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Grupo de Estudos Regionais e Socioespaciais GERES www.unifal-mg.edu.br/geres O encontro das etnias indígenas e quilombolas: do período pré-histórico ao colonial em Carmo do Rio Claro, MG Edvânia Moreira Antenor Geógrafa UNIFAL-MG, Membro do GERES [email protected] Dedico este artigo aos indígenas e quilombolas de ontem, hoje e sempre! A sabedoria e a magia ancestral exercida por estes em terras Brasílis. RESUMO Este trabalho analisa a existência de grupos humanos nos períodos pré-histórico, pré-colonial e colonial. Em síntese e de forma sucinta evidencia os registros materiais das existências destes, através da cultura material, ou seja, as “marcas ou assinaturas” encontradas em sítios arqueológicos localizados em paisagens ou/e áreas culturais. A cultura imaterial e o gênero de vida serão evidentes, não há como se excluírem, pois, as técnicas e hábitos de vida destes grupos humanos são interpretados. Conceituações da geoarqueologia, arqueologia e geografia cultural são aplicadas neste artigo, para melhor compreensão da relação dos grupos humanos pré-históricos com a natureza. Uma localização especifica será a região onde se insere a cidade de Carmo do Rio Claro, MG palco de encontro de etnias como indígenas e quilombolas, do pré-histórico ao colonial. Palavras-chave: pré-história, grupos humanos, geografia cultural e arqueologia. ABSTRACT This work analyzes the existence of human groups in the pre-historical, pre-colonial and colonial periods. In synthesis the material registers of the existance of these groups are material culture, understood as the “signs of signatures” found in archaeological sites located in landscapes and/or cultural areas. Material culture and the way of life, which cannot be separated, are interpreted to understand the techniques and habits of these groups. Concepts from geo-archaeology, archaeology and cultural geography are applied in this article, to better understand the relation between pre-historical human groups and nature. An specific location

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O encontro das etnias indígenas e quilombolas: do período pré-histórico ao colonial em

Carmo do Rio Claro, MG

Edvânia Moreira Antenor

Geógrafa – UNIFAL-MG, Membro do GERES

[email protected]

Dedico este artigo aos indígenas e quilombolas

de ontem, hoje e sempre! A sabedoria e a

magia ancestral exercida por estes em terras

Brasílis.

RESUMO

Este trabalho analisa a existência de grupos humanos nos períodos pré-histórico, pré-colonial

e colonial. Em síntese e de forma sucinta evidencia os registros materiais das existências

destes, através da cultura material, ou seja, as “marcas ou assinaturas” encontradas em sítios

arqueológicos localizados em paisagens ou/e áreas culturais. A cultura imaterial e o gênero de

vida serão evidentes, não há como se excluírem, pois, as técnicas e hábitos de vida destes

grupos humanos são interpretados. Conceituações da geoarqueologia, arqueologia e geografia

cultural são aplicadas neste artigo, para melhor compreensão da relação dos grupos humanos

pré-históricos com a natureza. Uma localização especifica será a região onde se insere a

cidade de Carmo do Rio Claro, MG palco de encontro de etnias como indígenas e

quilombolas, do pré-histórico ao colonial.

Palavras-chave: pré-história, grupos humanos, geografia cultural e arqueologia.

ABSTRACT

This work analyzes the existence of human groups in the pre-historical, pre-colonial and

colonial periods. In synthesis the material registers of the existance of these groups are

material culture, understood as the “signs of signatures” found in archaeological sites located

in landscapes and/or cultural areas. Material culture and the way of life, which cannot be

separated, are interpreted to understand the techniques and habits of these groups. Concepts

from geo-archaeology, archaeology and cultural geography are applied in this article, to better

understand the relation between pre-historical human groups and nature. An specific location

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analyzed is the region of Carmo do Rio Claro, MG, where the encounter between indigenous

and quilombolas (fugitive rebel slaves) took place in the colonial period.

Key-words: pre-history, human groups, cultural geography and archaeology.

INTRODUÇÃO

Este artigo é pautado no passado, ou seja, no período Pré-Histórico inicialmente e,

finalizado com o Pré-Colonial e Colonial. Remetemos-nos a estes períodos para melhor

compreensão da existência do homem ou de grupos humanos culturais denominados

paleoíndios, indígenas ou ameríndios que habitaram o Continente Americano. No período

Colonial evidenciaremos o contato de grupos étnicos como os indígenas e quilombolas em

território específico, hoje geograficamente conhecido como Carmo do Rio Claro, MG.

