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Sobre gestão de ilegalismos
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Acervo, Rio de Janeiro, v. 15, n 1, p. 133-154, jan/jun 2002 - pg.133
R V O
O Discurso da OrdemA composio da imagem
do menor
GutemberGutemberGutemberGutemberGutemberg Alexandrino Rodriguesg Alexandrino Rodriguesg Alexandrino Rodriguesg Alexandrino Rodriguesg Alexandrino RodriguesDoutorando em Histria Social pela USP
Os nomes absorvem para sem-
pre a imagem que formamos
das coisas. Este poder de de-
calque dos nomes, como demonstrou
Marcel Proust,1 advm da pintura obtu-
sa que muitas vezes os nomes apresen-
tam das coisas.
Como resu l tado da s ingu la r idade
discursiva, as imagens se transformam
em mscaras , no mais ocu l tando
pseudo-identidades, antes revelando, por
meio de reflexos distorcidos, os traos
inexorveis de pessoas concretas, que
vivendo no cotidiano, dissimulam apenas
o quanto conveniente. Tal aluso tor-
na-se latente quando lembramos a ori-
gem da palavra mscara, que em grego
significa persona ou personagem.
Maria Luiza Tucci Carneiro ao discutir
metodo log icamente a ques to da
polissemia dos discursos lembra-nos que
a fora das imagens no se encontra
na veracidade dos fatos que elas ten-
tam representar e sim na capacidade
que tm de interferir no comportamen-
to humano, gerando sentimentos e ati-
tudes de medo, repulsa, dio, inveja,
submisso, adorao, entre outros.2
Partimos dos discursos enquanto moda-
lidades que buscam representar a reali-
dade social, pois, ordenam, classificam
e representam o universo de insero de
um determinado grupo, legitimando em
alguns casos, a ao de ent idades
institucionalizadoras, como, por exem-
plo, os presdios, os manicmios e enti-
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dades concebidas como reeducacionais,
particularmente a Fundao Estadual do
Bem-Estar do Menor (FEBEM-SP).
Erwing Goffman concebe tais instituies
como totais, pois exercem um controle
absoluto sobre as pessoas a elas desti-
nadas.3 Foucault denomina tais institui-
es como completas e austeras, exer-
cendo o mximo de controle e vigiln-
cia, disciplinando cada um de seus mem-
bros. Internamente o poder se encontra
di ludo pelo espao, operando na
transversalidade das relaes: todos con-
trolam os indivduos a eles encarregados,
max imizando a e f icc ia do poder
institucional. Se para Goffman ocorre
uma mutilao do eu diluindo a indivi-
dualidade do interno, para Foucault ocor-
re o aparecimento dos corpos dceis,
controlados, vigiados e punidos.4
Entendemos institucionalizao como
um conjunto de padres que foram cria-
dos ao longo do tempo, abrangendo di-
versas instncias discursivas: o olhar de
quem fala, como fala e por que fala; a
situao do interno que se torna objeto
a ser analisado e enquadrado em locali-
dades previamente construdas. Enquan-
to objeto, o interno no tem nenhum di-
reito: cada gesto, cada ato, confirma a
necessidade da sua excluso social. No
tecido social, a institucionalizao deli-
mita as fronteiras entre o normal e o
patolgico, o doente e o saudvel.5
O mapeamento de diversas instncias
discursivas discursos jurdicos, mdi-
cos, psiquitricos e sociolgicos possi-
bilita a compreenso do tipo de imagem
que ao longo do sculo XX, sobretudo
nas dcadas de 1960 e 1970, foi sendo
construda em torno de crianas e ado-
lescentes pobres da sociedade.
Por outro lado, coloca em cena a repre-
sentao desta imagem para o imagin-
rio social e coletivo, bem como para pr-
ticas de excluso que este segmento so-
cial vivenciou como fruto da polissemia
discursiva.
O excludo, como sustenta Mart ine
Xiberras, acaba sendo rejeitado para fora
de todos os espaos, tanto dos merca-
dos materiais quanto dos simblicos.
Surgem como o outro que deve ser man-
tido distncia, no compartilhando com
os valores socialmente aceitos.6
A questo da espacialidade torna-se ca-
pilar em uma sociedade excludente e
autoritria, erguendo fronteiras entre o
normal e o patolgico, o saudvel e o
doente. Cria-se, portanto, a lgica da vi-
sibilidade, da disciplina e seu corolrio,
o da segregao social.
Autores como Guillermo ODonnell, Pau-
lo Srgio Pinheiro e Marilena Chau afir-
mam que o autoritarismo um dado his-
trico constante na sociedade brasilei-
ra. Para ODonnell, o autoritarismo foi
socialmente implantado ao longo da for-
mao histrica, delineando a dicotomia
entre dominantes e dominados: senho-
res escravos, industriais, proprietrios
de terras e no proprietrios.7
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Na mesma linha que ODonnell, Paulo
Sr g io P inhe i ro a tes ta que o
autoritarismo, no Brasil, socialmente
existente, caracterizando-se por diversas
polaridades, delimitando fronteiras, ex-
cluindo grande parcela da populao por
meio da suspeio e mecanismo de con-
troles correcionais dos quais a priso, os
manicmios e os reformatrios se encar-
regam de classificar os indivduos em ci-
dados e no cidados.8
A questo da cidadania tambm se en-
contra presente nas discusses de
Marilena Chau, apontando-a como privi-
lgio de poucos. O autoritarismo con-
cebido pela autora como um grande
referencial para pensarmos as relaes
entre o Estado e a sociedade civil.9
Tanto Pinheiro quanto Chau observam
que o autoritarismo, como dado histri-
co da sociedade brasileira acabou se
acentuando com o golpe de 1964, para-
doxalmente batizado com o nome de re-
voluo.
A imagem da criana abandonada, infra-
tora e delinqente teve como sustent-
culo inmeros artigos da revista Brasil
Jovem, criada em 1967 para divulgar as
obras da Fundao Nacional do Bem-Es-
tar do Menor (FUNABEM) que, por meio
de inmeros colaboradores, compuse-
ram um quadro sobre as d iversas
tipologias do abandono e da delinqn-
cia. Este quadro encontrou ainda respal-
do no interior dos pronturios da FEBEM-
SP. Nos pronturios, os discursos mdi-
cos e jurdicos tentaram diagnosticar
muito mais que o corpo, e sim a alma
dos internos.
A histria da criana no Brasil, como lem-
bra Mary Lucy Del Priori,10 se fez som-
bra dos adultos, tornando-se objeto pri-
vilegiado dos pais, clrigos, mestres, se-
nhores, juristas, mdicos e toda uma
categoria de profissionais que, aos pou-
cos, reservaram para as crianas o mun-
do do silncio. Seus gestos, jogos, brin-
cadeiras, atitudes, pulsaes e compor-
tamentos foram, paulatinamente, tornan-
do-se anlises de diversos saberes: o
olhar do adulto sempre conferiu legiti-
midade s inmeras aes para que a so-
ciedade, ao longo da histria, determi-
nasse o local a ser ocupado pelas crian-
as . Se a h is t r ia das c r ianas
emblemtica da postura excludente da
sociedade brasileira, torna-se muito mais
complexa quando analisamos a histria
das crianas e dos jovens oriundos das
camadas mais pobres da sociedade que,
vivendo margem do sistema, despon-
tam tal Hrcules Quasmodo, isto ,
como personagens monstruosas, disse-
minando o medo e a desconfiana. A
estas personagens no faltaram no inte-
rior da prpria sociedade aqueles que
defenderam o combate, e no limite do
possvel, a exterminao.
A histria, como Loreley,11 exerce um
fascnio a todo esprito que se prope a
contempl-la, seduzindo no pelo canto,
mas pela magia da palavra. Palavra que
inventa a si mesma, o mundo represen-
tando o desenrolar das experincias vi-
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vidas, assim como assegurando a circu-
lao das foras entre o domnio do vis-
vel e recompondo, no fluxo temporal, as
trajetrias dos homens enquanto sujei-
tos histricos.
