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O desastre dos temporais: o evento como chave de acesso para compreender a complexidade das lutas em territórios vulneráveis. ENSP- FIOCRUZ Marize Bastos da Cunha Marcelo Firpo de Souza Porto Alan Brum Pinheiro Raphael Calazans Fátima Pivetta Monica Santos Francisco Lenira Zancan Jairo Freitas Fabiana Melo Souza

O Desastre Dos Temporais: um evento como chave de acesso para compreender a complexidade das lutas em territórios vulneráveis

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Apresentação do trabalho no XII Conlab: I Congresso da Associação Internacional de Ciências Sociais e Humanas em Língua Portuguesa - Lisboa, fevereiro de 2015Dezembro de 2013, um temporal na cidade do Rio de Janeiro atinge o conjunto de favelas do Alemão. O fato constitui um evento analisador das condições ambientais e sociais de um território em mudança, atingido pelo PAC. O evento é um mirante de análise de múltiplos processos, que se remetem a várias temporalidades: um tempo longo que indica a continuidade de determinadas estruturas que produzem desigualdades, e reproduzem a vulnerabilidade destes territórios, mas também abrem espaço a modos de vida e formas culturais, criados e recriados no âmbito na vulnerabilidade sócio ambiental; um tempo de média duração onde se dão alterações, com desdobramentos na configuração espacial e no cotidiano da favela, e na relação entre os agentes sociais nela presentes; um acontecimento de impacto, experimentado como injustiça e risco à vida, que traz à tona conflitos acumulados, e faz emergir ações coletivas que interrogam os processos políticos em curso.

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  • O desastre dos temporais:

    o evento como chave de acesso para compreender a complexidade das lutas em territrios vulnerveis.

    ENSP- FIOCRUZ Marize Bastos da Cunha

    Marcelo Firpo de Souza Porto Alan Brum Pinheiro

    Raphael Calazans Ftima Pivetta

    Monica Santos Francisco Lenira Zancan

    Jairo Freitas Fabiana Melo Souza

  • Ponto de partida ! Origem do trabalho: pesquisa realizada no Complexo do

    Alemo- Rio de Janeiro/ Projeto Polticas Pblicas, Moradia, Saneamento e Mobilidade: uma avaliao participativa do PAC Manguinhos-RJ na perspectiva da promoo da sade e da justia ambiental.

    ! Pesquisa realizada pela Comunidade de Pesquisa Ao no Alemo agregando pesquisadores e moradores, que se destacam por sua ao local

    ! Contexto: Temporal que atingiu o Complexo no dia 11 de dezembro de 2013, provocando desabamentos e deixando vrias famlias desabrigadas.

  • Sobre o contexto Na madrugada de 11 de dezembro de 2013, a intensa chuva que caiu sobre a cidade do Rio de Janeiro, atingiu durante o Complexo do Alemo, um territrio ento j castigado pelos resultados das obras do PAC, onde se destacavam os seguintes problemas:

    ! Moradias abaladas pelas obras e pelas remoes

    ! Problemas no sistema de esgoto sanitrio e escoamento de guas pluviais

    ! Acmulo de lixo domstico e de entulhos do PAC

    ! Falta de gua em algumas localidades

    Foi sobre este territrio, que o PAC no alcanou em sua totalidade, e quando alcanou, o fez de forma incompleta, e trazendo maiores

    problemas, que o temporal de 11 de dezembro caiu, fazendo emergir antigos e novos problemas.

  • https://www.youtube.com/watch?v=0ACbSU7Cro8&feature=share

  • Pressuposto ! A situao trazida pelo temporal, e o processo por ela

    desencadeado, exps a situao de risco em vrias localidades do Complexo Alemo, e trouxe tona problemas estruturais do territrio, os limites do PAC (Programa de Acelerao de Crescimento) ali implementado, bem como os limites da ao do Estado, tanto em sua capacidade de cumprir seu papel no desenvolvimento da infra estrutura urbana, quanto no que se refere efetividade e rapidez de sua resposta em situaes de emergncia, que oferecem risco populao.

    ! Considera-se, portanto, que estamos diante de um evento analisador das condies ambientais, sociais e polticas de um territrio em mudana, atingido por um programa de interveno urbana (PAC Favelas).

  • Referncias tericas

    ! As temporalidades na Histria

    Fernand Braudel: A longa durao in Histria e Cincias Sociais e O Mediterrneo e o mundo Mediterrnico na poca de Filipe II - Vol. I.

    ! O evento como elemento transfigurador da realidade

    Jos de Souza Martins, As classes subalternas na Idade da Razo in Caminhada no Cho da Noite.

  • Braudel e as temporalidades

    A curta durao e o tempo dos acontecimentos

    "(.) por este motivo que existe entre ns, os historiadores, uma forte desconfiana em relao a uma histria tradicional chamada histria dos acontecimentos.

    (.) o termo acontecimento. No que me respeita, agradar-me-ia encerr-lo, aprision-lo, na curta durao: o acontecimento explosivo, ruidoso. Faz tanto fumo que enche a conscincia dos contemporneos; mas dura um momento apenas, apenas se v a sua chama.

  • A mdia durao e as escalas da poltica, da economia e das estruturas sociais

    A mdia durao ligada aos aspectos conjunturais que conformam uma sociedade em uma instncia de tempo social, relacionado a foras de profundidade que esto articuladas s estruturas econmicas, sociais e polticas.

