplo simplório resgata-se o passado do Brasil, tra-zendo movimento e questionamento na engrenagem histórica do brasileiro (CASCUDO, 1983; FREYRE, 2004).

O básico ato de preparar um bolo, muito comum nas festas juninas, mostra como o povo brasileiro incorpora as receitas e a utiliza para evocar elementos subjetivos. Tais receitas fazem florescer e vivenciar memórias coletivas que bus-cam espreitar na comida, a rede de teias simbólicas.

A memória é a imaginação no povo, mantida e comunicável pela tradição, movi-mentando as culturas convergidas para o uso, através do tempo. Essas culturas cons-tituem quase a civilização nos grupos humanos. (CASCUDO, 1983, p. 9)

O doce de canjica, também presente nas festas juninas, por exemplo, é outra comida construída pelos escravos negros e foi o alimento mais comum nos qui-lombos e senzalas, para depois ser difundido por todo o país e adquirir formata-ções diferentes em cada região, passando a ser considerado um ingrediente típi-co para diversos pratos brasileiros.

Em suma as discussões surgidas nas oficinas caminharam no sentido de pon-tuar a importância de não deixar as receitas antigas e suas histórias de origem

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desaparecer. São as receitas dos nossos antepassados que servem como resistên-cia, na contramão da indústria alimentícia, que criam identidades e nos dão sen-tidos enquanto povo.

Debate: Diversidade alimentar brasileira

Aqui os debates caminharam no sentido de mostrar que o Brasil possui rica diversidade cultural no campo das práticas alimentares, entretanto, ao ceder aos apelos da universalização do mundo globalizado fica a mercê do poderio econô-mico de suas aglomerações empresariais e industriais. Sendo que essas últimas ditam o ritmo de alimentação contemporânea.

Segundo Carreiro (2007), as células do organismo humano necessitam de no mínimo de cerca de quarenta e quatro tipos diferentes nutrientes para sobrevi-ver. Somente uma alimentação base diversificada, tal como era feita antigamente no Brasil, onde se consumia legumes, arroz, feijão, saladas, castanhas, cereais integrais, frutas, tubérculos, farinha de milho, araruta, carnes etc., faria o organis-mo funcionar de forma adequada. Esse tipo de alimentação não tem espaço na sociedade contemporânea, onde os aglomerados industriais internacionais di-tam e mudam os hábitos alimentares dos brasileiros oferecendo à população bra-sileira alimentos a base de trigo, leite, milho, açúcar e soja.

Como já foi apontado anteriormente, o consumo de alimentos industrializa-dos representa cerca de 85% do consumo brasileiro contra apenas 15% dos pro-dutos in natura. Portanto, resgatar a cultura alimentar é combater o domínio da indústria sobre as práticas alimentares da população, fortalecer a alimentação regional e agir em pró da saúde.

Debate: comida que sustenta tem história e sabor

Em um dos debates aprofundou-se no debate e na reafirmação das culinárias tradicionais, provenientes dos encontros étnicos que ocorreram no Brasil, que ajudaram a fundar a identidade brasileira. Dessa forma, a cultura alimentar dos tropeiros, a cozinha mineira e baiana foi retratada como construções sociais de resistência e reafirmação de características culturais étnicas do povo brasileiro. Através da história por trás da escolha, preparo dos alimentos e qualidade nutri-cional dos mesmos foi discutido com os alunos como as comidas podem mudar o cotidiano dos sujeitos. No caso da comida tropeiro, as receitas feitas a partir de alimentos secos (feijão, carne, farinha de mandioca) proporcionaram longas via-

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gens aos condutores de gado e estimularam a construção de vilas e desenvol-vimento do comércio brasileiro. A junção entre as práticas alimentares lusitanas (a produção de charque) e a indígenas (produção de farinha de mandioca) são evidentes na cultura dos tropeiros.

A comida baiana retrata uma resistência do povo africano que conseguiu di-fundir sua cultura através da reconstrução de suas práticas alimentares.

A culinária mineira conseguiu misturar os ingredientes regionais com aque-les que forram trazidos pelos povos africanos e lusitanos e criaram receitas que misturam culturas, tais como o frango com quiabo, a galinha ao molho pardo, pão de queijo, doce de leite, arroz com taioba etc. Essas cozinhas quando estudadas potencializam a cultura brasileira.

Debate: a experiência compartilhada

Uma idéia surgida através das rodas de conversas e que merecem ser aqui postulada foi à intenção de compartilhar a experiência que surgiam nas oficinas com a comunidade escolar. Os alunos participantes das rodas construírem um espaço de EAN dentro do pátio da escola, cuja finalidade foi oferecer à população da instituição a possibilidade de conhecer a cultura alimentar brasileira. Para isso os alunos fizeram a montagem de um estande temático no pátio da escola: cavalete de tela, mesa com condimentos tipicamente brasileiros, materiais ilus-trativos que retratavam a cultura alimentar brasileira etc. Foram oferecidos aos visitantes do espaço materiais produzidos pelo grupo (folders, cartazes, fotos e textos informativos a respeito da cultura alimentar brasileira). Alguns beliscos da cultura alimentar brasileira produzida na oficina de culinária (biscoitos de polvilho, pães de queijo e doces típicos caseiros da culinária nacional, como de doce de batata, pé de moleque, paçoca, manjar, broa de milho etc.). também foram oferecidos a comunidade escolar. A intenção aqui foi atiçar a memória his-tórica da culinária brasileira e ao mesmo tempo mostrar que o Brasil tem uma rica história na produção de cultura e sabor.

Rodas de conversas e práticas reflexivas – o preparo de comidas brasileiras típicas

A oficina de culinária que também pode ser considerada uma roda de con-versas, pois suscitavam debates, teve a intenção de mostrar aos participantes que cozinhar é um ato que reafirma a cultura, é simples, prazeroso e representa

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a inteligência de um povo. Em todas as atividades feitas na oficina de culinária os participantes foram convidados a cozinhar conjuntamente com os membros da equipe do projeto. Apesar de maioria não participar diretamente do preparo dos pratos, observaram atentamente todo o processo que envolve o preparo de uma comida.

Assim, utilizou-se a oficina de culinária no preparo de doces de frutas in natu-ra para indicar que os mesmos podem ser feitos em casa e, que apesar de boa parte desses doces terem muito açúcar em sua composição, são muito menos prejudiciais do que os doces industrializados.

Cabe ressaltar, que não houve nas oficinas uma tentativa de conduzir para uma alimentação disciplinar. Sempre foi informado aos participantes que mes-mos os alimentos minimamente processados, como sucos naturais e os doces de compotas, perdem propriedades nutritivas e que podem ser muito calóricos. A vantagem em relação ao preparo dessas comidas é o fortalecimento da cultura alimentar com suas especificidades (comunhão na cozinha, valorização do saber familiar) e a utilização mínima de ingredientes artificiais e aditivos químicos du-rante sua feitura. Pode-se afirmar essa atividade desenvolveu-se com os grupos um saber culinário que rompeu com a idéia de que, necessariamente, biscoitos e doces só são produzidos em fábricas.

Em outro debate tomou-se o estudo a respeito das frutas, verduras e legumes presentes na região. Receitas que tinham frutas como ingredientes também fo-ram resgatadas. Assim, o bolo de banana, a torta de abacaxi, o manjar de coco são exemplos de receitas que foram preparadas durante a oficina. Através do diálogo os estudantes aprenderam que a maior parte das frutas que se consomem atual-mente tem limites quanto à variedade e provém originalmente de outros países. Tal fenômeno ocorre, principalmente, pelo fortalecimento do agronegócio, a par-tir da década de 90, e pela opção dos empresários agrícolas em cultivar frutas que oferecem melhor custo benefício e que podem ser exportadas. O Brasil com essa postura tornou-se um dos maiores exportadores de frutas do mundo. Vale à pena registrar que o mundo universalizado com seus aglomerados industriais e empresariais influi na produção de alimentos e, de certa forma, inibe a produ-ção de alimentos que teriam um apelo apenas regional.

Conhecer novos sabores e texturas de novos alimentos possibilitou aos estu-dantes uma sensação prazerosa e os instigaram a buscar novas experimentações de alimentos in natura.

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Trabalhou-se também com os estudantes a importância de um alimento tipica-mente brasileiro e que tem uma importância cultural imensa e que contribui como fonte calórica e nutritiva para que o povo brasileiro povoasse as mais longínquas regiões brasileiras. Trata-se da raiz de mandioca. Uma planta originalmente brasi-leira que possibilita a produção de diversos produtos (bolos, tapiocas, beijus, bis-coitos, doces, bebidas, caldos, pães, farinhas). Infelizmente, a desinformação e a produção agrícola pressionada pela universalização da alimentação a base de fa-rináceos de trigo, soja e amido de milho, deixa a produção de mandioca para os pequenos agricultores e, a cada dia, a mesa do brasileiro perde um alimento típico brasileiro. Recentemente, a polêmica em torno dos malefícios do glúten tem rea-bilitado a mandioca, pois é um alimento que não contém esse elemento e pode substituir de forma palatável os pães e doces feitos a partir de farinhas de trigo. (CARREIRO, 2014). Em suma, produzimos junto com os alunos vários, comidas feiras a partir da raiz de mandioca (carne com mandioca cozida, mandioca assada, bolinhos de mandioca) e de suas farinhas (farofa salgada, paçoca de carne, pão de polvilho com queijo etc.).

Os alunos tiveram o prazer e informação compartilhada da relevância que a mandioca tem na cultura brasileira e que consumi-la no lugar de outras fontes de carboidratos mantém a história brasileira viva e atuante.

CONCLuSÕES

A presente proposta contribuiu para a efetivação de uma ação de Educação Alimentar e Nutricional que retomou e aprofundou em elementos históricos, culturais e sociais que permeiam a nutrição e alimentação do brasileiro. Além disso, o debate em torno dos hábitos alimentares adquiridos na contemporanei-dade fomentou nos estudantes a busca por uma postura crítica frente à produ-ção de alimentos utraprocessados e as estratégias marqueteiras da indústria alimentícia.

Foi possível mostrar aos alunos as possibilidades de reinventar e experimen-tar outros sabores, pratos e ingredientes da culinária brasileira que até então eram desconhecidos por muitos deles. Além disso, foi possível resgatar a história da origem dos ingredientes e dos pratos típicos brasileiros, pois cada alimento traz na sua história lutas e tensões entre dominantes e dominados que perdura-ram por séculos.

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Ao resgatar a cultura alimentar brasileira resiste-se à padronização alimentar contemporânea, além de incentivar um consumo de comidas mais saudáveis, uma vez que o preparo dessas se vale de diversos elementos, tais como, a cons-ciência dos ingredientes, o processo de preparo, disponibilidade e nutrientes.

O ato de comer não é apenas alimentar-se, mas entrar em contato com a cultu-ra de um país ou uma região, e de ter consciência em todo o processo de preparo.

A adoção de ações em políticas públicas alimentares gabaritadas pela educação alimentar e nutricional, mesmo aquelas sucintas que agem junto a pequenos gru-pos, são medidas de enfrentamento às determinações controladoras e operantes das grandes corporações alimentares. Percebe-se que um trabalho em EAN é factí-vel de construir um terreno propício para que os sujeitos resistam e reivindiquem para si um projeto próprio, um projeto de alimentação mais cultural e saudável, além da possibilidade de rompimento com a padronização cultural e controladora que assola os processos alimentares brasileiros na contemporaneidade.

REFERêNCiAS

ALVES, K. P. S.; JAIME, P. C. A Política Nacional de alimentação e Nutrição e seu diálogo com a Política Nacional de Segurança alimentar e Nutricional. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v.19, n. 11, nov. 2014.

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Créditos

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CASCUDO, C. História da Alimentação Brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia, 1983.

CARREIRO, D. M. Entendo a importância do processo alimentar. São Paulo: Edição do Au-tor, 2007.

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FREYRE, G. Casagrande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da econo-mia patriarcal. 49. ed. São Paulo: Global, 2004.

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POLLAN, M. Cozinhar: uma história natural da transformação. Rio de Janeiro: Intríseca, 2014.

POULAIN J. P. Sociologias da alimentação: os comedores e o espaço social alimentar. Flo-rianópolis: UFSC, 2013.

RODRIGUES, V. M.; FIATES, G. M. R. Hábitos alimentares e comportamento de consumo infantil: influência da renda familiar e do hábito de assistir à televisão. Revista de nutri-ção, Campinas, v. 25, n. 3, p. 353-362, 2012.

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VALENTE, F. L. Direito Humano à Alimentação: desafios e conquistas. São Paulo: Editora Cortez, 2002.

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11iNTERDiSCiPLiNARiDADE NumA ESCOLA DE TEmPO iNTEGRAL: CONCEPÇÕES, CuRRíCuLOS E PRáTiCAS

Deise Aparecida PeraltaHarryson junio Lessa Gonçalves

Bianca Rafaela Boni Rafael D’Agosta

Sérgio do Nascimento SennaFaculdade de Engenharia/Unesp/Ilha Solteira

Resumo: O presente texto apresenta resultados do projeto que tem como objetivo geral: analisar currículos e práticas de professores de Ensino Médio sobre a interdisciplinaridade no ensino de Ciências da Natureza e Matemática no contexto de uma escola pública paulista, que se encontra em processo de implementação do Programa de Ensino Integral, visando constituir diretrizes formativas que possibilitem uma ação crítica docente transcendendo práticas centradas na racionalidade técnica. A pesquisa caracteriza-se como qualitativa, de natureza etnográfica, e se desenvolve a partir de duas etapas complementares: [1º] Análises curriculares – (a) análise documental de currículos oficiais e de materiais curriculares (ca-derno do professor e aluno de Biologia e Matemática). [2º] Análises da Práxis – (a) observa-ção participante da ação docente (professores de Ciências da Natureza e Matemática) em reuniões pedagógicas e em aulas e/ou atividade pedagógica; (b) entrevistas semiestrutura-das com professores e equipe pedagógica para compreender diversas dimensões de sua prá-tica (currículo praticado). Os professores possuem diferentes perspectivas do que é e como ser implementada uma prática interdisciplinar; os materiais curriculares, mesmo com decla-rada intenção, não privilegiam interdisciplinaridade e os obstáculos para a concretização desta se mostram evidentes e variados.

Palavras-chave: Ensino Médio; Ciências da Natureza e Matemática; currículo; Ensino Integral.

iNTRODuÇÃO

Muito se tem dito sobre a interdisciplinaridade, termo que se faz presente, constantemente, em textos científicos, em documentos oficiais, livros didáticos, guias/orientações para professores e, principalmente, na fala docente em carac-terização de prática pedagógica. Nota-se a possibilidade de haver certo modismo

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relativo ao termo, questão que tem despertado atenção diante da superficiali-dade da apropriação do conceito que pode gerar o termo (GONÇALVES; SANTOS; PERALTA, 2014). Até certo ponto, acredita-se que tal situação pode não ser salu-tar ao campo didático-pedagógico, pois pode possibilitar práticas pedagógicas frágeis no processo de construção conceitual do aluno e na contribuição da esco-la na relação/interação com os mundos natural e antropossocial.

Por conseguinte, observa-se que a interdisciplinaridade tem assumido posi-ção central nas discussões da Pedagogia, sendo vista como palavra de ordem para uma ação pedagógica efetiva da escola (GONÇALVES; SANTOS; PERALTA, 2014). Uma perspectiva interdisciplinar do conhecimento entendida como uma apreensão ampla da realidade, proporcionará a ocorrência de um “currículo de turista”, em que, segundo Santomé (1998), a informação sobre comunidades si-lenciadas, marginalizadas, oprimidas e sem poder é apresentada de maneira de-formada, com grande superficialidade, centrada em episódios descontextualiza-dos, e passa a ser contemplada a partir de uma perspectiva distante, como algo que não tem a ver com cada uma das pessoas que se encontram na sala de aula.

Apple (1994), Santomé (1998) e Paraskeva (2002) chamam atenção para a não-neutralidade do ato de ensinar, e do próprio currículo, enfatizando que há domínio de aspectos ideológicos, políticos e até econômicos que tendem a des-considerar aspectos de raça, classe, gênero, orientação sexual. É possível tam-bém, segundo os referidos autores, perceber a falta de pluralidade de percep-ções, reforçando o caráter segregacionista e conservador das proposições educacionais em nível estrutural. Sendo assim, o currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos que de algum modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma nação. Ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resulta-do da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conheci-mento legítimo. O currículo pode ser entendido como “Produto de tensões, con-flitos e concessões culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam um povo” (APPLE, 1994, p. 59).

Neste sentido escola pode ser entendida como reprodutora das relações desi-guais e hierárquicas de poder. E assim o sendo, a composição dos conteúdos cur-riculares, os métodos de ensino e a avaliação de aprendizagem estão sujeitos a modelo político e a compreensões elitizadas sobre “o quê?” e “como ensinar?”. E neste contexto delineamos a temática do projeto “Interdisciplinaridade na es-cola: currículos, concepções e práticas”, financiado pela Pro– Reitoria de Gradua-

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INtErDISCIPLINArIDADE NUmA ESCOLA DE tEmPO INtEGrAL | 167

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ção da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita” por meio do Edital Nú-cleo de Ensino/2014 e renovado pelo Edital Núcleo de Ensino/2015, que foi norteada pela questão: Quais concepções e práticas são percebidas na práxis de professores de Ensino Médio, área das Ciências da Natureza e Matemática (CNM), sobre a interdisciplinaridade no desenvolvimento curricular de uma escola pú-blica paulista de ensino integral?

Definimos como objetivo central: analisar currículos e práticas de professo-res de Ensino Médio sobre a interdisciplinaridade no ensino de CNM, no contexto de uma escola pública paulista que se encontra em processo de implementação do Programa de Ensino Integral (PEI). Para tanto, tal objetivo se constrói a partir dos seguintes objetivos específicos:

• caracterizar as recomendações prestadas nos currículos oficiais e em ma-teriais curriculares sobre a interdisciplinaridade no Ensino Médio;

• reconhecer perspectivas interdisciplinaridades na práxis de professores de CNM no contexto de uma escola pública de tempo integral;

• analisar dificuldades, avanços e inovações percebidos na práxis de profes-sores de CNM no desenvolvimento curricular de uma escola de ensino in-tegral tomando a interdisciplinaridade como eixo central de análise.

DESENVOLVimENTO DO PROjETO

Sacristán (1998) interpreta currículo como algo construído no cruzamento de influências e campos de atividades inter-relacionados e diferenciados:

• Currículo Prescrito – em todo sistema educativo existe algum tipo de pres-crição ou orientação do que deve ser o conteúdo do currículo, principal-mente em relação à escolarização obrigatória, como consequência das re-gulações às quais este currículo está submetido. São elementos que atuam como referência na ordenação do sistema curricular e servem de ponto de partida para a elaboração de materiais, controle do sistema etc. A política e a história de cada sistema definem esquemas variáveis de intervenção, que mudam de um país para outro.

• Currículo Apresentado aos Professores – são os meios, elaborados por di-versas instâncias, que traduzem e interpretam para os professores o signi-

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ficado e os conteúdos do currículo prescrito. Os currículos prescritos, em geral, dispõem de prescrições genéricas que nem sempre conseguem orientar a atividade educativa nas aulas; bem como, o nível de formação dos professores e as condições de trabalho tornam difícil configurar a prá-tica a partir do currículo prescrito. Assim, tal papel é viabilizado por li-vros-textos.

• Currículo Moldado (ou Modelado) pelos Professores – o professor é um agente ativo e decisivo na concretização dos significados e conteúdos cur-riculares, moldando, a partir de sua cultura profissional, qualquer propos-ta que lhe é feita, seja por meio da prescrição administrativa, seja por meio do currículo elaborado pelos materiais, guias, livros-textos etc. O profes-sor é um “tradutor” que intervém na configuração dos significados das propostas curriculares, independente do papel que ele terá no planeja-mento de sua prática. Ressalta-se que o professor pode atuar em nível in-dividual ou como grupo que organiza o ensino; a organização social do trabalho docente impacta em consequências importantes para a prática.

• Currículo em Ação – guiada pelos esquemas teóricos e práticos do profes-sor que a prática real se concretiza nas tarefas acadêmicas, as quais, como elementos básicos, sustentam o que é a ação pedagógica, que representa o significado real do que são as propostas curriculares. A prática extrapola os propósitos do currículo, visto o complexo tráfico de influências, as inte-rações etc. que se produzem na mesma.

• Currículo Avaliado – As diversas pressões exercidas sobre os professores (cultura, ideologias, teorias pedagógicas e controles para liberar validações e títulos) levam a ressaltar na avaliação aspectos do currículo, talvez coe-rentes, talvez incongruentes com os propósitos manifestos de quem pres-creveu o currículo, de quem o elaborou, ou com os objetivos do próprio professor. O currículo avaliado acaba impondo critérios para o ensino do professor e para a aprendizagem dos alunos. O controle do saber é peculiar à função estratificadora da educação e acaba configurando toda mentalida-de que se projeta inclusive nos níveis de escolarização obrigatória e em práticas educativas que não têm uma função seletiva nem hierarquizadora.

Assim, o presente texto descreve o exercício, realizado no projeto supra refe-rido, de compreender a interdisciplinaridade como eixo central em currículos de CNM no contexto de uma escola pública paulista de tempo integral, a partir da

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interface entre currículos prescritos, apresentados e praticados e dos relatos dos professores sobre suas percepções acerca da possibilidade de concretização de práticas interdisciplinares.

Dada a nossa inserção em campo e a impossibilidade inicial de se consolidar um estudo de âmbito interventivo (pesquisa-ação), adequamos a metodologia do projeto para uma orientação etnográfica. A etnografia visa a compreender o com-portamento social do sujeito no seu cenário cotidiano, confiando em dados qua-litativos obtidos a partir de observações e interpretações feitas no contexto da totalidade das interações dos sujeitos, portanto, os resultados da pesquisa são interpretados com referência ao grupo ou cenário, conforme as interações no contexto social e cultural e a partir do olhar dos sujeitos participantes da pesqui-sa (PEREIRA; LIMA, 2010).

Percepções e Práticas interdisciplinares na Escola

Neste tópico apresentaremos algumas perspectivas interdisciplinares relata-das por professores como presentes em suas práticas e algumas percepções dos pesquisadores acerca de observações de tais práticas. A título de esclarecimento todos os nomes que aparecem no texto são fictícios com o intuito de resguardar a verdadeira identidade dos professores participantes do projeto.

Durante a análise da fala dos professores é possível evidenciar que os profes-sores aceitam a importância da interdisciplinaridade no ensino e como ela pode contribuir para a formação dos alunos.

Nair acredita que a interdisciplinaridade permite que os alunos percebam a relação entre os conhecimentos.

É um trabalho muito interessante, os alunos percebem e veem, aprendem mais, eles conseguem perceber que as coisas estão interligadas e que nada é estanque. (Nair – Diretora, entrevista realizada em 19/11/2015)

Eliza corrobora com essa perspectiva ao afirmar que o ensino interdisciplinar possibilita um trabalho pedagógico que auxilia o aluno a ter uma visão mais glo-bal de sua realidade.

Então, eu acredito que as atividades que a gente desenvolve, que envolve ou- tra disciplina ou outras disciplinas, faz com que o aluno tenha uma visão global. (Eli-za – professora de Biologia, entrevista realizada em 21/10/2015)

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Para os professores, o ensino interdisciplinar precisa se mostrar presente no dia a dia como sendo um instrumento para uma boa aprendizagem. Essa perspec-tiva foi percebida nas reuniões pedagógicas da área, especificamente na observa-ção do dia 23 de fevereiro de 2015, quando os professores juntamente com a co-ordenadora pedagógica da área de ciências da natureza e matemática, listaram o que eles acreditam ser essenciais para uma boa aula; ou seja, elementos que pre-cisam utilizar no seu trabalho pedagógico para aprendizagem de seus alunos. Um dos itens listados foi interdisciplinaridade, com o argumento de que esse seria um instrumento importante para os alunos relacionarem os conteúdos das dife-rentes disciplinas e conseguir transpor esse conhecimento para o seu dia a dia, atingindo, assim, uma aprendizagem que se torne mais efetiva e contextualizada.

Porém, segundo Sebastião (professor de Física), os professores sentem certa dificuldade em desenvolver atividades interdisciplinares com os alunos, pois não são habituados a essa perspectiva. Isso pode corroborar com Fazenda (1996) ao citar o obstáculo cultural como uma barreira que dificulta o trabalho interdisciplinar. Segundo a autora, há certo preconceito em relação a interdis-ciplinaridade, pois é entendida como uma aventura e, aderir a ela seria como rejeitar a especialização, supondo que o estabelecimento de uma unidade global exclua a unidade particular, podendo este pensamento estar ligado a uma for-mação inicial fragilizada no que diz respeito a práticas pedagógicas pautadas na interdisciplinaridade.

Tal atitude pode ser observada durante uma aula de Sebastião no dia 22 de setembro de 2015. Quando o professor “trabalhou” com os alunos equações de aceleração em física, comentou que tem medo de entrar na área de outro profes-sor (se referindo a Matemática) e este se incomodar com tal atitude e, por isso, comenta o mínimo possível de conceitos matemáticos.

Interdisciplinaridade é buscar trabalhar um conteúdo dentro de várias discipli-nas. Isso é muito difícil de ser feito. Nós não estamos adaptados a isso. Mas a ideia é essa. Nós procuramos, aos poucos nos adaptarmos a isso. Não é fácil. Nós não esta-mos na verdade habituados a isso. (Sebastião, entrevista realizada em 21/10/2015)

Os professores relatam a interdisciplinaridade a partir de diferentes perspec-tivas. Amanda acredita que a interdisciplinaridade parte do princípio de junção de disciplinas:

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Interdisciplinaridade é quando você...minha aula é química né... quando eu con-sigo trabalhar uma matéria junto com outras né. (Amanda – professora de Química, entrevista realizada em 11/11/2015)

Cristina acredita que interdisciplinaridade é quando se traz elementos de ou-tras disciplinas para sua própria disciplina, podendo trabalhar os conteúdos de maneira relacionada:

Eu entendo que é você trabalhar seu conteúdo, mas de que maneira eu posso di-zer... é, incluindo questões que envolvam as outras disciplinas também ou matéria que dá para você falar de um conteúdo que está ligado a outra disciplina também. (Cristina – professora de Matemática, entrevista realizada em 23/10/2015)

Há ainda relato sobre como a interdisciplinaridade seria uma articulação en-tre as disciplinas, em que uma ajuda a outra partindo de um tema em comum, como coloca Nair ao ser entrevistada

Porque se a gente considerar que a aprendizagem se dá em forma espiral, né, aí você vai vendo o que a Biologia colabora para esse assunto, o que a Geografia colabo-ra com esse assunto, o que a Matemática colabora com esse assunto. (Nair – Diretora, entrevista realizada em 19/11/2015)

Essa perspectiva pode ser percebida em um projeto que foi realizado no pri-meiro semestre de 2015 com as professoras de Biologia e Química. Em tal projeto as professoras trabalharam o ciclo do carbono com os alunos do primeiro ano, onde cada uma, em sua disciplina, trabalhou os conceitos deste tema. Contudo, não se percebeu uma interrelação e sim uma sobreposição do tema nas disciplinas.

A interdisciplinaridade é, de modo geral, relatada pelos professores como es-sencial no trabalho pedagógico para que a aprendizagem dos alunos seja “efeti-va” e se torne mais contextualizada. Os professores ainda relatam diferentes perspectivas conceituais acerca de interdisciplinaridade: desde a simples junção de disciplinas, a utilização de elementos de uma disciplina utilizados em outra, até uma articulação e ajuda mútua entre elas. Com isso há evidências que a inter-disciplinaridade, para os professores entrevistados, se torna um instrumento metodológico, muito mais que uma postura pedagógica, para promoção de supe-ração do conhecimento fragmentado em prol de uma formação mais global.

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Postura esta que, dar-se-ia, caso houvesse a institucionalização da valoriza-ção de saberes que vão além daqueles instituídos como “verdadeiros” e “impor-tantes” pela Ciência na modernidade. Saberes que coexistem na percepção da interação cognoscível do ser humano nos mundos sociocultural e natural. Com isso, não há uma negação da necessidade de especialização ou fragmentação do conhecimento em vários momentos para seu processo de evolução, mas há uma necessidade de não se perder o foco do todo que dá sentido àquele fragmento.

Estes argumentos nos remetem a reflexões didático-pedagógicas no contexto do currículo escolar visto que há uma necessidade de se tratar, em momentos do processo educativo, alguns conteúdos escolares disciplinarmente, contudo aten-tando-se para uma reconstrução do todo.

Para que ocorra, de fato, uma abordagem interdisciplinar no ensino de CNM, faz-se necessário conhecer as perspectivas e dificuldades de professores diante do trabalho pedagógico interdisciplinar para que de fato possamos consolidar uma ação educativa coletiva, participativa e democrática. Para que, deste modo, professores possam vislumbrar, com a comunidade escolar, diversas perspecti-vas de tratamento dos conceitos e conteúdos curriculares, além das fronteiras das disciplinas. Apesar da dificuldade apresentada pelos professores para efeti-var o planejamento das atividades cotidianas de forma coletiva, estes relatam que tal necessidade existe e que consideram fundamental o envolvimento em projetos pedagógicos interdisciplinares.

