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www.miguelpimentadealmeida.pt A INTANGIBILIDADE DO CASO JULGADO NA CONSTITUIÇÃO (BREVÍSSIMA ANÁLISE) AUTOR: MIGUEL PIMENTA DE ALMEIDA Maio, 2015 com revisão e alterações em Junho 2015 O trabalho primitivo foi apresentado para avaliação à cadeira de Justiça Constitucional, no ano lectivo de 2014/2015, Faculdade de Direito de Lisboa, Regência: Prof. Dr. Alexandre Sousa Pinheiro

A Intangibilidade Do Caso Julgado Na Constituição

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A intangibilidade do caso Julgado na Constituição – Brevíssima análise

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    A INTANGIBILIDADE DO CASO JULGADO NA CONSTITUIO (BREVSSIMA ANLISE)

    AUTOR: MIGUEL PIMENTA DE ALMEIDA

    Maio, 2015 com reviso e alteraes em Junho 2015

    O trabalho primitivo foi apresentado para avaliao cadeira de

    Justia Constitucional, no ano lectivo de 2014/2015, Faculdade de

    Direito de Lisboa, Regncia: Prof. Dr. Alexandre Sousa Pinheiro

  • 2

    Introduo

    O presente trabalho visa a matria do caso julgado (e sua

    intangibilidade), no plano da Justia Constitucional, fazendo referncia

    sua evoluo histrica constitucional, mas tambm sua prtica

    actual presente no direito civil e no direito administrativo.

    A primeira parte do trabalho, enquadra este conceito e sua

    funo, passando por uma breve anlise no nosso sistema de

    fiscalizao da constitucionalidade e o princpio do Estado de Direito

    Democrtico. S assim conseguimos justificar o caso julgado.

    No podemos ser alheios recente Cdigo de Procedimento

    Administrativo. Em primeiro plano uma anlise ampla do caso julgado

    no Direito Administrativo mas seria impensvel no fazermos uma anlise

    na norma prevista no art 167, n 7 do CPA.

    A segunda parte, incide sobre a evoluo histria, no nosso

    ordenamento jurdico, referente ao caso julgado.

    Foi inevitvel a incluso no presente trabalho, jurisprudncia dos

    nossos tribunais, pois julga-se serem necessrios para um correcto

    enquadramento e posies sobre o tema em apreo.

    O presente trabalho no pretende ser um estudo exaustivo sobre

    o caso julgado mas uma viso breve e perceptvel da realidade

    jurdica.

  • 3

    I

    CASO JULGADO

    Artigo 282 da Constituio da Repblica Portuguesa (Efeitos da declarao de inconstitucionalidade ou de ilegalidade)

    1. A declarao de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com fora obrigatria geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinao das normas que ela, eventualmente, haja revogado.

    2. Tratando-se, porm, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infraco de norma constitucional ou legal posterior, a declarao s produz efeitos desde a entrada em vigor desta ltima.

    3. Ficam ressalvados os casos julgados, salvo deciso em contrrio do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matria penal, disciplinar ou de ilcito de mera ordenao social e for de contedo menos favorvel ao arguido.

    4. Quando a segurana jurdica, razes de equidade ou interesse pblico de excepcional relevo, que dever ser fundamentado, o exigirem, poder o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos n.os 1 e 2.

    1 - O caso Julgado

    No existe uma definio do conceito de caso julgado presente na nossa

    Constituio. No entanto podemos extrair desse conceito como as decises proferidas

    de forma definitiva e irretractvel, (que) foram fixadas por sentena judicial1.

    Por outras palavras e como explica PROF. JORGE MIRANDA2, no modifica, no

    revoga a deciso de qualquer tribunal transitada em julgado que a tenha aplicado,

    nem constitui fundamento da sua nulidade ou de recurso extraordinrio de reviso.

    O que se pretende que as situaes que j foram consolidadas no seja

    novamente perturbadas, isto porque o efeito da fiscalizao abstracta de eficcia ex

    tunc, isto , destri-se a norma retroactivamente deste o incio em que produziu

    efeitos.

    De facto, esta ressalva, para alm do princpio da separao de poderes,

    decorre de um princpio material que a segurana jurdica, tendo como base os

    1 J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, CRP Constituio da Repblica Portuguesa Anotada - Vol II, 4

    Edio, Agosto 2010, Coimbra, Coimbra Editora, pg. 977.

    2 JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional - Vol VI, 2001, Coimbra, Coimbra Editora, pg. 258.

  • 4

    direitos e interesses envolvidos. Da que o PROF. JORGE MIRANDA3, afirmar que existe um

    princpio fundamental da instabilidade do caso julgado mas, no sendo absoluto, ter

    que ser conjugado com outras nomas e no de um modo isolado.

