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Introdução
Um embrião, qualquer embrião, é, no campo das ciências biológicas, a forma corporal mais
simples de todo o ser vivo que se reproduz pela conjugação de um corpo masculino com um corpo
feminino, conjugação que permite o encontro e a fusão dos gâmetas que cada corpo produz -
espermatozóide e ovócito. Antes da Ciência nos ensinar esta verdade, já o senso comum das pessoas
simples o sabia: “vendo como dos ovos, aquecidos no ninho, sai, passado algum tempo, uma ave, a
conclusão era a de que o ovo era o princípio do corpo vivo que saía da casca partida, já pronto para
tratar da sua vida”(GOLDIM, 2007, pesquisa Biossegurança).
No caso dos humanos as coisas eram mais difíceis porque o ovo, resultante da união de
homem e mulher, pelo encontro e fusão dos gametas não é posto num ninho, mas vai ele próprio,
deslocar-se da trompa, na qual foi constituindo até ao útero da mulher onde vai nidar (fazer ninho) e
desenvolver-se, até ter condições mínimas de sobreviver no mundo exterior. Este desenvolvimento
era, assim, ocultado e invisível. O senso comum das pessoas simples não podia conhecê-lo com
rigor, mas os muitos mitos populares sobre a gravidez mostram que havia uma forte convicção de
ali se estar a criar um corpo, que depende de sua genitora para nascer ou ter este nascimento
interrompido, por questões, motivos e formas que serão tratadas nas páginas seguintes.
Cabe à mulher grávida esta magnífica oportunidade de exercer, com toda a dignidade
biológica e ética, um papel radical e radicalmente humano que é o de defender o novo ser vivo da
espécie humana, que nela vive e se desenvolve, contra tudo e contra todos os que contrário pensam,
ou contrário fazem diante do código penal brasileiro, com exceção à algumas hipóteses, que a
mulher (mãe) poderá por meio de uma ação, interromper está gravidez, resultando no que
conhecemos como ABORTO, que será o tema de estudo e reflexão deste trabalho.
O Aborto é um tema polêmico e causador de discussões. Estas páginas foram elaboradas para
informar seus leitores acerca de como acontecem os abortos, quais são os tipos de aborto, como a
religião enxerga este assunto, como o aborto é tratado pela lei Brasileira, como o aborto é visto em
alguns países, bem como relatos à favor e contra o Aborto. Mais a frente, teremos algumas
estatísticas a respeito do aborto, métodos, complicações e outros que contribuíram para a formação
deste trabalho.
Acerca do aborto, há posições das mais diversas ciências como: Medicina, Filosofia, Jurídica
e Sócio-política.
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Este trabalho tem como principal objetivo esclarecê-los a cerca deste tema, tentando ao
menos, responder ou amenizar muitas dúvidas que surgem quando este tema é solicitado.
Para estas questões foram utilizados livros, revistas, artigos e textos já existentes sobre este
tema, textos esses que foram revistos e aperfeiçoados com o estudo que envolveu este trabalho.
A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,
polêmica, complexa e envolve aspectos da mais alta indagação, já que, a discussão engloba campos
sociais distintos, tais como: a ética, a moral, a religião, os costumes e a filosofia e outros.
Esperamos que, a intenção deste trabalho seja alcançado em cada página lida e estudada e
algumas vezes revisadas, para a compreensão do Crime de Aborto, suas conseqüências positivas e
negativas e, até mesmo, podendo ser feita uma análise interpretativa do que deveria mudar em
nosso ordenamento jurídico, o que já está ultrapassado, o que a sociedade já não entende mais como
crime, o que as religiões tem a propor para defender a questão do aborto e, mais do que isso, será o
correto deixar que a mulher escolha o melhor a ser feito?
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Seção 1 - Conceito Filosófico de Vida e a Constituição Federal
A Constituição Federal inicia seu texto com seus princípios fundamentais e, um dos
fundamentos do Estado é justamente a dignidade da pessoa humana (artigo1º, III). Logo depois, o
artigo 5º, caput, assevera que o direito a vida é inviolável. O ordenamento brasileiro, assim, é
amparado sobre dois pilares: dignidade da pessoa humana e vida humana. (IBAIXE, 2006, 29 e 60)
Segundo o autor, um questionamento inicial se faz necessário: “investigar o que seja vida e
como ela se manifesta em sua forma humana, para que se possa compreender o alcance dos
dispositivos constitucionais”.
Neste mesmo sentido, quando se fala em vida, ao se olhar apenas o texto legal e os princípios
constitucionais, podem-se chegar à conclusão de que há a possibilidade de vários conceitos.
Permanece-se, contudo, limitado a duas linhas de interpretação diante de cada caso concreto, das
quais, em síntese, a primeira provém do texto de eventual lei para chegar ao da Constituição e a
segunda, dos princípios constitucionais para a incidência destes sobre os preceitos normativos.
Como se pode conceituar vida? Pela atividade cerebral? Pelo batimento cardíaco? Pela formação da
consciência ou pela possibilidade de autoconsciência? Residirá a vida na possibilidade de fruição
política ou de cidadania? Estará a vida atrelada a um conceito de padrão social ou econômico que,
se não atingido, não permite a realização desta mesma vida? Será a vida medida, calculada,
estimada pelo tempo de sua duração, sendo válida aquela que apenas perdurar por determinado
decurso?
Na década de 40, o físico austríaco SCHODINGER (1997, 20 à 25) estudou o tema a partir de
conceitos tirados da física e da biologia. O mérito de seu trabalho, em que pese não ter alcançado a
definitiva solução, foi adotar a noção de organização, a qual veio a superar a de evolução por
seleção natural, ao combiná-la com a de estabilidade genética e dinâmica celular.
Com isto, a idéia de organismo integrou-se à de organização. Reconhece-se, então, um
sistema, ou seja, um conjunto de elementos (componentes) e um conjunto de regras que determinam
ou orientam as relações entre tais componentes fornecendo sua estrutura. Num sistema, os seus
elementos relacionam-se e, assim, adquirem uma organização, uma totalidade que revela a regra do
sistema. Organização de um sistema é a disposição (padrão) de relações entre componentes que
produz o próprio sistema.
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Para o autor, com relação aos seres vivos, a característica básica é a auto-organização
(também denominada autopoiese, decorrente do grego, criar ou produzir a si mesmo) a permitir
uma rede contínua de interações. Sistema vivo é deste modo, um processo dinâmico de auto-
organização das estruturas, respeitando-se sempre o mesmo padrão. Deste modo, o processo de vida
é a atividade abrangida na contínua incorporação das relações de organização do sistema, uma
organização autopoiética.
Neste sentido, tem-se aí a diferença entre um sistema vivo e um sistema não-vivo. Em ambos
encontra-se presente a organização de estruturas padronizadas de componentes; em ambos há o ser
e o fazer. Todavia, no primeiro, o ser e o fazer são realizados autonomamente, pelo próprio ser,
enquanto se faz a si mesmo e, no sistema não-vivo, embora haja o ser (do próprio sistema), o fazer
ocorre por força externa, ou seja, o sistema não-vivo é feito por outro; precisa ser construído. A
unidade sistêmica viva é um ser que se faz e a não-viva é um ser que é feito.
Defendia o autor, que o ser vivo tem a faculdade, a capacidade, a potencialidade de se fazer a
si mesmo e, por isto, tem consciência de si. A expressão consciência é empregada aqui com a idéia
de cognição, ou seja, o sistema vivo, ao fazer-se, acaba por realizar um processo de cognição, um
modo de relação, com o meio no qual interage.
Para o Físico, a complexidade da consciência, ou seja, a ciência do processo cognitivo
descrito é diretamente proporcional à complexidade presente no sistema. Na natureza, o ser vivo
humano tem sua vida natural no decorrer da duração de sua autopoiese, a permitir a decorrência
temporal de sua existência. Enquanto houver possibilidade de autopoiese, haverá vida. Quando
aquela, por qualquer motivo organizacional ou estrutural não for mais possível, a vida se encerrará.
A vida humana baseia-se, assim, no seu ser cognitivamente autopoiético, variável de ser para
ser, sem uma qualidade mensurável comum, salvo a passagem do tempo, a qual não possui a mesma
duração para todos. Isto significa que a vida natural de um ser humano é o seu existir enquanto
unidade autopoiética, enquanto contínua a sua possibilidade de se auto-fazer, a qual não tem uma
unidade de medida comum a todos. O ser humano realiza-se a si mesmo, tendo o maior grau de
possibilidade cognitiva desta situação, o que também não é o mesmo comparativamente entre os
seres, podendo existir aqueles, mesmo humanos, que não reúnem as condições biológicas para disto
tomarem ciência, não se excluindo a responsabilidade cognitiva dos demais que as possuem.
(SCHODINGER, 1997, 37 à 42)
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“Todo ser humano tem alguma capacidade cognitiva que não é igual em todos, havendo
apenas semelhanças cuja classificação permanece em outro âmbito que não o da vida natural”
(SCHODINGER, 1997, 65).
Segundo Schodinger, cabe a lembrança feita de que os gregos, na Antiguidade, não possuíam
um termo único para expressar o que se hoje diz com a palavra vida. Serviam-se eles de dois termos
semântica e morfologicamente distintos:
O primeiro deles zoe, o qual exprimia o simples fato de viver, aquele viver inerente a todos
os seres vivos, a vida sem qualquer qualificativo, a vida natural de todo ser vivente sem nenhum
predicado a atribuir-lhe qualquer qualidade, sendo que, no humano, seu grau de possibilidade
cognitiva é maior que os demais seres.
O outro termo era biós, o qual por sua vez indicava a forma ou a maneira de viver própria ou
qualificada de um indivíduo ou grupo, a vida com um atributo, fosse civil, político, nacional,
cultural, social, jurídico ou econômico.
Antes de qualquer coisa, antes de ocupar um espaço relativo à sua cidadania, antes de ocupar
um espaço social, antes de ocupar um espaço político, é o homem um ser vivente e, por isto,
existente. A consciência de sua existência, de seu ser no mundo se faz presente, mesmo que de
maneira limitada, mesmo que de modo distinto, mesmo que diverso de qualquer padrão de
normalidade. A consciência de ser existente integra-se em todos os seres vivos e também no
homem, numa só finalidade: Viver - “unicamente no homem há a perfeita mistura, a relação
verdadeiramente dialética entre a vida natural e a vida qualificada”. (SCHODINGER, 1997, pág.72)
“Ao garantir a inviolabilidade da vida e a dignidade da pessoa humana, a Constituição
pretende proteger toda e qualquer possibilidade de vida natural e com este significado deve ser
interpretada” (IBAIXE JR., 2008, artigo). A reforçar este entendimento a própria redação do texto
constitucional, que claramente distingue o fenômeno vida como inviolável, no caput do artigo 5º, e,
depois, no decorrer dos incisos e subseqüentes artigos, dispõe sobre a vida com suas qualificações
individuais, sociais, políticas e, até mesmo, ecológicas, posto normatizar questões referentes ao
meio ambiente. Neste sentido, o Estado Brasileiro é guardião da vida desde sua singela
potencialidade alcançando seus níveis de complexidade mais desenvolvidos até prescrever sobre a
vida em sua ambiência ecossistêmica.
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Seção 2 - O que é a Vida?
A pergunta “O que é a Vida” não permite respostas simples, pois, não se pode definir a vida
por um único critério.
Para a Professora Mariana de Senzi Zancul, podem identificar-se várias propriedades comuns
a todos os seres vivos. Assim, pode considerar-se que todos os seres vivos:
a) são formados por células;
b) são estruturas complexas e altamente organizadas, com a capacidade de desenvolver uma
grande variedade de atividades;
c) recebem e transformam energia do ambiente, seja diretamente do Sol (produtores), seja a
partir de outros seres (consumidores), através de fenômenos como a fotossíntese e a respiração;
d) executam uma grande variedade de reações químicas, com a intervenção de
biocatalizadores (enzimas);
e) são homeostáticos relativamente a variáveis do meio, como o PH, temperatura, salinidade,
etc.;
f) reagem a estímulos (as plantas inclinam-se para a luz, os animais deslocam-se em direção
ao alimento ou fogem do perigo);
g) reproduzem-se, fazendo cópias de si próprios com grande fidelidade;
h) crescem e desenvolvem-se;
i) adaptam-se a condições ambientais variáveis;
j) contém em si próprios, toda a informação necessária à sua organização e replicação.
(ZANCUL, 2000, 33 à 37)
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Seção 3 - Quando se inicia o processo denominado vida?
Para a medicina é pacífico que tal fenômeno se inicia no processo da fecundação. A
fecundação corresponde à união do óvulo (célula reprodutora feminina) com o espermatozóide
(célula reprodutora masculina). Esse processo se dá, via de regra, no terço distal da trompa uterina
(trompa de Falópio) podendo, entretanto ocorrer ectopicamente em outros locais como no ovário ou
no abdome gerando, por conseguinte, as denominadas gravidezes ectópicas. (MOSER, A. Soares,
2006, pag. 14)
Neste sentido, ao ocorrer o processo da fecundação surge a célula ovo também denominada de
zigoto. Essa célula, também conhecida como células - tronco, por ser uma célula totipotente e poder
originar quaisquer outros tipos de células humanas, corresponderia, in tesis, por uma corrente
jurista, à potência de um ser humano. Portanto, quando se discorre sobre o tema vida humana, o seu
início é tido, pela ciência médica, como sendo na fecundação não importando onde tal fenômeno
ocorra.
