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O CASO JULGADO INCONSTITUCIONAL
Carlos Henrique Soares1
SUMRIO: Resumo 1 Introduo 2 Ensaio sobre o Caso Julgado Inconstitucional de Paulo Otero 3 Direito Processual Constitucional e Direito Constitucional Processual 4 Deciso Judicial no Paradigma Democrtico 5 Justia nas decises judiciais 6 Segurana Jurdica 7 Concluso 8 Referncias
RESUMO
Anlise crtica da obra do professor Paulo Otero, buscando superar o positivismo
jurdico. Caso julgado constitucional s se formar quando houver a instrumentalizao
de um espao discursivo-processual em que os interessados na deciso judicial se
reconheam como tambm os autores dessa deciso.
1 Introduo
O presente trabalho pretende analisar criticamente a obra do professor Paulo
Otero, intitulada, Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional. Tal anlise far-se-
em contornos ps-positivistas, utilizando como marco terico a obra Direito e
Democracia de Jrgen Habermas.
Para superarmos as proposies apresentadas por Paulo Otero e que nos
remetem ao paradigma de Estado Social, propomos uma nova abordagem sobre o
processo, com os conceitos apresentados por Elio Fazzalari, e sua teoria do processo
como procedimento em contraditrio. Bem como buscaremos ressemantizar os
conceitos de justia, verdade, segurana jurdica e principalmente do caso julgado numa
perspectiva democrtica, indicando que a questo da inconstitucionalidade do caso
julgado possui estreitos laos com a questo da legitimidade das decises.
1 Doutorando em Direito Processual pela Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais, financiado pela CAPES e realizando estagio-doutoramento na Universidade Nova de Lisboa sob a orientao do Professor Doutor Jorge Bacelar Gouveia e do Professor da PUCMinas Doutor Jos Marcos Rodrigues Vieira.
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2 Ensaio sobre o Caso Julgado Inconstitucional de Paulo Otero2
O plano da obra do Professor Paulo Otero se divide em 6 (seis) pargrafos, os
quais podemos citar: (primeiro pargrafo) Controlo dos actos do poder pblico,
(segundo pargrafo) Caso julgado como deciso do poder pblico; (terceiro
pargrafo) Caso julgado e ilegalidade da deciso judicial; (quarto pargrafo)
Inconstitucionalidade do caso julgado; (quinto pargrafo) Caso julgado
inconstitucional e vinculao dos tribunais: imodificabilidade e obrigatoriedade das
decises inconstitucionais?; (sexto pargrafo) Caso julgado inconstitucional e
vinculao das entidades pblicas e privadas: obrigatoriedade e prevalncia das decises
inconstitucionais?
Em sntese, apresentaremos as idias principais desenvolvidas pelo autor em seu
Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional.
No primeiro captulo do Ensaio, apresentado anlise histria do controle dos
atos pblicos, introduzindo a noo do princpio da legalidade, da constitucionalidade e
judicidade.
Afirma o autor que
no perodo anterior revoluo liberal, existe a convico generalizada da ausncia de quaisquer mecanismos de controlo do poder pblico. Todavia, durante o Estado pr-liberal, mesmo em plena fase de concentrao de poderes no monarca, ao contrrio de tudo quanto se possa pensar, a cessao de vigncia dos actos do poder pblico no se operava apenas pela revogao, caducidade ou desuso, antes existiam mecanismos especficos de controlo da validade de certos actos jurdicos-pblicos ou, mais genericamente, de alguns aspectos da actividade do poder pblico3
No existia no perodo pr-liberal a noo de hierarquia normativa entre os atos
do poder pblico. Esta noo surge somente aps o trmino da Revoluo Francesa,
quando se inaugura o perodo liberal e ganha fora o princpio da legalidade em que os
atos do poder pblico esto vinculados lei.
O princpio da legalidade possui como funo a limitao do poder estatal. Tal
garantia aparece como fator de estruturao da atividade administrativa, bem como de
elemento garantstico dos particulares. A Administrao Pblica s poderia praticar atos
em conformidade com a lei, pois em caso contrrio, seriam invalidados.
2 Ttulo da obra do Professor Paulo Otero. Professor Catedrtico da Faculdade de Direito de Lisboa. 3 OTERO, Paulo. Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional. Lisboa: Lex Edies Jurdicas, 1993. p. 13.