    Assim sendo, existe uma excepo a este princpio da intangibilidade do caso

    julgado, que quanto matria penal, disciplinar ou de ilcito de mera ordenao

    social e se for de contedo menos favorvel ao arguido, conforme consagrado no art

    282, n 3, 2 parte. Ora, por efeito da desaplicao da norma inconstitucional ou

    ilegal, ir prevalecer a deciso cujo contedo ser mais favorvel ao arguido, pese

    embora no seja automtica, ter que ser expressamente decidida pelo Tribunal

    Constitucional. Verifica-se assim uma limitao tendo em conta o respeito ao princpio

    do caso julgado.

    2- A funo do caso Julgado

    A funo do caso julgado transmite a segurana das decises. Nesse sentido, j

    Prof. ALBERTO DOS REIS4, determinava a segurana e a certeza nos casos julgados: A

    razo da fora e autoridade no caso julgado a necessidade do direito, da segurana

    nas relaes jurdicas. Corroborando essa ideia tambm MANUAL ANDRADE5,

    considerava sem caso julgado material (instabilidade das relaes jurdicas),

    verdadeiramente desastrosas. () Seria intolervel que cada um nem ao menos

    pudesse confiar nos direitos que uma sentena lhe reconheceu.

    A jurisprudncia tem defendido o princpio da intangibilidade do caso julgado,

    reforando uma interpretao literal, embora no absoluto, referindo as ressalvas,

    nomeadamente tem direito pblico penal6. Tambm o Supremo Tribunal da Justia7,

    3 JORGE MIRANDA, obr. Cit., pg. 260.

    4 CPC Anotado III,pg. 94, citado por AUGUSTO LOPES CARDOSO, A Garantia Constitucional do Caso

    Julgado e a Correcta Interpretao do DL n 67/75 de 19.11, disponvel em

    http://www.oa.pt/upl/%7Bf6ba5051-cc73-4c46-b2e8-d8918bab4b0e%7D.pdf

    5 Noes Elemntares de Processo Civil, pag. 286/287, citado por AUGUSTO LOPES CARDOSO, Idem,

    ibidem.

    6 Acrdo 180/11.0TBVRM.G1 - 04-06-2013 do Tribunal da Relao de Guimares: O princpio da

    intangibilidade do caso julgado no absoluto (). A importncia do princpio constitucional da

    intangibilidade do caso julgado decorre da prpria opo feita pelo legislador constitucional, que se

  • 5

    referente um caso de paternidade assim o decidiu, pese embora estive a ser analisado

    o estabelecimento da paternidade como direito fundamental.

    3 - Traos gerais do sistema de fiscalizao da constitucionalidade

    Existem quatro formas de fiscalizao:

    a) Fiscalizao preventiva da inconstitucionalidade por aco;

    b) Fiscalizao sucessiva abstracta da inconstitucionalidade abstracta por aco;

    c) Fiscalizao sucessiva concreta da inconstitucionalidade por aco;

    d) Fiscalizao da inconstitucionalidade por omisso.

    3.1 - A fiscalizao abstracta da constitucionalidade e da ilegalidade

    Relativamente fiscalizao abstracta da constitucionalidade e da ilegalidade,

    encontra-se consagrado no art 281 e cujos efeitos no art 282, ambos da CRP.

    Paralelamente como a fiscalizao abstracta cabe exclusivamente ao Tribunal

    Constitucional encontra-se regulada pelos artigos 62 a 66 da Lei Orgnica do Tribunal

    Constitucional.

    Esta fiscalizao no um recurso directo da inconstitucionalidade mas incide

    sobre normas cujo processo de formao j tenha sido concludo. Pressupe-se que

    tenham sido publicadas no Jornal Oficial Dirio da Repblica, conforme art 119 a

    mostra plasmada no n3 do art. 282 da Lei Fundamental, que proclama categoricamente o princpio

    da ressalva dos casos julgados, apenas admitindo as excepes previstas nessa norma (todas elas

    ligadas ao domnio do direito penal e do direito sancionatrio pblico), e, nessa medida, insusceptveis

    de aplicao analgica a outras reas do ordenamento jurdico. E Acrdo 593/06.9TCGMR-A.G1 - 12-

    04-2010 do Tribunal da Relao de Guimares: Actualmente a jurisprudncia do Tribunal constitucional

    reconhece o caso julgado como um princpio constitucional, de cariz relativo, que s deve ser atingido

    por normas gerais e abstractas oriundas do poder legislativo, em situaes excepcionais

    7Acrdo 3679/08.1TBVLG.P1.S1 - 29-09-2011 do STJ: Tal regime excepcional, privativo do direito

    penal e do direito sancionatrio pblico tendo na sua base a tutela do princpio da aplicao da lei

    mais favorvel ao arguido no aplicvel no campo das aces de estabelecimento da filiao,

    apesar de o direito ao estabelecimento da paternidade revestir a natureza de direito fundamental: na

    verdade, no decorre da norma constitucional acima referida que tal direito se deva sobrepor ao

    princpio constitucional a intangibilidade do caso julgado.