Já para o direito, ou seja, juridicamente tem-se na doutrina que o início da vida civil se dá
com o nascimento o que proporciona ao indivíduo nascido vivo a sua personalidade. Determina o
artigo 2° do Código Novo Civil:
Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a
salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Ao se analisar o artigo supra depara-se com a afirmativa que a personalidade civil da pessoa
se inicia com o nascimento com vida, o mesmo era previsto no artigo 4° do Código Civil brasileiro.
a) Como interpretar a vida diante desses dois artigos?
b) O direito entende que existe vida antes do nascimento; ou a vida só existe após o
nascimento?
Entende uma linha de doutrinadores, como por exemplo Luigino Coletti “que o indivíduo
intra-útero não é mais que potência de vida, visto que só será pessoa após o nascimento com vida”.
(COLETTI, 2006, pág 15). Ainda citando o autor, ao se interpretar o termo “potência” (se poder,
vigor, faculdade, capacidade de realizar) verifica-se ser o mesmo indefinido, ou seja; não diz, de
forma concreta se é ou não é. No entanto, estudando a finco, entende-se que o tema “potência” não
exclui a vida existente naquele ser. Entendendo, verifica-se que quando o legislador, nos artigos
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supracitados, afirma que a personalidade se inicia com o nascimento com vida, esta já existe
podendo pelas mais variadas causas, ser interrompida antes do indivíduo “receber a luz”.
Para ele, é exatamente em decorrência desse tema e da possibilidade que há em interromper a
vida antes do seu nascimento, que juridicamente, o crime de aborto é previsto dentro dos crimes
contra a pessoa e contra a vida. Assim pode-se entender que a vida, juridicamente, como também
clinicamente, se inicia na concepção visto que o artigo supracitado, in fine, afirma serem
resguardados desde concepção os direitos do nascituro.
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Seção 4 - O que é o aborto?
DEFINIÇÃO: “O aborto é a morte de uma criança no ventre de sua mãe produzida durante
qualquer momento da etapa que vai desde a fecundação (união do óvulo com o espermatozóide) até
o momento prévio ao nascimento”. (MAGUIRE, 2001, pág.05)
Para a autora, abortar é o ato de interromper a gravidez antes que o feto atinja a capacidade de
viver fora do organismo da mãe. É a expulsão de um embrião ou de um feto antes do final do seu
desenvolvimento e viabilidade em condições extra-uterinas.
No sentido etimológico, aborto quer dizer privação de nascimento. Advém de ab, que
significa privação, e ortus, nascimento.
Neste sentido, a palavra abortamento tem maior significado técnico que aborto. Aquela indica
a conduta de abortar; esta, o produto da concepção cuja gravidez foi interrompida.
Etimologicamente a palavra aborto, é o termo “ab-ortus”, que traduz a idéia de privar do
nascimento, vez que, “Ab” equivale a privação e “ortus” a nascimento. Entretanto, o termo aborto
provém do latim “aboriri”, significando “separar do lugar adequado”, e conceitualmente é:
“a interrupção da gravidez com ou sem a expulsão do feto, resultando na morte do
nascituro”. (MAGUIRE, 2001, pág.07)
Segundo o Prof. Sergio Habib: “termo “aborto”– ou abortamento – seria a expulsão do
concepto antes da sua viabilidade, seja ele representado pelo ovo, pelo embrião ou pelo feto. Então,
é a interrupção da gravidez antes da prematuriedade – abortamento; durante – parto prematuro;
completada – parto a termo e ultrapassada – parto serotino”. (HABIB, 2004, pág.174)
Para Nelson Hungria, existem dois tipos de abortos:
Aborto Espontâneo: Quando a Morte é produto de alguma anomalia ou disfunção não
prevista nem desejada pela mãe;
Aborto Provocado: Quando a morte do feto é provocada intencionalmente e é procurada de
qualquer maneira: doméstica, química ou cirúrgica.
O bem jurídico principal a ser tutelado no crime de Aborto é a vida. (HUNGRIA, 1955,
pag.75)
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Seção 5 - O que é Crime?
Em um sentido vulgar, crime é um ato que viola uma norma moral.
Definido legalmente como a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de
detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa. A doutrina
define crime como o "fato proibido por lei sob ameaça de uma pena"
O próprio conceito de crime evoluiu no passar dos séculos. Como muito bem lembra o Prof.
Heleno Fragoso: "a elaboração do conceito de crime compete à doutrina". (FRAGOSO, 1987, pág.
112)
Citando o mesmo autor, o próprio Código Penal vigente, com suas alterações oriundas da Lei
nº 7.209/84 que reformulou toda a Parte Geral do Código de 1940, não define o que é "crime",
embora algumas de nossas legislações penais antigas o faziam. O Código Criminal do Império de
1830 determinava em seu artigo 2º, parágrafo 1º: Julgar-se-á crime ou delito toda ação ou omissão
contrária às leis penais, e o Código Penal Republicano de 1890 assim se manifestava em seu artigo
7º: Crime é a violação imputável e culposa da lei penal.
O crime passou a ser definido diferentemente pelas dezenas de escolas penais e, dentro destas
definições, haviam ainda sub-divisões, levando-se em conta o foco de observação do jurista.
Surgem então os chamados conceitos, tais como:
1. Formal
2. Material
3. Analítico
Essas expressões são mais significativas, dentre outras de menor expressão.
O conceito formal corresponde a definição nominal, ou seja, relação de um termo a
aquilo que o designa;
O conceito material corresponde a definição real, que procura estabelecer o conteúdo
do fato punível; e
O conceito analítico indica as características ou elementos constitutivos do crime,
portanto, de grande importância técnica.
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Segundo o Prof. Everaldo da Cunha Luna, os seus elementos são:
a) ação ou omissão: Significa que o crime sempre é praticado através de uma conduta positiva
(ação), comissiva, ou através de uma conduta negativa (omissão). É o não fazer. A inércia.
Dentro destas condutas positivas (ação) e negativas (omissão) pertencentes a estrutura do
crime, sem olvidar os crimes comissivos por omissão, ou seja, aqueles que são praticados através de
uma conduta negativa (omissão), mas que produz um resultado positivo (um fato visado e desejado
pelo agente).
b) típica: Significa que a ação ou omissão praticada pelo sujeito, deve ser tipificada. Isto é,
descrita em lei como delito. A conduta praticada deve se ajustar a descrição do crime criado pelo
legislador e previsto em lei. Pois, pode a conduta não ser crime, e, não sendo crime, denomina-se:
conduta atípica (não punida, tendo em vista que não existe um dispositivo penal que a incrimine).
Mas, cumpre lembrar, que uma conduta atípica como crime pode ser tipificado como
contravenção penal. Não se pode confundir de modo algum, crime com contravenção penal. Esta,
como definia o mestre Hungria, é um "crime anão", é menos grave que o delito (ou crime) e possui
legislação própria (Decreto-lei nº 3.688/41), com tipificação e características próprias. (HUNGRIA,
1955, pág.262)
c) antijurídica: Significa que a conduta positiva ou negativa, além de típica, deve ser
antijurídica, contrária ao direito. É a oposição ou contrariedade entre o fato e o direito. Será
antijurídica a conduta que não encontrar uma causa que venha a justificá-la. Nas palavras do Prof.
Damásio de Jesus: "A conduta descrita em norma penal incriminadora será ilícita ou antijurídica
quando não for expressamente declarada lícita. Assim, o conceito de ilicitude de um fato típico é
encontrado por exclusão: é antijurídico quando não declarado lícito por causas de exclusão da
antijuridicidade” (CP, art. 23, ou normas permissivas encontradas em sua parte especial ou em leis
especiais, 1988, pág.213)
A conceituação jurídica do crime é ponto culminante e, ao mesmo tempo, um dos mais
controversos e desconcertantes da moderna doutrina penal, segundo o pensamento do mestre Nelson
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Hungria, afirmando ainda que "o crime é, antes de tudo, um fato, entendendo-se por tal não só a
expressão da vontade mediante ação (voluntário movimento corpóreo) ou omissão (voluntária
abstenção de movimento corpóreo), como também o resultado (effectus sceleris), isto é, a
consequente lesão ou periclitação de um bem ou interesse jurídico penalmente tutelado”. (1956,
pág 301)
23
Seção 6 - Dignidade da Pessoa Humana
Embora muitos doutrinadores considerem o direito à vida antecedente necessário de todos os
demais direitos fundamentais, esta análise é de natureza puramente cronológica. O direito à vida, de
nosso ponto de vista, é conseqüência lógica da dignidade da pessoa humana.
A Constituição Federal considerou a dignidade da pessoa humana fundamento do Estado
Democrático de Direito (art. 1º, III), sendo o princípio-valor fundamental segundo o qual devem ser
interpretados todos os demais diretos.
O conteúdo da dignidade da pessoa humana, por sua vez, segundo Ingo Wolfgang Sarlet
(2004, pág.60) implica em "um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a
pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe
garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover
sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão
com os demais seres humanos".
A dignidade da pessoa humana, justamente por se tratar de uma crença social, jamais poderá
ser conceituada de maneira fixista, o que não se harmonizaria com o pluralismo e a diversidade de
valores que se manifestam nas diversas sociedades contemporâneas e ao longo do tempo. Trata-se,
pois, especialmente em relação ao seu conteúdo, de um conceito em permanente processo de
construção e desenvolvimento.
No Brasil, a dignidade da pessoa humana constitui fundamento do Estado democrático de
Direito, previsto no artigo 1.º, inciso III da Constituição Federal. O constituinte de 1988, assim a
posicionando, alçou a dignidade da pessoa humana à condição de princípio e valor fundamental.
24
Seção 7 - Evolução Histórica do Aborto
Os mais remotos apontamentos de que se tem notícias da prática de métodos abortivos foram
descobertos na China, ainda no século XXVIII antes de Cristo. No desenrolar da história da
humanidade inúmeros povos estudaram e discutiram a problemática do aborto.
A verdade é: “que os povos primitivos não previam o aborto como um ato criminoso, no entanto,
posteriormente, quando o faziam atribuíam a ele severas punições. A aceitação do aborto como
exceção à regra geral da proibição esta revestida de norma oral ou legal - surgindo com extrema
raridade em algumas legislações antigas, mas impreterivelmente vinculadas ao preenchimento de
rigorosos requisitos, já previamente determinados”. (AGAMBEN, 2004)
Segundo o autor, doutrinadores desta época chegaram ao extremo de aconselhar, a prática
ilimitada do aborto. Esta orientação logo foi reprimida através da intervenção do Poder Legislativo,
que atuou no âmbito de criar leis que salvaguardassem os interesses do pai (que na maioria das
vezes desconhecia o fato a gravidez) e da sociedade como um todo. No entanto, ressalta-se que
quando a gestação acorresse fora do matrimônio, ambos os povos mencionados continuaram a
aconselhar a gestante a realizar o aborto.
Ultrapassada a fase das severas discussões, chegou-se a conclusão de que o feto merecia
proteção desde a sua concepção, existindo a obrigatoriedade de se resguardar o nascituro e seu
direito a vida, pois sua alma já existiria desde o instante da união do masculino com o feminino.
Nos dias atuais há poucos países onde o aborto é terminantemente proibido. O número de
legislações mais brandas vem crescendo com rapidez, principalmente nas duas últimas décadas.
7.1 Aborto no mundo e nos dias atuais
O Autor Jorge Tadeu (Legalização do Aborto, 2004), relata e explica como está o aborto no
mundo, como segue abaixo:
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7.1.1 China
Nos dias atuais na China, o aborto é realizado gratuitamente para a mulher que o solicitar, até
o terceiro mês de gestação. Esta prática é utilizada, também como controle demográfico. Constata-
se que a China, embora seja um país desenvolvido, parou no tempo em relação a esta questão, pois
mesmo nos dias de hoje, pensa conforme Aristóteles e Platão pensavam ainda na Antigüidade.
7.1.2 Estados Unidos
Nos Estados Unidos o aborto foi legalizado em 1973. Devendo ser realizado somente com o
consentimento da gestante e nas primeiras vinte e quatro semanas de gestação. Essa lei, porém
sofreu mudanças, sendo adequada por cada Estado-membro a sua situação fática.
7.1.3 Japão
Em 1948, o aborto foi liberado no Japão, sendo considerado um método contraceptivos.
Entretanto, só é autorizado nas primeiras vinte e quatro semanas de gestação e em casos de riscos à
saúde da mãe, ou ainda por razões físicas e econômicas. Os custos de todo este procedimento será
arcado pela interessada. Ressalta-se, porém, que algumas empresas arcam com este ônus em favor
de suas operárias.