Apesar da tônica central, declarada nos currículos, ser a interdisciplinarida-de, percebemos, por meio de observações em salas de aulas e reuniões pedagó-gicas, dificuldades na compreensão da interdisciplinaridade como perspectiva totalitária do saber atrelada a uma formação emancipatória do sujeito. Perce-bemos, ainda que os professores relatem compreender que a interdisciplinari-dade se viabiliza por meio de trabalhos conjuntos, que têm certa dificuldade de articular sua disciplina com as outras, por medo de estar “invadindo” a discipli-na do “outro”. Sendo este discurso presente em várias falas dos professores da área de CNM.

A escola oferece ainda disciplinas eletivas, cujo programa declara ter sido concebido com um cunho interdisciplinar, porém os professores não conseguem se articular de uma forma em que o tema abordado relacione várias áreas do conhecimento.

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Obstáculos para as Práticas interdisciplinares

Neste tópico discutiremos alguns desafios percebidos na prática de professo-res, sobre a interdisciplinaridade na organização curricular de uma escola de en-sino integral, a partir de observações realizadas em aulas de professores da área de CNM e em reuniões pedagógicas.

Nas diretrizes do PEI, as disciplinas da escola são organizadas em disciplinas obrigatórias (Biologia, Física, Química, Língua Portuguesa, História, etc.) e eleti-vas. Sendo as últimas, ofertadas semestralmente e, ministradas por dois professo-res de áreas distintas. O tema dessas disciplinas são os professores em conjunto que propõem desde que atenda ao Projeto de Vida dos alunos1 e que possa apro-fundar os conteúdos das disciplinas obrigatórias. Apesar de a proposta ser inter-disciplinar e os professores das CNM trabalharem com os de outras áreas, perce-bemos fragilidades desses ao lidarem com os conteúdos de forma conjunta.

Na observação de uma eletiva com professores de Biologia e Matemática, onde a proposta era tratar de anatomia dos animais, percebemos que os profes-sores trabalham de forma separada ao lidar com o conteúdo da disciplina. O pro-fessor de Biologia trabalha um conceito de sua área em uma aula e a professora de Matemática, em outra aula, trabalha os conceitos de Matemática sem ter uma inter-relação desses conteúdos com a proposta da disciplina. Assim, perde-se a natureza interdisciplinar da proposta, não permitindo que os conteúdos se rela-cionem uns com os outros e com a realidade, que parte de um todo e não de frag-mentos. Segundo Fazenda (1996), a intenção da interdisciplinaridade não é a superação de um ensino organizado por disciplinas, mas avançar com a criação

1 O Projeto de Vida é organizado e materializado durante as aulas de componente curricular de mesmo nome. Iniciado em um evento chamado Acolhimento, esse processo de autoconheci-mento, o que é tutorado, progride com atividades práticas. Na primeira série do Ensino Médio os alunos participam de atividades que estimulam a reflexão sobre suas potencialidades e interesses pessoais. Na segunda série os alunos são orientados a elegerem disciplinas que os ajudem a fundamentar tal projeto. No final da segunda série do Ensino Médio, espera-se que os alunos tenham desenvolvido as “habilidades” essenciais para dar continuidade aos seus estudos e estejam com os seus Projetos de Vida prontos. Na terceira série, eles têm aulas de Preparação Acadêmica e Mundo do Trabalho que nortearão sua inserção no mundo trabalho, seja pela via profissional ou acadêmica. O Projeto de Vida construído poderá ser modificado ao longo de sua vida de acordo com as suas experiências.

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de condições de ensino em função das relações dinâmicas entre as disciplinas, atrelando-as aos problemas da sociedade.

Observamos ainda obstáculos culturais para viabilização da prática interdis-ciplinar. Ainda em Fazenda (1996), há certo preconceito em relação à interdisci-plinaridade, pois esta é entendida como uma aventura e, aderir a ela seria como rejeitar a especialização, supondo que o estabelecimento de uma unidade global exclua a unidade particular. Esse tipo de atitude pode ser causado por dois moti-vos: falta de formação específica para esse tipo de trabalho, sendo o principal obstáculo para se eliminar barreiras e acomodação pessoal e/ou coletiva, pois mudanças necessitam de sobrecarga de trabalho e há a ameaça de se perder o prestígio pessoal (a interdisciplinaridade pode levar ao anonimato, pois o traba-lho de um “anula-se” por um objetivo maior).

Na escola, em que o projeto fora desenvolvido, percebemos esse tipo de atitu-de durante as aulas observadas. Um exemplo disso é um professor da área de Física acreditar que falar sobre conteúdos de outras disciplinas seria uma intro-missão (termo usado pelo próprio professor), dizendo se sentir desconfortável com tal atitude. Porém, durante as reuniões pedagógicas, os professores são sem-pre motivados a trabalhar como um conjunto coerente e coeso na área de CNM, independente das disciplinas que ministram. As falas da coordenadora da área sinalizam a necessidade de compartilhamento das experiências de atividades de-senvolvidas em aula que deram certo, de pedido de ajuda para professores de outras disciplinas com algum conteúdo, de trabalharem sempre em conjunto para atingir os objetivos que são propostos (melhorar a frequência dos alunos, melhorar o desempenho de alunos com dificuldades), mesmo que cada um em sua disciplina.

Outros obstáculos observados são de natureza material. A interdisciplinari-dade demanda tempo e espaço para que seja possível um planejamento adequa-do de ensino e, consequentemente, a eliminação de barreiras, pois exige uma nova articulação desses elementos que favoreça os encontros e trabalhos entre professores e alunos (FAZENDA, 1996).

Na escola em que o projeto fora desenvolvido, esses obstáculos ficaram bas-tante evidentes, pois, apesar de ser de tempo integral, os professores em geral, têm muitas atividades para realizar (planejamento de atividades e projetos que chegam semanalmente da diretoria de ensino para serem implementados, ela-

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boração de atividades diferenciadas, preparar aulas dinâmicas, aulas práticas, reuniões, tutorias com muitos alunos prestar conta de tudo o que é feito, entre outros processos burocráticos) e acabam não conseguindo se dedicar a um pro-cesso criativo metodológico para uma prática interdisciplinar.

Em todas as reuniões que presenciamos e nas entrevistas efetuadas ouvimos, constantemente, o quanto o tempo é escasso e sobre a grande quantidade de ati-vidades que precisam ser realizadas durante esse pouco tempo. Além disso, os professores relataram que se tornam prisioneiros dos conteúdos cobrados pelo Currículo2e pelas exigências das avalições em larga escola nas quais a escola é submetida. Em diversas situações, são cobrados pela utilização integral dos ma-teriais curriculares com todo o conteúdo atingido, sem conseguir muito tempo/espaço para trabalharem com alguma atividade diferente que tenha um cunho interdisciplinar.

Como exemplo, durante as reuniões de ATPA (Atividade de Trabalho Pedagó-gica de Área), os professores tiveram que apresentar a porcentagem de conteú-dos concluídos e a porcentagem do quanto faltava para trabalharem até o final do primeiro semestre de 2015, assim como quanto tempo demorariam para aplicar determinada Situação de Aprendizagem3. Durante as aulas, alguns professores chegaram a passar a resposta dos exercícios na lousa para os alunos copiarem para não “perder tempo”, pois tinham que concluir o conteúdo naquela semana.

A escola quando se tornou de tempo integral em 2014 ainda não possuía la-boratórios equipados e nem salas temáticas – o que está presente nas diretrizes do PEI como um elemento importante para o ensino integral. Atualmente (pri-meiro semestre de 2016), a escola possui laboratórios relativamente equipados, mas ainda faltam equipamentos que, de forma geral, atendam as demandas dos professores (multimídia, computadores bem equipados que atendam a todos alunos, salas climatizadas para manter o ambiente adequado, produtos (reagen-tes e vidrarias) que são utilizados no laboratório em experimentos, etc.). Dessa

2 O termo Currículo escrito com inicial maiúscula se refere tanto ao documento como às ações de implantação das diretrizes da educação pública no estado de São Paulo.

3 Situações de Aprendizagem designadas no texto com iniciais maiúsculas, e no sentido em que estão descritas no Currículo, fazem referência a uma das unidades em que estão divididos os Cadernos (do Professor e do Aluno). As Situações de Aprendizagem estão subdivididas em Atividades e em Problemas na tentativa de abordar todo o conteúdo a ser desenvolvido.

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forma, percebemos que, mesmo a escola oferecendo infraestrutura básica para o desenvolvimento curricular, ainda carece de melhorias (que estão previstas no Currículo) para práticas interdisciplinares dos professores da área de CNM.

A interdisciplinaridade na escola implica em uma perspectiva acerca de pro-cessos de ensinar a aprender condicionada a uma transformação na prática dos professores. Segundo Fazenda (2002), a perspectiva interdisciplinar deve supe-rar uma relação pedagógica baseada na transmissão do saber, para uma relação pedagógica em que prevaleça o diálogo; e, ainda, é preciso estabelecer uma rela-ção entre a teoria e a prática, pois, para a autora, interdisciplinaridade não se ensina, nem se aprende, apenas vive-se, exerce-se. Este seria obstáculo, a ser su-perado na formação, enfrentado na escola, pois os professores, em sua maioria, não tiveram uma formação sustentada por pilares interdisciplinares. Temos como exemplo a dificuldade apresentada pelos professores de Química e Biolo-gia sobre o Ciclo do Carbono, onde o tema foi abordado, separadamente, em cada disciplina, sem haver, realmente, uma inter-relação entre os conhecimentos de Química e Biologia.

No projeto observamos, ainda, obstáculos de natureza metodológica que, se-gundo Fazenda (1996), é considerada uma das categorias mais importantes, pois a adoção de uma metodologia de trabalho interdisciplinar exige uma superação dos obstáculos institucionais, culturais, de formação e materiais. Para isso, o tra-balho inicial precisa ser de incorporação da atitude interdisciplinar, permitindo observar as relações de sua disciplina com as demais, sem negligenciar sua espe-cialidade. Para trabalhar com uma metodologia interdisciplinar, o professor pre-cisa desconstruir a ideia fragmentada de mundo e entender que tudo está rela-cionado e conectado.

Assim, percebemos que, na escola estudada, os professores têm dificuldades em trabalhar de forma interdisciplinar, seja “por medo de não dar conta de con-teúdos que não são da sua área de formação”, seja por não saber realmente como fazer esse tipo de atividade. Na fala dos professores percebemos preocupações como: o conteúdo curricular não permite abertura para uma metodologia de cunho interdisciplinar, pois, trabalhar dessa forma, demandaria muito tempo; atividades diferenciadas acabam atrasando o conteúdo comprometendo o ensi-no direcionado às avaliações me larga escala; resultados não adequados em ava-liações prejudicam a classificação da escola (boa ou ruim). Como exemplo, pre-senciamos professores de Matemática e Língua Portuguesa sendo instruídos a

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trabalharem, nas disciplinas eletivas, conteúdos que “reforcem” as disciplinas obrigatórias visando às avaliações em larga escala – no caso o Sistema de Avalia-ção de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp). Deste modo, nota-mos que, por vezes, os conteúdos curriculares obrigatórios têm mais importân-cia do que as atividades diferenciadas realizadas em disciplinas eletivas que se caracterizam com espaço propício para trabalhos interdisciplinares.

Assim, para a interdisciplinaridade se concretizar, acreditamos ser preciso criar estratégias de superação de tais barreiras, por vezes, enraizadas nas insti-tuições escolares – barreiras culturais, materiais, de infraestrutura, formativas e metodológicas que, em geral, se constroem a partir da lógica de uma organização pedagógica que toma como base do seu trabalho as avaliações em larga escala.

interdisciplinaridade e materiais Curriculares

Neste tópico discutiremos a interdisciplinaridade nos materiais curriculares, em específico o Caderno4 do Professor e os Cadernos do Aluno de Biologia e Ma-temática; para tanto, os dados foram produzidos a partir de análise documental de tais materiais.

O material é estruturado a partir de Situações de Aprendizagem, que, deve-riam constituir centros de interesses a serem desenvolvidos com os alunos, e, algumas dessas Situações são formas não usuais de tratamento de temas usuais porque neste currículo há, segundo seus autores, a intenção de propiciar “visões inovadoras” para conteúdos programáticos já conhecidos. No entanto, mesmo considerando que caberá ao professor a decisão de quais centros de interesse mapear e conduzir o processo de ensino e aprendizagem, a presença de tais Si-tuações de Aprendizagem no material de apoio denominado Caderno do Aluno, deveria ser um motivo de tensão em sala de aula. Neste caso, são necessárias ações comunicativas que permitam efetiva, consistente e coerente compreensão e interpretação docente das diretrizes propostas. A presença de compreensão e interpretação do professor parece ser o determinante para o sucesso da implan-tação curricular pretendida, pois

4 Caderno no texto escrito com inicial maiúscula se refere ao material didático distribuído, ou que deveria ser distribuído, a alunos e professores da rede estadual paulista.

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[...] só ocorrerão mudanças qualitativas na prática de sala de aula quando os profes-sores compreenderem e aceitarem as reformas educacionais como suas. [...] anun-ciar ou mesmo exigir mudanças na educação não alterará o que se passa nas salas de aula e nas escolas enquanto os educadores oferecerem resistência e subverterem essas mudanças. (ZEICHNER, 2003, p. 38)

A Proposta Curricular em vigor desde 2008 e agora o PEI são idealizados se-gundo os princípios do Sistema de Avaliação do Estado, o Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) – que é uma avaliação externa realizada desde 1996 pela Secretaria de Estado da Educação. Na fala dos professores participantes há a certeza sobre o SARESP passar a ser base das ações de gestão da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Diante dessa informação é possível admitir que parte do trabalho docente, na escola onde o projeto foi realizado, seja influenciada pela necessidade de preparação do aluno para a obtenção de um desempenho satisfatório no Saresp. Nesse caso, parece prudente aceitar que a forma como os professores de matemática e biologia es-truturam suas ações seja controlada pelo fato de algumas turmas realizarem a prova do Saresp.

Analisando os Cadernos do Professor, organizados por série/ano e por se-mestre, é possível constatar que estão previstos conteúdos, habilidades e com-petências organizados por Situações de Aprendizagem e acompanhados de orientações para a gestão da sala de aula, para a avaliação e a recuperação, bem como de sugestões de métodos e estratégias de trabalho nas aulas, experimen-tações, projetos coletivos, atividades extraclasse e estudos interdisciplinares. Da forma como estão organizados, os Cadernos expressam uma pretensão de for-necer ao professor textos orientando sobre como proceder para desenvolver competências e habilidades, e garantir com isso um desempenho satisfatório dos alunos. Porém, as análises de tais materiais (Cadernos do Aluno e do Professor) mostraram-se insuficientes para identificar indicações dos Cadernos sobre o es-tabelecimento e/ou eliminação de características de desempenho dos alunos es-peradas, bem como evidências de aprendizagem previstas. Há uma insuficiência de orientações ao professor sobre práticas que avaliem se uma competência foi ou não atingida/adquirida/desenvolvida.

Nitidamente, e de modo incontestável, as Situações de Aprendizagem explici-tam os conteúdos e os conceitos; as atividades de pesquisa, de experimentação e

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os exercícios, pré– demarcando o tempo a ser gasto em cada uma; as formas de “avaliação” às quais os alunos devem ser submetidos e as sugestões acerca da necessidade da forma interdisciplinar. Contudo, a organização do material e a divulgação do mesmo prescindem de estratégias intencionalmente planejadas para investigar e compreender como essas imposições estão sendo interpretadas e implementadas pelo professor.

Esta ausência sugere que o PEI admite independência entre as ações previ-síveis e instrumentais que garantem a implantação física e operacional do pro-grama e as condições de efetivação do mesmo do ponto de vista do professor. Ao docente cabe a tarefa de interpretar os termos (verbos, expressões) e as rela-ções que o aluno deveria estabelecer com as estratégias de ensino propostas pela Situação de Aprendizagem por meio de sua atividade (suas “respostas”, suas ações). As orientações expressas nos Cadernos não auxiliam a análise sobre “os fazeres” que um aluno precisa desenvolver para estar competente a atuar em um contexto em que seu “fazer” expresse uma aprendizagem (PERALTA, 2012).

É exigido do professor a implementação de um Currículo, a adoção de um material que padroniza práticas docentes, mas que não fomenta discussões so-bre como avaliar quais “fazeres” seriam característicos de determinadas compe-tências. As competências e habilidades, listadas para cada Situação de Aprendi-zagem, são pouco descritivas quanto aos objetivos de ensino e pouco prescritivas quanto às orientações de um trabalho docente de cunho interventivo. O conceito de competência bem como sua relação com os objetivos da prática docente pode-riam ser considerados eixos norteadores das orientações didáticas para o uso das Situações de Aprendizagem se, acima de tudo, auxiliassem a analisar as rela-ções que o aluno necessita estabelecer com o conteúdo matemático e mais, pos-sibilitasse ao professor avaliar, ainda, em quais relações, e como, deveria intervir.

A linguagem empregada nas Situações de Aprendizagem torna a comunica-ção meramente instrumental, citando sequências de procedimento, sem esclare-cer possibilidades de análise de práticas efetivas de ensino e de avaliação. Anali-sar a própria prática pode ser o fio condutor da ideia de emancipação articulada à comunicação mediatizada pela razão como condição para o entendimento. O fato de se referir às competências e habilidades, pretendidas com as atividades do Caderno, usando termos pouco esclarecedores ao professor fere o princípio de que toda produção linguística (transmissão de conteúdos proposicionais) é,

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ao mesmo tempo, metacomunicação – especificação das condições pragmáticas de operação dessas proposições.

A linguagem empregada nos Cadernos deveria ser, sob um ponto de vista pragmático, elemento mediador das relações que os professores estabelecem en-tre si e com os documentos do Currículo, possibilitando a esses docentes expres-sarem seu protagonismo no uso das Situações de Aprendizagem e, consequente-mente, no desenvolvimento de competências em seus alunos. Esse protagonismo, implicitamente, tem a pretensão de exercer a possibilidade de adotar a posição de concordância ou discordância. Encarada dessa perspectiva, a linguagem em-pregada nos Cadernos demonstra pouco uso de sentenças com uma intenção co-municativa objetivando o entendimento. Lembrando que nem toda a interação mediatizada pela linguagem é orientada ao entendimento, pois o entendimento depende da atitude dos participantes em comunicação. Assim, os meios linguís-ticos utilizados nas Situações de Aprendizagem, aparentemente, são utilizados para produzir consequências induzidas ou pré-intencionadas alicerçadas na ra-zão instrumental sem assegurar ao professor autonomia para analisar e, conse-quentemente, implementar suas próprias práticas de ensino. Ressaltamos que tais materiais curriculares, apesar da sua declarada intenção de possuir estraté-gias interdisciplinares, engessam, por vezes, o trabalho interdisciplinar dos pro-fessores no contexto da escola participante do projeto.

É inegável a razão instrumental da comunicação presente nos Cadernos, pois toda ação é orientada, passo a passo, para o êxito. Não havendo espaço para par-ticipação dos professores, senão aquelas previamente planejadas em ATPA, caso contrário os fins poderiam ser comprometidos. Todas as orientações contidas nesses documentos podem ser vistas como um processo de comunicação distor-cida, apresentando-se ao mundo vivido dos professores como um discurso, e que, como discurso orientado por ação estratégica pode, pois, ser manipulado intencionalmente. Admite-se que razão instrumental é a razão que se encontra voltada para o domínio e o controle da natureza, para o desenvolvimento e a re-produção das forças produtivas, para a implementação de normas e regras unila-terais, para o desencantamento do mundo que nos cerca. Trata-se daquela forma de ação, orientada ao êxito dos sujeitos que se põem como seus agentes. As ações da SEE/SP para implantação de seu Currículo e seu PEI podem ser enquadradas nessa categoria.

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Com o desenvolvimento do projeto percebemos que os professores defendem a noção de um tratamento interdisciplinar das CNM como mecanismo de tornar significativo, ou contextualizado, os diversos conteúdos curriculares presentes no currículo. Contudo, não percebemos alusões nas falas dos professores ao proces-so emancipatório que tal perspectiva possa promover, evidenciando indícios de uma concepção curricular limitada a uma racionalidade técnica centrada no ensi-no de conteúdos para “avaliação em larga escala” e “vestibulares”. Ou seja, mesmo entendendo que tais “exames” possam ser compreendidos como atrelados a “pre-paração para o trabalho” (uma das finalidades do Ensino Médio), tal visão é limi-tada e limitadora, pois essa finalidade só se concretiza a partir de uma concepção crítica quando se articula a um processo transformador voltado para a formação para a cidadania – preceito inclusive já previsto em currículos oficiais.

Ao acompanharmos a rotina da escola percebemos ainda que a própria estru-tura paulista de organização do trabalho pedagógico da escola de ensino integral é limitadora de uma perspectiva interdisciplinar, por vezes, os professores per-dem sua autonomia no processo de ensino frente aos materiais curriculares e avalições em larga escala.

Um item importante para consolidar a prática pedagógica interdisciplinar se-ria a organização do trabalho pedagógico coletivo e cooperativo na comunidade escolar. Para tanto, nessa contextura, seriam necessárias estratégias pedagógicas com equipes de especialistas que vislumbrem a gestão do trabalho pedagógico a partir de uma perspectiva formativa do professor atrelada ao seu desenvolvi-mento profissional.

A ação pedagógica centrada na interdisciplinaridade promove a construção de uma escola participativa e decisiva na formação social do aluno incluso no mundo do trabalho, bem como uma prática solidária e coletiva na organização da escola. Acreditamos que, quando a escola toma a interdisciplinaridade como um projeto de educação, norteadora de suas ações, marca uma visão geral da educação, em um sentido de garantir a qualidade na formação de cidadãos plenos inclusos no mundo do trabalho. Desse modo, acreditamos ainda que a formação continuada dos professores de Ensino Médio deve estar prevista nas organizações curricula-res das escolas, principalmente considerando essa formação na perspectiva do desenvolvimento profissional (GONÇALVES; PIRES; PERALTA, 2015).

A interdisciplinaridade tem se apresentado nas prescrições curriculares como sinônimo de qualidade do trabalho pedagógico do professor. Por vezes,

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como panaceia a uma real aprendizagem efetiva. Muitos a apresentam como dá-diva de uma educação contemporânea, como discurso de vanguarda de uma prá-tica docente consonantes a novas tendências educacionais. Discursos que são assumidos por educadores no contexto da escola como receituário de práticas pedagógicas de sucesso; fazendo, por vezes, que esses vislumbrem, em prol de tal exigência, práticas que corroborem uma dada racionalidade técnica que pouco colabora com uma perspectiva emancipadora do sujeito. Retrocedendo assim toda uma perspectiva crítica, decompondo um processo de autonomia docente. Com isso, não depomos contra uma prática pedagógica interdisciplinar, mas sim contra discursos que se apresentam como milagrosos para a escola, mas que, na verdade, mascaram intenções que tendem a desvalorizar uma ação docente com-prometida com uma práxis que culmina na transformação social.

CONSiDERAÇÕES FiNAiS

A interdisciplinaridade vislumbra uma exigência dada por uma sociedade re-pleta de saberes/conhecimentos que foram fragmentados em nome da ciência moderna para o entendimento da realidade antropossocial e natural. Para tanto, na busca de uma reaproximação destes saberes/conhecimentos diante do neces-sário e urgente, entendimento da realidade é, a partir de uma ótica de superação de um paradigma cartesiano, que o quebra-cabeça seja remontado para uma vi-são sempre multirreferencial, do mundo social. Com isso, não há uma negação da necessidade de especialização ou fragmentação do conhecimento em vários mo-mentos para seu processo de evolução, mas há uma necessidade de não se perder o foco do todo que dá sentido àquele fragmento.

Estes argumentos nos remetem a reflexões didático-pedagógicas no contex- to do currículo escolar visto que há uma necessidade de se tratar, em momentos do processo educativo, os alguns conteúdos escolares disciplinarmente, contudo atentando-se para uma reconstrução do todo.

Para que ocorra de fato uma abordagem interdisciplinar no ensino de CNM, faz-se necessário reconhecer as perspectivas e dificuldades de professores dian-te do trabalho pedagógico interdisciplinar para que de fato possamos consolidar uma ação educativa coletiva, participativa e democrática. Para que, deste modo, professores possam vislumbrar, com a comunidade escolar, diversas perspecti-vas de tratamento dos conceitos e conteúdos curriculares, além das fronteiras das disciplinas.

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Por fim, lançamos algumas questões a serem resolvidas tanto por professores em exercício, quanto na própria pesquisa em Educação: Como podemos com-preender a interdisciplinaridade em uma agenda de formação para criticidade, tão preconizada nos discursos educacionais que zele, de maneira comprometida, pela emancipação do sujeito? Como poderíamos delinear forma e conteúdo de ensino de Ciências e Matemática, em uma perspectiva interdisciplinar, tendo em vista os atravanques sistêmicos, o engessamento das práticas escolares e a pró-pria vulgarização do termo?

REFERêNCiAS

APPLE, Michael Whitman. A política do conhecimento oficial: faz sentido a ideia de um currículo nacional? In: MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa; SILVA, Tomaz Tadeu da. Cur-rículo, cultura e sociedade. São Paulo: Cortez, 1994. p. 59-89.

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes (Org.). Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia? São Paulo: Loyola, 1996.

______. Interdisciplinaridade: um projeto em parceria. São Paulo: Loyola, 2002.

______.. O que é interdisciplinaridade? São Paulo: Cortez, 2008. p. 17-28.

GONÇALVES, Harryson Júnio Lessa; PIRES, Célia Maria Carolino; PERALTA, Deise Apare-cida. Epistemologia, interdisciplinaridade e ensino de matemática. In: GOIS, Jackson. (Org.). Epistemologias e processos formativos em ciências e matemática. Jundiai: Paco Editorial, 2015. p. 41-80.

______; SANTOS, Paulo Gabriel Franco dos; PERALTA, Deise Aparecida. Interdisciplinari-dade no Ensino de Matemática: a necessária superação de modismos. Educação Mate-mática em Revista, p. 5-13, 2014.

PARASKEVA, João M. Michael Apple e os estudos [curriculares] críticos. Currículo sem fronteiras, v. 2, n. 1, p. 106-120, jan./jun. 2002.

PERALTA, Deise Aparecida. Formação continuada de professores de matemática em con-texto de reforma curricular: contribuições da teoria da ação comunicativa. 2012. 209 f. Tese (doutorado) – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências de Bauru, 2012. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/102015>.

PEREIRA, Vanderléa Andrade; LIMA, Maria da Glória Soares Barbosa. A pesquisa etno-gráfica: construções metodológicas de uma investigação. In: VI ENCONTRO DE PESQUI-SA EM EDUCAÇÃO DA UFPI. 2015. Anais... Terezina, UFPI, 2010. Disponível em: <http://goo.gl/XPsUYy>. Acesso em: 19 mar. 2015.

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Créditos

SACRISTÁN, J. Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Por-to Alegre: Artes Médicas, 1998.

SÃO PAULO. Diretrizes do programa ensino integral. 2012. Disponível em: <http://www.educacao.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/342.pdf>. Acesso em: 3 nov. 2014.

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12A PREVENÇÃO DE ACiDENTES iNFANTiS Em BERÇáRiO DA REDE PÚBLiCA DE EDuCAÇÃO

Sandra Regina Gimeniz-PaschoalFabiana Veronez martelato Gimenez

Lívia Thomaz Tobiasjeniffer Silva Duca

Débora da Silva VieiraNatália machado Oliveira

Faculdade de Filosofia e Ciências/Unesp/marília

Resumo: Acidentes infantis causam elevada morbimortalidade, mas são evitáveis. Os objeti-vos deste trabalho foram levantar subsídios e elaborar, aplicar e avaliar ações educativas sobre prevenção de acidentes infantis. O trabalho foi realizado em um Berçário municipal do interior paulista. Participaram 27 profissionais. Foram aplicados questionários, realizadas filmagens, análise de documentos, busca de literatura, propostas de ações e realizada ação educativa com profissionais. Verificou-se: a) necessidade de complementar a formação pro-fissional sobre a temática, b) segurança no ambiente mas também riscos a serem eliminados, c) acidentes no Berçário, em especial quedas, d) literatura escassa sobre acidentes com cor-pos estranhos, e) elaboração de uma Ficha de Notificação de Acidentes Escolares, f) elabo-ração de diferentes histórias para serem contadas para as crianças com o uso de fantoches, g) elaboração de ações educativas a serem realizadas com os responsáveis mediadas com dinâmicas interativas e vídeo e folhetos e h) apreciações positivas dos profissionais sobre a ação educativa e o recebimento de informações sobre a temática. Concluiu-se que foram re-alizadas diferentes atividades voltadas para a prevenção de acidentes infantis em Berçário, que permitem o envolvimento de profissionais, de crianças e de familiares.

Palavras-chave: Educação Infantil; prevenção de acidentes; educação em saúde.

iNTRODuÇÃO

Segundo o Ministério da Saúde, acidente é definido como um evento evitável e não intencional, “sendo causador de lesões físicas e/ou emocionais, que ocorre no ambiente doméstico ou em ambientes sociais, como no trabalho, no trânsito, na escola, nos esportes e no lazer” (BRASIL, 2005, p. 8).

