240
WAGNER MENEZES O Direito do Mar

O Direito Do Mar

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Compilação da evolução do direito do mar desde a conferência de Montego Bay de 1982.

Citation preview

WAGNER MENEZESO Direito do MarMINISTRIO DAS RELAES EXTERIORES Ministro de EstadoEmbaixador Mauro Luiz Iecker VieiraSecretrio-GeralSrgio Frana Danese FUNDAO ALEXANDRE DE GUSMO Presidente Embaixador Srgio Eduardo Moreira LimaInstituto de Pesquisa deRelaes InternacionaisDiretorEmbaixador Jos Humberto de Brito CruzCentro de Histria e Documentao DiplomticaDiretorEmbaixador Maurcio E. Cortes CostaConselho Editorial da Fundao Alexandre de GusmoPresidenteEmbaixador Srgio Eduardo Moreira LimaMembros Embaixador Ronaldo Mota SardenbergEmbaixador Jorio Dauster Magalhes e Silva Embaixador Gonalo de Barros Carvalho e Mello MouroEmbaixador Jos Humberto de Brito Cruz Embaixador Julio Glinternick BitelliMinistro Lus Felipe Silvrio FortunaProfessor Francisco Fernando Monteoliva DoratiotoProfessor Jos Flvio Sombra SaraivaProfessor Antnio Carlos Moraes LessaAFundaoAlexandredeGusmo,institudaem1971,umafundao pblicavinculadaaoMinistriodasRelaesExterioresetemafnalidade delevarsociedadecivilinformaessobrearealidadeinternacionale sobreaspectosdapautadiplomticabrasileira.Suamissopromover asensibilizaodaopiniopblicanacionalparaostemasderelaes internacionais e para a poltica externa brasileira.WAGNER MENEZESO Direito do MarBraslia 2015Direitos de publicao reservados Fundao Alexandre de Gusmo Ministrio das Relaes Exteriores Esplanada dos Ministrios, Bloco H Anexo II, Trreo 70170-900 Braslia DF Telefones: (61) 2030-6033/6034 Fax: (61) 2030-9125 Site: www.funag.gov.br E-mail: [email protected] Equipe Tcnica: Eliane Miranda PaivaFernanda Antunes SiqueiraGabriela Del Rio de RezendeAlyne do Nascimento SilvaRenata Nunes DuarteProjeto Grfico:Daniela BarbosaProgramao Visual e Diagramao: Grfca e Editora Ideal Ltda. Impresso no Brasil 2015M543Menezes, Wagner.O direito do mar / Wagner Menezes. Braslia : FUNAG,2015.238 p. (Em poucas palavras) ISBN978-85-7631- 548-31. Direito do mar. 2. Direito do mar - aspectos histricos. 3. Direito do mar - fontes. 7. Plataforma continental. 8. Mar - aspectos ambientais. 9. Mar - pesquisa cientfca. CDD 341.12251Depsito Legal na Fundao Biblioteca Nacional conforme Lei n 10.994, de 14/12/2004.Wagner MenezesProfessor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de SoPaulo(USP).Livre-docente,ps-doutorpelaUniversidade dePadova,Itlia.PresidentedaAcademiaBrasileiradeDireito Internacional(ABDI).DiretorexecutivodaSociedadeLatino--AmericanadeDireitoInternacional(SLADI).Vice-presidente executivodaSociedadeBrasileiradeDireitoInternacional (SBDI). Presidente fundador do Centro de Estudos em Direito do Mar da Universidade de So Paulo (Cedmar-USP). Coordenador do Congresso Brasileiro de Direito do Mar.Dedico a Vicente Marotta Rangel.AgradecimentoAgradeo, de forma especial, a contribuio inestimvel de Mariana Arajo, Paulo Edvandro da Costa Pinto e Rafael Prado. There is a tide in the affairs of men. Which, taken at the flood, leads on to fortune; Omitted, all the voyage of their life is bound in shallows and in miseries. On such a full sea are we now afloat, and we must take the current when it serves, Or lose our ventures.(Julius Caesar, act 4, scene 3).SumrioI.Introduo ................................................................................ 19II.Evoluo histrica do Direito do Mar ........................................ 23III.A Conveno das Naes Unidas sobre o Direito do Mar .......... 33IV.Razes que levaram os Estados a se submeterem Conveno sobre o Direito do Mar ............................................ 37V.Objetivos do Direito do Mar ...................................................... 41VI.Fundamento do Direito do Mar ................................................. 45VII. Princpios do Direito do Mar.................................................... 49VIII. Sujeitos do Direito do Mar ........................................................ 55IX.Objeto do Direito do Mar .......................................................... 61X.As fontes do Direito do Mar ...................................................... 65XI.O Direito do Mar e sua extenso conceitual ............................. 75XII. Lineamentos para compreenso da estrutura normativa da Conveno das Naes Unidas sobre o Direito do Mar............ 83XIII. Direito do Mar e delimitao dos espaos martimos ............... 891. Mar territorial ...................................................................... 911.1. Limitao jurisdio do Estado sobre o mar territorial .. 941.1.1. O direito de passagem e passagem inocente............... 941.1.2. Imunidade de jurisdio penal ...................................... 971.1.3. Imunidade de jurisdio civil ......................................... 991.1.4. Imunidade de navios de Estado estrangeiro ................ 1002. Zona contgua .................................................................... 1023. Zona econmica exclusiva ................................................. 1033.1. Direitos de soberania..................................................... 1053.2. Direitos e deveres de jurisdio...................................... 1063.3. Direitos e deveres de outros Estados na zona econmica exclusiva ......................................................................... 1093.3.1. Estados sem litoral..................................................... 1113.3.2. Estados geograficamente desfavorecidos................... 1124. O alto-mar ......................................................................... 1144.1. Os direitos dos Estados no alto-mar ............................... 1154.1.1. Liberdade de navegao .............................................. 1154.1.2. Liberdade de sobrevoo ................................................. 1184.1.3. Liberdade de instalao de cabos e dutos submarinos ................................................................ 1184.1.4. Liberdade de construo de ilhas artificiais e outras instalaes .................................................................... 1194.1.5. Liberdade de pesca...................................................... 1204.1.6. Liberdade de pesquisa cientfica ................................... 1214.2. Os deveres dos Estados no alto-mar ............................... 1214.2.1. Dever de atribuir nacionalidade dos navios e disciplinar sua jurisdio ................................................................ 1224.2.2. Dever de prestar assistncia........................................ 1234.2.3. Dever de impedir o trfico de escravos ......................... 1244.2.4. Dever de utilizao do alto-mar para fins pacficos ...... 1254.2.5. Dever de no poluir ...................................................... 1254.2.6. Dever de respeito s regras internacionais de pesca e manuteno do meio martimo ..................................... 1264.2.7. Dever de represso ao trfico de drogas ilcitas ............ 1274.2.8. Dever de represso de transmisses no autorizadas .. 1284.2.9. Dever de cooperar na represso da pirataria ................ 1284.3. A pirataria no alto-mar ..................................................... 1294.4. Imunidades e seus limites no alto-mar ........................... 1324.4.1. O direito de visita .......................................................... 1334.4.2. O direito de perseguio ............................................... 1345. A plataforma continental ................................................... 136 5.1.Direitos do Estado costeiro sobre a plataforma continental ...................................................................... 1385.2. A extenso da plataforma continental alm dasduzentas milhas .............................................................. 1405.3. A reivindicao brasileira de extenso da plataforma continental e a Amaznia Azul .................................... 1426. A rea ................................................................................ 1486.1. Princpios que regem a rea ........................................... 1506.1.1. Patrimnio comum da humanidade ............................. 151 6.1.2. Obrigao de zelar pelo cumprimento e responsabilidade por danos ......................................... 1516.1.3. Benefcio para a humanidade ...................................... 1526.1.4. Utilizao da rea exclusivamente para fins pacficos ....1536.1.5. Proteo do meio martimo ......................................... 1546.1.6. Proteo da vida humana ............................................ 1546.1.7. Harmonizao das atividades na rea e no meio martimo ...................................................................... 1556.1.8. Participao dos Estados em desenvolvimento nas atividades da rea ....................................................... 1566.2. Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos e sua organizao institucional ................................................ 1566.2.1. A Assembleia ............................................................... 1596.2.2. O Conselho ................................................................... 1616.2.2.1. Comisso de Planejamento Econmicodo Conselho .............................................................. 1636.2.2.2. Comisso Jurdica e Tcnica do Conselho .................. 1646.2.2.3. Cmara de Controvrsias dos Fundos Marinhos ....... 1666.2.3. O Secretariado .............................................................. 1696.2.4. A Empresa .................................................................... 1706.2.4.1. O Conselho de Administrao da Empresa ................ 1726.2.4.2. O Diretor-Geral e o pessoal da Empresa .................... 1736.2.5. Anlise conclusiva sobre a estrutura orgnica da Autoridade .................................................................... 174XIV. Proteo e preservao do meio martimo ............................. 1771. Regras de preveno e controle da poluio marinha ....... 1801.1. Poluio de origem terrestre ........................................... 1811.2. Poluio proveniente de atividades relativas aos fundos marinhos sob jurisdio nacional ................................... 1821.3. Poluio proveniente de atividades na rea ................... 1831.4. Poluio por alijamento................................................. 1831.5. Poluio proveniente de embarcaes ........................... 1851.6. Poluio proveniente da atmosfera ................................ 187XV.Investigao cientfica marinha no contexto doDireito do Mar ......................................................................... 189XVI. Desenvolvimento e transferncia de tecnologia marinha no Direito do Mar ......................................................................... 