O Alemanismo No Sul Do Brasil - Silvio Romero

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    9 A L L E M A N I S M O N O S U L D O B R A S I L

    IUrn escriptor nosso em livro consagrado a snacoes latino-american as, no que toea ao fu-turo dessas nacoes, escreveu: '. A verdade e que, nas condicoes actuaes daAmerica do suI, s6 ha dois meios de se construi-rem aqui nacionalidades prosperas, cultas efortes; ou deixar que as actuaes, enireques asi mesmas, cornpletem a sua evolucao, e con-sigam remover as causas que ainda hoje entor-pecem 0 seu progresso; ou, entao, e l i m i n a 1 - l 1 J S ,eliminar litteralmente as populacoes existentes,

    como succede aos selvagens da Australia.o autor .desarrazoa evidentemente: ou ospovos do continente enireques a si mesmos, semauxilio estranho, ou, ao contrario, a sua elimi-na~ao geral. Sao dois pontos de vista em com-pleta polaridade. Dois partidos extremos.Opina, como DaO podia deixar de ser, peloprimsiro, tanto rna is quanta 0 segundo nao

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    116 PROVOCA~6ES E DEBATESpoderia ser levado a effeito pelas resistenciasque seriam oppostas a tao louco intento.Nota-se quao pouco tem meditado 0 autorsobre a vida e os destinos de nossa patria.No que houver de dizer, me referirei somente ..ao Brasil.Nao conheco sufficientemente a vida dasoutras gentes ibero-americanas, , ainda que a -conhecesse a fundo, nao me atreveria a fazerprognosticos sobre 0 seu porvir., . ~,. Creio que, no que concerne ao nosso. viversocial e politico, a nossa existencia como nacao,quatro sao os caminhos que teremos a seguir:1., 0 actual systema, rotineiro e perigoso, que,alem do atrazo e da apathia geral que produz,traz fatalmente, 0 desequil ibrio entre 0 nortee .0 sul do paiz com 0 desasirado reqimeri decolonieacao que se tern seguido ; 2., o systemade infusao de novas e a lia s idea s, nova in iu icaoreaiisiica do mundo e das nacoes, preparadapor torte insiruccao moderna, superior e. te- .chnica; 3., '0 systema de [ormactio de caraciernovo por um regimen especifico de educacaoadequada; 4 . Q , 0 systema de [ormacao de cora-cier novo pOI' meio da colonisacaa in tegra l dopaiz, com a immiqracao espalhada por iodasas zonas. ' ,o primeiro systems e anachronico e tern .dado pessimos resultados e ha . de acarretar,se proseguirmos nelle, 0 desmembramento fu-turo do paiz. E' 0 systema que se pode chamarbrasileiro, 'O'segundo e utiIe conveniente., quando en-contra a base forte de um earacier lirme, capazde grandes emprehendimentos. E' 0 systema dos[aponezes. Este admiravel povo, setri pedir im-

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    miqranies, sem se misturar com estrangeiros,povos de qualidades moraes superiores, senhorde uma alta cultura, entendeu de a rnodernizarno sentido europeu, adoptando os proventos. materiaes da civilisacao occidental.Fel-o com, uma seguranca, urn atilamentosem egual. E' hoje uma das primeiras potenciasdo mundo. ' .o Brasil nao se acha absolutamente em.' eg!laes condicoes, .E,': .0 systems que so -rode ser empregado decombinacao com 0, terceiro.Este e muito seguro, mas extremamente dif-ficil de obter. E' 0 systema educative de Le Playe Edmundo Demolins.Seria precisa a accao combinada de milha-res de pessoas que, .por todos os angulos destaterra, se propuzessem a modificar a nossa pes-sima educacao, substituindo-a por outra mui di-versa, que aproveitasse somente certas qualida-des boas que nos herdaram nossos maiores., 0 quarto systema, que, alias, deve ser em-pregado de combinacao com os dois anteriores,pode ser chamado 0 systema - norie-americano,E' salutar, com .a condicao da inoculacao deelementos ethnicos de prirneira ordem, por todasas regioes do paiz, de forma que sejam assimi-lades a tiossa genie peD o uso de nosso: lingua.E' 0 opposto do regimen que temos seguidoate agora, a datar 'de 1825, epocha em que seformaram os primeiros nucleos coloniaes alle-maes nas provincias do suI. ,Esse desgracado modo de colonizar cons-titue 0, mais serio, problema que 0 Brasil terade resolver em futuro muito proximo.Sobre este terrivel assumpto, 0 autor.. a

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    que em principio me referi, guarda em seulivro 0 mais complete silencio. E' singular ...Discute urn milhao de banalidades e deixacompleLamente de lado a mais seria de todasas questoes que possamos debater.Nao canco de repetir: tal systema pode seroptimo, e 0 e, por certo, do ponio de vista alle-mao; mas e pessimo, e perniciosissimo, do potiiode vista brasileiro .Para se formar idea exacta da gravidade doassumpto, mister e terestudado diligentementeo povo .germanico, conhecel-o bem no seu des-envolvimento historico, e, acima de tudo, noseu assombroso progresso contemporaneo, nasindustrias, na navegacao, no commercio, na ex-pansao colonial, direi melhor, na necessidadeindeclinavel quesente de escoar para coloniessuas 0 excesso de sua populacao, que' augmenta,a olhos vistos, .de f6rma assustadora.E' que de todas as gentes aryanas dotadasde altas qualidades em qualquer sentido - osallemaes sao aquella a quem coube na partilhada terra uma regiao mais pobre.Os hindus tiveram a India -vasta e uberrima;os iranianos, a Persia extensa e de variadaszonas; os slavos, 0 norte dos Balkans e a Russiaimmensa ; os celtas, a Franca fertilissima; oshellenos, a Grecia encantadora e as ilhas rna-

    ravilhosas; os italiotas, a Italia risonha, declirna dulcissimo.Os scandinavos e seus proximos parentes-os germanicos, os allemaes, - as asperas terrasdo norte da Europa.Estao, por isso, estes ultimos, os mais pro-lificos e emprehendedores, condemnados d buscade melhores terrae. Foi sempre 0, seu papel

    . .

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    PROVOCA~OES E DEBATES 119durante os dois mil e duzentos annos de suaexistencia, depois que appareceram na historia.Occupam certamente hoje uma vasta regiaona Europa" zona que, na porcao meridional, eregularmente fertil e rica e cuja porcao do norteesta grandernente modificada por maravilhososesforgQs duma cultura acima de todo elogio.Mas, para gente de tal vitalidade, de tao in-tenso impeto de expansao, e pouco .

    .Assim.. Ie todos os povos aryanos - os ger-manicos, portadores de qualidades de primeiraordem, sao os peior aquinhoados no tocante aterra. E essa desproporcao torna-se ainda maischocante, se e " com.parada a de certos POV.oSque, com:Irazao O U sem ella, os .germanicosjulgam seus inferiores, .Nao lhes soffre muito a paciencia que vastasregioes da Asia, da America e d'Africa, estejamnoutras maos que nao as delles.o mais antigo surto da raca, atraz de terras,arrojou-a as regioes do alto norte da Europa, eperde-se nas sombras impenetraveis do passado.o seu destino era, dahi por deante, pro-curar sempre 0 suI, em demanda de mansoesmais largas e mais doces.o seu primeiro arranco nesse sentido ja equasi' historico e foi quando -occuparam a fa-mosa planicie saxonica; onde ramos energicosda raca lancaram as bases de seu viver par-ticularista. .Mas nao basta va; novas incursoes teriam deI ser f.eitas.Os cimbros e teu ines demandaram as terrasque se Hies antolhavam maravilhosas do suI,regioes amansadas pelo colosso romano. .Dahi 'por deante, durante quatro seculos,

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    germanicos foram-se lentamente escoando1 s membros extensos do imperio.Mctteram-se por todas as provincias, comohoje se mettem pelo nosso Brasil meridional,Iazendo protestos de paz. , .Desde enta o , os dias de Bom a esta va m' con- 'L do , e os vencedorcs, os destruidores, os her-d iros do imperio so nao eram conhecidos dosgos optimistas, dos patrioteiros de vistas cur-t a , que nao falham nunca entre os povos queva morrer.Inconsciente da historia produz sempre.r n L dessa, para .0 fim de mascarar e illudira qu da das nacoes.. Quanto mais estas se pre-cipitam, rna-is esses novelleiros de hellos eo- ,

    H /0. auguries se acreditam no melhor dosIn n 1 0 . 'Manda a justica, porem, declarar que ne~l < Ioram cegos aos fortes symptomas dav I1 de. 'piritos clarividentes tiveram desse enor-In de acerto da politica imperial perleito co-n h imento. "E' 0 caso, entre outros, de Ammiano Mar-ellino e Synesius; que escreveram antes dagrande invasao do principio do V seculo.pnimeiro, Iallando do tratado ajustadonlr imperador Valente e os godos, conve-

    n in olo qual lhes conceqia que passas.sem 0Innubi e se estabelecessem na Thracia, es-..r ~v u: Quando .os mensageiros vieram term 0 imperador, os cortezaos .applaudiram;nalteceram a felicidade do principe a quem af rtuna trazia recursos inesperados e de' taoI nginquas .regioes.' Urn hom ajuste devia terimmediatamente logar. 0 exercito romano ia

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    ficar invencivel com a incorporacao de tantosestrangeiros; 0 trihuto que as provincias deviamem soldados, convertido em ouro, augmentariaindefinidamente os recursos do thesouro, 0 im-perio ganharia seguranca e riqueza. ,0 impe-rador firmou a convencao, estipulando a admis-SaD dos barbaros, Enviaram-se immediatamentenumerosos Iunccionarios para ordenarem 0transporte: teve-se muito cuidado para, que ums6 destes desiruidores do imperio, nao ficasseda outra banda, a_inda que estivesse atacado demolestia 'morral. Dia e noite, em cumprimentodaordem imperial, essa plebe truculenta, api-, nhada em barcas, taboas, troncos de arvores,Io i transportada para ca do Danubio. A pressaera tamanha que varios morreram afogados.Tanta azafama, tanto trabalho p ara in irodu ziro flagello e a ru ina do muru lo rottia tio l ...

    Ammiano Marcellino era daquelles que naose illudiam a respeito da inconveniencia de tra-tados, como esse que fOllevado a effeito_ peloinfeliz imperador Valente. 0 principe, tendo ido,pouco apos, combater estes seus recentes allia-dos godos revoltados, foi vencido. Fugitive, .de-, pois 'da batalha, tinha-se acolhido a uma pa-, lhoca que havia em caminho. Alcancado pelos.godos, lancaram elles fogo a choca, morrendola dentro queimado aquelle q_ue l~es haviaaberto as portas do lU1perlo... Vue h~ao !Synesius via ainda mais claro nos factos doque Ammiano.