  • 6

    CRP e art 3 da Lei da publicao, identificao e formulrio dos diplomas. No

    obstante no carece que tenham entrado em vigor, vacatio legis, mesmo que tenham

    sido suspensas ou revogadas, no entanto necessrio que tenham aplicao em

    situaes passadas.

    O n 2 do Art 281 da CRP, elenca taxativamente qual quais as entidades

    competentes que podem requerer a fiscalizao abstracta, com excepo do caso

    previsto no n 3, como tal, a regra geral desta fiscalizao a no oficiosidade.

    A iniciativa do processo de fiscalizao requerida a todo o tempo pois no

    existe prazo, com requerimento dirigido ao Tribunal Constitucional, podendo ser

    anexado documentos que julgue pertinentes para uma apreciao mais rigorosa.

    A legitimidade depende de dois requisitos: a titularidade dos cargos para a

    defesa e garantia e a titularidade dos cargos para a defesa da autonomia local. Mas

    tambm possvel ter legitimidade de um dcimo dos deputados.

    3.2 - Efeitos gerais das declaraes de inconstitucionalidade/ilegalidade

    As decises do Tribunal Constitucional tm fora de caso julgado formal, isto ,

    impede que venha a ser novamente apreciada. Tambm as decises constituem caso

    julgado material, quando a questo centralizada na inconstitucionalidade ou da

    ilegalidade, conforme art 80, n 1 da LTC.

    Referente fiscalizao sucessiva abstracta da inconstitucionalidade tem fora

    de obrigatria geral, previsto no art 282/1 da CRP. Isto significa que as sentenas do

    tribunal constitucional vinculam para os Tribunais, o prprio legislador e o prprio

    Tribunal Constitucional

    4- O princpio do Estado de Direito Democrtico

    A nossa Constituio consagra a existncia da garantia da autoridade dos

    rgos judiciais e aliado ao Estado Democrtico, encontramos:

    Art 202 - 1. Os tribunais so os rgos de soberania com competncia para

    administrar a justia em nome do povo.

  • 7

    Art 204 - Nos feitos submetidos a julgamento no podem os tribunais aplicar

    normas que infrinjam o disposto na Constituio ou os princpios nela

    consignados.

    Art 110 - 1. So rgos de soberania o Presidente da Repblica, a

    Assembleia da Repblica, o Governo e os Tribunais.

    Art 111- 1. Os rgos de soberania devem observar a separao e a

    interdependncia estabelecidas na Constituio.

    Tambm, neste sentido, Prof. JORGE MIRANDA8, defendia que a aplicao

    judicial de todas as medidas de segurana, a proibio da lei retroactiva desfavorvel e

    de lei individual, a garantia do caso julgado.

    A regra geral que as leis no devem ter efeitos retroactivos tempus regit

    factum, decorrendo do princpio bsico do Estado de Direito Democrtico, de onde se

    extrai o princpio da certeza e da segurana jurdica, no art 2 da CRP. Mas tambm

    certo que no devemos confundir o princpio da no retroactividade da lei, conforme

    art 12 do CC, e o respeito pelo caso julgado.

    No entanto, pertinente analisar a norma do art 13 do Cdigo Civil, sob a

    epgrafe - Aplicao das leis no tempo. Leis interpretativas, em que determina que a lei

    interpretativa encontra-se integrada na lei interpretada ressalvando-se os seus efeitos

    j produzidos por cumprimento da obrigao, por sentena transitada em julgado. Por

    outras palavras, pressupes a demarcao de fronteiras entre lei (simplesmente)

    interpretativa e lei inovadora (ou no interpretativa) , conforme Prof. JOS ALBERTO

    GONZLEZ9.

    Em matria de processo civil, a jurisprudncia tambm acolhe nesta

    instabilidade considerada em um tribunal vir a contradizer outro numa deciso

    anteriormente julgada10.

    8 Ref Estudos sobre a Constituio, I -25, citado por AUGUSTO LOPES CARDOSO, obr citada.

    9 JOS ALBERTO GONZLEZ, Cdigo Civil Anotado Vol I, 2011, Lisboa, Quid Juris, pg. 35.

    10 Acrdo 129/07.4TBPST.S1- 12-07-2011 do STJ: O caso julgado constitui uma excepo dilatria, que

    tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma deciso anterior ()

    que constitui um obstculo a uma nova deciso de mrito, h igualmente que atender autoridade do

    caso julgado, a qual tem antes o efeito positivo de impor a deciso..