193XVII. Soluo de controvrsias no Direito do Mar .......................197XVIII. O Tribunal Internacional sobre Direito do Mar (ITLOS) ........203XIX.A jurisprudncia dos tribunais internacionaise o Direito do Mar..............................................................209XX.Reflexes finais: desafios e perspectivas para oDireito do Mar ....................................................................215Bibliografia seletiva ...................................................................22119IIntroduo Omarfundamentalparaamanutenodavidae sobrevivncia do planeta, estando diretamente ligado a seu equilbrio, no s por ocupar maior poro geogrfica na Terra, mas porque dele e de sua influncia depende a subsistncia dobitopoe,porconseguinte,doecossistemaplanetrio, que esto em permanente conexo de interdependncia. Aespciehumana,suaalimentaoesobrevivncia dependemdeummeiomartimoequilibrado.Ahistria de integrao humana entre povos se deu justamente nos oceanos,que,emsuadimensoantropolgica,nosmais remotos registros histricos, serviram como espao dinmico deinteraocultural,comrcio,conquista,pacificao, contato entre povos e civilizaes e miscigenao.possveldeduzirqueosespaosmarinhosforam determinantes para a conformao da sociedade de Estados como vemos hoje. Muito da sorte e do destino dos povos foideterminadoporsuaposiogeogrficaemrelaoao mar e, em rpida perspectiva de anlise evolutiva histrica, Wagner Menezes20ainda o , redimensionando-se como um espao aberto de intercomunicaes.Aevoluodahumanidadeexpandiuaimportnciado maraolongodostemposeprojetounovastenses,que, costumeiramente, foram sendo resolvidas. Entretanto,em umcontextocrescentementeplural,surgiuanecessidade de um marco jurdico capaz de estabelecer parmetros de utilizao de um espao comum por diferentes povos.Anormatizaodomarsfoipossvelporcontada liderana e perseverana da Organizao das Naes Unidas (ONU)edasconfernciasquepromoveuataConveno dasNaesUnidassobre0DireitodoMar,marcojurdico complexoeavanadosobreapercepodeutilizao dosespaosocenicoscomorescommunesdasociedade internacional.ODireitodoMarconsolida-senacontemporaneidade como um novo ramo do Direito, fundamental para a proteo deinteressesestratgicosdosEstadosnoexercciodas prerrogativas de soberania, para sua subsistncia econmica, para as intercomunicaes e para a manuteno da vida. Em um cenrio contemporneo de globalizao, o mar espao aberto de fluidez dessas inter -relaes.Paradoxalmente,temaaindapoucoestudado,a despeitodadimensodesuaimportncia,e,muitas vezes,relegadoaumsegundoplanonaspesquisasdas universidadesbrasileiras.NoBrasil,oestudodoDireito do Mar tem relevncia em razo da dimenso de sua faixa costeira, de modo que o espao delimitado de jurisdio expressivo.21O Direito do MarNasfaculdadesdeDireito,oDireitodoMarpartedo programa de estudo do Direito Internacional Pblico, o que acaba por limitar sua compreenso, pois, quando muito, os professores dedicam uma ou duas aulas ao tema, apesar da relativacomplexidadedeseucontedo,quecompreende matria interdisciplinar e, portanto, extrapola a perspectiva meramentejurdica,comconceitosextradosdeoutros camposdeconhecimento,comoGeologia,Oceanografia, Biologia,EngenhariaNavalemesmoaprticadoDireito Martimo. desejvelqueasuniversidadescriemcursosde extenso,aprimoramento,seminriossobreoDireitodo Mar,aproveitandojustamentesuainterdisciplinaridade para dialogar com diferentes campos do saber e conscien-tizarasociedade,especialmenteosjuristasemformao, acercadeumcampodetrabalhoamploecomexcelentes perspectivas.AdeficitriaformaodosconhecedoresemDireitodo Mar acaba tendo reflexo social, com pouqussimos juristas se aventurando a trabalhar com ele. A questo se agrava diante da falta de ateno e sensibilidade poltica em relao aos interesses estratgicos do pas, especialmente nas questes que envolvem os recursos marinhos.Exceo nesse panorama so os trabalhos empreendidos pela Marinha do Brasil na defesa dos interesses do Estado brasileiroepeloMinistriodasRelaesExteriores,com corpodiplomticoatentosdiscussessobreotemaem forosinternacionais,consideradosverdadeirasilhasde resistncia do tema. Wagner Menezes22Apresenteobra,mesmoqueempoucaspalavras, espera tornar-se um instrumento de leitura claro e objetivo sobre o Direito do Mar e seu entendimento jurdico normativo. Como estudo preliminar, visa a apontar suas bases tericas fundamentais, os temas por ele regulados e o contexto no qualseaplicamsuasinstituies,seusmecanismosde efetividade e o cumprimento de suas regras.Seguindo o modelo proposto, a obra dividida em vinte pequenos captulos, nos quais didaticamente so expostos oscontornosnormativosdoDireitodoMar.Oobjetivo no construir tese complexa, mas apresentar o tema de forma didtica, organizada e sistemtica, aproximando -o do leitor, ora com inferncias reflexivas, outras com a simples reproduo de textos, cujo entendimento fundamental no contexto da obra. Em tempos de globalidade social, de intercomunicaes, comrcioglobaledinmicasinter -relaespessoais, oespaomartimoondeconcretamenteocorremas convergncias simbiticas. Por isso, fundamental entender suasregras,mecanismosesistemajurdico,paraquese possa realizar uma interpretao de vanguarda do mundo e da relao entre povos e Estados, com vistas construo de um ambiente universalizado.23II Evoluo histrica do Direito do MarEmbora o espao martimo acompanhe desde sempre as relaes entre povos na Histria, no comrcio, na conquista ounainteraoculturalesocial,aconstruodenormas sobreDireitodoMarteveregulaotardia,considerada suaimportnciaeutilizaodesdeascivilizaesmais primitivas.Apropsito,nocostumequesedesenvolvegrande parte da compreenso normativa sobre Direito do Mar, que maistarde,comoprocessodecodificao,corporificou--se no Direito Positivo. No Direito Internacional clssico, as normas vigentes na matria teriam uma natureza fundamen-talmenteconsuetudinria,reforadaporentendimentos doutrinrios de pensadores que expressavam quase sempre posicionamento do centro de poder dominante. As relaes estabelecidassobreautilizaodosmareseramapenas integradasporumacordomnimorelativoexistncia deumcinturomarinhoaoredordosEstadoscosteiros. Omotivoparatantofoiaconsolidaodoentendimento Wagner Menezes24mais absoluto de soberania, que no comportava qualquer flexibilizao em favor de uma comunidade de Estados. O mais importante, nesse cenrio, era garantir o interesse particular do Estado e sua soberania.A tentativa de entendimento normativo ou de busca de umaperspectivanormativasobreDireitodoMaraparece na fase pr -clssica, a qual precede a prpria consolidao doEstado,nasobrasdetericosquetentavamexplicar dealgumaformaarelaoentreospovos,numaviso particularcentralizadaessencialmentenopoderdaIgreja. Francisco de Vitria viu o Mar como coisa do mundo e, em razodesuaconcepodedireitonaturalcomreferncia divina, como uma coisa comum a todos. Assim, defendia a liberdade natural para uso do mar, para a navegao, e para o direito de explorao e pesca.1 Por sua vez, e contrastando com a viso de centralizao daIgrejaCatlica,portantoatendendoessencialmentea reinos protestantes em um contexto em que emergiam como potnciasmartimas,bemcomocrescenteemarcante concepo de Estado soberano, Hugo Grcio defendeu o mare liberum (1609). Props que os mares no eram suscetveis de apropriao por qualquer Estado e que todos tinham uma propriedade comum sobre o direito de navegao, que no poderia ser objeto de apropriao.2 Em contraposio a essa ideia, emergiu o ingls John Selden (1635), que defendeu os interesses martimos ingleses segundo o princpio do mare 1VITRIA, F. Os ndios e o direito da guerra: de indis et de jure belli relectiones. Trad. de Ciro Mioranza. Iju, RS: Ed. Uniju, 2006, p. 93-97.2GROTIUS, H. O direito da guerra e da paz. Trad. de Ciro Mioranza. 2. ed. Iju, RS: Ed. Uniju, 2005. v. I.25O Direito do Marclausum,invocandoodireitodepropriedadedomarnas proximidadesdoterritriosobodomnioejurisdiodo monarca ingls, sendo o mar tratado como um objetivo sus-cetvel de apropriao.3, 4 Tal discusso se arrastou por tempos, e a imperatividade dasnecessidadeseconmicasdosEstadoscolonizadores, porcontadasrotasdocomrcioedeconquista,foi timidamenteconsagrandooprincpiodaliberdadedos maresporumaconveninciapoltica,levandoasua generalizaocircunstancial.Domesmomodo,aproteo dacostaadjacenteaoEstadotambmfoitratadacomo uma questo fundamental para os interesses dos Estados, receosos com sua proteo estratgica, embora adotassem posiesdiscordantesquantoextensodoexercciode proteo.5, 6 Como exemplo de norma costumeira que se consolidou nesse tempo, pode -se mencionar a definio do entendimento estatal sobre a dimenso do mar territorial, frequentemente estabelecidonoalcancedeumtirodecanho.Entendia--se que o mar territorial seria de trs milhas nuticas (com o aprimoramento tecnolgico das armas, essa distncia da costa foi tornando -se obsoleta), ficando fora do alcance da soberania dos Estados o restante da superfcie marinha. Valeaindarecordarodireitodepassageminocenteea 3BARBOZA, J. Derecho internacional pblico. Buenos Aires: Zavalia, 2003.4REZEK, J. F. Direito internacional pblico: curso elementar. 12. ed. So Paulo: Saraiva, 2010. 353 p. 5Taldiscusso,muitasvezes,aindaaparececomopanodefundonacontemporaneidadesobrea renitncia de Estados em aceitar integralmente as regras da Conveno de Montego Bay, como ser explicado adiante.6SCOVAZZI, T. The evolution of International Law of the Sea: new issues, new challenges. Recueil de Cours. Dordrecht: Martinus Nijhof, 2000. v. 286.Wagner Menezes26definio da imunidade de jurisdio de certas embarcaes, entreoutrosexemplosresultantesdaflexibilidadedas normas estabelecidas pela navegao martima.7Conforme aponta Juan Miguel Ortega Terol:NobalbuciantecomeodestareadoDireito internacional, o interesse dos Estados encontrava--se em um plano horizontal, na superfcie do mar. Suarelevnciaenquantomeiodecomunicaoe comrciodesempenhouumpapeldeterminante naselaboraestericasclssicas.Aomesmo tempo,omarofereciaumavistosacostaaberta ajornadasdediversoalcancequecolocavamem risco as cidades costeiras, ou, sob outro ponto de vista, servia de apoio para garantir a implantao de foras das principais potncias da poca, portanto noestranhoqueasconsideraesdecarter estratgicoestivessemtambmpresentesno desenvolvimento da ordenao deste meio. Assim, at meados do sculo XX, o mar era objeto de uma dupla aproximao: de um lado, uma estreita faixa marinha prxima aos Estados costeiros e submetida a sua soberania, denominada mar territorial e, de outro lado, o resto do mar, o alto mar (sic), onde existia um regime de liberdade para a navegao. E,praticamente,omaiorobjetodecontrovrsia girava em torno da extenso do cinturo de gua que cercava o Estado costeiro.87CAMINOS,H.Harmonizationofpre-existing200-mileclaimsintheLatinAmericanRegionwiththe UnitedNationsConventionontheLawoftheSeaanditsExclusiveEconomicZone.TheUniversityof Miami Inter-American Law Review, 1998, v. 30, n.1, p. 9-30.8TEROL, J. M. O.; TOMS, A. F.; LEGIDO, A. S. Manual de derecho internacional pblico. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2004.27O Direito do MarAssimforam,aospoucos,consolidando -seessasduas perspectivas por um lado, estabelecer uma zona de domnio absolutodoEstadonazonacosteiradeseuterritrio, adjacente a ele, e, por outro, a liberdade de navegao alm dessa zona, que passou a ser objeto de apreciao unilateral pelos Estados, com base justamente em sua soberania, sem um entendimento comum que norteasse tal posicionamento. AprimeiratentativadesistematizaodoDireitodo Marsedeuem1856,comarealizaodoCongressode Paris,relativoaoregimedenaviosduranteconflito,que influenciouumbomnmerodeEstadosnesseperodo,e, posteriormente,comaConvenodeGenebra,de1864, sobre as condies dos feridos em mar.Vale destacar que esse movimento inicial de codificao doDireitodoMarsedeuemumambienteinternacional hostil, pois o prprio Direito Internacional carecia de regras maisrgidascapazesdecriarobrigaesoponveisaos Estados. O Direito Internacional, naquele tempo, tinha como fundamentoasteoriasvoluntaristasmaisrgidas,que deixavam para os Estados as condicionantes para submisso sregrasinternacionais.Naquelecontexto,asrelaes entreEstadossedavamapenaspornecessidadeepelo estabelecimentodealianasestratgicas,inexistindoideia consolidadadeumasociedadeinternacional,quesurgiria deformamaisincisivasemdoismomentosposteriores: as Conferncias da Paz de Haia (1889 -1907) e a criao da Sociedade das Naes (1919).99II Conferncia da Paz, Haia, 1907. A correspondncia telegrfca entre o Baro do Rio Branco e Rui Barbosa / [Centro de Histria e Documentao Diplomtica]. Braslia: FUNAG, 2014.Wagner Menezes28Foi justamente a criao da Sociedade das Naes, com a assinatura do Tratado de Versalhes, em 1919, que estimulou oprocessodediscussosobreanecessidadederegras que disciplinassem o uso comum do mar. A Conferncia de Barcelona,em1921,resultounaconvenoenoestatuto sobreliberdadedetrnsitoesobreoregimedasguas navegveis de interesse nacional. Embora tenham produzido entendimentoscomunsemmatriadousodomar,tais convenes ainda estavam limitadas pelo contedo de seus textos e comprometimento dos Estados.ASociedadedasNaes,em1930,decidiuconvocara ConfernciadeHaia,comoobjetivodeprocederauma codificao que levasse a um entendimento comum sobre o uso do mar, sobre a delimitao do mar territorial e de uma zona contgua. Infelizmente, porm, as discordncias entre os Estados acabaram por paralisar as atividades de discusso e nenhum texto acabou sendo proposto. O agravamento da crise mundial e o desencadeamento da Segunda Guerra, em 1939, levaram paralisao do processo de regulamentao internacionaldamatria,emboraotemadetivessemais importncia naquele momento histrico do que nunca.Os motivos que impeliram os Estados a iniciar debates sobreoDireitodoMarsovriosebastantediversos,de acordo com a posio geogrfica e com o interesse de cada Estado. Os principais, contudo, podem ser enumerados como sendo:aconsolidaodenovosEstadoseanecessidade dedelimitaogeogrficaentreeles;odesenvolvimento tecnolgicoempregadonasembarcaes;ocrescimento populacionaleanecessidadedeampliaopesqueirade 29O Direito do MarcertosEstadose,porconseguinte,acapturadeespcies marinhas;adescobertadeumespaodeondepoderiam serextradasriquezas,comooshidrocarbonetoseoutros recursos no vivos.Nessesentido,acompreensodequeaplataforma continentalpoderiaserfontedeexploraodoEstado comeouaserobjetodereivindicaopelosEstados.Em 1945, o presidente norte -americano Harry Truman declarou queajurisdiodoEstadoamericanoseestendiasobre osrecursosdofundoesubsolodaplataformacontinental contgua ao prprio territrio, ato que foi seguido por vrios Estados,queinvocaramtambmseusdomnioscomo formadegarantiraexploraooportunadetaisrecursos, consolidando o entendimento sobre os domnios do Estado nesse espao.Eraprecisoretomarasdiscussessobreodesenvol-vimento de um Direito do Mar que pudesse regular as relaes entreosEstados.AcriaodasNaesUnidasrenovou decisivamenteesforosnabuscapelaregulamentao, obviamente j em um ambiente em que o tema sobre o uso do mar tomava outra dimenso, englobando outros aspectos porcontadediversosfatores,especialmentedasnovas descobertassobreasriquezasquepoderiamserretiradas domar,bemcomodadiscussosobreaexploraoda plataforma continental. Essas novas tentativas de regulao do Direito do Mar tambm ressurgem com outra perspectiva normativa e com outro ambiente nas relaes internacionais.ApartirdeprojetoelaboradopelaComissodeDireito Internacional da ONU, a Assembleia Geral das Naes Unidas Wagner Menezes30convocou,em1958,emGenebra,aPrimeiraConferncia dasNaesUnidassobreDireitodoMar,quesereuniu entreosmesesdefevereiroeabrildaqueleanoeteve participantesde86Estados,resultandonacelebraode quatro convenes sobre o Direito do Mar:10 1) mar territorial ezonacontgua;2)plataformacontinental;3)alto -mar;e 4) pesca e conservao dos recursos vivos do alto -mar. No crditodaConferncia,podeserimputadaaconsolidao devriosaspectosrelacionadoscomosistemajurdico dasguasinteriores,omarterritorialeoalto -mar,ao mesmotempoemqueproduziuinteressanteselementos de desenvolvimento progressivo que se consolidaram mais tarde,comoosrelativoszonacontguaeplataforma continental. Cabe destacar, entretanto, a ausncia do acordo sobre a extenso do mar territorial a mais de trs milhas, ou sobre o estabelecimento de direitos exclusivos de pesca fora de tal espao. Apesar disso, as quatro convenes entraram em vigor nos anos 1960.Precisamente,apersistentedificuldadeparaoestabe-lecimentodaextensodomarterritorial,assimcomoa multiplicaodereivindicaesexclusivistassobreos recursosmarinhos,influenciouaconvocatriadadenomi-nadaSegundaConfernciadasNaesUnidassobre DireitodoMar,em1960.Seuscomponentes,porm,no conseguiramentrarnumacordo(faltouumvotopara alcanaramaiorianecessria)sobreaextensodeseis milhas do mar territorial. 10RANGEL, V. M. Natureza jurdica e delimitao do mar territorial. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1966.31O Direito do MarAmanifestaoformaldoembaixadorArvidPardo,de Malta, em 1 de novembro de 1967, ao se dirigir s Naes Unidas,conclamando-asparaoestabelecimentodeum regime internacional eficaz sobre o oceano, alm de definir regrasclarasnaatribuiodajurisdionacionalpara julgar a matria, levou os Estados a realizarem, em 1973, a Terceira Conferncia das Naes Unidas sobre o Direito do Mar, que se desenvolveu em onze sees ao longo de nove anos.11Caberesgatarque,jem1970,aAssembleiaGeral decidiuconvocaraTerceiraConfernciasobreoDireitodo Mar,emumcontextocondicionadopeloincrementodas pretenses unilaterais dos Estados, em particular dos menos desenvolvidos, como uma forma de reivindicar as riquezas situadas na proximidade de suas costas. Ao mesmo tempo, os interesses estratgicos das grandes potncias, que viam emergir um importante dique de conteno mobilizao de suas foras nos principais estreitos do planeta, constituam um impedimento a qualquer negociao. Alm disso, havia quecontarcomasinmerasquestesquerevestiamum interessegeral,comoasreferentesaomeioambiente marinhoouexploraodosrecursosemzonasno submetidassoberaniadosEstados.Apesardeesboado deformaesquemtica,essepanoramadeuumbom exemplo da complexa tarefa que se esperava abordar com a regulamentao do meio martimo de uma forma global.12 11RIMABOSCHI, M. Lunifcation du Droit Maritime: construction dun Ordre Juridique Maritime. Marseille: Presses Universitaires dAix-Marseille, 2006.12CASTRO,L.A.A.OBrasileonovodireitodomar:marterritorialezonaeconmicaexclusiva.Braslia: FUNAG, 1989.Wagner Menezes32Finalmente, em 30 de abril de 1982, o resultado da Terceira Conferncia foi aprovado por votao no texto da Conveno dasNaesUnidassobreoDireitodoMar,aberto assinaturaem10dedezembrodomesmoano,naBahia Montego, Jamaica. Por conta do nmero mnimo de sessenta ratificaes para sua entrada em vigor, o texto esperou at o dia 16 de novembro de 1993, entrando efetivamente em vigor doze meses mais tarde, em 16 de novembro de 1994, ou seja, doze anos aps sua aprovao.33III A Conveno das Naes Unidas sobre o Direito do MarA Conveno das Naes Unidas sobre o Direito do Mar, compostapor320artigos,entrouemvigornodia16de novembro de 1994, e, em razo de condicionantes presentes nobojodotratado,osEstadosadiaramaratificaoe promoveramalteraesnotextooriginal,resultandonum acordo subsequente relacionado execuo da parte XI da Conveno, adotado em 28 de julho de 1994 e incorporado em 28 de julho de 1996. Esse acordo e a parte XI da Conveno devem ser interpretados em conjunto e aplicados como um nico instrumento; at o presente momento, contam com a adeso de mais de 154 Estados.13, 14, 15 A Conveno estabeleceu uma estrutura legal detalhada para regular todo o espao do oceano, seus usos e recursos, 13MARTINS, A. M. G. O acordo relativo aplicao da Parte XI da Conveno das Naes Unidas sobre o Direito doMar de 1982na ptica do Direito dos Tratados. Revista Jurdica, 2001, n. 24, p. 21-52.14GARCA-REVILLO, M. G. El Tribunal Internacional del Derecho del Mar: origem, organizacin y comtencia. Crdoba: Servicio de Publicaciones Universidad de Crdoba, 2005.15MARFFY-MANTUANO,A.Theprocedural frameworkoftheagreementimplementingthe1982 United Nations Convention on the Law of the Sea. The American Journal of International Law, 1995, v. 89.Wagner Menezes34contendo normas disciplinadoras sobreo marterritorial, a zona contgua, a plataforma continental, a zona econmica exclusivaeoalto -mar.Forneceregrasparaaproteoe preservao do ambiente marinho, para a pesquisa cientfica, paraodesenvolvimentoetransfernciadatecnologia marinha para a explorao dos recursos do oceano e de seu subsolo, delimitando os limites da jurisdio nacional para cadamatria;tambmconsolidouconsolidouprincpios costumeirosquedevemserobservadospelosEstadosna utilizao conjunta dos espaos martimos, como a liberdade do mar, o exerccio da jurisdio interna dos Estados dentro de limites do mar adjacente ao Estado e a caracterizao da plataforma continental.16, 17OmecanismoestabelecidopelaConvenoparaa soluodeconflitosfornecequatromeiosalternativos,os quais os pases aderentes da Conveno tm total liberdade paraescolher:oTribunalInternacionaldoMar,aCorte InternacionaldeJustia,oTribunalArbitral,constitudode acordo com o anexo VII da prpria Conveno, ou o Tribunal Arbitral Especial, constitudo de acordo com o anexo VIII. deseesclarecerque,emboraotextogozedoefeito de qualquer tratado internacional, conforme prescrito pela Conveno de Viena sobre Direito dos Tratados, o contedo normativo de certos dispositivos possui carter declaratrio epropositivo.Ademais,ofatodenopermitirreservas, 16BASTOS, F. L. A internacionalizao dos Recursos Naturais Marinhos. Lisboa, Portugal: Almondina, 2005.17CAMINOS, H. Law of the See. Burlington: Ashgate Publiishing Company, 2001.35O Direito do Marseno aquelas previstas na prpria Conveno, alarga, em anlise, seu alcance normativo.18, 19AimportnciadaentradaemvigordaConvenoest em que estabeleceu um marco jurdico comum aos Estados eproporcionouapacificaodoentendimentosobrea delimitao dos espaos para utilizao e explorao do mar, suasuperfcie,soloesubsolo,espciesvivas,bemcomo suaconservao.Almdisso,regulamentouobrigaes, direitosedeveresdosEstados,nocompartilhamentode responsabilidadessobreautilizaodoespaocomum, alto-mar e rea.20, 21, 22, 2318RIGALDIESK, F. Lentre en vigueur de la Convention de 1982 sur le droit de la mer: enfn le consensus. La Revue Juridique Thmis, 1995, v. 29, n. 1.19LVY,J.P.LesNationsUniesetlaConventionde1982surledroitdelamer.RevueBelgedeDroit International, v. 27, n. 1, 1995, p. 11-35.20NAZO, G. N. Questes importantes referentes ao mar. So Paulo: Soamar, 1996.21No Brasil foi aprovada pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo n 5, de 9 de novembro de 1987) e ratifcada em 22 de dezembro de 1988, tendo sido incorporada pelo Decreto n 1.530, de 22 de junho de 1995.22ANDERSON, D. H. Legal implications of the entry into force of the UN convention on the law of the sea. International and Comparative Law Quarterly, Abr. 1995, v. 44, n. 2, p. 313-326.23PLATZDER, R. Substantive changes in a multilateral treaty before its entry into force: the case of the 1982 United Nations Convention on the Law of the Sea. European Journal of International Law, v. 4, n. 3, 1993, p. 390-417.37IVRazes