7.1.4 França
Na França, é permitido o aborto às mulheres desamparadas, cuja gravidez não ultrapasse a
décima semana de gestação, é também igualmente permitido o aborto em qualquer fase da gestação,
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quando apresentar riscos de vida a materna. Sendo os custos parcialmente reembolsados pelo
Estado. Esta lei vigora desde 1975.
7.1.5 Dinamarca
Na Dinamarca, a legalização que versa sobre o aborto data de 1939, sendo ampliada em 1973.
Desde que praticado até a décima segunda semana de gravidez em casos de risco à saúde física e
mental da gestante. Os custos aqui são totalmente reembolsados pelo Estado.
7.1.6 Suécia
Na Suécia, o aborto é legalizado desde 1938, ampliado em 1975, em casos quem que a
gravidez ameace a saúde da mãe. Na questão do prazo e do reembolso equipara-se a Dinamarca.
7.1.7 Inglaterra
Na Inglaterra, admitia-se o aborto por um período mais longo, de até vinte e oito semanas de
gestação, desde que se possuía o aval de um médico e que fosse realizado em um hospital, onde não
teria custo algum a paciente. Todavia, este prazo foi reduzido para vinte e quatro semanas, em abril
de 1990, já no tocante as condições e os custos a legislação fora mantida.
7.1.8 Portugal
Em Portugal a legislação sobre o tema vigora desde 1984, e concede direito a gestante de
praticar aborto até a décima segunda semana, se a gravidez for resultado de estupro ou lhe trouxer
riscos de saúde e até a décima sexta semana se o feto apresentação má-formação genética.
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Entretanto recentemente a Câmara dos Deputados de Portugal aprovou um projeto de lei, de autoria
do Partido Socialista do país, permitindo a realização de abortos em hospitais públicos, com até dez
semanas de gestação.
A Deputada Federal Marta Suplicy em uma entrevista à TV Record em março de 2006,
elogiou publicamente a iniciativa portuguesa, narrando que "Portugal é um país religioso, mas que
segue a tendência internacional de delegar à mulher o direito de optar ou não pela gestação".
7.1.9 Brasil
No Brasil, segundo o Código Penal de 1940, que trata do aborto no Titulo I (Dos crimes
contra a vida), criminalizando em todas as hipóteses, toda conduta que resulte na interrupção da
gestação, exceto quando se tratar de salvar a vida da gestante ou quando a gravidez resultar de
estupro, extinguindo nos dois últimos a punibilidade, ou seja, o direito que o Estado tem de punir a
pratica do aborto executado pelo médico, daí serem considerado aborto legal.
O crime de aborto só é admitido na forma doloso, pois não há tipificação na forma culposa.
Há uma série de projetos que circulam no Congresso quanto o Aborto, sendo que um (01)
deles, proposto em 2004 pela Comissão Tripartite, formada por representantes do governo federal,
entidades de trabalhadores e entidades empresariais, prevê a descriminalização do aborto até a 12ª
semana de gestação ou em qualquer idade gestacional quando a gravidez implica risco de vida à
mulher ou em caso de má-formação fetal incompatível com a vida. Há matérias que tramitam no
Congresso há 17 anos e visam, além da descriminalização, assegurar que o SUS realize a
interrupção da gravidez. O texto também revogaria os artigos do Código Penal que tratam o aborto
como crime. Ambos foram rejeitados pela da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara.
(Revista Veja, Ano 2008).
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Seção 8 - O Aborto e o Código Penal Brasileiro
O aborto é considerado dentro do Código Penal Brasileiro, de 1940, prática criminosa, salvo
exceções permissivas (excludente de antijuridicidade) e, é tratado nos artigos 124 ao 128 do Código
Penal Brasileiro. (TADEU, 2004)
Para o autor, é considerado crime doloso contra a vida, não havendo a forma culposa,
portanto, a interrupção da gravidez, dolosamente, com a conseqüente morte do feto é considerada
como aborto, e, como tal, prática criminosa sujeita a sanções.
Para elucidar melhor a intenção do sistema, colocamos abaixo explicações a cerca da
sistemática do Aborto, segundo Guilherme de Souza Nucci (NUCCI, Código Penal Comentado,
2004, pg.317 à 365)
8.1 Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque: Pena - detenção, de um (01) a três (03) anos.
8.2 Aborto provocado por terceiro
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de três (03) a dez (10) anos. Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um (01) a quatro (04) anos. Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento mediante fraude, grave ameaça ou violência.
Obs: Também responderá pelo art. 124, supramencionado, no caso de consentimento.
29
8.3 Forma qualificada
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.
8.4 Aborto necessário
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
8.5 Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
I - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
8.6 O aborto pode ser:
ESPONTÂNEO (natural) - Fala-se de aborto espontâneo quando a morte é produto de alguma
anomalia ou disfunção não prevista nem desejada pela mãe;
ACIDENTAL – nos casos de atropelamento, quedas etc.;
PROVOCADO – Aborto provocado (que é o que costuma ser entendido quando se fala
simplesmente de aborto) quando a morte do feto é procurada de qualquer maneira: doméstica,
química ou cirúrgica - é o previsto como crime.
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Seção 9 - Objetividade Jurídica
Ainda citando o mesmo autor, a objetividade jurídica é a vida em formação (vida intra-
uterina), entretanto, o produto da concepção não pode ser considerado como pessoa. Nos casos do
aborto praticado por terceiro a proteção se estende a gestante.
9.1 Sujeito Ativo
No auto-aborto e no aborto consentido é a gestante (crime de mão própria); no aborto
provocado por terceiro o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa.
9.2 Sujeito Passivo
O sujeito passivo – no auto-aborto ou no aborto consentido é o ovo, embrião ou feto; no
aborto provocado por terceiro é o feto e a gestante. “O produto da concepção, qualquer que seja o
grau de desenvolvimento, é objeto material da ação” (HELENO, 1987, pág. 210).
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Seção 10 - Adequação Típica Subjetiva
Para o autor Nucci, o elemento subjetivo é o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de
interromper a gravidez, matando (dolo direto) ou assumindo o risco de matar (dolo eventual) o
produto da concepção. A lei não prevê a modalidade culposa. O terceiro que pratica aborto
culposamente, responde por lesões corporais culposa. (NUCCI, 2004).
Art. 129 - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano § 1º - Se resulta: I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 (trinta) dias; II - perigo de vida; III - debilidade permanente; IV - aceleração de parto: Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos. § 2º - Se resulta: I - incapacidade permanente para o trabalho; II - enfermidade incurável; III - perda ou inutilização de membro, sentido ou função; IV - deformidade permanente; V - aborto. Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos
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Seção 11 - Meios de Execução
Ainda no mesmo autor, vemos que trata-se de crime de forma livre, qualquer meio de
execução é admissível, desde que tenha idoneidade para produzir o resultado. Em regra o crime é
praticado através de meios mecânicos diretos ou indiretos e de ingestão de substâncias abortivas.
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Seção 12 - Consumação e Forma Tentada
O Aborto consuma-se com “a morte do ovo, embrião ou feto, dentro ou fora do ventre. É
necessário que haja comprovação que o ovo, embrião ou feto estava vivo e foi a ação dolosa do
agente que motivou a morte”. Já a forma tentada expressa quando o ato não se concretizou, seja por
motivos do agente ou de terceiros. (NUCCI, Código Penal comentado, 2004)
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Seção 13 - Excludente da Ilicitude
Para Guilherme de Souza Nucci, o aborto pode ser:
13.1 - Aborto Necessário
Diz o artigo 128 que “não se pune o aborto praticado por médico: se não outro meio de salvar
a vida da gestante” é também chamado de aborto terapêutico que na verdade é uma forma de estado
de necessidade, pois os seus requisitos são: perigo atual ou iminente de vida da gestante e a
inexistência de outro meio para salvá-la, dentro desse contexto, admitimos que o chamado aborto
necessário, na falta de médico, poder ser realizado por qualquer pessoa, nos termos do artigo 23, I e
24 do CP.
13.2 - Aborto Humanitário
Diz o artigo 128 que “não se pune o aborto praticado por médico: se a gravidez resulta de
estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu
representante legal”, também conhecido como aborto ético ou sentimental.
Não é necessário ordem judicial ou instauração de procedimento criminal, o que se exige é
prova inequívoca de que houve o estupro e que haja o consentimento da gestante ou do
representante legal.
É recomendável que o médico exija o consentimento por escrito e procure se inteirar da
situação do estupro, deixando arquivado no prontuário da paciente, o consentimento e qualquer
outro tipo de prova que serviu para convencer o médico que houve o estupro.
Por fim, o aborto somente ocorre antes do início do parto, diferentemente do infanticídio que
ocorre durante ou logo após o parto.
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Seção 14 - Da Competência para julgar o crime de Aborto
A Competência para julgar o crime de aborto é o Tribunal do Júri.
A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de
função, estabelecido exclusivamente pela Constituição estadual.
O crime de aborto é um crime doloso contra a vida - Parte Especial do Código Penal - Título
I, Capítulo I - Dos crimes contra a vida (Anexo A).
Segundo a Constituição Federal artigo 5°, XXXVIII: É reconhecida a instituição do júri, com
a organização que lhe der a lei, assegurados:
“d” a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;
Fazendo um estudo um pouco mais aprofundado, podemos encontrar no Código de Processo Penal
em seu art. 74 que: A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização
judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.
§ 1º - Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º,
122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados.
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Seção 15 - Métodos de interrupção da Gravidez:
Para Diniz existem diversas formas de se interromper a gravidez, algumas são:
15.1 Interrupção Voluntária da Gravidez:
Como a prática é ilegal em muitos países (podendo ser mesmo considerado crime), muitas
mulheres, movidas por diversos motivos (econômicos, vergonha, medo da reação dos parentes mais
próximos, ou por outras razões), procuram abortar clandestinamente usando métodos perigosos que
põe em risco a sua própria vida.
Os defensores do aborto procuraram maquiar sua natureza criminal mediante a terminologia
"interrupção voluntária da gravidez" ou sob conceitos como "direito de decidir" ou "direito à saúde
reprodutiva".
15.2 Por envenenamento salino:
Extrai-se o líquido amniótico dentro da bolsa que protege o feto. Introduz-se uma longa
agulha através do abdômen da mãe, até a bolsa amniótica e injeta-se em seu lugar uma solução
salina concentrada. O feto ingere esta solução que lhe causará a morte em 12 horas por
envenenamento, desidratação, hemorragia do cérebro e de outros órgãos.
Esta solução salina produz queimaduras graves na pele do feto. Algumas horas mais tarde, a
mãe começa "o parto" e da à luz a um bebê morto ou moribundo, muitas vezes em movimento.
Este método é utilizado depois da 16º semana de gestação.
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15.3 Por Sucção:
Insere-se no útero um tubo “oco” que tem uma ponta afiada. Uma forte sucção (28 vezes
mais forte que a de um aspirador doméstico) despedaça o corpo do bebê que está se desenvolvendo,
assim como a placenta e absorve "o produto da gravidez" (ou seja, o bebê), depositando-o depois
em um balde. O abortista introduz logo uma pinça para extrair o crânio, que costuma não sair pelo
tubo de sucção. Algumas vezes as partes mais pequenas do corpo do bebê podem ser identificadas.
Quase 95% dos abortos nos países desenvolvidos são realizados desta forma.
15.4 Por Dilatação e Curetagem:
Neste método é utilizada uma cureta ou faca proveniente de uma colher afiada na ponta,
com a qual se corta o feto em pedaços com o fim de facilitar sua extração pelo colo da matriz.
Durante o segundo e terceiro trimestre da gestação o feto, já está bem desenvolvido e grande demais
para ser extraído por sucção; então utiliza-se o método chamado dilatação e curetagem.
A cureta é empregada para desmembrar o bebê, tirando-se logo em pedaços com ajuda do
fórceps.
Este método está se tornando o mais usual.
15.5 Por "D & X":
Este é o método mais espantoso de todos, também é conhecido como nascimento parcial.
Costuma ser feito quando o bebê se encontra já muito próximo de seu nascimento na 32ª semana.
Depois de ter dilatado o colo uterino durante três dias e guiando-se por ecografia, o abortista
introduz algumas pinças e agarra com elas uma perninha, depois a outra, seguida do corpo, até
chegar aos ombros e braços do feto. Assim extrai-se parcialmente o corpo do feto, como se este
fosse nascer, salvo que deixa-se a cabeça dentro do útero. Como a cabeça é grande demais para ser
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extraída intacta; o abortista enterra algumas tesouras na base do crânio do feto que está vivo, e as
abre para ampliar o orifício. Então insere um catéter e extrai o cérebro mediante sucção.
Este procedimento faz com que o feto morra e que sua cabeça se desabe. Em seguida extrai-se
a criatura e lhe é cortada a placenta.
15.6 Por Operação Cesárea:
Este método é exatamente igual a uma operação cesárea até que se corte o cordão umbilical,
salvo que em vez de cuidar da criança extraída, deixa-se que ela morra.
A cesárea não tem o objetivo de salvar o feto, mas sim de tirá-lo a vida.