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Os acidentes configuram um conjunto de agravos à saúde, que pode ou não levar a óbito, devidos a ocorrências no trânsito, no trabalho, no ambiente domés-tico e em outros ambientes, representado pelas quedas, envenenamentos, afoga-mentos e outros tipos de acidentes (BRASIL, 2005).

Desde a década de 60 se indicava o reconhecimento de vários fatores respon-sáveis pelo desencadeamento de acidentes tais como: “as condições ambientais físicas, sociais e culturais; o amadurecimento físico e psíquico, além do perfeito controle dos impulsos e emoções” (BAPTISTA, 1960, p. 194).

As manifestações clínicas de acidentes variam desde pequenos cortes e equi-moses até traumas múltiplos e cortes, estes ocorrendo quando características do hospedeiro, agente e ambiente agem em conjunto, em determinadas circunstân-cias e dentro de um período exato de tempo (BARACAT et al., 2000).

Conforme a idade da criança vai mudando, vão surgindo diferentes situações de risco que podem ocasionar manifestações clínicas. Segundo Waksman e Gikas (2003, p. 23), os principais riscos de acidentes no primeiro ano de vida são “aspi-ração, ingestão ou introdução de objetos pequenos nos orifícios naturais, en-gasgos com objetos, choques elétricos (dedo na tomada ou fio desencapado)”. Segundo os mesmos autores, no período entre o primeiro e terceiro ano de vida, os acidentes mais frequentes são “afogamentos (piscinas, tanques, baldes), atro-pelamentos, picadas venenosas, mordeduras, traumas (quedas ou colisões), queimaduras (térmicas, elétricas, químicas)”.

De acordo com o Ministério da Saúde, o principal motivo de internação hospi-talar de crianças e jovens até 19 anos é a queda acidental (BRASIL, 2005).

Fraga et al. (2008) referem que os acidentes na infância correspondem a aproximadamente 53% dos agravos à saúde de crianças e jovens no Brasil, e en-tre as idades de 1 e 19 anos são a primeira causa de mortalidade. Esse alto índice é mantido mesmo havendo campanhas de prevenção de acidentes, discussões nas escolas sobre trânsito, entre outras medidas. Os autores ainda apontam que dentre os acidentes na infância, também se destaca o de aspiração de corpo es-tranho (ACE). Segundo estatísticas americanas, 5% de óbitos por acidentes em menores de 4 anos se devem à ACE e esta é a principal causa de morte acidental nos domicílios em crianças menores de 6 anos. No Brasil, a ACE é a terceira maior causa de acidentes com morte. As vias mais acometidas por corpos estranhos são cavidade nasal, orelhas e orofaringe (SILVA et al., 2009).

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Nos serviços de otorrinolaringologia, os atendimentos de ACE representam cerca de 11%. Complicações graves podem ocorrer em até 22% dos casos, de-monstrando o problema da morbidade e o quanto é importante o devido reco-nhecimento, estudo e manejo desses acidentes (MANGUSSI-GOMES et al., 2013).

É importante que se conheça os agentes responsáveis pelos acidentes de ACE para que possa agir diretamente sobre eles retirando-os do ambiente das crian-ças para evitar os acidentes e além disso, ferimentos e lesões desnecessárias (MARTINS; ANDRADE, 2008).

Alguns trabalhos destacaram a predominância de morbidade e mortalidade por causas externas no sexo masculino. Para Filócomo et al. (2002), os garotos estão mais expostos às atividades que envolvem maior risco e as meninas parti-cipam de atividades mais tranquilas, pelo fato de haver diferentes atividades em ambos os sexos.

Com relação à idade, Filócomo et al (2002) realizaram pesquisa em um Pron-to Socorro Infantil, com 942 crianças acidentadas, e verificaram que 41% destas crianças apresentavam idade de 7 a 11 anos e 29,8% apresentavam idade de 1 a 3 anos.

Para Oliveira (2008, p. 20), considerando a literatura nacional e a internacional, os acidentes com crianças representam um problema de saúde pública, pelo fato de apresentarem uma alta incidência e repercussão. Estes acidentes se destacam nas estatísticas de morbimortalidade não só no Brasil, como em diversos outros países, “cuja solução depende basicamente de ações educativas preventivas”.

O Brasil, os Estados Unidos, Portugal, México e Coréia estão entre os princi-pais países que apresentam taxas elevadas de óbitos por acidentes em menores de 15 anos, “[...] os Estados Unidos da América (14,1 por 100.000 crianças), Por-tugal (17,8 por 100.000 crianças), México (19,8 por 100.000 crianças) e Coréia com 25,6 óbitos por 100.000 crianças” (MARTINS, 2006, p. 345).

As necessidades educativas também variam com a idade e o desenvolvimento da criança. Assim, de modo geral, é importante a identificação do risco de aciden-tes, de acordo com o estágio de desenvolvimento da criança e dos hábitos com-portamentais comuns ao período em questão, para que se possa definir um pro-grama de prevenção dirigido a cada faixa etária (ZUCKERMAN; DUBY, 1985).

A Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violên-cias foi implantada em 2001 descrevendo diretrizes e responsabilidades para o

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desenvolvimento de ações de promoção da saúde e de prevenção de agravos à saúde, articulando vários serviços e setores da sociedade para a redução dos ca-sos. Esta Política prevê o trabalho com equipes multidisciplinares e ações interse-toriais, bem como estímulo à pesquisa sobre o assunto e ações de educação conti-nuada e permanente aos profissionais inseridos nos serviços (BRASIL, 2005).

Os Ministérios da Saúde e da Educação a partir da promulgação do Decreto no 6286 em 5 de dezembro de 2007, propõem a realização de ações sobre pre-venção de agravos e de promoção à saúde com o Programa Saúde na Escola (PSE), com atenção à saúde de crianças e adolescentes do ensino básico público, por meio de atividades realizadas com os alunos (MACHADO et al, 2015). A preven-ção dos acidentes infantis faz parte dessas ações no ambiente escolar.

Liberal, et al. (2005, p. 157) refere que “a segurança no espaço escolar é indis-sociável da educação e da promoção da saúde”.

A prevenção constitui-se em importante recurso para a redução dos aciden-tes e estará na dependência dos conhecimentos adquiridos sobre fatores predis-ponentes dos diversos tipos de acidentes e a atenção sobre as oportunidades de prevenção. A educação, que é parte da prevenção primária, é de grande valor como meio de minimizar os acidentes e deve ocorrer o quanto antes na vida das pessoas. Assim, a educação infantil precisa ser investida e, em especial os profis-sionais que atuam com as crianças, especificamente já nos berçários, devem re-ceber formação para também poderem contribuir.

Considerando o exposto, justifica-se empreender esforços na direção reali-zar atividades em escolas de educação infantil sobre a temática da prevenção de acidentes.

OBjETiVOS

Os objetivos gerais deste trabalho foram levantar subsídios e elaborar, aplicar e avaliar ações educativas sobre prevenção de acidentes infantis.

Os objetivos específicos foram: a) investigar os conhecimentos e as opiniões dos profissionais sobre a temática dos acidentes infantis, b) identificar fatores de risco para acidentes e/ou para a segurança no ambiente escolar, c) identificar registros de acidentes infantis ocorridos na escola, d) realizar levantamento de literatura sobre temática específica de acidentes, e) elaborar e implantar instru-mento para notificação de acidentes escolares, f) elaborar propostas de atuação

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com as crianças, g) elaborar propostas de atuação com responsáveis e h) aplicar e avaliar ação educativa sobre a temática com os profissionais da escola.

mÉTODO

Ambiente

O trabalho foi realizado em um Berçário de uma cidade do interior do estado de São Paulo com aproximadamente 220 mil habitantes. A instituição de Educa-ção Infantil atende crianças com idades de quatro meses até um ano de idade e acolhe anualmente aproximadamente 65 crianças, de ambos os sexos.

Participantes

Participaram desta pesquisa 27 profissionais (de um total de 32 profissio-nais) do Berçário e todos consentiram sua participação mediante assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

materiais

Para coleta dos dados, foram utilizados impressos previamente preparados: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para Profissionais do Berçário; Ro-teiro de Filmagem do Ambiente Escolar para identificação de áreas/situações de risco para ocorrência de acidentes e/ou de proteção e segurança; Roteiro para Consulta de Documentos da Escola sobre ocorrências acidentais, Questionários para Profissionais – Pré e Pós Ação Educativa. Foram também utilizados os se-guintes equipamentos: filmadora, computadores e impressora.

Procedimentos

Este trabalho é parte de um projeto maior, de ensino, pesquisa e extensão. O projeto está em andamento e se desenvolve também junto ao Núcleo de Ensino. Este trabalho pretendeu aglutinar e sintetizar as atividades que vêm sendo reali-zadas em um Berçário, de modo a fornecer um panorama da natureza das ativi-dades também realizadas em outras escolas que fazem parte do projeto.

Para a realização do projeto mais amplo, inicialmente foi mantido contato com a Secretaria da Educação e a Secretaria da Saúde do município, a fim de

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esclarecer os objetivos e o método do projeto e solicitar autorização para sua implementação. De posse da autorização, foi encaminhada solicitação de aprova-ção do projeto para o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual Pau-lista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Marília.

Com a aprovação do Comitê de Ética, foi realizado contato com a Direção do Berçário para esclarecimento dos objetivos e do método e solicitação de autori-zação para realizar o projeto naquela escola, mediante assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Na instituição de ensino, com a autorização da Direção, foi feito contato com os profissionais, os quais também consentiram sua participação na pesquisa me-diante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram coleta-das informações por meio de questionários elaborados especificamente para este trabalho, um inicial (pré-ação educativa) que teve como objetivo investigar conhecimentos e opiniões sobre a temática do projeto, e outro com apreciações sobre a ação educativa realizada (pós ação educativa). Foi realizada consulta de documentos que continham registros de acidentes ocorridos no berçário, utili-zando roteiro específico. As filmagens dos ambientes do berçário ocorreram em datas pré-estabelecidas pela dirigente, em horários que as crianças não estavam presentes, por meio também de Roteiro específico, que pode ser utilizado tanto para a realização da filmagem como para sua análise.

As respostas aos questionários, bem como transcrição dos registros de ocor-rência de acidentes e das filmagens, foram organizadas em quadros, criadas cate-gorias de análise e feito o julgamento das categorias por pesquisadores experien-tes em pesquisa na área. Posteriormente, os resultados foram dispostos em tabelas com frequências e porcentagens.

A revisão da literatura sobre acidentes com corpos estranhos (ACE) entre crianças foi realizada mediante consulta das seguintes bases eletrônicas de dados: Portal de Periódicos CAPES/MEC, Literatura Latino-Americana e do Cari-be em Ciências da Saúde (LILACS) e Scientific Electronic Library Online (SciELO) e MEDLINE. Inicialmente, realizou-se um levantamento do vocabulário estrutu-rado dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) com o intuito de identificar os termos de busca adequados e indexados. Os termos selecionados foram: corpos estranhos/foreign bodies, pré-escolar/child preschool, criança/child. Os critérios de inclusão utilizados para selecionar os artigos que serviram de base para a ela-

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boração do presente trabalho foram: artigos em português realizados em âmbito nacional, disponíveis na íntegra na internet por meio da busca a partir dos des-critores estabelecidos, envolverem a temática de ACE em crianças e publicados entre o período de 2008 a 2016. Todos os estudos que não incluíram esses crité-rios foram excluídos da pesquisa. Após aplicação dos critérios de inclusão, os estudos selecionados foram analisados de acordo com as seguintes variáveis: ano de publicação, tipo de estudo, base de dados, local onde foi desenvolvido o estudo, agentes que mais causam ACE, locais do corpo acometidos, idade e gêne-ro dos indivíduos. Além disso, foi verificado se algum estudo sobre o tema abor-dou o ambiente escolar e se os estudos estiveram voltados para a prevenção dos ACE ou apenas para o evento já ocorrido, ou seja, no atendimento após a ocorrên-cia do acidente.

Considerando que a quantidade de informações obtidas com as diferentes for-mas de coleta de dados foi grande, para este trabalho foram selecionadas as prin-cipais informações para serem descritas, com seus resultados predominantes.

RESuLTADOS E DiSCuSSÃO

Conhecimentos e opiniões dos profissionais

Os conhecimentos e opiniões dos 27 profissionais participantes que responde-ram ao questionário inicial, para as questões selecionadas para este trabalho e de acordo com as categorias de respostas mais frequentes, serão descritos a seguir.

Quando foram questionados sobre “O que são acidentes infantis?”, verificou-se que 11 (17,7%) respostas referiram-se à “queda”, 8 (13,0%) a “ferimento ou le-são”, 7 (11,3%) referiram-se ao “engasgo” e 6 (9,3%) às “ocorrências que colo-cam a criança em risco”.

Em relação ao questionamento sobre “Quais ambientes da escola e situa - ções considera serem de maior risco para a ocorrência de acidentes infantis?”, 5 (13,9%) das indicações se referiram a “parque”, 4 (11,1%) a “todos os ambien-tes” e 4 (11,1%) ao “refeitório”.

Quando foi perguntado se “Houve algum evento na escola que considerou ser um acidente infantil?”, apenas 5 (18,5%) dos profissionais responderam afirma-tivamente. Ao especificarem tais eventos, 2 indicações se referiram a “queda” e 1 a acidente envolvendo “força mecânica”. Em relação ao local da ocorrência, 2 indicações foram para ocorrência nos “ambientes do berçário” e 1 foram para

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“parque”. Como situações que contribuíram para tais ocorrências houve 2 indica-ções para “quando perdem o equilíbrio”, 1 para “quando a criança é empurrada pelo colega”, 1 para “quando a criança puxa algum objeto pesado que cai sobre ela” e 1 para “subir na rampa”. Em relação ao momento da ocorrência do aciden-te, houve 5 especificações de que “estavam presentes outras pessoas”, sendo 4 indicações referentes a “profissionais do Berçário”, 3 a “professores” e 2 a “aten-dentes”. Como consequência do acidente para a criança houve 2 indicações para “hematomas/inchaços”, 1 para “engasgo” e 1 para “corte”. Quanto às áreas do cor-po da criança que foram atingidas pelo acidente, 2 indicações se referiram à “ca-beça”, 1 ao “nariz” e 1 à “boca”. Como repercussões do acidente houve 1 indicação referente a “encaminhar a criança para o hospital”.

Com relação à pergunta “Se ocorrer acidente infantil na escola, quais são os procedimentos realizados (com a criança, com os responsáveis e na escola)?”, as respostas mais frequentes foram “socorrer a criança” com 15 (27,8%) indica-ções, “notificar os pais, se houver necessidade” com 13 (24,1%) e “comunicar a direção” com 8 (14,9%).

Quando questionados se receberam informações sobre prevenção de aciden-tes infantis, houve 17 (63,0%) indicações de que não receberam e 9 (33,3%) de que receberam. Dos que receberam, ao especificarem o assunto que foi tratado, 3 indicações referiram que foi sobre “primeiros socorros” e 2 sobre “acidentes em geral”. Sobre a forma, 5 indicações referiram-se a “palestra”. Em relação a quem forneceu as informações, 3 indicações referiram que foram “bombeiros”, 2 “médicos” e 2 “a direção da escola”.

Ao serem questionados se realizaram na escola alguma atividade que envol-veu o tema dos acidentes e/ou prevenção de acidentes infantis, houve 23 (85,2%) indicações de que não realizaram. E, ao ser perguntado “Em sua opinião, seria importante ocorrer ações educativas para prevenção de acidente infantil aqui na escola?”, houve 19 (70,4%) indicações afirmativas. Ao especificarem de que for-ma deveriam ser realizadas, 8 indicações referiram por meio de “palestras”, 3 “cursos” e 2 ”reuniões”. Sobre “Quem deveria participar?”, as indicações foram 11 para “funcionários”, 3 para “pais”, 2 para “professores” e 2 para “todos os pro-fissionais”. Quanto ao local, 14 indicações foram para ocorrer “na escola”.

Foi investigado se os profissionais conheciam alguma legislação que aborda-va a temática dos acidentes. Predominaram as indicações de que não conheciam, com 24 (88%).

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Estes resultados indicaram que alguns profissionais percebem os acidentes ocorrendo na realidade da escola e que para a grande maioria dos profissionais do Berçário há a necessidade de complementação da formação sobre a temática da prevenção dos acidentes infantis, de modo a contribuir para que atuem na escola e com familiares e/ou responsáveis pelas crianças no sentido de aumenta-rem a proteção e evitarem os acidentes.

A formação na temática da prevenção de acidentes infantil é preconizada para profissionais de diferentes áreas, para uma atuação integrada e para a diminui-ção da morbimortalidade desta população (BRASIL 2005, 2007).

Aspectos de risco e de segurança do ambiente escolar

Na área externa do Berçário, com a análise das filmagens, foram observados aspectos de risco, como a presença de árvores com raízes expostas que poderiam favorecer o tropeçar e o cair, a existência de alambrado com a possibilidade de enroscar partes do corpo e desnível entre calçamento e grama, que pode causar desequilíbrio e quedas. Como aspectos de proteção verificou-se topografia do terreno plana/sem barrancos, muro de tijolo com superfície íntegra e extintor de incêndio acessível e pronto para o uso.

No banheiro os aspectos que apresentavam riscos eram decorrentes do piso ser liso, não apresentar revestimento antiderrapante, apresentar em pequenas áreas o chão molhado, e não apresentar tapete antiderrapante. Como aspectos de prote-ção, o piso não apresentava buracos e o reboco da parede não estava se soltando.

No berçário (local de dormir), como aspectos de risco foi encontrada a pre-sença de piso liso, sendo encerado e polido, sem revestimento antiderrapante, podendo favorecer ocorrência de quedas, bem como as grades dos berços apre-sentavam grande distância entre elas, podendo favorecer o enroscar da cabeça da criança. Em alguns casos os travesseiros dos berços eram altos e fofos, o que pode facilitar sufocação. Haviam tomadas elétricas desprotegidas algumas delas ao alcance das crianças, que podem favorecer choques elétricos e queimaduras derivadas da corrente elétrica. Como aspectos de segurança verificou-se que o piso não apresentava partes soltas ou buracos e estava seco. Os berços não apre-sentavam partes soltas ou quebradas, estavam sem pontas ou lascas, e as grades eram altas, não havendo possibilidade de se transpor. O reboco da parede não estava se soltando.

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No playground aberto, como aspectos de risco que podem levar a acidentes, haviam brinquedos apresentando partes pontiagudas e enferrujadas, que pode-riam levar a cortes e machucaduras, e também árvores com raízes, com a possi-bilidade de as crianças tropeçarem nelas e caírem. Como aspectos de proteção, o piso não apresentava buraco, era de terra e grama (que absorvem mais os impac-tos de uma possível queda) e não haviam partes cimentadas próximas aos brin-quedos, bem como não haviam também brinquedos com partes soltas, equipa-mentos de escalar ou escorregar sobre o cimento, não apresentava plantas com folha e/ou fruto venenoso acessível às crianças.

No Playground coberto como aspectos de risco haviam partes cimentadas próximas aos brinquedos (equipamentos de escorregar e escalar sobre o cimen-to), os quais não absorvem impacto caso ele ocorra, bem como plantas com fo-lhas e/ou fruto venenoso acessível à criança. Os aspectos de segurança foram brinquedos firmes sem soltar partes pequenas, que podem ser engolidas e cau-sar engasgo. O piso era todo cimentado, porém, não apresentava buraco, nem brinquedos com partes soltas, pontiagudas ou enferrujadas.

A sala de aula expunha riscos como piso liso sem revestimento antiderra-pante e encerado e polido, tomadas elétricas ao alcance das crianças e sem pro-teção. Como aspectos de proteção, não havia no piso partes soltas, buracos ou tapete enrugado. As cadeiras estavam em boas condições e não constando ca-deiras com assentos ou pés desnivelados ou com partes pontiagudas e superfí-cie se deslocando. Os brinquedos não se apresentavam quebrados, com partes pontiagudas ou superfícies cortantes, não havia brinquedo com peças peque-nas ou soltas.

Considerando as observações feitas com as filmagens, predominaram os as-pectos de segurança, em especial pela ausência dos itens de risco que não esta-vam presentes, mas haviam alguns aspectos de risco para acidentes, em especial nas áreas externas, como as árvores com raízes expostas. Nas áreas internas os riscos eram decorrentes, principalmente, do piso liso, sem revestimento antider-rapante e por estar encerado e polido. Tais riscos devem ser modificados e/ou eliminados de modo a diminuir oportunidades de acidentes no Berçário.

A maioria dos resultados obtidos neste trabalho corroboram com os obtidos nos trabalhos de Scota (2012) e de Oliveira (2003; 2008), também realizados em escolas de educação infantil.

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De acordo com Liberal et al. (2005, p.159), “a modificação do ambiente de modo a torná-lo mais seguro é uma medida de prevenção passiva de forte impac-to para a redução de acidentes [...]”.

Ocorrências de acidentes registradas

Dos 31 registros de ocorrências acidentais na escola identificados, 19 (61,6%) se referiram a situações em que a criança sofreu um acidente de quedas.

Este resultado está de acordo com a literatura, que aponta serem as quedas um dos principais acidentes infantis (BRASIL, 2005).

Quanto ao local, do total de acidentes registrados, 16 (51,6%) ocorreram na escola e 3 (9,7%) ocorreram em casa.

O percentual de acidentes na escola foi superior ao encontrado na literatura, que aponta os acidentes com crianças em idade escolar, que ocorrem na escola ou em seu entorno, de 10 a 25% (SENA, RICAS, VIANA, 2008).

As consequências dos acidentes foram a batida da cabeça ou outras partes do corpo, com 11 (36,4%) indicações, hematomas em partes do corpo com 3 (9,1%) e arranhões no rosto e cotovelo com 3 (9,1%).

De acordo com Waksman e Gikas (2003), as lesões mais frequentes decorren-tes das quedas são as lacerações (cortes) e as fraturas, sendo que os traumatis-mos cranioencefálicos contribuem para a maioria das mortes.

Literatura levantada

Foram selecionados 7 estudos que atenderam aos critérios da busca da litera-tura. Na base de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO) não foram apresentados resultados com as palavras chaves usadas nessa revisão. No Portal de Periódicos Capes/MEC, foram encontradas 18 produções, mas após uma leitu-ra prévia, nenhum se adequou ao abordado nessa revisão. Na base de dados Li-teratura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) foram encontradas 53 produções, sendo que após a observação dos critérios de inclu-são, e por meio de leitura prévia, 7 artigos se adequaram ao tema. Na base de dados MEDLINE originaram 4 produções que se repetiram com os resultados do LILACS. Foram selecionados, portanto, 7 artigos, os quais foram analisados por meio leitura sistematizada e realizadas anotações das seguintes variáveis: ano de

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publicação, tipo de estudo, base de dados, local onde foi desenvolvido o estudo, agentes que mais causam ACE, partes do corpo acometidas, idade e gênero dos indivíduos. Além disso, verificar se algum estudo sobre o tema aborda o ambien-te escolar e se o estudo estava voltado para a prevenção dos ACE ou se estava direcionado apenas para o evento já ocorrido, ou seja, no atendimento após a ocorrência do acidente.

Verificou-se que quatro estudos foram publicados em 2008 (57,14%), dois em 2009 (28,57%) e um em 2013 (14,29%). Os anos de 2010, 2011, 2012, 2014, 2015 e 2016 não apresentaram resultados.

Dos estudos abordados, quatro foram estudos do tipo retrospectivo (57,14%), um do tipo transversal (14,29%), um do tipo descritivo (14,28%) e um do tipo prospectivo (14,28%).

Constatou-se a predominância de crianças com a faixa etária de 0 a 4 anos acometidas por acidentes com corpos estranhos (71,43%), o pico da faixa etária foi de 3 anos. Fraga (2008) também mostra em seu estudo que ACE ocorre em maioria na faixa etária de 1 a 3 anos e no gênero masculino, já que nessa idade, as crianças apresentam maior curiosidade e impulsividade, principalmente os meninos.

O fato de a criança menor de três anos ser mais propícia à ACE, do que as mais velhas, é explicado pela tendência natural de levar à boca tudo o que encontrar e que estiver ao seu alcance, é natural do nível de desenvolvimento que se encon-tra, o reflexo da tosse não está com a maturação completa e características ana-tômicas das vias aéreas (SOUSA, 2009). Também refere que nessa fase, assim que começam a engatinhar e/ou andar, é quando começam a ter acesso a esses diver-sos objetos, e por curiosidade, acabam colocando em orifícios como orelha, nariz, além da boca.

O desenvolvimento neuropsicomotor com falta de maturidade completa fisi-camente e mentalmente, falta de experiências e falta de conhecimento adequado para serem capazes de prever e evitar situações de perigo, curiosidade, a pré--disposição a imitar os adultos em seus comportamentos e atitudes, falta de no-ção corporal e espacial, dificuldade na coordenação motora e crianças menores estarem na fase oral, que faz com que levem os objetos que estão ao seu alcance à boca e possivelmente, em algumas crianças, a hiperatividade, agressividade, impulsividade e distração, além de particularidades como deficiência física e/ou mental, podem estar associadas a esses resultados (MARTINS; ANDRADE, 2008).

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Em relação ao gênero, com os casos de ACE houve o predomínio do sexo mas-culino (100%). Esse resultado pode ser comparado com outros estudos que indicam esse sexo como predominante entre as vítimas de acidentes infantis. O resultado pode justificar-se pela variação de atividades entre os sexos, e por maior vigilância sobre as crianças do sexo feminino (MARTINS; ANDRADE, 2008). Além disso, essa prevalência do sexo masculino pode ser explicada pelo fato de os meninos terem maior curiosidade e por tenderem a ser mais aventu-reiros (SOUZA, 2009).

Os agentes que mais causam ACE identificados foram feijão (42,86%) e al-godão (28,58%). Figueiredo et al (2008), também apresentam o feijão como o corpo estranho mais encontrado, primeiro em orelha e terceiro em cavidade na-sal. Fragmentos de algodão são encontrados nesse tipo de acidente devido aos hábitos populares de higiene e de alívio do prurido otológico.

As moedas, botões, grãos, sementes, pecinhas de brinquedo, entre outros ob-jetos, não são percebidos pelos adultos como algo que ofereça risco e nem que exijam muita atenção, mas são atrativos para as crianças. Na sua fase de desco-berta do corpo e exploração, a criança introduz esses objetos em fossas nasais e orelhas, também chegando a degluti-los (MARTINS; ANDRADE, 2008).

Nessa revisão foi encontrado que os locais do corpo acometidos com predo-minância pelo acidente são o conduto auditivo, as vias aéreas baixas e os olhos. Silva (2009) também refere que há uma predominância de CE em região nasal em crianças.

A partir dos resultados encontrados, há o alerta para o perigo dos objetos pequenos, os quais as crianças podem introduzir nas fossas nasais, no conduto auditivo e até ingerir, o que pode causar risco à saúde e, na retirada do corpo estranho, pode ocorrer trauma. Ocasionalmente, o adulto pode perceber o aci-dente tardiamente, apenas quando a criança já apresentar dor e/ou inflamação do conduto auditivo ou fossas nasais, ou já quando a criança apresentar dificul-dade respiratória em razão da obstrução das vias aéreas baixas (MARTINS; AN-DRADE, 2008).

Dos trabalhos levantados para essa revisão, nenhum tratou apenas sobre a prevenção de ACE, quatro trataram apenas da assistência após o acidente já ter ocorrido (57,14%) mas três trabalhos trataram da prevenção do acidente e tam-bém da assistência após a ocorrência do mesmo (42,86%).

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Acidentes podem ser prevenidos, como um exemplo, deve haver a instrução a respeito de riscos alimentares para os pais, como grãos e frutas, e também de que se deve manter objetos propícios ao acidente longe do alcance dos filhos peque-nos, pois podem causar ACE, sendo facilmente aspiráveis, deglutidos ou introdu-zidos em cavidades auriculares (SOUSA, 2009).

Sobre a variável de abordagem do tema de ACE em escola, nenhum dos 7 ar-tigos selecionados para este estudo trouxeram essa temática. Mesmo diante de literatura que mostra que as ações de prevenção e promoção no ambiente esco-lar são importantes para a redução de acidentes. O Ministério da Saúde (BRASIL, 2002) considera que o ambiente escolar é um ambiente profícuo para a realiza-ção de atividades preventivas e de conscientização, pois o tempo que elas ficam na escola é importante para a abordagem de questões de promoção e prevenção de doenças, assim como fortalecimento dos fatores de proteção para as crianças.

Os resultados desta revisão indicaram que ACE são comuns entre crianças de 0-4 anos, principalmente entre os meninos, devido às características próprias do desenvolvimento. Os locais mais acometidos por esse acidente são o ouvido, as vias aéreas baixas e olhos, mas na literatura também são citados nariz e orofarin-ge. Feijões, algodão e moedas são os objetos com maior incidência de casos. De-ve-se destacar a falta de estudos que abordam a prevenção deste tipo de aciden-te. Houve a carência de literatura acerca dessa abordagem, o que seria de grande importância para que esses acidentes diminuam. Além disso, o ambiente escolar não foi citado em qualquer trabalho, e segundo a literatura, seria importante ações de prevenção neste ambiente, para que atinja o público alvo dos acidentes com corpos estranhos, ou seja, as crianças.