A documentao existente no Brasil so-
bre a temtica da menoridade pode ser
v i s ta , em la r ga esca la , como um
referencial de que o autoritarismo per-
passa todas as esferas da sociedade,
sobretudo na articulao dos inmeros
discursos produzidos.
Podemos dizer com Jacques Le Goff que
todo documento um monumento, e
como tal nunca puramente objetivo, na
medida em que previamente construdo
e arquitetado com interesses de deter-
minados grupos, apresentando parado-
xos e antteses. Desta forma deve ser
analisado, descosturado e desmontado.12
Seguindo o raciocnio de Le Goff e ten-
do como pressuposto terico as inme-
ras an l i ses d iscurs ivas de Miche l
Foucault, podemos dizer que os discur-
sos, produzidos por determinadas insti-
tuies, so monumentos, tendo dispo-
sio prpria, condies de existncias
e atuaes prticas.13
O que importa mostrar que no se
tem por um lado discursos inertes; e
por outro a existncia de um sujeito
todo poderoso que os manipula, os
transforma, os renova; sim que os su-
jeitos que produzem discursos formam
parte de um campo discursivo; que ali
tem suas possibilidades e suas funes
(possibilidades de mutao funcional).
O discurso um espao de posies e
de funcionamentos diferenciados para
os sujeitos.14
Para Foucault o discurso aparece como
acontecimento, carregando as condies
de produtividade e guardando em seu
interior a potencializao dos dispositi-
vos de vigilncia,15 o esquadrinhamento
do corpo e da alma daqueles os quais
so encarregados. Cria-se por meio dos
discursos inmeros saberes, que aplica-
dos objetivamente sob o estatuto da ci-
ncia, da razo e da objetividade, leva
ao confinamento os loucos, os presos e
todos os indivduos tidos como anormais
e desviantes. Enfim, conseguem estabe-
lecer a dicotomia normal/anormal, so/
patolgico.
Dentro de seu mtodo de an l ise ,
Foucault se preocupa em investigar como
e por que os discursos so produzidos,
quais as formas de apropriao deles,
que indivduos, que grupo, que classes
tm acessos a determinados tipos de dis-
cursos e quais seus limites.16
Ao determinar as condies de produti-
vidade, o autor busca tornar visvel o
que s visvel por estar demasiado na
superfcie das coisas.17 Encontramos
nesta busca da superfcie, s vezes con-
fusa e contraditria, o bvio, e como lem-
bra Clarice Lispector, o bvio a verda-
de mais difcil de se enxergar.
As contribuies de Foucault so impor-
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tantes, na medida em que o discurso
no o lugar de uma tbula rasa onde
se depositam passivamente certos obje-
tos previamente constitudos, definindo-
se pela capacidade de articulao de ob-
jetos heterogneos.18
Ana l i sa r fo r maes d iscurs ivas ,
posit iv idades, e o saber que lhes
correspondem, no assinar formas de
cientificidade, recorrer a um campo
de determinaes histricas que deve
dar conta, em sua apario, sua per-
manncia, sua transformao, e che-
gado o caso seu eclipse.19
As dimenses dos discursos encontra-
das, explcitas e implicitamente nos re-
gistros da FEBEM, ajudam, em parte, a
recompor as condies de existncia de
parcela da populao brasileira: como
produtores de eventos e dando horizon-
te s suas anlises, tais discursos funci-
onam como catalisadores da imagem
conferida s crianas e aos adolescen-
tes que subitamente apareceram como
o outro, ou estrangeiros dentro do pr-
prio territrio brasileiro.
Sustenta Paul Ricouer que todo texto
manifesta um mundo permeado de ten-
ses, rupturas e permanncias, carregan-
do sua temporalidade:
No h inteno oculta a ser procura-
da detrs do texto, mas um mundo a
ser manifestado atrs dele. Ora, esse
poder do texto de abrir uma dimenso
da realidade comporta, em seu princ-
pio mesmo, um recurso contra toda
realidade dada e, dessa forma, a pos-
sibilidade de uma crtica real.20
Para o autor, o discurso um evento,
sendo, antes de tudo, realizado tempo-
ralmente e no presente.21 O discurso,
como produtor de eventos, vincula-se
pessoa que fala e, por isso, congrega em
si uma pluralidade de tempos histricos,
carregando as marcas da temporalidade,
seus agentes e objetividades. O evento
consiste no fato de algum falar, de al-
gum se exprimir tomando a palavra.22
O discurso, como lembra o autor, sem-
pre discurso de algo, refere-se a um mun-
do que tenta exprimir e representar. Por
outro lado, ele tem a eficcia da persua-
so e determina o territrio pelo qual as
personagens devem se posicionar. Ins-
creve-se no fluxo de prticas realizadas
constantemente, estabelecendo normas
e padres que vo ao encontro do direi-
to, da legitimidade e da soberania, num
elo de coexistncias bipolares ou, como
salienta Foucault, cria uma economia
poltica da verdade.23
O discurso possui no somente o mun-
do, mas o outro, outra pessoa, um
interlocutor ao qual se dirige: o evento
o fenmeno temporal da troca, o esta-
belecimento do dilogo, que pode tra-
var-se, prolongar-se ou interromper-se.24
A anlise empreendida pelos colabora-
dores da revista Brasil Jovem estabele-
ce uma tipologia do desvio e da delin-
qncia. Parte-se da premissa de que a
inexistncia de condies materiais (po-
breza e seus corolrios) contribui dire-
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tamente para o aparecimento do aban-
dono. Geralmente, a causalidade do fe-
nmeno existente explicitada a partir
do mundo dos setores pobres da socie-
dade, vistos enquanto desviantes. No se
questiona o sistema sociopoltico e cul-
tural, no qual esto inseridos. Procuram-
se explicitaes residuais no universo
material e simblico dos indivduos.
A anlise dos documentos deve sair da
superfcie e registrar que as condies
materiais e institucionais criadas por
meio da articulao dos discursos, men-
sagens e representaes funcionam
como alegorias que simulam a estrutura
real de relaes sociais, legitimando,
como afirma Pierre Bourdieu, uma ordem
arbitrria em que se funda o sistema de
dominao vigente.25
Ao problematizarmos a criao da ima-
gem do menor, no podemos perder de
vista as correlaes simblicas efeitos
e prticas de poder, ao e correlao
do saber, excluso material e simblica
e materiais subjacentes a vrias cate-
gorias que em determinado momento his-
trico se articularam.
Dentro de uma anlise funcionalista, des-
ponta o pensamento do professor de so-
ciologia Jos Cavalieri, segundo o qual
os fatores responsveis pelo aparecimen-
to dos menores infratores esto direta-
mente ligados pobreza e a precrias
condies habitacionais, destacando os
cortios e o mundo da rua deletrio por
natureza. O limite entre o mundo da rua
e da marginalidade tnue, de acordo
com o pensamento do socilogo.
As menores transviadas e os menores
infratores derivam dos cortios (...). Na
rua, coabitada por indivduos sem ne-
nhuma ndole, foco de prostituio e
marginalizao, os menores adquirem
vcios e hbitos perniciosos: furtos,
uso de entorpecentes, perverses.
Atrados pelo submundo, resvalam-se
e so arrastados ao crime (...).26
Geralmente nos discursos, as habitaes
precrias aparecem como metfora da
degenerao social. O mundo da favela
visto como germe do problema social,
locais infectos de irregularidades.
A rua, de acordo com os idelogos, fun-
ciona como a continuao do mundo
desordenado das favelas e dos cortios.