Além dos conceitos aqui trabalhados a fim de contextualizar a utilização da geografia

cultural para as pesquisas realizadas em complexos geográficos denominados em seguida de

área e/ou paisagens culturais - tipos de ambientes onde se encontram os registros da existência

de grupos humanos culturais como os indígenas e quilombolas, por exemplo - o gênero de

vida será outro conceito importante para a descrição de formas, técnicas, organização social,

se caçadores, caçadores-coletores, caçadores-horticultores, caçadores-coletores-piscicultores,

nômades ou seminômades, a cosmologia, cosmografia, entre tantos outros quesitos.

2. OBJETIVOS

Analisar e apresentar nesta pesquisa evidências materiais e imateriais existentes dos

períodos Pré-histórico, Pré-colonial e Colonial, utilizando-se de conceitos de autores

especializados em tais temas, ou vinculados às etnografias. Abordar e relacionar de forma

coerente as devidas conceituações para referenciar os grupos étnicos existentes em tais

períodos e em determinadas localizações ou complexos geográficos. Caracterizar os múltiplos

territórios onde os paleoíndios, indígenas e quilombolas habitaram, através da utilização da

geografia cultural e geoarqueologia. Ou seja, evidenciar as relações de tais etnias com as

diversidades territoriais, cujo fator ambiental com seus recursos naturais fora imprescindíveis

às escolhas realizadas, mesmo que por curto período de permanência. E, sobretudo tentar

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utilizar-se de outras áreas das Ciências Humanas como a História, Antropologia e

Arqueologia.

3. JUSTIFICATIVA

Este trabalho visa justificar a necessidade do reconhecimento da história social da

cultura dos grupos étnicos que existiram nos períodos Pré-histórico, Pré-colonial e Colonial.

Agentes culturais esquecidos ou sempre renegados pelas sociedades atuais. Estes foram os

primeiros habitantes do que na atualidade denominamos por continente, país e uma região

especificada, ou seja, Carmo do Rio Claro. Os paleoíndigenas, indígenas e quilombolas de

CRC1·, devem ter suas importâncias justificadas, não somente através das etnografias

encontradas, mas também e, sobretudo por serem os agentes culturais formadores da

amalgama de sincretismos biológicos e cosmográficos dispersos por todo o território nacional.

A utilização das ciências geográfica cultural e geoarqueológica são apresentadas no

decorrer dos capítulos deste trabalho, visando justificar a relação intrínseca do homem com a

natureza ou com complexos geográficos, constituídos de recursos naturais necessários as suas

sobrevivências. De acordo com Eric Dardel (1900-1968) é imprescindível tentar compreender

a relação de sentimento e interpretação que o homem manteve e mantém com a natureza, ou

seja, com a Terra.

Conceitos das áreas das Ciências Humanas como os da História, Antropologia e

Arqueologia são igualmente justificadores para à contextualização da relação de grupos

humanos existentes no passado e seus registros materiais evidenciados sobre a Terra.

4. DISCUSSÃO TEÓRICA

A linha metodológica tem como suportes teóricos a Geografia Cultural, Geoarqueologia,

Arqueologia e História Social da Cultura pela quais o objeto do discurso tende a estar no mesmo

plano epistemológico que o sujeito desse discurso. Ou seja, não há hierarquia entre quem realiza a

ação e quem sofre as interferências dessa ação. Trata-se de dialogar para valer, tratar o outro não

como objeto de nossa teoria ou ação, mas como possíveis interlocutores.

1 CRC significa Carmo do Rio Claro

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A utilização da geografia cultural como embasamento teórico neste trabalho utilizar-se-á

de conceitos vinculados a história cultural, paisagens e áreas culturais e gênero de vida. A

geografia cultural nasceu inicialmente da diversidade dos gêneros de vida (VIDAL DE LA

BLACHE et al.,1911,2008:113-130) e das paisagens culturais (SAUER,1929), posteriormente

os demais surgiram por uma necessidade, todos se complementam, não há um sem o outro.

Além dessa abordagem, mas associada a ela, buscaremos uma aproximação com a

arqueologia, especialmente o conceito de sítio arqueológico.

Para a geografia cultural o termo “cultura” surge a partir do estudo dos homens, de suas

atividades e de suas obras na superfície da terra, e tenta explicá-la pela maneira como os

grupos se inserem no ambiente, o exploram e o transformam, os laços que os indivíduos

tecem entre si, seus mitos e idéias, a maneira como instituem sociedades, como organizam e

como a identificam ao território em qual vivem, etc. (CLAVAL, 1999:10). Entretanto, do

conceito cultura surge os termos cultura material sempre vinculada à produção de artefatos

materiais, incluindo a paisagem e o ambiente construído e cultura imaterial como algo

relacionado à idéias, hábitos e crenças expressas na vida de grupo sociais (MCDOWELL,

2003:160). Enfim, como se pegássemos o conceito de cultura e através deste fizéssemos dois

outros, um relacionado ao que é material e o outro ao que é intangível imaterial. Ambos se

complementam não há um sem o outro.