Oliveira (2003), também considera que a escola é um local privilegiado para o desenvolvimento de ações educativas voltadas para a prevenção dos acidentes infantis e promoção de segurança.

instrumento de notificação de acidentes

Foi elaborada uma Ficha de Notificação de Acidentes Escolares, disposta ape-nas no anverso de uma folha com tamanho A4, com sete campos separados em quadros e com espaços demarcados com quadradinhos antes de opões prévias de respostas ou linhas para respostas descritivas.

O primeiro campo se referiu aos dados gerais, como nome da escola e do pro-fessor. O segundo incluiu os dados da notificação individual, como nome do aluno,

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seus dados pessoais, se possui alguma deficiência e o local onde reside. O terceiro campo se destinou a dados do acidente, como data, local, tipo de acidente, área do corpo atingida e presença de pessoas no momento do acidente. O quarto campo se referiu aos dados de atendimento médico, como quem transportou a criança e para qual local. O quinto campo destinou-se a dados de conclusão do acidente, como a evolução do caso e se foi a óbito. O sexto campo se referiu a informações complementares e observações, incluindo a descrição de como ocorreu o aciden-te. O sétimo e último campo foi destinado ao nome do responsável pelo preenchi-mento da Ficha, a data e a sua assinatura.

Esta Ficha foi apresentada ao Secretário da Educação, que sugeriu que a mes-ma fosse implantada em todas as escolas da rede básica de educação, entretanto, ponderou-se ser melhor a implantação neste Berçário e nas outras três escolas definidas pelo município para fazer parte do Programa Saúde na Escola, de modo a acompanhar o seu uso por um período de tempo estendido e após uma avalia-ção e reajustes que se mostrarem necessários, estendê-la para toda a rede.

Na área de prevenção de acidentes uma séria questão a ser enfrentada, em todo o mundo é a da subnotificação das ocorrências acidentais, assim, a proposi-ção desta Ficha poderá favorecer as notificações e a pesquisa posterior sobre as mesmas oferecerá subsídios para ações consonantes com as ocorrências e o acompanhamento de seu impacto.

Propostas para ações educativas com crianças

Foram elaboradas diferentes propostas de atividades educativas para serem aplicadas junto às crianças, basicamente no formato de contação de histórias adaptadas e o uso de fantoches. Duas destas propostas serão descritas a seguir.

A primeira proposta constou na adaptação de um clássico das histórias infan-tis, a história da “Chapeuzinho Vermelho”. Incluiu a utilização de fantoches dos personagens principais e de outros objetos que compõem a história, feitos em tecido, com a contação e a encenação com os fantoches em uma roda com as crianças e todos sentados no chão, que deve estar devidamente forrado e com os apoios necessários para as crianças permanecerem sentadas e em segurança. A adaptação do conteúdo da história foi feita para abordar especialmente a temá-tica da prevenção das quedas acidentais, de maneira lúdica e com linguagem de fácil entendimento para as crianças. Assim, por exemplo, a Chapeuzinho Verme-

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lho vai visitar a vovó com sua motoca (triciclo), mas antes se prepara, tirando o seu chapéu vermelho para poder vestir corretamente e ajustar na cabeça o capa-cete infantil. E, ao tirar o chapéu e colocar o capacete, nada de ruim vai lhe acon-tecer, caso encontre um lobo no caminho, ele será bem bonzinho, ficará distante olhando a natureza. A preparação também inclui colocar as cotoveleiras e as joe-lheiras. Durante todo o passeio, ela vai ser acompanhada pela sua mamãe, que também vai lhe ensinar como desviar de buracos, não pedalar muito rápido, não fazer curva pedalando forte, etc. A sua mamãe também vai orientando para que quando chegue na casa da Vovó, como sempre fica muito feliz e quer sair corren-do, para descer devagar da motoca e ir caminhado devagar até à casa da Vovó. E, lá dentro da casa da Vovó, ter muito cuidado com escadas e só subir acompa-nhada de um adulto. Também não tentar subir em móveis. Durante a contação da história, serão feitas interações com as crianças.

A segunda proposta de ação educativa com as crianças é baseada na adapta-ção de episódios do livro “História do Gato Joca, Tom e Ioiô Dora”, o qual é sugeri-do para a educação infantil e disponibilizado gratuitamente no site do Programa Criança Segura. O objetivo dessa atividade educativa foi o de trabalhar o conheci-mento das crianças sobre os riscos de acidentes a que estão expostas no dia a dia. Todos os episódios com adaptações ajudam a trabalhar a prevenção de diferentes tipos de acidentes. Como ilustração, serão comentados aqui três episódios, volta-dos para a prevenção de atropelamentos e de acidentes com corpos estranhos introduzidos nos orifícios naturais do corpo. No primeiro episódio do livro, o gato e a criança amiga quase são atropelados por um carro, assim, a história é comple-mentada com as orientações para a criança estar sempre acompanhada por um adulto da família ou responsável por ela quando for na rua e ainda mais com a proximidade de carros. E, mesmo em casa, não engatinhar ou andar perto de car-ros, ainda que o carro esteja parado e na garagem da casa. Também se trabalha com o semáforo, com suas cores e seus significados. Com o segundo episódio, que se desenvolve com um trajeto de carro, se trabalham orientações para ficar sem-pre no banco de trás do carro, na cadeirinha e com o cinto de segurança atado, só sair quando o adulto retirar o cinto. Procurar ajudar o motorista a dirigir com bastante atenção no trânsito, só pedindo sua atenção se for muito importante e necessário. No quinto episódio, com o perigo de sufocação usando um saco plás-tico, se trabalha com dicas para evitar levar à boca tudo o que encontra, como

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saquinhos plásticos, sacolas de supermercado, grãos e sementes que caem no chão, objetos pequenos e partes pequenas de brinquedos, para nada atrapalhar a entrada e a saída do ar pela boca. Também se orienta que nada deve ser colocado no nariz, para também não impedir a entrada e saída do ar. Outras dicas são for-necidas para manter os ouvidos sempre livres e abertos para ouvir todos os sons, nada colocando neles (sementes, grãos, objetos pequenos, lápis, etc.).

Para todas as propostas educativas, os procedimentos de coleta de dados de-verão ocorrer antes, durante e após a atividade com as crianças, e incluírem a observação das crianças por meio de um checklist para verificar comportamen-tos de chorar, fazer gestos em direção a outras pessoas, levantar, conversar com amigos ou fazer perguntas para a contadora da história/profissionais da escola/coleguinhas. Também inclui um questionário para os professores auxiliarem na avaliação da atividade e com sugestões.

Espera-se que as crianças se envolvam com as propostas, participem de algu-ma forma, expressando suas emoções, fazendo perguntas e relatando acidentes sofridos por elas, seus familiares e/ou por algum amigo, referindo também como estes poderiam ter sido evitados e como pode se prevenir da ocorrência dos acidentes.

Ações com crianças da educação infantil sobre prevenção de acidentes são sugestivas para propiciar integração intersetorial, sobretudo entre profissionais da saúde e da educação, endossando as diretrizes dos Ministérios da Saúde e da Educação para atividades com esta temática nas escolas (NASCIMENTO et al., 2013).

Propostas para ações educativas com responsáveis

Foram elaboradas diferentes propostas para atuação com pais e/ou respon-sáveis, basicamente com duração breve e para serem incluídas em momentos de reunião com pais na escola. O formato básico foi o uso dialogado de informações verbais, acompanhadas de exibição em multimídia e acrescidas de estratégias mais interativas. Como ilustração descreve-se a seguir duas propostas.

Uma primeira proposta foi a de realização de ação educativa voltada para a prevenção de intoxicação. Um questionário breve foi elaborado para ser aplicado antes do início das atividades com o objetivo de verificar o local, o cômodo e o acesso em que produtos de limpeza e remédios ficam guardados nas residências,

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de modo a também mobilizar os pais para os assuntos a serem tratados. A seguir foram preparadas informações acerca das situações que favorecem ou não a ocorrência de intoxicações, para serem trabalhadas com diálogos e exibições no multimídia. Na sequência, com a prévia organização de produtos de limpeza e remédios colocados pareados com alimentos e dispostos em garrafas e embala-gens transparentes e iguais, com similaridade na aparência do conteúdo coloca-do nelas (por exemplo soda e sal grosso, água sanitária e refrigerante de limão, etc.), estes serão apresentados aos pares e será solicitado aos responsáveis para diferenciar os produtos alimentares dos demais produtos.

Uma segunda proposta foi voltada para a prevenção de quedas acidentais, especialmente para os momentos de troca de roupas. Foi realizada adaptação de um trabalho de orientação a responsáveis por bebês (GIMENIZ-PASCHOAL, 1998). Um questionário breve inicial, acompanhado da apresentação de duas fotos com bebês (uma em situação de risco de acidente de queda durante a troca de roupas e outra em situação segura), coletará informações e mobilizará para explicações acerca daquelas mesmas imagens. Após breve diálogo, serão traba-lhadas informações por meio de um vídeo que trata dos comportamentos de segurança e de risco emitidos por cuidadores quando da troca de roupas de be-bês. Um folheto também será utilizado para fomentar diálogos, sintetizar as in-formações trabalhadas e ser levado para casa para favorecer a lembrança e a aplicações dos cuidados orientados.

Como procedimentos de coleta de dados acerca das propostas educativas com os responsáveis, foram elaborados questionários breves a serem aplicados antes da ação educativa e outro após, para avaliar a atividade e obter sugestões, bem como dirimir dúvidas que possam ter surgido. Durante as atividades tam-bém foram previstas observação e anotações dos acontecimentos e verbaliza-ções ocorridas.

Waksman e Gikas (2003) afirmam que dentre as principais estratégias pa- ra prevenir a ocorrência dos acidentes, merecem destaque a sensibilização para promoção de proteção automática por meio de produtos seguros, a motivação para mudanças de comportamento individuais por meio de leis ou normas admi-nistrativas e a orientação às pessoas em risco para alterar seu comportamento e melhorar sua proteção, objetivando a conscientização das pessoas para evitar os fatores de risco e promover os fatores de segurança.

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Ação educativa com profissionais

Para a ação educativa com os profissionais foram preparados slides com a devolutiva de todos os dados obtidos com as entrevistas iniciais com os profissio-nais, as consultas aos documentos da escola e dados e fotos ilustrativas de aspec-tos de risco e de segurança extraídos das filmagens dos diversos ambientes, acrescidos com informações da literatura e de legislação, bem como sugestões de atividades a serem realizadas no Berçário com o envolvimento dos próprios pro-fissionais, das crianças e dos responsáveis por elas.

Participaram da ação educativa 16 profissionais e a duração foi de aproxima-damente duas horas.

Após a ação educativa, os profissionais preencheram um questionário para avaliar a atividade realizada.

Em relação à questão “Quais os aspectos positivos e os negativos que você percebeu na realização desta atividade sobre prevenção de acidentes infantis (assuntos tratados, forma em que foi realizada, etc.)?” houve apenas 1 (4,3%) indicação negativa, referindo que o “tempo foi curto” e 22 (95,75%) indicações positivas. Dentre estas, 5 (22,7%) indicações se referiam ao fato de que a ação trouxe “esclarecimentos úteis, que até então eram desconhecidos” para eles, 3 (13, 6%) indicações que sinalizaram que foi um “aprendizado de prevenção”, 2 (9,1%) que trouxe “esclarecimentos necessários”, 2 (9,1%) que “ajudou a re-duzir a exposição a possíveis riscos” e 2 (9,1%) que ajudou na “prevenção de acidentes”.

Quando foram questionados sobre “Quais sugestões poderiam fornecer com o fim de proporcionar a melhoria da atividade?”, 8 (38,09%) das indicações dos participantes foram sugerindo a realização de “palestras/cursos/reuniões para os pais sobre a prevenção de acidentes”, 4 (19, 05%) indicações para realiza- ção de “dinâmicas”, 2 (9,52%) indicações de “orientação para responsáveis da educação”.

De acordo com as repostas dos participantes ao questionamento sobre “Quais dúvidas restaram acerca do tema em questão?”, verificou-se que 10 (50%) indi-cações referiram “nenhuma dúvida, tudo bem esclarecido”.

Sobre a questão “Considerando a Legislação compartilhada, as informações recebidas foram novas?”, houve 12 (57,14%) respostas sinalizando que a infor-mação era nova para eles.

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Os resultados obtidos indicam apreciação positiva dos profissionais acerca da ação educativa realizada e a necessidade de continuidade de atividades desta na-tureza para favorecer iniciativas dos profissionais na direção de tornar cada vez mais o ambiente do Berçário um local seguro e disseminarem informações para familiares e/ou responsáveis formando uma rede de proteção para as crianças.

CONSiDERAÇÕES FiNAiS

Este trabalho permitiu concluir que foram realizadas diferentes atividades voltadas para a promoção da segurança e para a prevenção de acidentes infantis em Berçário, as quais permitem o envolvimento integrado de profissionais, de crianças e de familiares, podendo favorecer diversas ações na direção de ampliar a segurança do ambiente escolar e doméstico em prol da redução dos acidentes infantis.

REFERêNCiAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Aná-lise de Situação de Saúde. Política nacional de redução da morbimortalidade por aciden-tes e violências: Portaria MS/GM n.737, de 16/5/01, publicada no DOU n. 96, seção 1E de 18/5/01. 2. ed. Brasília, DF, 2005. (Série E. Legislação de Saúde).

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A PrEVENçãO DE ACIDENtES INFANtIS Em BErçárIODA rEDE PÚBLICA DE EDUCAçãO | 205

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13imPACTO DOS CuRSOS PRÉ-VESTiBuLARES NO DESEmPENHO DOS CANDiDATOS NO VESTiBuLAR DA uNESP

Guaracy Tadeu RochaRoberto de Souza Arêas Neto

Instituto de Biociências/Unesp/Botucatu

Resumo: No presente estudo, procurou-se analisar o desempenho dos alunos candidatos aos cursos de graduação da Universidade Estadual Paulista, Unesp, nos vestibulares de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016. Para tanto, comparou-se o percentual de candidatos egressos de escolas públicas ao percentual de candidatos egressos de escolas privadas que indicou a resposta correta para cada uma das questões dos vestibulares nos anos considera-dos. Mais que isso, procurou-se analisar comparativamente o desempenho de alunos egres-sos de escolas públicas e de alunos egressos de escolas privadas ao desempenho daqueles com complementação dos estudos em cursos pré-vestibulares mantidos pela Unesp, cursos pré-vestibulares comunitários mantidos por outras instituições e cursos pré-vestibulares privados. Os dados obtidos indicam marcante diferença de desempenho entre os diferentes grupos de alunos na resolução de questões nas diferentes áreas do conhecimento e nas dife-rentes disciplinas que as integram, possibilitando diagnósticos acerca do impacto dos cursos pré-vestibulares no desempenho dos alunos nas diferentes disciplinas, acerca da aprendiza-gem de conteúdos, e constituindo-se em subsídio para educadores quando da discussão e planejamento de suas atividades de ensino.

Palavras-chave: Vestibular; escola pública; avaliação educacional.

ANáLiSE COmPARATiVA DO DESEmPENHO DOS ALuNOS COm DiFERENTES

TRAjETóRiAS ESCOLARES NA PROVA DE CONHECimENTOS GERAiS DOS

VESTiBuLARES uNESP DE 2010 A 2016

O VESTiBuLAR E O ACESSO DOS ALuNOS DAS ESCOLAS PÚBLiCAS

À uNiVERSiDADE PÚBLiCA

No Brasil, a defasagem entre o número de vagas para ingresso no ensino su-perior, em especial no ensino superior público, e o número de alunos egressos do ensino médio implicou na realização de processos seletivos nos quais os candi-

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datos com melhor desempenho em uma prova classificatória, o Vestibular, teriam acesso às vagas disponíveis. Porém, os processos seletivos para ingresso no ensi-no superior acabaram funcionando como um filtro étnico e socioeconômico, in-gressando nas universidades não os “mais capazes”, mas os mais bem treinados (PINTO, 2004). Por outro lado, a despeito das críticas aos exames vestibulares, inclusive à influência que teriam na definição do conteúdo programático minis-trado nas escolas, reconhecer sua influência sobre o ensino médio não significa admiti-la perniciosa (BINDI, 2005). O vestibular não é apenas um instrumento de seleção, mas um evento que pode e deve sinalizar a qualidade do ensino nas es-colas (BINDI, 2005; ROCHA e cols., 2010). De modo geral, os exames vestibulares das universidades públicas contemplam as indicações presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais-PCNs de que os alunos adquiram poder crítico sobre os acontecimentos em nossa sociedade e extrapolem os conceitos aprendidos no ensino médio para seus cotidianos. No caso das universidades estaduais paulis-tas, em particular na Universidade Estadual Paulista, Unesp, os candidatos de-vem “conhecer o conteúdo do currículo da Educação Básica do Estado de São Paulo” uma vez que as provas são elaboradas “conforme as Diretrizes e Parâme-tros Curriculares Nacionais para o ensino médio e as Propostas Curriculares da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo” (Resolução Unesp nº 50, de 13 de julho de 2009). Assim, os vestibulares podem ser indicativos do processo de aprendizagem (BINDI, 2005; ROCHA e cols., 2010).

A implantação do SiSU – Sistema de Seleção Unificada, desenvolvido pelo Mi-nistério da Educação em 2009, representou uma forma de ingresso na universi-dade em substituição ao vestibular, utilizando para tanto o desempenho do can-didato em outro processo avaliativo, o ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio. Ainda assim, muitas universidades públicas, em especial as estaduais, mantive-ram seus próprios processos seletivos via vestibular.

O desempenho desigual de alunos de diferentes trajetórias escolares nos ves-tibulares, e mais recentemente no ENEM, e a consequente desigualdade no preen-chimento das vagas no ensino superior público, fomentou discussões acerca da necessidade de ações afirmativas que promovessem a inclusão de alunos egres-sos da rede pública e/ou minorias raciais na universidade pública. A Universida-de de Brasília foi pioneira ao adotar no país, em 2005, um sistema de cotas raciais beneficiando os candidatos negros quando do Vestibular. Desde então, inúmeras

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universidades brasileiras, estaduais e federais, implantaram programas os mais variados visando maior proporção de alunos com esse perfil dentre seus matri-culados. Esses programas incluem cotas de vagas para grupos raciais e/ou para alunos egressos da rede pública de ensino médio, pontuação diferenciada quan-do da correção das provas de vestibular, dentre outros (Brasil Escola-Ações afir-mativas das universidades). Segundo o Relatório de Direitos Humanos-Brasil – 2010, até aquele ano, 70 universidades brasileiras mantinham programas de ações afirmativas para ingresso em seus cursos. Desde então esse número vem se ampliando, até mesmo em razão de legislações federais e estaduais que regula-mentam o acesso às instituições públicas de ensino superior. Em 2012, o governo brasileiro, através do Decreto 7.824, regulamentou a Lei Federal nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, que determinou às universidades, institutos e centros fede-rais a reserva de metade das vagas oferecidas anualmente em seus processos seletivos para candidatos cotistas. Em 2013, o governo do Estado de São Paulo determinou, por meio do Programa Paulista de Inclusão Social no Ensino Supe-rior (PPISES), que as universidades estaduais programassem ações afirmativas para promover a inclusão de parcela de alunos socialmente menos favorecidos nos seus cursos de graduação mediante o acolhimento, em 50% de suas vagas, de alunos oriundos de escolas públicas, guardando, dentre estes, a parcela de 35% aos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas (PPI).

Nesse contexto, a Universidade Estadual Paulista – Unesp se destaca. Embora não tivesse adotado até o vestibular 2013 um sistema diferenciado de pontuação e/ou reserva de vagas para alunos egressos da escola pública, a cada ano vinha aumentando a proporção destes dentre os matriculados nos cursos da universi-dade, com o destaque deste ingresso se dar pelo critério da meritocracia: os can-didatos obtêm sua vaga na universidade pelo bom desempenho que apresentam no vestibular. Contribuem para o desempenho dos candidatos egressos da escola pública no Vestibular Unesp as próprias características da prova: elaboração das questões e composição das provas baseadas nos PCNs e Currículo do Estado de São Paulo; não ingerência quanto ao conteúdo programático adotado nas escolas e não indicação de obras/leituras obrigatórias; aproveitamento da nota do ENEM na nota da prova de Conhecimentos Gerais; classificação final dos candidatos ob-tida a partir do desempenho destes em todas as etapas do processo seletivo (pro-va de Conhecimentos Gerais, Prova de Conhecimentos Específicos e Redação); dentre outras características da prova.

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No Vestibular 2013, quando a Unesp ainda não adotava qualquer sistema de reserva de vagas, 47% de seus cursos tiveram 50% ou mais de matriculados egressos da escola pública. No vestibular 2014, a Unesp implantou o Sistema de Reserva de Vagas para a Educação Básica Pública (SRVEBP), garantindo, já nesse ano, um mínimo de 15% de alunos egressos da escola pública em cada um de seus cursos de graduação, proporção essa que se elevou para 25% no Vestibular Unesp 2015, 35% no Vestibular Unesp 2016, 45% no vestibular Unesp 2017 e prevista para aumentar para 50% no vestibular Unesp 2018. Após 2018, portan-to, espera-se que cada curso de graduação da Unesp receba anualmente um mí-nimo de 50% de ingressantes egressos da escola pública.

OS CuRSOS PRÉ-VESTiBuLARES E OS CuRSiNHOS uNESP

A disputa pelas limitadas vagas no ensino superior, notadamente no ensino superior público, associada ao grande contingente de jovens que ingressam no ensino médio, favoreceu a criação e a expansão dos cursos preparatórios para os exames seletivos, também chamados de cursos preparatórios para os exames vestibulares, ou cursos pré-vestibulares, ou apenas de cursinhos. Dentre os fato-res que influenciam no sucesso dos jovens no vestibular pode-se citar a trajetória escolar do candidato (ensino fundamental e/ou ensino médio em escola pública ou privada); a modalidade de ensino (ensino técnico ou regular); mas também a complementação dos estudos em cursinhos (Rocha et al., 2013). Desse modo, mesmo após a implantação do SiSU, os alunos do ensino médio que pretendem a continuidade dos estudos no ensino superior mantém o interesse por cursos pre-paratórios para os exames de classificação de desempenho e/ou seleção.

Ainda que se considerem as políticas para ingressos de “cotistas” nas univer-sidades públicas, há que se ressalvar que o Sistema de Reserva de Vagas para a Educação Básica Pública-SRVEBP adotado pela Unesp, assim como outros adota-dos por outras universidades públicas, privilegia a meritocracia dentre aqueles do segmento favorecido, uma vez que são selecionados os candidatos de melhor desempenho no vestibular e que se inscreveram pelo sistema de cotas adotado. Desse modo, mantém-se o interesse dos candidatos por cursos preparatórios para o vestibular. Segundo DURHAM (2003), em estudo sobre cotas para acesso ao ensino superior pelo critério etnia, “...no ano que antecede o vestibular, os alu-nos do cursinho se dedicam ao estudo de uma forma que nunca haviam feito

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antes. Passar com nota alta é, pela primeira vez, um fator de prestígio e de valo-rização pessoal. Esta é uma das razões, inclusive, que torna o vestibular uma ins-tituição importante exatamente na medida em que ele valoriza o estudo e não a raça, o poder aquisitivo ou o prestígio social”.

Concomitantemente ao SRVEBP implantado pela Unesp, e até mesmo ante-riormente à implantação desse sistema, uma série de ações afirmativas empreen-didas pela Unesp contribuíram para o bom desempenho dos alunos da escola pública nos seus vestibulares. Dentre estas ações, estão os vários projetos ligados ao programa Núcleo de Ensino e que visam o fortalecimento do processo ensino--aprendizagem nas escolas públicas do Estado; projetos de Extensão Universitá-ria na temática da educação; projetos ligados à formação de professores (PIBID); e, de especial interesse para o trabalho aqui apresentado, a implantação de cur-sos pré-vestibulares coordenados pelas unidades universitárias, sob coordena-ção geral da Pró-Reitoria de Extensão Universitária da Unesp – PROEX.

Os cursos pré-vestibulares oferecidos por universidades públicas, também chamados “Cursinhos Populares”, começaram a se destacar nos anos 90, ofereci-dos por iniciativas dos próprios estudantes universitários. São cursos gratuitos, ou de baixo custo, oferecidos em geral para a população de baixa renda com o intuito de democratizar o acesso ao ensino superior público, como também com-plementar a formação de cidadão. Deste modo, são também chamados de pré--universitários, e não apenas pré-vestibulares, pois além de preparar para o ves-tibular da universidade pública, gratuita e de qualidade, prepara o aluno carente e marginalizado para a cidadania e o senso crítico, forma o cidadão e prepara também para a faculdade (TAVARES Jr., 2001). A partir da década de 90, ocorreu grande expansão de cursos desse tipo, dirigidos a segmentos específicos da po-pulação e com o objetivo de promover maior oportunidade de acesso ao ensino superior (MITRULIS e PENIN, 2006).

BACHETTO (2003) declara que com apoios indiretos que vieram de socie-dades amigos-de-bairro, universidades, escolas, igrejas, empresas e outros seto-res da sociedade, os cursinhos pré-vestibulares, chamados pelo autor de “cursi-nhos pré-vestibulares alternativos”, elegeram como foco o atendimento aos grupos sistematicamente excluídos dos bancos universitários, preferencialmen-te alunos egressos de escolas públicas sem condições financeiras de pagar um cursinho comercial. Ao mesmo tempo, esses “cursinhos alternativos” procuram

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formar o aluno para uma visão crítica da sociedade, introduzindo, nos espaços de aula, disciplinas ou temas relacionados a Direitos Humanos e Cidadania, além de propiciarem uma abertura para atividades culturais e orientação vocacional.

No caso da Unesp, a institucionalização dos cursinhos pré-vestibulares deu--se em 2005, embora há muito fossem oferecidos isoladamente por iniciativa de alunos e docentes de diferentes Unidades de Ensino. Em 2013, foi concedido o status de Programa de Extensão, contando com verba destinada no orçamento da universidade.

Até 2016, a Unesp mantinha 27 cursos pré-vestibulares em 22 municípios do Estado de São Paulo, os quais disponibilizaram cerca de 5.000 vagas aos alunos egressos de escola pública.

Para a manutenção desses cursos pré-vestibulares, a proposta orçamentária da Unesp para 2016 previu R$ 1,02 milhão. Além disso, os alunos desses cursos pré-vestibulares têm isenção total da taxa de inscrição no Vestibular Unesp, con-cedido pela Fundação Vunesp, o que representa, considerando o número de ins-critos para o Vestibular 2016, um investimento indireto nesses cursos de cerca de R$ 515 mil. A partir de 2016, os cursos pré-vestibulares da Unesp passam a adotar material didático próprio, chamado “Cadernos dos Cursinhos Pré-Univer-sitários da Unesp”, publicação em quatro volumes com os conteúdos curriculares das diversas áreas do conhecimento para as atividades pedagógicas no âmbito dos cursinhos. O material, uma realização da Pró-Reitoria de Extensão – PROEX, é disponibilizado para os alunos dos cursinhos nas formas impressa e online.

O investimento nos cursos pré-vestibulares parece justificar-se, pois não ape-nas representam uma ação afirmativa (no sentido de visarem a complementação da formação escolar do aluno da escola pública), mas também por que visam contribuir para o ingresso desses alunos na universidade. Dentre os objetivos dos cursinhos Unesp (Proex/2015) tem-se:

– oferecer ensino em diferentes áreas do conhecimento, aprimorando a for-mação básica proporcionada pelo ensino médio;

– preparar o cursista para o acesso e permanência em outros níveis de ensi-no – técnico e universitário, qualificando-o para o mundo do trabalho;

– preparar, em especial, o cursista para o ingresso na Unesp, por meio do vestibular, ENEM e sistema de reserva de vagas.

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Portanto, e em razão de seus objetivos, há que se perguntar:

1. Os alunos dos cursos pré-vestibulares da Unesp ingressam nos cursos de graduação da Unesp?

2. Em que medida os cursos pré-vestibulares mantidos pela Unesp contri-buem para o desempenho desses alunos nas provas do Vestibular Unesp?

Os alunos dos cursos pré-vestibulares da Unesp e o ingresso na UniversidadeÀ pergunta “Os alunos dos cursos pré-vestibulares da Unesp ingressam nos

cursos de graduação da Unesp?”, pode-se responder a partir dos dados de inscri-ção para o vestibular e dados de matrículas na Unesp. A pergunta “Em que medi-da os cursos pré-vestibulares mantidos pela Unesp contribuem para o desempe-nho desses alunos nas provas do Vestibular Unesp?” só pode ser respondida a partir de estudo do desempenho dos alunos nas provas, à frente apresentado.

Para a primeira pergunta, pode-se responder que há uma pequena oscilação no número de egressos de cursos pré-vestibulares mantidos pela Unesp que a cada ano se matriculam nos cursos da universidade.

A Tabela 1 a seguir apresenta o número de alunos matriculados nos cursos pré-vestibulares da Unesp no início do período letivo desses cursinhos, o nú-mero de alunos que efetivamente participaram dos Vestibulares Unesp e o nú-mero daqueles que se matricularam nos cursos de graduação da Unesp nos anos considerados.

Tabela 1 Alunos de cursinhos da Unesp participantes do Vestibular Unesp/ano.