    Quando se imagina, escreveu elle, 0 quepode .ernprehender, num momento de perigopara .0 Estado, uma mocidade estrangeira, nu-merosa, formada por leis diversas das nossas,tendo outras ,ideas, outros costumes, e mister

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    haver perdido ioda , a preoidencia para tu ioirem er ...'0 rochedo de Sysypho est a suspenso, sobrenossas cabeQas. ' ,Appareca-lhes a mais leve esperanca de vi-ctoria, e i iaoemos de oer que ienebrosos pensa -menios alimentam ern seqredo nossos deJenso-res de hoje ... Os barbaros sao hoje tudo ; s~ampois, de tudo afastados. Sejam para eIles ina.c-cessiveis as magistraturas e especialmente a di- '.gnidade senatorial, honraria suprema dos ro-manos ...E' espantoso ! nao existe 'uma so de nossas .familias na qual nao esteja 'empregado urn godo 'em .algum servico l Em nossas cidades os pe -dreiros, os vendedores d'agua, os carregadores,- dos lao g.o os .... .o resultado todo 0 mundo sabe qual tenha ..sido: preparado 0 terreno, dado um, arranco in- .vasor no comeco do V..seculo, em toda a linha,.os que estavam dentro deram as maos aoscom-panheiros de f6ra e .0 imperio ruiu.Durante a primeira phase da edade media,estenderam-se os germanos pela Gatlia, Italia,Hespanha, Britania, regioes centraes da Eu-fopa e norte da.Africa. ' ,Declararam-se herdeiros e continuadores doimperio e constituiram 0 San to Imperio RomanoGermanico, que durou seculos e anda reprodu-zido, para os bons patriotas, no imperio da Alle-manha actual. ,No assumpto, e digna de ler-se a obrama-gistral de J e ' Bryce, 0 grande historiador inglez.Trahit, entretanto, sua quemque iru ioles po-pulum; 0 geniodo povo nao se desmentiu: sem-pre emprehendedor, sempre ouzado, .sempre

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    activo, a' despeito de, sua pessima posicao geo-, graphica, mau grado difficuldades historicas,oriundas odessa mesma situacao, quasi invenci- ,veis, eil ..o que na segunda phase da edade me-dieval .revela desusado vigor no movimento es-traordinario das Hansas . r" ' Os ramos anglo-saxonio e hollandez come-~ara ,'pouco apos, a hracejar pelo mundo,Cobrirarn-no de' colonias por toda parte.0. grupo central, os allemaes propriamenteditos, acrysolado pelas luctas e emharaeos que, ,seThe oppunham, desafogava-se nas lettras e, nas sciencias ' a espera de seu dia, e esse diachegou. " . ,A sua alta posicao .militar, ierra-marique,, e actualmente immensa; mas e nada deante deI sua expansao commercial pelo mundo em fora.Ahi e que bate 0 ponto. ,E' assumpto para ser estudado em Paul Rou-, siers, - em livros, como - Hatnbourq et l'A lle,,' , maqne Coniemporaine, Les sundicats industrielsde' Producteurs en France et 'il l'E'tranqer; emI Georges Blondel; L 'Essor Indusiriel et Com-;mercial Q U Peuple Allemand)' em' Jules Stoe-cklin, - Les 'Colonies et tEmiqraiion Alleman- 'des; em V. A.' Malte Brun, - L'Allemaqtie Illus-. tree; em Henri de Tourville, - Histoire de laForma iiorc Pa rtic ula riste; em Arthur Raffalo-.vich, - Trusts, Cartels et Syndica .ts. 'Sem este ipreparo, nao se pode Iazer. uma.idea do eonjuneto das Iorcas em .a cca o ; nao sep6de Iazer idea da amplidao do systema ;: nao'se p6de rna-rear nelle 0 logar em que se prendeo easo brasileiro ; .quero dizer: 0 que em' meio ',das aspiracoes allemas representam as suas co-lonias do B'rd.,il . ..

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    Quem nao apprehende a questao desta alturanao logra conceher-lhe 0 alcance e l nao chegaa formar a consciencia clara de quanto ella temde brilhante e esperancosa para allemaes e devergonhosa e humilhante para brasileiros.v. "A tendencia do' povo allemao para emigrar,estimulada pela pobreza do s610, e antiga, jadeixei ponderado. .o seu subito apparecimento, como potenciafundadora de colonias, e modernissimo, e prin-cipalmente provocado, alem da pobreza da terra,pelo desenvolvimento extraordinario da popula-~ao, pelo crescimento anormal de seus produ-'ctos ind ustriaes, pelas grandes despezas do or-camento militar, que, multiplicando os impos-tos, Iorca grande numero de individuos a sahi-rem do paiz, 0 que tudo levou 0 governo aIle-mao, secundado neste ponto pelo commercio epelas classes productoras, a procurar tambemcrear por ahi alem ouiras pequetias Allemanhas.Em quatro annos, de 1884 a 1888, .0 imperiogermanico, que ate entao nao possuia urn, pal-mo de terra Iora da Europa, - nos continenteslonginquos, se fez a terceira potencia colonialdo mundo.Esta abaixo apenas da Inglaterra e da-iIanca. De urn impeto, collocou-se acima dePortugal e da Hollanda. No genero, nao setinha visto riunca egual testemunho de Iorca devontade, seguranca de planos e rapidez de accao.N as ribas occidentaes da Africa, principalmentem Coeia de Cattiartio e em Angra Pequena,poderaram-se os allemaes de enormes terrenos.1oi, porem, na costa oriental que a fortuna lhesorriu benefica e ultra-compensadora. Toda ar gi~0 de Zanzibar, desde 0 mar das Indias

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    ate a zona dos lagos centraes africanos, com-nrehendendo as melhores terras do continente,, cahiu-lhes nas maos, E' um imperio collossal.Na Oceania, apoderaram-se das Ilhas deBismarck, das Ilhas M arsha ll e 'de toda a parteda Nova, Guine, a maier ilha do mundo. 0 quede habilidade,' de decisao, de presteza empre-garam elles para, em menos de quatro annos,.chegar a este assombroso resultado, nao. vernpara aqui 0 referir. Basta dizer que tudo istoobedeceu .a. urn plano, que se vae realizando ag'olpes de audacia. .A sua accao mundial se divide em duas di-reccoes bern distinctas ; a : emiqractio para os pai-zes feitos, como os Estados-Unidos, por exem-.plo, onde teem grupos de individuos esparsos,o que se costuma impropriamente denominarcolonias, mas nao merece este nome; e as colo-n ias propriamenie diias, que sao dependenciaspoliticas, porque estao dehaixo da soberania eprotectorado do imperio. ,Nas primeiras, como entre os norte-ameri-canos, acontece que, segundo conta Malte-Brun,os allemaes, uma vez estabelecidos, nao ficammais allemaes de nacao. A vida facil que en-contram os leva a acceitar a nacionalidade es-tranha. A lingua allema continua a servir aospaes ~os filhos nascem americanos e, depois deuma ou duas geracoes, os descendentes allemaesnao sabem mais falIar a lingua de seus majores.(L 'A ll~m ag ne Iilu stree, . IV, pag. 3~O).- FOI em consequencia disto, ajunta RaoulPostel, que os homens de Estado da Allemanhaviram que seria preferivel, do ponto de vista ria-cional, dirigir 0 movimento da emigracao paracolonias allemas que deveriam ser fundadas em

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    126 PROVOCA~OES E DEBATESIvarias regioes do Globe, ainda nao occupadas.

    Dito e feito; d'ahi por diante, a colonisacao, novelho sentido, foi com exito tentada pelo im-perio, e ho je os allemaes nao emigram s6 paraas terras estranhas: dirigem-se tambem para assuas conquisias de a lem-mar ,Em' 1882, um economista tedesco dizia naSociedade de Oes-te para a colonisacao e a l e x -poriactio: Nosso fim, nosso alvo supremo eelevar a Allemanha do papel de potencia con-tinental ao de uma potencia, cuja inf1uenciase estenda pelo mundo inteiro. Nosso fime Iazer de nossa patria uma nacao queabrace poderosamente a terra e exerca urn in-fluxo renovador na civilisacao da humanidade,(J. Stoecklin - Les Colonies et fEmigrationAllemandes, page 164). 'Taes palavras, refere 0 autor que me tor-nece a noticia acima citada, provocaram applau-sos do auditorio, porque correspond-jam a umanecessidade. Esta foi explicada por Van derBrugger no fasciculo de janeiro de 1883 dosPreussiche Jchrbucher: N 6s temos urn exce-dente annual de populacao que orca .por 600 :000pessoas. 0 melhor partido -que se p6de tirarde nosso solo, 0 arroteamento de nossos pan-tanos e terras incultas, 0 aperfeicoamento denossa agricultura, a melhor _organisa

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    a .audacia dDS planos, 0desassombro com quefalla. E ha mais uma singularidade: alli os go-oernos ouoem os cheies iniellectuaes da nacao eiomam-lhes os coneelhoe.De 1882 e '0 brado do economista; de '1883.0 ap~eno de Van der Brugger; em' 1884 Bis-marck iniciava seu plano de colonias, que rea-lizou em quatro annos , ., Para eIles, para esses homens que sabem 0que querem, 0 criterio supremo da nacionali-dade, 0 signal revelador, 0 expoente excelso daraca e a linqua, oucam bern - e a .linqua. Estesignal e .tudo. Onde e a patria alle.ma? pergun-tava 0 poeta, eelle mesmo respondia : - E' ondese lalla a lingua allema:., ' "{. Entre n6s, a linguagem e apenas urn instru-mento para rhetoricas e parlapatices; nao ternoutro prestimo, e tanto nao tern, e aqui chegoao ponto onde queria aportar, que nas coloniasallemas do Brasil nao se laU a poriuquez ... ,, Proii pudor !Falla-se nellas oiiemao, E' dizer 'tudo; nao precisa, juntar mais nada para quemcomprehends a gravidade do facto. . .Le-se todo 0 livro de Stoecklin, esse livro doqual diz Raoul Postel: Puisse ce livre ouvrir lesyeux aux indifferents, les premunir em rnemetemps contre'les parti-pris et les coteries! ... IIdoitprendre place dans toutes les bibliotheques, m~-me dans les moindres eccles: le-se todo esse