A terminologia “grupo étnico” mencionada neste artigo é, portanto, relacionada a

fenômenos culturais, baseado originalmente na percepção, experiência e circunstância

compartilháveis de experiências em comum. Ou seja, grupos ameríndios ou indígenas e

grupos provenientes do Continente Africano ou afrodescendentes, portanto, são grupos

étnicos de culturas díspares.

A consciência de pertencer a um grupo étnico assume uma característica

autoperpetuadora, que é passada de geração a geração. As características principais que são

partes de uma “bagagem” étnica são: a linguagens (idioma, dialetos), crenças religiosas,

instituições políticas etc. (CASHMORE et al.2000:197-198).

O gênero de vida é conceituado como à adaptação dos grupos humanos ao meio ambiente,

através das técnicas produtivas e possibilidades de inventar novas técnicas, de desenvolver

trocas com grupos diferentes que habitam em outros territórios e dos hábitos do grupo. A

adaptação se traduz na adoção de um modo de vida ou gênero de vida como a caça, pesca,

agricultura, se nômades ou seminômades, etc. Em síntese, o gênero de vida é um conjunto de

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técnicas e hábitos, em que Vidal de La Blache não “aplica” o termo cultura em seus trabalhos

para uma melhor definição da relação do homem com a natureza

As paisagens referem-se ao conteúdo geográfico de determinada área ou a um complexo

geográfico de certo tipo, no qual são manifestas as escolhas feitas e as mudanças realizadas

pelos homens enquanto membros de um grupo cultural. Portanto, gêneros de vida e paisagens

culturais sugerem o dinamismo necessário à geografia cultural, ligando- se ás representações

dos lugares e aos sentimentos de identidades que lhe são vinculados (CLAVAL, 1998:19-38;

MCDOWELL, 2003: 161-181; MIKESELL et al.2003:35-52; MOURA DELPHIM et

al.2009: 167-184).

Cabe constatar que é imprescindível para estudos e prospecções dos sítios arqueológicos a

licença concedida pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) que

também trata ou resguarda a cultura material e imaterial arroladas em território Nacional. E,

contudo, os meios técnicos científicos e os profissionais habilitados devem estar de acordo

com todos os requisitos estipulados na Lei N° 3.924 de 1961.

5. METODOLOGIA

Como metodologia a pesquisa contou com os seguintes procedimentos: levantamentos

bibliográficos, documentais e visitas ao Museu Histórico e Arqueológico Antonio Adauto

Leite foram realizadas em Carmo do Rio Claro. Artigos científicos, dissertações e teses de

doutoramento foram também utilizados para referenciais teóricos. Utilizamos de fontes

documentais como História Oral. Fotografias foram realizadas com a finalidade de apresentar

aos leitores a evidência da existência de grupos étnicos, indígenas e quilombolas em tal

região.

EVIDÊNCIAS ETNOGRAFICAS DOS PERÍODOS PRÉ-HISTÓRICO AO

COLONIAL EM CARMO DO RIO CLARO

Vieira (2002:312-326) nos relata uma discussão entre o engenheiro Faveret de Furnas

Central Elétrica e o funcionário responsável pela desapropriação de terras, o senhor Pereira de

Castro, a respeito da gruta de Itapecerica, que em Tupi significa pedra lisa e escorregadia e a

respeito dos artefatos líticos e cerâmicos provenientes de os grupos indígenas, encontrados

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por agricultores enquanto preparavam a terra para o cultivo. O motivo da discussão seria o

pedido de um levantamento topográfico, etnográfico e biológico (Lei N° 3.924,1961: Art.2°,

3° e 5°) dos sítios arqueológicos e da gruta existente - com o interior todo revestido de várias

inscrições rupestres em perfeita conservação - ambos existentes na região de Carmo do Rio

Claro. No entanto, a discussão não teve efeito algum, Faveret não cogitou na hipótese de ser

possível contatar profissionais responsáveis para os levantamentos dos sítios arqueológicos.

De acordo com a Lei N° 3.924 de 1961 a omissão cometida pelos responsáveis pela criação

da hidrelétrica se constituiria em crime contra o Patrimônio Nacional. A destruição e ausência

de estudos científicos sobre a gruta, que se localiza submersa nas águas do Lago de Furnas

(hoje), e as perdas arqueológicas materiais dos sítios pré-históricos se excederam nos anos de

1950 e 1965. Detalhe, a Lei foi sancionada no ano de 1961. Coincidência?Talvez

conscientização tardia dos governantes sobre as perdas do patrimônio cultural, no entanto, não

caberiam mais recursos, os agravantes se excederam e a Lei fora negligênciada em tal

situação.