  • 8

    A este propsito, Prof. JORGE MIRANDA11, defendia tambm que, para alm das

    relaes obrigacionais mas tambm as decises administrativas de carcter definitivo.

    Pois, relativamente aos casos julgados, existe sempre de tutelar a garantia da

    estabilidade bem como a segurana jurdica.

    5 - O caso julgado no Direito Administrativo

    Mas na rea do direito administrativo, parte da doutrina e do Tribunal

    Constitucional, o art 282, n3, 1 parte, da CRP, consideram que deve ser aplicado

    nas decises administrativas decididas ou resolvidas o caso julgado. verdade que no

    existe uma clarificao definitiva pelo prprio Tribunal Constitucional, que em certos

    casos no faz uma comparao mutatis mutandis do caso resolvido ao caso julgado,

    isto por analogia, mas por via do n 4 da mesma norma.

    Ento, veja-se o Acrdo n 804/93 do Tribunal Constitucional, que veio a

    afirmar12 que o caso resolvido ou decidido e consolidados no ordenamento jurdico so

    equiparados a casos julgados.

    Tambm seguindo esta orientao, encontramos o Acrdo n 231/94 do

    Tribunal Constitucional13 referente ao Regulamento Especial do Regime de Penses de

    Sobrevivncia (RERPS) de 1970.

    11

    JORGE MIRANDA, obr. Cit., pg. 259.

    12 Acrdo n 804/93 do TC: em nome da segurana jurdica, de restringir os efeitos da

    inconstitucionalidade, nos termos do n. 4 do artigo 282. () de modo a deixar inclumes os actos

    administrativos praticados ao abrigo daquela norma no impugnados contenciosamente ou que j no

    sejam susceptveis de uma tal impugnao. () Esses actos administrativos constituem caso resolvido

    ou decidido, achando-se os seus efeitos consolidados no ordenamento jurdico, pelo que no deveriam

    ser afectados pela eventual declarao, com fora obrigatria geral, da inconstitucionalidade das

    normas aqui em causa. Esses actos administrativos poderiam mesmo ser equiparados aos casos

    julgados, sendo, assim, ressalvados da eventual declarao de inconstitucionalidade, com fora

    obrigatria geral, por efeito do estatudo no artigo 282., n. 3

    13 Acrdo n 804/93 do TC: () independentemente da tese que se perfilhe acerca do fundamento, do

    mbito e do alcance da ressalva de caso julgado constante do n 3, do artigo 282, () sua extenso

    ao caso decidido administrativo ou mesmo aos casos julgados atentatrios de direitos fundamentais

    fundados em normas inconstitucionais, ponderosas razes de equidade justificam que se proceda

    limitao dos efeitos da declarao de inconstitucionalidade com fora obrigatria geral, por forma a

  • 9

    Por outro lado, a equiparao ao caso resolvido e ao caso julgado, surge em

    outras decises do Tribunal Constitucional, nomeadamente nos Acrdos n 786/96 e

    187/200314.

    Mais recente, encontramos o Acrdo n 370/2008,15 pese embora no

    estando em causa os efeitos da declarao de inconstitucionalidade com fora

    obrigatria geral, o Tribunal Constitucional considerou que no merecia qualquer

    tutela o caso decidido administrativo.

    5.1 - O novo Cdigo de Procedimento Administrativo

    No entanto, e referente ao novo Cdigo de Procedimento Administrativo,

    aprovado pelo DL n 4/2015 de 07 de Janeiro, que entrou em vigor em 08 de Abril,

    TNIA FERREIRA OSRIO16, questiona a legalidade da prpria Administrao em que pode

    anular o acto administrativo mesmo que tenha transitado em julgado, previsto no art

    168, n 7.

    naquela declarao apenas fazer abranger os casos sobre os quais se encontrem pendentes decises

    administrativas ainda susceptveis de recurso ou decises judiciais ainda no transitadas em julgado.

    14 Acrdo n 187/2003 do TC: traduz-se num acto administrativo, cuja falta de oportuna impugnao

    conduz sua consolidao na ordem jurdica, como caso decidido ou resolvido () de equiparar ao

    caso julgado, para o efeito de excluir a possibilidade de as correspondentes situaes serem afectadas

    pela declarao de inconstitucionalidade da norma sombra da qual foram criadas (artigo 282., n. 3,

    da CRP).