Mundo do caos e da desintegrao mo-
ral e social, despontando, no dizer do ju-
rista Lauro Barreira, a irresponsabilidade
e a misria; local isento de educao e
condies de existncia. Segundo o ju-
rista, os filhos concebidos dentro des-
tas moradias so fracos, condenados
inflexvel lei da seleo natural.27
Nestas duas dimenses, temos a met-
fora da desintegrao do mundo orgni-
co, concebido pelos idelogos, como cor-
po poltico da nao, em oposio ao
mundo ordenado de coeso e estabilida-
de social.
Para Georges Balandier, a metfora cor-
poral traduz a lgica do ser vivo em lgi-
ca social. Seguindo seu raciocnio, a so-
ciedade passa a ser concebida por meio
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de um grupo mantenedor do poder pol-
tico, como corpo orgnico, cujos tecidos,
rgos e membros funcionam como um
todo ordenado.28 O descompasso de um
ou de vrios rgos levaria ao caos soci-
al. Torna-se necessrio diagnosticar as
parte infectas irradiadoras de molstias.
A doena assume no interior do discur-
so poltico, afirma Susan Sontag, uma no-
o de represso, concebida no como
castigo, mas como manifestao do mal,
de algo que tem que ser punido.29
A sociedade concebida como corpo
doente, tanto fsico quanto moralmente.
Diversos males, sustenta a estudante
universitria Leonora Farias Neves da
Costa, comprometiam s bases da soci-
edade. Dentro de uma lgica estritamen-
te moral so apontados como graves pro-
blemas:
A realidade atual do menor bem mais
aterradora que a explorao do menor
nos primrdios da revoluo industri-
al, pois, agora, j no s a sade fsi-
ca do menor que se v agredida, mas
existe ameaa atual e iminente sua
prpria moral, comprometendo as pr-
prias bases da sociedade, pelo aumen-
to indiscriminado da criminalidade, da
toxicomania, do meretrcio e da ho-
mossexualidade. O abandono do me-
nor ter, como seqncia inevitvel, a
destruio da sociedade organizada
com retorno ao obscurantismo e
barbrie.30
Houve, ainda, uma juno entre os dis-
cursos dos colaboradores da revista que
trataram da problemtica dos menores
abandonados, com os artigos que se de-
bruaram sobre os casos de conduta anti-
sociais, ou seja, os infratores e os delin-
qentes. Ambos partiam dos mesmos
pressupostos, vistos como causadores da
situao analisada: industrializao, ur-
banizao, no-integrao de parcela da
populao, condies precrias de mo-
radia, higiene e alimentao. No entan-
to, enquanto parte dos colaboradores
partia de pressupostos sociolgicos, ou-
tra categoria de idelogos procurou bus-
car nas cincias jurdicas e/ou mdica a
validao de suas teses eminentemente
excludentes e moralistas. Se o primeiro
grupo tentou investigar a gnesis do
abandono, o segundo, legitimando-se
num saber tcnico ou cientfico esqua-
drinhou os vetores, considerados por
eles fundamentais para se conceber a
delinqncia, enquanto desvio de perso-
nalidade, em alguns casos de psicopa-
tas, completando o ciclo entre um e ou-
tro grupo.
Mrio Moura Rezende, juiz de Joo Pes-
soa, ao apontar as causas da delinqn-
cia juvenil, fala das transformaes s-
cio-econmicas pelas quais passou a so-
ciedade brasileira. A passagem de uma
economia rural para uma industrial e co-
mercial apontada como divisor para
explicar a delinqncia. Seguindo seu
raciocnio, a transformao atraiu para
os centros urbanos todos componentes
vlidos. A partir disso explica o apare-
cimento de duas categorias: na primei-
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ra, apontaria o grupo do qual participa-
vam os indivduos honestos que, por
meio de seu trabalho, conseguiram ven-
cer; outros por inaptido ou falta de
sorte nada conseguiram, mas, nem por
isso regressaram ao campo; preferiram
ficar habitando mseros mocambos nos
arredores das cidades, vivendo de expe-
dientes. Finaliza o autor que a sorte dos
filhos desses homens estava selada, pois
j que no dispunham de meios para
satisfazer seus mais elementares dese-
jos, terminam praticando os primeiros
furtos e da por diante tem mais um de-
linqente.31
Mais uma vez o jurista focaliza o proble-
ma, vinculando-o dentro do contexto s-
cio-econmico no qual a transformao
da economia rural e urbana responderia,
em pr imeira instncia , aos fa tores
precpuos da marginalizao do menor,
encontrando na delinqncia juvenil seu
ltimo estgio. Porm, esta perturbaria
toda a sociedade, apresentada como im-
potente diante do nascimento dos cha-
mados infratores.
A maioria da populao no compre-
ende essas verdades e por isso culpa
as autoridades por no destrurem ou
no manterem na priso os pequenos
delinqentes. Esta indignao j con-
taminou todas as camadas sociais,
transformando-se numa verdadeira re-
vo l ta cont ra a ex is tnc ia desses
desajustados, principalmente porque
alguns deles j chegaram a matar. Mas,
voltando ao tema dos delinqentes,
aqui no nordeste o caso est tomando
as propores de verdadeira calamida-
de pblica. Os comerciantes vivem
aterrorizados com esses pequenos
monstros. Enquanto isso, no dispo-
mos de estabelecimentos de reeduca-
o adequados para intern-los.32
Pelo uso dos adjetivos imputados aos
menores, como, por exemplo, pequenos
delinqentes, desajustados, pequenos
monstros, observamos como o discur-
so constri a imagem do infrator como
elemento de alta periculosidade. O res-
tante da sociedade aparece como impo-
tente d iante da s i tuao. Temos a
verticalizao da prtica discursiva exi-
gindo uma postura dos rgos competen-
tes, isto , de se criar estabelecimentos
de reeducao para intern-los.
De acordo com um artigo intitulado In-
vestigao Criminolgica,33 o Cdigo de
Menores, datado de 1927, no atendia
mais s necessidades do Brasil atual. O
novo cdigo iria se preocupar em preve-
nir e descobrir as causas da delinqn-
cia do abandono dos menores e proteg-
los antes que se tornem infratores.
Necessitamos de uma justia criminal
especializada, incluindo os organismos
policiais. Necessitamos de uma justi-
a criminal mais rpida. Necessitamos
que o Brasil participe mais ativamente
dos trabalhos das Naes Unidas sobre
preveno contra o crime e tratamen-
to de criminosos. Necessitamos corri-
gir as distores da legislao penal
por meio de uma adequada poltica cri-
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mina l , com a inves t i gao
criminolgica para obteno de uma
melhor defesa social.34
O artigo, acima, preconiza a preveno
do crime como forma de combater a de-
linqncia, assim como o prprio delin-
qente. O uso abusivo do verbo neces-
sitar, em primeira pessoa do plural, re-
mete a necessidade de se criar uma jus-
tia criminal mais eficiente, bem como
uma interveno direta do governo nos
crimes civis.
Nesta mesma linhagem, alguns artigos
preconizavam a reestruturao do Cdi-
go de Menores, de 1927, e uma das ino-
vaes, no dizer de vrios juristas, de-
veria perpassar pela interveno do cri-
me cometido pelo menor.
No dizer do jor nal is ta Gumercindo
Fleury, uma vez que os menores so ins-
trudos sobre a proteo que a menori-
dade lhes d, tornam-se indiferentes e
por isso mais perigosos.
Todas as medidas que a polcia vem
tomando para conter essas gangues
que se tornam cada vez mais sinistras,
esbarram com bices intransponveis,
dos quais o principal , sem dvida, a
pouca idade dos criminosos. Estes, per-
feitamente instrudos sobre a proteo
que a menoridade lhes d perante a lei,
tornam-se indiferentes e cnicos e, por
isso mesmo, ainda mais perigosos.35
Os menores so apresentados pelo ju-
rista como delinqentes, viciosos, inici-
ados no crime, usurios de txicos.