A partir dos anos de 1970 e 1980 no Município de Carmo do Rio Claro, o arqueólogo

Ondemar Dias Junior confirmou por meio de análises de artefatos líticos pré-históricos e dos

fragmentos de cerâmicas encontradas dispersas ao longo dos eixos fluviais, o tipo de cultura

material a que pertenciam (DIAS JUNIOR, 1979-80: 214-215). Por meio da cultura material,

ou seja, os artefatos constituídos e fragmentados encontrados, Dias Junior evidenciou as Fases

e Tradições que as caracterizam, que são: Aratu-Sapucaí, Tupi-guarani e Neo-Brasileira

(DIAS JUNIOR, 1979-80: 214-215). Resumindo, em relação às denominações etnográficas

observadas através dos objetos e além do grupo indígena incluído na família linguística GÊ,

como os Kayapó (Tradição Aratu- Sapucaí), haveria também outro grupo indígena

pertencente à família linguística Tupi (Tradição Tupi-guarani). E vale ainda ressaltar que há

evidencias de influência dos quilombolas tanto nos traços estilísticos dos artefatos, como em

técnicas posteriormente aliadas à confecção das cerâmicas dos indígenas, Tradição Neo-

Brasileira, (PROUS, 2006:84-108). Atentem aos demais textos que seguem.

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Figura 1: Região de Carmo do Rio Claro em relação a Belo Horizonte, MG, 389 km. Fonte: Somar Meteorologia.

2-A HISTORIOGRAFIA DE CARMO DO RIO CLARO

A História Cultural de Carmo do Rio Claro, localizada a Sudoeste de Minas Gerais, nos

apresenta a história dos grupos indígenas, Gê e Tupi – dos povos pré-históricos que ali

habitaram – das trilhas bandeirantes à procura de ouro, dos capitães –do –mato à procura dos

Quilombos (GRILO, 1996:15-40).

As fontes e referências históricas de Carmo do Rio Claro, se reduzem a praticamente

duas: o Breve Histórico publicado na Enciclopédia dos Municípios Brasileiros do ano de

1958 e o que foi publicado em 1977 em comemoração ao centenário da cidade, que é uma

compilação do primeiro. O que limita o conhecimento historiográfico da região. Observamos

contradições, provavelmente devido à necessidade de fontes documentais.

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Figura 2: Família Guarani Capturada por Caçadores de Índios. De Jean B. Debret.

Resumidamente o que consta em tal fonte historiográfica é que Carmo do Rio Claro

equivaleria a Freguesia durante os anos de 1780, Vila no ano de 1875 e seria emancipada

como Cidade a partir do ano de 1877. Descreve-se algo sobre a entrada das Bandeiras,

relacionadas aos bandeirantes, Lourenço Castanho, José Barbosa de Arruda e Domingues de

Avelar, a um grupo indígena denominado Catáguases que neste período habitava uma parte

do território de Minas Gerais. Precisamente no período da História Colonial, fins dos séculos

XVII e início do XVIII em que, há fontes e documentos históricos que fazem referências aos

confrontos entre bandeirantes, posseiros e etnias indígenas. Evidenciamos que estes contatos

nada amistosos tiveram como o desfecho à dizimação de significativas somas de etnias

indígenas (GRILO, 1996:18-109). As armas e as doenças transmissíveis constituíram um dos

principais motivos - além dos confrontos existentes entre os nativos e etnias díspares - para o

desaparecimento de grupos ou sociedades ameríndias (DIAMOND, 2009:36-214).

A respeito da entrada das Bandeiras é bem provável que o Lourenço Castanho citado em

tal fonte historiográfica - como sugere Antônio Grilo (1996) – não tenha sido realmente o

desbravador2 da região em que hoje se situa à cidade de Carmo do Rio Claro. Estes sertanistas

encontrar-se-iam sitiados em áreas para além do Rio Grande e muito dificilmente próximo a

este e, o vínculo de tais seria com o Governador das Minas (ROMEIRO, 2003:45-194) área

que pertencia à província de São Paulo. Portanto, estas Bandeiras teriam cruzado tal região 2 Remete-nos ao processo de territorialização.

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em épocas mais remotas o que provavelmente contradiz a fonte historiográfica analisada

(GRILO, 1996:19-25). Ou seja, outra Bandeira teria adentrado esta região e se estabelecido,

no entanto, não se específica ao certo qual seria3.

Um fato interessante é que a origem da cidade de CRC não se prende propriamente aos

povos indígenas que ali habitavam e que foram dizimados4 e, muito aquém às Bandeiras, mas

sim, aos episódios concretos de formação dos Quilombos da região.