15.7 Mediante Prostaglandinas:
Esta droga provoca um parto prematuro durante qualquer etapa da gravidez. É usado para
levar a cabo o aborto à metade da gravidez e nas últimas etapas deste. Sua principal "complicação"
é que o feto às vezes sai vivo. Também pode causar graves danos à mãe. Recentemente as
prostaglandinas foram usadas com a RU- 486 para aumentar a "eficácia" destas.
15.8 Pílula RU-486:
Trata-se de uma pílula abortiva empregada conjuntamente com uma prostaglandina, que é
eficiente se for empregada entre a primeira e a terceira semana depois de faltar a primeira
menstruação da mãe. Por este motivo, é conhecida como a "pílula do dia seguinte", que age
matando de fome o diminuto feto, privando-o de um elemento vital, o hormônio progesterona. O
aborto é produzido depois de vários dias de dolorosas contrações.
Nota: Os métodos mais comuns utilizados por profissionais para provocar o abortamento são
a curetagem e a aspiração uterina. (Diniz D., Aborto e inviabilidade fetal)
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Seção 16 - O que é Aborto Eugênico ou Eugenésico?
Para Glauco Cidrack do Vale Menezes, é considerado aborto piedoso, praticado quando o feto
é portador de anomalia grave e incurável.
Alguns doutrinadores e médicos apontam que a Medicina, com sua contínua evolução,
permite identificar e diagnosticar, com precisão, as anomalias das quais o feto é portador. O
diagnóstico destas anomalias é feito pela análise de células fetais, obtidas no líquido amniótico ou
das células da placenta, e as anomalias anatômicas são diagnosticadas por ultra-sonografia.
Assim, não obstante detectadas as anomalias consideradas graves e incuráveis, a mãe poderia
optar em levar até o fim esta gestação, “mesmo correndo o risco de ter sua saúde física e
principalmente psíquica gravemente abalada”. (MENEZES, 2004).
16.1 - Legalização do Aborto Eugênico
Para o autor, as questões que pesam sobre o tema, são justamente aquelas a acerca do fato
relevante para o aborto, em que dependendo do grau da anomalia, podemos considerar o aborto.
16.2 – O que seria de fato considerado anomalia do feto?
Ainda Citando Menezes, o legislador deverá dizer expressamente e de maneira clara quais os
tipos de anomalias que darão ensejar a tal providência. Se a previsão legal não especificar as
anomalias, de conseqüências graves e irreversíveis, qualquer tipo de “defeito” poderá ser
considerado anomalia e o aborto encarado como única, ou melhor solução encontrada pela
sociedade para eliminar este ser; o que poderá significar prejuízo social.
Muitos entendem que, o aborto eugênico é aquele implementado para eliminar fetos com
anomalias graves e irreversíveis, e não se presta para fazer nenhum tipo de “seleção”. Como
exemplo, podemos falar a respeito do feto anencefálico. “Estudos demonstram que o feto
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anencefálico sofre inúmeras convulsões, o que, além do sofrimento do próprio ser, pode ocasionar
um desgaste emocional à mãe e ainda lhe causar danos à saúde. Esta mãe está condenada a uma
gravidez complicada, e certamente, ao trauma de ter gerado um filho que não sobreviverá mais do
que alguns dias”. (MENEZES, 2004)
Se realmente há um diagnóstico que atesta a anencefalia, para alguns, nada mais justo que
poupar mãe e filho de um sofrimento como este, considerando que, se o feto possui sensibilidade à
dor e às emoções da mãe, certamente permitir que uma gestação como esta se complete é como
castigar mãe e filho, cruelmente, por um ato que não cometeram. (MENEZES, 2004)
Neste mesmo raciocínio, explica que com o passar dos anos os Juízes já estão chegando a
considerar o direito da mãe de optar em completar a gestação ou não, como superior aos direitos do
nascituro, e acabam autorizando a retirada do feto portador de anomalias, sem que sofram nenhum
tipo de punição por este ato e como o Direito, a Medicina também evoluiu, devendo o intérprete na
aplicação da lei adaptá-la à realidade cultural e social.
Como leciona o penalista argentino Luiz de Asúa, “o juiz não pode mostrar-se alheio às
transformações sociais, jurídicas e científicas. Por isso, a vontade da lei não deve ser investigada
somente em relação à época em que nasceu o preceito, mas sim tendo em conta o momento de sua
aplicação. O magistrado adapta o texto da lei às evoluções sofridas pela vida, da qual, em última
consideração. Daí ele ajustá-la a situações que não foram imaginadas na hora remota de seu
nascimento”. (Asúa, 2005, artigo revista década´s)
Quando da elaboração do Código Penal, até mesmo quando Hungria escreveu o que antes foi
relatado, não se poderia imaginar que a evolução da medicina chegaria ao ponto de logo detectar
que o feto seria portador de anencefalia, lesão incompatível com a vida extra-uterina.
Para Hungria não se trata de um charlatanismo. O fato está medicamente comprovado. O feto
não tem qualquer possibilidade de vida fora do ventre materno. É diferente do caso do feto possuir
tara física ou doença psíquica. Neste caso, haverá vida. No caso da anencefalia, não há chance de
vida face à ausência de cérebro. Este feto, sem qualquer possibilidade de vida extra-uterina, não é o
objeto jurídico protegido no crime de aborto. (HUNGRIA, 1955, pág. 189)
Para muitos, o que o Direito tutela a vida – intra e extra-uterina –, nunca a morte nem a mera
possibilidade de vida extra-uterina imediatamente seguida de morte. Já se disse que o feto é jurídica
e cientificamente uma vida, e, como tal, está sob a proteção do Direito, mas uma proteção que se
destina a mantê-la, assegurá-la, preservá-la.
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Desde que cientificamente provado que o feto não vai ter vida extra-uterina e, pois, que tal
manutenção de vida não vai ocorrer, a tutela jurídica não tem mais como ser exercida por falta de
vida a preservar e assegurar. Ademais, a transformação ou passagem da vida intra para a vida extra-
uterina sempre impõe à gestante, peripécias físicas e psicológicas de tal monta que o Direito,
reconhecendo- as, concede privilégios e atenuantes a procedimentos seus durante e imediatamente
após o parto, não me parecendo justo impor-lhe sacrifícios e riscos cujo resultado inevitável sempre
será a morte do feto.
Havendo prova insofismável, certa e induvidosa, de que não haverá vida extra-uterina e que o
feto morrerá à primeira oxigenação fora do ventre materno, pela irreversibilidade da anencefalia que
o acomete, após o parto não haverá vida a proteger pela inevitabilidade da tragédia congênita da
morte, razão bastante para “que o bom senso prevaleça e poupe a gestante do risco de um parto
inócuo quanto à sobrevida do feto”. (MENEZES, 2004).
Esta questão do anencéfalo vem sendo discutida desde 2004, pela Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Saúde (CNTS), que entrou com um pedido no Supremo Tribunal Federal para que
a antecipação do parto de fetos anencéfalos (sem cérebro) não fosse considerada aborto, o que
permitiria às gestantes em tal situação interromper a gravidez sem a necessidade de autorização
judicial. (MENEZES, 2004).
Nota: Interessante neste caso da anencefalia é analisar a legislação brasileira, que, senão
redundante, muitas vezes torna-se “curiosa”. Nota-se na Lei 9.434 de 04 de fevereiro de 1997 – Lei
de Transplante de Órgãos, em seu artigo 3, que prevê a retirada post mortem de tecidos, órgãos ou
partes do corpo humano destinadas a transplante, somente se e quando for diagnosticada a morte
encefálica do paciente, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de
remoção de transplantes. Ora, neste caso a lei é bem clara, que quando constatada a morte
encefálica é permitido a remoção de órgãos, e conseqüentemente, devido a isto, se obteria a morte
biológica do paciente. (MENEZES, 2004).
16.3 - Argumentos que justificam o deferimento da medida
O Código Civil e o Código de Processo Penal não definem o momento da morte. Os antigos
sustentavam que a morte ocorria com a parada cardíaca (gregos) ou com o último suspiro, sendo o
42
pulmão o indicador da morte (tradição judaico - cristã) ou quando cessam o coração, pulmão e
cérebro (franceses no século XVII).
Com o advento da Lei nº 9.434/97 (Lei de Transplante de Órgãos), ficou certo que,
juridicamente, o ser humano deixa de existir com a morte encefálica constatada por dois médicos
(artigo 3º). Morrendo o encéfalo, cessam todas as atividades do cérebro e do sistema nervoso
central, atingindo a estrutura encefálica. Este é o momento da morte jurídica, sendo possibilitada a
realização do transplante.
Ora, ausente o cérebro, o que ocorre quando constatada a anencefalia, não há vida
juridicamente a proteger, o que evidencia que a conduta pleiteada não agride o bem jurídico
protegido, o que a torna atípica.
Assim, entendemos juridicamente correta a decisão que autorizou a antecipação do parto na
hipótese de anencefalia, estando escorada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
ofensividade previstos na Constituição Federal.
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Seção17 - Legislação Brasileira acerca do Aborto
O aborto é considerado crime no Brasil, salvo nos casos em que haja risco de vida para a
gestante ou quando feto foi gerado em decorrência de um estupro. O Código Penal Brasileiro prevê
pena de 1 a 3 anos de prisão para a gestante, e de 1 a 4 anos para o médico ou qualquer outra pessoa
que realize nela o procedimento de retirada do feto. (MENEZES, 2004).
17.1 Argumentos consequencialistas contra o aborto
O legislador não descriminou o abortamento necessário ele apenas o despenalizou, pois, assim
afirma no caput artigo 128 : Não se pune o aborto realizado por médico : I – se não há outro meio
de salvar a vida da gestante (não existe grifo no original). Esse ato não deixa de ser crime, porém, o
mesmo não é punido. (M. Lichfield e S. Kentisch, Bebês para queimar, São Paulo, Ed. Paulinas, p.
150)
Determina a Constituição Federal promulgada em dezembro de 1988 no caput do artigo 5.°:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. (não existe grifo no original)
Quando se analisa o direito à vida, previsto no artigo supra, deve-se fazê-lo de forma ampla e
insofismável visto entender-se que a mesma se inicia na concepção. Neste ponto cabe se questionar
se um mesmo bem jurídico pode ser moral e juridicamente valorado de maneiras distintas. (M.
Lichfield e S. Kentisch, Bebês para queimar, São Paulo, Ed. Paulinas, p. 150)
Para o autor, quando se manter a gestação no caso supra, e a gestante falecer em decorrência
da gestação morrerá também o feto. Deste modo seria um absurdo a perda de duas vidas com o fito
de se tentar manter a gestação até o termo. Entretanto esse mesmo critério não poderá ser utilizado
quando a colisão de direitos não se der entre os mesmos bem jurídicos tutelados (vida materna X
vida fetal).
Na mesma linha, para ele o bem jurídico vida é, indubitavelmente, o maior de todos e a fonte
dos outros visto que todos os direitos adquiridos pelo homem somente o são se o mesmo estiver
vivo. Pode-se, portanto, dizer que o direito à vida é um direito original ou primário enquanto os
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demais são dele derivados ou secundários. Assim, ao se comparar o direito à vida a qualquer outro
direito aquele sempre estará num grau superior. Alguns até entendem que, o direito à vida deve ser
mais valorado inclusive que o direito à dignidade da pessoa humana e o direito à autonomia da
pessoa humana visto estes existirem apenas em função daquele.
Este último entendimento não é partilhado por alguns autores como José João Canotilho ao
discorrer sobre o Direito Constitucional e Teoria da Constituição onde afirma que "os bens
constitucionalmente protegidos, em caso de conflito ou concorrência, devem ser tratados de maneira
que a afirmação de um não implique o sacrifício do outro, o que só se alcança na aplicação ou na
prática do texto". (CANOTILHO, 1988, pág. 86)
Verifica-se que, segundo Canotilho, não existe diferença hierárquica ou de valor entre os bens
constitucionais. Entretanto é bastante enfático ao afirmar que o resultado da interpretação da norma
constitucional não pode determinar um sacrifício total de um bem em relação a outro. A
interpretação deve ser harmônica.
17.2 Aspecto Religioso
O aborto visto pelo aspecto moral, muitas vezes se confunde com o religioso, o que é
erroneamente falado. O aspecto religioso do aborto é bem diferente do moral. Enquanto o moral se
refere a que tal prática fere a conduta da sociedade, o religioso consiste em afirmar que a vida é
suprema em todos os casos. Eles afirmam que se “Deus deu vida a este feto, foi porque ele quis que
este existisse, e consequentemente, se este foi mal formado ou fruto de estupro, também aconteceu
desta maneira porque foi da vontade de Deus”. (MAGUIRE, 2001. pág. 46)
17.2.1 Catolicismo
Baseadas no mandamento "Não matarás", as diversas religiões cristãs condenam a prática do
aborto, ainda que a interrupção da gravidez se dê por razões de ordem terapêutica ou sentimental.