que levaram os Estados a se submeterem Conveno sobre o Direito do Mar A motivao para os Estados aderirem Conveno das Naes Unidas sobre o Direito do Mar pode ser encontrada na fora poltica das Naes Unidas e na compreenso dos Estadosdaexistnciadeumnovocontextointernacional, que exige o estabelecimento de um marco jurdico comum como forma de legitimar o uso dos mares e oceanos pelos Estadoseestabelecerobrigaeselimitesdeaceitao universal. O amadurecimento dos debates que ocorreram ao longo da Histria, na consolidao dos princpios e costumes do Direito do Mar, tambm foi fundamental, especialmente nas tentativasderegulamentao,ocorridasnasConferncias de Genebra, em 1958 e 1960, que serviram como processo Wagner Menezes38depreparaonecessriacodificaocomumsobreo tema, com o consenso entre os Estados.24, 25Era imperioso que os Estados disciplinassem mecanismos para utilizao dos espaos martimos, pois, em decorrncia de seu carter transnacional, sem fronteiras em razo das correntes ocenicas, poderiam servir como zona de tenses por conta de seu uso, na medida em que qualquer dano tem opotencialdeafetartodacomunidadeinternacional.Ou seja, no mbito do mar, os problemas esto necessariamente inter -relacionados. Assim, o esprito norteador da Conveno foi e continua sendo estabelecer a cooperao mtua para a manuteno da paz e do progresso coletivo das sociedades e dos povos.Daexplica-seaincorporaodaconscinciacoma preocupaoambientalaodireitodomar,oquesedeu essencialmenteemrazodeumconjuntoemergentede temas e fatos que colocavam o espao martimo como um ambienteemqueosdanosambientaissoirreversveis, nosparaasespciesvegetaiseanimais,mastambm para os seres humanos, tendo em vista a poluio telrica, osvazamentosdepetrleoecombustvel,oalijamento dedetritosnomarcomapoluiodosmareseoceanos. Assim,compreende-seodeverqueseimpesociedade internacionaldeexigiraadoodemecanismoscomuns para proteo do meio ambiente marinho, com esprito de cooperao.2624MATTOS, A. M. Direito do Mar e poder nacional: polticas e estratgias. Belm: CEJUP, 1989.25SOARES, G. F. M. O Brasil e as negociaes sobre Direito do Mar. In: PEREIRA, A. C. A.; PEREIRA, J. E. A. (Orgs.). Refexes sobre a Conveno do Direito do Mar. Braslia: FUNAG, 2014.26SOARES, G. F. M. Curso de Direito Internacional Pblico. So Paulo: Atlas, 2002.39O Direito do MarOs avanos tecnolgicos, como as telecomunicaes em rede,ampliaramanecessidadedeestabelecerconexes com o uso de cabos submersos via martima. Esses cabos ocupamzonasnosmareseoceanosquenecessitavam, naquele tempo, de proteo, limite e disciplina regulatria. Comacrescenteutilizaodoespaomartimo,tornou-se necessria a celebrao de acordos bilaterais e multilaterais nem sempre fceis de serem realizados. Outra motivao foi a dinamizao do processo migratrio comoaperfeioamentotecnolgicodasembarcaese navios, o que permitiu deslocamento crescente de pessoas pelomundotodoeexigiuqueumaordemjurdicafosse pensada para disciplinar o trnsito martimo, no s quanto aousodapassageminocente,mastambmemrelaoa mecanismosligadosaodisciplinamentodajurisdiodo Estado e das embarcaes.27Almdisso,muitosEstadosdependemfundamental-mentedomarparaalimentaodesuapopulaoetm no espao martimo a principal fonte de alimentos e pesca. Nessediapaso,houveoaperfeioamentotecnolgicode embarcaesparapescas,quepermitiramcapturasem quantidadecrescentedepeixes,muitasvezespredatria, afetandoosestoques,bemcomonorespeitandoociclo dasespciesmigratrias.Eraimportante,ento,quese disciplinassem de forma equitativa e eficiente a utilizao e explorao dos recursos vivos, bem como que se estudasse, protegesse e preservasse o meio martimo.27COMBACAU, J. Le droit international de la mer. Paris: Presses Universitaires de France, 1985.Wagner Menezes40Omar,emboratenhasidosempreumespaode utilizaoparaocomrcio,tornou-semaisvulnervel comaampliaoderedescomerciais,bemcomocomo crescimento do comrcio mundial, passando a exigir maior regulamentao do trnsito, para embarcaes comerciais e civis,almdoestabelecimentodeportosparaocomrcio martimo. Adescobertademetaisepetrleoestabeleceuuma reaeconmicaaltamenteimportanteparaosEstadose, portanto,sujeitaadisputas.Oreconhecimentododireito soberanodessesespaosregulamentouodireitodos Estados em sua explorao.Ocombatecriminalidadenosmaressemprefoium problemaenfrentadopelosEstados,maisaindacoma ampliao de rotas e com os valores que passaram a despertar cobia criminosa. Por isso, no quadro da cooperao multi-lateral, era importante que os Estados reprimissem a pirataria em suas mais variadas formas e espaos, especificamente em alto-mar.41VObjetivos do Direito do Mar Elencaram-se,anteriormente,algunsdosmotivosque levaramosEstadosacelebraraConvenodasNaes Unidas sobre o Direito do Mar. Os Estados, contudo, tinham tambm,naquelemomento,objetivosnacionaisaserem alcanados com a celebrao do documento. Portanto, ao se fazerumaleituradaConveno,importanteestabelecer reflexo crtica sobre o que a motivou, bem como sobre os objetivosestabelecidosparaodesenvolvimentodoDireito do Mar, para que se possa analisar se tais propsitos esto sendo atingidos. A importncia da anlise de metas est em poder servir comoparmetroparaainterpretaodaaplicabilidade edavalidezdasnormasnaatualidadeecomoavaliador doalcancedosobjetivos.Demonstraseasnormasainda carecemdeaplicaoeressaltamopapeldasociedadee dos tribunais, sejam nacionais, sejam internacionais, de dar uma resposta lacuna aplicativa. Wagner Menezes42Entreosobjetivosquepodemserencontradosna Conveno,seguramenteomaisimportanteautilizao pacficadosmarescomoumespaodeconexoentreos povos e Estados. Segundo essa concepo, o mar deve ser usado como um espao dinmico de interao entre os povos, noexcludente,masdemocrticoeaberto.AConveno vemaseruminstrumentoqueestabelecesegurananas relaesinternacionais,quepassamasedesenvolverde maneiraprevisveleestatuda,comoresultadodelongo debate com ampla aceitao. Ademais, a existncia de um documentoformalacabatendocarterpreventivoparaas relaes estabelecidas nesse espao, visto que muitos dos seusdispositivosservemcomoorientadoresdasrelaes entre os Estados.Ao estabelecer como objetivo a utilizao pacfica do mar, a Conveno afastou prticas voltadas para seu mau uso ou posies soberanistas, baseadas em relaes de poder. Por exemplo,afastouousodoespaoparatestesnucleares oumanobrasmilitaresindependentes,ouparaqualquer atividade que possa potencializar eventuais conflitos. Oaproveitamentoeconmico,emrazodasriquezas encontradasnoespaomartimo,comvistasaodesen-volvimento dos Estados, estabeleceu uma ordem econmica internacionaljustaeequitativa.AConvenoprevem seusdispositivos,deformademocrtica,apossibilidade de Estados que no tm costa beneficiarem-se da medida. Para o estabelecimento de uma ordem justa e equitativa, preciso garantir que, efetivamente, todos tenham acesso possibilidade de explorao de riquezas, que a explorao 43O Direito do MarnoprejudiqueoutrosEstadosouoequilbriodomeio ambiente e que o mar seja um ambiente sustentvel.Apropsito,oobjetivodepromoveradistribuio equilibrada dos recursos martimos, especialmente para os pasesemdesenvolvimento,semlitoral,oudependentes derecursosdomar,apareceemvriosdispositivosda Conveno.Oobjetivodoaproveitamentoeconmicoedesenvol-vimentobastanteprximodaideiadodesenvolvimento sustentvel no contexto do Direito Internacional Ambiental, sopesandoelegitimandoaexploraoeconmica,tendo comoperspectivaodesenvolvimentodospovosedas geraes futuras.Ainda sobre o aproveitamento econmico dos mares, a Conveno estabelece a necessidade de balancear as regras em um binrio entre as necessidades gerais e os interesses particulares. As necessidades gerais se enquadram no campo da solidariedade e no compartilhamento comum do mar e seus recursos para o sustento das populaes e a segurana alimentar, bem como de seus recursos em forma de energia edaquelesfundamentaisparaasustentabilidadedos povos, de comunidades principalmente no caso de Estados emdesenvolvimentoquenodispemdetecnologiaou dequalqueracessoaomarpornodisporemdelitoral. Porsuavez,osinteressesparticularescompreendema esferadoexercciodospoderessoberanosdosEstados eseusinteresses,desdequesejaexercidonoespaoda legitimidadequediscricionariamenteaprpriaConveno Wagner Menezes44permite, em carter objetivo e excepcional, no podendo se sobrepor s necessidades gerais.Aoproporobjetivos,aConvenoassumeocompro-missodepersecuodemetasaserematingidascoma implementao de suas prprias regras. Tais objetivos servem comoparmetroparaconstanteavaliaodaeficciadas regrasdoDireitodoMar,bemcomoseconstituemcomo elementosderefernciaparaasinterpretaesjurdico --normativasdeseusdispositivos.Asreferidasmetasso instrumentos basilares para o desenvolvimento progressivo doDireitodoMareparaofortalecimentodapaz,da segurana, da cooperao e das relaes de amizade entre todasasnaes,emconsonnciacomosobjetivosdas Naes Unidas.45VIFundamento do Direito do MarAdiscussosobreofundamentotericoquenorteia aobrigatoriedadedeumadadanormatemadosmais relevantes na estrutura de anlise normativa, pois a partir dadefiniodofundamentoquesepodemjustificara obrigatoriedade e a lgica jurdica normativa de uma dada norma.A discusso sobre o fundamento do Direito Internacional passou pelo estudo de vrias escolas e por diversas pers-pectivas,desdeaescolaclssicasoberanista,passando pelavoluntaristaou normativista, pelasociolgica, atpela universalista, e, ainda hoje, com as mudanas dos paradigmas doDireitoInternacionalnacontemporaneidade,continua sendo tema em permanente discusso28.ODireitodoMarmereceinterpretaoquantoaseu fundamentoeobrigatoriedade,pois,conformeacentuado, 28VIGNES, D. La Convention des Nations Unies sur le Droit de la Mer Serait-Elle un Regrettable Accord Mixte? La Communaut lA Pourtant Conclue. Mlanges en Hommage Michel Waelbroeck, v. I, 1999, p. 683-694.Wagner Menezes46emboratenhaumvnculoprofundocomoDireitoInterna-cional, de vis essencialmente voluntarista, certo que os Estadosreconhecemomarcomoumpatrimniocomum daHumanidade,ouseja,comoumespaocoletivo, supranacional,quedeveseradministradoembenefcio detodosospovosdomundo.29Porisso,apercepodo fundamentodoDireitodoMarvaialmdaperspectiva voluntarista ou contratualista que orientou as interpretaes sobreoDireitoInternacionalatosculopassadoeque, ainda hoje, possui adeptos. AedificaodaConvenodasNaesUnidassobreo DireitodoMar,emboraderivadadeumtratado,trazem seubojovaloresnormativosdecarteruniversal,dando aoDireitodoMaroutraenovadimenso,queconsagra aexistnciadeumespaotransacionalquedeveser compartilhado por todos os povos, assentado sobre a ideia daexistnciadeumbemcomumdeumtitulardifuso;a humanidade como um todo.30Para anlise do fundamento normativo do Direito do Mar, preciso ter em conta seu carter universalista, ao mesmo tempo composto por um objeto de anlise essencialmente transacional,queindiscutivelmenteinteressaatodaa humanidade.ODireitodoMarpodeserentendidocomoum microssistema derivado do Direito Internacional, que guarda comeleumarelaosimbitica,namedidaemqueas 29CAVALCANTI, B. M. V. Natureza jurdica do mar. Rio de Janeiro: Jornal do Comrcio, 1943.30ANDERSON, D. H. Further eforts to ensure universal participation in the United Nations Convention on the Law of the Sea. International and Comparative Law Quarterly, v. 43, n. 4, Out. 1994, p. 886-893.47O Direito do MarmatriasnoreguladaspelaConvenosoregidaspelas normas e princpios do Direito Internacional geral. O Direito do Mar, contudo, tem autonomia, lgica prpria e, na base de seus princpios supracitados, uma fora motivadora.Nesse sentido, o fundamento do Direito do Mar reside na compreenso de que existe um bem comum inalienvel da humanidade,cujovalorestligadomanutenodavida na Terra e que est no ncleo estrutural de todo o sistema. A obrigatoriedade das normas sobre o Direito do Mar reside, emumaperspectivasuperficial,navontadedosEstados de se submeterem Conveno. Contudo, em uma anlise maisaprofundada,aforavinculantedoDireitodoMar deriva da existncia de um bem jurdico muito maior, que constrange os Estados, que est acima da vontade destes, por uma questo natural que se sobrepe prpria fico das estruturas normativas da fronteira e da soberania, que existe per se. No se trata de empreender uma perspectiva de direito natural ou jus naturalista, mas certo que o mar existeejustificaaprpriaexistnciadascoisascomoas conhecemos,arealidadeconcretadavida,quedemanda tratamentojurdicoadequado.Assim,porsetratardeum patrimnio da Humanidade e da vida, , pois, uso coletivo e compartilhado.O mar o espao para comunho patrimonial de todos os Estados, povos e naes que dele usufruem e consiste em fora motriz da vida no planeta. Ele corresponde essncia quejustificatodasascoisasnoplanetaeelementodo qualanormaextraisuaautoridadenormativa,comoum axioma superior, fundamental e impositivo. 