    . pequeno volume em que 0 autor' condensa '8accao e os feitos dos allemaes nas cinco partes, do mundo, ja como emiqranies, ja como lunda-tlores de colonies, e so se encontra, como padrao immorredoiro da inepcia brasileira, umaexcep9ao, uma so, a unica em iodo mundo de'urn pa~z estranho onde os descendentes dos

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    emigrantes allemaes conservam 0 usa complete,exclusivo de sua lingua: e no sul do Bra sil ...Falla-se allemao na Allemanha, na Austria,na Suissa germanica, num resto d9-Schamadasprooincios do Ball ico, na Russia, terras estasantigas de' allemaes e que Ioram pOI' eIles per-didas.E' natural.Fora d'ahi, onde nao poderia ser por outraf6rma, sendo que na Russia a slavisacao dascitadas provincias balticas vae adeantadissimacom o systema energico do governo do Czar,. 6 incipientemente se vae fallando allemao nas1 nias da Africa e da Oceania , tieperulenciaspoliticos do qonerno do im perio. Em terras d enacoes soberanas. - na Asia, America' e Africa,n" 0 e repete 0 phenomenal caso ..6 no Brasil !..,

    Quando se acompanha o desenvolvimento dopI n germanico, hoje conscientemente encami-nhado, porque a Allemnaha de hoje nao e aAll manha de 1825, quando comecaram nor il as colonisacoes, e se nota a insistenciacorn que' e assiqna iada a excepcao brasileira,n lagrimas brotam espontaneas de todos quemam neste paiz a [ormosa peca de architecturapolitico - de que faIlava o grande Andrada ... O s colonos allemaes do Brasil meridionalozam de completa liberdade ; alem de rarasuctoridades de justice e policia, nenhum 80m-pregado hrasileiro exerce Iunccoes nas colo-nias .. , Se no Brasil, como nos Estados-Unidos,os colonos allemaes nao teem mostrado, poremquanto, fortes tendencias ,de se m.etter~m n?-politica, ao menos no primeiro destes. dots pa t-

    zBS tuio teem, como no segundo, perdido 0 uslo

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    de sua lingua ma terna, (J. Stoecklin, Op. cit.,pag. 193).G. Blondel accrescenta: A . lingua allema,conservada nas colonias pelas sociedades locaes,pelas agencies de ires grandes associacoes alle-mas, pelas escolas (Realschule, de Porto Alegre;- H ohere Lehransia lt; de S. Leopoldo ; Waise-nhaus , de.Taquary); pelos jornaes, e a . qu e u nica -men te se usa em B lumenau , N eudori, Jo inville,S. Bento, Badeniori, localidades otule a proper-~do dos a liem ae varia de 80 a, 90 % . Ainda maisaconiece isio na t reqiao inieiramenie qermatii-sada . da Serra, (L 'E seor ltu lu striel e Cammer-c ia l du Peuple .Allemand, pag. 265).Dest' arte, as Iamosas colotiias allemas nosul do Brasil nem sao simples casos de immi-gra~6es , que tenham sido assimiladas pelas po-pulacoes circumvisinhas, como s6e acontecerentre as nacoes soberanas , nem sao, por em-quanio, colonias no classico sentido, dependen-cias politicas duma, metropole de alem-mar.,Vao para ahi. Constituern, por agora, um casoespecial, que merece estudo.

    ,II

    Em 1884, sob a direccao do genial Bismarck,Ioi iniciada definitivamente a carreira official daAllemanha como [uru iadora de coionia noul i ramar., Por esse tempo, tinha escripto um ex-offi-cial do exercito allemao _. Adolph von Couring,em seu lvro de propaganda - M arrocos, seuTerriiorio, seus H abiian ies: Nao existe poten- .

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    cia maritima sen i c olon ia s; ora, a Allemanha jae, e pretende sel-o cada vez mais, uma poten-cia maritima. A Allemanha espalha, sem pro- Iveito para si propria, '0 excesso de sua popu-lacao pelo mundo -inteiro; 'depend~ de n6s, alle-maes, conservar para 0 nosso paiz suas forcasvivas, diriqindo a . emiqracao para reqioes que!z'quem su ieiia s as nossas leis e d nlossa proiec-~do. Ha , para isto , looar na . A [rica , na s ilhas. da O cean ia e na America do Sui,E ... note-se bem, Ina- America do Su l ( l l )Onde? N o B rasil e na Pa tagon ia ( !! ) "Eram os dois pontos indicados.Prepararam-se mappas de todas as regioesda terra, onde se poderiam, como donos, esta-belecer os allemaes.P.or isto e que, comecada a faina, se apede-raram elles das zonas que encontraram desoc-cupadas n'Africa e na Oceania, de que ja Iallei.Pelo que toea a America do SuI, chegou-sea 'pensar muito seriamente num golpe de auda-cia contra a Patagonia" cuja posse pela Argen-tina ou pelo Chile andava ainda em litigio ; e,quanto ao Brasil, immensa foi a agitacao-dasassociacoes de emiqracao e commercia n'Alle-'manha com repercussao nascobotiias do su i., S6 uma coisa nos salvou entao, esta salvan-do ainda agora e salvara no futuro, ate certotempo: A DOUTRINA DE MONROE, 0 receio de umacomplicacao provavel com os Estados-Unidos.Por isto, custa-se a center a indignacaoquando se ve a inconsciente ingratidao do mes-tico ibero-americano chasquear levianamente dasagrada dou irina de M onroe, 'a 'que, devemoster escapado da conquista allema em terras dosuI.

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    o Chile e a Argentina, mais habeis do q:uenos, trataramlogo de fechar a Patagonia, divi-dindo-a entre si. De incurs6es em qualqueroutro ponto de seus territories estao livres; por-...que la nao existem zonas onde os ieulos sejamsenhores, onde s6 se la lle a lingua allema.. Diversa e a situacao do Brasil, no qual 0pro~esso de desaggregacao vae sendo diri~idohabilmente, com alguma demora; mas infallivel-mente seguro. .Quando, pois, ha poucos dias, os jornaesfallaram do dito de urn diplomata russo quehavia affirmado ter visto no estado-maior, emBerlim, urn mappa do B rasil em que estao assi-qnalados as reqioes que apreserdan i a possibili-dade de ser incorporadas a soberania allema,nao avancaram nada de novo ...Bepetiram verdade conhecida por quem vernacompanlrando esta questao de trinta annespara ca. "Os amantes e colleccio'nadores. de papeisvelhos devem ter em mao varios documentossobre 0 assumpto. .' ... ' ,.,' .I Os mesmos telegrammas recentissimos Ialla-ram tambem do discurso feito por urn' allemaode nome' Arendt, 'ex-general .do exercito, queesteve contractado em Buenos-Ayres, e Ioidis-pensado da sua commissao, por motive moral,pelo general Roca, quando presidente dessaRepublica. Nesse discurso, 0 referido Arendt.chamou a attencao de seus compatriotas para a'la cilida de de colonisarem a P ata gon ia , conser-vando os colonos :as suas tradieoes., costumese seniimenio naeional, contrariamente ao quesuccede no Canada, onde, na segunda gerA~Aode. 'descendencia .allema, se observa uma iden-

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    tificacao com 0 ambiente 'local e a perda de to- .dos oscarecteristicos .de origem.' E I T iempo,de Buenos-Ayres, de' 12 de janeiro , ultimo,commentando a affirmativa do diplomata russosobre 0 Brasil e as declaracoes de Arendt acer-ca da Patagonia, diz que merecem toda a Ie,porquanto 0 principe de Bismarck, quando che-fiou a chancellaria allema, teve os olhos postos .constantemente naquellas terras, e dis so daoiesiemunho irrelraqaoei as noias enouulas aogoverno argentino, por Carlos Calvo, repre-sentante, entao, da Republica junto ao governoimperial. (Jorna l do Commercia , de 11 e 13 dejaneiro de 1906).o diplomata russo disse 0 que viu; e Arendtrepete ainda .hoje 0 que se fallava na Allemanhacom insistencia, de 1884 ou annos proximamenteanteriores ate 1888 e annos subsequentes.

    Eis aqui alguns papeis velhos, que provama excitacao existente ria .Allemanha naqueUetempo, e cuja noticia chegou ate; n6s:A Allemanha, douda por arranjar colo-nias, annexou, diz urn telegramma de Londres.:o Q S territories do sudoeste da Patagonia, tomandoposse delles Ila devida f6rma, devendo breve-mente ser expedidas as respectivas communi-cacoes as outras nacoes. ,

    Ora, se 0 diabo se metter de permeio, bernpode isto dar uma segunda edicao das Caro-linas. (Gczeta de N otic las, de 18 de setembro de1886). 'Era na phase aguda do furor de Bismarckatraz de colonias.: ,Tinha posta a mao nas llhas Carolinas, aban-donadas depois de uma barulheira diabolica doshespanhoes, ren un ci-a, porem, so feita apos

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    POUCO numerosa e illusirtula, para poder desviar aemigracao allema da sua nacionalidade, ao mesmotempo que 0 elemento allernao [a tem adquirido ahiuma poderosa situacao. De facto, os 250:000 allemaesque actualmente residem nas provincias rneridionaesdo Brasil, conservaram-se ate tioie. auemaes, con:'traste agradavel com os 'nossos patricios na Americado Norte, que rapidamente succumbem a ..superiori-dade' do anglo-saxonismo. ,V( t

    Continua a .dita circular do seguinte modo:No sul do Brasil encontra a prosperidade do emi-grante uma garantia no facto de alli ser temperadoe salubre 0 clima e fecundo 0 s610, de existirem ferro-vias faceis de estender e prolongar, rios navegaveis,alem d:~ que nao ha necessidade de combater os in-digenas e a proximidade do littoral facilita 0 com-mercio com 0 mundo inteiro e torna possiveis todasas tran saccoes... A Gazeta de Colonia, reproduzindo a circular,accrescenta que 0 interesse nacional do povo alle-mao exige, com urgencia, que se desvie para a Ame-rica do SuI a larga corrente da emigracao allema quevae para .a America do Norte. Ahi, com effeito, estacorrente priva 0 germanismo (Deutschtum) de massaspoderosas fortalecendo outra nacionalidade; aqui, (noBrasil) ella conquista para 0 typo allemtio novo cam- . :_ .po, . que ofterecera a mae patria importantes vanta-.gens. ... ((0 commercio e industria da nossa patria hao deauferir dahi immensos proveitos. E' preciso, portan-to, que 0 emigrante allemao encontre nas partes in-

    digitadas da America do SuI condicoes tao favoraveispara a seu estabelecimento, como as poderia ter naAmerica do Norte. Convem, pois, formar uma socie-dade financeira, que depois de minuciosas indaga-coes, Iaca em larga escala acquisicao de terras apro-priadas, etc., etc. .A provincia de Santa Catharina, prosegue 0 cor- 'respondente, e a que parece, sobretudo, chamar aattencao da Colonialverein.Fundou-se uma sociedade com 0 capital de1.000.000 de marcos (cerca de 650 contos), dividido em.