Os paulistanos esto realmente preo-
cupados com essa onda interminvel
de assaltos propriedade particular e
a transeuntes. O grande exrcito an-
nimo, que representado pela polcia
civil, em permanente viglia, multipli-
ca seus esforos para conter a onda de
delinqentes que invadiu a cidade. So
Paulo uma capital do trabalho. Aqui,
noite e dia, os homens constroem,
buscando o seu conforto e o da fam-
lia, a prpria grandeza do Brasil. Certo
que no oferecemos condies, ape-
sar de sermos quase seis milhes de
habitantes, para incentivar proezas dos
que se colocam margem da lei. Na
verdade os que delinqem no so in-
divduos calejados no crime, marginais
facilmente identificveis, pelos agen-
tes de segurana, pelos seus gestos e
pela sua linguagem moldada no hbi-
to da gria. Compreendo as tremendas
dificuldades com que lidam os inspe-
tores para apanhar os fora da lei por-
que todos os assaltos verificados em
So Paulo nos ltimos anos tm sido
praticados ainda na adolescncia, e
com menos de vinte anos de idade.36
Mediante observaes de Rosa Maria
Fisher, se por um lado a menoridade
lhes permite mais livre trnsito no mun-
do do crime, por outro lado o estigma
social os vincula to fortemente ilega-
lidade que muitas dessas crianas so
marcadas como criminosas, antes de te-
rem a oportunidade de delinqir.37
Da problemtica exposta surgiu uma dis-
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cusso importante durante o perodo,
isto , a necessidade de interveno do
Estado no sentido de investir em pesqui-
sas cientficas, tal como a criminologia,
defendida por Virglio Donnici, como
uma cincia jovem, procurando unifica-
o metodolgica, tendo em vista o con-
junto de cincias, desde a biologia, a an-
tropologia e outras, at a estatstica.
uma cincia viva, eminentemente soci-
al, com a finalidade de melhorar os m-
todos para o tratamento dos criminosos
e a preveno da marginalidade.38
impressionante a quantidade de vezes
que os colaboradores recorrem s teori-
as de Csare Lombroso. Embora alguns
apresentem cr t icas ao mtodo
lombrosiano, extremamente determinista,
concordam, em parte, com as investiga-
es operacionalizadas pelo terico ita-
liano. O que parecia sepultado renasce
neste perodo, desta vez com grande ve-
emncia, quando se pensa a questo dos
menores infratores, pois somente uma
criminologia, cujas heranas remonta-
vam o sculo XIX, poderia deslindar a
alma perversa dos pequenos corpos cri-
minosos.
No Brasil existe uma pluralidade de tem-
pos histricos coabitando o mesmo es-
pao, destinando parte do contingente
social excluso. Esta no foi a primei-
ra vez na histria que mtodos calcados
no pensamento, em vigor no sculo XIX,
foram retomados, como demonstraram
Lilia Moritz Schwarcz e Srgio Carrara,
ao discutirem a convergncia de discur-
sos durante os sculos XVIII e XIX, de-
terminando o racismo, a intolerncia e a
excluso de certo segmento social.
A criminologia nasceu em 1885, medi-
ante estudos de Rafael Garfalo, da Es-
cola Italiana, fortemente marcada pelo
positivismo e pela antropologia criminal,
da qual tambm faziam parte Csare
Lombroso e Enrique Ferri, os quais viam
o crime como fenmeno natural, deter-
minado por fatores biolgicos que agiri-
am ao nvel do organismo individual.
A influncia das idias de Ferri, profes-
sor da Escola Italiana de Direito Penal,
no Brasil, foi demonstrada por Lil ia
Moritz Schwarcz, quando este, em 1908,
visitou a Faculdade de Direito de So
Paulo, sendo recebido com entusiasmo
de alunos que com euforia atiravam-lhe
flores e trepidosos aplausos.39
Com Lombroso (1835-1909), seria defi-
nido o perfil do delinqente, a partir das
tcn icas de ant ropometr ia e da
craniologia, ao examinar os corpos dos
criminosos, bem como no tratamento
estatstico dos resultados obtidos. Por
meio de seus estudos, Lombroso, classi-
ficaria os seres humanos em dois grupos:
os delinqentes e no-delinqentes. Os
primeiros seriam objeto de estudo bio-
lgico, postulando inmeros caracteres
a eles peculiares. Nascia a figura do cri-
minoso nato.40
Lombroso, sustenta Carrara, formulou
uma srie de estigmas que
na superfcie do corpo do criminoso
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identificava sua alma. Psicologicamen-
te, o gosto pela tatuagem, pela gria e
onomatopia, a imprevidncia, a pro-
digalidade, a vaidade, a imprudncia,
a impulsividade, a insensibilidade mo-
ral, o carter vingativo, o amor pela
orgia, a preguia, a precocidade, o pra-
zer no delito, e a ausncia de remor-
sos completavam a f igura do at-
v ico . Hav ia a inda carac te r s t i cas
fisionmicas: o olhar frio e fixo do as-
sassino. Errante, oblquo e inquieto
nos ladres.41
Para Erwing Goffman, o estigma carrega
em si uma valorao completamente ne-
gativa, tornando-se, na realidade, um
tipo especial de relao entre atributo e
esteretipo. Partindo deste postulado te-
rico, o autor fundamenta sua anlise a
partir da inflexo de trs atributos con-
s iderados pi lares mantenedores da
estereotipia engendrada pelo estigma, a
saber: as abominaes do corpo, mani-
festadas pelas deformidades fsicas; as
culpas de carter individual (fraquezas,
vcios) e, finalmente, os estigmas tribais
de raa, nao e religio. Ao construir
uma teoria do estigma, chama-nos a aten-
o para os perigos que ela representa,
calcada na inferioridade que confere ao
outro, retirando sua individualidade e,
por conseguinte, mergulhando numa es-
fera de animosidade baseada em outras
diferenas, como, por exemplo, de clas-
se social.42
Marilena Chau lembra-nos de que as
classes ditas subalternas
de fato o so e carregam os estig-
mas da suspei ta , da cu lpa e das
incriminaes permanentes. Situao
mais aterradora quando nos lembra-
mos de que os instrumentos criados
para a represso e tortura dos presos
polticos foram transferidos para o tra-
tamento dirio da populao trabalha-
dora e que impera uma ideologia se-
gundo a qual a misria a causa
da v io lnc ia , as c lasses d i tas
desfavorecidas sendo consideradas
potencialmente criminosas.43
O discurso psiquitrico tambm se fez
presente na revista Brasil Jovem, confe-
rindo por meio da cincia legitimidade
representao da alma potencialmente
criminosa. O professor Elso Arruda, di-
retor do Instituto de Psicologia da Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro, con-
siderava a delinqncia como atributo de
personalidades psicopticas. Para ele a
psicopatia era um atributo do homem
que se considerava infeliz, constituindo
grave perigo sociedade capaz de prati-
car os mais abominveis crimes.44
Essas personalidades, denominadas
anormais, em sua maioria e constitu-
das personalidades psicopatas. Em
virtude de suas anormalidades, as per-
sonalidades psicopticas costumam
incidir no crime e, no raro, tornam-se
delinqentes inveterados e perigosos
para a sociedade. Se querem dinheiro
roubam ou assaltam, se querem bens
ou vantagens obtm-nos sem olhar os
meios; se sentem desejos instintivos,
pg.144, jan/jun 2002
A C E
raptam e violam; se no gostam de nin-
gum, atacam e matam. Destitudos de
sentimento e de valores ticos, seguem
a regra de que os fins justificam os
meios. Ao estudar essas personalida-
des anormais, em particular os delin-
qentes contumazes, verifica-se que
suas anomalias e sua expresso no
comportamento variam em cada caso.