Provavelmente os movimentos dos quilombolas e dos brancos pobres que deram origem à

região de Carmo do Rio Claro (GRILO, 1996:52), a partir do século XVIII. O quilombo

existente denominava-se o “Quilombo do Cascalho” (GRILO, 1996:20-55) que era um dos

núcleos do Quilombo da região do Campo Grande (LIMA, 2008:36-170) que se distribuía por

Minas Gerais. Os vestígios foram identificados, uma vez que se encontravam nas imediações

da cidade, bem como a Igreja de Nossa Senhora do Rosário construída onde existiu o

Quilombo do Cascalho (COSTA, 2002:36).

3-OS GRUPOS ÉTNICOS: O ENCONTRO ENTRE INDIGENAS E QUILOMBOLAS

Possivelmente o episódio da destruição dos aldeamentos indígenas de Carmo do Rio Claro

ocorreu mais tardiamente, ou seja, em fins do século XVIII. Os primeiros aldeamentos de

Minas Gerais teriam sido devastados pelas Bandeiras Paulistas (ROMEIRO, 2003:173) que

teriam penetrado cada vez mais rumo aos “sertões” do Mato Grosso e Goiás e não

especificamente onde se situa Carmo do Rio Claro, que se localiza a sudoeste em MG.

Relatos orais nos afirmam que pequenos grupos indígenas que ainda permaneciam em

CRC mantiveram contatos com os quilombolas. Ambos foram perseguidos por milícias de

capitães-do-mato (LIMA, 2008:126-130), ao fim da primeira metade do século XVIII

(GRILO, 1996:18-30).

A fonte histórica utilizada como referência para este trabalho citada acima – A

Enciclopédia dos Municípios Brasileiros - faz referência ao grupo indígena Catáguases

designados também como Cataguás ou Catáuas. Eram considerados índios bravos, “belicosos 3 Segundo nos evidencia o mapa abaixo seria a Bandeira de Bartolomeu Dias de Siqueira a que teria adentrado a região

sudoeste de Minas gerais, situada próxima ao Rio Grande.

4 Não teriam ocorrido guerrilhas entre indígenas e milícias especificamente em tal região, mas, em outra bem próxima.

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senhores do sertão”, assim nos faz referência o historiador Diogo de Vasconcelos autor de

Histórias Antigas das Minas Gerais (ROMEIRO, 2003:173). Tal autor os identifica como

etnia ameríndia que povoava as regiões entre Goiás, Minas Gerais e extensas áreas do Campo

das Vertentes até o Rio das Mortes. Há divergências de opiniões em relação a que grupo

indígena seria o que nos leva a crer que, provavelmente seriam os Kayapó pertencentes ao

tronco linguístico Gê (GRILO, 1996:21), pois estes povoavam o vale do Rio Grande ao longo

de sua maior extensão. Eram considerados notáveis, aliás, pela tenacidade com que resistiram

às investidas dos capitães-do-mato ou mestres - de -campo (ROMEIRO, 2003:173).

Figura 3: Guerrilha Entre Indígenas, Escravos e Milícias. De Johann. M. Rugendas (1820).

È a ciência arqueológica que, por meio da cultura material existente nos corrobora que

existira outra etnia ameríndia, todavia, originária do grupo linguístico Tupi, que se adentrara

para o interior do território de MG e que provavelmente estabeleceram contato com o grupo

linguístico Gê, ou os Kayapó, que já habitavam tal território. A estética, o estilo e os símbolos

das culturas materiais entre os Gê e Tupi são distintas.

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Caracterização etnográfica

Figuras 4 e 5: Fragmentos cerâmicos pintados e ungulados, Tradição Tupiguarani. Museu Histórico e Arqueológico

Antônio Adauto Leite. Fotografias gentilmente cedidas por Edson Gomes (2009).

Os primeiros Quilombos são de um período posterior à formação da cidade de CRC, os

indivíduos que o compunham eram em sua maioria descendentes de grupos de nativos

provenientes do Continente Africano. Estes, ao aportarem em território brasileiro, que

convenhamos se constituía em quantidades significativas fora, transportados para o processo

de escravização nas regiões interioranas de Minas Gerais, território onde se estabelecia os

núcleos mineradores para exploração da Coroa Portuguesa (LIMA, 2008:21-187). Utilizados

também em fazendas de cultivo de cana -de -açúcar, café, fumo e outros gêneros alimentícios.

Alguns destes se refugiaram no Município que hoje conhecemos como Carmo do Rio Claro.

A escolha do complexo geográfico em que se insere tal região é provavelmente devido à

heterogeneidade do meio natural e devido à distância dos núcleos mineradores. Cabe enfatizar

que, existiam núcleos de Quilombos que já detinham mais ou menos informações sobre os

possíveis territórios para que outros fugitivos ou ex- escravos se instalassem.

Os quilombolas nos deixaram seus registros materiais, que se afirmaram como etnografias.

Suas “assinaturas” são observadas nos artefatos da coleção etnográfica que hoje é resguardada

pelo Município de Carmo do Rio Claro e que se encontra no Museu Histórico e Arqueológico

Antônio Adauto Leite.