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    PROVOCA~6ES E DEBATES 1 3 5\1,000 accoesde 1.000 marcos, subscrevendo a 8ec9&0

    berlineza Ida Colonialverein uma quantia avultada.'Arite-hontem, 4 de setembro, teve logar em" Dus ..seldorf uma importante reuniao da assoeiacao, na qualIoram approvedos os planes acirna mencionados, as-: sim -eomo a norneacao de uma commissao encarregada;.de visitar 0 Brasil. .',* ,

    i Noticias como estas andam nas folhas do. : tempo esparsas as duzias.Conhecedores do risco a correr com 0 le.." vantar no mundo um enormissimo alvoroco, .seousassem tratar terras .americanas como fize-ram as costas d'Africa e deXova-Guiue, re-ceiosos dum conflicto armado com os Estados-Unidos, que teriam a seu lado provavelmente a. . Inglaterra e a Franca, deixaram 0 plano da conquista directa do sul do Brasil, mudaram de tactica, contentando-se, por emquanto, com a. f : expansaodo Deutscbtum; com a formacao dum - B rasil.' Germanico ,ou duma - Allenumha..Antartica,' que vern a ser a mesma coisa.Neste sentido, .a propaganda nosultimos:'vinte e cinco. annos tern sido duma tenacidade,como .so elles sabem empregar ! . . . . ' ., Os esforcos despendidos sao extraordinariose os resultados que vao ohtendo esplendidos,. . Se a propaganda em prol do allemanismo,-do famoso Deuischium, e Ieita com tanto calor,com tanta. intrepidez em paizes, nos quaes osallemaescontam apenas grupos de compatrio-.tas esparsos e prestes a serem assimilados, que'' , r i a o sera em regioes, como. o..Brasil, onde elles acham 0 terreno preparado por grupos compa-.ctos, que formam colonias cheias de cidades e . villas puramente germanicas?Para se comprehender 0 que e ella no

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    mundo em geral e peculiarmente no caso sin-gularissimo do Brasil, eis aqui algumas pa-lavras do Europeen, segundo a versao do J ornaldo Commercia, de 5 de agosto de,1904:- Pelo transbordamento da sua populaQao, pelaimportancia do seu commercio de alem-mar, a AIle-manha merece ser estudada nos incansaveis esforcosque emprega para, desenvolver em to do 0 Universoo que ella chama 0 Deutschtum, isto e , os interessese a fortuna allernaes, 0 exito verdadeiramente mara-vilhoso desse emprehendimento, sobretudo nos ultimosvinte unnos, p6de ser attribuido a creacao e ao func-cionamento de uma associacao que estende as suasraizes a todas as camadas da sociedade allema e alas-tra os seus-ramos. pelo mundo inteiro, a Allgemeinerdeutsct ie 'Schulverein. Nao s6mente essa associacaose encarregou de conservar entre os nacionaes esta-belecidos no estrangeiro e entre os seus filhos, oscostumes e 0 idioma allemaes, mas ainda se faz con-siderar um instrumento de cultura intellectual e daproduccao industrial allema. 'Em 1881, foram as bases da Associacao de Pro-t ccao Nacional assentadas por patriotas conhecidos,t . s como Mommsen, Gneist, Brunner, Boch e tantosutros. Em dezembro desse mesmo anno, realizou-se .m Berlim a primeira assemblea geral e logo se pro-d u A completa organisacao da associacao, que logocomecou a funccionar. 0 theatro da sua actividadein ser a terra inteira; e se ella a si mesma se prohibia:qualquer accao politica Q U religiose, em compensacao,Iazia appello a todos, homens, mulheres e creancas,p ra levantarem bern alto 0 bom renome da Allema-nh , para conservar e espalhar a sua lingua, para

    nfflrm r prudentemente, mas com tenacidade, a ex-ill ncia da produceao all em a . . _N a Allemanha, os grupos locaes, as ligas regie-naes estao sob a direccao da commissao geral de Ber-lim, presidida pelo embaixador imperial Braunsche-WiN. Todos os membros dessa commisao sao altasr -rsonagens da administracao imperial, da armada,c l s Iettras, da industria e do commercio. A associa-flo dispoe hoje de um capital ja consideravel, produ-ci de cotisacoes e de depositos excepcionaes. Alem

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    do auxilio pecuniario, os membros da associacao pres-tam-se apoio em todas as circumstancias, ainda quea maior parte s6 se conhecam de V8r os seus nomesnas listas da associacao, De todos os pontos do mundo,se trocam informacoes por meio de uma correspon-dencia muito activa, facilitada pelas agencias consu-lares do imperio, cujo primeiro dever e procurar dequalquer procedencia allema as Intormacoes que 111epossam ser uteis no estrangeiro, corretuio estas des-pestis po conta da ctuuicellaria allemti. Alern dlsso,num periodico, dos muitos que a associacao redige,Das Handebuch des Deuisc t i tums im Ausland, poe osassociados ao corrente de tudo 0 que lhes pede e deveinteressar, do ponto de vista do progresso da influen-cia allema no estrangeiro. Percorrendo esse periodico,que e 0 principal orgao do Deutschtum, encontram-sedados bem eloquentes e suggestivos acerca da expan-sao que a ambicao germanica alcancou em todos QSpontos do Globo.Doze milhoes de vassallos do imperador Guilher-me estao estabelecidos alem-mar, onze rnilhfies dosquaes habitam os EstadQs-Unidos. E' neste paiz quea missao da Associacao se torna mais ardua paramanter em espirito e de facto 0 caracter allemao nosemigrados. E', com effeito, sabido que, da segunda ge-'racao em deante, elles perdiam a nocao da sua ori-gem, se confundiam na massa da. nacao yankee.Para reagir contra esse prejuizo do Deutschium,tem a Associacao de defeza dos interesses allemaesempregado todos os meios. Belacoes pessoaes, cartas,tenaz e energica propaganda, de tudo se lancou mao e,em pouco,. foram excellentes os resultados obtidos .. Jornaes em lingua allema, casas allemas, clubsmulto praticos em que se reunem todas as commo-didades, quer para 0 habitante, querpara 0 forasteiro,associacces de sport. sociedades mundanas, de todaa natureza, emfim, teem mantido estreitamente asrelacoes entre os allemaes dos Estados-Unidos e osseus compatriotas da Europa. ..Em S. Francisco, as estatuas de Goethe e deSchiller, erigidas nos graciosos terraces que descemsobre as ondas do oceano, que egualmente banha ascostas da China e do Japao, mostram como a culturae influencia allemas tomaram na capital occidental dosEstados-Unidos urn Iugar predominante.Na America do SuI, seiscentos mil allernaes con-

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    servam religiosamente a sua nacionalidade. No Bra-sil, ha cidades quasi inteiramente ailemties e tendod. volta numerosas poooacoes que constituem verda-a eira s c olo nu is.

    Por estas palavras tem-se a vista urn quadrorapido e seguro da amplidao e da seguranca dosystema. Ve-se a tela geral e 0 ponto nella occu-pado, de modo singular, pelo nosso queridoBrasil.o Deuisch iun i pelo mundo em fora e umaaspiracao, ousada sem duvida, mas irrealisavelno sentido politico, ao que se pode suppor: no-Brasil, infelizmente, para 0 nosso ponto devista nacional, elle e uma rea lidade ...Cresce todos os dias e ha de chegar, naomuito longe, a ser ameacador.Ninguem se illuda com as blandicias e nega-tivas da diplomacia.A realidade nao sao as palavras doces dogoverno allemao, habil em contemporizar, nemas dos seus subditos de ca , esperando 0 mo-mento azado; a realidade sao os desaforos daPanther , SaD os emissarios despachados paraas colonias, quasi todos os annes, para animaros patricios, que devem crescer e proliferar, atechegar a occasiao de se fundar 0 N ovo Esuu io,na phrase de meu amigo Koseritz.Am icus P la to, sed -mag is am ica Veriia s, si-licei, Patria ! .Dando conta dos progr,essos do germanismono suI brasileiro - 0 citado Europeen, de 21 dejaneiro do anno de 1905, inseriu artigo, do qualconvern citar algumas palavras, segundo a tra-duccao do Jorna l do Commercio, de 18 de fe-vereiro do alludido anno:

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    PROVOCA~6ES E DEBATES 139OS escriptores coloniaes de alem-Rheno procuramdespertar 0 interesse da parte illustrada do publico edo governo em favor do grande numero de allenuiesresuietues no sul do Brasil.Per multo tempo, born pouca uuencac so prestou

    .a essas communidades longiquas, que se considera-vam como perdidas para a mai-patria, Entretanto,Importantes colonias germanicas conseguiram for-mar-se no Brasil meridional e, differentemente de to-das, que se espalharam nos Estados-Unidos e no. Aus-tralia, - sabe-se que estas ultimas se deixam prom-ptamente assimilar: ellas teem mantido aqui, de modonotavel, a sua originalidade. As colonias ruraes con-servamo seu caracter distincto, principalmente as que .se estendem no. vertente do. Serra Geral.A lingua allema, na qual se introduziram algunstermos portuguezes, e a unica usada, e as mais dasvezes a unica comprehendida.Ella se impoz aos proprios brasileiros, e ate aospretos, que se misturam com a populacao immigrada.E' s6mente nas tres provincias (hoje deve-se di-zer nos tres Estados) do sul do Brasil: Parana, SantaCatharina e Rio Grande do Sul, que os allemaes teemfundado estabelecimentos agricolas duraveis.