    15 O Acrdo n 370/2008 do TC: () denominado caso decidido (administrativo) seguramente no

    merece proteco constitucional mais intensa que o caso julgado (judicial). A propsito da norma do

    artigo 282., n. 3, da CRP, que ressalva os casos julgados dos tpicos efeitos ex tunc da declarao de

    inconstitucionalidade, tem sido discutida a extenso dessa ressalva aos casos decididos (e a outras

    situaes juridicamente consolidadas), sendo prevalecente a ideia de que, embora similares razes de

    segurana jurdica possam justificar essa extenso (que o Tribunal Constitucional tem cautelarmente

    feito, em diversas situaes, atravs do uso da faculdade de limitao de efeitos que o n. 4 desse artigo

    282. lhe confere), ela no imperiosa nem assenta directamente numa equiparao,

    constitucionalmente imposta, entre caso julgado e caso decidido..

    16 No artigo de opinio O novo CPA e a garantia do caso julgado, de 03 de Abril de 2015, consultvel

    em www.inverbis.pt/2015/artigosopiniao/taniaosorio-novo-cpa-garantia-caso-julgado.

  • 10

    Art 168 - n 7 - Desde que ainda o possa fazer, a Administrao tem o dever de

    anular o ato administrativo que tenha sido julgado vlido por sentena transitada em

    julgado, proferida por um tribunal administrativo com base na interpretao do direito

    da Unio Europeia, invocando para o efeito nova interpretao desse direito em

    sentena posterior, transitada em julgado, proferida por um tribunal administrativo

    que, julgando em ltima instncia, tenha dado execuo a uma sentena de um tribunal

    da Unio Europeia vinculativa para o Estado Portugus.

    Acusa tambm que esta medida coloca em causa o princpio da separao de

    poderes e a garantia constitucional do caso julgado. Tambm questiona o motivo

    encontrado pelo legislador como base na interpretao do Direito da Unio Europeia.

    Por fim, remata que esta norma do Novo CPA, viola manifestamente a garantia do

    respeito do caso julgado material e afecta a intangibilidade do caso julgado.

    Ainda sobre esta nova norma de direito administrativo, Dr. MARCO CALDEIRA17,

    refora a expresso do dever de anular, ou seja, uma norma imperativa imposta

    administrao pblica. Traduzindo-se assim num dever qualificado com aplicabilidade

    de um caso julgado transitado em julgado. Ora, assim sendo, tambm coloca srias

    dvidas sobre a constitucionalidade da norma, ora, pois nem a forma obrigatria geral

    da inconstitucionalidade afecta os caos julgados, com excepo do art 282, n 3 da

    CRP. Acrescenta tambm que o Direito da Unio Europeia no se deve superpor ao

    Direito Constitucional Portugus.

    Por fim, afirma que uma situao-limite pois causa um desagravo enorme na

    estabilidade tanto para o ordenamento jurdico como para os beneficirios do acto

    administrativo em causa.

    Em nota pessoal, aguardaremos a aplicabilidade da norma num caso concreto e

    a sua eventual anlise para apreciar o desenrolar do resultado. No obstante e pelo

    estudo apresentado no presente trabalho, somos forados a concordar com esta

    posio.

    17

    AMADO GOMES, ANA FERNANDA NEVES, TIAGO SERRO (coord.), Comentrios ao Novo Cdigo de

    Procedimento Administrativo, 2015, Lisboa, AAFDL Comentrio de Marco Caldeira pg. 660.

  • 11

    II

    Evoluo histrica do Caso Julgado na Constituio18

    1. Constitucionalismo Monrquico

    1.1. A Constituio de 1822

    A Constituio Poltica da Monarquia Portuguesa aprovada em 23 de Setembro

    de 1822 foi a primeira lei fundamental portuguesa.

    Previa no Titulo V, Capitulo I Dos Juzes e Tribunais de Justia:

    ARTIGO 176 O poder judicial pertence exclusivamente aos Juzes. Nem as

    Cortes nem o Rei o podero exercitar em caso algum. No podem portanto evocar

    causas pendentes; mandar abrir as findas; nem dispensar nas formas do processo

    prescritas pela lei.

    neste preceito que se defendia o caso julgado. Aqui encontrava-se plasmada

    o principio da separao de poderes nomeadamente o poder judicial.

    Fazendo uma sucinta referncia histrica, na Monarquia Absoluta era o Rei que

    tinha todos os poderes: criador das leis, o cumprimento e era o Juiz supremo. No

    liberalismo e com a Constituio de 1822, a Monarquia Liberal, os poderes estavam

    divididos entre: o Legislativo que pertencia s Cortes cujos deputados criavam as leis;

    o Executivo cabendo ao Rei e seus Ministros o cumprimento das leis; e o Judicial

    que pertenciam aos Tribunais, que julgavam. E, sendo os Tribunais, rgos de

    soberania, o poder judicial era intocvel perante os outros poderes.