Em fins do século passado interrompeu-se a discussão em torno da animação tardia do feto e
45
atualmente a Igreja apresenta restrições quanto à prática do aborto terapêutico como caminho para
se salvar a vida da mãe. Ou seja, condena todo tratamento que vier atentar diretamente contra a vida
do feto, embora não condene consequências indiretas - a morte do feto, por exemplo - que este tipo
de encaminhamento possa ter causado A posição oficial da Igreja Católica classifica o aborto como
um dos pecados sujeitos à excomunhão: “A gravidade do aborto provocado aparece em toda a sua
verdade, quando se reconhece que se trata de um homicídio [...]” (João Paulo II, Encíclica
Evangelium Vitae, 25/03/1995, nº. 58).
17.2.2 Igrejas protestantes
A postura das igrejas protestantes em geral (batista, luterana, metodista, presbiteriana,
episcopal e unitária) parece ser um pouco menos rígida que a da igreja católica, uma vez que admite
o aborto terapêutico, embora jamais encare o aborto como método de controle da natalidade. De
qualquer forma, dá-se grande importância à vida da mãe, devendo a questão ser resolvida entre
médico, pastor e paciente. (MAGUIRE, 2001. pág. 48)
Para o autor, os unitários-universalistas foram aquela facção da igreja protestante que mais
ousou em relação à questão: em 1963 já defendia a legislação do aborto em caso de perigo físico ou
mental para a mãe, gravidez resultante de estupro ou incesto, defeito físico ou mental da criança que
está para nascer ou quando existirem (o que abre a possibilidade de solução para vários casos
individuais).
17.2.3 Igreja judáica
O judaísmo tem apresentado uma postura mais flexível no que diz respeito à questão do
aborto, provavelmente por apresentar concepções teológicas diferentes em relação à alma e ao
"pecado original". Para os judeus, o feto só se transforma em ser humano quando nasce e em pessoa
um mês após o nascimento. “Além disso, o fato de não existir uma autoridade máxima ditando
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todas as regras de conduta faz com que os judeus possam ter liberdade sobre sua própria
consciência”. (MAGUIRE, 2001. pág. 46)
17.3 Argumentos consequencialistas a favor do aborto
Em grande parte do mundo industrializado o aborto não era considerado um crime até que
uma serie de leis anti-aborto foram proclamadas durante a segunda metade do século XIX.
Por vezes também se argumentava que os fetos são seres humanos a partir do momento da
concepção e, como tal, o aborto intencional seria uma forma de homicídio.
Consequentemente o ponto central dos argumentos anti-aborto mudou-se da segurança física
das mulheres para o valor moral da vida do feto.
Se avaliarmos a moralidade das ações pelas suas conseqüências, podemos construir um forte
argumento contra a proibição do aborto.
A maternidade involuntária agrava a pobreza, aumenta as taxas de mortalidade infantil e
obriga as famílias e os estados a grandes esforços econômicos.
“O aperfeiçoamento dos métodos de contracepção veio aliviar de alguma forma estes
problemas”. (MAGUIRE, 2001. pág. 46)
Para o autor, em quase todo o mundo, trabalhar por um salário tornou-se uma necessidade
para muitas mulheres, tanto solteiras como casadas. As mulheres que têm de ganhar o seu sustento
sentem a necessidade de controlar a sua fertilidade.
O acesso ao aborto é essencial para a saúde e sobrevivência não apenas das mulheres e das
famílias, mas também dos próprios sistemas sociais e biológicos dos quais todos dependemos. Dada
a insuficiência dos atuais métodos contraceptivos e a falta de acesso universal a esses métodos, se
quisermos evitar um rápido crescimento populacional é necessário que se recorra a algumas práticas
do aborto.
Citando Maguire, a má nutrição, a fome, erosão dos solos e as alterações climáticas ameaçam
reduzir a capacidade que a terra tem de produzir comida. Os opositores do aborto negam que o
aborto seja necessário para evitar tais conseqüências indesejáveis. Estes afirmam frequentemente
que as mulheres que procuram abortar, recusam-se a assumir responsabilidades pelos seus próprios
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atos. Segundo alguns pontos de vista, as mulheres deveriam evitar ter relações sexuais
heterossexuais a menos que estivessem preparadas para levar a cabo uma gravidez daí resultante.
Até que surja um método contraceptivo totalmente seguro e de confiança, a argumentação
consequencialista a favor do aborto permanecerá forte. Se o aborto for mau, nesse caso não poderá
ser definido como um meio de evitar conseqüências indesejadas. Como tal, devemos procurar saber
se as mulheres têm o direito moral de abortar.
17.3.1 Aborto e o direito das mulheres
Nem todos os filósofos morais acreditam na existência de direitos morais. Como tal, é
importante que se diga algo acerca do que são os direitos morais.
Os direitos não são entidades misteriosas que descobrimos na natureza; não são entidades de
espécie alguma. Dizer que a pessoa tem o direito à vida é dizer, que ninguém deve ser morto
deliberadamente ou privado do necessário para viver. Por exemplo, podemos matar em legitima
defesa quando não existe outra hipótese de evitar sermos mortos ou gravemente feridos; mas não
podemos matar outra pessoa simplesmente por que outros ganhariam alguma coisa com a sua
morte.
Os direitos morais básicos são aqueles direitos que todas as pessoas tem, em contraste com os
direitos que dependem de circunstâncias particulares. Normalmente são considerados direitos
morais básicos o direito à vida, à liberdade, à autodeterminação, e o direito a não ser maltratado
fisicamente. Se os fetos têm igual direito à vida, “então nesse caso direito que as mulheres têm em
abortar apenas deverá ser exercido em circunstâncias extremas”. (MAGUIRE, 2001. pág. 46)
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Seção18 - Incidência
É surpreendente o alto número de mulheres que praticam o aborto. Foi divulgado no ano
passado pela Organização Mundial de Saúde, seis milhões de mulheres praticam aborto induzido na
América Latina todos os anos. Destas 1,4 milhões, são brasileiras e, uma em cada 1.000 mulheres
morrem, em decorrência do aborto, já que as condições em que são feitos esses abortamentos são
precárias e muito perigosas em função de serem métodos ilegais, feitos na clandestinidade. “Dentro
dessas estatísticas, a América do Sul fica em primeiro lugar no número de abortos clandestinos por
ano, vindo em segundo a América Central e em terceiro a África”. (COSTA, 2003, vol. 06)
Os abortos são feitos em 48% por meninas de até 19 anos. E, ainda, no Brasil, a cada mil
adolescentes grávidas, trinta e duas recorrem ao aborto.
De acordo com Moreira “existem dados do Fundo das Nações Unidas para a População
(FUNUAP) que mostram que em conseqüência de abortamentos, morrem por ano nos países da
América Latina (inclusive no Brasil) seis mil mulheres, consistindo na terceira causa de morte
materna, depois das hemorragias e da hipertensão”. (MOREIRA, 2002, pág.37)
Para o autor, entre as consequências de ordem orgânica, podemos citar até mesmo o risco da
infecundidade. Entre os casos de infecção puerperal, sabe-se que 60% deles são ocasionados por
aborto provocado (choque septêmico).
Segundo o autor, outro dado marcante diz respeito aos óbitos maternos em 10 cidades latino-
americanas: 34% das mortes são provocados por aborto. No Chile, por exemplo, a taxa percentual
varia de 30% a 41% no que diz respeito aos óbitos maternos registrados.
Morrem ainda, cerca de setenta mil mulheres por ano em todo o mundo em conseqüência de
abortos praticados em condições de risco, clandestinamente. E ainda um número desconhecido,
porém muito elevado de mulheres que sofrem de lesões pós-aborto. Mesmo em países que o aborto
já é legalizado, ainda existem mulheres que morrem por causa das más condições operatórias.
Existem poucos lugares em que as condições são favoráveis e não apresentam risco à mulher, além
disso, o custo é altíssimo, fazendo com que muitas procurem métodos mais baratos, porém mais
perigosos. Por exemplo, “dos estimados 5,3 milhões de abortos induzidos na Índia (onde o aborto é
legal), em 1989, 4,7 milhões ocorreram fora de estabelecimentos de saúde aprovados,
consequentemente, em condições potencialmente inadequadas”. (COSTA, 2003, Vol.06)
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Seção 19 - A ética de “respeito pela vida”
Segundo Guilio Agamben, o escritor Albert Schweitzer defende uma ética de respeito para
todas as criaturas vivas. Para ele todos os organismos, dos micróbios aos seres humanos, têm uma
“vontade de viver”. Como tal, afirma que qualquer pessoa que tenha “o mínimo de sensibilidade
moral considerará natural interessar-se pelo destino de todas as criaturas vivas”. (AGAMBEN,
2004)
“Todos os seres vivos partilham uma vontade de viver seja uma afirmação metafórica do fato
de os organismos estarem teleologicamente organizados. Geralmente atuam de modo a promover a
sua própria sobrevivência”. (AGAMBEN, 2004)
Aqueles que são contrários ao aborto têm escrito que a autorização em exame configuraria um
“crime contra a vida”, um “homicídio uterino” ou um “assassinato oficial”, enquanto outros, que se
mostram favoráveis ao deferimento da medida, procuram fundamentar sua posição no lado humano
da questão, principalmente no sofrimento da mãe, “não havendo nada que obrigue mulher a ter um
filho sem cérebro”, ou “na dor de ter um filho e não levá-lo para casa” ou que “é uma situação
análoga à da tortura”. (AGAMBEN, 2004)
Em regra, há um pedido de prestação jurisdicional do Estado, para que cumpra sua missão de
aplicar o Direito, para isto cabendo ao magistrado, independente de suas convicções extrajurídicas,
jungirem-se somente aos textos legais, seja para deferir ou para indeferir a pretensão vestibular.
Para o autor, devemos aplicar a lei vigente ao caso concreto que lhe é apresentado para
decidir. Nesta linha de entendimento, não pode o juiz usurpar a função do legislador. Na divisão
constitucional vigente, não coube ao Judiciário a elaboração do texto legal. Ao Judiciário foram
destinadas a interpretação e a aplicação da lei que existe em abstrato ao caso concreto, sem prejuízo
de normas de cultura serem utilizadas pelo intérprete, devendo este sempre procurar adaptar a lei à
realidade social.
A interpretação apressada da lei leva à conclusão equivocada de que o Direito não estaria a
amparar a autorização em exame. Com efeito, todos os livros doutrinários, sem exceção, salientam
que duas são as hipóteses de aborto não-criminoso: o aborto provocado para salvar a vida da
gestante, denominado de necessário ou terapêutico (art. 128, I, do CP); e o aborto provocado com o
consentimento da gestante, no caso de gravidez por estupro, conhecido como aborto sentimental ou
humanitário (art. 128, II, do CP).
50
Na verdade, o fato de ter sido reconhecido que o feto é portador de anencefalia não se
coaduna com a hipótese do aborto necessário. Este, como é sabido, ocorre quando não há outro
meio para salvar a vida da gestante, subsistindo a infração quando provocado para preservar a saúde
da mulher. Muitos entendem, que na hipótese do feto anencéfalo, geralmente a vida da gestante não
está correndo risco direto ou concreto. O excesso de líquido amniótico, segundo avaliação médica,
pode ser drenado sem que a vida da gestante seja colocada em risco. É certo que gravidez como
esta, em alguns casos, tem causado graves transtornos psicológicos, até mesmo com tentativa de
suicídio, eis que sabe a mulher que, na verdade, como salientado pela prof. Dafne Gandelman
Horovitz, está condenada a ser um “caixão ambulante”, carregando no ventre um feto sem qualquer
possibilidade de vida extra-uterina.
Juridicamente, porém, tal circunstância não se adequa à causa permissiva do artigo 128, I, do
Código Penal, salvo comprovado risco de vida da gestante. Até porque, nesta hipótese, se torna
desnecessária qualquer autorização judicial para a prática do aborto, podendo o médico realizá-lo de
pronto.
Também não pode a pretensão ser deferida com base na analogia, ampliando-se o rol do
artigo 128 supra-referido. Esta consiste em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição
relativa a um caso semelhante, sendo forma de auto-integração da lei para suprir lacunas porventura
existentes.
Carlos Maximiliano salienta que o processo analógico não cria direito novo, mas descobre o
já existente e integra a norma estabelecida, o princípio fundamental, comum ao caso previsto pelo
legislador. (MAXIMILIANO, 2001, pág.14)
Dois são os requisitos básicos para que seja permitido o uso da analogia, obviamente que nas
normas permissivas, porquanto as incriminadoras, por força do princípio da legalidade, não
permitem a aplicação desta forma de auto-integração da lei: que o fato considerado não tenha sido
regulado pelo legislador e que a lei tenha regulado situação que ofereça relação de coincidência e de
identidade com o caso não-regulado.
Estes requisitos não estão presentes no caso em exame. Não há lacuna neste caso. O legislador
não deixou de prever a hipótese destacada. Consta, aliás, que a nova legislação penal, em tramitação
no Congresso Nacional, prevê expressamente tal autorização como legal. Os jornais vêm
divulgando os debates com relação ao aborto.
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Até o momento, o legislador não quis incluir o aborto eugênico como conduta lícita, de
acordo com o ordenamento jurídico. Trata-se de uma opção do legislador e não de um cochilo.
Desta forma, não havendo omissão, não se pode falar em analogia.