VestibularAno

Nº de matriculados nos cursinhos unesp

Nº de inscritos para o Vestibular

unesp

Nº presentes à prova de

Conhecimentos Gerais

Número de matriculados

na unesp

2010 4.285 2.768 2.549 381

2011 4.790 2.871 2.527 349

2012 5.720 2.894 2.574 355

2013 5.050 3.211 2.803 406

2014 3.586 3.262 2.827 440

2015 4.956 3.258 2.858 409

2016 5.056 3.325 2.951 475

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No Vestibular 2010, foram 381 alunos ingressantes nos cursos de graduação da Unesp, número esse que caiu para 349 no Vestibular 2011 e cresceu para 355 no Vestibular 2012. No Vestibular 2013, 406 egressos de cursos pré-vestibulares da Unesp se matricularam nos cursos de Graduação da universidade, número esse que subiu para 440 no Vestibular Unesp 2014 e baixou para 409 no Vestibu-lar Unesp 2015, voltando a crescer para 475 no vestibular 2016. Contudo, há que se considerar que, ao longo desses anos, apenas cerca de 65% dos alunos dos cursos pré-vestibulares mantidos pela Unesp inscreveram-se para o vestibular da Universidade. Considerando que parte dos inscritos não compareceu à prova de Conhecimentos Gerais, apenas 57% dos alunos de cursinhos da Unesp partici-param das provas em cada edição do Vestibular (2010 a 2016).

Os dados apresentados na Tabela 1 por si só merecem reflexão, uma vez que o desejado seria que todos ou pelo menos a grande maioria dos alunos dos cursi-nhos mantidos pela Unesp tivesse por interesse o ingresso nos cursos de gradua-ção da Unesp. É claro que não se trata de desestimular o interesse desses alunos pelo ingresso em outras instituições públicas ou privadas, afinal os cursos pré--vestibulares da Unesp não visam preparar os alunos tão somente para o vestibu-lar da Unesp. Contudo, considerando o investimento financeiro e a mobilização de recursos humanos por parte da Universidade na complementação dos estu-dos desses alunos, seria desejável que tivessem entre suas primeiras opções os cursos de graduação oferecidos pela Unesp. Mas, como indicado pelos números referidos na tabela, na média apenas 57% dos alunos matriculados nos cursos pré-vestibulares da Unesp comparecem à primeira prova do vestibular.

Há que se considerar que nos cursinhos da Unesp pode haver, ao longo do ano, evasão de parte dos alunos que haviam se matriculado no início do ano. Con-tudo, os dados apresentados na tabela referem-se, ao menos em tese, aos alunos que frequentavam os cursinhos por ocasião da abertura do período de inscrições para o vestibular. Esses números são aqueles fornecidos para a Fundação Vunesp pela coordenação geral do Programa Unesp de Cursinhos por ocasião da abertu-ra do período de inscrições para o vestibular. Tomando-se por referência apenas o número daqueles que se inscreveram para o vestibular, 12% deles não compa-receram à prova de Conhecimentos Gerais.

Desse modo, pode-se afirmar que, no período considerado, 8,4% dos alunos que se matricularam nos cursinhos da Unesp tornaram-se alunos de graduação dos cursos da Unesp. Quando consideramos apenas os alunos dos cursinhos da

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Unesp que participaram da prova do vestibular, e não todos os matriculados nes-ses cursinhos, o percentual daqueles que ingressaram nos cursos de graduação da Unesp sobe para 14,8%. Esse percentual é maior que aquele verificado entre candidatos egressos de escolas públicas e que cursaram cursinhos privados, den-tre os quais 8,2% dos que prestaram vestibular Unesp se matricularam nos cur-sos de graduação da Universidade; e maior que aquele verificado quando se con-sidera o total de candidatos que participou dos vestibulares Unesp no período (8,3%). Esse dado sugere que os cursinhos da Unesp contribuem para que seus alunos tenham maior interesse pelos cursos da Unesp, ou para que tenham a Unesp como principal opção para continuidade de seus estudos, quando compa-rados aos alunos de outros cursos pré-vestibulares que também se inscreveram para o vestibular Unesp; mas, o fato de proporcionalmente ingressarem na Unesp mais alunos egressos de escolas públicas com cursinhos Unesp que alunos de escolas públicas com cursinhos privados, poderia sugerir algo a respeito do desempenho desses alunos?

A variável “desempenho” será analisada à frente neste trabalho, contudo a variável “opção dentre os diferentes vestibulares” pode ser investigada a partir de dados obtidos do Questionário Socioeconômico, que os candidatos preen-chem quando da inscrição para o Vestibular Unesp, e no qual respondem à per-gunta “Neste ano, que vestibulares você pretende prestar?”.

A Tabela 2 apresenta os percentuais de respostas para a pergunta “Neste ano, que vestibulares você pretende prestar?”, segundo a trajetória escolar dos candidatos.

Tabela 2 Percentual de respostas para a pergunta “Neste ano, que vestibulares você pre-tende prestar?”. Vestibular Unesp 2010 a 2016.

Neste ano, que vestibulares você pretende prestar?

RespostasTrajetória Escolar dos alunos

i ii iii iV V Vi

Não respondeu 1,1 1,2 1,7 1,0 1,2 0,4

Da Unesp, apenas 41,7 42,4 16,8 11,9 13,9 6,3

Da Unesp e da Fuvest, apenas 12,3 14,4 25,6 22,2 22,7 19,3

Da Unesp e da Unicamp, apenas 3,4 3,7 4,2 4,0 4,2 3,0

(continua)

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Neste ano, que vestibulares você pretende prestar?

RespostasTrajetória Escolar dos alunos

i ii iii iV V Vi

Da Unesp, da Fuvest e da Unicamp, apenas

2,7 4,1 11,3 13,1 14,1 14,0

Da Unesp, da Fuvest, da Unicamp e de outra instituição pública

6,2 6,6 23,4 29,7 25,0 40,6

Da Unesp e de outra instituição não relacionada acima

32,7 27,7 17,8 18,2 19,0 16,2

I) egressos de escola pública, sem formação complementar em curso pré-vestibular; II) egressos de escola públi-ca, com pré-vestibular Unesp; III) egressos de escola pública com pré-vestibular comunitário oferecido por outra instituição que não a Unesp; IV) egressos de escola pública com pré-vestibular privado; V) egressos de escola privada, sem formação complementar em curso pré-vestibular; VI) egressos de escola privada, com pré-vestibu-lar privado.

Dentre os candidatos que fizeram cursinhos Unesp, 42,4% deles afirmaram que tinham a Unesp como única opção. Por outro lado, considerando-se todos os candidatos inscritos no Vestibular Unesp no período considerado (2010 a 2016), independentemente da origem escolar e ano em que concluíram o ensino médio, apenas 17,8% deles afirmaram que só estavam prestando o Vestibular da Unesp.

Dentre os candidatos egressos de escola pública sem formação complemen-tar em cursinhos, 41,7% deles afirmou que haviam se inscrito apenas no Vesti-bular Unesp, e dentre aqueles com cursinhos privados, esse percentual caiu para 11,9%.

Dentre os alunos da escola privada que não fizeram qualquer cursinho, 13,9% afirmaram que só estavam prestando o Vestibular Unesp, mas dentre aqueles que fizeram cursinhos privados, 6,3% afirmaram que concorreriam apenas aos cursos da Unesp.

Esses dados sugerem que, paralelamente às condições socioeconômicas dos alunos, os cursos pré-vestibulares privados têm certa influência na definição so-bre quantos e para quais vestibulares os alunos pretendem se inscrever. Porém, chama a atenção o fato de que, sem que tenham feito qualquer cursinho, 41,7% dos candidatos egressos de escola pública optaram apenas pela Unesp e, dentre aqueles que fizeram pré-vestibular Unesp, esse percentual foi bastante próximo: 42,4%. Esse alto percentual sugere a forte determinação desses alunos em ingres-sar na Unesp, de tal forma que só se inscreveram para o vestibular desta Univer-

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sidade. Entretanto, esse percentual também pode indicar que, em razão da condi-ção socioeconômica desses alunos, o subsídio ou isenção total na taxa de inscrição tornam o Vestibular Unesp a opção viável. Dentre os alunos da escola pública que fizeram cursinhos Unesp, cerca de 85% deles são de famílias com renda mensal de até 4,9 salários-mínimos. A despeito disso, tanto entre aqueles que não fize-ram cursinho, quanto entre aqueles que fizeram cursinhos Unesp, o percentual dos que optaram apenas pela Unesp foi quase que o mesmo. Ou seja, dentre os alunos da escola pública o fato de fazer cursinho Unesp não aumentou significati-vamente o percentual daqueles que têm a Unesp como única opção. Esse dado é importante quando se considera que os cursinhos Unesp não têm por objetivo que seus alunos tenham apenas a Unesp por opção. Ao contrário, os cursinhos podem e devem ampliar os horizontes dos alunos, ampliando suas possibilidades de escolha e oportunidades de acesso ao ensino superior, e cerca de 60% desses alunos também se inscreveram em vestibulares de outras instituições.

De todo modo, no período considerado, 13,0% dos alunos que fizeram cursi-nhos Unesp, ou 14,8% dos que comparecem às provas, se matricularam na Unesp, percentual esse que é notadamente maior que aquele verificado entre alunos da escola pública que participaram do Vestibular Unesp e fizeram cursos pré-vesti-bulares privados (8,2%). Assim, para a pergunta “Os alunos dos cursos pré-ves-tibulares da Unesp ingressam nos cursos de graduação da Unesp?”, a resposta poderia ser afirmativa: Sim, dentre os ingressantes na Unesp, há proporcional-mente mais alunos que fizeram cursinhos Unesp do que alunos que fizeram ou-tros cursos pré-vestibulares. Por outro lado, a Tabela 1 indica que apenas cerca de 57% dos alunos que se matricularam nos cursinhos Unesp prestaram o Vesti-bular da Unesp. Com relação aos demais, não se tem dados exatos sobre o quanto corresponderia à evasão e o quanto corresponderia à opção pelos vestibulares de outras instituições, públicas ou privadas, que não a Unesp. Independente-mente da razão de não terem prestado o Vestibular Unesp, se considerarmos que apenas cerca de 57% dos alunos matriculados nos cursinhos Unesp participaram do vestibular da Universidade, no conjunto desses alunos (e não apenas dentre aqueles que prestam o vestibular Unesp) a proporção daqueles que ingressou na Unesp não foi maior que aquela verificada entre alunos que fizeram outros cur-sos pré-vestibulares. Há, portanto, um amplo espaço para crescimento da atua-ção dos cursinhos Unesp não apenas no sentido da complementação dos estudos

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visando bom desempenho nas provas, mas também visando fomentar entre es-ses alunos o interesse pelos cursos de graduação desta Universidade.

Para a segunda pergunta, “Em que medida os cursos pré-vestibulares manti-dos pela Unesp contribuem para o desempenho de seus alunos nas provas do Ves-tibular Unesp?”, a resposta é igualmente complexa e demanda que se compare, ao longo de uma série histórica, o desempenho de alunos de diferentes trajetórias escolares no vestibular da Universidade. Com esse objetivo, para a análise e com-paração do desempenho na prova, os candidatos foram agrupados segundo as tra-jetórias escolares já indicadas na Tabela 1, quais sejam: Grupo I) alunos de escola pública sem formação complementar em curso pré-vestibular; Grupo II) alunos de escola pública com formação complementar em curso pré-vestibular oferecido pela Unesp; Grupo III) alunos de escola pública com formação complementar em curso pré-vestibular comunitário oferecido por outra instituição que não a Unesp; Grupo IV) alunos de escola pública com formação complementar em curso pré--vestibular privado; Grupo V) alunos de escola privada sem formação comple-mentar em curso pré-vestibular; Grupo VI) alunos de escola privada com forma-ção complementar em curso pré-vestibular privado.

Ainda para que se responda à pergunta “Em que medida os cursos pré-vesti-bulares mantidos pela Unesp contribuem para o desempenho de seus alunos nas provas do Vestibular Unesp?”, além da formação de grupos de alunos segundo a trajetória escolar, a análise do desempenho dos alunos deve ser feita com relação à prova como um todo, com relação à cada uma das áreas nas quais se organizam os conteúdos curriculares para o ensino médio (Linguagem e Códigos, Ciências Humanas, Ciências da Natureza e Matemática) e em cada uma das questões nes-sas diferentes áreas, como será visto à frente.

PROVA DE CONHECimENTOS GERAiS DO VESTiBuLAR uNESP:

CARACTERíSTiCAS DA PROVA NO PERíODO ESTuDADO

Procurou-se analisar comparativamente o desempenho dos alunos nas pro-vas objetivas de Conhecimentos Gerais nos Vestibulares da Unesp dos anos de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016.

A escolha do período considerado (2010 a 2016) justifica-se uma vez que no Vestibular 2010 foram introduzidas mudanças que o diferenciam dos processos seletivos dos anos anteriores. Até então, o Vestibular Unesp caracterizava-se por

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ser em fase única: todos os candidatos submetiam-se à uma prova de Conheci-mentos Gerais, comum a todos os candidatos, composta por 84 testes de múltipla escolha, 12 testes por disciplina; uma prova de Língua Portuguesa e Literatura, composta por 12 questões de resposta dissertativa, e uma redação, também co-muns a todos os candidatos; e uma prova de Conhecimentos Específicos, com-posta por 25 questões de resposta dissertativa específicas para candidatos aos cursos da área Biológica, para candidatos aos cursos da área de Exatas e para candidatos aos cursos da área de Humanidades. Para o Vestibular Unesp 2010, foram incorporadas mudanças que vinham sendo discutidas pelos colegiados da Universidade e pela Fundação Vunesp desde há alguns anos. Dentre as mudan-ças, provas em duas fases, ambas comuns a todos os candidatos: a primeira fase em testes objetivos, destinada a selecionar, entre os numerosos candidatos ins-critos, os mais preparados para disputar a segunda fase, de natureza discursiva e finalidade classificatória. Tal como posto no Relatório Vestibular Unesp 2010, “o estabelecimento de duas fases [...] é apenas a face visível da mudança de metodo-logia do próprio Vestibular Unesp, que, mesmo sendo sempre considerado entre os melhores do país, teve alterado substancialmente seu foco. Foi abandonada a visão tradicional e fragmentada em disciplinas, a divisão das provas por área de conhecimento e adotada a concepção dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e a Proposta Curricular do Estado de São Paulo [...]. Tais documentos situam acertadamente a educação como um processo global de for-mação do homem, do cidadão, do indivíduo preparado, capaz de agir e interagir de forma produtiva e crítica na sociedade. [...] Era imperiosa, portanto, a adequa-ção imediata dos vestibulares a essa diretriz, já que podem representar igual-mente um modo de aferir os resultados progressivos da nova concepção do ensi-no no Brasil.”

Deste modo, nesta nova concepção, a prova de Conhecimentos Gerais passou a contar com 90 questões objetivas organizadas nas diferentes áreas especifica-das nos PCNs do ensino médio: Linguagens, Códigos e suas tecnologias (elemen-tos de língua portuguesa e literatura, língua inglesa, educação física e arte), Ciên-cias Humanas e suas tecnologias (elementos de historia, geografia e filosofia) e Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias (elementos de biologia, quí-mica, física e matemática), 30 questões para cada uma dessas três áreas. Além da prova de Conhecimentos Gerais, uma prova de Conhecimentos Específicos co-mum a todos os candidatos selecionados na primeira fase, com questões de res-

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posta dissertativa, aplicada em dois dias consecutivos, e composta por 12 ques-tões de Ciências Humanas, 12 questões de Ciências da Natureza e Matemática, 12 questões de Linguagens e códigos e uma Redação.

Essa nova concepção e modelo para o Vestibular da Unesp mantém-se desde o Vestibular 2010, o que justifica, no estudo aqui apresentado, a análise da série 2010 a 2016.

mETODOLOGiA DE ANáLiSE E uNiVERSO iNVESTiGADO

Os dados foram obtidos a partir das respostas dos candidatos às questões da prova de Conhecimentos Gerais, em cada um dos anos considerados. Excluiu-se da análise os candidatos inscritos, porém ausentes à prova, e os candidatos “trei-neiros”, ou seja, aqueles que não concluiriam o ensino médio no ano em que pres-tavam o vestibular.

Para a análise e comparação do desempenho na prova, os candidatos foram agrupados segundo trajetórias escolares específicas, já apresentadas: Grupo I) alu-nos de escola pública sem formação complementar em curso pré-vestibular; Gru-po II) alunos de escola pública com formação complementar em curso pré-vesti-bular oferecido pela Unesp; Grupo III) alunos de escola pública com formação complementar em curso pré-vestibular comunitário oferecido por outra institui-ção que não a Unesp; Grupo IV) alunos de escola pública com formação comple-mentar em curso pré-vestibular privado; Grupo V) alunos de escola privada sem formação complementar em curso pré-vestibular; Grupo VI) alunos de escola privada com formação complementar em curso pré-vestibular privado.

Nos grupos I, II e III (alunos de escola pública) foram considerados apenas os alunos de escolas da rede pública estadual de ensino, ou seja, escolas ligadas à Secretaria de Educação-SP. Foram excluídos dessa análise os alunos das escolas técnicas, ligadas ao Centro Paula Souza da Secretaria de Ciência e Tecnologia-SP, e alunos de escolas de administração federal (Institutos Federais de Educação). No grupo IV estão incluídos todos os alunos de escolas públicas estaduais (ensi-no regular e ensino técnico) e escolas públicas federais.

Para se verificar o desempenho dos alunos, uma possibilidade seria verificar a média do percentual de acertos de cada grupo de alunos na prova. Por exemplo, o grupo de alunos egressos das escolas públicas acertou, em média, X% das ques-

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tões da prova, enquanto o grupo de alunos egressos de escolas privadas acertou, em média, Y% das questões da prova. Contudo, com essa abordagem perder-se-ia uma informação importante: em quais questões, em quais conteúdos curricula-res estão se dando os erros e os acertos? Em razão disso, para se verificar o de-sempenho dos alunos dos diferentes grupos optou-se pela seguinte abordagem: verificar o percentual de alunos do grupo que indicou a resposta correta para cada uma das questões da prova. Dito de outro modo, a primeira abordagem se-ria: o número de questões da prova que determinado grupo de alunos acertou; a segunda abordagem seria: o número de alunos de determinado grupo que acer-tou uma determinada questão da prova. Com esta segunda abordagem é possível identificar em quais questões, em quais conteúdos curriculares, em quais disci-plinas e em quais áreas do conhecimento os alunos apresentam melhor de-sempenho ou, ao contrário, fragilidades na aprendizagem. Com esta abordagem, têm-se informações sobre quais conteúdos/temas curriculares os alunos têm maior ou menor conhecimento e domínio. Ainda que grupos diferentes de alunos possam apresentar desempenho similar na prova como um todo, essa segunda abordagem permite verificar se essa similaridade de desempenho não o seria em razão de um grupo ter se saído melhor na resolução de questões de uma deter-minada área/conteúdo, enquanto outro teria se saído melhor na resolução de questões de outra área/conteúdo.

Desse modo, o desempenho dos alunos de cada um dos grupos acima referi-dos foi obtido a partir do percentual de alunos do grupo que indicou a resposta correta para cada questão da prova em cada um dos anos de vestibular aqui con-siderados. A partir desse percentual, foi calculada, para cada grupo de alunos, a média do percentual daqueles que indicou a resposta correta para uma questão qualquer dentre as questões de uma determinada disciplina. O mesmo foi feito para o conjunto de 30 questões das disciplinas que integram uma mesma área (Linguagens e códigos, Ciências Humanas; Ciências da Natureza e Matemática) e para o conjunto de 90 questões da prova como um todo. A partir desses dados, obtidos para cada ano específico de vestibular, calculou-se a média ponderada para o conjunto de provas no período considerado, 2010 a 2016, o que implica em dados sobre 630 questões de 07 edições do Vestibular Unesp.

Muito embora, desde 2010, o Vestibular Unesp tenha abandonado “a visão tradicional e fragmentada em disciplinas” e adotado “a divisão das provas por

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área de conhecimento e segundo a concepção dos Parâmetros Curriculares Na-cionais para o Ensino Médio e a Proposta Curricular do Estado de São Paulo”, a análise do desempenho dos alunos no conjunto de questões de uma dada disci-plina justifica-se. A cada ano de vestibular, várias dentre as 90 questões da prova são multidisciplinares ou transdisciplinares. Para responder a uma questão que requer conhecimento tradicionalmente associados à disciplina X, os candidatos também precisam mobilizar conhecimentos associados à disciplina Y. Porém, ainda assim é possível reconhecer em cada uma destas questões o tema central abordado, o foco sobre o qual é construída a situação-problema, o conhecimento necessário para responder a questão e a qual tópico de conteúdo está mais forte-mente associada. Desse modo, ainda que uma questão mobilize conhecimentos de mais de uma disciplina, é possível reconhecê-la como preponderantemente associada ao conteúdo curricular de uma disciplina específica.

Da mesma forma, ainda que os PCNs para o ensino médio proponham a orga-nização dos conteúdos curriculares em três grandes áreas, também associam a cada uma dessas áreas conhecimentos próprios de disciplinas específicas. O Cur-rículo do Estado de São Paulo para o Ensino Médio atende aos PCNs e também organiza os conteúdos curriculares em disciplinas que compõem cada uma das três grandes áreas. Portanto, no estudo aqui apresentado, discute-se o desempe-nho dos diferentes grupos de alunos na prova como um todo, no conjunto de questões de uma determinada área do conhecimento e no conjunto de questões de uma determinada disciplina.

No caso da disciplina Filosofia, apenas a partir do Vestibular 2011 foram in-cluídas na prova de Conhecimentos Gerais questões que abordam, preponderan-temente, conteúdos relacionados a essa disciplina. Filosofia veio a fazer parte da grade de disciplinas das escolas apenas a partir de 2008 e, portanto, em 2011 completava-se um ciclo no qual todos dos alunos de 3º ano do ensino médio ha-viam cursado essa disciplina em suas respectivas escolas (públicas ou privadas). Essa é a razão pela qual apenas a partir de 2011 o Vestibular Unesp passou a apresentar questões com conteúdo predominante de Filosofia.

A Tabela 3 apresenta o número de questões por Área de Conhecimento e por Disciplina na série de vestibulares analisados.

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Tabela 3 Número de questões na prova de Conhecimentos Gerais no vestibular do ano.

área do Conhecimento

Disciplina VestibularNº de

questões*

Linguagens, Códigos e suas

tecnologias

Língua Portuguesa e Literatura, Educação Física e Arte

2010 a 2016 20

Língua Inglesa 2010 a 2016 10

Ciências humanas

e suas tecnologias

Geografia 2010 15

história e Filosofia 2010 15

Geografia 2011 a 2016 12

história 2011 a 2016 12

Filosofia 2011 a 2016 06

Ciências da Natureza,

matemática e suas tecnologias

Biologia2010, 2011, 2013, 2014 e 2016 08

2012 e 2015 07

Física2010, 2012, 2013 e 2016 08

2011, 2014 e 2015 07

Química2010 a 2013 e 2016 07

2014 e 2015 08

matemática2010, 2013, 2014 e 2016 07

2011, 2012 e 2015 08

* Em Ciências da Natureza e matemática, o número de questões por disciplina variou em cada ano, porém tota-lizando 30 questões/ano na área.

Para o levantamento dos dados aqui analisados foi utilizado o Banco de Da-dos Microsoft SQL Server 2012, da Fundação Vunesp, desenvolvido a partir do software Microsoft Visual Studio NET 2012, e os dados disponíveis nas publica-ções da Fundação Vunesp Relatório [Anual] Vestibular Unesp, v.1(1981) (ISSN: 2236-5745).

Para cada grupo de alunos analisado, o número de alunos participantes da prova de Conhecimentos Gerais, por ano de vestibular, é o apresentado na Tabela 4.

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Tabela 4 Número de alunos presentes à prova de Conhecimentos Gerais, Vestibular Unesp 2010 a 2016.

Grupo

Número de Alunos

Vestibular

2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 Total

I 12.704 10.761 10.321 8.613 7.767 8.983 9.727 68.876

II 2.549 2.527 2.574 2.803 2.827 2.858 2.951 19.089

III 2.029 2.688 3.041 2.812 3.104 3.232 3.462 20.368

IV 7.628 7.846 9.086 9.950 11.233 10.687 11.724 68.154

V 17.180 17.123 19.602 20.676 23.859 22.327 22.654 143.421

VI 21.218 19.931 23.600 24.186 26.983 25.620 26.228 167.766

Total 63.308 60.876 68.224 69.040 75.773 73.707 76.746 487.674

Grupos: I) Alunos de escola pública sem formação complementar em curso pré-vestibular; II) Alunos de escola pública com formação complementar em curso pré-vestibular oferecido pela Unesp; III) Alunos de escola pública com formação complementar em curso pré-vestibular comunitário oferecido por outra instituição que não a Unesp; IV) Alunos de escola pública com formação complementar em curso pré-vestibular privado; V) Alunos de escola privada sem formação complementar em curso pré-vestibular; VI) Alunos de escola privada com formação complementar em curso pré-vestibular privado.

Os dados da Tabela 4 indicam que foram consideradas as respostas de 487.674 alunos, cada um deles respondendo 90 questões da prova de Conhecimentos Ge-rais, o que perfaz cerca 44 milhões de respostas tabuladas. O número de alunos participantes da prova de Conhecimentos Gerais, em cada um dos anos conside-rados e em cada um dos grupos de alunos considerado, foi a base para o cálculo da média ponderada do percentual daqueles que indicou a resposta correta para uma questão no conjunto de questões de uma área ou disciplina.

Como já mencionado, a abordagem aqui adotada (percentual de alunos que indicou a resposta correta para cada questão) permite que se identifique em quais questões o desempenho é maior ou menor. Deste modo, podem-se analisar quais conteúdos curriculares estão associados a cada uma dessas questões e quais conhecimentos deveriam ser mobilizados pelos candidatos para que apre-sentassem a resposta certa para cada questão. Questões que versam sobre o mesmo tema podem ser analisadas comparativamente para se verificar o desem-penho dos alunos quando o tema é tratado em diferentes contextualizações, grau de complexidade ou aprofundamento, e para se verificar o quanto os alunos são

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capazes de mobilizar o conhecimento adquirido para aplicá-lo na resolução das diferentes situações-problema que lhes foram apresentadas. A análise dos resul-tados sobre o desempenho dos alunos em cada questão permite diagnosticar onde há sucesso ou fragilidades na aprendizagem, assim como a análise do con-tido em cada um dos distratores e a análise do percentual de alunos que assina-lou cada um dos distratores permite diagnosticar viés na compreensão de con-ceitos, apreensão de conteúdos, etc. Essa análise pedagógica sobre o conteúdo curricular associado a cada questão, sobre o conhecimento necessário para a re-solução de cada questão, sobre o desempenho dos alunos em cada questão, as-sim como a interpretação pedagógica das indicações dos diferentes distratores, demanda tempo (são 630 questões e 3.150 alternativas de respostas) e requer a participação de especialistas nas diferentes áreas e disciplinas. Essa análise pe-dagógica mais pormenorizada deverá compor um novo estudo em complementa-ção a este que aqui se apresenta. Por ora, serão comparadas e discutidas as mé-dias dos desempenhos dos diferentes grupos de alunos no conjunto das questões das provas, no conjunto de questões das diferentes áreas e no conjunto das ques-tões das diferentes disciplinas. Apenas como exemplo, será apresentada à frente, neste trabalho, uma amostra de como a análise do desempenho por questão po-derá ser feita.

DESEmPENHO NO CONjuNTO DE QuESTÕES DA PROVA

A média do desempenho dos alunos na prova como um todo, calculada a par-tir da média ponderada do percentual daqueles que indicaram a resposta correta para cada questão da prova, variou entre os diferentes grupos de alunos, como se observa no Gráfico 1.

Nos sete anos de vestibular analisados, e considerando o conjunto das 90 questões/ano da prova de Conhecimentos Gerais, o grupo no qual se verificou menor percentual de alunos que indicou a resposta correta para uma questão qualquer do conjunto de questões foi o grupo constituído pelos alunos da escola pública, sem formação complementar em curso pré-vestibular: para cada ques-tão do vestibular, em média 37,3% dos alunos indicaram a resposta correta. Os alunos de mesma origem escolar, mas com formação complementar em cursos pré-vestibular oferecidos pela Unesp, têm um desempenho um pouco melhor: em média, 44,7% deles indicaram a resposta correta para questões da prova.

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Ou seja, os cursos pré-vestibulares da Unesp agregaram conhecimento que pro-piciou aos alunos desempenho 7,4 pontos percentuais acima do desempenho da-queles que não fizeram cursinho, ou, expresso de outro modo, desempenho 19,8% maior que aqueles que não fizeram cursinho. Por outro lado, alunos de cursos pré-vestibulares comunitários oferecidos por outras instituições que não a Unesp, tiveram desempenho um pouco maior. Nesses cursos, o acréscimo ao desempenho em relação àqueles que não fizeram cursinho foi da ordem de 25,3%. Já com relação aos cursos pré-vestibulares privados, o desempenho foi 41,3% maior: dentre os alunos da escola pública que não fizeram cursinho 37,3% deles, em média, acertaram questões da prova, e dentre aqueles da escola pública que fizeram cursinhos privados, em média 52,7% deles indicaram a resposta cor-reta para uma questão qualquer da prova.