    A temporalidade de mdia durao se remete s escalas da poltica, da economia, das estruturas sociais, ou seja, diz respeito aos movimentos que se estruturam com mais vagar e que se movem menos rapidamente do que aqueles ligados ao tempo presente

  • A longa durao: o tempo das estruturas

    a estrutura que domina os problemas da longa durao

    para ns, historiadores, uma estrutura , indubitavelmente, um agrupamento, uma arquitectura; mais ainda, realidade que o tempo demora imenso a desgastar e a transportar. Certas estruturas so dotadas de uma vida to longa que se convertem em elementos estveis de uma infinidade de geraes: obstruem a histria, entorpecem-na e portanto, determinam seu decorrer. Outras, pelo contrrio. desintegram-se mais rapi- damente. Mas todas elas constituem. ao mesmo tempo, apoios e obstculos, apresentam-se como limites (envolventes, no sentido matemtico) dos quais o homem e as suas experincias no se podem emancipar.

  • Martins e a potncia dos acontecimentos

    significativo que na cultura popular brasileira, como provavelmente de outras sociedades, a injustia constitua, como a morte, o acontecimento que inverte a leitura dos fatos correntes e revele o transcendente, uma outra realidade, e a possibilidade do universal. Essa transfigurao revela o novo que est oculto no que velho, o universal escondido no particular, a humanidade no desumanizado.

  • Se os acontecimentos, que nos remetem ao que os historiadores franceses chamam de evnmentiel, no explicam as mudanas histricas, eles tem um papel fundamental em tais mudanas. Isso porque determinados acontecimentos permitem que as necessidades sejam percebidas em sua dimenso coletiva, e que as expectativas tecidas encontrem possibilidades de se colocar enquanto ao.

    (Groto, Parque Proletrio da Penha, Vila Cruzeiro e outras moradas: Histria e Saber nas favelas da Penha, Marize Bastos da Cunha, dissertao de mestrado, UFF, 1995).

  • O Evento como revelao, transfigurao

    ! A d i m e n s o i n s t i t u i n t e d e d e t e r m i n a d o s acontecimentos, que trazem a tona o conflito e uma transfigurao da realidade, indicando novas formas de ao e de agenda de luta.

    ! O evento, portanto, pode funcionar como um mirante de observao e anlise de determinados processos mais profundos, que se remetem ao tempo da longa durao das estruturas e a mdia durao

  • No evento esto implicados :

    q um tempo longo que indica a continuidade de determinadas estruturas que produzem desigualdades, que se recriam no tempo, por um lado, reproduzindo a vulnerabilidade destes territrios; e por outro lado abrem espao a modos de vida e formas culturais que se criam e recriam no mbito desta situao de vulnerabilidade;

    q um tempo de mdia durao trazido por alteraes, na maioria das vezes polticas, que implicam em mudanas na configurao espacial e no cotidiano da favela, bem com na relao entre os agentes sociais nela presentes; traz tambm a dinmica dos movimentos sociais.

  • A produo e reproduo de desigualdades econmicas e sociais

    A longa durao

    Polticas Pblicas Urbanas

    Mdia Durao

    PAC

    Mdia Durao

    A dinmica local e o PAC

    Media Durao

    A experincia dos moradores

    Longa durao

    O Temporal de dezembro de 2013

    O Tempo breve

  • O que o evento revelou? As moradias em risco constituem-se em um problema grave no Complexo do Alemo, sendo que algumas de suas causas esto

    articuladas a um tempo de longa durao,

    A existncia de uma mina de gua e o desmatamento na localidade onde houve um grande desabamento, nos remetem a um processo histrico mais amplo, e desenvolvido em um tempo longo, onde a favela foi se constituindo como resposta da populao a seu problema de moradia.

    Estamos pois, diante de uma situao scio ambiental desmatamento e ocupao em rea de risco ocasionada pelo crescimento da cidade do Rio de Janeiro, marcada por um processo de produo e reproduo de desigualdades econmicas e sociais.

  • Moradia em risco e saneamento apresentam-se articulados: a precariedade do sistema de esgoto sanitrio e de drenagem pluvial, bem como o acmulo de lixo

    foram atores determinantes para o abalo das estruturas da moradias. Os moradores j vinham denunciando os problemas nas moradias antes do temporal.

    No tempo da mdia durao:

    As intervenes do PAC, particularmente as obras do telefrico e as remoes, causaram impacto em vrias moradias, produzindo abalos em suas estruturas.

    Uma ao coletiva reunindo diferentes atores sociais Movimento Juntos pelo Complexo, que acumulavam um histrico de mobilizao comunitria, emergiu a partir do impacto da chuva de dezembro, e do grae problema de moradia em risco. Tal ao coletiva aponta a dinmica da relao entre os coletivos locais e o Estado, em suas diferentes instncias, bem como sua potencialidade no que se refere retomada de fruns coletivos de debate e interveno, que haviam se esvaziado com o desenvolvimento do PAC, e o controle da participao popular.

  • As perguntas que o evento nos indica

    ! De que forma a produo e reproduo das desigualdades concorreu para a configurao de um territrio, marcado pela vulnerabilidade scio ambiental?

    ! Por que, a despeito do longo histrico de desenvolvimento das favelas no Rio de Janeiro, e da demanda histrica por saneamento, os problemas relativos agua, coleta de lixo e especialmente lixo, continuam na agenda das favelas, sendo experimentados de forma recorrente e dramtica?

  • ! Como foram definidas as prioridades em relao ao PAC no territrio? No nvel local, como se deu a negociao e quais os atores intervieram nas negociaes?

    ! De que forma a dinmica local do PAC concorreu para a produo de desigualdades dentro do territrio?

    ! De que forma a experincia histrica dos moradores e suas formas e aes culturais nos ajudam a compreender as respostas ao evento temporal: a mobilizao coletiva e o movimento Juntos pelo Complexo e a resistncia em deixar as moradias sob risco

  • Laboratrio Territorial de Manguinhos FIOCRUZ http://www.conhecendomanguinhos.fiocruz.br

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