Outro fundamento exclusivamente jurídico, porém, permite o deferimento da autorização em
debate. Todo delito tem um objeto jurídico, sendo este o bem ou interesse que a norma penal tutela.
Ganha força no direito penal moderno o chamado princípio da ofensividade ou da lesividade, que
possui dupla função: política criminal, dirigida ao legislador, que está obrigado a só descrever tipos
penais que ofendam a bem jurídico, dogmática interpretativa, dirigida ao aplicador da lei, que deve
sempre observar se a conduta afeta o bem jurídico protegido. Esta segunda função do princípio em
exame é que é o ponto nodal desta querela.
Estabelecer que o aborto é crime, tem como objeto jurídico principal a preservação da vida
humana. Assim, o objeto da tutela penal é a vida do feto (vida intra-uterina). Para efeitos penais, o
feto é considerado pessoa. É verdade que a legislação valora de forma diferente a vida intra-uterina
da extra-uterina, tanto que a pena do homicídio é bem maior do que a do aborto. O fato é que se
tutela na hipótese o direito à vida em sentido amplo. Como já dito, a nossa legislação não abraçou o
aborto eugênico como ação amparada pelo Direito.
Trata-se de questão altamente controvertida, surgindo opiniões de ambos os lados, tendo
Hungria salientado que “não passa de uma das muitas trouvalilles dessa pretensiosa charlatanice
que dá pelo nome de eugenis, pois consiste este num amontoado de hipóteses e conjecturas, sem
nenhuma sólida base científica”. (HUMGRIA, 1955, pág.369)
Alberto da Silva Franco escreveu artigo em sentido contrário ao pensamento de Hungria,
aduzindo existir uma causa de justificação que apresenta similitude com o estado de necessidade.
Alberto da Silva Franco (FRANCO, 5ª ed., SP, RT, 1995, p. 205)
O aborto por indicação eugênica ocorre quando se permite o abortamento, desde que exista o
prognóstico, medicamente fundamentado, de que o feto nascerá com graves taras físicas ou
psíquicas. Tal modelo, como já salientado, não foi considerado pela nossa legislação.
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Seção 20 - Aspectos da Ética Médica
O Código de Ética Médica foi elaborado pelo Conselho Federal de Medicina, em
cumprimento ao artigo 30 da Lei no 3.268/57 e publicado em 11 de janeiro de 1958.
O artigo 54 do Código de Ética impõe ao médico que não provoque aborto, salvo
exceções referidas no artigo 128 do Código Penal. Para realização do aborto, nestes casos, o médico
deverá primeiramente consultar em conferência dois colegas, lavrando a seguir uma ata em três
vias. Uma será enviada ao Conselho Regional de Medicina (CRM); outra, ao diretor clínico do
estabelecimento onde será guardada pelo médico ao qual foi confiada a internação.
O Código de Processo Ético-Profissional para os conselhos de medicina estabelece no
capítulo III, referente às penalidades, mais especificamente em seu artigo 60, que as penas
disciplinares aplicáveis pelos conselhos regionais a seus membros podem ser de diferentes graus:
- advertência confidencial em artigo reservado;
- censura confidencial em aviso reservado;
- suspensão do exercício profissional até 30 dias;
- cassação do exercício profissional "ad referendum" do Conselho Federal.
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Seção 21 - A Lei de Biossegurança e Ação Direta de Inconstitucionalidade
O embrião pode ser considerado vida humana?
O STF (Supremo Tribunal Federal) aprovou no dia 29 de maio de 2008 pesquisas com
células-tronco embrionárias no Brasil. O Supremo Tribunal Federal rejeitou ação direta de
inconstitucionalidade (ADI) Nº 3.510 contra o Art. 5º da Lei de Biossegurança Nº 11.105 de 24 de
março de 2005 que permite a utilização, em pesquisas, de células fertilizadas in vitro e não
utilizadas.
No art. 5º pretende-se regulamentar a possibilidade de utilização células-tronco embrionárias
para pesquisa e terapia. Os embriões passíveis de utilização para tanto são os denominados
embriões provenientes de fertilização in vitro. Porém, o art. 5º não menciona quais serão,
especificamente, os embriões que poderão ser utilizados para a produção de células-tronco
embrionárias, apenas determinando:
“Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco
embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no
respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou, II –
sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já
congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir
da data de congelamento”.
Os Ministros Carlos Ayres Britto, Ellen Gracie, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Joaquim
Barbosa, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello votaram a favor desses estudos, mediante o que
determina a lei. Segundo a norma, podem ser utilizados apenas os embriões que estejam congelados
há três anos ou mais, mediante autorização do casal. O artigo também veta a comercialização do
material biológico.
A presidente do STF - Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie, divulgou o seu voto
na ADI sobre a Lei de Biossegurança.(Anexo B). Em seu voto, Ellen Gracie destacou que a Lei de
Biossegurança, "reconhecendo a dignidade do material nela tratado e o elevado grau de reprovação
social na sua incorreta manipulação", classificou como crime a comercialização do embrião
humano, com base na lei de doação de órgãos (art. 5º, § 3º), bem como a sua utilização fora dos
moldes previstos no referido artigo 5º.
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Tipificou, ainda, como delito penal, a prática da engenharia genética em célula geminal,
zigoto ou embrião humano e a clonagem humana (arts. 6º, 25 e 26).
A ministra enfatizou também a distinção entre a condição do pré-embrião (massa
indiferenciada de células da qual um ser humano pode ou não emergir), e do embrião propriamente
dito (unidade biológica detentora de vida humana individualizada), frisando a "plena aplicabilidade,
no presente caso, do princípio utilitarista, segundo o qual deve ser buscado o resultado de maior
alcance com o mínimo de sacrifício possível". Para ela, o aproveitamento, nas pesquisas científicas
com células-tronco, dos embriões gerados no procedimento de reprodução humana assistida é
"infinitamente mais útil e nobre do que o descarte vão dos mesmos".
"A improbabilidade da utilização desses pré-embriões (absoluta no caso dos inviáveis e
altamente previsível na hipótese dos congelados há mais de três anos) na geração de novos seres
humanos, também afasta a alegação de violação ao direito à vida".
A norma em vigor classifica o aborto como um dos delitos contra a vida (conforme arts. 124 a
129), levando em conta, no feto, a esperança da pessoa “spes personae”, cujos direitos a lei civil
assegura.
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Seção 22 - Descriminalização do Aborto
Alguns projetos de lei visam alterar o Código Penal para descriminalizar o aborto.
Sua principal justificativa parece residir nos altos índices de mortalidade de gestantes não
adequadamente atendidas quando em situação de abortamento. Se o aborto não constituísse crime,
tudo seria resolvido.
Se esta idéia lastrear o projeto, a mudança não é de modo nenhum necessária. Na verdade,
ousa-se afirmar que o aborto não é crime perante o ordenamento jurídico.
Hoje das 04 modalidades de aborto, o único tipo ilícito de aborto é aquele provocado pela
gestante ou por terceiro, seja médico ou não, com ou sem consentimento da gestante.
Criminoso é o aborto provocado sem finalidade terapêutica ou sentimental, sem visar proteção
da vida física ou moral da gestante. Ele é gerado pela insegurança, pelo medo, pela
irresponsabilidade, pela falta de informação e pela falta de apoio individual e social. Enfim, sua
causa não é natural, terapêutica ou humanitária, mas de natureza sócio-econômica.
Diante de tal quadro não sabe a gestante qual resposta oferecer e busca a via criminosa,
porque ser responsável não é comportar-se de acordo com um quadro ético-jurídico
predeterminado, mas sim saber qual resposta apresentar diante de uma dada situação. A gestante em
sua posição de abandono não enxerga caminhos. E a saída mais simples é eliminar o feto, que é uma
vida em potencial que se apresenta como a fonte do problema. Então se tem o aborto sócio-
econômico.
Se a questão for evitar a mortalidade feminina em face do abortamento, o projeto de
descriminalização não é necessário porque, como visto, em três modalidades contra uma, o aborto
não é crime no ordenamento jurídico brasileiro. E as gestantes podem ser atendidas. Resta apenas
saber se a administração da saúde tem condições de atendê-las.
O relator do projeto de lei que legaliza o aborto em qualquer circunstância, deputado Jorge
Tadeu Mudalen (DEM-SP).
O projeto principal revoga o artigo 124 do Código Penal, que prevê detenção de um a três
anos para a gestante que provocar aborto ou consentir que outro o faça.
Segundo Sr. Jorge Tadeu: "É necessário nos posicionarmos sobre uma questão que perdura
nesta há dezesseis anos", disse, sobre a urgência de votar a proposta. (TADEU, 2004)
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22.1 Argumentos rebatidos
A comissão realizou três audiências públicas para discutir o tema. Em seu relatório, o
Ministro Mudalen optou por rebater os argumentos favoráveis ao aborto levantados nessas reuniões
a partir de duas perspectivas: a de que mulher que pratica o aborto necessita de apoio por meio de
políticas públicas; e a de que o ordenamento jurídico deve ser uma diretriz para as ações da
sociedade.
Ponderou Jorge Tadeu, "A prática do aborto é a culminância de um longo processo tortuoso
em que a gestante não pôde ser atendida de forma adequada em várias fases de sua vida. Não
contamos ainda no Brasil com um programa de esclarecimento sobre o planejamento familiar, ainda
há problemas na área de assistência social, de geração de emprego. Não é adequado acreditar que
uma questão pontual seja capaz de dar uma solução adequada a um quadro tão problemático",
(Tadeu, Projeto de Lei Penal, 2004)
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Seção 23 - Resumo do Tema e outras considerações
Como podemos observar e estudar, o Código Penal atual, de 1940, pune o aborto provocado
pela gestante ou com seu consentimento (art. 124), o aborto provocado por terceiro (art. 125), o
aborto provocado com o consentimento da gestante (art. 126), e prevê formas qualificadas em caso
de superveniência de lesões graves ou morte da gestante (art. 127).
Por outro lado, aumentou o rol de causas de exclusão da punibilidade, no art. 128,
expressando não ser punível o aborto praticado por médico: "(...) II - se a gravidez resulta de
estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu
representante legal", além, é claro, daquele autorizado para salvar a vida da gestante (inc. I).
Segundo Renato Marcão, alguns estudos para reformas na Parte Especial do Código,
sustentam que, embora mantendo as figuras típicas como acima mencionadas, propõe mudanças
consideráveis nas penas a serem aplicadas, chegando ao extremo de reduzir drasticamente a
reprovabilidade do crime de aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento, na forma
simples, colocando-o em situação de mera infração de pequeno potencial ofensivo, com
procedimento regulado pela Lei 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Criminais para as
ações penais de pequeno potencial ofensivo, veja-se, pequeno potencial ofensivo, já que pela
proposta tal crime seria punido com detenção, de um a nove meses, o que acaba por permitir
transação penal, em tese, e aplicação de penas restritivas de direitos ou exclusivamente pecuniária,
não gerando nem mesmo a possibilidade de reincidência caso a(o) beneficiada(o) venha a praticar
novo crime posteriormente (§ 4º do art. 76). (Marcão, 2007, Jus Navegandi, Artigo).
O que mais chama a atenção, entretanto, é o rol previsto no art.128, que trata das hipóteses de
exclusão de ilicitude.
Enquanto a legislação atual autoriza o aborto, no caso do inc. I do precitado artigo, apenas
para salvar a vida da gestante, desde que praticado por médico e não haja outro meio, na proposta
elaborada acrescentou-se ao referido inciso a possibilidade do aborto para preservar a saúde da
gestante.
O inc. II do art. 128 do Anteprojeto amplia a possibilidade de aborto lícito, antes restrita ao
caso da gravidez resultante de estupro, para autorizá-lo sempre que a gravidez resultar de violação
da liberdade sexual ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida.
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Em arremate, o § 1º do artigo em testilha estabelece que, nos casos dos incisos II e III, e da
segunda parte do inc. I, o aborto deve ser precedido de consentimento da gestante ou, quando
menor, incapaz ou impossibilitada de consentir, de seu representante legal, do cônjuge ou de seu
companheiro.
Nitidamente procurou-se afastar qualquer discussão quanto à possibilidade de aborto legal em
razão de gravidez resultante de outras práticas sexuais, notadamente do crime de atentado violento
ao pudor (coito inter femora, por exemplo), adotando-se a universalidade "violação da liberdade
sexual", muito embora já se admitisse a analogia in bonam partem, como defende Damásio E. de
Jesus. (DAMÁSIO, 1988, 147)
Por outro lado, atendendo aos avanços da genética e das novas técnicas de reprodução
assistida, andou bem a Comissão em pretender autorizar o aborto quando a gravidez seja resultante
da prática não autorizada dessas ciências modernas. É que na verdade o resultado é o mesmo
daquelas outras hipóteses: gravidez não desejada.
Por fim, o inc. III autoriza o aborto quando há fundada probabilidade, atestada por dois outros
médicos, de o nascituro apresentar graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais.
É evidente que a intenção do legislador é obter o aval de outros médicos para a prática
extrema, além daquele externado pelo que venha executar o aborto, visando assegurar a
possibilidade da prática somente nos casos comprovadamente necessários, sob o aspecto clínico que
se procurou preservar.