    1.2. A Carta Constitucional de 1826

    Esta Carta Constitucional foi outorgada pelo rei D. Pedro IV de Portugal (D.

    Pedro I do Brasil) e no foi redigida nem votada por Cortes Constituintes, tal como

    sucedera com a anterior Constituio de 1822.

    18

    Com adaptao da cronologia, AUGUSTO LOPES CARDOSO, ob. citada.

  • 12

    O caso julgado encontrava-se agora integrado na inviolabilidade dos Direitos

    Civis e Polticos dos Cidados Portugueses:

    Art. 145 - A inviolabilidade dos Direitos Civis e Polticos dos Cidados Portugueses,

    que tem por base a liberdade, a segurana individual e a propriedade, garantida pela

    Constituio do Reino, pela maneira seguinte:

    ()

    11. - Ser mantida a independncia do Poder Judicial. Nenhuma Autoridade poder

    avocar as Causas pendentes, sust-las, ou fazer reviver os Processos findos.

    Aqui resulta, de uma forma clara, que o caso julgado estava inerente aos

    princpios da Independncia dos Tribunais e defesa dos Direitos Civis de todos os

    cidados. A deciso das sentenas competia apenas aos Tribunais e nenhum outro

    poderia suscitar ou reabrir as suas decises.

    1.3. A Constituio de 1838

    A Constituio de 1838 foi o terceiro texto constitucional portugus, publicada

    no Dirio do Governo, a 24 de Abril de 1838, n 98, por D. Maria II.

    Referente ao caso julgado, no diferente muito da anterior mas que mantem a

    separao dos poderes bem como a sentena finda que no pode ser revista.

    ARTIGO 19 Nenhuma autoridade pode avocar as causas pendentes, sust-las, ou

    fazer reviver os processos findos.

  • 13

    2. Constitucionalismo Republicano

    2.1. A Constituio de 1911

    A Constituio Poltica da Repblica Portuguesa de 1911 foi a quarta

    constituio portuguesa e foi a primeira constituio republicana do nosso pas.

    Na constituio de 1911, no art 63, consagrou o tipo americano da judicial

    review, isto um sistema de fiscalizao difuso. No entanto, no art 26, n 2, podia

    ser confiado ao Congresso, a competncia de zelar pelas normas constitucionais e das

    demais leis.

    De notar a influncia do modelo norte-americano, que j tinha sido

    influenciado na Constituio Brasileira de 1891 e que serviu de base nossa

    Constituio de 1911.

    Ao poder judicial, era permitido ao juiz, apreciar oficiosamente a

    inconstitucionalidade, pois seria permitido impugnar a validade das leis e dos demais

    diplomas.

    No que concerne ao caso julgado, encontrava estatudo:

    Artigo 62- As sentenas e ordens do Poder Judicial sero executadas por oficiais

    judicirios privativos, aos quais as autoridades competentes sero obrigadas a prestar

    auxlio quando invocado por eles.

    neste cenrio e mesmo aps a revoluo de 28 de Maio de 1926, levando a

    implementao de uma ditadura militar e colocando termo Primeira Repblica

    Portuguesa, que os Tribunais consideram constitucional algumas normas, tal como o

    Acrdo da Relao do Porto de 06.01.1932 e Acrdo do Supremo Tribunal de Justia

    de 22.04.1932.

    2.2. A Constituio de 1933

    No art 122 (e posterior art 123, por fora das revises de 1963 e 1971) da

    Constituio de 1933, bem como a Constituio Corporativa de 1933 no art 91 e a

  • 14

    Carta Orgnica do Ultramar (e posterior Lei Orgnica do Ultramar), veio consagrar um

    modelo misto de controlo da constitucionalidade.

    Na vertente de fiscalizao do tipo difuso, a competncia da fiscalidade

    sucessiva concreta competia a todos os tribunais.

    No entanto foi excludo, quando fosse de analisar a inconstitucionalidade

    orgnica ou formal, quando fossem promulgados pelo Chefe do Governo, nos casos

    das leis da Assembleia Nacional e decretos do Governo. De facto, estes tipos de vcios

    constituam uma regra para efeitos de separao de competncias: jurisdicional e

    poltico. De realar que contrariamente ao que sucessiva na Constituio de 1911 no

    existia um controlo oficioso pelos juzes, embora pudessem as partes o poder de

    contestao.

    Em 1971, na reviso constitucional, competia a Assembleia Nacional, a

    fiscalizao abstracta concerta. Neste seguimento, encontra-se implantado um sistema

    misto de controlo judicial: o difuso e o concentrado.

    Tambm ser na Constituio de 1933, que surge pela primeira vez a expresso

    casos julgados.