49VIIPrincpios do Direito do Mar Na base de toda relao jurdica, existem princpios que so valores reconhecidos e consolidados como instrumentos deinspiraoparaorientaodosentidonormativo,tanto no momento da elaborao de novas normas ou de normas derivadas, como no da vigncia, execuo ou interpretao de normas j existentes.A operao para definir os contornos principiolgicos de um dado campo normativo no tarefa fcil, pois envolve conhecerumconjuntodeelementos,deperspectivase planos que, muitas vezes, remetem a vrias significaes.31 Os princpios tm forte conotao valorativa e, por isso mesmo, variam e so influenciados em razo de fatores histricos, culturais, psicolgicos, polticos e mesmo jurdicos, os quais repercutemsobresuadimensoaxiolgicaeinstrumental e sobre o ambiente onde se desenvolvem e se consolidam. Issotudoleva,porvezes,aumarelativizaoouauma 31CARRI, G. R. Principios jurdicos y positivismo jurdico. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 1970.Wagner Menezes50diferenciao de perspectivas, segundo o sujeito que deles se utiliza.32Poroutrolado,aespecializaodecertoscamposde estudo, vinculados a outros temas mais amplos, abriu a pos-sibilidade do estabelecimento de uma cadeia coordenada e axiomtica de princpios que funcionam de forma sistmica e coordenada entre si. O Direito do Mar resultado de uma dialticanormativainternacional,umcampoautnomo, masvinculado,eporelecoordenado,axiologicamenteao Direito Internacional, que, por sua vez, extrai sua autoridade normativa do prprio sentido do Direito. correto entender, portanto, que os princpios normativos que norteiam a existncia do Direito do Mar no so apenas os princpios gerais do Direito ou os do Direito Internacional, mas sim aqueles especificamente disciplinados na Carta das Naes Unidas sobre Direito do Mar. Por conseguinte, tem o Direito do Mar seus prprios princpios, que o individualizam comoumcamponormativoparticular,masqueesto harmonicamente ligados aos outros dos quais derivam seu valor e autoridade.33 Aboa-f,aigualdadesoberana,anointerveno, aautodeterminaodospovos,orespeitoaosdireitos humanos, a soluo pacfica de controvrsias e a no agresso ou uso da fora so princpios do Direito Internacional que orientam a compreenso do Direito do Mar. Este, como ramo, tem sua base normativa no Direito Internacional.32MENEZES,W.OsprincpiosdoDireitoInternacional.In:CASELLA,P.B.;RAMOS,A.C.(Orgs.).Direito internacional Homenagem a Adherbal Meira Mattos. So Paulo: Quartier Latin, 2009, v. 1, p. 1-20.33ALBUQUERQUE, L.; NASCIMENTO, J. Os princpios da Conveno das Naes Unidas sobre o Direito do Mar. Direito e cidadania, v. 4, n.14, jan./abr. 2002, p. 235-252.51O Direito do MarEssencialmente, o Direito do Mar est assentado sobre a ideia de Justia e de respeito ao Direito, porque dele parte. Esse sentido reforado em vrias passagens da Conveno que norteiam a utilizao dos espaos marinhos e ocenicos pelos Estados. Ao mesmo tempo, os valores norteadores da justia, como a equidade, a igualdade e a soluo pacfica, estoinseridosnabasedainterpretaonormativadas regras do Direito do Mar.Conformeobservado,noentanto,existemelementos principiolgicosprpriosdousodomar,observadosno estudoenainterpretaodasnormasdoDireitodoMar. Oprimeiroprincpioencontradooentendimentodeque os fundos marinhos e ocenicos e seu subsolo, para alm dos limites da jurisdio nacional, so patrimnio comum dahumanidade.Talexcertoconsagraacompreenso dequeomar,almdoslimitesterritoriaisdoEstado, espaocoletivoeseusrecursospertencemhumanidade como um todo, a todos os povos, e devem ser explorados econservadosvisandoessencialmenteaosinteresses detodaahumanidade,medianteocompartilhamentode responsabilidades.34, 35 Asistematizaodoentendimentodequeomar patrimniocomumdahumanidaderesidenabasede qualquer interpretao que leve em conta sua discusso e dimenso normativa, consagrando um avano fundamental, no qual a positivao de seu conceito jurdico quase sempre 34SILVA, J. L. M. A SegundaReviso da Conveno de Montego Bay ou o fm do Mare Liberum. Revista Jurdica, 2001, n. 24, p. 53-70.35CASTRO, P. J. C. Do Mare Liberum ao Mare Commune? as viosas mutaes do Direito Internacional do Mar. Revista Jurdica, 2001, n. 24, p. 11-20.Wagner Menezes52tratado como uma soft law, sem valor normativo, mas como uma palavra bonita que decorava textos normativos incorporada pela Conveno das Naes Unidas sobre Direito do Mar, que lhe deu amplitude de aspecto material e carter jurdico.36O princpio da igualdade fundamental na interpretao dasregrassobreDireitodoMar,primeiroporquejustifica, e a ele est aliado, o pressuposto de que o mar deve ser utilizadoportodaacomunidadeinternacional,nosentido de compartilhar suas riquezas. Segundo, a igualdade no absoluta e comporta tratamento diferenciado, especialmente emrelaoaosEstadosquetmlimitaesgeogrficas ouque,emrazodopoucodesenvolvimentoeconmico, nopossuemcondiesdeexplorarosrecursosmarinhos. E ainda, a igualdade envolve a responsabilidade igualitria pela proteo e preservao do meio martimo.ODireitodoMardeveservirparaapromoodo progresso econmico e social de todos os povos do mundo. Nessesentido,opartilhamentodetecnologiaseoacesso aos recursos marinhos no podem ficar restritos a Estados quetenhamcapacidadedeinvestimentooutecnologia. Pelo contrrio, devem estar ao acesso de todos os povos, a partir de polticas cooperativas no quadro de organizaes internacionaisregionaiseuniversaisdedesenvolvimento derivado dos recursos e da manuteno do bioma marinho. UmaparticularidadedoDireitodoMarnoquetange soluopacficadecontrovrsiascomoprincpioseu sistemamltiploeaberto,quedisciplinamecanismos 36TREVES,T.LentreenvigueurdelaConventiondesNatiounsUniessurleDroitdelameretles conditions de son universalisme. Annuaire Franais de Droit International, v. 39, 1993, p. 850-873.53O Direito do Marjurdicosdistintosparaasoluodecontrovrsias,sem atrelaramatriaaumnicotribunal,masdeixando acritriodaspartesdiferentesmecanismosjurdicos. Destarte, permite que demandas sejam tratadas com mais especificidade tcnica normativa, com o mrito de oferecer, como realizao do princpio, mltiplas formas de discusso normativa.NaestruturadaConvenodasNaesUnidas,podem ainda ser encontrados princpios que so aplicados a certos espaosespecficos.ElessodeDireitodoMar,mas disciplinamumcampolimitadodamatria,porestarem afeitos a apenas certos espaos ou terem aplicao casual emcertascircunstncias,notendocarterdeprincpio basilar e geral da disciplina. Assim, podem ser encontradas a liberdade da pesca, a equidistncia, a preveno, o poluidor pagador, a soberania, entre outros.Os princpios tm na atualidade uma posio fundamental nainterpretaodoDireitoedasregrasquecompemo sistemajurdico,poisestonabasedaformulaode regras e da adjudicao. Por isso, os valores que cristalizam compemaestruturadosistemanormativocomovetor estruturaldetodoosistema.NocasodoDireitodoMar, podem nortear a compreenso da matria em seu processo desolidificao,namedidaemqueamatriaaindase encontra em processo de amadurecimento.55VIIISujeitos do Direito do MarNa discusso sobre o sujeito de um determinado campo normativo,deveserconsiderada,sobaticajurdica,a condio subjetiva de quem tem capacidade para produzir regrasedelasserdestinatrio,paraexecut-lase,ainda, parainvoc-lasperanteinstituiesestruturadascoma finalidade de dar eficcia e garantir sua aplicao, garantindo previsibilidade e segurana s relaes jurdicas.Nosepodemconfundir,portanto,porumlado,o objeto, o fundamento, ou mesmo o ideal coletivo plasmado nahumanidade,avidaouasobrevivnciadoplaneta,e, por outro, aqueles que efetivamente participam da dinmica produtivadenormas.Estestmaresponsabilidadeea possibilidade, segundo o Direito, de invocar a aplicao das regras, ou se sujeitam s normas prescritas na Conveno dasNaesUnidassobreoDireitodoMareaoconjunto normativo, denominado Direito do Mar.Aimportnciadesedefinirosujeitodeumcampo normativo compreender a dinmica de manejo das regras, Wagner Menezes56dapossibilidadederepresentaoperanteorganizaes internacionaisetribunaisecortes,oudeterminarogrupo depessoasquetmatitularidadedeumbemjurdico protegido,podendoinvocarsuaaplicaoouseudireito, bemcomo,nocasodesujeioaobrigaes,sercobrado pelas responsabilidades assumidas.NocasoespecficodoDireitodoMar,sosujeitos,por excelncia, os Estados que se submeteram Conveno das NaesUnidassobreoDireitodoMar.Tambm,foramas relaesinterestataiseosmovimentosdeafirmaode soberania,principalmenteaquelesfavorveisdefinio domarterritorial,quelevaramindubitavelmenteao entendimentocoletivodaconstruoderegraspara normatizar o uso do mar. Os Estados serviram como sujeito principaldosdireitoseobrigaesestabelecidosainda nestecontexto.37,38NoquadrodaOrganizaodasNaes Unidas, so os Estados que devem negociar, em condies deigualdade,aelaboraoderegras,estandosujeitoss responsabilidades ali impostas, podendo reclamar e exercer os seus direitos.39, 40 sorganizaesinternacionais,entendidascomoorga-nizaesintergovernamentais,constitudasporEstados, aosquaisosseusEstados-membrostenhamtransferido 37BURGT N. V. D. The 1982 United Nations Convention on the Law of the Sea and its Dispute Settlement Procedure. Grifns View on International and Comparative Law, v. 6, n. 1, 2005, p. 18-34.38ANDERSON, D. H. Legal implications of the entry into force of the UN convention on the law of the sea. International and Comparative Law Quarterly,v. 44, n. 2, Abr. 1995, p. 313-326.39ANDERSON, D. H. Further eforts to ensure universal participation in the United Nations Convention on the Law of the Sea. International and Comparative Law Quarterly, v. 42, n. 3, Jul. 1993, p. 654-664.40LVY,J.P.LesNationsUniesetlaConventionde1982surledroitdelamer.RevueBelgedeDroit International, v. 27, n. 1, 1995, p. 11-35.57O Direito do Marcompetncia em matrias regidas pela presente Conveno, incluindoacompetnciaparaconcluirtratadosrelativos aessasmatrias,tambmsereconheceumacondio especial de ator e partcipe na construo de mecanismos de cooperao em matria de Direito do Mar, de patrocina-doras