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POESIA RIO SÃO FRANCISCO POESIA RIO SÃO FRANCISCO POESIA RIO SÃO FRANCISCO POESIA Alagoas l 11 a 17 de maio I ano 02 I nº 063 l 2014 l redação 82 3023.2092 I e-mail [email protected] CAMPUS CAMPUS CAMPUS CAMPUS Dois dedos de prosa sobre xarás: o rio e o Francisco F rancisco Passos é um professor doutor, alergo- logista e psicanalista, além de Diretor da Faculdade de Medicina da UFAL. Nasceu à beira do rio de São Francisco, em Santo Antônio da Glória na Bahia, uma espécie atual de reino submarino, mergu- lhada que está nas águas da barragem de Itaparica. Raras as pessoas tão marcadas pelo aconchego das águas do rio, quem sabe metade homem e metade peixe, gente que cres- ceu sabendo das histórias das piranhas e vivendo Lampião que andava para cima e para baixo naqueles sertões. Acontece que Fran- cisco sabe dos senões e dos aviões. Vez em quando, em companhia de uma galera ultra-amiga – inclusive este que vos fala –, Francisco (o professor) encontra-se com Francisco (o rio) e um passeia pelo outro. Dessas idas e vindas surgem poesias, algu- mas publicadas em seu livro Sobras de silêncios. Campus agradece a possi- bilidade de publicar seus poemas, suas fotos e é uma honra tê-lo conosco. Luiz Sávio de Almeida Poço do Pai Pedro, abril de 2014 F rancisco Passos é doutor em medicina e diretor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Alagoas, autor de inúmeros trabalhos científicos e poeta por opção de vida e de olhar o mundo. Sobretudo, ele é um homem do Rio de São Francisco. Quem é quem? UM RIO FRANCISCO

O DIA ALAGOAS - Campus 07

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Alagoas l Ano 2 | 11 a de maio | 2014. Campus é o caderno de cultura de O DIA ALAGOAS.

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POESIA RIO SÃO FRANCISCO POESIA RIO SÃO FRANCISCO POESIA RIO SÃO FRANCISCO POESIA

Alagoas l 11 a 17 de maio I ano 02 I nº 063 l 2014 l redação 82 3023.2092 I e-mail [email protected]

CAMPUSCAMPUSCAMPUSCAMPUS

Dois dedos de prosa

sobre xarás: o rio e o

Francisco

Francisco Passos é um professor doutor, alergo-

logista e psicanalista, além de Diretor da Faculdade de Medicina da UFAL. Nasceu à beira do rio de São Francisco, em Santo Antônio da Glória na Bahia, uma espécie atual de reino submarino, mergu-lhada que está nas águas da barragem de Itaparica. Raras as pessoas tão marcadas pelo aconchego das águas do rio, quem sabe metade homem e metade peixe, gente que cres-ceu sabendo das histórias das piranhas e vivendo Lampião que andava para cima e para baixo naqueles sertões.

A c o n t e c e q u e F r a n -cisco sabe dos senões e dos aviões. Vez em quando, em companhia de uma galera ultra-amiga – inclusive este que vos fala –, Francisco (o professor) encontra-se com Francisco (o rio) e um passeia pelo outro. Dessas idas e vindas surgem poesias, algu-mas publicadas em seu livro Sobras de silêncios.

Campus agradece a possi-bilidade de publicar seus poemas, suas fotos e é uma honra tê-lo conosco.

Luiz Sávio de AlmeidaPoço do Pai Pedro, abril de 2014

Francisco Passos é doutor em medicina e diretor da Faculdade de Medicina da Universidade

Federal de Alagoas, autor de inúmeros trabalhos científicos e poeta por opção de vida e de olhar o mundo. Sobretudo, ele é um homem do Rio de São Francisco.

Quem é

quem?

UM RIOFRANCISCO

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*CAMPUS

2 O DIA ALAGOAS l 11 a 17 de maio I 2014

redação 82 3023.2092e-mail [email protected]

CNPJ 07.847.607/0001-50 l Rua Pedro Oliveira Rocha, 424 B - Farol - Maceió - Alagoas - E-mail: [email protected] - Fone: 3023.2092

Para anunciar,ligue 3023.2092

EXPEDIENTE Eliane PereiraDiretora-Executiva

Deraldo FranciscoEditor-Geral

Flávio NobreDiretor Comercial

L. Sávio de AlmeidaCoordenador

Luhanoa RochaArticulação

Francisco RibeiroCotidiano

Cícero RodriguesIlustração

Jobson PedrosaDiagramaçãoODiaAlagoas

Francisco Passos

Uma viagem pelo rio São F r a n c i s c o

é uma viagem no tempo. O barco é a máquina do tempo, a memória o relógio, e os olhos a filmadora. A viagem lenta induz a um estado de quase beatitude, quase hipnótica. Um leve torpor me domina enquanto contemplo entre admirado e assombrado, em seu estado atual, o rio descar-nado, o titã dominado. A ânsia de rever o rio e o caleidoscó-pio de belezas antecipadas vai sendo substituída por um sentimento de desamparo e de raiva pela humanidade, pelo horror do progresso vazio. O rio se mostra no presente, desnutrido, desi-dratado, anêmico e banguelo: raso, estreito, sem peixes, sem pescadores, com as margens decadentes se desfazendo, e sem árvores para lhes dar sustentação. Ainda assim, o ronco monótono do motor soa como um mantra convi-