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Caracterização etnográfica

Figuras 6 e 7: Objetos cerâmicos Tradição Neo-Brasileira, influência de quilombolas e/ ou escravos (observe a

decoração). Museu Histórico e Arqueológico Antônio Adauto Leite. Fotografias gentilmente cedidas por Edson Gomes

(2009).

O historiador Pablo Luis de Oliveira Lima (2008:220) em sua tese de doutorado muito nos

diz a respeito dos quilombolas e dos Quilombos formados no período da colonização nas

Minas Setecentista. O autor faz referência às fontes historiográficas como os relatos de

viajantes naturalistas europeus aos Documentos Ultramarinos que constam a respeito das

formações de Quilombos em Minas Gerais. Tal autor nos diz a respeito da organização social

daqueles, o sentimento de religiosidade, os comportamentos positivos ou negativos dos

mesmos frente às sociedades letradas ou senhoriais, os gêneros de vida utilizados por aqueles

em seus Quilombos. A cultura, os costumes ou hábitos destes grupos étnicos eram

completamente diferentes de seus senhores. Afinal, estes eram provenientes de outro

continente, pertencentes a algum grupo étnico existente na África. Seus costumes religiosos

provavelmente eram cultuados secretamente de seus senhores, afinal, possuíam uma

cosmografia diferenciada dos mesmos, do indígena e do branco pobre. No período colonial

estes serviram como “mercadoria” a ser caçada e quando capturada sofria algumas penas

restritivas, como a mutilação de partes do corpo, entre outras. Eram fontes de recursos

onerosos aos capitães –do- mato (LIMA, 2008:23).

Os Quilombos se estabeleceram no que hoje denominamos de paisagens culturais,

conteúdo geográfico de determinada área, no qual são manifestas as escolhas feitas e as

mudanças realizadas pelos homens enquanto membros de um grupo cultural. E, sobretudo

Lima (2008:54-70) nos apresenta referências a respeito da história cultural dos quilombos por

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meio de documentos historiográficos, topônimos ou evidências linguísticas destes grupos em

lugares ou espaços territoriais diferenciados.

Em um período posterior a destruição do Quilombo do Cascalho, entre os anos de 1880-

85 o Município de CRC contabilizava 1227 escravos (COSTA, 2002:36). Em síntese, os

escravos surgiram bem depois com a adquirição de terras por colonos, antes existiam os

quilombolas que se dispersaram pós-chegada de tais.

Os grupos indígenas Gê, os Kayapó, que se insere na Tradição Aratu-Sapucaí, se

instalavam em encostas de morros suaves e nas proximidades dos cursos de água. Os

aldeamentos destes grupos eram em formas circulares ou em ferradura. Prováveis grupos

ceramistas que se utilizavam de objetos fabricados em rochas e minerais, portanto,

utilizavam-se da indústria lítica. Os mortos de tal etnia eram sepultados em urnas funerárias

ou igaçabas e dentro um adorno em mineral ou rocha era sempre depositado junto aos restos

ósseos (PROUS, 2006:84-92). Os homens eram polígamos. Existiam hierarquias no grupo

como em outros. A alimentação segundo André Prous (2006:90-91) se constituía basicamente

de milho, entre outros tubérculos, mandioca, batata-doce etc. As mulheres que se

encarregavam de produzir alimentos e confeccionar as vasilhas cerâmicas. Evidências destes

grupos caçadores e coletores também são encontradas em Pains, MG, as datações para estes

grupos são entre 9000 ou 8000 anos atrás (PROUS, 2006:84; HENRIQUES et al., 2008:97-

109: GOMES, 2009:18). Provenientes do interior, ou seja, do Brasil Central que se

dispersaram. Aldeias foram localizadas em Goiás, em Minas Gerais a sudoeste e ao norte em

fronteira com a Bahia. É observada a preferência destes em contato com lugares de cerrados

(PROUS, 2006:85).

Os tupis5 inseridos na Tradição Tupiguarani eram grupos horticultores, utilizavam-se de

milho, mandioca (brava e doce), cultivavam batata-doce, feijão, pimenta, amendoim, abóbora

e abacaxi, seria o que basicamente constituía a alimentação destes. Plantavam algodão para

confecção de redes e o tabaco para rituais de defumação. Pescavam e caçavam.