da elaborao de acordos, tendo participao decisiva nasdiscussessobreaimplementaodetaisregras.41 Poroutrolado,aConvenoestruturaaAutoridadecomo organizaointernacionaldotadadepoderderepresenta-o no s para a proposio de regras, mas tambm com competncia para demandar e ser demandada perante tri-bunais internacionais.42A Conveno inova ao permitir que, circunstancialmente, empresas privadas e pessoas fsicas que explorem atividades nareatambmpossamproporaoeseremdemandas peranteoTribunalInternacionalsobreDireitodoMarou, ainda,recorrerarbitragem,conformedispostoemseu artigo 153, 2, b, combinado com seu artigo 285, bem como nos dispositivos do anexo III e do artigo 20, 2, do anexo IV. O sistema ainda deve ser testado nesse sentido, o que servir comointeressantecasoparamudananaperspectivada estruturajurisdicionaldoDireitoInternacional.Osdisposi-tivosreforamaideiadequeentidadesdistintasdos Estados, como o caso da Autoridade e da Empresa, podem teracessoaoTribunal.Valeressaltarqueissoseaplicaa 41PEREIRA,M.C.R.OpapeldoBrasilnosorganismosinternacionaisligadosaoDireitoMartimocom destaque International Maritime Organization (IMO). In: PEREIRA, A. C. A.; PEREIRA, J. E. A. (Orgs.). Refexes sobre a Conveno do Direito do Mar. Braslia: FUNAG, 2014.42ESTEVES NETO, E. G. As Organizaes Internacionais e o Direito do Mar. In: MENEZES, Wagner (Org.). Direito do Mar: desafos e perspectivas. Belo Horizonte: Arraes, 2015.Wagner Menezes58qualquerquestosubmetidanostermosdealgumacordo que confie ao Tribunal jurisdio para analis-la, desde que os termos para tanto tenham sido aceitos e ajustados pelas partes,alargandocomissooacessoaoTribunalaoutros sujeitos que no os Estados.43, 44Valeressaltar,ainda,queaConvenoreconhece textualmenteodireitoautodeterminaodospovos, prescrita nos artigos 1 e 305, c, e que os Estados associados possuemcapacidadeeautonomiaparasesubmeterem Conveno, do mesmo modo que territrios que no tenham alcanadoaplenaindependnciaouautonomiainterna podemsesubmeterConveno.45Essaumasituao excepcional,masqueremeteapressupostosdoDireito Internacional contemporneo.Podemserencontradosautoresquefazemmeno humanidadecomosujeitodeDireitodoMar,mas, partindo da concepo acima adotada de sujeito de direito, essaposioembasadaemumaconfusoconceitual, conformeexplicadoinicialmente.Semdvidanenhuma, todoordenamentojurdicodevocaouniversaltema humanidadecomodestinatriaebeneficiriafinaldas regrasporeleinstrumentalizadas,apesardenenhum dispositivo reconhecer a possibilidade de difusamente poder atuar diretamente perante instituies ou agir como titular 43MENEZES, W. Tribunais Internacionais: jurisdio e competncia. So Paulo: Saraiva, 2013.44PFIRTER,F.M.A.LasinstitucionescreadasporlaConvencindelDerechodelMar.AnuarioHispano-Luso-Americano de Derecho Internacional, v. 15, 2001, p. 11-98.45A Resoluo 1514 (XV) da Assembleia Geral das Naes Unidas estabelece bases propositivas para o reconhecimentodaautodeterminaodospovosaospasesepovoscoloniais,determinandocertos critrios que poderiam ser levados em conta para sua insero internacional, especialmente voltada para a proteo dos direitos humanos.59O Direito do Marativooupassivo.OsEstadoseoutrasentidades,quando produzem tais regras ou as instrumentalizam, o fazem como valormotivadorporqueobemprotegidopertencentea toda a humanidade indistintamente, o que no confere a ela a condio de titular ativo.61IXObjeto do Direito do MarTodo campo da Cincia tem um objetivo que centraliza suas preocupaes e influencia sua extenso normativa. Oobjeto concentra o ncleo das relaes jurdicas estabe-lecidoemumcamponormativo,easregrasqueso sistematizadasenvolvemjustamenteasprescriese implicaes para sua validade e eficcia, ou seja, as normas acompanham o dinamismo do objeto.As relaes jurdicas estabelecidas no ambiente marinho compem o objeto do Direito do Mar, seja no meio aqutico, seja no leito e subsolo; abrangem seu uso, sua explorao e manuteno de seus recursos vivos. O Direito do Mar regula ousodomaremsuasvariadasprticas,disciplinando extensivamenteseuuso,estabelecendodireitoseregras paraautilizaodetodososelementosquecompemo referido espao e que tm vnculo com ele.OobjetodoDireitodoMarcompostoanaliticamente de:a)umcorpodenormasjurdicas,emqueesto presentesnoapenasaConvenodasNaesUnidas Wagner Menezes62sobre o Direito do Mar, mas tambm um conjunto normativo derivadoouformadoporoutrosacordosetratadossobre otema,almdeoutrasfontesdoDireitoInternacional; b)oespaomaterialconcretoerealquecientificamente pode ser delimitado e identificado e, por isso, interessa aos Estados, na medida em que elemento claro de delimitao defronteiraseespaodeexerccioeusodaextensode sua jurisdio; c) o contedo presente no referido espao, sejam suas riquezas, sejam seus recursos vivos; e tambm ded)elementosderivadosdoexercciodeusodoespao martimo, resultando da a compreenso de por que referido uso no pode ser nocivo aos interesses de toda humanidade, mesmoemdeterminadosespaos,devendo-serespeitaro espao coletivo e multilateral.desedestacarquenocertopensar,comose fazemalgumasuniversidadesnoBrasil,queoobjetodo DireitodoMarcircunscreve-sessrelaesespaciais subdivididasentremarterritorial,zonacontgua,zona econmica exclusiva, alto-mar, plataforma continental e rea. OobjetodoDireitodoMar,almdeabarcaredisciplinar autilizaodaquelesespaos,estendeseusbraossobre temas derivados de sua estratificao, como a delimitao martima,adiscussosobreoexercciodesoberania,as questes ligadas interpretao civil, penal e administrativa de certas medidas e os direitos humanos que crescentemente permeiamodebatesobreoDireitodoMar.46Almdisso, temascomoapiratariaeapoluiomarinhatmcarter 46OXMAN, B. H. Human Rights and the United Nations Convention on the Law of the Sea. Columbia Journal of Transnational Law, v. 36, n. 1-2, 1998, p. 399-432.63O Direito do Martransnacional, o que torna necessria uma atuao conjunta e adoo de regras universais para disciplin-los, enquanto a utilizao e desenvolvimento de tecnologia e o exerccio da pesquisa marinha so temas que podem ser trabalhados e estudados nas universidades. Isso demandaria, por certo, umaboacargahorriaparadesenvolvimentocurricular,o que no obsta a necessidade de serem trabalhados temas doobjetodoDireitodoMardeacordocomaaptidoe aproximidadedecadacursoquecomeleguardaalguma relao.Em razo do objeto do Direito do Mar no ser esttico, e sim dinmico, possvel prever que, medida que novos problemasforemsurgindoeasrelaestornarem-semais complexas,novasregrasserosistematizadas,porque sero estabelecidas no quadro do objeto do Direito do Mar, juntamentecomsuaspreocupaesetentculosjurdico--interpretativos47.Quando,porexemplo,acinciamarinhaavana,outras questespassamaintegraroobjetodoDireitodoMar, decorrentes da necessidade de novas interpretaes e pers-pectivasemaberto.Atecnologiamarinhacrescentemente permiteaexploraodenovosespaos,e,seguramente, diversasquestesjurdicasquenoforamapontadasna ConvenodasNaesUnidassobreoDireitodoMarda adviro,necessitandorediscussosobreoobjeto,sobre aampliaoe,porconseguinte,sobreatipificaode referidas normas.47LUCCHINI, L.;VCELCHEL, M. Droit de La Mer. La mer et son drot les espaces maritimes. Pedone: Paris, 1990. tome I, p. 3.Wagner Menezes64OobjetodoDireitodoMarnaAntiguidadenoerao mesmoquandodaredaodaConvenodasNaes Unidas sobre o Direito do Mar. Assim, possvel concluir que o objeto do Direito do Mar dinmico e vai sendo composto crescentemente.medidaqueocontedomaterialque envolve a utilizao do mar se complexifica, passa a existir anecessidadedereadaptaodocamponormativoqueo disciplina, e a que o objeto do Direito do Mar se expande e extrado. Por essa razo, necessrio estar atento aos novos temas que esto sendo incorporados a essas relaes jurdicas,exigindodosjuristasconstantesatualizaese leituras cientficas multi e transdisciplinares.65XAs fontes do Direito do MarOestudodasfontesdeumsistemajurdicoenvolvea anlise concreta dos elementos formadores das normas que o compem, ou seja, os modos de formao ou manifestao materialeformaldoDireitoqueeletutelaedisciplina.48 Assim, para identificao das fontes, necessria a anlise dasmanifestaesquelevamaumentendimentojurdico normativoqueorientaaapreciaointerpretativadas relaes estabelecidas em um dado ambiente que se tutela.49A importncia da identificao das fontes fundamental, pois a partir delas que o intrprete de uma dada relao jurdicabuscarelementosnormativosparafundamentar sua posio, invocando ou defendendo direitos ou cobrando aaplicaodetaisregras.Almdisso,todainterpretao jurdicaenvolveanecessidadedoestabelecimentode umambientedecompletudesistmica,especialmenteno casodaexistnciadelacunasouvaziosnormativos,que 48ACCIOLY, H. Tratado de Direito Internacional Pblico. So Paulo: Quartier Latin, 2009. v. 1, p. 62.49BROWNLIE, I. Princpios de Direito Internacional Pblico. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997, p. 13.Wagner Menezes66noseropreenchidosporelementosexgenosaocampo sistmico,masjustamentepelasfontesjurdicasquelhe garantiro coerncia.50ODireitoInternacionalPblicotemsuasfontesdisci-plinadas a partir da interpretao do artigo 38 do Estatuto daCorteInternacionaldeJustiaenosltimosanostem ampliado a interpretao a partir de outras fontes, resultado do processo dinmico de produo de normas internacionais que se deu nos ltimos cinquenta anos.Em razo de o Direito do Mar ser essencialmente Direito Internacional, pertencer a seu arcabouo sistmico e com ele guardarvnculoindissociveleconexo,possvelafirmar quesuasfontessoasmesmasdoDireitoInternacional Pblico.Emrazo,porm,desercampoespecializado, possui contedo material diferente e, tambm, uma lgica distinta, que reside na especialidade da matria que busca regular.precisocompreenderasfontesdoDireitodoMara partirdoobjetomaterialqueosistemajurdicoprocura exprimir,dossujeitos,dosprincpiosespecficosque regulamsuasrelaesjurdicas,extrapolandoaanlise de uma teoria geral para tratar de um ambiente especfico dotadodeumalgicanormativaprpria,decorrenteda normainternacional,mascomnuancesecaractersticas que lhe so particulares. Alm disso, possvel vislumbrar que alm das fontes formais tradicionais, existem outras que so decorrentes da prpria natureza do Direito do Mar e de seu 50BOBBIO,N.Teoriadoordenamentojurdico.10.ed.Trad.TimothyM.Mulholland.Braslia:Editora Universidade de Braslia, 1999. 