Como podemos ver, existem três posicionamentos:
Exitem aqueles que são a favor do aborto em qualquer hipótese, desde que a genitora queira
realizar, por livre escolha e decisão, seja porque não tem condições financeiras, seja porque não foi
planejado, seja porque será rejeitada e etc.
Também existem aqueles, que são contra em qualquer hipótese, tendo como base fundamental
o direito a vida que na própria Constituição Federal não trás distinção desde direito e tão pouco
ressalvas. Este posicionamento também é o da Igreja Católica
E também, temos o posicionamento daqueles que são contra o aborto com exceção, aos casos
de risco de vida da gestante ou de má-formação do feto. No mundo jurídico, essa resolução tem
provocado alarde em torno do direito à vida. Alguns profissionais argumentam que a Constituição
Federal garante a inviolabilidade do direito à vida, qualificando-o como indisponível e o mais
fundamental de todos os direitos. Portanto, qualquer ação ou omissão que contribuir para a morte de
alguém viola esse direito, com exceção à algumas regras, já que no Estado democrático de direito
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brasileiro, não existe nenhum direito absoluto. O direito à vida, embora seja o mais fundamental de
todos os direitos, não é intocável. Ele existe, como todos os outros, para a realização de um valor:
não é um fim em si mesmo. A solução justa não é aquela que simplesmente observa a literalidade
do texto legal, mas aquela que melhor realiza o valor que deu origem ao texto legal.
No mundo todo, temos legislações diferentes acerca do aborto. Os países principalmente da
Europa, não vêem o aborto como crime desde que realizados no tempo correto e determinado pela
legislação. Em média, até a 12º semanas de gestação a gestante possa realizar o aborto por qualquer
que seja o motivo.
Vimos que o Brasil vem discutindo muito nos últimos anos a respeito do tema “ABORTO”, e
muito se propõe sobre o assunto, no entanto, na tentativa de fazer valer a liberação do Aborto para
que acabem as clinicas clandestinas, as mortes por infecção, ou algum outro problema, ocasionado
pela falta de estrutura e condições dos métodos utilizados para o se realizar o aborto, muitos opinam
a favor da liberdade de escolha e da liberação do aborto, descriminando-o.
No entanto, a Igreja católica, os defensores dos direitos humanos em pró da vida e muitos
outros do povo, ainda entendem que não deverá liberar o aborto, pois desta forma, ocorrerá, ainda
em números maiores do que os de hoje, a utilização do aborto para resolver questões de cunho
irrelevante em relação a vida, tais como: Situação financeira, uso despreocupado de
anticoncepcionais, falta de planejamento da gravidez entre outras questões, que poderão levar o uso
do aborto a fatos banais e de simples questão de vontade.
O importante é entendermos algumas questões, que quando respondidas poderiam auxiliar na
definição da liberação ou da continua proibição do aborto, tais como:
O que será relevante para o cometimento do Aborto? O que realmente é importante e, que
antecede o direito a vida, a ponto de sobrepor este bem protegido pela Carta Magna?Até que ponto
realmente o Estado deve intervir no direito de escolha da gestante?
Após, estas questões definidas e entendidas, acreditamos que o Direito Brasileiro terá este
tema alinhado e concretizado com a vontade da Igreja, do Estado e principalmente com a vontade
do particular.
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CONCLUSÃO
O Intuito deste trabalho é elucidar, esclarecer, explicar, e analisar todos os assuntos
decorrentes do tema Aborto.
O conhecimento das hipóteses de aborto, dos métodos, das opiniões de todas as classes de
pessoas, entidades e países, é muito rico e aprimorador para este trabalho.
A partir do estudo feito para a realização deste trabalho, fomos levados a entender e
compreender que o aborto sem exceção, levando em conta apenas alguns fatores irrelevantes ou tão
somente a vontade da mulher, talvez não seja fatores suficientes para se permitir o Aborto
legalizado em nosso país, e este pensamento é o que levam as autoridades competentes, ainda não
terem efetivado a legalização do aborto.
Concordamos com os casos - já supracitados – legalizados vigentes no Código Penal e afirma-
se também que seria de extrema importância a legalização do aborto eugênico, haja vista o risco de
vida da gestante, bem como, a certeza da morte da criança.
Nos casos gerais, acredita-se que o feto – ou melhor, dizendo, o bebê – possua vida desde a
sua concepção, consequentemente ele já é um ser humano, e assim, indiscutivelmente ele possui o
direito de viver, independentemente das condições econômicas, morais ou religiosas da sociedade.
“Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. (Declaração Universal
dos Direitos Humanos, artigo 3, 1948).
“Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm
direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra
qualquer incitamento a tal discriminação”. (Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 7,
1948).
Conforme, esta modesta concepção, alguns afirmam que o aborto, fora dos casos legais, fere o
principal direito fundamental garantido a todos os cidadãos - a vida. Já outros afirmam que trata-se
de escolha e liberdade do ser humano optar pelo aborto ou não.
A luz do nosso direito positivo, o aborto poderá ser legalizado ou criminoso.
Acrescenta-se que seja ou não, o aborto, permitido pelo ordenamento jurídico (o qual é
variável através dos tempos), ele encontra-se no seio de todas as civilizações, desde os primórdios
até os dias atuais. Devendo-se ter em mente, que esta é uma temática que acompanhou todos os
passos trilhados pela história da humanidade, e certamente acompanhará para sempre sua evolução,
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pois, o aborto é questionamento de todos os indivíduos por possuir como escopo a controvérsia
sobre a própria vida e liberdade do Homem.
O assunto relacionado ao aborto compreende tema tão polêmico quanto esterilização,
eutanásia e a mencionada eugenesia, todos eles abordados agora pela Comissão incumbida das
"reformas" a serem instituídas na Parte Especial do Código Penal, e desde já é possível afirmar que
se optou pela volta ao passado, adotando o modelo suíço de 1916 (art. 112).
Basta comparar, colocando-se, evidentemente, na mesma situação que aquele, passível de
críticas as mais variadas e inclusive especialmente da Igreja Católica.
Por incrível que possa parecer, se o modelo legal ainda serve para o Brasil, mesmo decorridos
oitenta e dois anos de sua instituição na Suíça.
Só nos resta aguardar e, ver no que resultará tantos projetos, discussões e opiniões a respeito
do tema, construindo pilares e degraus suficientes e o bastante para atendermos os anseios sociais.
Aliás, é esse o trabalho do profissional do direito: construir a solução justa para cada caso concreto
e não, simplesmente, aplicar a literalidade do texto legal para todos os casos que possam surgir em
uma sociedade dinâmica, cada vez mais complexa e sofisticada. Ao aplicar o direito à vida, o
profissional do direito deve verificar se está realizando no caso concreto o respeito à dignidade da
pessoa humana, porque essa é a sua fonte jurídico-positiva.
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REFERÊNCIAS
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HELENO, Cláudio Fragoso- (Fragoso, Lições, P.E. 9ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1987, v.1,
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HUNGRIA, Nelson Comentários ao Código Penal, 3. ed., v. 5, Rio de Janeiro: Forense,
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MAGUIRE, Daniel C; PEGORARO, Aborto: descobrindo as base éticas para decidir com
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MAXIMILIANO, Carlos, 2001, pagina 14, Estudo da Constituição.
MENEZES, Glauco Cidrack do Vale, 2004, Artigo Site e Revista Jus Navegandi.
MOREIRA, Fernando A. Aborto – crime e conseqüência.
MOSER, A.; SOARES. A. M. M. Bioética: do consenso ao bom senso. Petrópolis: Vozes,
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64
SARLET, Ingo Wolfgang, 2004, pág. 60.
TADEU, Jorge – Legalização do Aborto – Projeto de Lei, 2004.
65
ANEXO A – ANDAMENTO I.P. – RECEBIMENTOS DA DENÚNCIA- PROCESSO Nº.
052.07.004644-3.
DO BOLETIM DE OCORRENCIA (B.O.) – 30/09/2008
SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA PÚBLICA - POLICIA CIVIL DO
ESTADO DE SÃO PAULO
Policial Militar compareceu ao 36º Departamento de Policia, subscrição de Vila Mariana em
30 de setembro de 2008 às 17h23min, comunicando que fazendo uma patrulha de rotina no bairro
de Vila Mariana, fora acionado via COPON, para atender ocorrência em residência próxima,
referente à localização de feto dentro de vaso sanitário.
Chegando ao local, mais precisamente na Rua Hermano Ribeiro da Silva, 261, o Policial
Militar foi atendido e recepcionado pelo Senhor Francisco Antonio Rogano, que se identificou
como proprietário da Residência.
O proprietário da residência levou o Policial Militar até o 1º andar da casa assobradada, no
banheiro do corredor dos quartos onde fora encontrado um feto entalado no sanitário.
Ao adentrar o banheiro, o Policial Militar, pode constatar um feto entalado no vaso, um (01)
saco de lixo cor preta, com sangue, placenta e cordão umbilical dentro, bem como ferramentas
jogadas pelo chão.
Ao questionar o Senhor Francisco, o Policial Militar foi informado que ao chegar à residência
após o trabalho, percebeu ao utilizar o banheiro que ele estava entupido e imediatamente, ligou para
um desentupidor, que ao chegar a sua residência e tentar solucionar o problema, encontrou o feto
entalado no vaso sanitário. O desentupidor foi embora sem nada falar e não recolheu seus pertences
que são as ferramentas que se encontravam no chão do banheiro.
A Possível vítima, segundo o Senhor Francisco era a Empregada doméstica da residência, que
já presta serviço a 4 (quatro) anos e estava aparentemente grávida, e que momentos antes foi
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acionado o SAMU 694-9 para socorrê-la e que ela se encontrava em atendimento no Hospital São
Luiz, bairro Vergueiro.
O Policial Militar se dirigiu até o Hospital e conversou com o médico que atendeu a vítima
Dr. Francisco Erivaldo Alves, que declarou ter feito uma curetagem na paciente e que esta se
encontrava em bom estado de saúde e que provavelmente, no dia seguinte seria liberada.
Ao ser permitido conversar com a vítima Sra. Luzimar Pereira da Silva, que relatou ter usado
o banheiro e o feto caiu e não percebeu e deu descarga, Minutos após sentiu fortes dores e
desmaiou, tendo acordado já no hospital. Relata também, que dias antes, sentiu fortes dores e que
foi atendida no Hospital do Servidor Público, com sangramento na região uterina, e que logo após,
foi liberada.
Policial relata os fatos, sem presença de testemunhas.
Assina: Susana Keredjan Primon – Escrivã de Policia
Kelly Apar Castelho- Delegada de Plantão
DAS TESTEMUNHAS
ENCANADOR: Dia 17/10/2008 - Compareceu a Delegacia o Sr. Ruy Barbosa Paranhos, que
deu declaração de que naquela noite dos fatos, foi solicitado para desentupir encanamento e ao
chegar o local e realizar o serviço, constatou o feto entalado no vaso e pediu ao Sr. Francisco
proprietário da casa que chamasse a policia e fizesse uma denúncia já que se tratava de crime.
O Sr. Francisco alterado informou que era para ele tirar o feto e jogá-lo no saco de lixo que
estava no banheiro e que ele disse que não faria isso. Deixou o local dos fatos, até mesmo sem
recolher seus pertences. Denunciou o ocorrido pelo 196.
EMPREGADA: Dia 17/10/2007 - Compareceu a este distrito, a vítima Luzimar Pereira da
Silva, Solteira, para reiterar o que havia declarado ao Policial Militar dentro da Unidade São Luiz.
PROPRIETÁRIO DA RESIDENCIA: Dia 17/10/2007 - Compareceu o Sr. Francisco Antonio
Rogano, para reiterar as declarações prestadas ao Policial Militar no dia dos fatos
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DESPACHO DE CONCLUSÃO DE INQUÉRITO POLICIAL- 17/10/2007
O Delegado Titular Dr. Eymard Bertho Ferreira, despacha a conclusão do inquérito, fotos,
B.O., depoimentos testemunhais e depoimento do Policial Militar.
SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA - SUPERINTENDENCIA DA POLÍCIA
TECNICO – CIENTIFICA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL
LAUDO DE EXAME DE CORPO DE DELITO Nº. 5841/07
EXAME NECROSCÓPICO DO FETO
DESCRIÇÃO DO FETO: Realidade da Morte – A morte evidencia- se pelos clássicos sinais
de tanatologicos de certeza como – Imobilidade, ausência de respiração e circulação, hipotermia.
IDENIFICAÇÃO ANTROPOMÉTRICA – Cadáver de Feto, masculino medindo, 27,6
centímetros, com 410 gramas e aparentemente 2º Trimestre de Gestação.
FETO: Sem lesões Externas e Internas.
DESPACHO DE CONCLUSÃO DE INQUÉRITO POLICIAL- 26/10/2007
O Delegado Titular Dr. Eymard Bertho Ferreira, despacha a conclusão do inquérito, fotos,
B.O., depoimentos testemunhais, depoimento do Policial Militar e Laudo do IML. Despacha-se
desta forma concluso ao MM. Juiz Titular da Vara competente da capital.