Grupos ceramistas, as mulheres quem fabricavam todas as vasilhas dentre elas as

igaçabas, sempre trabalhadas com decorações incisas, corrugadas ou unguladas6·. Todas as

vasilhas, menores ou maiores, preservam pinturas e possuem detalhamentos de engobo em

suas bordas, diferente dos grupos Gê (Tradição Aratu-Sapucaí) que não oferecem estas

5 Sabemos apenas o tronco linguístico.

6 Ver figuras 4 e 5

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características ou técnicas de detalhamentos. No entanto, há a coincidência de serem as

mulheres as produtoras de cerâmicas. As igaçabas encontradas em Carmo do Rio Claro foram

possivelmente utilizadas para a preparação do cauim (bebida feita de milho e mandioca), e

também reutilizadas para sepultamento de adultos (PROUS, 2006:95-100), como a que foi

encontrada com restos ósseos. Este hábito era utilizado também, pelos grupos Gê ou Kayapó.

Detalhe, os mortos eram enterrados de forma provisória em uma cova até as carnes

apodrecerem, depois, os ossos eram depositados dentro da igaçaba, que deixava de servir

como vasilha para armazenar o cauim e que se tornava urna funerária. Os Gê deveriam fazer o

mesmo com seus mortos. Estes grupos também utilizavam se da indústria lítica, com a

principal finalidade pra confecções de adornos corporais como os tembetá, pontas de projétil

(flecha), tacapes, machados semilunares, cachimbos e entre outros.

Figuras 8 e 9: Restos ósseos dentro de uma igaçaba, Tradição Aratu Sapucaí, Kayapó. Museu Histórico e

Arqueológico Antônio Adauto Leite. Fotografia gentilmente cedida por Keylla P. Francisco (2008).

Não há vestígios existentes, devido a sua periodicidade, de instrumentos de matérias

orgânicas como o arco de madeira, canoas de tronco de árvores, redes de algodão, adornos de

pena, os maracás, etc., (PROUS, 2006:103-108), nem dos grupos tupi (Tradição Tupiguarani)

e nem dos Gê (Tradição Aratu-Sapucaí) que também se utilizavam destes objetos. Portanto,

há ligação destes com áreas de mata ciliares, e de cursos fluviais e interesse em solos

orgânicos. Afinal, estes conheciam bem a que se prestavam os tipos de solos. Habitavam

antes parte do litoral brasileiro, contudo, depois do contato e percebendo somente

posteriormente que as intenções dos europeus, bandeirantes, posseiros e mestres - de- campo

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não constituíam em absoluto de nobres intenções, estes se adentraram para o interior do

Brasil. Este é o principal se não único motivo dos registros da existência destes em Carmo do

Rio Claro, grupos do litoral em contato com grupos do interior do Brasil. Múltiplos territórios

“conquistados” e posteriormente abandonados, períodos de andanças e nomadismos, fatores

que se deram pela necessidade de se resguardarem daqueles.

O encontro étnico de grupos indígenas e quilombolas, ambos com modos de vida

diferenciados, sempre ocorreram. Vastas são as bibliografias que discutem este contato e

posterior miscigenação, entre uma delas à de Freyre (1900-1987) 7, que diz respeito sobre este

contato de etnias díspares. Os negros afrodescendentes, escravos ou ex-escravos viam de

outro continente, atravessaram o Atlântico, se dispersaram de seus familiares, e o que podiam

conservar em si que era sua cultura deveria se adequar ao do senhor ou proprietário. Contudo,

as histórias sobre os quilombos e principalmente em Minas Gerais, evidencia-se o contrário

de tal situação, houve sim posteriormente o processo histórico de resistências. Estes

reivindicavam a liberdade de todas as formas que lhes eram possíveis, tinham uma visão mais

politizada e organizada (LIMA, 2008:15-55), sabiam como se articularem frente às injustiças,

ao contrário do que de fato ocorreu com os grupos indígenas que tardiamente passaram a

reivindicar territórios e os seus direitos (TODOROV, 2003:3-118).

Enfim, a visão cosmografica de ambos (indígenas e quilombolas) se diferenciava, mas,

contudo o sincretismo possivelmente deve ter ocorrido, assim como os hábitos de

sobrevivência em meio a um complexo geográfico por tais escolhidos. A necessidade de

sobrevivência entre ambos os grupos, que se encontravam coagidos e ameaçados por outros,

bandeirantes, posseiros, mestres- de - campo ou capitães –do –mato, provavelmente ocorreu

em CRC de forma se não harmônica ao menos de reconhecimento de infortúnios entre estes.

Não encontramos os documentos ou registros que possam evidenciar querelas entre os grupos

étnicos, mas sim, sobre o sincretismo entre culturas distintas evidenciadas nos artefatos, na

cultura material. Cabe lembrar que nos referimos a um período posterior a criação da cidade

de CRC, período em que indígenas e afrodescendentes ainda coexistiam naquela região e que

se conscientizavam do período de extermínio que poderia lhes sobrevir.