    Numerosas colonias allemas espalham-se hojepelo territorio oriental da parte sul do Brasil, dede osarredores de Curityba, capital do Parana, ate Pelotas.Entre Mundo Novo e Santa Maria, ellas f6rmam, em. uma extensao de 300 kilometros, uma cadeia muitoligada. Estao, na sua maior parte, situadas sobre osdec1ives da Serra Geral, reverse oriental e meridionaldo vasto planalto, que, tendo volta do. para 0 Atlanticoa sua maier altura, se inclina, na direccao do oesteate os valles do Parana e do Uruguay.Comprehends no todo,' com 0accrescimo fornecidopelas cidades visinhas, 300' a 350 mil allemaes, dosquaes 50 mil no Parana, 100 mil em Santa Catherina,e 150 a 200 mil (estes ultimos sahidos no. maier partedo. Pomerania e do Hunsruck) no Rio Grande do SuI.Gracas a altitude multo elevada do paiz, sao fa-voraveis as condicoes climatologicas. Sao muito nu-merosas as familias; a raga conserva todo 0 seu vigor,e nao se vern em parte alguma, nem mesmo no. Alle-manha, amostras mais sas e mais authenticas.A Allemanha tern 0maior e 0 mais real interesse,0.0 mesmo tempo moral e economico, em preservar 0

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    140 PROVOCA~6ES'E DEBATESmais possivel de absorpcao essas colonias relativa-mente numerosas, que ficam impregnadas do seu es-pirito e sao fieis clientes da sua Industria. Ella quere-ria hoje Iortiflcal-as, dirigindo para ellas os elemen-tos 'que nao p6de conservar no seu proprio seio.0 govemo allemao tomou, ha alguns mezes, me-didas nesse sentido. Poderosas companhias particu-lares tambem se occupam ern organizar no sul doBrasil emprezas de colonisacao em ponte grande. 0Norddeutsche Lloyd e a Hamburg Sudamerik Linie,.de concerto corn a Associar.ao Colonial Hanseatica,adquiriu, na visinhanca de D. Francisca e de Blume-nau, urn vasto dominio de 6:500 kilometres quadra-dos, aflm de installar nelles aldeoes allemaes. Na re-giao Ilorestal do rio Uruguay, 0 Dr. Hermann Meyerfundou uma colonia nova e imp~rtante.

    Por todos estes documentos, por todas estas Icitacoes, creio que se tera comprehendido a gra-vidade do casoOieu io-brasileiro, .~' vital para 0 0 Brasil ihero-latino, e admirao autor lembrado em principio, num livrom que di cute 0 futuro das gentes latino-ameri-n innumer.as theses de omni rescibili, naotiv c encontrado duas palavras para lhe con-rar.Mister e aprofundar algum tanto a excepcao1 ) 1a. i le i r a . ' . 'vinte e cinco a trinta annos a esta parte;Ino I r 0 ensejo de despertar a attencao doshra: il iI e dos poderes publicos da nacao paras. r vi imo assumpto.I 1 va ponderar que alguns orgaos da im-p l ..Hsa I paiz nao se teem deixado ficar mudosdcnntc da: perturbacoes que nos ameacam.Nuo Ia z muito tempo, 0 Jornal do Cammer-('io, u Hi, que tern sido urn henemerito nestaq 'w~ta , pubhcou urn magistral artigo, que de-

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    PR0VDCAgOES E DEBATES 141veria ser tirado em avulso e espalhado gratispor todo 0 Brasil.Refiro-me ao artigo inserto no seu numero de6 de janeiro de 1905.\ E' uma magistral noticia critica de oito pu-blicacoes allemas relativas ao desenvolvimentodas colonias germanicas dos nossos estados me-ridionaes:I- D es D eu isch ium in Siu ibra silien undStuichili. do dr. Alfred Hettner ;II - D eu isches I( o ion isien leben im StacieSan ta C aiharina , de Hermann Leyfer ;III - D ie B esiedlunq des oeetlic iien Siu la -rnerica m it besoru lerer B erucksich iilunq desDeuischiums, do Dr. Alfred Funcke ;IV - D ie D eu ischen im Trop ichem Amerika ,do dr. Wilhelm Wintzer;V - B rasilien und seine B edeu tung [ar D eu -tsch lands H andel una Industrie, do dr. WaltherKundt ;VI - D eutsche Siedlung tiber see;' - E inA lbriss iher Gescheqi iher Gedeiheti in RioGrande do Su l, de Alfred Funcke;VII - K aisch laqe [iu: Ausuuu iderer nach .Siuibrasilien, do dr. R. Jannasch:VIII - D eutsche Ln ieressen in B rasilien , dodr. R. Krauel.E' este 0 vasto manancial de inforrnacoesque chegaram a esclarecer 0 atilado espirito doarticulista. .o debate e daquelles nos quaes nunca e de-masiado insistir e em que se deve entrar mu-.nido de todas as armas. -Em um estuclo a que devo imprimir accen-tuado espirito e destino de propaganda, seriaum erro deixar de aproveitar 0 auxilio pro-,

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    vindo de uma .auctoridade como a do J ornal doCommercio .Por isso, aqui vao as palavras que em bri-lhante synthese abrem 0 alludido artigo de 6 dejaneiro do anna passado e que traz por titulo;- Allemties no Brasil.Ao problema colonial, na Allemanha, estao liga-dos os mais altos interesses economicos; nelle, decerto modo, se radicam os destinos futuros do im-perio. E' por isso que uma grande parte da opiniao

    publica allema esta constantemente voltada para elle eque todos os assumptos que directamente ou indirecta-mente entendam com essa questao capital teem allio poder de apaixonar os espiritos.0 rapido desenvolvimento de uma populacao as-sornbrosarnente prolifica, comprimida em urn terri-torio demasiado .exiguo, gerando 0 mal estar e a pe-nuria nas massas inferiores, acossada ate os extre-mos do littoral pela pressao de necessidades cada vezmais urgentes; de outro lado, 0 pouco successo deantigas tentativas no sentido de dilatar os limitesdo imperio pela creacao de dominios coloniaes oupaizes de protectorado (Schutzgebiete), comd'Thes cha-mava Bismarck, fizeram com que cedo a Allemanhalancasse as suas vistas para 0 paiz que de todos peaffigurava 0 mais apropriado a receber, com 0 ex-cesso da sua populacao, 0 influxo da civilisacao ger-manica e realizar, atravez dos mares, -o sonho am-bicioso do prolongamento da terra allema.Essa nova patria, urn dia os allernaes pensaramtel-a encontrado nos Estados-Unidos. Durante annos,vapores sahidos de Hamburgo, Bremen e portos donorte despejaram no vasto littoral norte-americanolevas numerosas de, colonos, destinados a .derramarem s6lo yankee a semente asperrima do Deutschtume Iazel-a fructificar para gloria e proveito da patrialonginqua.Nao tardou, porem, que na Allemanha se veri-ficasse quanta eram fallazes essas esperancas,Transplantado para os Estados-Unidos, 0 allernaotornou-se em breve tao, norte-americano como 0 maislegitime dos uankees, e' 0 mais acerbo concorrente damai-patria, 0 valor da emigracao era, portanto, com-

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    PROVOCAg6ES E DEBATES 143pletamente falso; 0 vasto plano de germanisacao frus-Irara-se de maneira deploravel., Foi enuio que espiritos stujazes, viaiantes experi-mentados que tinham visitado 0 nosso paiz e admi-rado de perto riquezas e maracunas levantaram asideas da cotonisactio do Sul do Brasil onde, desde 1825,tinham indo {ixar-se os prirneiros immigrantes aue-maes.Quem diz potencia colonial, diz implicitamenteesquadra, diz forca maritima .... A Allemanha, por muito tempo reduzida com DSseus poucos guarda-costas a uma estricta defensiva,estava, e -torca convir, bern pobremente apparelhadapara a funccao coionisadora a que a impellia 0' refIuxovertiginoso da sua papulacao sempre crescente. Esteestado de coisas durou ate a data da tundacao doimperio; a Prussia e os estados maritimos allemaes, chegaram a1870 absolutamente desprovidos de navios'

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    e surprehendentes f6rmas para a sua crystallisaoaointegral e luminosa, a que 0 mundo civilis ado assistecom assombro e admiracao talvez, mas a que se mis-tura certamente um sentimento muito natural de ap-prehensao e receio. .Do que fica exposto pode-se avaliar a profundarevolucao que estes ultimos annos assignalam na rna-rinha allema. Quizemos acenar para 0 facto porque,como nenhum outre, elle nos parece accentuar a novaorientaeao politica da Allemanha e, .mais propria-mente, do kaiser, e porque a orbita da sua influencia,longe de estar de todo percorrida, ainda mal se delineano horizonte de um futuro mais ou menos remoto.No Brasil, sobretudo, esta s qu estoes seriam bern .dignas de excitar por um pouco 0 jakirismo indigenaabolorado no acsuie de uma nejasta politico, de. cam-panario, e myope absolutamente, de uma myopia i'fJ,-curavel aiem da orbita reslricta dos interesses domomento. As nossas relacoes com a Allemanha,'relacoes de ordem muito especial e que tendem ne-cessariamente a avolumar-se para 0 futuro, na o nosp6dem deixar indifferentes ao desenvolvimento inces-sante das suas Iorcas expansivas, ao espectaculo in-comparavel de sua pujanca sempre crescente. Saoiactores esses que. hao de tatalrn~nte, tarde "ou cedo,sus-prelieiuier a prudencia dos nossos estadistas.A cifra total dos colonos allemaes estabelecidosA , itualmente na zona meridional do Brasil (Parana,~ t ta Catharina e Rio Grande do SuI) p6de ser cal-'c 1 da, a falta de dados estatisticos exactos, em cerca, 3 50 .0 00 . Para alli vieram desde 1825, alli se fixa-ram em vastos territorios despovoados ou em plenoB rtno desbastaram a matta, abriram picadas, arro-t r m os campos, plantaram e edifi.caram e, a forcaI i Ib r insano, ajudados pela opulencia de um s610ub rrimo que s6 esta pedindo braces e actividade queinf Iizmenfe nao s encontram nos naturaes, em brevecr nr m nucleos florescentes, colonias importantes eP Ii 1108as, animada.s por um commercio diligente eJ I'C lu tivo, centros de bern estar e de Iartura que fa-'/, 1 0 en a n to dos que visitam aquel les Iugares.Mas no meio dessa opulencia que veio achar naI rr lh .ia 0 immigrado allemao, expellido da patriap J sp tro da fome e da rniseria, 0 auemno conser-~ov 110 pair. arloptivo a piedosa e indestructivel ttde-Ii uutc d t rra natal, aos usos 'e costumes do norte:

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    a sua lingua, as sues tradi

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    miles, pelo uzo da lingu.a, que e exclusivamente aliemnno povo e nas unicas escotas existentes, onde 0 ensinoe , ministrado em tulemtio, por proiessores auemaes,rnandados vir da Europa d custa dos colonos ou sub-vencionados pelo governo imperial. Em taes condi-coes, nao seria de admirar que a absorpcao pelo ele-mento nacional fosse aqui urn facto quasi material-mente impossivel, e que essa populacao de 350.000almas, que dia a dia, vae crescendo e multiplicando-sepela constituicao de familias ou pela acquisicao denovos elementos vindos do estrangeiro, se de um ladoesta geographicamen te mais perto de n6s, permane-cesse, comtudo, intransigentemente alheiada de n6spor aUinidades de raca, costumes, tradi90es e tetuien-cias, e constiiuisse no nosso proprio meio um elementoantes hostil, e, por ventura, capaz' de attirmar, emuma opportunidade mais ou menos remota, essa con-nexao eUectiva com a mae patria.Sobre essas vistas geraes parecern estar de ac-cordo todos os autores dos mencionados escriptos.