Gráfico 1 média do percentual de alunos que indicou a resposta correta para questões prova de Conhecimentos Gerais na série de vestibulares Unesp 2010 a 2016.

O grupo de maior desempenho no vestibular é aquele formado por alunos egressos de escolas privadas e com formação complementar em curso pré-vesti-bular privado. Nesse grupo, em média 63,4% dos alunos indicaram a resposta correta para questões da prova, um desempenho 69,9% superior ao daqueles de escola pública sem curso pré-vestibular.

Neste ponto há que se destacar que, muito embora o acréscimo ao desempe-nho seja menor dentre aqueles que fizeram cursinhos Unesp, esses cursinhos recebem alunos com perfil socioeconômico diferente do perfil daqueles que, em-

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bora também egressos da escola pública, tenham feito cursinhos privados. Den-tre os alunos dos cursinhos Unesp, cerca de 85% deles são de famílias com renda mensal de até 4,9 salários-mínimos, frente à apenas cerca de 60% daqueles que, também egressos de escola pública, fizeram cursinhos privados. Dentre os alu-nos dos cursinhos Unesp, 43% têm pai cuja escolarização foi apenas até o ensino fundamental (completo ou incompleto), ou é analfabeto, mas dentre os alunos egressos de escola pública que fizeram cursinhos privados esse percentual cai para 34%. O mesmo com relação à profissão do pai, uma vez que 41% dos alunos de cursinhos Unesp têm pai operário de baixa qualificação, frente à apenas 29% dentre aqueles que fizeram cursinhos privados.

Estudos em Avaliação Educacional de Larga Escala indicam que alunos de ní-vel socioeconômico mais elevado têm maior chance de estar em níveis mais ele-vados de proficiência, e que as diferenças se acentuam em séries mais avançadas de escolarização (CARVALHO et al., 2014; BORGATTO, ANDRADE e BARBETTA, 2016). Deste modo, há que se considerar que os cursinhos Unesp recebem alunos que eventualmente apresentam maiores fragilidades no que concerne ao domínio dos conteúdos curriculares do ensino fundamental e médio. Portanto, o esforço desses cursinhos em agregar formação escolar complementar e desempenho é da maior importância, uma vez que têm como público alvo um grupo de alunos de nível socioeconômico mais desfavorecido. Ainda que esse agregar de desempe-nho não alce os alunos dos cursinhos Unesp ao mesmo nível de desempenho da-queles que fizeram cursinhos privados, a contribuição dos cursinhos Unesp mos-tra-se fundamental para recuperar parte das fragilidades trazidas da escola pública e mostra-se fundamental para manter nesses alunos o desejo e a perspec-tiva da continuidade dos estudos no ensino superior.

A despeito da situação socioeconômica dos alunos dos cursinhos da Unesp, os dados aqui apresentados indicam que, muito embora os cursos pré-vestibulares oferecidos pela Unesp complementem a formação de seus alunos, agregando co-nhecimento que melhora o desempenho no vestibular, ainda há espaço para for-talecer esses resultados, uma vez que alunos de outros cursos comunitários têm desempenho um pouco maior.

Os dados acima apresentados referem-se à média do desempenho ao longo de sete vestibulares, mas o mesmo padrão se verifica em cada um dos vestibula-res quando analisados isoladamente, como apresentado no Gráfico 2.

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Gráfico 2 média do percentual de alunos que indicou a resposta correta para questões da prova de Conhecimentos Gerais do Vestibular Unesp, em cada um dos anos considerados.

Verifica-se a partir do gráfico que a diferença no desempenho entre os grupos de alunos manteve-se ao longo dos anos. Muito embora a cada ano a prova seja diferente e os alunos que a respondem sejam outros, os grupos mantiveram a mesma diferença de desempenho entre si, o que fica mais evidente em um gráfi-co de linhas como o Gráfico 2. Cada uma das linhas, contudo, não representa uma melhora ou piora no desempenho de um determinado grupo ao longo dos anos. Como já afirmado, são provas diferentes, aplicadas em anos diferentes, e desse modo uma prova mais difícil que a do ano anterior pode resultar em linha decres-cente, ainda que a formação dos candidatos seja a mesma ou eventualmente me-lhor que a do ano anterior. Portanto, o gráfico presta-se tão somente para eviden-ciar que a diferença no desempenho entre os grupos manteve-se relativamente constante ao longo dos anos. Como exemplo tome-se o Vestibular 2013, no qual houve um aumento no percentual de alunos que indicou a resposta correta para as questões da prova. As linhas ascendentes não significam que os vestibulandos nesse ano tinham maior domínio dos conteúdos curriculares que os vestibu-landos do ano anterior ou que os vestibulandos do ano seguinte. Nesse ano, o maior percentual de alunos indicando a resposta correta talvez se deva a uma prova, no todo, um pouco mais fácil que a do ano anterior. Ainda assim, esse au-mento de percentual de alunos que indicou a resposta certa se deu nos diferentes

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grupos, mantendo-se quase a mesma diferença de desempenho entre eles. Houve algumas pequenas variações, aproximando ou distanciando um pouco mais um grupo do outro, como no caso dos alunos que fizeram cursinhos da Unesp em relação àqueles que fizeram cursinhos comunitários de outras instituições, ou como no caso dos alunos de escolas públicas com cursinho privado em relação aos alunos de escolas privadas sem formação complementar em cursinho; mas, ainda assim, manteve-se a posição relativa entre os grupos. É nessa perspectiva que o Gráfico 2, e outros gráficos de linhas que forem apresentados à frente, de-vem ser entendidos: comparação do desempenho entre os grupos de alunos con-siderados, ao longo da série 2010-2016.

Dos Gráficos 1 e 2 anteriores emerge outra informação importante: na prova, os alunos de escola pública e os alunos de escola privada tiveram o desempenho melhorado quando complementaram sua formação em curso pré-vestibular, po-rém essa melhora foi bem maior entre aqueles da escola pública que entre aque-les da escola privada. Na média dos sete anos de vestibular, no grupo de alunos da escola pública, fazer cursinho privado implicou 41,3% mais alunos indicando a resposta correta, e fazer cursinho oferecido pela Unesp implicou 19,8% mais alunos respondendo corretamente as questões. Porém, dentre os alunos da esco-la privada, fazer cursinho privado implicou 13,6% mais alunos indicando a res-posta correta. Muito embora o desempenho dos alunos da escola pública que fizeram cursinhos privados tenha ficado aquém do desempenho de alunos da escola privada sem formação complementar em cursinhos, ainda assim o ganho em desempenho foi maior. A complementação dos cursos pré-vestibulares na formação dos alunos da escola pública não foi suficiente para colocá-los no mes-mo nível de desempenho daqueles da escola privada, mas o impacto dessa com-plementação foi maior que aquele verificado dentre os alunos da escola privada ao fazerem cursos pré-vestibular privados.

Os cursinhos pré-vestibular, portanto, agregaram conhecimentos que leva-ram à melhora no desempenho dos alunos no vestibular, e esse impacto foi maior para os alunos da escola pública. Por que? Uma possível explicação: os alunos da escola pública trazem, ao final do ensino médio, uma bagagem de conhecimentos menor que aquela trazida pelos concluintes da escola privada. Há que se obser-var que a “bagagem de conhecimentos” aqui referida corresponde ao domínio dos conteúdos curriculares trabalhados na escola, domínio esse avaliado a partir

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de uma prova com questões de múltipla escolha por ocasião do vestibular. Tal avaliação, a prova de Conhecimentos Gerais do vestibular, embora demande do aluno competências cognitivas outras que não apenas a memorização de dados, não tem necessariamente o propósito de aferir competências e habilidades que se espera que os alunos tenham consolidado ao final do ensino médio. Mas, sem dúvida, reflete o conhecimento curricular adquirido nesse nível de ensino.

A despeito dos cursinhos pré-vestibular complementarem a formação dos alunos no que se refere ao domínio de conteúdos curriculares, os cursinhos co-munitários, e em particular aqueles oferecidos pela Unesp, são, em comparação aos cursinhos privados, um pouco menos exitosos. Ainda que se considere o mérito dos cursinhos comunitários por trabalharem com uma população econo-micamente mais fragilizada, seriam desejáveis ações que pudessem intensificar o efeito dos cursos pré-vestibulares da Unesp na complementação da formação de seus alunos e no desempenho destes no vestibular. Dentre essas ações, e sempre em consonância com o Projeto Político Pedagógico definido para o con-junto dos cursos pré-vestibular oferecidos pela Unesp, o planejamento pedagó-gico das aulas nas disciplinas, a orientação/formação pedagógica dos monito-res/professores desses cursinhos, a avaliação do material didático, a supervisão das atividades em sala de aula, a avaliação constante do processo ensino-apren-dizagem, entre outras. Portanto, a análise do desempenho dos alunos no Vesti-bular Unesp contribui para o diagnóstico e identificação de fragilidades que po-dem e devem ser minimizadas.

Os dados aqui apresentados referem-se ao desempenho dos alunos conside-rando o conjunto das 90 questões do vestibular, em cada ano analisado. De modo geral, a posição relativa dos diferentes grupos de alunos com relação ao desem-penho se repetiu quando se considerou a média do desempenho no conjunto de questões de cada uma das diferentes áreas especificadas nos PCNs do ensino médio, no conjunto de questões de cada uma das diferentes disciplinas que com-põem cada uma das áreas, e se repetiram quando se considerou o desempenho em cada uma das questões da prova de Conhecimentos Gerais. Porém, em cada um desses níveis, houve variação nas diferenças de desempenho entre os dife-rentes grupos de alunos. Isso ficou mais evidente quando se analisou os desem-penhos em cada uma das questões da prova. Em algumas delas, o percentual de alunos que indicou a resposta correta foi similar nos diferentes grupos, mas em outras questões a diferença de desempenho entre os grupos foi bastante alta.

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Em alguns casos, o percentual de alunos que indicou a resposta certa foi bastan-te alto em um grupo com determinada origem escolar, mas bastante baixo den-tre os alunos com outra origem escolar. Em alguns casos, o desempenho dos alunos que fizeram os cursos pré-vestibular da Unesp foi quase o mesmo que o daqueles que não fizeram o pré-vestibular e bastante distante do desempenho daqueles que fizeram pré-vestibular privados, mas em outros casos o desempe-nho daqueles que fizeram os cursinhos Unesp foi quase o mesmo que o daqueles que fizeram cursinhos privados. Esses dados mais pormenorizados se apresen-tam importantes, pois revelam aos coordenadores pedagógicos dos cursos pré--vestibular, em especial daqueles mantidos pela Unesp, em quais áreas do co-nhecimento, em quais disciplinas e em quais conteúdos deve haver maior atenção visando favorecer a aprendizagem desses conteúdos, como será visto à frente.

DESEmPENHO NO CONjuNTO DE QuESTÕES DAS áREAS DO CONHECimENTO

Em cada uma das três áreas, Linguagens, Códigos e suas tecnologias, Ciências Humanas e suas tecnologias, Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnolo-gias, e em todos os anos de vestibular analisados, a média do percentual de alu-nos que indicou a resposta correta no conjunto de 30 questões de cada área foi menor no grupo dos alunos da escola pública, sem curso pré-vestibular, que em qualquer outro grupo de alunos analisado.

De modo geral, a posição relativa do desempenho entre os diferentes grupos de alunos se manteve nos diferentes níveis de análise (prova-área-disciplina--questão) e nas diferentes edições do vestibular (2010 a 2016). Manteve-se o comportamento e a posição relativa das curvas que indicam esse desempenho: se em um determinado ano as questões de uma determinada área, ou de uma deter-minada disciplina, foram, no conjunto, mais difíceis (ou mais fáceis) que no ano anterior, o reflexo sobre o desempenho dos alunos foi quase que o mesmo nos diferentes grupos: o desempenho dos alunos da escola pública alterou-se quase que na mesma proporção e direção da alteração do desempenho dos alunos das escolas privadas, com ou sem cursinho pré-vestibular. Deste modo, manteve-se a posição relativa do desempenho entre os grupos de alunos, que foi a mesma da-quela observada quanto se considerou o conjunto das 90 questões da prova.

Em qualquer um dos grupos de alunos considerados, e em qualquer um dos anos de vestibular considerados, a área na qual os alunos tiveram maior desem-

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penho foi em Linguagens e Códigos, seguida de Ciências Humanas e, por último, de Ciências da Natureza e Matemática. Em todos os grupos de alunos, em Lingua-gens e códigos o percentual de alunos que indicou a resposta correta foi bem maior que aquele percentual verificado em Ciências da Natureza e Matemática. O percentual de alunos que indicou a resposta correta para questões da área, na média dos sete anos de vestibular analisados, está demonstrado na Tabela 5 e Gráfico 3.

Tabela 5 média do percentual de alunos que indicou a resposta correta para questões da área, no conjunto de questões dos vestibulares Unesp 2010 a 2016.

Grupo

% de alunos que indicou a resposta correta para questões de

Linguagens e códigos

Ciências Humanas

Ciências da Natureza e matemática

I) Alunos de escola pública sem formação complementar em curso pré-vestibular.

47,5 39,5 25,0

II) Alunos de escola pública com formação complementar em curso pré-vestibular oferecido pela Unesp.

55,9 48,4 29,7

III) Alunos de escola pública com curso pré-vestibular comunitário oferecido por outra instituição que não a Unesp.

57,8 51,5 31,0

IV) Alunos de escola pública com formação complementar em curso pré-vestibular privado.

63,9 57,0 37,3

V) Alunos de escola privada sem formação complementar em curso pré-vestibular.

69,0 58,1 40,4

VI) Alunos de escola privada com formação complementar em curso pré-vestibular privado.

74,4 66,0 49,6

Além da diferença de desempenho entre as três áreas, há, em cada uma delas diferença no ganho em desempenho de cada um dos grupos de alunos em relação ao grupo no qual o desempenho é menor. Tomando-se o grupo de menor desem-penho como referência (alunos de escola pública sem formação complementar

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em curso pré-vestibular), o percentual de acréscimo no desempenho verificado em cada um dos outros grupos de alunos, na média dos sete anos de vestibular, está indicado na Tabela 6.

Gráfico 3 média do percentual de alunos que indicou a resposta correta para questões da área, no conjunto de questões dos vestibulares Unesp 2010 a 2016.

Grupos: I = Escola Pública sem pré-vestibular; II = Escola Pública + pré-vestibular Unesp; III = Escola Pública + pré-vestibular comunitário/outra instituição; IV = Escola Pública + pré-vestibular privado; V = Escola Privada sem pré-vestibular; VI = Escola Privada + pré-vestibular privado.

Tabela 6 Percentual de acréscimo no desempenho, em relação ao grupo de menor desem-penho, vestibulares Unesp 2010 a 2016.

Grupo

% de acréscimo no desempenho

Linguagens e códigos

Ciências Humanas

Ciências da Natureza e matemática

I) Alunos de escola pública sem formação complementar em curso pré-vestibular.

referência referência referência

II) Alunos de escola pública com formação complementar em curso pré-vestibular oferecido pela Unesp.

17,7 22,7 19,0

III) Alunos de escola pública com curso pré-vestibular comunitário oferecido por outra instituição que não a Unesp.

21,7 30,4 24,3

(continua)

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Grupo

% de acréscimo no desempenho

Linguagens e códigos

Ciências Humanas

Ciências da Natureza e matemática

IV) Alunos de escola pública com formação complementar em curso pré-vestibular privado.

34,5 44,3 49,3

V) Alunos de escola privada sem formação complementar em curso pré-vestibular.

45,3 47,2 61,9

VI) Alunos de escola privada com formação complementar em curso pré-vestibular privado.

56,8 67,2 98,9

Quando se considerou o grupo de alunos de menor desempenho (escola públi-ca, sem curso pré-vestibular), verifica-se pelo Gráfico 3 que o percentual dos que indicaram a resposta correta no conjunto de questões da área, na média dos sete vestibulares, foi de 47,5% em Linguagens e Códigos, 39,5% em Ciências Humanas e 25,0% em Ciências da Natureza e Matemática; enquanto que no grupo de alunos de maior desempenho (escola privada com pré-vestibular privado), o percentual em cada área foi de, respectivamente, 74,4%, 66,0% e 49,6%. Portanto, estes últi-mos tiveram, em relação aos primeiros, um desempenho em média 56,8% maior em Linguagens e códigos, 67,2% maior em Ciências Humanas e 98,9% maior em Ciências da Natureza e Matemática, como apresentado na Tabela 6.

Embora o desempenho tenha sido menor em Ciências da Natureza e Matemá-tica (Gráfico 3), verifica-se que pelos dados da Tabela 6 que o ganho em desem-penho foi maior nessa área quando a escolarização se deu em escola privada e/ou complementação de estudos em curso pré-vestibular privado. Porém, se os alunos de escola pública tiveram complementação dos estudos em cursos pré--vestibular oferecidos pela Unesp ou em outros cursinhos comunitários, o ganho em desempenho foi maior em Ciências Humanas. Esse dado permite refletir so-bre as diferenças na complementação da formação curricular dos alunos.

Como discutido em momento anterior, o desempenho dos alunos da escola pública, tendo feito pré-vestibular ou não, ficou aquém do desempenho dos alu-nos da escola privada; e o acréscimo ao desempenho desses alunos em razão da complementação dos estudos em cursinhos oferecido pela Unesp foi menor

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quando comparado ao acréscimo ao desempenho daqueles que frequentaram cursinhos privados. Contudo, os dados (Gráfico 3 e Tabela 6) sugerem que os cursinhos oferecidos pela Unesp foram mais exitosos na complementação dos estudos dos alunos da escola pública na área Ciências Humanas que na área Lin-guagens e Códigos e na área Ciências da Natureza e Matemática. Talvez isso se deva, ao menos em parte, ao perfil socioeconômico dos ingressantes nos cursi-nhos da Unesp. O contrário se deu com os cursos pré-vestibulares privados, nos quais o ganho em desempenho foi maior em Ciências da Natureza e Matemática.

Considerando que, para qualquer grupo de alunos que se considere, e em es-pecial dentre os alunos da escola pública, o menor desempenho foi em Ciências da Natureza e Matemática, seria proveitoso que o pré-vestibular da Unesp agre-gasse a seus alunos uma boa formação nas disciplinas dessa área, de modo a aproximar o desempenho desses alunos ao desempenho daqueles que, também vindos da escola pública, fizeram pré-vestibular privado; ou ainda daqueles que vieram da escola privada. Contudo, se deu o contrário: os pré-vestibulares pri-vados foram mais exitosos em agregar conhecimentos nas disciplinas de Ciências da Natureza e Matemática, e os cursinhos da Unesp menos exitosos nessa área, o que manteve o distanciamento no desempenho entre esses grupos de alunos.

Em Linguagens e códigos, assim como em Ciências Humanas, os alunos da escola pública que chegam aos cursinhos pré-vestibular trazem uma bagagem de conhecimentos mais consistente que aquela que trazem de Ciências da Natu-reza e Matemática. Desse modo, ainda que o pré-vestibular Unesp e outros pré--vestibular comunitários tenham sido menos exitosos em agregar conhecimento quando comparados aos pré-vestibular privados, o desempenho desses alunos no vestibular, em Linguagens e códigos e em Ciências Humanas, resultou um pouco melhor. Dentre os alunos que fizeram o pré-vestibular da Unesp, 55,9% e 48,4% deles indicou a resposta correta para questões de Linguagens e códigos e Ciências Humanas, respectivamente, mas apenas 29,7% deles indicou a respos-ta correta para questões de Ciências da Natureza e Matemática, no período con-siderado (Tabela 5).

Quando se afirmou que os cursos pré-vestibulares privados foram mais exito-sos em complementar os estudos em Ciências da Natureza e Matemática, isso não significa que os alunos que tenham passado por esses cursos pré-vestibulares ti-nham pleno domínio desses conteúdos. Ao contrário, como indica o Gráfico 3, em

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qualquer grupo de alunos que se considere, mesmo dentre aqueles egressos de escola privada e com pré-vestibular privado, o percentual daqueles que indica-ram a resposta correta para questões de Ciências da Natureza e Matemática ficou abaixo de 50%. A afirmação de que os pré-vestibulares privados foram mais exi-tosos em complementar os estudos nessa área significa tão somente que, compa-rativamente às demais áreas, foram mais exitosos em agregar conhecimento e formação complementar àquela recebida na escola regular, o que colocou esses alunos em melhor situação para competirem pelas vagas oferecidas no vestibular.

Esses dados sugerem a necessidade de se rever e discutir os conteúdos curri-culares e estratégias de ensino com vistas à aprendizagem em Ciências da Natu-reza e Matemática, uma vez que é nesta área do conhecimento que se observa-ram as maiores fragilidades no aprendizado.

Por outro lado, também se poderia argumentar que o fraco desempenho dos alunos em Ciências da Natureza e Matemática, qualquer que seja a origem esco-lar desses alunos, decorreria não de fragilidades na aprendizagem, mas sim de problemas com o instrumento de avaliação: a prova do vestibular. Poder-se-ia argumentar que as provas do Vestibular Unesp, e em especial as questões de Ciên cias da Natureza e Matemática, não seriam condizentes com os temas, conteú-dos curriculares, complexidade com que esses temas e conteúdos são trabalha-dos no ensino médio. Entretanto, os dados obtidos a partir de outras avaliações da qualidade do ensino referendam o diagnóstico de problemas na aprendiza-gem. O Saresp, Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo, é uma avaliação da Educação Básica e tem como finalidade fornecer infor-mações consistentes, periódicas e comparáveis sobre a situação da escolaridade básica na rede pública de ensino paulista. A avaliação se dá a partir da aplicação de uma prova organizada segundo orientações de uma Matriz de Referência para Avaliação, documento da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo que in-dica as estruturas básicas de conhecimentos a serem construídas pelos estudan-tes por meio dos diferentes componentes curriculares em cada etapa da escola-ridade básica. Embora os dados do Saresp indiquem ganho na proficiência média dos alunos ao longo da série histórica em que tem sido aplicado, os resultados das últimas edições referendam os dados acima apresentados. Segundo os resul-tados do Saresp/2013, em História e Geografia o percentual de alunos no nível de proficiência Adequado foi, respectivamente, 44,7% e 42,3%, e outros 2% esta-

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vam, em cada disciplina, no nível de proficiência Avançado. No Saresp/2015, em Língua Portuguesa, 24,4% dos alunos da rede pública estadual estava no nível de proficiência Adequado, e 0,6% no nível Avançado. Já em Ciências da Natureza, no Saresp/2014 a proficiência média dos alunos da 3ª série do ensino médio estava próxima ao nível de proficiência Básico. Em Ciências da Natureza, 7,2% dos alu-nos estava no nível Adequado e 0,6% no nível de proficiência Avançado. No Sa-resp/2015, em Matemática 3,5% dos alunos estavam no nível de proficiência Adequado e 0,2% no nível Avançado.

Ainda que o Saresp avalie a proficiência média, e para tanto se valha de uma metodologia estatística específica, a TRI – Teoria da Resposta ao Item, enquanto neste estudo empregou-se a TCT – Teoria Clássica dos Testes, os resultados do Saresp, que indicam menor proficiência em Ciências da Natureza e em Matemá-tica, referendam a interpretação de que o baixo desempenho dos alunos no Ves-tibular não resultou de provas e questões inadequadas, mas sim de fragilidades na aprendizagem de Ciências da Natureza e de Matemática trazidas ao longo do ensino médio.

Os resultados do Saresp ainda validam a observação anteriormente colocada: os cursinhos comunitários, e em especial os cursos pré-vestibular oferecidos pela Unesp, se apresentaram mais exitosos em complementar os estudos justa-mente nas áreas e disciplinas nas quais os alunos trazem do ensino médio me-lhor formação e maior proficiência: Linguagens e códigos e Ciências Humanas. Na área e disciplinas nas quais se apresentam mais fragilizados, esses pré-ves-tibular foram menos exitosos na complementação dos estudos de seus alunos. O contrário ocorreu com os cursos pré-vestibulares privados, que agregaram maior conhecimento justamente na área e disciplinas nas quais os alunos apre-sentaram maiores deficiências: Ciências da Natureza e Matemática.

Contudo, e como já afirmado, a despeito da complementação dos estudos propiciada pelos cursos pré-vestibulares, comunitários ou privados, a média do desempenho dos alunos da escola pública ficou aquém da média do desempenho dos alunos da escola privada que não fizeram cursinho.

Os dados e discussão apresentados nos parágrafos anteriores foram pautados a partir da média do desempenho dos alunos nos sete anos de vestibular aqui analisados (Gráfico 3 e Tabela 6). Tomados ano a ano, os resultados sobre o de-sempenho dos alunos em cada uma das áreas, Linguagens e Códigos, Ciências

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Humanas, Ciências da Natureza e Matemática, não fugiram àquele verificado na média dos sete vestibulares; não houve um ano no qual o desempenho dos alu-nos, ou o desempenho de um determinado grupo de alunos, fugiu àquele repre-sentado pela média, como se verá a seguir.

DESEmPENHO NO CONjuNTO DE QuESTÕES DA áREA LiNGuAGENS E CóDiGOS

E SuAS TECNOLOGiAS E NO CONjuNTO DE QuESTÕES DAS DiSCiPLiNAS

LíNGuA PORTuGuESA E LiTERATuRA E LíNGuA ESTRANGEiRA (iNGLêS)

O Gráfico 4 apresenta, em A, a média do percentual de alunos que indicou a resposta correta para o conjunto de questões de Linguagens e Códigos na média dos sete vestibulares analisados, segundo grupo de alunos; e em B apresenta es-ses dados para cada ano de vestibular considerado.

Gráfico 4 Percentual de alunos que indicou a resposta correta para questões de Linguagens e Códigos da prova de Conhecimentos Gerais, vestibulares Unesp 2010 a 2016,

na média dos sete vestibulares (A) e em cada um dos vestibulares analisados (B).

(A) (B)

O Gráfico 4 referenda afirmações anteriores: ao longo da série histórica de sete anos de vestibular, as linhas representativas do desempenho dos diferentes

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grupos de alunos manteve a mesma posição relativa entre os grupos. Se em um ano em particular as questões se apresentaram um pouco mais fáceis ou um pou-co mais difíceis, todos os grupos de alunos apresentaram o mesmo comporta-mento, ou seja, o percentual de alunos que indicou a resposta correta aumentou ou diminuiu quase que nas mesmas proporções em todos os seis grupos de alu-nos aqui considerados. Contudo, quando se computou o desempenho dos dife-rentes grupos de alunos no âmbito de cada uma das disciplinas que integram a área, houve maior diversidade de resultados, como será visto a seguir.

Gráfico 5 Percentual de alunos que indicou a resposta correta para questões de Língua Portuguesa e Literatura, na média dos sete vestibulares (A) e em cada um dos vestibulares analisados (B).

(A) (B)

Verifica-se pelo Gráfico 5 que, considerando apenas as questões de Língua Portuguesa e Literatura, o percentual de alunos egressos de escolas públicas, sem curso pré-vestibular, que indicou a resposta correta foi, na média dos sete anos de vestibular, de 54,2%. Dentre aqueles que fizeram os pré-vestibular Unesp, esse percentual foi de 63,2%, e dentre aqueles com pré-vestibular priva-dos foi de 69,7%. Já dentre os alunos da escola privada, esse percentual foi de 72,4% e de 77,5% quando estes têm curso pré-vestibular privado. O Gráfico 5

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evidencia que mesmo no grupo de menor desempenho (alunos de escola pública sem curso pré-vestibular), na média, mais da metade dos alunos indicou a res-posta certa para questões da disciplina. Em anos específicos de vestibular, como no Vestibular 2011 e no Vestibular 2016, talvez em razão de uma prova um pouco mais difícil, esse percentual ficou abaixo de 50%. Porém, houve igualmente uma redução no desempenho dos demais grupos de alunos.

Em Língua Estrangeira (Inglês), a média do desempenho dos alunos da escola pública foi bem menor que aquele verificado em Língua Portuguesa e Literatura. Esse desempenho, tomado na média dos vestibulares, se repetiu quando analisa-do a cada ano de vestibular. O gráfico a seguir apresenta a média do desempenho dos alunos em questões de Inglês na série analisada.

Gráfico 6 Percentual de alunos que indicou a resposta correta para questões de Inglês, na média dos sete vestibulares (A) e em cada um dos vestibulares analisados (B).

(A) (B)

O Gráfico 6, A e B, evidencia que, em Língua Portuguesa e Literatura e em Inglês, a diferença de desempenho entre os grupos de alunos manteve-se quase a mesma ao longo das edições de vestibulares aqui analisadas. Contudo, quando se comparou os dados de desempenho dos alunos em Língua Portuguesa e Lite-

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ratura com aqueles de Inglês, verificou-se que o acréscimo ao desempenho, em razão do grupo a que pertencem os alunos, não foi o mesmo em cada uma dessas disciplinas.

A Tabela 7 a seguir apresenta o percentual de acréscimo no desempenho ve-rificado em cada um dos grupos de alunos, na média dos sete anos de vestibular, tomando-se o grupo de menor desempenho como referência (alunos de escola pública sem formação complementar em curso pré-vestibular).