    Art 122 1 - A constitucionalidade da regra de direito, no que respeita

    competncia da entidade de que dimana ou forma de elaborao, s poder ser

    apreciada pela Assembleia Nacional e por sua iniciativa ou do Governo, determinando

    a mesma Assembleia os efeitos da inconstitucionalidade, sem ofensa porm das

    situaes criadas pelos casos julgados..

    Art 123 2 - A inconstitucionalidade orgnica ou forma da regra de direito

    constante de diplomas promulgados pelo Presidente da Repblica ou de normas

    constantes de tratados ou outros actos internacionais s poder ser apreciada pela

    Assembleia Nacional e por sua iniciativa ou do Governo, determinando a mesma

    Assembleia os efeitos da inconstitucionalidade, sem ofensa, porm, das situaes

    criadas pelos casos julgados.

    De facto, pese embora, o sistema poltico era caracterizado de natureza

    totalitria, caracterstica do Estado Novo, a doutrina defendia na imparcialidade e do

  • 15

    poder judicial autnomo e o respeito pelo caso julgado. MARCELLO CAETANO19, defendia

    que a independncia de que os tribunais gozam para dar expresso ao Direito nos

    casos julgados ()20

    2.3. Antes da Constituio de 1976 ou Regime pr-constitucional

    Aps a revoluo de Abril de 1974, entre o perodo de 1974 a 1976, a

    competncia da fiscalizao, encontrava-se dividida: via incidencial: aos tribunais, e via

    principal: Junta de Salvao Nacional e com a Lei n 3/74 de 14 de Maio, que foi

    atribudo ao Conselho de Estado, a competncia de declarar com fora obrigatria

    geral a inconstitucionalidade das normas, conforme art 13, n 3, mantendo-se assim

    o sistema do tipo difuso.

    Tendo o Conselho da Revoluo sido institucionalizado atravs da Lei n5/75 de

    14 de Maro, recebe as competncias de rgo de controlo de constitucionalidade.

    2.3.1. Programa do Movimento das Foras Armadas MFA e a Lei n 3/74 de

    14 de Maio

    O Programa do Movimento das Foras Armadas, determinou que o Governo

    Provisrio procedesse a reformas para a futura Assembleia Nacional Constituinte,

    nomeadamente:

    PROGRAMA DO MOVIMENTO DAS FORAS ARMADAS PORTUGUESAS

    B - Medidas a curto prazo

    e) Medidas e disposies tendentes a assegurar, a curto prazo, a independncia e a

    dignificao do Poder Judicial

    19

    Marcello Caetano, foi o ltimo Presidente do Conselho do Estado Novo. Foi jurisconsulto, professor de direito. 20

    MARCELLO CAETANO, A constituio de 1933 Estudos de Direito Pblico, 2 ed., pgs. 140 e 141

  • 16

    E, seria com a Lei n 3/74 de 14 de Maio:

    ARTIGO 13., 3. - Vigiar pelo cumprimento das normas constitucionais e das leis

    ordinrias e apreciar os actos do Governo ou da Administrao, podendo declarar com

    fora obrigatria geral, mas ressalvadas sempre as situaes criadas pelos casos

    julgados, a inconstitucionalidade de quaisquer normas.

    Tambm, no art 18, desenvolveu o princpio da independncia dos tribunais.

    2.4. A Constituio de 1976

    Na constituio de 1976, encontramos um sistema misto de fiscalizao

    constitucional: a fiscalizao difusa e a fiscalizao concreta abstracta. Foi criado a

    Comisso Constitucional como rgo de controlo: consultivo do Conselho da

    Revoluo e recurso de apreciao de inconstitucionalidades perante os tribunais.

    ARTIGO 281., n 2 - O Conselho da Revoluo poder declarar, com fora

    obrigatria geral, a inconstitucionalidade de uma norma se a Comisso Constitucional

    a tiver julgado inconstitucionalidade em trs casos concretos, ou num s, se se tratar de

    inconstitucionalidade orgnica ou formal, sem ofensa dos casos julgados. Texto

    originrio.

    Neste sentido, os Tribunais vieram considerar o respeito pelo caso julgado

    sendo consagrado como princpio constitucional bem como a doutrina,

    nomeadamente VAZ SERRA e S CARNEIRO, nomeadamente nas revistas doutrinrios

    jurisprudenciais.

    Os Acrdos do Supremo Tribunal de Justia que versam como principio: 29-06-

    1976, no BMJ 258-220, RT 95-67 e RLJ 110-229; 19-10-1976, no BMJ, 260-152 e RT 92-

    75; 21-12-1976, no BMJ, 262-158 e RT 95-203; 3-5-1977, no BMJ 267-98 e RT 110-340.