    De posse das premissas, estabelecidas ellascom toda a seguranca, poderei agora desen-volver a minha argumentacao e tirar as conse-quencias.

    III

    Conhecida a necessidade que sentem os alle-maes de emigrar, dada a noticia de suas dolo-nias politicos e de suas colonies eommerciaes,estabelecida a pertinacia da propaganda do alle-manismo ate entre as nacoes soberanas, deter-minado 0 caso singular de sua situacao nJo suido Brasil, resta considerar as consequenciasfuturas que d'ahi p6dem advir it nossa patria.Antes de tudo, importa considerar 9 e s t a f . f J Q

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    PROVOCAVOES E DEBATES 147de ' espir iio das gentes das colonias situadas emnosso paiz.Esse espirito nos e adverso.Ao passo que nos Estados-Unidos, - segun-do injorma J. Stoecklin. - in est d'autant plusdifficile de reconnaitre les citoyens americainsd'origine allemande que la plupart d' entre euxont horde de leur oriqine et ont anglicise' leurnom: les Zimmermann sont devenus des Car-penter, les Braun des Brown, les Lowenstein- des Lioinstone, etc.; ao passo que nos Esta-dos-Unidos os allemaes e seus descendentes sedeixam attrahir gostosamente pela sociedadeanglo-saxonia, no Brasil Iazem vida a parte enos aborrecem evidentemente.As provas do facto sao innumeraveis, evi-dentes e de todos conhecidas.o aferro que mostram por sua linguagem etradicoes, que nao trocam pelas nossas, ~ umadellas e da maior importancia. .Se nos estimassem, e claro, deixar-se-iamassimilar no meio de nossas populacoes.o desprezo que ostentam por nossa vida pu-blica, da qual nao participam de proposito, eoutra prova irrefragavel.A abstinencia e tao completa que chega aparecer materialmente impossivel.E' assim que se podem ferir, e se teem feridode facto, a seu lado, em torno de suas terras,as mais intensas luctas entre as populaceos 'bra-sileiras, sem que elles deem 0 mais leve signalde vida.Importam-lhes menos do que lhes importoua guerra entre a China e 0 Japao.Assistem impassiveis, e com secreto gaudio,

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    tl di ensoes politicas dos rio-grandenses, dos :h bitante de Santa Catharina e Parana .. -1 ' como se Iossem contendas de estrangei-r , de tribus africanas. .Prova evidentissima de que na o se interes- .- am por nosso viver, nem fazem caso das aspi-racoes das gentes entre as quaes se vieram col-]0 ar.

    . Este signal tern todo pezo para quem sabeo valor dos phenomenes sociaes, como forcaimpulsora da accao politica, e 0 valor do estado -d' lm a das populacoes, como Iorca determi-nante do estado social.Existem, em cerca de 380.00'0 pessoas deri gem germanica, residentes no Brasil, seis ouito que para confirmar a regra da abstencaodeus patricios em tudo que e puramente bra-il iro, se m ettern na s luctas partidarias locaes.n o raros mocos, filhos das cidades, ordi-nariamente nascidos dos rarissimos consorciosd allemnes com brasileiras, desviados em partedo. pensar g~nuinament~ ge.rm~n_ico, que se1 am attrahir por ambicao politica. E' exce-p e a ingular, que nada vale.ua aversao, seu desprezo por tudo que ehr il iro, menos a terra que chamam sua, e

    nttc ta do pelos poueos naeionaes que ousamviv r no meio delles nas colonias compac ta s ,mecam os nossos por ter vergonha der liar a nossa lingua, por serem chasqueadosquando 0 fazem. 1 1 s e que teem de aprender a lingua es-t . Irang Ira ....Ne sas colonias, os aotos officiaes, os pro-judiciaries, .os despachos dos juizes, os

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    PROVOCA~6ES E DEBATES 149editaes das camaras, tudo, tudo e em linguaallema,Se algum juiz, se algum promotor publicotenia reagir, e posto habilmente para f6ra.Digo liabilmenie, porque, a calma, a fleugmaallema, esperando .0 dia do N ouo-E siado, sabeagir com urn tino, com uma prudencia admi-ravel.Mas para que gastar tinta em provar cousade todos sabida, cousa que fingem apenas igno-rar o~ nossos desbriados e infamissimos go-vernos, que tanto teem de ineptos quanto decovardes l .Os proprios allemaes, quer viajantes, quercolonos, .0 confessam corn a maior sem-cerirno-nia e evidente prazer.Tenho aqui duas provas a mao; uma dellase de viajante e a outra de sujeito que vivia emPorto-Alegre, e, alli mesmo, numa cidade que, e a capital do, Estado, e ainda e em, grande partebrasileira, nao trepidava em revelar cruamenteo pensar de seus patricios a nosso respeito.Eis aqui 0 depoimento do snr. AlfredoFuncke:

    ...Como representantes do povo brasileiro, 0 co-lona allernao s6 conhece 0 habitante da serra propria.-mente dito, indigen te e ignoran te, e 0 funccionariopublico. 0 serrano hostil a. todo trabalho regular, con-demnado a eterna penuria, sem te nem proouuu ie nasretacoe commerciaes e no tra to, alem disso nao rarooriundo de sangue negro ou mestico de indio, vivendovida de mancebia, en treque a toaos os desregramentosdos sen tu ios, nao podia servir 80 lavrador allemaode exemplo digno de ser imitado.Quanto ao funccionario publico brasileiro, que-nao v~ no emprego senno U7n meio de passar commo-damen te a vida , gera lmen te suscep tioel de suborno eou tras in iluenc ia s congeneres, que idma is cumpre 0 '

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    150 PROVOCAgOES E DEBATESseu dever iumrtuuimente nem ponuuilmente, 0 seuexemplo provoca necessariamente a comparacao comos seus collegas allemaes, Semelhante cotejo era denatureza a, infundir no animo do colona 0 desprezopelo brasileiro culto. A tudo isto vinham juntar-seexperiencias pessoaes nas relacoes com as autori-dades e especialmente com a magistratura, relacoesem que 0 colono auemao sahia preiudicaao e ludi-oruuio.A observacao de que tambem os brasileiros abas-tados iam decahindo progressivamente devido a umaeconomia desordenada, alern disso os casos de paren-tes empobrecidos cahirem com a menor sem-ceremonianas costas de outros e muito frequentemente os aju-darem a devorar minguados haveres, nao podiam demodo algum attrahir para 0 natural do paiz a sym-pathia do camponez allemao, sempre tao economicoe poupado.

    Nao se p6de ser mais rudemente franco; 56a mais ossificada estupidez, ou 0 mais revoltantecynismo O podera negar. ' .86 0 proprIo Alfredo Funcke poderia serainda mais franco e foi nas seguintes linhas, emque se ref.ere a proiecctio que 0 governo allemaodeve aos seus subditos do Brasil:

    Essa proteccao naturalmente so p6de tervalorpara 0 allemao emigrado se a Iorca do Imperio estiversufficientemente representada pelo pavilhao de guerra.O s americanos do sul soiirem todos de exaggeradapresumpctio e so respeitam os direitos do estrangeirosegundo 0 que a amistosa isita de vasos de querraproximo') ines reiresca na memoria; com ireqiiencui 'signilicativa, a certeza de urn cesiorco assustador emcaso de attenuuio.

    Estas gentilezas de Funcke occorrern no ci-t ado artigo do J orna i do Commercia . de 6 dejaneiro do .anno passado. ,. Mais insultosa no proposito de nos injuriare a poesia do professor allemao, de Porto-Ale-'

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    gre, 0 snr. dr. Frankenberg, lente da EscolaNormal, que assim nos pagava 0 born emprego1 que desfructava.. 'E' urn H ym no naciona l bra sileiro, no sentirdesse poeta allemao.E' ..documento vinte annos atraz, prova deque, se a 'propaganda para nos invadir e antiga,nao 0 e menos a tendencia para nos menos-prezar. .E' da Gozeta de N oiicias, de 15 de setembrode 1886, na qua] se le:

    No Deutsche Post, jornal que se publica em Porto-Alegre, sob a direccao do Dr. Frankenberg, lente dat Escola Normal, apparecerarrr uns versos em' f6rmade hymno, que' toram tornados corno ridicularisandoo Brasil e o nosso exercito.A Beiorma deu a traduccao desses versos, que e.a seguinte:

    HYMNO NACIONAL BRASILEIR.O, Tens feijao preto e milho, tens xarque e toucinhoem abundancia, tens as mais grossas batatas; _. Bra-sil, que queres ter mais '/ ,Tens quantidade de vinho nacional, fabric as decerveja e Iicores Christoffel, Rapp, Becer e Campani;..; Brasil, que queres ter mais?, Quao bons seriam os caminhos, comtanto quena o chovesse, e no emtanto sao pantanos e buracos;'- Brasil, que queres ter mais ? .. Como formigam os bandalhos e Iadroes, isso .eha-mamos em -allernao - militares, esses devem defendera patria; - Brasil que queres ter mais? ., Os pequenos garotos sao presos, os grandes vi-vem as soltas e mesmo teem titulos pomposos; - Bra-sil, que queres terrnais? .Tens tres partidos, 6 miserial esses amarguram-tea . vida, 'tens mesmo .0 Martim de prata; - Brasil, quequeres ter mais? . .

    A E dividas, e dividas, e dividas, sugam-te os cofresde um todo, e estas dirigido para 0 abysmo; - Brasil,que queres ter mais ? - Anastasius Btau: .