Tabela 7 Percentual de acréscimo no desempenho, em relação ao grupo de menor desem-penho, em Língua Portuguesa e Literatura e em Inglês, vestibulares Unesp 2010 a 2016.

Grupo

% de acréscimo no desempenho

Língua Portuguesa e Literatura

inglês

I) Alunos de escola pública sem formação complementar em curso pré-vestibular.

referência referência

II) Alunos de escola pública com formação complementar em curso pré-vestibular oferecido pela Unesp.

16,6 21,3

III) Alunos de escola pública com curso pré-vestibular comunitário oferecido por outra instituição que não a Unesp.

19,4 28,9

IV) Alunos de escola pública com formação complementar em curso pré-vestibular privado.

28,7 53,1

V) Alunos de escola privada sem formação complementar em curso pré-vestibular.

33,6 82,5

VI) Alunos de escola privada com formação complementar em curso pré-vestibular privado.

43,1 100,4

No caso de Língua Portuguesa e Literatura, o desempenho do grupo de alunos da escola pública com complementação de estudos nos pré-vestibular oferecidos pela Unesp foi 16,6% maior que entre aqueles que não fizeram cursinho; mas no caso de Inglês esse desempenho foi 21,3% maior. Com relação aos alunos da escola pública com cursinho privado, o desempenho em Língua Portuguesa e Li-teratura foi 28,7% maior, e em Inglês foi 53,1% maior. A partir desses dados, poder-se-ia afirmar que os cursinhos, comunitários ou privados, foram mais

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exitosos em complementar os estudos em Inglês que em Língua Portuguesa e Literatura? Antes que se responda a essa pergunta é preciso atentar para o fato de que entre os alunos egressos de escola privada com cursinho privado e aque-les da escola privada sem cursinho, a diferença no desempenho em Inglês foi pequena: 68,3% daqueles com cursinho privado responderam corretamente questões de Inglês, frente a 62,2% daqueles sem cursinho. Em Língua Portugue-sa e Literatura esses percentuais foram 77,5% e 72,4%, respectivamente. Ou seja, a diferença no desempenho foi de 9,8% em Inglês e de 7,0% em Língua Portu-guesa e Literatura. Portanto, ainda que os cursinhos tenham agregado conheci-mento em Inglês, houve maior impacto dentre os alunos da escola pública que dentre aqueles da escola privada. Ainda assim, o grupo de alunos da escola pri-vada com cursinho privado teve, em Inglês, um desempenho 31,1% maior que o grupo de alunos da escola pública com cursinho privado, e 104% maior que o grupo de alunos da escola pública sem cursinho. Há ainda que se salientar que a afirmação sobre os cursinhos agregarem maior desempenho em Inglês que em Língua Portuguesa e Literatura não implica afirmar que os alunos tiveram maior desempenho em Inglês que em Língua Portuguesa e Literatura. O desempenho dos alunos em Língua Portuguesa e Literatura foi maior. Contudo, frente à baga-gem de conhecimentos que trazem do ensino médio houve, proporcionalmente, maior crescimento em desempenho na resolução de questões de Inglês.

Esse maior êxito na complementação dos estudos em Inglês, em comparação àquele em Língua Portuguesa e Literatura, se justifica. Os alunos da escola públi-ca sem complementação de estudos em cursinhos apresentaram fraco desempe-nho nessa língua: em média, 34,1% dos alunos com esse perfil indicou a resposta certa para questões de Inglês. Desse modo, a complementação dos estudos rece-bida nos cursinhos, comunitários ou privados, ainda que pouca, resultou em sig-nificativo ganho em desempenho. Já os alunos da escola privada sem formação complementar em curso pré-vestibular têm melhor formação em Inglês (em mé-dia, 62,2% deles indicou a resposta certa para questões de Inglês) e, desse modo, a complementação de estudos recebida nos cursinhos pouco alterou o desempe-nho no vestibular.

Há também que se considerar que o ganho em desempenho em Inglês experi-mentado pelos alunos da escola pública talvez se deva não apenas à complemen-tação que receberam nos cursos pré-vestibulares, mas também por que uma par-

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cela desses alunos concomitantemente se preparou em língua estrangeira por outros canais que não apenas as aulas no cursinho. Cerca de 25% dos candidatos egressos de escola pública afirmaram terem estudado Inglês em cursos de Lín-guas, percentual que subiu para cerca de 60% dentre os candidatos egressos de escolas privadas (dados obtidos a partir das respostas dos alunos ao questio-nário socioeconômico preenchido pelos candidatos quando da inscrição para o vestibular). Portanto, no caso da Língua Estrangeira, muito embora a formação complementada com cursos de línguas, e/ou outras oportunidades para a apren-dizagem de uma segunda língua, tenham contribuído para um melhor desempe-nho no vestibular, a complementação dos estudos em curso pré-vestibular tam-bém agregou desempenho, em especial no grupo de alunos egressos de escola pública. Esse agregar de desempenho, ainda que maior dentre os alunos da esco-la pública, não colocou estes últimos no mesmo nível de desempenho daqueles egressos de escolas privadas; mas, ainda assim, os alunos de escola pública que fizeram cursinho se saíram melhor na resolução de questões de Inglês que aque-les que não fizeram curso pré-vestibular.

Têm-se, portanto, outra frente na qual os cursinhos oferecidos pela Unesp podem atuar com vistas a melhor preparar seus alunos para o vestibular: agregar desempenho na resolução de questões de Inglês. Já em Língua Portuguesa e Li-teratura, embora a ação dos cursinhos tenha sido menos efetiva em agregar desempenho aos alunos, estes trazem do ensino médio uma bagagem de conhe-cimentos mais ampla e consolidada, o que resultou, em média, 54,2% dos alunos apresentarem a resposta correta para questões nessa disciplina, percentual esse que subiu para 63,2% dentre os alunos com complementação dos estudos em cursinhos da Unesp, como já referido.

DESEmPENHO NO CONjuNTO DE QuESTÕES DA áREA CiêNCiAS HumANAS

E SuAS TECNOLOGiAS E NO CONjuNTO DE QuESTÕES DAS DiSCiPLiNAS

HiSTóRiA, GEOGRAFiA E FiLOSOFiA

Em Ciências Humanas e suas tecnologias, em cada um dos sete anos de vesti-bular analisados o desempenho dos alunos seguiu o padrão descrito para o total geral da prova (90 questões): os alunos da escola pública constituíram o grupo no qual houve menor percentual daqueles que indicaram a resposta correta, se-guido do grupo de alunos da escola pública com pré-vestibular Unesp, grupo de

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alunos da escola pública com pré-vestibular comunitário de outra instituição e grupo de alunos com pré-vestibular privado. O grupo de melhor desempenho foi aquele de alunos da escola privada com curso pré-vestibular privado.

Como visto anteriormente, em Linguagens e Códigos o desempenho dos alu-nos da escola privada foi maior que o dos demais em decorrência, principalmen-te, do desempenho desses alunos em questões de Inglês. Já em Ciências Humanas, os candidatos da escola pública com curso pré-vestibular privado apresentaram um desempenho muito próximo ao desempenho dos candidatos da escola priva-da que não fizeram pré-vestibular.

O Gráfico 7, a seguir, apresenta a média do percentual de alunos que indicou a resposta correta para o conjunto de questões da área de Ciências Humanas.

Gráfico 7 Percentual de alunos que indicou a resposta correta para questões de Ciências humanas da prova de Conhecimentos Gerais, vestibulares Unesp 2010 a 2016, na média dos sete vestibulares (A) e em cada um dos vestibulares analisados (B).

(A) (B)

Em Ciências Humanas a diferença no desempenho dos alunos com cursinho Unesp em comparação ao desempenho daqueles com outros cursinhos comuni-tários, foi maior que aquele observado em Linguagens e Códigos. Ou seja, embora

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os cursinhos Unesp tenham agregado desempenho àquele que os alunos trazem do ensino médio da escola pública, outros cursinhos comunitários foram um pouco mais exitosos nessa tarefa. No caso dos cursinhos privados, estes colo-caram os alunos da escola pública quase que no mesmo nível de desempenho daqueles da escola privada sem curso pré-vestibular.

Quando se analisam as questões da prova agrupadas por disciplinas que inte-gram a área de Ciências Humanas, verifica-se que os alunos da escola pública apresentaram melhor desempenho na resolução de questões de Geografia que em História e em Filosofia, como demonstrado nos gráficos a seguir.

Gráfico 8 Percentual de alunos que indicou a resposta correta para questões de Geografia, na média dos sete vestibulares (A) e em cada um dos vestibulares analisados (B).

(A) (B)

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Gráfico 9 Percentual de alunos que indicou a resposta correta para questões de história, na média dos sete vestibulares (A) e em cada um dos vestibulares analisados (B).

(A) (B)

Gráfico 10 Percentual de alunos que indicou a resposta correta para questões de Filosofia, na média dos sete vestibulares (A) e em cada um dos vestibulares analisados (B).

(A) (B)

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Considerando o grupo de alunos da escola pública que não tenham feito cur-sinho, o desempenho destes foi melhor em Geografia, mas ainda assim esse de-sempenho ficou abaixo de 50%. Na média dos sete anos de vestibular, 42,5% dos alunos desse grupo indicou a resposta correta para questões dessa disciplina. Nos demais grupos de alunos, a média foi superior a 50%, chegando a 69,1% dentre os alunos da escola privada com pré-vestibular privado.

Em História, a média do desempenho dos alunos foi um pouco menor que aquele verificado em Geografia, mas manteve-se a posição relativa entre os gru-pos de alunos e a diferença de desempenho entre eles foi similar àquela verifi-cada em Geografia. Contudo, em Geografia a diferença entre o desempenho dos alunos da escola pública com cursinho privado e o desempenho dos alunos da escola privada sem cursinho foi ainda menor.

O Gráfico 9 ainda evidencia um dado importante: até o Vestibular 2015 as curvas mantinham entre si a mesma posição relativa e apresentavam o mesmo comportamento. No entanto, no Vestibular 2016 manteve-se a queda no desem-penho apenas dentre os alunos da escola pública sem cursinho, enquanto que nos demais grupos de alunos verificou-se um aumento no percentual daqueles que indicou a resposta correta para questões dessa disciplina. Ou seja, no Vesti-bular 2016 as curvas não mantiveram mais o mesmo comportamento, uma vez que a curva foi descendente dentre os alunos da escola pública sem cursinho e ascendente nos demais grupos de alunos. Se as questões de História se apresen-taram mais difíceis para egressos da escola pública, essas mesmas questões se apresentaram mais fáceis para aqueles de escolas privadas e para aqueles que complementaram os estudos em cursos pré-vestibulares. Dentre as 12 questões de História aplicadas no Vestibular 2016, em algumas delas o percentual de alu-nos da escola pública sem cursinho que acertou a questão foi menor que a meta-de daquele verificado entre os alunos de mesma origem escolar mas com cursi-nho privado; e cerca de um terço do percentual de alunos de escola privada que acertou a questão. Com já referido anteriormente, a análise pedagógica dos re-sultados, questão a questão, permitirá identificar em quais temas/conteúdos curriculares a aprendizagem tem se mostrado mais frágil, assim como permitirá diagnosticar se essa fragilidade na aprendizagem perpassa todos os grupos de alunos ou se é mais evidente em um grupo particular, exigindo, portanto, ações específicas para com o grupo em questão (se o tema/conteúdo está sendo abor-dado; se as estratégias de ensino são as adequadas; etc.).

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Em Filosofia, a média do desempenho dos alunos foi ainda um pouco menor que aquela verificada em Geografia e em História, mas tem-se aqui uma situação que merece destaque: o desempenho dos alunos da escola pública com cursinho privado foi, na média, superior ao desempenho dos alunos da escola privada sem cursinho. Ao menos no que se refere à resolução de questões da disciplina Filoso-fia, o fato de os alunos terem frequentado cursinho os aproximou do desempe-nho dos alunos da escola privada e, no caso de terem frequentado cursinho pri-vado, esse desempenho foi maior.

Em Filosofia, o desempenho foi substancialmente aumentado quando o aluno da escola pública teve complementação de estudos em cursinhos. Em compara-ção ao grupo de alunos da escola pública sem cursinho, cursar o pré-vestibular da Unesp representou um aumento de 33,8% no desempenho; enquanto cursar outro pré-vestibular comunitário representou um desempenho 49,4% maior e cursar um pré-vestibular privado aumentou o desempenho em 61,6%. Com isso, o grupo de alunos da escola pública com cursinho privado teve desempenho li-geiramente maior que o grupo de alunos da escola privada sem cursinho (60,4%).

O percentual de acréscimo no desempenho, na média dos sete anos de vesti-bular, está indicado na Tabela 8.

Tabela 8 Percentual de acréscimo no desempenho, em relação ao grupo de menor desem-penho, em história, Geografia e Filosofia, vestibulares Unesp 2010 a 2016.

Grupo% de acréscimo no desempenho

História Geografia Filosofia

I) Alunos de escola pública sem formação complementar em curso pré-vestibular.

referência referência referência

II) Alunos de escola pública com formação complementar em curso pré-vestibular oferecido pela Unesp.

23,1 21,6 33,8

III) Alunos de escola pública com curso pré-vestibular comunitário oferecido por outra instituição que não a Unesp.

32,7 27,2 49,4

IV) Alunos de escola pública com formação complementar em curso pré-vestibular privado.

47,2 41,0 61,6

(continua)

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Grupo% de acréscimo no desempenho

História Geografia Filosofia

V) Alunos de escola privada sem formação complementar em curso pré-vestibular.

49,2 45,7 60,4

VI) Alunos de escola privada com formação complementar em curso pré-vestibular privado.

71,5 62,7 83,8

Os dados da Tabela 8 indicam um maior êxito dos cursinhos, sejam eles comu-nitários ou privados, na complementação dos estudos em Filosofia quando em comparação à complementação dos estudos em Geografia e em História. No caso dos alunos da escola pública, esse acréscimo foi significativamente maior que aquele observado dentre os alunos da escola privada. Assim como observado no desempenho dos alunos da escola pública na resolução de questões de Inglês, também em Filosofia os cursinhos agregaram a esses alunos um ganho em desem-penho proporcionalmente maior. Contudo, se em Inglês contribuiu para um maior desempenho a complementação recebida em cursos de línguas, em Filosofia, e em especial no grupo de alunos da escola pública, esse ganho em desempenho de-veu-se principalmente à complementação dos estudos recebida nos cursinhos, sejam eles comunitários ou privados. No caso dos cursinhos comunitários, entre eles os da Unesp, é provável que a orientação pedagógica prevalente e o objetivo de não apenas preparar para o vestibular, mas também preparar o aluno para a cidadania e o senso crítico, tenham contribuído para uma melhor compreensão das questões e temas tratados na Filosofia, resultando em melhor desempenho quando da resolução de questões de Filosofia no vestibular. Há que se investigar se nos cursinhos comunitários, dentre eles os da Unesp, as atividades desenvolvi-das e a própria prática pedagógica contribuem para uma melhor compreensão, discussão e apreensão de temas e conteúdos mais diretamente ligados à discipli-na Filosofia, contribuindo para que o desempenho dos alunos desses cursinhos na resolução de questões dessa disciplina seja igualmente bom.

Contudo, o agregar desempenho na resolução de questões de Filosofia não implicou que os alunos, independentemente do grupo a que pertençam, tivessem bom desempenho na resolução de questões dessa disciplina. Ao contrário, como será ressaltado no parágrafo seguinte, esse desempenho caiu ao longo da sequên-cia dos vestibulares aqui analisados.

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Os Gráficos 7 a 10 permitem reafirmar e detalhar uma informação anterior-mente apresentada: em Ciências Humanas, o desempenho dos alunos da escola pública com formação complementar em cursinho privado foi quase que o mes-mo que o daqueles da escola privada sem cursinho. Essa afirmação é válida não apenas para o desempenho dos alunos no conjunto de questões da área, mas também para o desempenho dos alunos em cada uma das disciplinas que inte-gram a área Ciências Humanas, notadamente em Filosofia. Contudo, o Gráfico 10 traz um detalhe que merece consideração. A despeito de o gráfico apenas compa-rar o desempenho dos diferentes grupos de alunos em cada edição do vestibular (o comportamento ascendente ou descendente de cada linha não significa que os alunos do grupo representado pela linha têm formação melhor ou pior que os alunos do mesmo grupo no ano anterior, uma vez que as provas podem diferir no grau de dificuldade), verifica-se que desde o Vestibular 2012 as linhas apresenta-ram-se descendentes. Há que se investigar se, ao longo dos anos, as questões de Filosofia no Vestibular Unesp apresentaram-se mais difíceis e/ou complexas que as do ano precedente, o que poderia justificar as curvas descendentes, ou se não é o caso de uma efetiva queda na proficiência dos alunos no que concerne aos conhecimentos próprios e essenciais da disciplina Filosofia. Se as questões de Filosofia presentes nos vestibulares Unesp são representativas dos temas e con-teúdos definidos no Currículo de Filosofia do Estado de São Paulo para o Ensino Médio, se são consideradas adequadas frente ao que se espera que os alunos se-jam aptos a realizar ao final do ensino médio, então o comportamento descen-dente das curvas poderia indicar, em todos os grupos de alunos, deficiência na aprendizagem em Filosofia. No Vestibular 2016, por exemplo, o percentual de alunos que indicou a resposta correta para questões de Filosofia não chegou a 25% dentre os alunos da escola pública sem cursinho, e dentre aqueles da escola privada sem cursinho, ou dentre os de escola pública com cursinho privado, esse percentual ficou pouco abaixo de 45%.

DESEmPENHO NO CONjuNTO DE QuESTÕES DA áREA DE CiêNCiAS DA

NATuREZA, mATEmáTiCA E SuAS TECNOLOGiAS E NO CONjuNTO DAS

QuESTÕES DAS DiSCiPLiNAS BiOLOGiA, QuímiCA, FíSiCA E mATEmáTiCA

Nos Vestibulares Unesp, os objetos de conhecimento das disciplinas Biologia, Física e Química compõem, com Matemática, um bloco de 30 questões na prova

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de Conhecimentos Gerais. Deste modo, além da análise do desempenho no con-junto das 30 questões da área de Ciências da Natureza, Matemática e suas tecno-logias, analisou-se o desempenho dos alunos em cada uma das disciplinas que compõem a área.

O percentual de alunos que indicou a resposta correta para questões da área foi menor em Ciências da Natureza e Matemática que em Ciências Humanas ou em Linguagens e Códigos.

Gráfico 11 Percentual de alunos que indicou a resposta correta para questões de Ciências da Natureza e matemática da prova de Conhecimentos Gerais, vestibulares Unesp 2010 a 2016, na média dos sete vestibulares (A) e em cada um dos ves-tibulares analisados (B).

(A) (B)

Considerando os sete anos de vestibular analisados, no grupo de melhor de-sempenho (alunos da escola privada com pré-vestibular privado) a média do percentual de alunos que indicou a resposta correta foi de 49,6%, enquanto que no grupo de menor desempenho (alunos da escola pública sem pré-vestibular) esse percentual foi de 25,0%. Portanto, em nenhum dos grupos obteve-se, na média dos sete vestibulares analisados, mais de 50% dos alunos indicando a res-posta correta para questões de Ciências da Natureza e Matemática. Contudo,

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quando se analisou os resultados ano a ano, verificou-se que, talvez em razão de uma prova um pouco mais fácil, a média do desempenho dos alunos da escola privada com pré-vestibular privado ficou, em anos intercalados, pouco acima de 50%. Porém, a média do desempenho de todos os demais grupos ficou, em todas as edições do vestibular, abaixo de 50%. No caso do desempenho dos alunos da escola pública sem complementação de estudos em cursinhos, o percentual daqueles que indicou a resposta correta para questões da área oscilou de 23,4% a 27,2%. Assim como observado nas demais áreas, também em Ciências da Natu-reza e Matemática a oscilação do desempenho ao longo dos anos foi quase que a mesma em todos os diferentes grupos de alunos, as curvas mantiveram o mesmo comportamento, ligeiramente ascendente, ou ligeiramente descendente, em anos intercalados, em todos os grupos de alunos.

Considerando-se apenas o conjunto de questões de cada uma das disciplinas que compõem Ciências da Natureza e Matemática (Biologia, Física, Química e Matemática), em cada uma delas verificou-se a mesma posição relativa na or-denação do desempenho dos diferentes grupos de alunos. Contudo, a média do desempenho variou entre as disciplinas, assim como variou a contribuição do curso pré-vestibular na melhora desse desempenho.

Na média dos sete anos de vestibular, em todos os grupos o desempenho foi um pouco maior em Biologia e Química, e menor em Física e Matemática. Essa diferença se acentuou quando se comparou os diferentes grupos de alunos.

Os Gráficos 12 a 15, a seguir, apresentam as médias dos percentuais de alunos que indicaram a resposta correta para questões de cada uma dessas disciplinas, no conjunto das questões dos sete vestibulares analisados e em cada uma das edições do vestibular.

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Gráfico 12 Percentual de alunos que indicou a resposta correta para questões de Biologia, na média dos sete vestibulares (A) e em cada um dos vestibulares analisados (B).

(A) (B)

Gráfico 13 Percentual de alunos que indicou a resposta correta para questões de Química, na média dos sete vestibulares (A) e em cada um dos vestibulares analisados (B).

(A) (B)

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Gráfico 14 Percentual de alunos que indicou a resposta correta para questões de Física, na média dos sete vestibulares (A) e em cada um dos vestibulares analisados (B).

(A) (B)

Gráfico 15 Percentual de alunos que indicou a resposta correta para questões de ma-temática, na média dos sete vestibulares (A) e em cada um dos vestibulares analisados (B).

(A) (B)

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Verifica-se pelos Gráficos 12 a 15 que em todas as disciplinas a posição rela-tiva do desempenho dos alunos foi a mesma, que o foi nas demais disciplinas que compõem a prova. Contudo, alguns dados se sobressaem. Houve, na média, um maior percentual de alunos indicando a resposta correta para questões de Biologia e Química que para questões de Física e Matemática, qualquer que seja o grupo de alunos considerado. Porém, ainda assim apenas no grupo de alunos da escola privada com pré-vestibular privado houve, na média, pouco mais de 55% deles indicando a resposta correta para questões de Biologia e Química. Nos demais grupos de alunos, e nas demais disciplinas, esse percentual ficou abaixo de 50%.

O melhor desempenho em Biologia e Química, quando em comparação à Físi-ca e Matemática, foi verificado em todos os grupos de alunos, mas, dependendo do grupo de alunos que se considere, essa diferença no desempenho foi menos acentuada.

Os dados apresentados nos Gráficos 12 a 15 referem-se, em A, à média do desempenho nas sete edições do vestibular, mas os dados sobre o desempe- nho dos alunos a cada ano de vestibular, apresentados em B, permitem outras observações.

A exemplo do que ocorreu nas disciplinas das demais áreas, a oscilação do desempenho verificada a cada ano repetiu-se nos diferentes grupos de alunos. Contudo, e de modo mais intenso que o observado nas disciplinas das demais áreas, em algumas disciplinas da área de Ciências da Natureza e Matemática a diferença no desempenho acentuou-se entre os grupos de alunos. Por exemplo, em Biologia a prova do Vestibular 2013 aparentemente se apresentou mais fácil que aquela do Vestibular 2012 e aquela do Vestibular 2014, uma vez que no Ves-tibular 2013 houve, na média, um maior percentual de alunos indicando a res-posta certa para cada questão da disciplina. Contudo, esse aumento no percen-tual foi maior entre os alunos que fizeram cursinho. Aparentemente, a prova “mais fácil” não o foi para os alunos das escolas públicas sem formação comple-mentar nos cursos pré-vestibulares. Ainda em Biologia, no Vestibular 2015 vol-tou a aumentar o percentual de alunos que indicou a resposta correta para ques-tões da disciplina, e esse aumento foi mais acentuado dentre os alunos de escolas privadas e dentre os alunos de escola pública com curso pré-vestibular privado. Porém, dentre os alunos de escola pública sem cursinho, verificou-se uma queda no desempenho.

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Também em Física alguns dados se destacam. No Vestibular 2011, houve um discreto acréscimo no percentual de alunos que indicou a resposta correta para questões de Física, mas dentre os alunos da escola pública sem cursinho esse percentual diminuiu. No Vestibular 2012 verificou-se justamente o inverso, uma queda no desempenho dos alunos de escolas privadas e dos alunos com cursi-nho, e um discreto aumento no desempenho dos alunos da escola pública sem cursinho. Esse discreto aumento, de 21,2% para 22,4%, ainda assim chama a atenção uma vez que dentre os alunos da escola privada a queda no desempenho foi da ordem de dez pontos percentuais (de 40,3% para 30,8%). Contudo, não se pode afirmar que esse resultado decorre de os alunos da escola pública terem tido, proporcionalmente, um melhor desempenho na prova. Nesse vestibular, das oito questões de Física presentes na prova, em três delas o desempenho dos alu-nos da escola pública foi bastante próximo ao daquele dos alunos da escola pri-vada, mas em ambos os grupos esse desempenho foi bastante abaixo: menos de 30% dos alunos apresentou a resposta correta para as questões.

Em Química, no Vestibular 2012, dentre os alunos da escola privada, com ou sem cursinho, aumentou o percentual daqueles que indicou a resposta correta para questões da disciplina, mas dentre os alunos da escola pública, esse percen-tual diminuiu. O mesmo ocorreu no Vestibular 2014, mas no Vestibular 2016 verificou-se um discreto aumento no desempenho dos alunos da escola pública, acompanhado de uma discreta queda no desempenho dos alunos da escola pri-vada. Assim como em Física, também em Química houve questões nas quais alu-nos de todos os grupos tiveram fraco desempenho, mas também questões nas quais o desempenho dos alunos da escola pública, mesmo sem cursinho, foi qua-se tão alto quanto o dos alunos da escola privada.

A análise do desempenho dos alunos em cada questão da prova dará indica-ções sobre quais foram os conteúdos curriculares demandados e em quais situa-ções-problema foram apresentados, de modo a se poder associá-las com um de-sempenho melhor dentre os alunos de um determinado grupo, e pior dentre aqueles de outro grupo. A análise pedagógica do desempenho dos alunos, ques-tão a questão, que será objeto de estudo complementar a este que aqui se apre-senta, trará subsídios para que se discutam as razões das diferenças de desempe-nho como, por exemplo, se alguns tópicos de conteúdo curricular estão sendo igualmente trabalhados nas escolas publicas e nas escolas privadas; ou se o modo

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como estão sendo abordados permite aos alunos resolverem as situações-pro-blema associadas a esses temas e que lhes são apresentadas na prova do vestibu-lar. Esse diagnóstico permitirá discutir as razões do baixo desempenho, se have-ria viés na compreensão de conceitos, e se haveria fragilidades na aprendizagem de temas e conteúdos.

Em Matemática, assim como em Física, se verificaram os menores percen-tuais de alunos que indicaram a resposta correta para questões da disciplina. Além disso, foi também em Matemática que se verificaram as menores diferenças de desempenho entre os grupos de alunos (Gráfico 15). Em alguns anos, como no Vestibular 2010 e no Vestibular 2012, o grupo de maior desempenho teve um desempenho quase tão baixo quanto o grupo de menor desempenho. Essa situa-ção se alterou um pouco no Vestibular 2015, no qual, talvez em razão de uma prova um pouco mais fácil, a média do percentual de alunos da escola pública sem cursinho que indicou a resposta certa para questões da disciplina ficou pró-xima de 35%, enquanto que dentre aqueles da escola privada ficou em cerca de 50%. Porém, no Vestibular 2016 voltou a haver uma queda no desempenho de todos os grupos de alunos: em nenhum deles houve mais de 50% dos alunos indicando a resposta correta na média do conjunto de questões da disciplina. Mas, de todo modo, ainda assim foi sensível a diferença de desempenho entre os diferentes grupos de alunos.

Outro dado que emerge da leitura dos Gráficos 12 a 15 é sobre a diferença de desempenho entre os grupos de alunos, que variou entre as diferentes discipli-nas. Dependendo da disciplina, a complementação dos estudos em cursos pré--vestibulares resultou em um impacto maior ou um impacto menor no ganho em desempenho no vestibular. A Tabela 9, a seguir, apresenta o acréscimo na média do percentual daqueles que indicaram a resposta certa para questões de Biolo-gia, Química, Física e Matemática.

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Tabela 9 ercentual de acréscimo no desempenho, em relação ao grupo de menor de-sempenho, em Biologia, Química, Física e matemática, vestibulares Unesp 2010 a 2016.

Grupo% de acréscimo no desempenho

Biologia Química Física matemática

a) Alunos de escola pública sem formação complementar em curso pré-vestibular.

referência referência referência referência

b) Alunos de escola pública com formação complementar em curso pré-vestibular oferecido pela Unesp.

26,8 18,2 12,6 13,1

c) Alunos de escola pública com curso pré-vestibular comunitário oferecido por outra instituição que não a Unesp.

35,3 25,4 14,8 17,9

d) Alunos de escola pública com formação complementar em curso pré-vestibular privado.

64,1 51,4 37,1 35,7

e) Alunos de escola privada sem formação complementar em curso pré-vestibular.

72,4 66,0 51,7 49,7

f) Alunos de escola privada com formação complementar em curso pré-vestibular privado.