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Ressalta Paulo Otero que
o Estado liberal trouxe consigo uma nova concepo de controlo do poder poltico, sujeitando os actos administrativos a diferentes processos de fiscalizao de sua legalidade independentemente do respectivo autor. Em simultneo, o princpio da legalidade passou a assumir intuitos legitimadores da aco administrativa, desempenhando ainda uma funo garantstica das posies jurdicas subjectivas dos adminitrados.4
Com a evoluo do Estado de Direito e, principalmente, com a experincia
constitucional norte-americana, no Sculo XIX, surge, como corolrio do princpio da
legalidade, o princpio da constitucionalidade. Este princpio permitiu o controle
jurisdicional de validade dos atos do poder legislativo tendo como padro de
conformidade a Constituio. As leis que no estivessem em conformidade com a
constituio seriam consideradas invlidas.
Verifica-se que, nos ltimos duzentos anos, as atenes jurdicas ao princpio da
constitucionalidade esto voltadas exclusivamente aos atos emanados pelo poder
legislativo e executivo. A constitucionalidade dos atos do poder jurisdicional foram
objetos de esquecimento quase que total, apenas justificado pela persistncia do mito
liberal que configura o juiz como a boca que pronuncia as palavras da lei e o poder
judicial como invisvel e nulo(Montesquieu)5.
Tambm os tribunais podem desenvolver atividade geradora de situaes
patolgicas, proferindo decises que no executem a lei, desrespeitem os direitos
individuais ou cujo contedo v ao ponto de violar a Constituio. Diante de uma
deciso judicial que viola a Constituio e que ainda no transitou em julgado, existem
os recursos ordinrios e extraordinrios capazes de corrigi. O problema justamente
quando a deciso judicial viola a Constituio, no cabendo nenhum recurso ordinrio
ou extraordinrio.
O princpio da constitucionalidade tambm influenciou a atividade do poder
judicirio. Surge, ento, o que Paulo Otero chama de princpio da juridicidade6. O
princpio da juridicidade prescreve que os atos emanados pelo poder jurisdicional
devem estar em conformidade com a Constituio, sob pena de nulidade.
4 OTERO, 1993, p. 25. 5 OTERO, 1993, p. 9. 6 OTERO, 1993, p. 29.
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No momento em que surge a constitucionalidade, como fator de estruturao da
sentena judicial, surgem tambm dois problemas a ser resolvidos: a) quais os
mecanismos processuais necessrios para corrigir a sentena inconstitucional passado
em julgado (caso julgado inconstitucional)? b) que rgo seria competente para
fiscaliazar e controlar a constitucionalidade da sentena? Com essas indagaes, Paulo
Otero encerra o primeiro captulo de seu Ensaio.
O caso julgado uma deciso que se consolidou na ordem jurdica e que se
mostra imodificvel. Segundo Paulo Otero, essa imodificabilidade ou inalterabilidade
da deciso judicial pode fundamentar-se em trs razes: 1.) pelo esgotamento dos
meios jurisdicionais de impugnao da deciso quanto pela no previsibilidade de
recorribilidade; 2.) pela precluso legal dos prazos para interposio de recurso; 3)
pela desistncia recursal7.
No entanto, o caso julgado admite, excepcionalmente, modificao, e essa
modificao pode se dar atravs de:
1.) interposio de recurso de reviso, seja proferida em processo civil ou penal8; 2.) recurso de oposio de terceiro9; 3.) nas aes de prestaes de alimentos10, 4.) em matria criminal, quando houver supervenincia de lei penal que descriminalize um comportamento que foi objeto de condenao11; 5.) e por ltimo, a declarao de insconstitucionalidade de uma norma penal e que venha a favorecer o ru12.
No terceiro pargrafo, o autor prope a responder a seguinte pergunta: ser que
as decises judiciais desconformes com o Direito formam caso julgado?13 Ainda no
se trata aqui do problema sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do caso
julgado, mas sobre a legalidade ou ilegalidade do mesmo.
Partindo do Direito Portugus antigo, afirma Paulo Otero que a deciso judicial
contrria ao Direito seria nula, nunca possibilitando a formao de caso julgado14. No
7 OTERO, 1993, p. 44-45. 8 No Brasil, o recurso de reviso portugus chamando de reviso criminal, quando se tratar de matria afeta ao mbito penal e de ao rescisria, quando se tratar de matria afeta ao mbito cvel. Lembramos ainda que em matria penal, no existe prazo para a interposio da reviso criminal e em matria cvel existe prazo para sua interposio que de 2 anos a contar do trnsito em julgado da deciso de mrito. 9 No Brasil o chamando recuso do terceiro prejudicado. 10 No Brasil, tambm as decises sobre a natureza alimentar no fazem coisa julgada, permitindo sempre sua reviso, quando a necessidade do alimentando ou a possibilidade do alimentante vier a ser modificada. 11 No Brasil, h tambm a retroatividade in bonam partem. 12 OTERO, 1993, p. 47-48. 13 OTERO, 1993, p. 53. 14