Assim h os que tm no roubo sua
manifestao tpica. Os que assaltam
com uso de armas ofensivas; os que
falsificam documentos; os que atracam
menores para fins libidinosos, os que
no podem ser perturbados porque
reagem com violncia explosiva; enfim
h um nmero infinito de condutas
anti-sociais e criminosas desses indi-
vduos. Muitos deles, excessivamente
vaidosos, presunosos e arrogantes,
cometem atos anti-sociais apenas para
serem respeitados, para aparecer nos
jornais e na televiso, para adquirir
notoriedade, enfim para chamar aten-
o sobre a sua pessoa. Ao passo que
as pessoas normais procuram se des-
tacar pelo trabalho honesto, pelo es-
tudo, pela dedicao cincia ou
causa pblica, as personalidades anor-
mais procuram a evidncia e a notorie-
dade pelas suas faanhas, pela ostenta-
o, pelo exibicionismo e pelo crime.45
Alm das metforas extradas do mundo
orgnico, de conceitos morais, encontra-
mos a metfora religiosa. O discurso do
presidente Emlio Garrastazu Mdici, nes-
te sentido, torna-se emblemtico do sa-
grado enquanto mantenedor do social.
Os discursos constroem a imagem do
corpo social enquanto pluralidade das
dimenses corpreas e espirituais. A so-
ciedade revestida de carne, rgos,
msculos, tecidos, nervos, e sobretudo,
de uma alma sequiosa da moralidade dos
valores ligados nao, ptria, reli-
gio e famlia.
Maria Helena Capelato trabalha a concep-
o das imagens sagradas utilizadas em
determinados governos e a fo ra
conferida a elas. Para tanto, baseia-se em
Alcir Lenharo para quem a sacralizao
dos smbolos garante maior fora ima-
gem.46
No dia 5 de outubro, dando incio s so-
lenidades da Semana da Criana, Emlio
Garrastazu Mdici fez um pronunciamen-
to na FUNABEM, posteriori incorpora-
do na revista Brasil Jovem. O que cha-
ma a ateno, no pronunciamento de
Mdici, o uso abundante da palavra
milagre, ora para ressaltar o papel da
Fundao Nacional do Bem-Estar do Me-
nor, ora para ressaltar o governo militar
como responsvel direto pela criao da
instituio.
Nesta manh, vejo todo o milagre. Vejo
o milagre da transmutao da sucur-
sal do inferno, da escola do crime, da
fbrica de monstros morais (refernci-
as ao Setor de Atendimento dos Meno-
res-SAM extinto com a criao da
FUNABEM em 1 de dezembro de 1964)
em um centro educacional voltado para
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o desenvolvimento integral do menor.
Esse milagre que hoje e aqui procla-
mamos a toda a nao brasileira, ns
o devemos revoluo de maro. E no
tenho dv ida em a f i r mar que a
constatao mais cega e mais surda,
que tudo negasse obra revolucion-
ria, haveria, pelo menos de bendiz-lo
por apagar o sangue, a corrupo e a
vergonha do malsinado SAM, pois, nes-
te lugar, ergue a FUNABEM.47
O general Mdici, aps relatar todas as
atrocidades cometidas aos menores, faz
uma aluso lenda do Negrinho do
Pastoreio. Em seguida, associa a lenda
histria de vida de cada criana desam-
parada, v t ima da explorao e da
corrupo.
Penso nas crianas de tudo precisadas;
penso nos menores que, l fora, so-
frem, dos maiores, a crueldade, a ex-
plorao e a corrupo, e me revolto
ante as imagens da criana, mendiga,
da inocncia feita cmplice e da pure-
za manchada no vcio. E a saga de mi-
nha terra me vem como smbolo mes-
mo de todos os menores desampara-
dos , que em cada qua l ve jo um
negrinho do pastoreio. Quisera v-los,
a todos, esses desamparados, no so-
mente como aquele atirado, sangrando
num formigueiro, afilhado de Nossa Se-
nhora, e que, aparecerem as coisas per-
didas, surgindo frente de fantasmtica
tropilha, diz-se fazer o milagre.48
A maneira como Mdici constri seu dis-
curso coloca todas as dimenses tempo-
rais e espirituais justapostas. O corpo da
nao recebe por meio das imagens do
sagrado, do divino, insgnias de pereni-
dade. O lder funciona como o ser atre-
lado ordem das coisas, seu amor, be-
nevolncia se comparam fora do divi-
no, em luta constante para extirpar
do mundo pro fano a mcu la da
desassistncia da infncia no Brasil.
O caleidoscpio dos problemas relativos
aos menores abandonados e aos delin-
qentes ganhou status de legitimidade no
interior dos pronturios da FEBEM-SP. A
instituio na mesma linhagem que os
colaboradores da revista Brasil Jovem,
aponta o conjunto de valores respons-
veis pela marginalizao do menor em
termos profundamente moralistas. O de-
bate feito pelos idelogos sobre a ques-
to das crianas e dos adolescentes, di-
lui no tempo e no espao os aspectos
sociais, polticos e econmicos nos quais
as crianas e suas famlias esto inseri-
dos . Cr iou -se , por meio do o lhar
reducionista, a idia da pobreza e da
delinqncia como atributos das pesso-
as, no como conseqncia de uma so-
ciedade injusta, cujos bens econmicos
se encontram nas mos de determinados
indivduos, em detrimento da maioria da
populao.
A FEBEM, da mesma forma, possui seus
idelogos cujas idias vo ao encontro
do pensamento normatizador dos cola-
boradores de Brasil Jovem. Para cada
caso, a instituio atribui um conjunto
de valores, recaindo ao nvel scio-fami-
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A C E
liar. O elo que se formou na esteira de
todos estes pensamentos determinou a
institucionalizao do menor.
A riqueza dos pronturios permite visualizar
vrias etapas da institucionalizao do inter-
no, por exemplo, quem so os chamados
menores abandonados e infratores, e
como realizado seu processo de
institucionalizao a partir de diversas
categorias discursivas e extradiscursivas.
Os pronturios possibilitam, ainda, o res-
gate de uma memria social esquecida,
como sustenta Maria Odila Leite da Silva
Dias ao estudar a vida cotidiana das mu-
lheres pobres ao longo do sculo XIX:
Histrias de vida que foram se perden-
do antes por um esquecimento ideol-
gico do que por ausncia de documen-
tao. verdade que as informaes
se escondem, ralas e fragmentadas,
nas entrelinhas dos documentos, onde
pairam fora do corpus central do con-
tedo explcito. Trata-se de reunir da-
dos muito dispersos e de esmiuar o
implcito.49
Os pronturios constituem espcies de
dossis nos quais observamos toda a tra-
jetria da institucionalizao da criana
ou do adolescente, levando-nos impres-
so de que nada escapa aos olhos aten-
tos da instituio encarregada de acom-
panhar todo o seu percurso, cujo ponto
de partida se faz ainda no ambiente fa-
miliar, passando a acompanhar, paula-
t inamente , todos os a tos , ges tos
identificadores de uma patologia a ser
sanada.50
Os pronturios so excelentes documen-
tos h is tr icos , como lembra Mar ia
Clementina Pereira da Cunha, pois reve-
lam os limites da ao institucional e,
apesar da monotonia na qual se reveste
a histria de vida de cada interno, per-
mitem-nos compreender que esta s
pode ser compreendida quando
referenciada experincia individual e
tambm dessa maneira incorporada
problemtica histrica. Resta considerar
que os processos da institucionalizao
configuram evidentes formas de relao
ao ambiente social e, nesta medida, fa-
lam sem cessar deste mundo que os con-
denou ao silncio.51
No interior dos pronturios, verificamos
como ocorreu a solidificao da imagem
do menor abandonado e infrator. Os
muros da FEBEM-SP se tornaram labora-
trios a partir dos quais os tcnicos
mdicos, psiquiatras, psiclogos e assis-
tentes sociais decodificaram cada ges-
to, cada ato do interno. Este se torna
objeto a ser analisado e classificado. A
FEBEM torna-se o locus da vigilncia e
do asilo.