113,8 108,0 89,5 75,2

O quadro confirma que houve uma maior contribuição dos cursos pré-vesti-bulares na complementação dos estudos em Biologia e Química que em Física e Matemática. Em Biologia, o grupo de alunos da escola pública que fez cursinho Unesp teve o desempenho aumentado em 35,3%, e aumentado em 64,1% quan-do em cursinho privado. Em Matemática esse aumento no desempenho foi de, respectivamente, 13,1% e 35,7%.

Dentre os alunos da escola privada com cursinho privado, o percentual que indicou a resposta correta para questões de Biologia e de Química foi mais que o dobro daqueles da escola pública sem cursinho.

A título de exemplo, em números absolutos, o número médio de alunos que fizeram o cursinho Unesp e prestaram o vestibular a cada ano foi 2.727. Tome-se

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grupo de mesmo tamanho, de escola pública e que não tenham feito cursinho. Dentre estes, em média 709 alunos indicaram a resposta correta para cada ques-tão de Biologia. Dentre aqueles que fizeram os cursinhos Unesp, em média 908 deles responderam corretamente cada questão de Biologia. Ou seja, os cursinhos Unesp contribuíram para que, no grupo de 2.727 alunos, houvesse 199 mais alu-nos indicando a resposta certa para questões de Biologia. Já dentre os alunos da escola pública que fizeram cursinho privado, em média 1.164 deles indicou a resposta certa para cada questão de Biologia. Ou seja, em grupos de mesmo ta-manho e perfil (2.727 alunos da escola pública) o cursinho privado contribuiu para que houvesse, em média, 455 mais alunos apresentando a resposta certa para cada questão de Biologia.

Esses números ilustram a contribuição dos cursinhos em aumentar a média do percentual de alunos da escola pública que indicou a resposta correta para questões da disciplina. Mas esses números também indicam que há espaço pa- ra otimizar e aumentar a contribuição dos cursinhos comunitários, em especial os da Unesp, na complementação de estudos de seus alunos, uma vez que os cur-sinhos privados se mostraram mais exitosos nessa tarefa. Os alunos da escola pública com cursinho privado tiveram um desempenho quase tão grande quanto o daqueles da escola privada. Contudo, se os alunos da escola privada também têm cursinho privado, o desempenho destes é bem maior. No caso de alunos de escola privada com pré-vestibular privado, em grupos de 2.727 alunos, 1.516 de-les responderam corretamente questões de Biologia, números esses que ressal-tam a diferença no desempenho dos alunos da escola privada em relação àqueles da escola pública no vestibular e ressaltam o impacto dos cursinhos na comple-mentação dos estudos. Em termos de aumento percentual no desempenho, os alunos da escola privada com cursinho privado tiveram um desempenho de 113,8% maior que o desempenho do aluno da escola pública sem cursinho. Esses números, contudo, não implicam alto desempenho na prova, uma vez que se tra-ta apenas da comparação do desempenho de um grupo em relação ao outro. Com exceção dos alunos de escola privada com curso pré-vestibular privado, em todos os grupos de alunos não houve mais de 50% deles indicando a resposta correta para questões de Biologia.

Em Física e Matemática a contribuição dos cursinhos teve menor impacto que aquele verificado em Biologia e Química. Muito embora nessas duas disciplinas a

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média do percentual de alunos que indicou a resposta correta para as questões tenha sido a mais baixa, tanto entre os alunos da escola pública quanto entre os da escola privada, dentre aqueles da escola privada, ou que fizeram pré-vestibu-lar privado, a contribuição ao aumento do desempenho foi de 3 a 5 vezes maior que dentre aqueles que fizeram os cursinhos Unesp. Também a título de exemplo, e considerando grupos de 2.727 alunos, no grupo formado por alunos da escola pública que não tenham feito qualquer cursinho, 611 deles indicaram a resposta correta para questões de Física. No grupo que fez cursinhos Unesp, em média 690 alunos indicaram a resposta correta para questões de Física. Ou seja, em grupos de 2.727 alunos, os cursinhos da Unesp contribuíram para que mais 79 alunos também respondessem corretamente questões de Física, além daqueles 611 alunos que as indicariam mesmo não tendo feito cursinho. No caso de grupo de mesmo tamanho e perfil, mas que tenham feito pré-vestibular privado, 840 alunos, ou 229 a mais que no grupo sem cursinho, indicaram a resposta correta para questões de Física. No caso de alunos de escola privada com pré-vestibular privado, 1.159 alunos, de um grupo de 2.727, indicaram a resposta correta para questões de Física. Em Matemática, esses números são ligeiramente maiores: em grupos de 2.727 alunos que não fizeram curso pré-vestibular, 674 deles indica-ram a resposta correta, enquanto que dentre aqueles que fizeram cursinhos Unesp esse número é de 764 alunos; dentre os que fizeram cursinho privado, 916 alunos; e dentre aqueles da escola privada com cursinho privado, 1.184 alunos. Ou seja, tanto entre os alunos da escola pública quanto entre os da escola priva-da, a média do percentual daqueles que indicou a resposta correta para questões de Matemática ficou abaixo de 50,0%. Ainda assim foi significativo o ganho em desempenho experimentado pelos alunos da escola pública ou da escola privada que fazem pré-vestibular privado. O ganho em desempenho resultante da ação dos cursinhos comunitários, e no caso os cursinhos da Unesp, foi menor.

Em Ciências da Natureza, a deficiência que os alunos trazem da escola pública foi minimizada pela complementação dos estudos em cursinhos, mas essa com-plementação de estudos se mostrou mais efetiva para melhorar o desempenho dos alunos na resolução das questões de Biologia e Química que na resolução das questões de Física e Matemática apresentadas no Vestibular Unesp.

Como discutido anteriormente neste trabalho, foi em Ciências da Natureza que se verificou um menor percentual de alunos que indicou a resposta correta

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para cada questão da área; e os cursinhos da Unesp foram menos exitosos na complementação dos estudos nas disciplinas que integram essa área, que na-quelas associadas à área de Ciências Humanas e à área de Linguagens e códigos. No caso dos cursinhos privados ocorreu o oposto. Considerando que os alunos que egressam do ensino médio público têm maior domínio dos conteúdos de Ciências Humanas que de Ciências da Natureza e Matemática, essa diferença na complementação dos estudos obtida nos cursinhos comunitário em relação aos cursinhos privados contribuiu para a diferença de desempenho dos alunos de diferente origem escolar no vestibular.

Esses dados sugerem a necessidade de os cursinhos comunitários, e no caso aqueles oferecidos pela Unesp, reverem suas estratégias pedagógicas na comple-mentação dos estudos de seus alunos, com vistas à maior apropriação e consolida-ção dos conteúdos, domínio dos conhecimentos necessários para a compreensão e resolução das questões apresentadas no vestibular e, consequentemente, apro-ximá-los do desempenho dos alunos com outra trajetória escolar.

DESEmPENHO Em CADA umA DAS QuESTÕES DAS PROVAS

DE CONHECimENTOS GERAiS DO VESTiBuLAR uNESP 2010

A VESTiBuLAR uNESP 2016

Como afirmado em momento anterior deste trabalho, a análise pedagógica sobre o conteúdo curricular associado a cada questão, sobre o conhecimento ne-cessário para a resolução de cada questão e sobre o desempenho dos alunos em cada questão permite diagnosticar onde há sucesso ou fragilidades na aprendiza-gem. Igualmente importante, a análise sobre as indicações dos candidatos aos diferentes distratores de cada questão permite diagnosticar eventual viés na compreensão de conceitos e apreensão de conteúdos. A comparação do desem-penho de alunos de escola pública em relação àqueles da escola privada e a com-paração do desempenho de alunos com curso pré-vestibular em relação àqueles sem essa complementação de estudos, pode indicar em quais esferas está haven-do maior ou menor apropriação dos conteúdos curriculares e maior ou menor compreensão dos conceitos a eles associados; poderá indicar em quais grupos de alunos estão desenvolvidas as habilidades necessárias para a resolução das situa-ções problema apresentadas em cada questão. Como já afirmado, essa análise será feita em trabalho complementar a este que aqui é apresentado. Contudo, já

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se podem apresentar alguns dados gerais sobre o percentual de alunos que indi-cou a resposta correta para cada questão da prova, nos sete anos de vestibular, tais como: em todas as disciplinas, há questões nas quais mais de 50% de alunos indicou a resposta correta para a questão, entretanto enquanto essa situação é válida para a maioria das questões de uma dada disciplina, como em Língua Por-tuguesa e Literatura, em outras ela é mais rara, como em Física; em algumas dis-ciplinas predominam questões nas quais a diferença de desempenho entre os grupos de alunos é bastante baixa, e de modo geral o desempenho dos alunos é bom, enquanto que em outras disciplinas também predominam questões nas quais a diferença de desempenho entre os grupos é igualmente baixa, mas os alunos, independentemente do grupo a que pertençam, têm baixo desempenho; há disciplinas onde predominam questões com acentuada diferença de desem-penho entre os grupos de alunos, e a mesma diferença se mantém em diferentes anos de vestibular.

As provas do vestibular Unesp de cada ano podem ser consultadas em Relató-rios Vunesp 2010 a 2016, no site http://www.vunesp.com.br/internas/vestibular unesp.html. Nestes relatórios também há tabelas com o percentual de alunos que assinalou cada uma das opções de resposta (gabarito e distratores) para cada questão da prova.

Apenas a título de exemplo sobre a análise que se pode fazer associando-se os dados apresentados nos gráficos às respectivas questões na prova, tome-se duas questões aplicadas no Vestibular Unesp 2013 (Questão 63) e no Vestibular Unesp 2016 (Questão 67). Ambas as questões são da área de Ciências da Natureza-Bio-logia, mas prestam-se a ilustrar a discussão que se pode fazer a partir da análise dos dados sobre o percentual de alunos que respondeu corretamente cada ques-tão, e a análise da questão em si.

No Vestibular 2013, a questão 63 versava sobre grupos sanguíneos dos siste-mas ABO e Rh. Esse conteúdo curricular é apresentado aos alunos no segundo bimestre da segunda série do ensino médio e espera-se que uma vez atingidos os objetivos de aprendizagem associados a esse conteúdo, os alunos sejam capazes de propor e testar hipóteses sobre herança, aplicando as ideias de Mendel (Cur-rículo do Estado de São Paulo para o Ensino Médio-Biologia, Secretaria de Estado da Educação, 2012). Na questão apresentada aos alunos, a situação-problema es-tava contextualizada em um fragmento de uma obra literária: Dom Casmurro, de

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Machado de Assis. A seguir, a imagem da questão apresentada aos candidatos na prova do Vestibular 2013:

Para responder essa questão, antes de se valerem de seus conhecimentos so-bre genética dos grupos sanguíneos, cabia aos candidatos compreender o texto que lhes fora apresentado. Deveriam localizar e integrar várias informações ex-plícitas distribuídas ao longo do texto-base, organizando-as para delas se vale-rem na construção de uma hipótese sobre a paternidade do filho de Capitu. As cinco alternativas apresentavam cinco hipóteses sobre a paternidade de Eze-quiel, mas só uma delas se apresentava correta em razão das informações forne-cidas pelo texto-base.

Segundo os critérios da Teoria Clássica dos Testes (TCT), e considerando to-dos os respondentes, a questão foi classificada com grau médio de dificuldade e de ótima discriminação: o percentual de acertos foi da ordem de 40%, mas esse percentual foi significativamente maior dentre os candidatos de melhor desem-penho na prova como um todo, e bem menor dentre os candidatos de mais baixo desempenho.

No Vestibular 2016 foi apresentada aos candidatos outra questão sobre esse mesmo conteúdo curricular, genética dos grupos sanguíneos dos sistemas ABO e

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Rh, e os resultados são bastante similares aos do Vestibular 2013. Nesta questão de 2016, contudo, a situação-problema se apresentava menos complexa que aquela posta no Vestibular 2013. O texto-base da questão e sua contextualização apresentavam-se de fácil compreensão e os dados necessários para a resolução foram explicitamente indicados. Ou seja, para resolver essa questão os candi-datos deveriam se valer mais do conhecimento sobre genética dos grupos san-guíneos do que da compreensão de texto. A seguir, a imagem da questão apresen-tada aos candidatos na prova do Vestibular 2016:

Há que se destacar que tanto na questão apresentada no Vestibular 2013 quanto naquela apresentada no Vestibular 2016 os candidatos que erraram as questões distribuíram suas respostas aleatoriamente pelas demais alternativas; cada distrator recebeu quase que o mesmo percentual de indicações. Não houve uma alternativa que atraísse a resposta dos candidatos mais que outras. Deste modo depreende-se que, mesmo dentre aqueles que acertaram a questão, parte deles o foi por acerto casual, em percentual similar àquele verificado nas demais alternativas. Ou seja, pode-se inferir que na questão apresentada no vestibular de 2013 apenas de 10% a 15% dos alunos indicaram a resposta correta em razão de efetivamente saberem qual era a resposta correta, enquanto que os cerca de 20% restante o fez em razão de acerto casual. No Vestibular 2016, os resultados foram bastante similares: cerca de 15% dos candidatos teriam acertado a ques-tão e os demais o fizeram por acerto casual.

Considerando que a questão do Vestibular 2016 apresentava-se em um texto--base bem mais simples, em uma situação-problema bem menos complexa que aquela do Vestibular 2013, é razoável afirmar que o baixo desempenho dos can-didatos decorre mais da não apreensão e não compreensão do conteúdo curricu-lar a elas associado que propriamente da não compreensão do texto-base. Em

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ambos os vestibulares, a despeito da diferença de complexidade do texto-base, o desempenho dos candidatos egressos de escola pública e sem curso pré-vestibu-lar foi praticamente o mesmo.

O mesmo se aplica aos candidatos que fizeram os cursinhos Unesp, dentre os quais, descontando-se os acertos casuais, entre 20 a 25% efetivamente indicaram a resposta correta em razão de saberem resolver as questões de ambos os vesti-bulares. Já dentre os alunos de escola pública com cursinho privado, descontados os acertos casuais, de 45% a 50% acertaram essas duas questões e, dentre aque-les de escola privada com cursinho privado, cerca de 70% a 75% deles o fizeram.

Esses dados indicam a não apreensão do conteúdo curricular “genética dos grupos sanguíneos” dentre os alunos da escola pública, associado à dificuldade que estes têm em aplicar esse conhecimento na resolução de situações-proble-ma, quer sejam essas situações mais simples ou mais complexas. Indicam tam-bém que os cursinhos Unesp contribuem para maior apreensão desse conteúdo curricular por parte de seus alunos, mas essa contribuição ainda os mantém bas-tante distantes do desempenho daqueles que fizeram cursinho privado ou cursa-ram escolas privadas.

SínteSe

O desempenho dos alunos na resolução das questões foi aferido a partir do percentual de alunos que indicou a resposta correta para cada questão, o que permitiu calcular a média do percentual de alunos que indicou a resposta correta para um determinado conjunto de questões. Desse modo, pode-se verificar com-parativamente o desempenho de alunos de diferentes trajetórias escolares na resolução de questões de Linguagens e Códigos, de Ciências Humanas e de Ciên-cias da Natureza e Matemática, e na resolução de questões das disciplinas inte-grantes dessas áreas.

Os dados obtidos sobre o desempenho dos alunos encontra paralelo naqueles obtidos pelo Saresp – Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo. Muito embora o estudo aqui apresentado se debruce sobre os resulta-dos de um instrumento que visa a seleção de candidatos a partir do desempenho destes em uma prova (vestibular), o qual utiliza a metodologia da Teoria Clássica dos Testes –TCT, enquanto o Saresp emprega um instrumento que permite aferir a proficiência dos alunos, o qual se vale da metodologia da Teoria da Resposta ao

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Item – TRI, os dados obtidos a partir dos dois instrumentos apontam na mesma direção: os alunos apresentaram melhor rendimento, e maior proficiência, na re-solução de questões associadas aos temas e conteúdos curriculares de Lingua-gens e Códigos e de Ciências Humanas, e menor desempenho em Ciências da Natureza e Matemática. Também no âmbito de cada uma dessas áreas do conhe-cimento há certo paralelo entre os dados obtidos a partir dos dois instrumentos: os alunos apresentaram melhor rendimento, e maior proficiência, na resolução de questões de Língua Portuguesa, História e Geografia.

Os dados apresentados ao longo deste estudo indicam que, dentre os diferen-tes grupos de alunos considerados, aquele constituído por alunos da escola pú-blica sem complementação de estudos em curso pré-vestibular foi o grupo no qual se verificou, na média, o menor percentual de alunos que indicou a resposta correta para cada uma das questões das provas de Conhecimentos Gerais dos Vestibulares Unesp de 2010 a 2016. Tendo este grupo de alunos por referência, os demais grupos de alunos tiveram desempenho superior, ou seja, um maior percentual de alunos do grupo indicou a resposta certa para as questões.

Tem-se em Língua Portuguesa e Literatura o maior percentual de alunos, qualquer que seja o grupo de alunos considerado, que indicou a resposta certa para questões da disciplina. Na direção contrária, nas disciplinas Física e Mate-mática se observaram os mais baixos percentuais de alunos que indicaram a res-posta correta para questões dessas disciplinas.

O Gráfico 16, a seguir, apresenta a média do percentual de alunos que, em cada um dos grupos considerados, indicou a resposta correta para questões agrupadas por disciplina, prova de Conhecimentos Gerais, Vestibulares Unesp 2010 a 2016. Esse gráfico reúne em uma única apresentação os dados já apresen-tados em outros gráficos que compõem este estudo.

Os dados do gráfico evidenciam informações apresentadas e discutidas neste estudo: em algumas disciplinas, como em Biologia e Química, no grupo de maior desempenho (alunos de escola privada com cursinho privado) o percentual da-queles que indicou a resposta certa para questões da disciplina foi o dobro daquele verificado no grupo de menor desempenho (alunos da escola pública sem formação complementar em cursinho). A despeito disso, mesmo no grupo de maior desempenho, em média cada questão da prova foi respondida correta-mente por apenas cerca de 50% dos alunos. Em outras disciplinas, como em Lín-gua Portuguesa e Literatura, a diferença de desempenho entre os grupos de alu-

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nos foi menor, e todos os grupos apresentaram um bom desempenho na resolução das questões: em todos os grupos, em média mais de 50% dos alunos indicou a resposta correta para questões de Língua Portuguesa e Literatura.

Gráfico 16 média do percentual de alunos que indicou a resposta correta para questões das provas de conhecimentos Gerais, agrupadas por disciplina, vestibulares unesp 2010 a 2016.

A origem escolar dos alunos (escola pública ou privada), e a complementação dos estudos em cursos pré-vestibulares, tiveram impacto no desempenho. Esse “impacto” pode ser medido a partir do percentual de acréscimo ao desempenho. Ou seja, se em um determinado grupo 50% dos alunos indicou a resposta correta para questões de História e 30% dos alunos indicou a resposta correta para ques-tões de Biologia, enquanto que em outro grupo 75% dos alunos indicou a respos-ta correta para questões de História e 60% a resposta correta para questões de Biologia, no segundo grupo o acréscimo ao desempenho na resolução de ques-tões de História foi da ordem de 50% e o acréscimo ao desempenho na resolução de questões de Biologia foi da ordem de 100%.

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Tendo-se por referência o grupo de menor desempenho, o gráfico a seguir apresenta, para cada disciplina, o percentual de acréscimo a esse desempenho em razão da origem escolar e complementação dos estudos em cursinhos.

Gráfico 17 percentual de acréscimo no desempenho, em relação ao grupo de menor de-sempenho, por disciplina e grupo de alunos, vestibulares unesp 2010 a 2016.

O Gráfico 17 sumariza os dados de várias tabelas apresentadas ao longo des-te estudo, mas fundamentalmente apresenta de outra forma os dados apresen-tados no Gráfico 16. Ambos os Gráficos 16 e 17, são complementares. Há que se observar que valores altos no Gráfico 17 não implicam alto desempenho. Em Biologia e Química, por exemplo, o Gráfico 17 indica que os alunos da escola pri-vada com cursinho privado tiveram um aumento no desempenho superior a 100% em relação ao desempenho daqueles da escola pública sem cursinho. Con-tudo, os dados do Gráfico 16 evidenciam que mesmo dentre esses alunos foi bai-xo o percentual daqueles que indicou a resposta correta para questões dessas disciplinas. Ainda assim, a análise dos dados apresentados no Gráfico 17 permi-tem algumas considerações.

O acréscimo no desempenho propiciado pelos cursos pré-vestibulares Unesp foi, na maioria das disciplinas, de cerca de 20%. Em Física e Matemática, o acrés-

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cimo no desempenho foi bastante menor, mais próximo aos 10%, e em Filosofia e Biologia, o acréscimo ao desempenho foi de cerca de 30%. Os alunos de escola pública que fizeram outro cursinho comunitário que não os da Unesp tiveram um acréscimo ao desempenho um pouco maior, mas ainda assim bastante aquém daquele propiciado pelos cursinhos privados. Contudo, há que se considerar que os cursinhos Unesp recebem alunos de condições socioeconômicas mais desfa-vorecidas quando em comparação àqueles que, também egressos da escola pú-blica, fizeram cursinhos privados, sendo este um fator que impacta o desempe-nho e rendimento escolar. Os cursinhos Unesp mostraram-se mais exitosos em complementar a formação nas áreas Linguagens e Códigos e Humanidades, nas quais os alunos trazem do ensino médio maior bagagem de conhecimentos, ao contrário do que fizeram os cursinhos privados. Esses dados sugerem que estra-tégias pedagógicas podem ser revistas no âmbito dos cursinhos da Unesp visan-do, segundo os objetivos definidos para os cursinhos, otimizar o papel destes na complementação do ensino nas diferentes áreas do conhecimento; no preparo do cursista para o acesso e permanência em outros níveis de ensino; no preparo do cursista para o ingresso na Unesp.

Os dados do Gráfico 17 evidenciam que, na comparação dos desempenhos dos grupos alunos de escola pública e alunos da escola privada, ambos os grupos sem curso pré-vestibular, a maior diferença se deu em Língua Inglesa (Inglês). Contudo, provavelmente esse resultado decorra mais das diferenças de condição social, econômica e cultural dos alunos que propriamente de efeito da escola con-vencional sobre a formação destes.

O argumento apresentado para explicar os resultados em Inglês, porém, não se aplica para a interpretação dos resultados verificados nas disciplinas Biologia e Química, nas quais o acréscimo ao desempenho dentre aqueles da escola pri-vada também foi alto e maior que o em outras disciplinas. No caso do desempe-nho em Biologia e Química, mais provavelmente tem-se o efeito da escola sobre a formação dos alunos desses grupos. Nessas disciplinas, estratégias de ensino que se valham da estrutura de laboratórios, realização de experimentos, realiza-ção de feiras de Ciências, viagens didáticas, etc, podem contribuir para o sucesso do processo ensino-aprendizagem. Em estes recursos estando mais facilmente disponíveis nas escolas privadas, há reflexos sobre o rendimento dos alunos des-sas escolas na compreensão e consolidação dos conhecimentos próprios dessas disciplinas. Por outro lado, também se verifica pelo Gráfico 17 que, dentre os

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alunos da escola pública com pré-vestibular privado, também houve melhora no desempenho nestas disciplinas. Isso permite supor que as técnicas de ensino empregadas em cursos pré-vestibulares privados, técnicas essas que não neces-sariamente privilegiam a experimentação em laboratórios, têm tido relativa efi-cácia na melhora do desempenho de seus alunos. Isso parece ficar mais evidente quando se compara o desempenho dos alunos da escola privada com aqueles também de escola privada e com pré-vestibular privado. Nesses casos, houve um grande salto no desempenho em Biologia, Química e Física, ou seja, houve um grande aumento no percentual de alunos que indicou a resposta correta para questões dessas disciplinas.

Em disciplinas da área de Ciências Humanas (História, Geografia e Filosofia), o desempenho dos alunos da escola privada frente ao desempenho daqueles da escola pública também foi maior. Contudo, diferentemente do que aconteceu em Biologia, Física e Química, em História, Geografia e Filosofia esse desempenho foi mais próximo daquele verificado nos alunos da escola pública com curso pré--vestibular privado. Disso decorre que, nessas disciplinas (História, Geografia e Filosofia) as condições de infraestrutura laboratorial e recursos correlatos talvez sejam menos importantes para a transmissão e consolidação do conhecimento. Alunos de escolas públicas que fizeram curso pré-vestibular privado tiveram nessas disciplinas, no Vestibular Unesp, um desempenho mais próximo ao daque-les da escola privada.

No Gráfico 17 sobressai a situação verificada em Matemática e Física, nas quais os alunos da escola pública, tendo feito os pré-vestibular da Unesp, tiveram o menor acréscimo em desempenho. Esse desempenho foi sensivelmente maior com pré-vestibular privado, mas mesmo assim resultando em menos de 30% dos alunos indicando a resposta correta para questões dessas disciplinas. Esses dados trazem um alerta aos coordenadores pedagógicos, em especial aqueles dos cursos pré-vestibulares da Unesp, no sentido de serem discutidas estratégias de ensino que resultem em maior apropriação do conhecimento em Matemática e Física.

ConSideraçõeS FinaiS

Os dados apresentados neste estudo permitem aos professores e dirigentes escolares, de escolas públicas, privadas e cursos pré-vestibulares, comunitários

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ou privados, um diagnóstico do desempenho dos alunos frente ao que é avaliado nos exames vestibulares da Unesp. O Vestibular da Unesp tem por objetivos, dentre outros, selecionar candidatos capazes de: a) articular ideias de modo coerente; b) compreender ideias, relacionando-as; c) expressar-se com clareza; d) conhecer o conteúdo do currículo da Educação Básica do Estado de São Paulo. As provas são elaboradas de conformidade com as Diretrizes Curriculares Nacio-nais para o Ensino Médio, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e o Currículo da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Deste modo, o desempenho dos candidatos nestas provas é passível de ser comparado ao desempenho aferido por outros instrumentos de avaliação (ex. Saresp), per-mitindo uma visão ampla do desempenho e da proficiência frente aos instrumen-tos de seleção e de avaliação. Do mesmo modo, a análise comparativa do desem-penho permite aos professores universitários, no caso os professores dos cursos de graduação da Unesp, planejarem suas estratégias de ensino de modo a otimi-zar a aprendizagem dentre os ingressantes nesses cursos.

A análise do desempenho dos alunos da escola pública que fizeram cursos pré-vestibular oferecidos pela Unesp, comparado ao desempenho de outros gru-pos de alunos, permite aos gestores desse Programa de Extensão Universitária um diagnóstico que leve a ações que fortaleçam a contribuição desses cursos pré-vestibular na aquisição de competências e formação dos alunos da escola pública, de modo a resultar em melhor desempenho destes quando de processos de seleção como o vestibular.

O estudo aqui apresentado, portanto, visa subsidiar os educadores na discus-são e planejamento de suas atividades de ensino.

Em estudo complementar a este que ora é apresentado, será feita uma análise pedagógica do desempenho dos alunos em cada uma das questões, do comporta-mento dos alunos frente a cada um dos distratores apresentados em cada questão na série de vestibulares aqui analisados. Trata-se de uma análise mais demorada, pois abarca 630 questões e seus respectivos gabaritos; 2.520 distratores com po-tencial para revelar viés na compreensão de conceitos; demanda catalogação das questões segundo sua correspondência com o definido no Currículo do Estado de São Paulo para o Ensino Médio e segundo correspondência com as habilidades definidas nas Matrizes de Referência para Avaliação. Ainda que as provas do Ves-tibular Unesp não sejam elaboradas com vistas à aferição de habilidades, ainda assim têm por referência o Currículo Estadual, e a análise pedagógica do resul-

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tado do desempenho dos alunos no vestibular pode trazer contribuições ao diag-nóstico da aprendizagem, quer no âmbito das áreas do conhecimento, quer no âmbito das disciplinas e dos conteúdos curriculares a elas associados.

No endereço http://www.vunesp.com.br/internas/vestibularunesp.html po-de-se ter acesso às provas aplicadas nos vestibulares analisados neste estudo, assim como informações complementares sobre o desempenho dos candidatos e dos aprovados para os diferentes cursos de graduação da Universidade Estadual Paulista – Unesp.

agradecimentos

Fundação Vunesp, em especial à Superintendência Acadêmica, pelo acesso aos dados e pela oportunidade para o desenvolvimento deste trabalho.

Pró-Reitoria de Graduação – Prograd, Unesp, pela concessão da bolsa ao esta-giário e pela oportunidade de desenvolvimento deste trabalho no âmbito do Pro-grama Núcleos de Ensino.

Pró-Reitoria de Extensão – PROEX, Unesp, coordenadora do Programa de Ex-tensão “Cursinhos Pré-universitários da Unesp”.

Cursinhos Pré-universitários da Unesp, “escolas parceiras” na condução deste trabalho.

Sheila Zambello de Pinho, Tânia Cristina Arantes Macedo de Azevedo e Ligia Maria Vetoratto Trevisan, Fundação Vunesp, pela leitura crítica e contribuições à discussão e à redação.

Júlio Cesar Martins, Setor de Tecnologia da Informação, Fundação Vunesp, pela contribuição na compilação e organização dos dados estatísticos.

Rodrigo de Souza Bertolucci, Fundação Vunesp – Núcleo de Avaliação, pelas sugestões na análise estatística dos dados.

reFerênCiaS

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