Ou seja, o território antes ocupado por grupos autóctones pré-históricos, como é

evidenciado através de inúmeras formas de registros que contem as suas “assinaturas”, e que

nos evidenciam variadas características geográficas culturais, faz com que nos remetamos a

7 Livro Casa-Grande & Senzala de Gilberto Freyre.

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um período que é posterior, ao Pré-colonial, através do sincretismo étnico entre negros,

indígenas e brancos, amalgama cultural brasileira.

A região de Carmo do Rio Claro se torna, portanto, palco dos contrastes entre o pré-

histórico e o pré-colonial, “é” uma área cultural. Evidenciada por meio dos registros da

cultura material, das paisagens culturais, história da cultura que mesmo transformadas pelo

homem ao longo dos séculos, ainda guarda por meio de fontes como topônimos de lugares,

sítios arqueológicos, fatores linguísticos, descendentes etc. o seu passado indígena e

afrodescendente.

Aquele território étnico foi sustentáculo para existência daqueles grupos, graças à

organização do espaço por meio da hidrografia, geomorfologia, fauna, flora e tantos outros

atributos ainda existentes e que conservam os registros etnográficos com as formas

diversificadas de “assinaturas” ou “marcas” da existência do homem pré-histórico. São

atributos diversificadores que justificam a escolha daquele complexo geográfico para as

sobrevivências, quer seja do indígena ou do quilombola.

Carmo do Rio Claro como área cultural constitui-se não só de ambientes naturais

heterogêneos e de recursos técnicos utilizados para o modo de vida e para a instalação de

grupos étnicos, mas, sobretudo de um rico e inigualável sistema de mitos, ritos, símbolos, a

sabedoria ancestral e a conscientização de indígenas e quilombolas a respeito de suas próprias

existências na Terra.

Figura 10: Catléias valquirianas ou “flores dos espíritos” segundo o Sr. Antonio A. Leite, estas eram oferecidas aos

ancestrais indígenas, aos mortos. Fotografia gentilmente cedida por Keylla P. Francisco (2008).

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4-CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há uma infinidade de indícios e registros da existência do homem no Continente

Americano a partir do período Pré-histórico, ou seja, há aproximadamente 11.000 anos.

Concluímos que neste período não existia a escrita e, no entanto, o homem já detinha o

conhecimento e observação dos espaços ou territórios que melhor lhes conviriam. Mesmo que

de forma rudimentar estes se comunicavam, criavam se dispersavam por territórios inabitados

ou não. Constatamos o relacionamento intrínseco do homem com a natureza e com os

recursos que esta lhes proporcionava, tanto os orgânicos, os minerais e os espaços físicos.

Estes adquiriram técnicas que os condicionaram aos espaços/territórios em que lhes conviria

habitar, mesmo que por curto espaço de tempo. Foi então, a partir do Homo sapiens, que

constatamos o primeiro agente transformador das paisagens naturais.

Remontarmos a Pré-História nesta conclusão nos é indispensável, pois, é a melhor forma

de nos situarmos no tempo e espaço, esclarecendo sucintamente sobre o “salto” de o passado

tão remoto a partir do homem paleoíndio, ameríndio, indígena ou bugre, para melhor interface

com o período Pré-Colonial e o Colonial. Um lugar específico posteriormente nos foi

necessário, ou seja, Carmo do Rio Claro, onde averiguamos contatos entre grupos de etnias

díspares. Encontramos evidências de grupos humanos que habitaram aquele lugar por volta de

9.000 anos atrás e em um período posterior entre os séculos XVII e XVIII em que etnias

indígenas e africanas mantiveram contato e resultante deste, os sincretismos.

Evidenciamos através da coleção etnográfica existente no Museu Histórico e

Arqueológico Antonio Adauto Leite as “assinaturas” destes grupos indígenas e quilombolas e

por meio destas, o possível gênero de vida destes grupos. A necessidade de ilustrar

iconografias e figuras etnográficas contendo os artefatos líticos, cerâmicos, fragmentos, etc.

que nos confirmam e facilitam a compreensão do que se propõem este artigo.

A geografia cultural nos corroborou os territórios étnicos, espaço onde são localizadas as

evidências da existência de grupos humanos pré-históricos. Concluímos através da utilização

da história da cultura, que reúne evidências, como as fontes historiográficas, topônimos,

história oral, registros arqueológicos etc. quatro tipos de fatos: a origem, no tempo e lugar, de

determinadas características culturais ou de grupos humanos pré-históricos; as rotas ou

caminhos, épocas e modos de disseminação destes grupos humanos; a distribuição de algumas

áreas e/ou paisagens culturais e as características anteriores destas.

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Constatamos que o território onde se localiza a cidade de Carmo do Rio Claro é um

complexo geográfico constituído de heterogeneidade ambiental, recursos hídricos, minerais,

geomorfologias, fauna, flora e entre outros. Território étnico constituídos de áreas e/ou

paisagens culturais que sofreram processos de antropizações.

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