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    . Conhecida e vulgarizada pela cidade esta tradu-ccao, 0 povo indignou-se e reuniu-se em meeting, paraprotestar contra 0 ultrags e pedir a punicao do seuautor, ou, pelo menos, do director da folba que in-serlra. .. A' vistada attitude do. publico porto-alegrense, apresideneia da provincia demittiu, 'a bern do servicepublico, 0 Dr. Frankenberg, do cargo de lente da Es-cola Normal. .A' empreza do jornal allemao, por sua vez, e comoprotesto a O I seu procedimento, demittiu do cargo deredactor-chefe da referida folba, 0 Sr. Frankenberg.A' vista dessas plenas satisfacoes, serenaram osespiritos. .

    Houve em 1886 este pequeno alvoroto quetrouxe a demissao de Frankenberg. ..Tudo, porern, cahiu logo nausual modorra ; .a nossa incuria continuou a dormir; .0 a llema ..nismo social e politico proseguiu na sua mar-cha ovante.Hoje, nern talvez Iosse demittido da EscolaNormal o lente que escrevesse ou consentisse,m sua folha, 0 tal H y mno naciotial bras ile iro ...o Deuischium tern progredido tanto que, aomenor abalo, surgem por ca seus enviados ex -lraordinarios, que teem recepcoes principescas,como se Ioram chefes de Estado... .' .E' incrivel; chega-se ate a se Ihes manifestar

    -0 desejo de que seus patricios Iacam cada vezmais uzo exclusivo da . l inqua allema.Parecc urn sonho.Mas e triste realidade ...Ainda ha menos de dois annos, t ivemosexemplos em Porto-Alegre.Le-se no Jortia l do Commercio, de 14 de,julho de 1904: . . . ..Porto-Alegre, 13 de julho. - FOI hoje re-cebido pelo presidente Borges de Medeiros e

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    - pelas auctoridades estadoaes 0 dr. Jannasch, quese hospedou na Pensao Schmidt, oruie 0 governolhe mandou reseroar aposentosw.Este Jannasch e um dos taes que influemnas Associa90es de Emiqracao, em Berlim ; tern< as vistas voltadas para 0 Brasil, onde aportade vez em quando.Sempre que se 'levanta alguma poeira nosjornaes, sempre que se allude ao periqo alle-mao; elle toma 0 paquete em Hamburgo e saltaem Porto-Alegre.-Vern encarregado de fazer discursos, paraapaziguar .os b ra siieiro s ...E' missao por elle cumprida habilmente.E' hom orador e conhece de c6r os logarescommuns amados pelos nossos patricios: grater-nidade dos homens, patria . u nivers al, proqressode todos, paz qerol, chimera do p eriqo a liem do,iru ieniado pelos anqlo-americanos, que nos que-rem conquisiar ...De tudo isto Janca mao 0 intrepido homern;e '0 mais curioso e que os brasileiros se deixamconvencer.A sua vinda de ha dois annes Ioi motivadapor certos alarmes, apparecidos em Iolhas arne-ricanas e inglezas, acerca da crescente influen-cia dos grupos autonomos dos germanicos emterras do sul do Brasil.Jannasch partiu sem demora ..Chegou, fallou, aconselhou aos seus pa iri-cios que tuio [oseem nativistas, que. nao iossemexclusivi.slas con-tra os brasileiros: mas que..nessa meia uniao com os nossos patricios, naoesquecessem suas tradicoes, sua; lingua e ate asua mUSlca ...

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    . Isto Ii eu nos jornaes do tempo, que sintonao tel' agora a vista. .Era 0 carro adeante dos bois, prova da con-.sciencia da Iorca de que j a dispoem em nossasterras: em vez de pedir aos hrasileiros que naouzassem de naiinismo para CDm os allemaes,aconselhava a estes que nao 0 empregassemcontra nos.. IStD pinta a situacao.Era tambem contraproducente e manhoso ;porque, ao passo que batia 0 exclusivismo, ex-hortava sua gente a tuio deixar a sua lingua , asua liiiera iura e ate a sua musica, coisas.da pai-xao caracteristica do allernanismo. .Telegrammas vi, passados para ca entre 0citado de 13 de julho e 0 que se vae seguir de18, que davam conta da recommendacao acercada liiiera iura e da musica . 1Nao os tenho a vista; mas aqui vae urn de18 de julho do dito anno, de 1904, pelo qualse conhece nitidarnente 0 conteudo dos discur-sos de Jannasch, nao s6 pelo que delles secontem no alludido despacho, como. pela res-posta do presidente do Rio Grande, em- que de-clara. tu io p edir aDS allemaes que renunciem assuas tradir;oes, a sua lingua ...1 Depois cl'isto escripto, obtive 0 resume do Ia-moso discurso de Jannasch. Disse elle entao:Os allernaes nao devem esquecer as tradicoes quenos flcaram de Leipzig e de Waterloo, de 1813 e 1814,as tradicoes que nos legaram os grandes vultos queIoram Lessing, Grethe, Kant e Humboldt, as tradi-c o e s do tieroismo, da linquti, da litteraiura e da mu-sica aitemn. Essas devem elles conservar e cultivarcomo os seus bens valiosos e mais cares, pois eliasse tornaram a nossa religiao.

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    E' incrivel.Eis aqui:Porto-Alegre, 18 de julho. - As sociedadesallemaes aqui existentes offereceram hontem, urns grande festa ao sabio dr. Jannasch. ,Estiveram presentes 0 dr. Borges de Medei-ros, presidente do Estado, e diversas outrasI, auctoridades federaes e estadoaes.0 dr. Jannasch pronunciou u r n ' brilhante dis-

    curso rio qual aconselhou . os seus pairicios a seunirem aos brosileiros e especia lmenie aos .rio-qrandenses, condemnaruio aberiamenie 0, pre-coticeiio naiin isia e 0 exc lusioismo que separaos racas e sepa .ra os homens, quando a verdadeI e que a cioilisacao modertu i procura reunil-ospelo 'desenvolvimento commercial, artistico,, scientifico e maritimo. 0 orador, proseguindona mesma ordem de consideracoes, aiacoii com, oibratiie energ ia a . decaniada ch imera . do pe-riqo allemao,0 dr. Borges' de Medeiros, num improvisohastante feliz e cheio de conceitos patrioticos,I disse tambem tuio ier receios dessa: u top ia queanda fluctuan te em alguns esp iriios tim idos e, eioados de preoonceiios.Continuando, 0 presidente do Estado decla-rou nao 'pedir aos a llemaes que renunciem asua pairia ; as suas tradicoes e a Su a lin gu a; pelocontrario, . e que honrem a terra de origem, por-que assim honrarao -tambem .0 Rio Grande.Terminou saudando a confraternidade dos

    I ?ois elemento~, germanicc e hrasileiro, sob 0~influxo da amisade reciproca. 'Deveria ser mui de notar 0 sorriso sardo-nico do Teutao, illudindo esses pobres Brasis ...Evidentemente, 0 sr. Borges .de Medeiros

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    nao avalia a' importancia da palriC!-~' das tradi-coes e da lingua na vida dos homens, " .Do contrario, .nao chegaria a pensar quepudesse alguem possuil-as por partidas dobra-das: da AIlemanha e, ao mesmo tempo, doBrasil.Entretanto, desde que - 9 rnundo e mundo, ahistoria e .a experiencia teem sido incansaveisem desmentir 0 erro do presidente do RioGrande do SuI e de todos os que, pOI' falta dopreciso criterio, ou por velhacaria; laboram emtao nociva illusao.As tradicoes e a lingua teem tal importanciaque acabam sempre 'por veneer e fazer as na-~6es a seu gosto e a seu geito. '.Pode a politica, nas suas combinacoes naoraro insensatas, separar gentes da .mesma es-tirpe, da mesma lingua e das mesmas tradi-Goes, como na Italia e na Allemanha ate 0 ulti-mo quartel do seculo passado. E' deb alde; maiscedo ou mais tarde essas gentes se attrahem ese unificam.Pode a mesma politica, nos seus tresloucados calculos, jungir povos diversos sob 0 mes-mo jugo, debaixo da mesma oppressao, comona Turquia.E' inutil: mais cedo ou mais tarde os ele-mentos diversos se desaggregam e cada urn,procura o seu natural centro de gravidade.

    Assim foi alli: romaicos para urn lado, gre-gos para outro, bulgaros para outro, serviospara outro.E' regra que nunca ha de falhar.Dest'arte, 0 erro gravissimo, 0 erro inexpia-vel dos governos brasileiros, 0 erro que nosha de trazer. a perda das bellissimas regioes do

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    suI, foi haver-se consentido na formacao lenta,nor oitenta dilatados annos, de fortes gruposde populacao que ficou irreductivelmente ger-manica, sem a .menor fusao com as popula-~6es brasileiras.E' 0 erro irreparavel.Na o ha sophismas que possam illudir aquem enxerga dois dedos adeante de si.Existem duasespecies _de individuos queteem interesse em fazer acreditar. no contrario :os proprios allemaes e seus. descendentes, ecertos politiqueiros brasileiros que precisam denao desagradar aos colonos de Santa Catha-rina, Parana e Rio-Grande.o resto do Brasil pensa de modo de tododiverso. .Mas, dizia eu, para se aquilatar da verda-. deira situacao das coisas no suI, mister e apre-ciar 0 esia do p syc hic o dos ieulos com relacaoaos brasileiros,J a fiz ver alguma coisa de singular nestesentido. Existe, porem, outro criterio.vorigi-nado daquelle, que, sendo delle effeito, indica :de modo claro e inilludivel:o estado de adean-tada divergencia em que andam os dois povos,. que acabarao de todo separados: reflro-me a si-luacao social de ambos ..Este signal e infallivel. .

    86 existem hoje alguns ignorantes, cujo votonao tern nem p6de ter o menor pezo, para acre-ditarem no valor da political, das relacoes a quese costuma dar este nome, independentementedas condicoes sociaes. Toda a gente sabe queo estado social e que represents a substancia,o amago, a verdadeira estructura, Q exactovalor de urn povo qualquer.

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    158 PROVOCA~6ES E DEBATESA politica nao faz mais do que andar atrazda sociedade, de suas aspiracoes, de seu cara-cter, de seu grau de cultura, de suas necessi-dades, de suas tendencias, para a s ir definindoe dan do satisiacao naquillo que e de sua corn-petencia.Quando a politica chega, a tendencia sociaLtern surgido e se tern avolumado ha rnuito tempo.Negal-o - e ser indigno da menor attencao de,

    gente que pensa.Ora, os allemaes do Brasil sao, socialmenie,completamente distinctos e independentes dosnacionaes. Teem outra lingua, outra religiao,outros costumes, outros habitos, outras tradi-Goes, outros anheIos, outros generos e systemasde trabalho, outros ideaes.. E' absolutamente innegavel.Logo, estao presos a nos somente pelo laco .do ie rr iio rio ; porque mesmo de urn la co p olitic oeUec'livo nao se p6de Iallar, desde que se sabeque elles nao tomam a minima parte em nossavida por esse lado. Mas, em nosso territoriomesmo, as colonias constituem verdadeiras so-lucoes de coniinuidade entre as populacoes na-cionaes. _.'