67O Direito do Marambiente transdisciplinar, as quais se colocam como fontes extrajurdicas.Porisso,necessriodestacarque,almdasfontes tradicionaisdeDireitoInternacional,hdeseconsiderar odireitointernodosEstadoscomoelementonormativo fundamentalparaadiscussodasfontes.Aprpria Conveno atribui aos Estados o direito de regular matria administrativa dentro de certos limites, no mar territorial e alm dele, na zona econmica exclusiva e sobre a plataforma continental,bemcomomedidasdecombatepirataria, tendocomoexemplo:a)osatosjurdicos,legislativos, regulamentares e jurisdicionais; b) as decises em espcie; e c) os atos materiais expressando uma conduta, como as abstenes,quetambmpodemserconsideradasuma modalidade de expresso da vontade unilateral, dentro de certos limites permitidos aos Estados.51Em que pese a atipicidade de elencar entre as fontes do Direito do Mar o direito interno, as demais fontes guardam com o Direito Internacional Pblico bastante proximidade. Nesse sentido, os tratados que regulam as relaes estabelecidas no uso do mar continuam a ser referncia importante como fontebasilardoDireitodoMar,apontodeaConveno dasNaesUnidassobreoDireitodoMarserconfundida com a prpria amplitude da matria. Existem outros tantos tratadosbilaterais,multilaterais,decarterregional,que devemserutilizadoscomofontedeinterpretaojurdica normativa ou de completude, constituindo importante fonte 51LUCCHINI, L.; VCELCHEL, M. Droit de La Mer. La mer et son drot les espaces maritimes. Pedone: Paris, 1990. tome I, p. 57.Wagner Menezes68para compreenso normativa sobre certas relaes jurdicas e particularismos. no costume que reside a base formadora e essencial das primeiras concepes sobre o Direito do Mar, e foi no marqueocostumecomofonteconsolidoumanifestaes normativas no Direito Internacional Pblico. Tais discusses ainda alimentam debates e discusses doutrinrias, mas a partirdaprticageralesistemticadetodacomunidade de Estados foram consolidados direitos e deveres, como a liberdade de navegao, o reconhecimento do mar territorial, odireitodepassagem,entreoutros,servindocomobase para a compreenso das lgicas normativas.OsprincpiosgeraisdoDireitocomofontedoDireito InternacionalPblicoiluminamtodooordenamento jurdicointernacionaleservemnosparasupriras normasconsuetudinriaseconvencionais,mastambm para interpretar preceitos jurdicos internacionais de carter duvidoso.52 Por isso, no se pode menosprezar a importncia dosprincpiosnaaplicaodoDireitoInternacional, indicativodecondutanaturalmentereconhecidacomo vlida e apta, portanto, a orientar a construo do prprio DireitoInternacional,oferecendoaeleumtodocoerente. Os princpios servem como base de orientao ao operador doDireitoouaojuizquevaiverificarqueelesnoso clarosapenasparaele,mas,sim,deaplicaogerale, portanto,serousadosquandonoexistiremprecedentes internacionaisdiretoseconvincentes,isto,quandono 52VERDROSS,A.DerechoInternacionalPublico.4.ed.Trad.deAntonioTruyolySerra.Madrid:Aguilar, 1963, p. 98.69O Direito do Marpuderserencontradoqualqueroutrofundamentoalm deles prprios.53Comojapontadosupra,oDireitodoMartemseus princpios,queestoaxiologicamentevinculadosaos princpios do Direito, mas adquirem uma feio prpria em razo do particularismo de seu campo normativo especfico edeseuobjeto.54Osprincpiosgeraisdasociedadeinter-nacionalservemcomoumcomandogenricodesuaao, porm existem outros que indicam e orientam certas relaes jurdicas de carter mais especfico, de acordo com o ambiente, com a necessidade e com a perspectiva do prprio Estado e acerca de um tema.55 O conjunto de Estados submetidos a um 53KAPLAN,M.;KATZENBACH,N.Fundamentospolticosdodireitointernacional.Trad.deSigridFaulhaber Godolphim e Waldir da Costa Godolphim. Rio de Janeiro: Zahar, 1964. p. 280.54MIAJA DE LA MUELA, A. Introduccin al Derecho Internacional Pblico, 1957. p. 90.55A propsito, o professor Guido Soares defendeu a inter-relao entre as fontes e observa que muitas delas, embora no previstas no plano interno ou em qualquer tratado, tm, em determinado momento dahistriaoupelanecessidade,umaaplicao,visualizandoque:Nocasodeprincpiosgeraisdo Direito dedutveis dos existentes nos direitos internos dos Estados, sua transposio para a esfera dos direitos e deveres internacionais dos Estados exige o teste da existncia de uma necessidade, ou seja, a conscincia de que aquele representa um valor jurdico a ser preservado nas relaes internacionais (damesmaformaqueaopiniojurissivenecessitatistransformaumsimplesusointernacionalem norma costumeira). No basta a ocorrncia de normas semelhantes nos direitos internos dos Estados paraqueelassejamconsideradascomoprincpiosgeraisdoDireito,comoumafontedoDireito InternacionalPblico(poisnosepoderiaconceberqueoprincpiodoacessodapessoahumana aos tribunais domsticos, vigente nos ordenamentos jurdicos dos Estados, seja um princpio geral do Direito Internacional, quando a maioria dos tribunais internacionais no preveem tais possibilidades). Conformecomprovaumexamedajurisprudnciadeambasascortesinternacionaisdejurisdio universalecompetnciailimitada,aCPJIeaCIJ,emesmonasdecisesderbitrosinternacionais, noseencontraumnicojulgadoquetenhainvocadooart.38doEstatutodaCIJ,suaalneac, parajustifcaraaplicaodeprincpiosgeraisdeDireitocomoumnormainternacionalautnoma: noentanto,talfatocorroboraqueaforanormativadosmesmosadvmdeumanecessidadede considerar sua existncia, como fonte autnoma, ao lado do jus scriptum e das normas consuetudinrias internacionais. Cabe observar que a referida refexo coloca os princpios em um plano diferente no Direito Internacional e contextualiza com a perspectiva adotada na presente obra, de que os princpios estariamnabasedasrelaesinternacionais doprprioDireitoInternacional comoumconjuntode valores vetores da produo e aplicao dessas regras que se desenvolvem medida que o ambiente Wagner Menezes70regime normativo comum, como no Direito do Mar, pode fixar certos objetivos determinados que orientaro sua relao e, nessacircunstncia,algunsprincpiosquepermitirocom amaiorseguranapossvelindividualizarecoordenara sua ao na busca desses objetivos. o que ocorre com os princpios j elencados do Direito do Mar, em consonncia comosprincpiosdoDireitoe,subsequentemente,do Direito Internacional.56 A doutrina tem, como fonte, contribudo crescentemente paraaconsolidaodoDireitodoMareseassiste,nos ltimosanos,agrandeproduodeestudosepesquisas sobre a matria, com o enfrentamento de novos temas, cujo prpriocamponormativoreclamaestudoeinterpretao. ApartirdaconsagraodaConvenodasNaesUnidas sobreoDireitodoMar,otrabalhodospesquisadores eestudiososqueirimpulsionarosmecanismosde interpretao da Conveno e do objeto do Direito do Mar.Adoutrinacompreendeosestudosinovadoresede vanguardanosnoaspectonormativo,mastambm nodeanlisecientfica;estudosnoapenasdetericos individuais,mastambmdesociedadesconhecedorase grupos de trabalho destinados ao estudo do Direito do Mar, comogruposdepesquisa,promovendoaexpansodo conhecimento sobre o tema e sua extenso para integrao propicia e infuencia a produo desses valores (SOARES, G. F. M. Curso de Direito Internacional Pblico. So Paulo: Atlas, 2002. v. 1. p. 92-93).56Comoexemplo,nombitodoDireitoInternacionaldoMar,oprincpiodaliberdadedenavegao; para o Direito Comunitrio, o princpio da subsidiariedade; o Direito Internacional Penal, o princpio doNullumcrimesineprevialege;noDireitoInternacionaldoComrcio,oprincpiodanaomais favorecida etc.71O Direito do Mareorientaodeoutrosatores,comoprofissionaisdarea jurdica e juzes de tribunais internacionais. Ela desempenha, nessecontexto,opapeldecrticaeinterpretaodas normasexistentes,contribuindo,assim,paraaevoluo das concepes acerca do tema.Nasltimasdcadas,desencadeou-seoprocessode jurisdicionalizao do Direito Internacional, com o aperfeio-amento dos mecanismos jurdicos e de regulamentao de certos temas atrelado ao aparelhamento de tribunais criados especialmenteparadizeroDireitoemcasosdeconflitos sobretemasespecficos.Issogerou,nessecontexto,o fortalecimentodopapeldajurisprudnciaprovenienteda atividadedetribunaisinternacionais,naformulaode regras, como fonte do prprio Direito Internacional.Por conta de um sistema plural, disciplinado na Conveno dasNaesUnidassobreoDireitodoMar,57quedaos Estados,almdaopodesubmetersuasdisputas arbitragem, a possibilidade de acesso Corte Internacional deJustiaouaoTribunalInternacionalsobreoDireitodo Mar,ajurisprudnciapdeseconfirmarcomoimportante fontedoDireitodoMar,especialmenteporqueosdois tribunaisestoaptosaconheceramatria.Assimtem ocorrido nos ltimos anos, tanto na Corte Internacional de Justia, que resolveu importantes questes de delimitao fronteiria, como no Tribunal Internacional sobre Direito do Mar, que em mais de vinte casos tem demonstrado ser um tribunal efetivo e, pela qualidade das sentenas proferidas 57VOLBEDA,M.B.TheMOXPlantCase:thequestionofSupplementalJurisdictionforInternational Environmental Claims Under UNCLOS. Texas International Law Journal, v. 42, n. 1, Fall 2006, p. 211-240.Wagner Menezes72epelobalizamentodesuasposies,uminstrumento seguro para os Estados. Dessa maneira, este ltimo tribunal internacional tem garantido eficcia Conveno das Naes Unidas sobre o Direito do Mar, consolidando o entendimento sobre o Direito do Mar, gerando conceitos, teses, princpios e enunciados orientadores da ao dos Estados.OsatosunilateraisdosEstados,ouseja,asaesdos Estados que acabam se estabelecendo como um modelo de leiededireito,comofontedoDireitoInternacional,seja pormeiodeatosnormativos,regulamentaes,decises, posicionamentoscomprotestosenotificaesouat mesmo reconhecimento de direitos, seja mediante atos que exprimem condutas, tm no Direito do Mar um dos principais exemplos sempre que o tema abordado em cursos e aulas. Especialmenteissoocorreporque,emmatriadeDireito do Mar, alguns conceitos normativos, regras e normas que, inclusive,foramreconhecidaspelaConvenodasNaes Unidas sobre o Direito do Mar se desenvolveram a partir da ao unilateral dos Estados, como j mencionado supra, nos captulos I, II e III, sobre a delimitao do mar territorial e sobre o estabelecimento da plataforma continental.OutraimportantefontedoDireitodoMarsoas decisesdeorganizaesinternacionais,nosporquea sistematizaodaConvenodasNaesUnidassobreo Direito do Mar surgiu no seio da ONU e porque esta tem uma agenda dinmica na discusso sobre polticas ligadas ao uso do mar, mas porque tambm atribuiu certas competncias emmatriadeDireitodoMarparaaAutoridade, dotando-a de autonomia para dirimir importantes questes 73O Direito do Marrelativas explorao dos fundos marinhos e interpretao dosdispositivosdoDireitodoMar.Destarte,essasregras derivadasdopoderoriginriodaConvenodasNaes Unidas sobre o Direito do Mar tm um importante papel no arcabouo normativo martimo.Quasesempreconfundidacomasdecisesdas Organizaes Internacionais, mas no podendo ser confun-didascomelas,asoftlawgeralmenteconcretizadana formaderesolues,recomendaesdeconferncias, organizaes e instituies ligadas diretamente a questes martimas. Podem, entretanto, tambm servir de importante lege ferenda em matria de Direito do Mar ou mesmo como regra de orientao e conduta para os Estados,58 repercutindo nosnoDireitodoMar,mastambmnoDireitointerno dosEstadosqueincorporamobrigaesderivadasda interpretaoextensivadaConvenodasNaesUnidas sobreoDireitodoMare,subsequentemente,desses documentosnormativosparaseadequaraumconsenso globalsobremedidasaseremadotadas,comopadrode responsabilidadesobredeterminadotema,sejaaadoo de medidas para coibir poluio telrica e a contaminao do mar, seja o estabelecimento de regras para fiscalizao e controle de embarcaes, ou outras questes.59 58WALKER,G.K.Professionaldefnitionsandstatesinterpretativedeclarations(Understandings, Statements or Declarations) for the 1982 Law of the Sea Convention. Emory International Law Review, v. 21, n. 2, 2007, p. 461-541.59Algumas resolues importantes em matria de Direito do Mar: a) Resoluo 3016 (XXVII) afrmao dasoberaniadoEstadosobreasriquezasdoespaomartimo,situadosdentrodoslimitesdesua jurisdio nacional; b) Resoluo 3171 (XXVIII) consolidao do conceito de soberania permanente sobre o espao martimo; c) Resoluo 2749 (XXV) Declarao de Princpios Reguladores do Fundo do Mar e dos Oceanos mar passa a ser patrimnio comum da humanidade.75XIO Direito do Mar e sua extenso conceitualAbuscaporumconceitodefinidordoDireitodoMar no tarefa fcil, pois ele composto de vrios elementos, nuancesemuitosparticularismos.Aprimeiraquesto