o Conceito de Neologia

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  • 7/25/2019 o Conceito de Neologia

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    O CONCEITO D ENEOLOGIA

    D A D E S C R I O L E X I C A L P L A N I F I C A O L I N G S T I C A

    Ieda MariaALVES

    1

    RESUMO:

    O conceito de neologia

    aplica-se

    a todos os fenmenos

    novos

    que atingem uma lngua.

    No nvel lexical, referia-se, inicialmente, criao de uma nova unidade lexical ou ao emprstimo de

    uma unidade pertencente a um outro idioma . Com a implantao de polticas de planejamento

    lingstico em vrios pases ou comunidades lingstic as,

    esse

    conceito

    fo i

    adquirindonovos matizes,

    passando a estabelecer relaes muito estreitas com a Terminologia. Desse modo, o conceito de

    neologia, antes

    restrito

    lngua geral,passou a ser aplicado tambm s lnguas de

    especialidade.

    PALAVRAS-CHAVE:

    Neologia; neologismo; lngua geral; lngua de

    especialidade.

    O conceito de neologia

    O conceito de neologia

    refere-se

    a todos os fenmenos

    novos

    que atingem

    uma lngua. No nvel lexical, foi definido por Guilbert (1975, p.31), que produziu re

    levantes estudossobre a neologia lexical,como a possibilidade de criao denovas

    unidades lexicais, em razo das regras de produo includas nosistemalexical. O

    autor tambm considera neolgicas as inovaes lexicais recebidas de outros

    idio

    mas, os emprstimos. Outro importante estudioso da neologia, Jean-Claude Bou-

    langer, definiu a nova unidade lexical, oneologismo, como uma unidade lexical de

    criao recente, uma nova acepo de uma palavra j existente, ou ainda, uma pa

    lavra recentemente emprestada de um sistema lingstico estrangeiro e aceito

    numa lngua (1979, p.65-6).

    Diz-nos Machado, em seuDicionrio etimolgico da lngua

    portuguesa

    (1989,

    v.4,

    p.207), que a oitava edio do

    Dicionrio da lngua

    portuguesa,

    de Morais, re

    gistra o termo neolo0smo, no sculo XVIII, em Filinto Elsio. O Grande dicionrio

    portugus ou Tesouro da lngua portuguesa, de FreiDomingos Vieira (1871-1874,

    v.4, p.425), registra os termosneologia - inveno ou introduo de termos ou lo-

    1 Departamento de Letras Clssica s e Vernculas Faculdade de Filosofia Letras e Cincias Humanas - USP -

    05508-900 - So Paulo - SP.

    Alia

    So Paulo 40:

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    cues

    novas

    em umidioma -, neologismo- inovao de palavras efrases - e

    ne-

    logo-

    o

    que usa comfreqnciade termos novos; o que afeta uma linguagem nova .

    O conceito de neologia, no entanto, muito anterior ao aparecimento doter

    mo,

    pois

    acompanha

    o desenvolvimento do acervo lexical de todas as lnguas.

    Na lngua portuguesa, encontramos vrias referncias atividade neolgica

    nos

    estudos

    sobre a histria da lngua.

    EscreveHauy

    (1989,

    p.44-7) que, nafase

    arcaica

    da lngua, o lxico portugus

    enriquecido com vrios estrangeirismos (galicismos, provenalismos e grecismos)

    e tambm com formaes vernculas, sobretudo de carter nominal.

    Paiva

    (1988, p.27-8) refere-se aos neologismos incorporados no perodo qua

    trocentista:

    latinismos, muitos

    deles

    recolhidos por Rodrigues

    Lapa

    em

    O leal con

    selheiro,

    cujo autor, D. Duarte, aportuguesa-os e

    adapta-os

    pronncia e

    orto

    grafia da poca; e estrangeirismos de diferentes origens - galicismos, italianismos,

    hispanismos.

    A

    partir

    do sculo

    XVI,

    a expanso navegatria dos portugueses, a coloniza

    o e o contato com os povos conquistados no somente difundem a lngua

    portu

    guesacomo

    tambm tornam-na susceptvel influncia de outras lnguas, sobretu

    do as

    faladas

    no Oriente. No portugus do Brasil, especificamente, a influncia in

    dgena no nvel lexical comea a se

    tornar

    importante

    nesse

    sculo e, com a vinda

    dos

    escravos

    africanos, tambm relevante, a

    partir

    do sculo

    XVII,

    a contribuio

    do

    legado

    lexical africano (Spina, 1987, p.21-4).

    A literaturabrasileira, que no sculo

    xv assinala

    os reflexos da contribuio

    vocabular dos elementos africano e indgena, registra tambm, no sculoXIX, o re

    curso da inovao lexical. Tal recurso,

    acentuado

    por autores romnticos do porte

    de Jos de Alencar e de

    Joaquim

    Manuel de

    Macedo,

    tambm caracterstico da

    obra dos

    poetas

    simbolistas e de autores

    como

    Rui

    Barbosa(Martins,

    1988, p.