  • 17

    2.5. As Revises da Constituio de 1976

    2.5.1. 1 Reviso de 1982

    Foi criado o Tribunal Constitucional, em substituio da Comisso

    Constitucional, configurando como rgo jurisdicional, conforme art 281. Tambm

    criada a Lei Orgnica do Tribunal Constitucional, conforme Lei n 28/82 de 15 de

    Novembro.

    A redaco constitucional foi alterada:

    ARTIGO 282., n 3 - Ficam ressalvados os casos julgados, salvo deciso em

    contrrio do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matria penal,

    disciplinar ou de ilcito de mera ordenao social e for de contedo menos favorvel ao

    arguido.

    2.5.2. 2 Reviso de 1989

    No existiram modificaes significativas e houve uma definio rigorosa do

    estatuto jurdico do Tribunal Constitucional.

    No que concerne ao caso julgado, mantem a mesma redaco do art 282, n

    3.

    2.5.3. 3 Reviso de 1997

    Tambm no verificaram alteraes com forte impacto, mas apenas outras

    alteraes, no alargamento do elenco das leis orgnicas e leis de valor reforado.

  • 18

    Concluso

    Desta forma conclumos que o caso julgado est intimamente ligado ao

    princpio do Estado de Direito Democrtico e uma garantia basilar dos cidados onde

    deve imperar a segurana e a certeza.

    No obstante, o respeito pelas decises no poder judicial, j anteriores

    repblica, e que se encontram presentes na actualidade consubstanciam ao valor

    mximo de justia aliado ao princpio da separao de poderes.

    Tambm preocupante a nova redaco do Cdigo do Procedimento

    Administrativo em que prev possa anular casos julgados.

  • 19

    Bibliografia

    ANTUNES VARELA/PIRES DE LIMA, Cdigo Civil Anotado, vol I, 4 edio, Coimbra

    Editora, 2011.

    AMADO GOMES, ANA FERNANDA NEVES, TIAGO SERRO (coord.), Comentrios ao

    Novo Cdigo de Procedimento Administrativo, 2015, AAFDL.

    CARLOS BLANCO MORAIS, Justia Constitucional, Tomo II, Coimbra Editora, 2005.

    CARLOS BLANCO MORAIS, Justia Constitucional, Tomo I, 2 edio, Coimbra Editora,

    2006.

    JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional - Vol VI, 2001, Coimbra Editora.

    JOS ALBERTO GONZLEZ, Cdigo Civil Anotado, vol I, Quid Juris Editora, 2011.

    J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, CRP Constituio da Repblica Portuguesa

    Anotada - Vol II, 4 Edio, Agosto 2010, Coimbra Editora.

    Artigos

    AUGUSTO LOPES CARDOSO, A Garantia Constitucional do Caso Julgado e a Correcta

    Interpretao do DL n 67/75 de 19.11, disponvel em

    http://www.oa.pt/upl/%7Bf6ba5051-cc73-4c46-b2e8-d8918bab4b0e%7D.pdf

    VITAL MOREIRA, o Tribunal Constitucional Portugus: a fiscalizao concreta no

    Quadro de um Sistema Misto de Justia Constitucional, Revista Subjudice n 20/21 de

    Jan-Jun de 2001.

  • 20

    ndice

    Introduo . 02

    I - CASO JULGADO

    1 - O caso Julgado . 03

    2- A funo do caso Julgado . 04

    3 - Traos gerais do sistema de fiscalizao da constitucionalidade

    3.1 - A fiscalizao abstracta da constitucionalidade e da ilegalidade . 05

    3.2 - Efeitos gerais das declaraes de inconstitucionalidade/ilegalidade 06

    4- O princpio do Estado de Direito Democrtico . 06

    5 - O caso julgado no Direito Administrativo 08

    5.1 - O novo Cdigo de Procedimento Administrativo .. 09

    II - EVOLUO HISTRICA DO CASO JULGADO NA CONSTITUIO

    3. Constitucionalismo Monrquico

    3.1. A Constituio de 1822 .. 11

    3.2. A Carta Constitucional de 1826 . 11

    3.3. A Constituio de 1838 12

    4. Constitucionalismo Republicano

    4.1. A Constituio de 1911 13

    4.2. A Constituio de 1933 13

    4.3. Antes da Constituio de 1976 ou Regime pr-constitucional . 15

    4.3.1. Programa do Movimento das Foras Armadas MFA e a Lei n 3/74 de

    14 de Maio .15

    4.4. A Constituio de 1976 16

    4.5. As Revises da Constituio de 1976 . 16

    4.5.1. 1 Reviso de 1982 .17

    4.5.2. 2 Reviso de 1989 17

    4.5.3. 3 Reviso de 1997 17

    Concluso .. 18

    Biografia . 19

    ndice .20