O mundo da disciplina, da vigilncia e
do asilo encontrou em Foucault um de
seus estudiosos. O autor investiga a
coisificao do homem frente s diver-
sas prticas discursivas visualizadas em
manicmios e em presdios.
Segundo Foucault, as relaes de fora
agem em mltiplos sentidos, de tal modo
que se irradiam do centro para a perife-
ria, de baixo para cima, apresentando,
Acervo, Rio de Janeiro, v. 15, n 1, p. 133-154, jan/jun 2002 - pg.147
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portanto, um carter difuso, garantindo
uma relao assimtrica entre os indiv-
duos.
Podemos dizer que as instituies, como
a FUNABEM, nascidas com o golpe mili-
tar, funcionam como sistemas disciplina-
res, impondo uma lgica constante de
controle e vigilncia. Nelas, como sus-
tenta Foucault, o poder capilar, ocor-
rendo na transversalidade, isto , em
mltiplas direes diretores, mdicos,
pedagogos, inspetores e vigias , passan-
do tanto pelos dominantes quanto pelos
dominados. O controle existente dentro
das unidades da FEBEM absolutamen-
te discreto, pois est em toda parte e
sempre alerta, funcionando permanente-
mente e em grande silncio.
Em Vigiar e punir, Foucault demonstrou
uma ntida preocupao em entender al-
guns dos processos de constituio do
indivduo, sendo que, dentre eles, o pro-
cesso de tal constituio ser analisado
por meio do mapeamento da sociedade
discipl inar. O autor apresenta uma
listagem dos valores que a relao de
fora assumiu no decorrer do sculo
XVIII, ou seja, a diviso do espao, o
ordenamento do tempo e finalmente a
composio espao-tempo.
A internao, o enquadramento so
potencializados na sociedade disciplinar,
no dizer de Foucault, enquanto relaes
de fora circunscritas diviso do espa-
o, da mesma forma que a subdiviso
do tempo, a codificao dos atos, bem
como a decodificao dos gestos, so
atributos do ordenamento do tempo.52
Existe o jogo duplo dos olhares: de um
lado, os pareceristas esquadrinham o
movimento corpreo do interno; de ou-
tro, os internos reconhecem que a lgi-
ca da instituio procura transform-los
em corpos dceis, controlados, vigiados
e punidos.
Para efeito de anlise, trs categorias de
internos foram observadas nos prontu-
rios, a saber: os menores abandonados
ou com problemas de conduta crian-
as de quatro a 12 anos; adolescentes
do sexo feminino 13 a 17 anos, inter-
nadas por problemas de conduta e os
adolescentes do sexo masculino de 14
a 18 anos, considerados pela instituio
como portadores de problemas de con-
duta, ou infratores.
O que chama a ateno, em um primei-
ro momento, a elasticidade das classi-
ficaes criadas pela instituio, isto ,
a nomenclatura que diz respeito con-
duta assume diversas categorias diver-
gentes entre si, mediante a anlise dos
pareceristas.
Para as crianas de quatro a 12 anos, o
termo problema de conduta refere-se ao
fato de no freqentarem escola, no
obedecerem aos pais. Quando a termi-
nologia usada para adolescentes do
sexo feminino de 13 a 17 anos, verifica-
mos outras coloraes, como, por exem-
plo, prostitutas, toxicmanos, indivdu-
os agressivos, depressivos e alcolatras.
A adolescente MM, 16 anos, que foi in-
pg.148, jan/jun 2002
A C E
ternada, segundo os tcnicos da FEBEM,
por problemas de conduta, obteve o se-
guinte parecer: menor apresenta um di-
fcil contato. Evidencia idias assassinas,
fazendo ameaas. rancorosa. No faz
crtica de si mesma. Desde criana tem
desmaios. dada ao uso de bebidas al-
colicas.53
Para os adolescentes classificados como
infratores a internao por problemas de
conduta poderia indicar a vadiagem ou,
at mesmo, reclamaes por parte dos
genitores.
Os pronturios sinalizam para diversos
esteretipos imputados aos adolescen-
tes , v i s tos como f r ios , ego s tas e
egocntricos, no possuindo as virtudes
do homem afeito ao trabalho, relatando
que muitos utilizam a prostituio como
meio de sobrevivncia.
MPS, 15 anos, internado pela genitora,
enquadra-se na categoria dos pronturi-
os em que milhares de jovens e adoles-
centes foram considerados como indiv-
duos que no gostam de trabalhar, pre-
ferindo viver da prostituio masculina.
M exps que gosta de ficar nas imedia-
es da alameda Glete, na rua Aurora,
convivendo com prostituio e homos-
sexuais. Sobre isso disse que era uma
forma que encontrava para conseguir
dinheiro, pois no tencionava trabalhar
de forma alguma. Alega M que no pos-
sui o hbito de roubar porque acha
muito difcil ter a profisso de ladro,
que para praticar qualquer ato anti-so-
cial necessrio muita coragem e isso
ele nunca teve. Gosta de conseguir di-
nheiro fcil, mas com prostitutas e tra-
vestis, nunca roubando.54
Outros, como CFF, 16 anos, que foi in-
ternado por assassinato, apresentaria,
mediante os pareceristas, as caracters-
t i cas do de l inqente na to , sendo
categorizado como dissimulado, tentan-
do usar paradoxalmente uma boa ima-
gem durante a entrevista.
No se contam idias msticas ou pre-
ocupao de ordem religiosa. Pensa-
mento sem evidenciar alteraes pa-
tolgicas de forma, curso ou conte-
do. Nega distrbio de percepo. Nega
uso de psicotrpicos. Uso social de
bebidas alcolicas. Uso de maconha.
Atitude subjetiva variando de franca,
cooperante. Nega crises depressivas ou
episdios de choro imotivado. Nega
crise de agitao psicomotora. Nega
cr ise de auto-agressiv idade. Nega
hetero-agressividade, tentando dar
uma srie de explicaes para o ato
cometido, que envolveu violncia. Du-
rante toda a entrevista tenta jogar uma
boa imagem, como de uma pessoa sim-
ptica e educada.55
Cada g rupo tor na -se por tador de
caracteres especficos mediante a anli-
se dos pareceristas. O caleidoscpio das
classificaes abrange diversos signos,
estigmas que mediante o parecer marca-
r a vida institucional do interno. As clas-
sificaes delimitam o espao a ser pre-
enchido pelo interno nas diversas unida-
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des da FEBEM. A criana classificada
como abandonada sempre concebida
pelos tcnicos como oriunda da cultura
da pobreza, mostrando-se inibida, apre-
sentando vocabulrio pobre e sentimen-
to de inferioridade.
Analisa-se o comportamento da criana
durante a entrevista e qualquer gesto con-
siderado anormal descrito como resulta-
do do abandono, da pobreza e das condi-
es de existncia material do menor.
Enquanto o proclamado reveste as carac-
tersticas da criana abandonada, o es-
condido, como observa Chartier, revela
um quadro de representao da realida-
de social presente nos pareceres.
Os tcnicos tentam impor sua concepo
do mundo social ao analisarem a vida de
cada interno: as lutas de representaes
tm tanta importncia quanto as lutas
econmicas para se compreenderem os
mecanismos pelos quais um grupo im-
pem, ou tenta impor sua concepo de
mundo social, os valores que so os seus
e o seu domnio.56
O quadro formado por estas mltiplas
representaes elucidativo da concep-
o que tm os grupos de poder sobre
as camadas mais pobres da sociedade.
A pobreza, nesta linha de raciocnio
estabelecida pelos pareceristas, conver-
ge para a criao de uma imagem do in-
terno como inseguro, com baixo nvel in-
te lectua l , e por conseguinte como
desviante das normas estabelecidas.