    17-33).

    O sculo XX registra, no nvel lexical, a criao de numerosos neologismos

    formados porprocessosvernaculares (derivao e composio) que se introduzem

    na lngua geral e constituem uma marca especfica de

    alguns

    romancistas e poetas,

    como

    os brasileiros Monteiro Lobato, Mrio de Andrade, GuimaresRosa, Cassiano

    Ricardo, Gilberto Mendona Telles, entre outros. A introduo de emprstimos -

    de origem inglesa, sobretudo -

    toma-se cada

    vez mais marcante com o

    desen

    volvimentotcnico-cientfico.

    Neologiae descrio lexical

    A

    partir

    da dcada de 1950, aparecem, em francs,

    estudos

    de carter neol-

    gico, trabalhos que, na verdade,

    seguem

    o desenvolvimento dos mtodos da anli

    se

    estrutural

    e da Lexicologia

    como

    subrea da Lingstica. A

    esse

    respeito, lemos

    em Dubois

    (1962,

    p.l): Embora o progresso da lingstica sincrnica e dos mto-

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    dos de anlise estruturalpermita um conhecimento mais completo dos fenmenos

    lexicais e a utilizao demeiostcnicos aperfeioados imprimamaissegurana s

    concluses da Lexicologia, a prpria definio de

    seus

    princpios e de

    seus

    termos

    essenciais ainda sofre hesitaes e incertezas inerentes a uma cincia no incio de

    seu desenvolvimento .

    O primeiro trabalho lexicolgico dedicado anlise neolgica, de autoria de

    PeterWexler,

    descreve

    a formao, em francs, do vocabulrio das ferrovias. Publi

    cadoem 1955,essetrabalho pioneiro possibilitou,

    segundo

    as palavras de Guilbert,

    o desenvolvimento de outros trabalhos em que, no mbito de um vocabulrio tc

    nico bem circunscrito em relao ao conjunto do lxico e bem delimitado quanto

    ao desenvolvimento histrico da lngua, era possvel seguir com preciso como, a

    um

    significado novo,

    ligava-se

    um novo significante (1965a, p.7).

    Ao estudo inovador de Wexlerseguiram-sevrios outros, dentre os

    quais

    po

    demos

    citar:

    Le

    vocabulaire politique

    et social en France de

    1869

    1872,

    de Dubois

    (1962);Laformation du vocabulate de

    1

    aviation, de Guilbert (1965a);Le

    vocabulai-

    re dei astronautique,tambm de Guilbert(1965b).

    Nessestrabalhos, o vocabulrio tcnico ou cientfico descrito morfolgica e

    semanticamente. So enfatizados osprocessosde formao que originam as unida

    des lexicais neolgicas,assim como as relaes semnticas (campossemnticos,

    campos nocionais, sinnimos, antnimos, relaes hiperonmicas e hiponmicas)

    queessas unidades neolgicas

    estabelecem.

    Nessafase,portanto, a atividade neo

    lgica reflete as duasvertentes vinculadas Lexicologia, disciplina de carter es

    trutural:Morfologia e Semntica lexical.

    Neologia e planificao lingstica

    A

    partir

    da dcada de 1970, o conceito de neologia comea a tornar-se polis-

    smico (Boulanger, 1989, p.200-7). O desenvolvimento dos trabalhos terminolgi

    cos, quersejamelesconsideradosde um ponto de vistaapenasdescritivo, ou tam

    bm de uma perspectiva normalizadora, que incentiva a criao de termos, redi

    mensiona as caractersticas do fenmeno neolgico. O neologismo passa, assim, a

    ter uma relevante funo nosomentena lngua geral. Nas lnguas de especialida

    de, definido pela Norma ISO 1.087, que trata do vocabulrio da Terminologia,

    como termo de criao recente ou emprestado hpoucotempo de uma lngua es

    trangeira ou de uma outra rea do conhecimento .

    Desse

    modo, o conceito de neologia, que inicialmente se referiaapenas aos

    aspectoslingsticos da formao denovasunidades lexicais, sofreu uma evoluo,

    como

    conseqncia das polticas de planejamento lingstico que

    passaram

    a

    emergir em pases ou comunidades lingsticas. A neologia passou, assim, a

    esta

    belecerrelaesmaisestreitas com a Terminologia, pois o ato de nomear um conceito,

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    que sempre existiu,

    passou

    tambm a ser realizado no mbito de uma perspectiva

    de planejamento e de interveno lingstica, o que tem acarretado o aparecimento

    de denominaes especficas para o neologismo terminolgico,

    como

    nenlmo

    (Rondeau, 1984, p.124) e neoteimo (Boulanger, 1989, p.205). Poressa razo, Bou-

    langer (p.200-7)atribui ao conceito de neologia, contemporaneamente, as seguin

    tes atividades:

    processo

    prtico de criao de

    novas

    unidades lexicais, na lngua geral ou nas

    lnguas de

    especialidade,

    por meio do recurso consciente ou inconsciente aos

    mecanismosde criatividade lexical habituais em uma lngua;

    estudo terico e aplicado relativo s inovaes lexicais: osprocessosde criao,

    os critrios de reconhecimento, aceitabilidade e difuso de neologismos, os

    aspectos

    sociais

    e culturais da neologia;

    atividadeinstitucional, organizada sistematicamente para coletar, registrar, difun

    dir

    e implantar as inovaes lexicais, no mbito concreto de uma poltica da lngua;

    tarefa de identificao dos setores especializados novos ou recentes, ou com

    lacunasquenecessitamde interveno;

    relao com os dicionrios, tanto gerais, unilingues,

    como

    especficos (dicionrios

    de neologismos, de palavras

    selvagens,

    de emprstimos etc).

    Assim, osneologismos terminolgicos, que resultam de uma criao motivada

    para responderem s necessidades do desenvolvimento tcnico-cientifico, devem

    estar vinculados a uma poltica de planificao lingstica

    capaz

    de determinar os

    critrios de criao de termos.

    Tais critrios, adotados por vrios organismos internacionais, como oOffice

    de la

    Langue

    Franaise, em

    Quebec,

    Canad, refletem uma dimenso de carter

    lingstico, sociolingustico e metodolgico (Cabr, 1993, p.448-52). A criao de

    um neologismo terminolgicodeve,pois,

    obedecer

    aos

    seguintes

    princpios:

    decarterlingstico:

    oneologismodeveestar em conformidade com as regras morfossintticas da lngua

    eadaptar-seao seusistemafonolgico e ortogrfico;

    deve

    ser adaptvel a outros idiomas, por meio do emprego deelementos greco-la

    tinos e de sufixos comunsa outros idiomas;

    deve

    denominar, omaisclaramente possvel, um conceito previamente delimitado

    e com eleestabeleceruma relao;

    deveser

    capaz

    de constituir derivados.

    de cartersociolingustico:

    o neologismo deve estar em conformidade com a poltica lingstica do idioma;

    deve

    estar de acordo com o nvel de lngua de trabalho em que ser utilizado;

    deve

    ser

    fruto

    de uma

    necessidade;

    no

    deve

    apresentar conotaes negativas.

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    decarter metodol0co:

    acriao do neologismo

    deve

    contar com a presena de profissionais da rea em

    estudo que

    possam

    orientar as propostas neolgicas;

    deve

    levar em conta o sistema conceituaiedenominativo de queoneologismo

    forma

    parte;

    deve

    considerar que uma forma no

    adequada

    aosistema dalngua,

    mesmo

    consolidada, pode ser revista.

    Tais

    princpios, no entanto, devem ter um carter sobretudo indicativo, pois,

    como

    nos lembra Cabr (1993, p.452), na neologia

    devemos

    contar, necessariamen

    te,

    com a dinmica das lnguas e a liberdade deseusfalantes, que nem sempre ca

    minham de acordo com os organismos e as propostas de planificao.

    Consideraes finais

    Da descrio lexical

    a

    uma poltica de planificao lingstica,

    o

    conceito

    de

    neologia foi adquirindo, conforme pudemos demonstrar, diferentes acepes.

    Esse

    conceito foi evoluindo da observao de carter descritivo, prpria dos trabalhos da

    lngua geral, para a criao planificada, caracterstica das lnguas de especialidade.

    Com

    o

    desenvolvimento contnuo das cincias

    e

    das tcnicas,

    nas lnguas

    de especialidade que o

    processo

    da neologia particularmente

    produtivo.

    Neolo

    gismos

    no

    cessam

    de ser criados, em todas as lnguas, e tambm no portugus do

    Brasil.E,para que

    esses

    neologismos terminolgicos

    possam cumprir,

    com efic

    cia, sua funode comunicao, torna-se urgenteaimplantao de uma poltica

    de planejamento neolgico no Brasil, com

    a

    finalidade especfica de garantir

    ln

    gua portuguesa, em sua variante brasileira, sua vitalidade criativa prpria.

    ALVES, I .M. Theconceptof

    neology:

    fromlexicaldescriptiontolinguistic planning. lfa So

    Paulo), v.40,

    p.11-16,

    1996.

    ABSTRACT: The concept

    of neology

    applies to all the new facts Mated to a language.

    At

    the lexical

    level, this concept Bistly referred to the creation

    of

    a new lexical unit or to the borrowing

    of

    a unit

    from another language. Due to the implementation ofpolicies of linguistic planning in various countries

    or

    linguistic communities, the concept of

    neology

    began to acquire new meanings and to establish

    an intimate relationship with Terminology.

    So,

    the concept of neology, which was originally limited

    to the general language, isnowadays also applied to languages for special purposes.

    KEYWORDS: Neology; neologism; general language; language for special purpose.

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