dando à contemplação medi-tativa do que lhe resta de beleza: a aquarela esmaecida das águas, o guache delicado dos arruados sobrevivendo teimosos em suas margens corroídas, o grafite seco dos morros e serras pelados, o óleo cintilante do voo das garças, o nanquim chinês do céu noturno espelhado no breu de sua mentirosa arma-dilha de abismos rasos, a foto-grafia amarelada ao meio dia dos vestígios do passado da opulência de uma energia que parecia incontrolável. O rio há muito deixou de ser Opara dos índios locais, arquétipo do paraíso tropical brasileiro, mas ainda é lindo como uma top model esquelética, que nos mantém em estado de alerta permanente, com medo que caia na passarela, com receio que ele mesmo não desfile até o final para se exibir e abraçar o mar. Talvez o rio tenha mesmo se convertido no retirante magro que luta para sobreviver em seu cami-nho para a capital assentada

em equilíbrio precário com o mar. O retirante é atraído pela capital que o engole, e rejeita como dejeto em seus próprios rios menores transformados em esgotos. O mar também oferece resistência ao rio que enfraquecido se vê invadido e sem sua identidade doce e de pujança piscosa.

O rio é caleidoscópico, induz vertigem com suas cores, formas, sons e odores que se multiplicam em todas as direções e se duplicam em suas águas. O passado retorna com seus fantasmas. Em algum pedaço da margem, a vegetação exuberante into-cada pela força devastadora humana fascina. É o tempo da natureza atravessando o tempo humano. O olhar vagueia nas paisagens da memória, por belezas antigas pintadas por uma natureza de cores mais vivas, com mais verde nas margens e nas águas, com espumas flutuantes gera-das no torvelinho da força e da pressa do rio em chegar até o mar. Velhos casarões ainda

podem ser vistos, expostos ao sol, esmaecendo-se como velhas fotografias, vestígios de um passado opulento.

A visão de crianças banhando-se no rio subita-mente nos devolve ao presente para pensar no futuro. O barco é estacionado em um povoado na hora do almoço. A máquina do tempo para no presente. O roteiro do futuro do rio ainda está sendo escrito e filmado com a frágil e cívica resistência nordestina à transposição de suas águas ao mesmo tempo em que com a escrita subter-rânea dos enganos políticos regionais, com os projetos de revitalização de suas margens, com o repovoamento de suas águas com espécies nativas, mas também com muito lixo e assoreamento, desvio de verbas e águas, e com a mais brutal violência à sua princi-pal riqueza, a identidade do povo ribeirinho que assiste perplexo à inundação de cida-des e povoados, de tradições seculares e de sua história afetiva.

O rio se mostra no presente, desnutrido, desidratado, anêmico e

banguelo: raso, estreito, sem peixes, sem pescadores, com as margens decadentes se

desfazendo, e sem árvores para lhes dar sustentação”

RASO COMO UM GEMIDOO QUE DO RIO SE PERCEBE PROFUNDOÉ O MISTÉRIO DO UNIVERSO EM SUAS ÁGUAS REFLETIDO

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CAMPUS3O DIA ALAGOAS l 11 a 17 de maio I 2014

redação 82 3023.2092e-mail [email protected]

À MARGEM DO RIO, A VIDA SE MOSTRA PELO AVESSO

O TEMPO ESCOA AO CONTRÁRIO DO RELÓGIO

CASAS, PESSOAS, NATUREZA MOSTRAM SEU DUPLO COMO

RAÍZES LÍQUIDASA VIDA À MARGEM DO RIO É

REFLEXO E MIRAGEM

POVOADO POTENGI TANTAS LÁGRIMAS SEM DESPEDIDASTANTO SUOR SEM LABUTATANTO SAL NA DURA VIDAÉ O MARQUE SE APROXIMA E NOS ASSUSTA

VIAGEM NÃO É PARA ONDE SE VAI,É SEMPRE UM

MERGULHO NA ALMAE UM DESAPEGO DA RAZÃO

O RIO PARA ONDE FUINÃO É O MESMO

QUE TRAGO NA BAGAGEM,O RIO NÃO É O QUE

QUEREMOS QUE ELE SEJAIMENSO ESPELHO

DE NOSSAS INTENÇÕESO RIO APENAS REFLETE

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CAMPUS4 O DIA ALAGOAS l 11 a 17 de maio I 2014

redação 82 3023.2092e-mail [email protected]

RIO FEMININODE TEUS AMANTES

INSATISFEITOSNÃO TENHO CIÚME

DO PESCADOR EGOÍSTATENHO CIÚMES DO MAR QUE, À NOITE,

SUSPENDE TUA SAIA BORDADA DE LUA E ESTRELAS

E PENETRA POR BAIXODE TUAS ANÁGUAS

RENDADAS DE ESPUMAS

À NOITE, QUANDO OS HOMENS ADORMECEM,O RIO RECOLHE SUAS TRANSPARÊNCIAS

E VESTE SEU LONGO MANTO NEGROA LUA ENTÃO DESCE CONFIANTE COM SUAS ESTRELAS MENINAS

PARA NELE SE BANHAR