GE, de apenas 9 anos, ao ser internada
por ter sido considerada em estado de
abandono, obteve o seguinte parecer
psicolgico:
Menor srio, demonstrando certa difi-
culdade de estabelecer um contato
satisfatrio, tendo inicialmente retra-
do-se e mostrando-se tenso. Ao famili-
arizar-se com a entrevista relaxou um
pouco, porm denota certas reser-
vas , em seus re lac ionamentos
interpessoais. Ao expressar-se oral-
mente denota certa limitao, revelan-
do distrbio de linguagem, pois omite
e troca fonemas, tornando, s vezes,
sua verbalizao incompreensvel, seu
vocabulrio reduzido; entretanto evi-
dencia boa compreenso, quando so-
licitado. Quanto ao aspecto emocional,
revela certa ansiedade latente dificul-
tando sua interao com o ambiente,
mostrando-se inslito, inseguro, te-
mendo ser rejeitado. H sinais de
inadequao intelectual, demonstran-
do certa fluidez em seu controle racio-
nal. Sente-se incapaz e insatisfeito, no
conseguindo organizar e integrar seus
estmulos recebidos. Muito sensvel,
revela certa angstia ligada a elemen-
tos persecutrios e mobilizadores;
afetivamente privado, no alcanou
ainda boa identidade que lhe permite
aceitar-se. Possui bom raciocnio lgi-
co, conseguindo assimilar e discrimi-
nar os fa tos co t id ianos com
inadequao, porm o faz lentamente.
Tenta cooperar na realizao das tare-
fas, mostra-se bem adaptado, tendo
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obtido resultado mdio, situando-se
dentro da faixa da normalidade. Mos-
tra pobre desenvolvimento psicomotor,
sugerindo dificuldade em sua coorde-
nao manual motora e uma organiza-
o e estruturao grafo-perceptiva
inadequada para sua idade. Sua ima-
gem corporal rudimentar. Possui
lateralidade dominante direita.57
No caso das adolescentes, a imagem
conferida pelos pareceristas aproxima
seu universo ao mundo do alienado, dos
loucos, sendo categorizadas como ran-
corosas, portadoras de idias assassinas,
vivendo na completa marginalidade, bem
como na ociosidade.
A jovem MLB, 16 anos, internada por ter
pra t icado a tos ant i - soc ia i s , fo i
diagnosticada como pessoa muito revol-
tada, odiando todo mundo, sendo
passional, explosiva, uma vez que, de
acordo com os pareceristas, tentou as-
sassinar o namorado.58
Aos poucos o cotidiano da FEBEM ganha
proporo, mediante a leitura e anlise
dos pronturios, permitindo visualizar
um conjunto de prticas extremamente
moralistas. O mundo dos menores des-
ponta como anttese do bom trabalhador,
do bom pai, do bom filho. A instituio
no produz nenhum pensamento sui
gener is , an tes reproduz va lores
subjacentes no todo social.
Nesta perspectiva, ganham fora os dis-
cursos dos psiclogos e dos psiquiatras,
levando baila a eficincia das tticas
morais. So eles que diagnosticam a per-
versidade, a ociosidade, a apatia, a falta
de valores ticos, tudo dentro de uma
padronizao imposta por valores domi-
nante.
Foucault, ao estudar instituies asilares,
esteve atento a todos os mecanismos
produzidos e reproduzidos espacialmen-
te, lembrando que, no interior de cada
uma das unidades asilares ocorrem pr-
ticas subtradas da sociedade como um
todo, isto , cria-se a idia segundo a
qual o internado, o louco, o delinqen-
te, precisa reaprender, dentro do asilo,
os valores anteriormente perdidos, po-
dendo desta forma retornar ao convvio
social.
Surgem, nesta esfera, vozes destoantes
para afirmarem o conjunto das coisas
perdidas. A prtica psiquitrica ser uma
manifestao de ttica moral, do sculo
XVII, com a normatizao dos costumes,
com a delimitao do universo dos nor-
mais e anormais, delinqentes e homens
honestos, normas estas conservadas in
totum nos rituais da vida asilar. 59
O discurso do psiquiatra contribui para
a institucionalizao de jovens e crian-
as, no sem antes desenhar o quadro
dos desvios de conduta. O pincel e a tela
da instituio ganhariam, no excludo,
uma musa s avessas. A representao
da delinqncia, da alienao seria ma-
tizada nos pareceres, numa tentativa de
forjar mecanismos indiscutveis, sendo
baseados na voz e no conhecimento de
especialistas.
Acervo, Rio de Janeiro, v. 15, n 1, p. 133-154, jan/jun 2002 - pg.151
R V O
A imagem do delinqente nato se crista-
liza nos pronturios do menor infrator.
Se os colaboradores de Brasil Jovem lan-
aram mo das teorias lombrosianas
para comporem um quadro no qual qual-
quer signo comprovasse a malignidade
manifesta, os pareceristas da FEBEM, no
interior das diversas unidades, aplicari-
am o modelo da antropologia criminal
para esquadrinhar a potencial idade
subjacente delinqncia manifesta.
O corpo tcnico da Fundao Estadual
do Bem-Estar do Menor, assim como os
idelogos de Brasil Jovem, contriburam
para o processo de estigmatizao de
centena de milhares de menores no fi-
nal do sculo XX. Os pareceres da
FEBEM, aliado aos artigos de Brasil Jo-
vem, mostraram que as teorias de Csare
Lombroso, as teor ias eugn icas e
excludentes, desenvolvidas ao longo do
sculo XIX, no estavam soterradas: an-
tes se manifestaram por meio do vis
conservador e autoritrio que caracteri-
za grande parte da sociedade brasileira.
A anlise dos pronturios ultrapassa os
muros da instituio, encontrando na
imprensa outro veiculador da degenera-
o social dos indivduos. Neste caso, a
idia se tornou mais uma evidncia da
periculosidade intrnseca aos jovens e
adolescentes que passaram pelos muros
da instituio.
O imaginrio coletivo aglutina todas as
imagens que aos poucos so tecidas pe-
los discursos, justapondo-se na mem-
ria. Se a memria incapaz de fornecer
imediatamente a lembrana das mlti-
plas impresses, a lembrana se forma
nela aos poucos e se recompe a partir
de fragmentos mnemnicos.
Porm, o tempo da memria permite que
por meio das imagens despontem a for-
a dos discursos que se materializam nos
traos, impresses, sabores e cheiros, e
revivem a cada instante, quando se evo-
ca a imagem do outro, do estrangei-
ro e do excludo, cujos caracteres fo-
ram construdos numa determinada
temporalidade.
O tempo enquanto espelho da memria
s vezes reflete a imagem do outro en-
quanto estrangeiro, criatura a ser cotidi-
anamente excluda. Como bem lembra
Proust, os homens no mudam de um
dia para o outro e procuram num regime
novo a continuao do antigo.60 O mun-
do da excluso e do excludo mapeado
pelos pareceristas. Para Xiberras toda
a relao com o outro, que deve se idea-
lizar na lgica da excluso.
O menor apareceu como estrangeiro,
dentro da prpria terra em que nasceu.
Terra esta que o negava, condenando-o
ao pior dos mundos, julgando-o portador
das chagas sociais, disseminando o
medo e a desconfiana, tal como os le-
prosos examinados por Foucault na His-
tria da loucura.
Emir Sader, em uma aluso impressio-
nante figura do menor enquanto estran-
geiro, lembra uma passagem de Foucault
pg.152, jan/jun 2002
A C E
que se encaixa exatamente na histria
da infncia negada no Brasil.