    Sao como ilhas, ou oasis no meio do quecostumam chamar 0 deserto brasileiro. ,Faltam-lhes, para de todo se separarem denos, formando um Esiado a parte, duas condi-Qoes apenas: uma populacao maior, e que essapopulacao se espalhe a ponto de ligar entre si,mais ou menos intensamente, os diversos nu-cleos coloniaes dos tres Estados meridionaes.Nem sera talvez preciso que se. liguem osnucleos do Parana aos demais. Logo que osde Santa Catharina tiverem; por .assim dizer,

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    arredondado terras com os do Rio-Grande, eisto nao esta longe de acontecer, 0brado desepara~ao sera dado.E' ate possivel que seja dado 56 pelos do.Rio-Grande; logo que todo 0. planalto, todd areg i{fJ> serrana , esteja assaz povoada por eIles,t: . I desde as montanhas que dividem aquelle Estado.~ em duas zonas, a do norte e a do suI, ate ao['curso do rio Uruguay,' que 0. separa daArgen-

    tina e de Santa Catharina.Pouco depois os desta, crescidos tambem- .em numero, se unirao aos seus patricios e pa-. rentes .allemaes do Hie-Grande. Para. tanto,I basta que a populacao germanica dos dois Esta-dos attinja a uma cifra respeitavel - de 800 :000,ou 1:000.000 de habitantes .. Nao e tudo.A separacao nao se Iez ja, com 0. auxilio e.sob 0 proieciorado da Allemanha, por causa dasperturbacoes que isto acarretaria deante da pre-vidente doulrina de Monroe, Ireio unico que con-tern 0. imperio, conforme os proprios allemaesconfessam, e mostrarei linhas abaixo ,Nao fora isso, eQ governo imperial teria.ia feito '9 que praticou em Zanzibar. .Existe, porem, outro motive que tern ohs-tadoessa terrivel crise de separacao, que terade ser dada em. nosso Brasil: e que os nossosieuios nao desejam fazer parte do imperio, comocolon ia , . como dependencia poliiica; aspiram aformacao de urn novo Estado, um Estado sobe-.rano, independente, como era 0. Transwaal,:.' como sao os Estados-Unidos e hao de ser ._Canada e a Australasia. Quando se 'sentiremfortes, pelo numero e p~ela.riqueza, . para- nos

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    afrontar, darao 0 signal de se constituirem po-liticamente a parte .. 0 governo brasileiro ha de sahir a campopara c on tel-o s: tra v a r-se-a lucta; a Allemanha,entao, intervira coni forcas militares, porquenao ha de consen iir que ollemaes seiam iruc i-dados no B rasil, conforme a cantiga de sempre.Nessa conjunctura, acceitarao os teutos, siet in quantum, 0 protectorado moral da Allema-nha - e nao 0 politico, porque este 0 imperionao lh '0 p6de dar, visto como nao pode ter novascolonias na America. Mas bastar-lhes-a esseprotectorado moral para facilitar 0 seu reconhe-.cimento como E su ulo iru iep en den ie. Quando,pois, os optimistas, crendeiros no _valor inven-civel do Brasil, berram que na o ha perigo de. paracao das colonias germanicas, porque 0imperio nao sonha nem p6de sonhar com con-quistas na America" I azem apenas um sophisma,Ninguem disse jamais que os allemaes man-dariam ca suas esquadras para nos conquista-rem as terras do suI.A Allemanha nao e estupida, nem ingenua;ella deixa as coisas seguirem seu curso normal;espera que 0 I ructo ca ia de maduro.Pois node la nunca a Allemanha, que contacom a prolificidade de sua gente, com 0 vigorde seus filhos e com a habilidade delles, a d-mittir que um, ou dois, ou tres milhoes de ger-manicos, collocados nos nossos Estados do suI,se deixem governar, dirigir, pelos m ulw~os (ecomo elles nos chamam a todos) do Brasil?E' mister nao saber nada de Allemariha eallemaes para acredital-o ..0 Deuischiutn do Brasil lara da se; 0 daEuropa tern confianca e espera.

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    PROVOCAVOES E DEBATES 161, ,A evolucao desta desgracada questao, des-curadissima pela inercia brasileira, e a seguinte:1.0 periodo de immigracao por mera necessi-dade, de 1825 a 1~70; 2,.0 periodo de formacaoconsciente de u r n grupo ethnico a parte, capaz.de ter por si mestno largos' destinos, periodoem, que teem procurado os direct-ores d o s gru-". pos coloniaes flrmal-os cada vez mais ao s610com a agriculture, e VaG procurando apoderar-se, nas respectivas zonas, das melhores indus-trias, da navegacao, do commercio bancario,das forcas" economicas, em summa, de 1870 ateagora; 0 3.0 periodo sera 0 do futuro proximoem .que procurarao crescer e prosperarde maisem mais, Q que, quando' a populacao for nu-.merosa e a riqueza grande; o.s levara esponta-nea e natural mente a' se constituirem em- corpode nacao , como Esiado soberano .

    A proteccao allema europeasera mero auxi-liar de segunda ordem.. .Que tern 0Brazil a Iazer para. impedir essadesastrada solucao do. Deuischium que nosameaca no .sul ? .. ,E: 0 que resta indicar., Emquanto as colonias nao crescem dema-siado, a ponto de se tornarem perigosas, haal.~uma coisa a tentar. -As afflrmacoes que fazem de fidelidade aoBrasil sao' para nos enganar e para o norte-americano ver.Se < a empreza Iosse coisa a ser Ieita directa-mente pela Allemanha, repito, ja ella 0 teria ten-tado: mas como nao e , p'0rque .nem ella 0 pode,por causa do monroismo, nem os allemaes .d ee n teem fortes desejos de se collocar na durasujeicao do' imperio, espera ..se a' solucao do

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    . tempo, trazida com o augmento da populacao,do territorio e da riqueza. . .o imperio, porem, nao suspeita claramenteque a aspiracao de independencia dos ieuiosnao se estende s6 para- com 0 Brasil e que 0 en-volve tambem a elle.P.or isso, nao perde nunca a esperance deempolgar aquellas terras por 'um arranjo qual-quer, possivel no decorrer dos tempos.Nessa esperance, busca todos os meios ima-ginaveis de illudir, de sophismar a doutrinade Monroe, contra a qual faz propaganda entre ,as proprias nacoes do continente, as quaes fazacreditar que a phrase a America e dos ameri-can os _ . quer dizer: delies - americanos do nor-te, dos lilhos dos Esiados-U nidos. .Pintam ~ estes, umas vezes, CDmD conquista-dores que nos virao suhjugar ; proclamam queo monroismo equioale a uma t!- l te:lla hum iliumiee outras sophisticarias do genero.Becorrem, outras vez.es, a proposta de har- .monia para engolirem de accordo a preza latino-americana.Neste sentido, sao dignas de aturada leituraas palavras do sr. dr. Walter Kundt, autor "de -'0Brasil', sua imporlanc ia para 0 commer-cio e a industria l allettuies, conforme'a ja allu-dida traduccao do Iortuu do Commercio de quepeco venia para transcrever ainda urn trechocarecteristico:

    . Quante a doutrina de Monroe, tenho para mimque ella se baseia 'em consideracoes obsoletas, e aindano correr do seculo tera de ceder 0 passo a outra poIitica externa dos Estados-Unidos.. A doutrina de Monroe parte do principio de queos povos da America se tinham libertado do juga e t a .

  • 5/8/2018 O Alemanismo No Sul Do Brasil - Silvio Romero

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    PROVOCA~6ES E DEBATES 163dominacao ingleza, hespanhola e portugueza, e quea esses povos livres cumpria agora defenderem-secollectivamente contra. os appetites conquistadooresdas nacoes europeas .. Mas esta classificacao dos po-vos em !ivres e nao livres, em republics nos e monar-chicos, parece-nos hoje muito inhabitual e desneces-saria . ..Boje, que 0 centro de gravidade de toda a 'po-litica esta no terreno economico, outre e 0 criteriopara pro ceder a classiflcacao dos povos. Ha, em pri-. meiro logar, povos que,' por sua actividade e intelli-.gencia, se collocaram na altura de resolver os proble-mas economicos que 0 seu paiz suscita, e neste nu-_mero estao incluidos quasi todos os povos .do conti-:. nente europeu: ha, em segundo logar, povos mcapazesde aproveitar os dotes que lhes couberam ern parte,que por indolencia ou por outros motives deixam .meisou menos improductivos os thesouros naturaes que.lhes offerece 0 seu paiz, e a essa categoria :perfencem,na Europa, Portugal e a Hespanha e os paizes balkti-nlcos, e. na America, a totalidade dos povos, com ex-eepcao dos de lingua ingleza. E, ha, em terceiro lugar ~povos a quem 0 territorio n ac ion al ria o otierece c am posu ttic ien te para a sa tis/ar;elO da sua ac tividade equeestao chamados a rea lizar, nos poises da u ltima~'dasca tegorias supraciuu ias, aquillo que os habitantesdesses poises n tto qu izeram ou . n lto puderam [aser .. ,Povos taes nao ha senao tres: sao os mais pode-rosos representantes da raca germanica, os allemaes,os inglezes e os norte-americanos. Esses estao ctu i ..m iu ios a recolher a heranr;a do decadente mundo la t.inoe teem todo 0 in teresse' em conceriarem-se sobre :0rrielhor processo de divid'irem en tre si a tare/a . " .Ainda ho]e, .os povos hispano-lusitanos dominamjim territorio que .e 'mator que '0 immenso imperiomoscovita e so muito pouco inferior em tamanho aoimperio britannico. A quem virao, urn dia, a tocaresses paizes, ninguem 0 sabe: mas 0 que e certo equ 'elles nao p6dem con tinuar nas mnos do nuus mesqu i-tu io e inepto ramo da roco. la tina . Em futuro proxi-mo, esses paizes vao provavelmenic .represenlar 0.mesmo papel que a Turquia ea. China, cuja subsis-tencia se tern side tomada possivel, e so "exclusiva-mente devido '8 , rivalidade das potencias. ' , ,c.

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