quedeveserentendidaqueumcampoaberto, interemultidisciplinar,queenvolvenecessariamentea compreensodeconceitosdeoutroscamposdaCincia, comoaBiologia,aEngenhariaNaval,aEngenhariado Petrleo, a Qumica Mineral, a Geologia, alm de, por conta desuanatureza,servircomoparmetro,entreoutros,de espaoparaexercciodesoberania,depolticasdesade e para o desenvolvimento de poltica de segurana para os Estados. Somado a tudo isso, composto e influenciado por diversas reas do Direito.60ParainterpretaodoDireitoemsentidoamplo,no basta estabelecer normas: importante trabalhar e extrair conceitos semnticos do objeto que se normatiza. O Direito doMarbusca,concretamente,noambientederegulao 60LUCCHINI, L.;VCELCKEL, M. Droit de la Mer. Paris: Pedone,1990. tome I.Wagner Menezes76muitosdosconceitoscomosquaistrabalha.Porisso, necessriaaleituradolegisladorouintrpretesobreos diversoscamposcientficosqueestonabasedoDireito do Mar. Por exemplo, quando se analisa a pesca predatria deespciesaltamentemigratrias,deve-serecorreraos conceitosdaBiologiaparaentenderofenmeno;quando sedeparacomotemadeilhasartificiais,instalaese estruturas,necessriobuscarnaEngenhariaNavala compreenso de tais construes; e h outros temas, como adelimitaodemarterritorialeaslinhasdebase,os recursos minerais, como polmeros, etc.ODireitodoMar,emboratenhacarterinternacional, poisapresentacomoumadesuasfontesoriginaisa assinaturadetratadosnoplanointernacional,tambm composto por regras de Direito interno, uma vez que muitos de seus dispositivos devem ser implementados, em forma de leilocal,nosistemajurdicoparticulardosEstados.Alm disso,reconheceaesferadedireitosnaqualajurisdio normativadosEstadosdeveseraplicadaemconsonncia com as regras internacionais. Por essa razo, ele pode ser entendido como um campo normativo multidimensional em que esto presentes regras do Direito Internacional clssico, do Direito nacional e de um Direito de carter transnacional. Cabe observar que, embora o marco jurdico do Direito do Mar seja efetivamente a Conveno de Montego Bay, equivocado pensar que ele comea e termina nela, conforme j relatado anteriormente. Existem outras fontes que devem serconsideradaseumadiversidadeampladetratados 77O Direito do Marque devem ser interpretados no contexto de interpretao normativa do Direito do Mar.Nessemesmodiapaso,oDireitodoMarconjuga reconhecimentodeespaosoberanoaosEstadose, concomitantemente,suajurisdiosobrecertosespaos. Com a expresso de discurso supranacional e universalista emrazodanaturezatransnacionaldosmarese oceanos,emumambientedeinterdependncianatural decompartilhamentodeespaocomum,sustentadona perspectivadepatrimniocomumdahumanidade, estabeleceatitularidadedecertosdireitosebenefciosa toda sociedade humana, indistintamente.61nessecontextoqueadenominaoDireitodo Marcomocamponormativoespecializadoquepossui particularismosmaisadequadadoqueautilizaode DireitoInternacionaldoMar.importanteentender queoDireitodoMarnonegasuacorrelaosistmica comoDireitoInternacional,tampoucoalgicajurdicae hermenuticadeste,eissoapareceemdiversospontos daConvenodasNaesUnidassobreoDireitodoMar. SuadenominaoenquantoDireitodoMarresultada apreciao de que existe um carter particular prprio para interpretaodasregrasqueocompemequenorteiam seucontedo,semrenunciarasuadimensonormativa internacional.No tocante compreenso de ser o Direito do Mar um ambientenoqualdialogamdiversoscamposnormativos, importantereconhecerqueexistedialticaconsidervel 61CHURCHILL, R. R.; LOWE, A. V. The law of the sea. New Hampshire: Manchester University Press, 1983.Wagner Menezes78entre dispositivos previstos na Conveno e a necessidade deosEstadososincorporaremcomoregrasnacionais. Igualmente,hespaoparaaplicaododireitoconsoli-dadonosistemanormativoestatal,apartirdaimposio doEstadonoespaomartimoderegrasdecarter constitucional, administrativo, penal, empresarial, comercial e tributrio, sem se desprender com autonomia do ncleo normativo do Direito do Mar, mas em consonncia com ele.Aindamuitocomumaconfusoquesefazentre Direito do Mar e Direito Martimo, especialmente porque nacontemporaneidadeostemaspossuemumcampode interseco bastante tnue e com crescente inter-relao e, por isso, so complementares e concorrentes. No obstante, o Direito do Mar afeto ao conjunto de tratados, acordos e obrigaes produzidos em foros internacionais, na sociedade internacional dos povos, e tem no Estado e em suas relaes intersubjetivassuareferncianormativa.Ademais,como jdestacado,possuipressupostoseprincpiosprprios, dispondo de mecanismos para a soluo de controvrsias, comoverdadeirafonteprimriasobreotema,porserem irradiadores de conceitos e prticas. Por sua vez, o Direito Martimoseconstituiporumconjuntoderegrasestatais nacionais que servem para regular as relaes jurdicas de carter privado, entre sujeitos de direito privado, em uma dada relao econmica, comercial, ou com desdobramentos administrativistas.Taisrelaessofrutodasatividades martimas porturias e derivadas de contratos internacionais de comrcio e, por sua vez, remetem os eventuais conflitos amecanismosjurdicosejurisdicionaisdedireitointerno 79O Direito do MardisponveiseprevistosnosordenamentosdosEstados. Sobreessecorponormativoquealgunsestudiosos individualizam o objeto como anlise de Direito Martimo.62, 63 So,portanto,doiscamposquesoestudadosdeforma distinta,masquepossuemamesmalgicaeomesmo ambiente de apreciao e, contemporaneamente, de forma acentuada,muitasregrasquedevemserinterpretadasde formaconjunta,segundoaperspectivaconceptivadeum mesmo sistema jurdico normativo interpretativo. Alm da perspectiva anterior, refora-se que a definio conceitualdoDireitodoMarcompreendeelementos quecompemoncleonormativoesodeterminantes paratalconceito,comoEstado,soberania,delimitao territorial do mar, espao coletivo comum como patrimnio dahumanidade,controledanavegaonomar,pesca, poluiomarinha,exploraomineral,pesquisacientfica, transfernciadetecnologiamarinha,intercomunicaes, cabosedutossubmarinos,entreoutrostemasdecarter geral,masquepossuemparticularidadesabarcadaspelo conceito.ParaexprimirumconceitosobreDireitodoMar, importantelevaremcontatodosaqueleselementos supracitados e que compreendem sua extenso normativa. 62ConformeapontaOsvaldoAgripinodeCastroJnior,oDireitoMartimocomoumcampoautnomo quetemcomoobjetoregularasrelaesjurdicasquesedoemtornodonavio,comocontratos detransportedebensepessoas,contratosdeafretamentodeembarcaes,responsabilidadecivil, ressaltando-se que o navio opera num ambiente de regulao interna e ainda: de normas jurdicas quedisciplinamasatividadesnecessriasparaqueasembarcaesefetuemotransportepelavia aquaviria. uma disciplina jurdica autnoma (CASTRO JNIOR, O. A. Principais aspectos do Direito Martimo e sua relao com a Lex Mercatoria e Lex Martima. Sequncia, n. 61, dez. 2010, p. 196).63MARTINS, E. M. O. Curso de direito martimo. 3. ed. So Paulo: Manole, 2008. v. I e II.Wagner Menezes80Finalmente,pode-seafirmarquesetratadeumsistema jurdico composto por vrias dimenses normativas e uma complexidadedetemasqueseregulamporcontadesua amplitudeediversidade,oqueexigeumahermenutica abertaepluralparainterpretaodaaplicaodeseu campo normativo. ODireitodoMarpode,ento,serdefinidocomoo conjuntoderegrascelebradasnoplanointernacional, emforosinternacionais,entreEstadosouorganizaes internacionais, cujo objetivo disciplinar as relaes globais para uso e utilizao dos mares e oceanos, sua preservao e explorao voltada para toda a humanidade.64 Talconceitodevelevaremcontaofundamentodo Direito do Mar e sua perspectiva, bem como o fato de que existe,noprprioconjuntonormativo,aprescriopara que os Estados submetam suas controvrsias s instncias jurisdicionaisquepossuemcompetnciaejurisdiopara garantiraeficciaeaplicaodosdireitosestabelecidos pelosEstadosnoquetocaaseuarcabouonormativo, disciplinando,assim,aatribuiodecompetnciapara instnciasinternacionaisqueteroopodereodeverde dizer o Direito.ODireitodoMar,essencialmente,umDireitode vanguarda, disciplinado no contexto de um processo de inter-nacionalizao dos direitos e de normatizao de temas que reclamavam tratamento especial pelos povos e Estados. Seu mtodo de anlise, e seu approach jurdico, deve levar em conta que se trata de um tema que foi regulado nas ltimas 64YOSHIFUMI, T. The International Law of the sea. Cambridge: Cambridge University Press, 2012. p. 3.81O Direito do Mardcadas,compostoporelementosrevolucionriosque impulsionamoDireitoInternacionalclssicoeexigem,em seu bojo, novas formas de interpretao e tratamento jurdico para a compreenso de sua efetividade no atual contexto da sociedade contempornea. Nesse cenrio, seus problemas e desafios so tratados de forma coletiva, como resultado de um processo dialtico impresso pelo multilateralismo estatal e expresso numa agenda global.E nada mais global para a espcie humana do que o mar.65, 66, 6765PARLETTK.TheindividualintheinternationalLegalSystem:continuityandchangeininternationallaw. Cambridge: Cambridge University Press, 2011.66KLABBERS,J.;PIIPARINEN,T.NormativePluralismandInternationalLaw:exploringglobalgovernance (ASIL Studies in International Legal Theory). Cambridge: Cambridge University Press, 2014.67MARTINS, A. M. G., Algumas notas sobre o regime jurdico da reviso da conveno de Montego Bay. Revista da Ordem dos Advogados, v. 53, n. 3, dez. 1993, p. 609-672.83XII Lineamentos para compreenso da estrutura normativa da Conveno das Naes Unidas sobre o Direito do Mar Conformeaduzidoanteriormente,oDireitodoMar compreende no s a Conveno das Naes Unidas sobre oDireitodoMar,mas,almdela,umagamadefontes, comoocostume,osprincpiosgeraisdoDireitoedo DireitoInternacional,almdeseusprpriosprincpios,a jurisprudncia produzida por tribunais internacionais e um conjuntodifusodetratadosqueversamsobreamatria eseuobjeto,guardandocomossujeitosecomaprpria Conveno identidade normativa.68Noobstante,aConvenooinstrumentobasepara acompreensodoDireitodoMar,afonteprimriae originria. Foi ela quem consolidou os temas pontuais sobre a matria, que disciplina com autoridade maior (por ser um documento especialssimo) a extenso dos direitos, regras 68VIGNES, D. La Convention des Nations Unies sur le Droit de la Mer Serait-Elle un Regrettable Accord Mixte? La Communaut lA Pourtant Conclue. Mlanges en Hommage Michel Waelbroeck, v. I, 1999, p. 683-694.Wagner Menezes84efuncionamentodetodosistemaregulatriodoregime jurdico do mar. Por isso, os temas que esto disciplinados naConvenosocomumenteestudadosnaestrutura doutrinriacompreendidacomoDireitodoMar;porisso, conhec-laecompreend-laoprimeiropassoparao entendimento geral sobre o tema.Nesse sentido, cabe descrever que a Conveno das Naes Unidas sobre o Direito do Mar est organizada em 320 artigos enoveanexos,quecomplementamepreenchemespaos normativosdeixadosaolongodeseusdispositivoseque so parte integrante dela. Embora no haja uma organizao conceitual e estrutural que seria imprescindvel para o total de seus dispositivos, ela possui circunstancialmente dispositivos que expressam conceitos fundamentais ou que delimitam e auxiliam a interpretao dos dispositivos.69De maneira geral, em rpida perspectiva e unicamente comopropostapedaggicaparacompreensodotema, possvel subdividir a Conveno em quatro partes, que so organizadas de acordo com a estrutura normativa e com a ordem dos temas tratados. Naprimeirapartedesuaestruturanormativa,a Conveno disciplina e deli