Esse gesto que proscreve tinha, sem
dvida, outro alcance: ele no isolava
estranhos desconhecidos, durante
muito tempo evitado por hbito; cria-
va-os, alterando rostos familiares na
paisagem social a fim de fazer deles
figuras bizarras que ningum reconhe-
cias mais. Suscitava ali mesmo onde
ningum o pressentira.61
Quem diria que um dia essas afirmaes
de Foucault, como lembra Sader, sobre
a arqueologia do banimento da loucura,
viessem a se ajustar apropriadamente ao
mecanismo de gerao de imagem do
menor infrator entre ns. Imagem com-
posta por uma multiplicidade de espe-
lhos, irradiando os reflexos de uma so-
ciedade excludente e autoritria, trans-
formando categorias como os loucos, os
presidirios e os menores, no outro. O
verbo delinqir, como constata Sader,
no existe em primeira pessoa, uma vez
que o delinqente sempre o outro.62
N O T A S
1. Marcel. Proust, Em busca do tempo perdido: no caminho de Swan, So Paulo, Globo, 1998, p.373.
2. Maria Luiza Tucci Carneiro, O discurso da intolerncia: fontes para o estudo do racismo,Fontes histricas: abordagens e mtodos, So Paulo, Ed. UNESP, 1996, p. 28.
3. Erving Goffman, Manicmios, prises e conventos, So Paulo, Perspectiva, 1999, p. 27.
4. Michel Foucault, Vigiar e punir, Petrpolis, Vozes, 1977, p. 31.
5. Gutemberg Alexandrino Rodrigues, Os filhos do mundo: a face oculta da menoridade, SoPaulo, IBCCRIM, 2001, p. 277.
6. Martine Xiberras, As teorias da excluso: para a construo do imaginrio do desvio, Lisboa,Instituto Piaget, 1993, p. 22.
7. Guillermo ODonnell, Contrapontos, autoritarismo e democratizao, So Paulo, Vrtice, 1986.
8. Paulo Srgio Pinheiro, Autoritarismo e transio, Revista da USP, So Paulo, n. 9, mar.-mai.,1991, p. 55.
9. Marilena Chau, Conformismo e resistncia: aspectos da cultura popular no Brasil, So Paulo,Brasiliense, 1993, p. 48.
10.Mary Del Priori, Histria da criana no Brasil, So Paulo, Contexto, 1998, pp.7-8.
11.Loreley o nome de uma personagem do folclore alemo, cantado num belssimo poema por
Acervo, Rio de Janeiro, v. 15, n 1, p. 133-154, jan/jun 2002 - pg.153
R V O
Heine, como observa Clarice Lispector. A lenda diz que Loreley seduzia os pescadores comseus cnticos e eles terminavam morrendo no fundo do mar. Clarice Lispector, Uma aprendi-zagem ou o livro dos prazeres, Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1993, p. 144.
12.Jacques Le Goff, Histria e memria, So Paulo, Ed. UNICAMP, 1994, p. 30.
13.Michel Foucault, El discurso del poder, Mxico, Folios Edicines, 1983, p.74.
14.Idem, p. 71.
15.Idem, p.39.
16.Idem, p. 33.
17.Idem, p. 16.
18.Idem, p. 28.
19.Idem, p. 117.
20.Paul Ricouer, Interpretao e ideologias, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1990, p. 138.
21.Idem, p. 46.
22.Paul Ricouer, op. cit., p. 46.
23.Michel Foucault, Microfsica do poder, Rio de Janeiro, Graal, 1985, p. 13.
24.Idem, ibidem.
25.Pierre Bourdieu, A economia das trocas simblicas, So Paulo, Perspectiva, 1992.
26.Jos Cavalieri, O bem-estar do menor em comentrio, Brasil Jovem, ano II, dezembro de1967, p. 65.
27.Lauro Barreira, O menor desamparado, Brasil Jovem, Rio de Janeiro, 2 trimestre de 1971, p.70.
28.George Balandier, A desordem: o elogio do movimento, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1997,p. 26.
29.Susan Sontag, A doena como metfora e a SIDA e as suas metforas, Lisboa, Quetzal Edito-res, 1998, p. 88.
30.Leonara Farias Neves da Costa, O problema do menor abandonado, Brasil Jovem, Rio deJaneiro, ano 11, n. 37, 1 quadrimestre de 1977, p.77.
31.Mrio Moura Rezende, A delinqncia juvenil e suas conseqncias, Brasil Jovem, Rio deJaneiro, ano IV, n. 13, maro de 1970, p. 15.
32.Ibidem.
33.Artigo do professor Vrglio Donnici (professor catedrtico de direito penal do Instituto deCincias Penais da Faculdade Cndido Mendes), Brasil Jovem, ano IV, 3 trimestre de 1970.
34.Idem, p. 64.
35.Gumercindo Fleury, Delinqncia juvenil, Brasil Jovem, Rio de Janeiro, ano II, n. 8, dezem-bro de 1968, p. 72.
36.Idem.
37.Rosa Maria Fisher Ferreira, Meninos de rua: expectativas e valores de menores marginaliza-dos em So Paulo, So Paulo, CEDEC, 1979, p. 44.
38.Virglio Donnici, op. cit., p. 64.
39.Lilia Moritz Schwarcz, O espetculo das raas: cientistas, instituies e questo racial noBrasil, 1870-1930, So Paulo, Companhia das Letras, 1995, p. 179.
40.Juan Manuel Mayorca e Nelson Pizzotti Mendes, Criminologia, So Paulo, Editora ResenhaUniversitria, 1975, p. 106.
41.Srgio Carrara, Crime e loucura: o aparecimento do manicmio judicirio na passagem dosculo, Rio de Janeiro, Ed. UERJ/EDUSP, 1988, p.105.
42.Erving Goffman, Estigma: notas sobre a manipulao da identidade deteriorada, Rio de Janei-ro Zahar, p. 15.
pg.154, jan/jun 2002
A C E
43.Marilena Chau, Conformismo e resistncia: aspectos da cultura popular no Brasil, So Paulo,Brasiliense, 1983, p. 57.
44.Elso Arruda, Uma anlise do ponto de vista da psicologia, Brasil Jovem, 3 quadrimestre de1975, p. 35.
45.Idem, ibidem.
46.Maria Helena Capelato, Multides em cena: a propaganda poltica no varguismo e no peronismo,So Paulo, Papirus, 1999, p. 259.
47.Emlio Garrastazu Mdici, Mensagem ao jovem do Brasil, Brasil Jovem, ano IV, n. 16, 4 tri-mestre de 1970, p. 53.
48.Idem, ibidem.
49.Maria Odila Leite da Silva Dias, Quotidiano e poder em So Paulo no sculo XIX, So Paulo,Brasiliense, 1995, p. 14.
50.Gutemberg Alexandrino Rodrigues, op cit., p. 174.
51.Maria Clementina Pereira da Cunha, O espelho do mundo: Juqueri a histria de um hospcio,Rio de Janeiro, Vozes, 1988, p. 114.
52.Michel Foucault, Vigiar e punir, Rio de Janeiro, Vozes, 1977, p 150.
53.PT: 27. 706-A, MM ou SAM.
54.PT: 37.095-A, MPS.
55.PT: 31.919-A, CFF.
56.Roger Chartier, A histria cultural: entre prticas e representaes, Lisboa, Difel, 1990, p. 17.
57.PT: 28.047-A, GE.
58.PT: 28.234-A, MLB.
59. Michel Foucault, Histria da loucura, So Paulo, Perspectiva, 1975, p. 501.
60.Marcel Proust, Em busca do tempo perdido: sombra das raparigas em flor, So Paulo, Globo,1998, p.86.
61.Michel Foucault apud Emir Sader, Maria Igns Bierrenbach e Cyntia Petroncio Figueiredo,Fogo no pavilho, So Paulo, Brasiliense, 1987, p.12.
62.Idem, ibidem.
A B S T R A C T
This essay intends to expose the discourses analyses that search to represent the social reality of
a determined group, that one composed by the abandoned and delinquent child, during the
decades of 1960 and 1970. It also emphasizes the history of children and young persons of the
poorest strata of the Brazilian society.