DO RECEBIMENTO E DO REQUERIMENTO DO MM. JUIZ
O MM. Juiz da Primeira Vara do Júri do Fórum Criminal de São Paulo - Capital, requer seja
oficializado ao Hospital do Servidor Público do Município, que atendeu a Senhora Luzimar Pereira
da Silva, para que remeta a ficha clínica de atendimento da Paciente para análise.
Após, seja encaminhada ao IML com o Objetivo de analisar e dar parecer sobre que tipo de
aborto trata-se o presente caso: Aborto Espontâneo ou Aborto Provocado.
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Ademais, requer seja oficializado o Hospital São Luiz para que envie exames relativos à
paciente Luzimar Pereira e que seja ouvido o médico que a atendeu, Dr. Francisco Erivaldo Alves.
Em 25/09/2008- Recebido pelo Cartório
Em 01/10/2008- Ofício 865/08- Expedido aos destinatários acima, assinado pelo MM. Juiz
Alexandre Pereira da Silva.
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ANEXO B - INTEGRA DO VOTO DA MINSTRA ELLEN GRACIE- ADIM DA LEI DE
BIOSSEGURANÇA
Supremo Tribunal federal
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.510-0 DISTRITO
FEDERAL RELATOR : MIN. CARLOS BRITTO
REQUERENTE(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
REQUERIDO(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ADVOGADO(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
REQUERIDO(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
INTERESSADO(A/S): CONECTAS DIREITOS HUMANOS
INTERESSADO(A/S) : CENTRO DE DIREITO HUMANOS - CDH
ADVOGADO(A/S) : ELOISA MACHADO DE ALMEIDA E
OUTROS INTERESSADO(A/S) : MOVIMENTO EM PROL DA VIDA -
MOVITAE ADVOGADO(A/S) : LUÍS ROBERTO BARROSO E OUTRO
INTERESSADO(A/S) : ANIS - INSTITUTO DE BIOÉTICA,
DIREITOS HUMANOS E GÊNERO ADVOGADO(A/S) : DONNE PISCO E OUTROS
ADVOGADO(A/S) : JOELSON DIAS
INTERESSADO(A/S) : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS BISPOS DO
BRASIL - CNBB
ADVOGADO(A/S) : IVES GRANDRA DA SILVA MARTINS E OUTROS
V O T O
A Senhora Ministra Ellen - (Presidente): Senhores Ministros, é
indiscutível o fato de que a propositura da presente ação direta de inconstitucionalidade, pela
delicadeza do tema nela trazido, gerou, como há muito não se via, um leque sui generis de
expectativas quanto à provável atuação deste Supremo Tribunal Federal no caso ora posto.
Equivocam-se aqueles que enxergaram nesta Corte a figura de um
árbitro responsável por proclamar a vitória incontestável dessa ou daquela corrente científica,
filosófica,
70
ADI 3.510 / DF
religiosa, moral ou ética sobre todas as demais. Essa seria, certamente,
uma tarefa digna de Sísifo.
Conforme visto, ficou sobejamente demonstrada a existência, nas
diferentes áreas do saber, de numerosos entendimentos, tão respeitáveis quanto antagônicos, no que
se refere à especificação do momento exato do surgimento da pessoa humana.
Buscaram-se neste Tribunal, a meu ver, respostas que nem mesmo os
constituintes originário e reformador propuseram-se a dar. Não há, por certo, uma definição
constitucional do momento
Inicial da vida humana e não é papel desta Suprema Corte estabelecer
conceitos que já não estejam explícita ou implicitamente plasmados na Constituição Federal. Não
somos uma Academia de Ciências. A introdução no ordenamento jurídico pátrio de qualquer dos
vários marcos propostos pela Ciência deverá ser um exclusivo exercício de opção legislativa,
passível, obviamente, de controle quanto a sua conformidade com a Carta de 1988.
2. Por ora, cabe a esta Casa averiguar a harmonia do artigo 5º da Lei
11.105, de 24.03.2005, (Lei de Biossegurança) com o disposto no texto constitucional vigente.
Para tal intento, foram apontados na presente ação, como parâmetros
de verificação mais evidentes, o fundamento da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), a garantia
da
71
ADI 3.510 / DF
inviolabilidade do direito à vida (art. 5º, caput), o direito à livre
expressão da atividade científica (art. 5º, IX), o direito à saúde (art. 6º), o dever do Estado de
propiciar, de maneira igualitária, ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde
(art. 196) e de promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação
tecnológica (art. 218, caput).
Não há como negar que o legislador brasileiro, representante da
vontade popular, deu resposta a uma inquietante realidade que não mereceu maiores considerações
na peça inicial da presente ação direta.
A fertilização in vitro, como técnica de reprodução humana assistida,
tem ajudado, desde o nascimento da britânica Louise Brown, há quase trinta anos, a realizar o sonho
de milhares de casais com dificuldade ou completa impossibilidade de conceber filhos pelo método
natural.
Porém, a utilização desse procedimento gera, inevitavelmente, o
surgimento de embriões excedentes, muitos deles inviáveis, que são descartados ou congelados por
tempo indefinido, sem a menor perspectiva de que venham a ser implantados em algum órgão
uterino e prossigam na formação de uma pessoa humana.
Penso que o debate sobre a utilização dos embriões humanos nas
pesquisas de células-tronco deveria estar
72
ADI 3.510 / DF
necessariamente precedido do questionamento sobre a aceitação desse
excedente de óvulos fertilizados como um custo necessário à superação da infertilidade.
Todavia, conforme registrado nas manifestações juntadas aos autos,
essa relevantíssima questão sobre os procedimentos de reprodução assistida, apesar da tramitação
de alguns projetos de lei, nunca foi objeto de regulamentação pelo Congresso Nacional, havendo,
nessa matéria, tão-somente, uma resolução do Conselho Federal de Medicina (Resolução 1.358, de
11.11.1992). Recorde-se que a primeira brasileira fruto de uma fertilização in vitro nasceu em 7 de
outubro de 1984.
Portanto, esse era o cenário fático e lacunoso com o qual se deparou o
legislador brasileiro em 2005, quando foi chamado a deliberar sobre a utilização desses mesmos
embriões humanos,
inviáveis ou já há muito tempo criopreservados, nas promissoras
pesquisas científicas das células-tronco, já desenvolvidas, em diversas e avançadas linhas, nos mais
importantes países do mundo.
3. No Reino Unido, o Human Fertilisation and Embrilogy Act,
legislação reguladora dos procedimentos de reprodução assistida e das pesquisas embriológica e
genética naquele país, foi aprovada pelo Parlamento britânico em 1990, após amplo debate social,
político e científico iniciado em 1982.
73
ADI 3.510 / DF
O referido Diploma permitiu a manipulação científica dos embriões
oriundos da fertilização in vitro, desde que não transcorridos 14 dias contados do momento da
fecundação.
Conforme demonstrou Letícia da Nóbrega Cesarino no artigo Nas
fronteiras do “humano”: os debates britânico e brasileiro sobre a pesquisa com embriõe1, esse
limite temporal presente na lei britânica teve como razão a prevalência do entendimento de que
antes do décimo quarto dia haveria uma inadequação no uso da terminologia “embrião”, por existir,
até o final dessa etapa inicial, apenas uma massa de células indiferenciadas geradas pela fertilização
do óvulo.
Segundo essa conceituação, somente após esse estágio pré-
embrionário, com duração de 14 dias, é que surge o embrião como uma estrutura propriamente
individual, com (1) o aparecimento da linha primitiva, que é a estrutura da qual se originará a
coluna vertebral, (2) a perda da capacidade de divisão e de fusão do embrião e (3) a separação do
conjunto celular que formará o feto daquele outro que gerará os anexos embrionários, como a
placenta e o cordão umbilical. Tais ocorrências coincidem com a nidação, ou seja, o momento no
qual o embrião se fixaria na parede do útero.
1 CESARINO, Letícia. Nas fronteiras do “humano”: os debates britânico e brasileiro sobre a pesquisa com
embriões. Mana v. 13, n. 2, Rio de Janeiro, out. 2007.
74
ADI 3.510 / DF
Essa formulação científica, que diferencia o pré-embrião do embrião,
coincide com o pensamento de Edward O. Wilson, que ao discorrer, na aclamada obra On Human
Nature sobre o instante imediatamente posterior à fecundação do óvulo humano, assim asseverou,
verbis:
“The newly fertilized egg, a corpuscle one
two-hundredth of na inch in diameter, is not a human
being. It is a set of instructions sent floating into the
cavity of the womb. Enfolded within its spherical nucleus
are na estimated 250 thousand or more pairs of genes, of
which fifty thousand will direct the assembly of the
proteins and the remainder will regulate their rates of
development. After the egg penetrates the blood-engorged
wall of the uterus, it divides again and again. The
expanding masses of daughter cells fold and crease into
ridges, loops, and layers. Then, shifting like some
magical kaleidoscope, they self-assemble into the fetus, a
precise configutation of blood vessels, nerves, and other
complex tissues.”
A professora Letícia Cesarino, acima referida, corroborando
pensamento de Michael Mulkay, conclui que a agregação deste conjunto de ‘fatos’ na nova
categoria ‘pré-embrião’ permitiu, assim, remover o objeto da experimentação científica do escopo
do discurso moral para inseri-lo num universo técnico.
75
ADI 3.510 / DF
4. No Brasil (após inclusão em projeto que objetivava a urgente
regulamentação do processo de liberação dos organismos geneticamente modificados), surge o art.
5º da Lei 11.105/2005, que autoriza o manejo das células-tronco embrionárias de uma maneira
restrita, com a precaução sempre recomendada nos primeiros passos dados nos terrenos ainda pouco
conhecidos e explorados.
A primeira restrição imposta diz respeito à indicação do uso das
células embrionárias exclusivamente nas atividades de pesquisa e de terapia.
Outra limitação relevante é a definição de qual universo de embriões
humanos poderão ser utilizados: somente aqueles que, produzidos por fertilização in vitro – técnica
de reprodução humana assistida – não são aproveitados no respectivo tratamento. Fica clara,
portanto, a opção legislativa em dar uma destinação mais nobre aos embriões excedentes fadados ao
perecimento. Por outro lado, fica afastada do ordenamento brasileiro qualquer possibilidade de
fertilização de óvulos humanos com o objetivo imediato de produção de material biológico para o
desenvolvimento de pesquisas, sejam elas quais forem.
Além de excedentes no procedimento de fertilização in vitro, os
embriões de uso permitido ainda deverão estar dentre
76
ADI 3.510 / DF
aqueles considerados inviáveis para o desenvolvimento seguro de uma
nova pessoa ou congelados há mais de três anos. Presente, assim, a fixação de um lapso temporal
razoável, que leva em conta tanto a possibilidade dos genitores optarem por uma nova e futura
implantação do embrião congelado quanto a improbabilidade de sua utilização, para esse mesmo
fim, após decorrido um triênio de congelamento.
As restrições não param por aí. É preciso, ainda, para que os embriões
possam ser regularmente destinados à pesquisa, o expresso consentimento dos genitores e que os
projetos das instituições e serviços de saúde, candidatos ao recebimento das células-tronco
embrionárias, sejam anteriormente apreciados e aprovados pelos respectivos comitês de ética em
pesquisa.
Saliente-se que a Lei de Biossegurança, reconhecendo a dignidade do
material nela tratado e o elevado grau de reprovação social na sua incorreta manipulação,
categorizou como crime a comercialização do embrião humano, com base na lei de doação de
órgãos (art. 5º, § 3º), bem como a sua utilização fora dos moldes previstos no referido artigo 5º.
Tipificou, ainda, como delito penal, a prática da engenharia genética em célula geminal, zigoto ou
embrião humano e a clonagem humana (arts. 6º, 25 e 26).
5. Assim, por verificar um significativo grau de razoabilidade e
cautela no tratamento normativo dado à matéria aqui
77
ADI 3.510 / DF
exaustivamente debatida, não vejo qualquer ofensa à dignidade
humana na utilização de pré-embriões inviáveis ou congelados há mais de três anos nas pesquisas
de células-tronco, que não teriam outro destino que não o descarte.
Aliás, mesmo que não adotada a concepção acima comentada, que
demonstra a distinção entre a condição do pré-embrião (massa indiferenciada de células da qual um
ser humano pode ou não emergir), e do embrião propriamente dito (unidade biológica detentora de
vida humana individualizada), destaco a plena aplicabilidade, no presente caso, do princípio
utilitarista, segundo o qual deve ser buscado o resultado de maior alcance com o mínimo de
sacrifício possível. O aproveitamento, nas pesquisas científicas com células-tronco, dos embriões
gerados no procedimento de reprodução humana assistida é infinitamente mais útil e nobre do que o
descarte vão dos mesmos.
A improbabilidade da utilização desses pré-embriões (absoluta no
caso dos inviáveis e altamente previsível na hipótese dos congelados há mais de três anos) na
geração de novos seres humanos também afasta a alegação de violação ao direito à vida. 6. Ante
todo o exposto, julgo improcedente o pedido formulado na presente ação direta de
inconstitucionalidade.
É como voto.